Sangue
e
Hematopoiese
5
SANGUE O sangue é um tipo especial de tecido conjuntivo cuja matriz extracelular se apresenta no estado líquido e flui num compartimento representado pelo sistema circulatório, transportando oxigênio e outros nutrientes (hormônios, eletrólitos, água e resíduos do metabolismo celular). A permuta dos elementos contidos no sangue com os tecidos se processa nos capilares sangüíneos, que são vasos de paredes mais simples, constituídos apenas de endotélio e sua membrana basal. Em alguns capilares, o endotélio apresenta pequenos poros, podendo ser atravessado pela água, por um grande número de moléculas hidrossolúveis e pela maioria dos íons. As substâncias lipossolúveis, como algumas vitaminas, dissolvem-se na membrana capilar e atravessam a sua extensão sem ar pelos poros. O trânsito de substâncias através das membranas celulares ocorre por dois mecanismos: difusão e transporte ativo. A homogeneidade do sangue é apenas aparente, pois é formado por duas fases: uma fase compreende os elementos figurados suspensos em outra fase líquida, o plasma sangüíneo com 91% de água e 9% restantes representados pelas proteínas, eletrólitos, gorduras, glicose, hormônios e numerosas outras substâncias. No homem adulto, o volume total de sangue é de aproximadamente 5 litros, o que corresponde a 7% do peso corporal, sendo composto pelo plasma em 55% de seu volume, sendo 2% de leucócitos e plaquetas e os 43% restantes correspondem aos eritrócitos. A regulação do fluxo sangüíneo nos capilares é devido às necessidades locais dos tecidos, pois o sangue não flui num ritmo contínuo. Os esfíncteres pré-capilares e as metarteríolas contraem e relaxam alternadamente em ciclos de 5 a 10 vezes por minuto, sendo a concentração de oxigênio nos teci-
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dos o fator que determina o grau de abertura dos esfíncteres. Quando a concentração de oxigênio é baixa, os esfíncteres pré-capilares permanecem abertos, aumentando o fluxo de sangue. Assim, quanto maior é a utilização de oxigênio pelos tecidos, tanto maior é o fluxo de sangue pelos seus capilares. O ritmo da contração dos esfíncteres é próprio e independe dos batimentos cardíacos ou da transmissão da onda de pulso do sistema arterial até a microcirculação. O sangue representa um importante sistema de defesa contra agentes invasores de diversas naturezas, incluindo-se as bactérias e os agentes químicos, devido à presença de células de defesa e elementos humorais. O sangue também desempenha outras funções como o transporte de oxigênio e de outros nutrientes, como glicose, aminoácidos, proteínas, gorduras, água, eletrólitos e elementos minerais até as várias células do organismo, além de remover o dióxido de carbono e outros resíduos do metabolismo celular para detoxicação ou eliminação. Assim, o sangue atua no processo de detoxicação, transporte e eliminação de substâncias absorvidas pelo organismo, inclusive os agentes farmacológicos, promovendo a sua eliminação através dos pulmões, dos rins, da pele ou mesmo pelas fezes. O sangue participa também do ajuste do teor de água dos diversos compartimentos líquidos do organismo, regulando a concentração de íons H+ mediante trocas iônicas e pela ação dos sistemas tampão, fundamentais ao equilíbrio ácido-básico osmótico dos líquidos teciduais, além de manter o pH dentro de limites adequados à função das enzimas e organelas celulares. O sangue distribui os hormônios produzidos pelas glândulas endócrinas por todo o organismo e participa dos mecanismos de regulação da temperatura corporal. Para a análise microscópica dos seus elementos é necessária a confecção de distensões sangüíneas, onde uma gota de sangue é colocada sobre uma lâmina histológica. Em seguida, com o auxílio de outra lâmina, distende-se a gota de sangue sobre a lâmina. Este procedimento facilita a observação dos elementos sangüíneos ao microscópio de luz (Fig. 5.1). Freqüentemente, para visualização de tais elementos, realiza-se a coloração das distensões sangüíneas com corantes especiais, com base na mistura de Romanowsky, que é uma mistura de corantes como a eosina, o azul-demetileno e azures-de-metileno. Outros corantes são encontrados comercialmente, como Leishman, Wright e Giemsa (misturas do tipo Romanowsky).
C ONSTITUIÇÃO
DO
S ANGUE
Na matriz extracelular do sangue, denominada plasma, se encontram em suspensão os elementos figurados (eritrócitos ou hemácias, leucócitos ou glóbulos brancos e plaquetas). A quantidade de hemácias existente no sangue é um indicador de grande importância na avaliação clínica dos indivíduos. A sua expressão mais simples é o hematócrito, que representa o porcentual de hemácias contido no sangue (Fig. 5.2). O volume de hemácias tem relação direta com a quantidade de hemoglobina; portanto, o hematócrito é um indicador indireto da capacidade do sangue em transportar oxigênio para os tecidos. O hematócrito normal para os homens varia de 40% a 42% e para as mulheres, de 38% a 42%. Segundo a téc70
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Lâmina distensora
Gotícula de sangue
Fig. 5.1 — Um modo de se confeccionar uma distensão sangüínea.
nica de preparo do hematócrito, a centrifugação em alta velocidade de um pequeno volume de sangue dentro de um tubo graduado permite estimar o volume ocupado pelas hemácias com relação ao sangue total. Os valores normais estão representados na Tabela 5.1.
P LASMA S ANGUÍNEO O plasma sangüíneo é a fase líquida e representa a porção não-celular do sangue. É um líquido viscoso, de tonalidade amarelo-pálido. Ao centrifugarmos um determinado volume de sangue em um tubo de ensaio por alguns minutos, as células se depositam no fundo e sobre elas observamos uma camada de líquido amarelo palha ou âmbar, claro, opaco e viscoso, o plasma sangüíneo. Em um indivíduo normal, o plasma corresponde a 60% do volume de sangue, para um hematócrito de 40%, porém, quando recolhemos um volume de sangue em um tubo de vidro, após alguns minutos forma-se um coágulo. Em seguida, o coágulo se consolida, torna-se mais firme e sólido por um mecanismo conhecido como retração. Ao se retrair, o coágulo expele a maior parte de líquido retido no seu interior e o líquido expelido é denominado soro sangüíneo. O soro corresponde ao plasma sem as proteínas do sistema de coagulação e outras retidas no coágulo. © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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10
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6
6
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3
3
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1
1
Plasma
Leucócitos
Eritrócitos
Fig. 5.2 — Tubos de hematócrito com sangue. À esquerda, antes da centrifugação, e à direita, após centrifugação.
A água, sob a forma líquida, é o principal componente do plasma sangüíneo e corresponde a 91% do seu volume. Os 9% restantes correspondem a proteínas (7%) e outros elementos dissolvidos (2%). O plasma permite o livre intercâmbio de vários componentes entre o sangue e o líquido intersticial. Este intercâmbio é realizado através dos poros da membrana da célula endotelial que constitui o capilar. Em condições habituais, devido às dimensões de sua molécula, as proteínas plasmáticas não atravessam a membrana do capilar, permanecendo no plasma. Entretanto, outras substâncias dissolvidas no sangue e as moléculas de água podem se difundir livremente. A saída da água do plasma através dos capilares é controlada pela pressão coloidosmótica (pressão oncótica) e pelo estado da permeabilidade das membranas. Em outras palavras, as proteínas extraem água dos tecidos para os capilares e dificultam a saída de água dos capilares para os tecidos. As proteínas do plasma são de três tipos principais: a albumina, as globulinas e o fibrinogênio.
Tabela 5.1 Hematócrito Normal Apresentando a Porcentagem dos Elementos Figurados Homem: Mulher: Criança: Recém-nascido:
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40% 35% 36% 44%
a a a a
54% 47% 44% 62%
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A albumina corresponde a 55% do total de proteínas plasmáticas, sendo o principal responsável pela manutenção da pressão coloidosmótica do plasma. As globulinas correspondem a 38% do total de proteínas e são de três tipos principais: alfaglobulinas, betaglobulinas e gamaglobulinas. As globulinas alfa e beta desempenham diversas funções auxiliando no transporte de outras substâncias pelo organismo, sendo chamadas de carreadoras ou transportadoras. Elas se combinam com substâncias, formando complexos conjugados que são transportados a diversos órgãos para exercer suas funções. As gamaglobulinas e algumas betaglobulinas são parte fundamental do sistema de defesa do organismo, incluindo-se os mecanismos de imunidade e alergia. Essas globulinas formam os anticorpos, protegendo o organismo contra infecções. O fibrinogênio, outras proteínas e alguns fosfolipídeos constituem a porção plasmática responsável pelo fenômeno da coagulação do sangue. O fibrinogênio corresponde a 7% do total de proteínas do plasma, existindo entre 100 e 700mg de fibrinogênio em cada 100mL de plasma. O fibrinogênio é sintetizado no fígado e, devido ao seu grande peso molecular, não costuma ar para o líquido intersticial. Contudo, quando a permeabilidade dos capilares aumenta, o fibrinogênio pode ar ao interstício em quantidades suficientes para permitir coagulação. No plasma também encontramos outras substâncias dissolvidas, como os eletrólitos. Os principais eletrólitos no plasma são o potássio, sódio, cloro, cálcio, fosfato, sulfato e magnésio. Estes eletrólitos são necessários ao desenvolvimento da função celular, difundindo-se para o líquido intersticial e depois para o líquido intracelular. O cálcio, sódio e potássio são essenciais à condução dos impulsos elétricos e à contração muscular. Além dos eletrólitos, diversas outras substâncias são transportadas pelo plasma sangüíneo e alcançam o líquido intracelular e são fundamentais na manutenção das funções celulares como a glicose, hormônios, colesterol, uréia, creatinina, aminoácidos, hidratos de carbono, ácidos graxos, vitaminas e outras. A glicose é uma fonte essencial de energia para todos os tecidos do organismo e sua concentração normal é de 80 a 120mg%. A glicose que se encontra dissolvida na água do plasma é utilizada como fonte de energia e, junto com outros açúcares, penetra nas células por difusão, o que é favorecido pela insulina, um hormônio produzido pelo pâncreas.
E LEMENTOS F IGURADOS São representados pelos eritrócitos, leucócitos e plaquetas (Fig. 5.3). Os elementos figurados apresentam diferentes dimensões e ocorrem em diferentes proporções no sangue.
Eritrócitos Os eritrócitos ou hemácias são os glóbulos vermelhos do sangue. Nas distensões sangüíneas de sangue periférico apresenta-se como um disco de formato bicôncavo de 1,8µm de espessura, variando de 7,5 a 8,7µm, e suas di© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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Tabela 5.2 Elementos Figurados no Sangue Periférico
Figurado
Dimensões
Quantidade
Eritrócitos
6,5 a 8µm
3,9-5,5 milhões/µL na mulher 4,1-6,0 milhões/µL no homem
Leucócitos Neutrófilo Eosinófilo Basófilo Linfócito Monócito
12-15µm 12-15µm 12-16µm 6-18µm 12-20µm
6.000-10.000/µL 60-70% 2-4% 0-1% 20-30% 3-8%
Plaquetas
2-4µm
200.000-400.000/µL
mensões diminuem levemente com a idade. São estruturas anucleadas que se deformam com facilidade. A sobrevida média das hemácias no sangue circulante é de 100 a 120 dias; ao final desse período as suas membranas tornamse frágeis e as hemácias mais velhas são removidas da circulação. A destruição e a produção de hemácias se equilibram, não havendo anemia ou poliglobulina. A medula óssea produz hemácias continuamente para a sua renovação no sangue circulante. As hemácias não apresentam organelas e o seu citoplasma, constituído de material denso e granular, corresponde praticamente à hemoglobina, responsável por sua acidofilia típica. A principal função das hemácias é conter a hemoglobina, pigmento encarregado do transporte dos gases respiratórios (oxigênio e gás carbônico) para todos os tecidos, o que é facilitado pela forma bicôncava da hemácia. A manutenção da forma do eritrócito deve-se a elementos do seu citoesqueleto, onde filamentos da proteína espectrina ancoram-se à membrana celular através de três proteínas (proteína da banda 3, anquirina e proteína da banda 4). A hemoglobina é produzida no interior dos precursores das hemácias localizados na medula óssea, pela utilização do ferro captado da circulação. O ferro da circulação sangüínea é obtido da digestão dos alimentos ingeridos e durante o processo de renovação das hemácias envelhecidas. Quando a hemoglobina está ligada ao oxigênio é denominada oxiemoglobina, conferindo ao sangue a sua cor característica, e quando se une ao gás carbônico é denominada carboxiemoglobina apresentando tonalidade mais escura e menos brilhante. A hemoglobina apresenta maior afinidade ao CO2 do que ao O2 e, quando os eritrócitos am pelos pulmões, suas hemoglobinas se ligam ao O2 (devido à sua grande concentração nos alvéolos) e, à medida que eles se aproximam das células que estão carregadas de CO2, suas hemoglobinas liberam o O2 para se ligarem ao CO2, distribuindo o oxigênio para todas as células do corpo. A hemoglobina é formada a partir da combinação de quatro moléculas, ou radicais heme, com uma proteína, a globina. O radical heme é um complexo metálico que contém ferro no estado ferroso e é o responsável pela cor do pig74
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mento. As moléculas do oxigênio combinam-se com o ferro da hemoglobina mediante ligação química especial, facilmente reversível, que favorece a sua liberação nos tecidos do organismo. A globina é uma proteína incolor formada por dois pares de cadeias de polipeptídeos: um par chamado de polipeptídeo alfa e outro par, o polipeptídeo beta. Portanto, a molécula da hemoglobina é formada pela união de quatro polipeptídeos e quatro radicais heme. A cadeia alfa-globina (polipeptídeo alfa) é constituída por um conjunto de 141 aminoácidos, enquanto a cadeia betaglobina (polipeptídeo beta) inclui 146 aminoácidos. Elas se reúnem duas a duas formando três tipos principais de hemoglobinas. No adulto, a hemoglobina A1 (Hb A1) é a principal hemoglobina, enquanto a hemoglobina A2 (Hb A2) ocorre em menor quantidade. A hemoglobina fetal (HB F) é muito ávida pelo oxigênio e de grande importância na vida fetal, já que o feto não tem o ao ar. Nos adultos, 96% da hemoglobina são normalmente Hb A1, 2% de Hb A2 e 2% de Hb F. Além da hemoglobina encontramos uma grande quantidade da enzima anidrase carbônica, que tem a função de catalisar a ligação entre o gás carbônico e a água, formando o ácido carbônico. Essa molécula é altamente instável, dissociando-se naturalmente em bicarbonato e hidrogênio. Desta forma, o gás carbônico, que é tóxico para a célula, é transportado também na forma de bicarbonato. A produção de hemoglobina pelos hemocitoblastos na medula óssea depende de uma série de fatores, inclusive da presença do ferro, obtido principalmente dos alimentos ingeridos. O organismo absorve o ferro ao nível do duodeno e do jejuno, principalmente sob a forma “não-heme” (95%), sendo transportado para a medula óssea mediante combinação com a glicoproteína transferrina. O ferro, que não é imediatamente usado para a produção da hemoglobina, fica armazenado no tecido hemopoiético sob a forma de ferritina. O 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) é um composto químico encontrado no interior da hemácia. O 2,3-DPG ocorre no sangue em quantidades idênticas às da hemoglobina e se encontra combinado com a hemoglobina. A principal função do 2,3-DPG é reduzir a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, facilitando a sua liberação nos tecidos.
Leucócitos Os leucócitos ou glóbulos brancos do sangue encontram-se engajados com a defesa do organismo. A denominação glóbulos brancos deve-se à observação macroscópica do sangue após sua coagulação em um tubo de ensaio, devido a uma camada branca observada acima dos eritrócitos (Fig. 5.2). A vida média dos leucócitos circulantes é de seis a oito horas; permanecendo nos tecidos cerca de dois a três dias. São células nucleadas, podendo ser divididos em dois grandes grupos: • Granulócitos, também chamados de polimorfonucleares, apresentam núcleo com vários lóbulos e contêm grânulos específicos no citoplasma; • Agranulócitos ou mononucleares, são células que não apresentam grânulos específicos citoplasmáticos. © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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Granulócitos Os granulócitos apresentam núcleo com formato irregular e, de acordo com a afinidade tintorial de seus grânulos citoplasmático, podem ser classificados de três tipos: os neutrófilos, os eosinófilos e os basófilos.
Neutrófilos Os neutrófilos são os leucócitos mais numerosos; possuem forma arredondada, com um núcleo que apresenta de três a cinco lóbulos unidos por pontes de cromatina (Fig. 5.3). Quando jovem, o núcleo não é lobulado e a lobulação nuclear aumenta à medida que a célula envelhece. Em pessoas do sexo feminino nota-se freqüentemente um apêndice nuclear em forma de raquete (corpúsculo de Barr) que contém a cromatina sexual constituída por um cromossoma X heterocromático (Fig. 5.4). Os neutrófilos são dotados de capacidade fagocitária e possuem numerosos grânulos no seu citoplasma. Os primeiros grânulos produzidos são os grânulos primários ou azurófilos; depois se inicia a síntese dos grânulos específicos ou secundários. Os grânulos azurófilos são lisossomos que contêm peroxidases e enzimas hidrolíticas, atuando na degradação dos componentes fagocitados. Os grânulos secundários são menores e mais numerosos que os primeiros, contêm fosfatase alcalina, lactoferrina (uma proteína ávida por ferro), lisozima (ataca os peptidoglicanos da parede das bactérias Gram-positivas) e outras substâncias de ação bactericida capazes de formar poros na membrana das bactérias causando sua morte; e um agente bacteriostático que impede a proliferação de bactérias. Um terceiro grânulo, o grânulo terciário, possui a enzima colagenase, responsável pela degradação da matriz do tecido conjuntivo permitindo o deslocamento do neutrófilo para o local de inflamação. Na circulação sangüínea, os neutrófilos podem estar suspensos no plasma e circulando nos vasos sangüíneos (compartimento circulante) ou ligados ao endotélio, não sendo levados pela corrente sangüínea (compartimento marginal).
Eosinófilos Os eosinófilos são células com 12-17µm de diâmetro; possuem um núcleo bilobulado, sendo facilmente reconhecidos nas distensões sangüíneas pela presença de grânulos fortemente acidófilos (Fig. 5.3). São células dotadas da capacidade fagocitária com afinidade pelo complexo antígeno-anticorpo, mas a atividade microbicida é menor que dos neutrófilos. Os grânulos dos eosinófilos são ovóides (0,15-1,5µm de comprimento e 0,31,0µm de espessura) e contêm um cristalóide central eletrondenso circundado por uma matriz eletronluscente. No homem, o cristalóide consiste em uma proteína básica principal, enzimas hidrolíticas e peroxidase. Grânulos menores (0,15-1,5µm) contêm fosfatase ácida e aril sulfatase. Há evidências de que os eosinófilos produzem substâncias que inativam leucotrienos e histamina. A aril sulfatase neutraliza a ação da substância de reação lenta (SRL), e a 76
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Neutrófilo
Eosinófilo
Basófilo
Linfócito
Monócito
Eritrócito
Fig. 5.3 — Elementos figurados do sangue periférico.
histaminase atua sobre a histamina. Desta forma, os grânulos dos eosinófilos, quando liberados, impedem a vasodilatação diminuindo a reação inflamatória.
Basófilos Os basófilos são os leucócitos menos numerosos; possuem um núcleo bilobulado, normalmente de difícil visualização devido à grande quantidade de grânulos citoplasmáticos (Fig. 5.3). © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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Neutrófilo jovem
Neutrófilo de meia-idade
Neutrófilo maduro
“raquete”
Fig. 5.4 — Tipos de neutrófilos.
Os grânulos possuem enzimas hidrolíticas, heparina, histamina e a substância de reação lenta (SRL). A histamina e a SRL são agentes vasodilatadores que permitem a saída de leucócitos do sangue para o tecido conjuntivo durante a reação inflamatória. A heparina é um anticoagulante que age localmente e, junto com a histamina e a SRL, auxilia a saída desses leucócitos do sangue. Na membrana dos basófilos encontramos receptores para a fração Fc da IgE produzida em resposta à presença de substâncias alérgicas. A ligação aos antígenos específicos da membrana promove degranulação da célula, liberando histamina e outros vasoativos, tendo como resultado a reação de hipersensibilidade imediata (anafilática), como em algumas formas de asma, urticária e anafilaxia.
Agranulócitos Encontramos no sangue dois tipos agranulócitos: os monócitos e os linfócitos.
Monócitos Os monócitos são os maiores leucócitos, possuindo núcleo irregular com uma pequena reentrância, citoplasma com numerosos grânulos pequenos e densos (lisossomos) (Fig. 5.3). Os monócitos são células circulantes, utilizando o sangue como veículo de transporte. Ao deixarem a medula óssea, onde são produzidos, permane78
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cem no sangue apenas por alguns dias, atravessando a parede de vasos sangüíneos e ganhando o tecido conjuntivo, dando origem aos macrófagos. O conjunto de células representado por precursores da medula óssea, monócitos circulantes e macrófagos presentes em diversos tecidos, constitui o sistema macrofágico-monocitário (sistema mononuclear fagocitário, SMF).
Linfócitos Os linfócitos são as principais células do sistema imune. Possuem núcleos esféricos, ligeiramente endentados, que ocupam quase todo o citoplasma da célula (Fig. 5.3). Nesse citoplasma encontramos principalmente polirribossomas livres e poucas mitocôndrias. Eventualmente, podem ser identificados lisossomas pequenos e densos que correspondem aos grânulos azurófilos. Existem dois tipos funcionais de leucócitos: os linfócitos T e os linfócitos B. Os linfócitos B são assim denominados porque foram descritos pela primeira vez na bolsa de Fabrício das aves. Ambos podem ser produzidos nos tecidos linfóides e na medula óssea. Os linfócitos B têm um tempo variável de vida e, quando diferenciados em plasmócitos, participam na produção de anticorpos. Os linfócitos T são assim denominados porque completam a sua maturação no timo. São de vida longa e participam ativamente dos mecanismos relacionados com a imunidade celular. Receptores existentes na sua superfície são capazes de identificar antígenos específicos. Ao reconhecer um antígeno, os linfócitos T estimulam a diferenciação dos linfócitos B visando à produção de anticorpos específicos para aquele antígeno.
Plaquetas As plaquetas, também chamadas trombócitos, não são células, mas sim corpúsculos ou fragmentos celulares, formados a partir de uma célula gigante chamada megacariócito residente na medula óssea. A fragmentação do citoplasma de megacariócitos resulta na formação das plaquetas, que são lançadas na circulação sangüínea sob a forma de corpúsculos ligeiramente arredondados (Fig. 5.5). As plaquetas não contêm grânulos no seu interior e seu diâmetro médio é de 1,5 a 4µm, com espessura de 0,5 a 1µm. Quando ativadas, as plaquetas intumescem substancialmente e podem atingir diâmetros entre 25 e 50µm. A estrutura interna das plaquetas é bastante complexa e adaptada às funções que exercem. Envolvendo as plaquetas existe uma camada mais externa chamada glicocálice, rica em glicoproteínas. Esta camada contém receptores para diversos agentes capazes de ativar as plaquetas. Algumas desta glicoproteínas são importantes para as funções de adesividade e agregação plaquetária. Abaixo da camada glicoprotéica existe a membrana plaquetária. Internamente existe um conjunto de filamentos especializados, próximos de um sistema canalicular, com diversos canalículos que penetram no interior das plaquetas, chamado sistema canalicular aberto. O sistema canalicular aberto aumenta bastante a superfície da plaqueta e permite a expulsão de © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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produtos secretados por suas organelas para o plasma, permitindo ainda a fácil penetração de substâncias do plasma para o interior das plaquetas. O citoplasma das plaquetas é de consistência viscosa, contendo numerosas organelas e grânulos. Microfilamentos e túbulos densos, que contêm actina e miosina, contribuem para manter a forma discóide, além de participar na contração das plaquetas quando estimuladas pelo aumento do cálcio no seu interior. A contração das plaquetas é o resultado da movimentação dos microfilamentos, comprimindo as organelas e grânulos citoplasmáticos, liberando seu conteúdo para o plasma através do sistema canalicular aberto. Este processo representa um sofisticado mecanismo de liberação de substâncias produzidas pelas plaquetas. As organelas e os grânulos no interior do citoplasma são de vários tipos; as principais são as mitocôndrias, os grânulos densos e os grânulos alfa. Os grânulos alfa contêm o fator plaquetário IV, que participa dos fenômenos da coagulação do sangue e contém ainda betatromboglobulina e fibrinogênio. Os grânulos densos são reservas de difosfato de adenosina (ADP), trifosfato de adenosina (ATP), cálcio e serotonina. Outros grânulos do citoplasma contêm ainda catalase, fosfatase ácida e outras enzimas. O sistema tubular denso contém ciclooxigenase, enzima que converte o ácido araquidônico da membrana em prostaglandinas e em tromboxano A2, que é a substância vasoconstritora mais potente do organismo, cujo metabólito é o tromboxano B2. A mitocôndria é a organela responsável pela produção e pelo armazenamento de energia da plaqueta, onde o ATP (trifosfato de adenosina) é produzido e armazenado. Outros grânulos do citoplasma contêm diversas enzimas, como a fosfatase ácida e a glicuronidase. As plaquetas são fundamentais aos processos de interrupção da perda sangüínea (hemostasia), na formação e na retração do coágulo. Sua atuação depende das propriedades de adesão e agregação. Os autores fornecem várias explicações sobre o mecanismo de agregação, adesão plaquetária e a coagulação sangüínea. A superfície externa das plaquetas tem cargas elétricas negativas, iguais às do endotélio dos vasos. As cargas elétricas iguais tendem a se repelir; por esta razão, as plaquetas tendem a permanecer intacta na circulação, sem aderirem ao endotélio. Quando esse equilíbrio elétrico se rompe, por lesão do endotélio ou por contato com qual-
Megacariócito Plaquetas Fig. 5.5 — Megacariócito e a formação de plaquetas.
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quer superfície diferente do endotélio vascular, as plaquetas imediatamente aderem à superfície com que entram em contato. Esta é a propriedade de adesividade. No estado normal. o endotélio intacto também produz certas substâncias que inibem a agregação plaquetária, como a prostaciclina e o óxido nítrico (NO2). O endotélio também bloqueia a coagulação pela presença de trombomodulina e uma substância semelhante à heparina presente na membrana das células endoteliais, que inativam fatores específicos da coagulação. Quando um vaso sangüíneo é seccionado, ou sua superfície endotelial é lesada ou alterada, as plaquetas aderem ao ponto danificado. Ao contato com superfícies não-endoteliais as plaquetas intumescem, criam diversos prolongamentos na sua superfície e aderem entre si, atraindo novas plaquetas próximas para aderir ao grupo inicial, além de aprisionar hemácias e leucócitos, formando-se o chamado grumo plaquetário, que originarão o futuro coágulo. Esta é a propriedade de agregação. Existem diversas substâncias que estimulam a agregação das plaquetas, como: ADP (difosfato de adenosina), adrenalina, vasopressina, serotonina, ácido araquidônico, tromboxano A2. Algumas dessas substâncias são liberadas pelas próprias plaquetas, para favorecer a agregação das demais. A ativação das plaquetas também pode ocorrer em resposta a estímulos físicos. Uma vez ativadas, a seqüência de fenômenos (adesividade, aglutinação e formação de grumos) é a mesma, qualquer que seja a natureza do estímulo inicial. O processo de coagulação se inicia com a lesão das células endoteliais, que leva à liberação de substâncias (fator de Von Willebrand e tromboplastina tissular) e a interrupção da produção de inibidores da coagulação e da agregação plaquetária. A célula endotelial também produz a endotelina, um potente vasoconstritor que, ao reduzir o calibre do vaso, impede a perda de sangue. As plaquetas aderem ao colágeno subendotelial e, na presença do fator de Willebrand, liberam o conteúdo de seus grânulos, aderindo-se umas às outras. Ao conjunto destes eventos denomina-se ativação plaquetária. A liberação de ADP e tromboplastina estimula a aderência de plaquetas circulantes às plaquetas associadas ao colágeno e à degranulação. O ácido araquidônico, que é formado na membrana da plaqueta ativada, é convertido a tromboxano A2. As plaquetas agregadas formam um pequeno trombo que impede a saída de sangue do vaso. Tanto a tromboplastina tissular, produzida pelo endotélio, quanto a tromboplastina plaquetária agem sobre a protrombina circulante, convertendo-a em trombina. Na presença de Ca2+, a trombina converte o fibrinogênio em fibrina. Na malha de fibrina, os elementos figurados do sangue ficam retidos e este conjunto de elementos forma o coágulo (trombo) (Fig. 5.6). A serotonina liberada também pelas plaquetas estimula a adesividade e a agregação, além de produzir vasodilatação local. A vasodilatação acentua a difusão das plaquetas para as regiões onde formarão os grumos. Através dos fatores III e IV liberados do seu interior, as plaquetas participam das modificações das proteínas da cascata da coagulação, para a formação do coágulo e, posteriormente, para a sua retração com expulsão do soro do seu interior. A ação de outros estímulos desencadeia um processo de alteração do estado de diversas proteínas do plasma sangüíneo, que resulta na trans© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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Lesão Célula endotelial
Aderência ao colágeno subendotelial
ADP
Liberação de endotelina (vaso constritor)
Liberação de trombosplatina tissular pelo endotélio Protrombina circulante
Ativação plaquetária Tromboplastina plaquetária
Plaqueta ativada Ácido araquidônico (membrana)
Tromboxano A 2 (vasoconstritor)
Trombina Fibrinogênio
Agregação plaquetária
Fibrina + elementos figurados
Coágulo
Fig. 5.6 — Seqüência de eventos associados à coagulação sangüínea.
formação do fibrinogênio em fibrina. Este fenômeno da coagulação do sangue ou formação do coágulo sangüíneo é o papel fundamental das plaquetas. Existe um grande interesse no estudo de substâncias capazes de inibir temporariamente, e por curto prazo, a atividade das plaquetas, com o objetivo de impedir a ativação, adesão e agregação. A aspirina e o dipiridamol são substâncias que têm um efeito inibidor da agregação plaquetária no ser humano. Uma substância que tem sido experimentada recentemente com essa finalidade é a aprotinina. Diversos estudos têm demonstrado inibição temporária e curta da adesividade plaquetária pela aprotinina, preservando um número maior de plaquetas, principalmente durante certos procedimentos de cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea. Contudo, essa substância produz efeitos colaterais importantes, como hipotensão arterial, além de ser destruída muito rapidamente no sangue.
T EMPO
DE
V IDA
DOS
E LEMENTOS S ANGÜÍNEOS
As hemácias vivem em média 120 dias, sendo posteriormente fagocitadas pelos macrófagos presentes no baço e no fígado ou na própria medula óssea. Os granulócitos vivem cerca de dois a três dias e, após exercerem suas funções no compartimento extravascular, são fagocitados por macrófagos teciduais. Os linfócitos B vivem cerca de três a quatro meses, enquanto os linfócitos T podem durar cerca de 20 a 30 anos. As plaquetas têm uma sobrevida média de dez dias. 82
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H EMATOPOIESE Hemopoiese, hematopoese ou hematopoiese são termos utilizados para denotar a formação (gênese, poiese) dos elementos figurados do sangue (hemo), isto é, células (leucócitos) e corpúsculos sangüíneos (hemácias e plaquetas). A maioria das células sangüíneas tem vida relativamente curta e é incapaz de realizar a divisão celular; por esta razão precisam ser constantemente produzidas. A hematopoiese se inicia no embrião por volta do segundo mês, prolongando-se por toda a vida do indivíduo. Durante o desenvolvimento intrauterino (fase intra-uterínica da hematopoiese), no mesênquima da parede do saco vitelino, inicia a produção das células sangüíneas e, à medida que os órgãos vão se definindo estruturalmente, a hematopoiese a a ocorre no fígado, no baço, no timo e, por último, na medula óssea. O tecido hematopoiético, derivado do mesênquima, é dividido em tecido mielóide, que constitui a medula óssea vermelha e em tecido linfóide, encontrado nos nódulos linfóides, linfonodos, tonsilas, baço e timo. O tecido mielóide é responsável pela produção da maioria dos elementos figurados do sangue, produção e destruição de hemácias (hemocaterese) e armazenamento de ferro. O tecido linfóide é responsável pela proliferação de linfócitos B e T. Os linfócitos B são produzidos na medula óssea e migram para os órgãos linfóides periféricos, onde proliferam sob estímulo antigênico. Linfócitos ainda não-diferenciados, ao penetrarem no timo, se diferenciam em linfócitos T e, como os linfócitos B, ocuparão sítios específicos nos órgãos linfóides. Assim, a hematopoiese compreende uma seqüência de eventos em vários compartimentos e subcompartimentos com estágios definidos na maturação dos elementos figurados do sangue. Nos compartimentos mitóticos notamse células jovens em ativa mitose; enquanto nos compartimentos pósmitóticos (ou de distribuição) as células maduras não sofrem mais divisão celular. O tempo de geração para um determinado tipo celular é igual em sucessivos compartimentos, havendo uma correlação entre o compartimento de produção e o compartimento de distribuição; ou seja, a circulação sangüínea reflete a produção medular.
Fases da Hematopoiese Considerando as fases de formação de células sangüíneas, a hematopoiese pode ser dividida em fase pré-natal e fase pós-natal. Ambas as fases podem ocorre em órgãos linfóides, no fígado (hematopoiese extramedular) e na medula óssea vermelha (hematopoiese medular).
Fase Extramedular da Hematopoiese Durante a terceira semana da vida embrionária ocorre a formação dos vasos sangüíneos (angiogênese). Os angioblastos (células formadoras de vasos derivadas das células mesenquimais) se agregam formando grupos de células © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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— as ilhotas sangüíneas no mesênquima intra-embrionário do saco vitelino (fase mesoblástica ou pré-hepática ou primordial). No interior destas ilhotas, formam-se pequenos espaços que confluem para formar pequenas cavidades. Os angioblastos voltados para a cavidade se achatam e originam as células endoteliais. As cavidades com revestimento de células endoteliais se fundem, formando os primórdios dos vasos sangüíneos. Ao final da terceira semana, a partir das células endoteliais, formam-se as primeiras células sangüíneas (hemocitoblastos), consideradas as primeiras células-fonte hemopoiética (stem cells, no inglês). No final do primeiro mês, o embrião possui um sistema vascular e um coração rudimentar; mas, neste período o sangue ainda não contém nem leucócitos nem plaquetas. Na fase mesoblástica da hematopoiese, quase todas as células formadas são eritrócitos nucleados. Durante o segundo mês de vida, algumas células migram para o fígado, que a a ser o principal local de formação eritropoiética fetal (fase hepática da hematopoiese: do segundo ao sexto mês). No segundo mês também surgem os leucócitos granulócitos e os megacariócitos ao longo dos sinusóides do fígado. A partir do terceiro mês, além do fígado, os linfonodos, o timo e o baço am a contribuir na formação de células do sangue (fase hepato-esplênica-tímica da hematopoiese). Por volta da quarta e quinta semana, com o aparecimento dos centros de ossificação na cartilagem dos ossos longos, se inicia a fase medular-linfóide (ou definitiva), que se sobrepõe à fase anteriormente citada. A clavícula é o primeiro osso a revelar atividade hemopoiética e sua medula inicia sua atividade entre o segundo e o terceiro mês de vida fetal; mas no quarto mês de vida intra-uterina esta atividade torna-se bastante significativa. A hematopoiese no fígado e baço diminui à medida que na medula óssea se estabelece e elabora a maior parte das células do sangue. Em vertebrados não-mamíferos, outros órgãos apresentam tecido hematopoiético, como o baço, a bursa de Fabricius das aves (um divertículo que se estende dorsalmente a partir da cloaca e que produz linfócitos B), o tifilosolo das lampreias (um dobramento do mesentério na porção ventral do tubo digestivo), as gônadas em elasmobrânquios e peixes pulmonados (onde ocorre a granulopoiese), o fígado de teleósteos, de anfíbios e de répteis (granulopoiese) e os rins de alguns peixes teleósteos (hemopoiese).
Fase Medular da Hematopoiese Em torno do quinto mês do período fetal, com o início da formação dos ossos, os espaços medulares tornam-se importantes fontes de elementos sangüíneos e a medula óssea fetal inicia a produção dos leucócitos (granulopoiese) e das plaquetas (megacariopoiese); enquanto a produção de eritrócitos pela medula óssea se inicia por volta do sétimo mês. Assim, a fase medular se inicia no sexto mês e propaga-se até a idade adulta. Na puberdade, os principais ossos a apresentar medula hematogênica (medula vermelha) são os ossos da base do crânio, o esterno, as vértebras, os ilíacos, as costelas, as cabeças do úmero e do fêmur. Contudo, 50% dos espaços são ocupados por medula amarela, isto é, não-hematogênica. 84
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A medula óssea pode ser considerada um órgão constituído por diferentes tecidos, estando dividida em compartimentos: compartimento vascular (representada pelas artérias, veias e capilares sinusóides) e compartimento hematopoiético (com estroma de tecido reticular e células livres, além de células adiposas). Distinguem-se dois tipos de medula: a medula óssea amarela, constituída principalmente por tecido adiposo; e a medula óssea vermelha ativa na hematopoiese. A medula óssea vermelha é formada por material com consistência semelhante a uma geléia e está localizada entre as trabéculas ósseas do osso esponjoso e sustentada por rede de fibras e células reticulares, sendo suprida por uma artéria nutridora principal e arteríolas terminais. O sangue chega à medula através de capilares sinusóides dirigindo-se a um sinusóide central que contém uma lâmina basal permeável e células reticulares adventiciais, cujos prolongamentos formam uma malha sobre a qual repousam as células sangüíneas. Na organização tecidual da medula observa-se que células da linhagem eritrocítica (ilhotas eritroblásticas) ocupam os espaços centrais da medula, estando circundadas por um histiócito central — a célula auxiliar, que fagocita o material nuclear extrusado pelos normoblastos em maturação, reciclando o ferro necessário à estabilização da hemoglobina. As células das linhagens leucocíticas (granulocítica, monocítica, linfocítica) têm uma distribuição mais difusa; sua produção se inicia nas proximidades do limite entre o osso recém-formado e o tecido medular (junção osteóide-medula). A linhagem megacariocítica se desenvolve junto aos sinusóides, liberando as plaquetas diretamente no interior da corrente sangüínea. O primeiro grupo de animais a apresentar tecido mielóide envolvido com a produção de células leucocíticas foi os anuros (sapos, rãs e pererecas). Depois nos amniotas, o tecido mielóide está envolvido com a granulopoiese e a eritropoiese. No adulto, se algum estresse afetar o componente medular, a hematopoiese extramedular poderá funcionar como um mecanismo compensatório.
Teorias da Hematopoiese Existem três teorias. A Teoria Monofilética é a mais aceita, e ite que o precursor mais jovem capaz de se diferenciar em qualquer tipo de elemento figurado do sangue é uma célula-fonte comum única — o hemocitoblasto. A Teoria Difilética (ou Polifilética Dualista) ite a existência de dois tipos de células precursoras: um leucócito primitivo capaz de produzir granulócitos (linfócitos e monócitos); e uma célula endotelial que reveste sinusóides colapsado, capaz de produzir eritrócitos e megacariócitos. A Teoria Polifilética ou Polifilética Completa reconhece uma célula-fonte capaz de auto-replicação e/ou diferenciação, mas sendo diferente para cada tipo de elemento figurado. Com base na Teoria Monofilética, as ilhotas de células sangüíneas em formação (CFU= Unidades Formadoras de Colônias) e em diferenciação podem ser agrupadas em categorias gerais: © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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Célula-fonte (Stem cell) Pluripotencial ou Totipotencial A célula-fonte (hemocitoblasto), localizada na medula óssea, tem a capacidade de se diferenciar em qualquer tipo de elemento figurado do sangue. Em humanos adultos, a primeira célula-fonte reportada foi a hematopoiética (HSC = célula fonte hematopoiética). Esta célula lembra linfócitos grandes, possuindo núcleo indiferenciado com cromatina densa e citoplasma basófilo devido à presença de muitos ribossomas. É de vida longa, capaz de auto-renovação ilimitada ou prolongada, de extensiva proliferação por divisão mitótica, originando células-fonte semelhantes (PHSC = célula-fonte hemopoiética pluripotentes) que garantirão a sua própria manutenção; e células multipotenciais (MHSC = células-fonte hemopoiéticas multipotentes), fonte de elementos figurados do sangue. Há duas populações de células hematopoéticas multipotentes (MHSC): células que constituem a unidade formadora de colônia no baço (CFU-S) e células que constituem a unidade formadora de colônia linfóide (CFU-L). As células CFU-S são precursoras das células mielóides (eritrócito, granulócitos, monócitos e plaquetas), enquanto as células CFU-L são precursoras das células linfóides (células T e células B) (Fig. 5.7).
Células Progenitoras Restritas O destino de vários progenitores celulares é e as células não são auto-renováveis, formando-se células progenitoras da linhagem mielóide (CFU-HC) e células progenitoras da linhagem linfóide (CFU-L); depois surgem as células progenitoras uni ou bipotentes e, finalmente, as células precursoras específicas, as primeiras células a apresentar morfologia distinta para cada célula sangüínea (eritroblasto, megacarioblasto, monoblasto, pró-mielócito). A proliferação e a diferenciação de células progenitoras restritas estão sob controle de fatores reguladores específicos para cada linhagem celular.
Célula-fonte multipotentes (auto-renováveis)
CFU-S (precursores das céulas mielóides)
Eritrócito
Granulócito
Monócito
CFU-L (precursores das céulas linfóides)
Plaqueta
Linfócito T
Células progenitoras em diferenciação
Linfócito B
Elementos funcionais
Fig. 5.7 — Diferenciação dos elementos do sangue a partir de células-fonte.
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E LEMENTOS F IGURADOS Nos mamíferos, os elementos figurados encontrados no sangue incluem células maduras, representadas pelos granulócitos (neutrófilos, eosinófilos e basófilos) e pelos agranulócitos (monócitos e linfócitos), incluindo os corpúsculos (hemácias e plaquetas). Nos vertebrados não-mamíferos, os corpúsculos são verdadeiras células possuidoras de núcleo, sendo nomeados trombócitos.
Citocinas Hematopoiéticas Citocinas são fatores solúveis de pequeno peso molecular, liberadas por células, que atuam na comunicação celular, além de influenciarem a função de outras células através de receptores específicos de superfície, cuja produção é regulada e não constitutiva. Cada citocina produz vários efeitos em diferentes células, sendo esta propriedade denominada pleiotropia. As citocinas podem agir em conjunto para alcançar um efeito maior do que a soma de suas ações individuais, sendo esta propriedade conhecida como sinergismo. As citocinas também podem apresentar um efeito autócrino, parácrino ou mesmo endócrino, podendo induzir a liberação de outras citocinas. Após a ligação da citocina ao seu receptor da superfície da célula, o conjunto é internalizado. A internalização do complexo receptor-citocina atua como um mecanismo de . Há uma rede multigênica de citocinas incluindo reguladores positivos (CSF = factor estimulador de colônia), interleucinas (IL) e reguladores negativos (TGF = fator de crescimento tumoral). Citocinas hemopoiéticas ou linfopoiéticas foram identificadas quimicamente e seus genes clonados e seqüenciados. A maioria das citocinas é produzida por células do estroma medular, como células endoteliais, fibroblastos, macrófagos, linfócitos T ativados e pelo mesângio extraglomerular peritubular (eritropoetina).
Linhagens Hematopoiéticas Eritropoiese Corresponde à formação das hemácias ou eritrócitos do sangue, que, no homem adulto, ocorre exclusivamente na medula óssea. Durante este processo verifica-se redução do tamanho das células, redução da basofilia (devido à diminuição de ribossomas livres) e aumento da acidofilia citoplasmática (em face da síntese de hemoglobina), condensação da cromatina e eventual perda de material nuclear e organelas, além da perda da capacidade de proliferação. As células-fonte pluripotenciais precursoras dos eritrócitos apresentam dois tipos de células progenitoras unipotenciais: BFU-E (Burst-Forming Units = unidade de explosão de formação de eritrócitos) e CFU-E (Cell Forming Units = unidades formadoras de colônias para eritrócitos), que necessitam da presença de fatores de crescimento para a sua proliferação e diferenciação. © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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Os progenitores finais e os precursores celulares das hemácias são estimulados pelo hormônio eritropoetina. A eritropoetina é uma glicoproteína produzida e liberada por células encontradas nos rins, que estimula a remoção de hemácias envelhecidas e diferenciação dos precursores em hemácias. A diferenciação e maturação da linhagem eritrocítica necessita cerca de seis dias, mas sob estresse a medula pode reduzir esse tempo para dois a três dias.
Estágios da Eritropoiese Ao longo do processo de diferenciação, as células progenitoras de eritrócitos am por modificações morfológicas que caracterizam diferentes tipos celulares (Fig. 5.8). Proeritroblasto: é uma célula grande (14-20µm de diâmetro) com núcleo esférico e volumoso, apresentando cromatina frouxa e uniformemente distribuída, que contém dois ou mais nucléolo proeminentes. A evidente basofilia citoplasmática é devido à riqueza de ribossomas livres. Eritroblasto basófilo: é uma célula um pouco menor (10-18µm de diâmetro) com núcleo esférico, relativamente pequeno com cromatina densa, porém o nucléolo não é evidente. A basofilia citoplasmática ainda é observada; apesar de já se iniciar a síntese de hemoglobina. Eritroblasto policromatófilo: é uma célula com 8-15µm de diâmetro, possuindo um núcleo esférico com cromatina mais densa que ocupa cerca de 5060% da área celular. No citoplasma observam-se áreas basófilas (devido aos ribossomas) e áreas acidófilas (hemoglobina). Nestes três primeiros estágios, as células são capazes de proliferação, enquanto nos próximos estágios as células apenas se diferenciam. Eritroblasto ortocromático, eritroblasto acidófilo ou normoblasto: é uma célula com 8-12µm de diâmetro; o núcleo é pequeno com heterocromatina em
Maturação de Precursores Eritrocíticos Proeritroblasto Eritroblasto basófilo Eritroblasto policromatófilo
Medula óssea
Eritroblasto ortocromático
Reticulócito Sangue periférico Eritrócito Fig. 5.8 — Estágios da eritropoiese.
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flocos grosseiros, sendo intensamente corado. Nota-se acentuada acidofilia citoplasmática com traços de basofilia. Neste estágio verifica-se o processo de extrusão nuclear. Reticulócito (eritrócito policromatófilo): é um corpúsculo com 8-9µm de diâmetro, anucleado, que permanece na medula óssea cerca de três dias até a sua maturação, e a sua sobrevida na circulação é cerca de um dia. Verifica-se acidofilia citoplasmática, além de alguma basofilia remanescente devido à presença de ribossomos residuais. Hemácia (eritrócito maduro): Nos humanos, como na maioria dos mamíferos, são corpúsculos bicôncavos de 7,3-8µm de diâmetro, de citoplasma intensamente acidófilo apresentando uma área central pálida. Em vertebrados não-mamíferos são nucleadas, de forma discóide ou elíptica, variando entre 2,5µm e 80µm de diâmetro.
Granulopoiese Refere-se à formação de células das linhagens granulocítica. Neste processo ocorre uma redução relativa das dimensões das células, acompanhado por um aumento da condensação e alteração da forma e lobulação do núcleo, com acúmulo de grânulos específicos e redução relativa de grânulos azurófilos, que são destacados pelas colorações a base da mistura de Romanovsky. Os precursores se sucedem num processo de maturação, que dura cerca de 14 ou mais dias, apresentando mecanismo de negativo, capaz de regular a liberação de granulócitos da medula, que pode envolver o hormônio leucopoietina. Nos precursores há condensação nuclear e atrofia nucleolar com segmentação do núcleo. No citoplasma ocorre a síntese de grânulos. Os grânulos primários, azurófilos ou não-específicos (com cerca de 1µm de diâmetro) contêm hidrolases ácidas semelhantes aos lisossomas; mieloperoxidase, enzima que medeia a morte de microrganismos oxigenodependentes; defensinas, uma família de proteínas catiônicas que mediam a morte de microrganismos nãooxigenodependentes. Os grânulos secundários ou específicos (0,5µm de diâmetro) contêm receptores de adesão, receptores quimiotáticos e receptores do complemento. O conteúdo dos grânulos varia de acordo com o tipo celular, podendo conter grânulos de gelatinase (uma enzima colagenolítica) e vesículas de secreção (com fosfatase alcalina, receptores para peptídios quimiotáticos, proteínas de adesão Mac-1). Em resposta a um processo inflamatório, os grânulos de gelatinase e as vesículas secretoras se fundem à membrana, e seu conteúdo liberado, ou pelo menos exposto, ao meio externo e a enzima atua em elementos da matriz extracelular. Durante os processos de fagocitose o conteúdo dos grânulos azurófilos e dos grânulos específicos é exocitado.
Estágios da Granulopoise A célula precursora a por diferentes estágios de diferenciação (Fig. 5.9). © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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Mieloblasto: é uma célula esférica (15-21µm de diâmetro), núcleo esférico com dois ou mais nucléolos, com delicada rede de cromatina que se cora no tom de azul-avermelhado e ocupa a maior parte da célula; o citoplasma desprovido de grânulos cora-se em azul-pálido. Promielócito: apresenta dimensões próximas às do mieloblasto. É uma célula esférica ou oval (18-30µm de diâmetro) com núcleo oval ou reniforme, nucléolo ainda visível e cromatina condensada; o citoplasma é mais abundante e apresenta alguns grânulos azurófilos (grânulos primários de 0,1 a 0,25µm de diâmetro); Mielócito: é uma célula com 16-25µm de diâmetro, com núcleo oval ou achatado em uma face, que ocupa cerca de 50% da célula, apresentando cromatina densa em grumos que se cora em púrpura-avermelhada; citoplasma cinzaazulado pálido encontra-se repleto por grânulos específicos (grânulos secundários: neutrófilos, eosinófilos ou basófilos). Metamielócito (neutrófilo, eosinófilo e basófilo): é uma célula com 10-16µm de diâmetro com núcleo reniforme (endentado) ou oval, cromatina grosseira, densamente compactada e nucléolo ausente; grânulos específicos predominam no citoplasma. Formas em bastão ou bastonete (neutrófilo, eosinófilo e basófilo): são células ligeiramente menores (10-15µm de diâmetro) com núcleo em forma de “U”, curvado ou enrolado exibindo grosseiros grumos de cromatina; o citoplasma é preenchido por grânulos específicos. Formas segmentadas ou granulócitos maduros (neutrófilos, eosinófilos e basófilos): é a forma funcional da célula (com 8-15µm de diâmetro) com núcleo único que pode apresentar duas a cinco lobulações interligadas por filamentos de cromatina; o citoplasma é repleto de grânulos específicos.
Maturação de Precursores Granulocíticos Mieloblasto Pró-mielócito
Fase de proliferação
Mielócito Medula óssea Metamielócito
Formas em bastão
Granulócitos maduros Sangue periférico Neutrófilo
Eosinófilo
Basófilo
Fig. 5.9 — Células da linhagem granulocítica.
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Polimorfonuclear neutrófilo: o núcleo é polissegmentado, com citoplasma cinza-rosado devido à presença de grânulos específicos extremamente pequenos e de difícil individualização ao microscópio de luz. Segmentado eosinófilo: apresenta dois a três lóbulos nucleares, com citoplasma laranja-brilhante devido à riqueza de grandes grânulos acidófilos. Segmentado basófilo: com dois a três lóbulos nucleares, apresenta citoplasma púrpura-azulado em face dos grandes grânulos basófilos. Os neutrófilos são os granulócitos mais abundantes, localizando-se em diversos compartimentos anatômicos e funcionais denominados compartimento de formação, de reserva, circulante e marginal. O compartimento medular de formação é onde novos neutrófilos são produzidos e sofrem seu processo de maturação. O compartimento medular de reserva contém células maduras que são mantidas por intervalos de tempo variável antes de ganharem a circulação periférica. O compartimento circulante é representado pelos neutrófilos suspensos no sangue periférico. Há ainda o compartimento marginal representado pelos neutrófilos que, apesar de se encontrarem na corrente sangüínea, não circulam, encontrando-se aderidos ao endotélio.
Monocitopoiese Refere-se à formação de células da linhagem monocítica (Fig. 5.10). Os monócitos são derivados de células-fonte restritas bipotenciais (CFU-NM = Unidades Formadoras de Colônias de Neutrófilos e Monócitos), do mesmo pool dos neutrófilos. Os precursores (monoblastos, promonócitos) são estimulados pelo M-CSF (Fator eStimulante de Colônias de Monócitos), não sendo normalmente observados na medula óssea. Em condições especiais, como em culturas de células, podem ser reconhecidos por meio dos marcadores de proliferação. A monocitopoiese dura cerca de 55 horas e, durante este tempo, notamse algumas alterações, como a redução de volume e a formação da endentação nuclear, ocorrendo ainda uma intensa formação de grânulos azurófilos (lisos-
Maturação de Precursores Monócitos
Monoblasto Medula óssea Pró-monócito
Monócito
Sangue periférico
Fig. 5.10 — Células da linhagem monocítica.
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somas). A célula madura é capaz de proliferar quando exposta a fatores de crescimento; mas, aparentemente, esta proliferação não contribui para aumento significativo da população tecidual em condições fisiológicas.
Estágios da Monocitopoiese As células am por diversos estágios de diferenciação, apresentando diferentes morfologias e que estão listadas abaixo. Monoblasto: é de difícil caracterização na medula óssea e sua existência ainda é um assunto controverso. Promonócito: apresenta cerca de 20µm de diâmetro, núcleo com cromatina frouxa e o citoplasma basófilo. Monócito: é uma grande célula com 10-20µm de diâmetro, apresentando núcleo em forma de ferradura ou de rim com cromatina uniforme, porém menos densa que a do linfócito, porém nenhum nucléolo é visível; citoplasma abundante de coloração cinza-azulado pálido com numerosos e delicados grânulos azurófilos, que são lisossomas.
Linfocitopoiese É a formação de células da linhagem linfocítica. Os linfócitos originam-se nos órgãos linfóides a partir de células oriundas da medula óssea (célula-tronco multipotencial), que originam duas células progenitoras: os progenitores CFU-TL (originam os linfócitos T: T1 e T2), CFU-TB (originam os linfócitos B) e CFU-NK (originam as células natural killer, capazes de lisar células infectadas por vírus e células tumoriais). O linfoblasto é a maior célula da linhagem linfocítica, apresentando citoplasma basófilo sem granulações azurófilas. As citocinas IL-1 regulam linfócitos T; e neste processo as evidências morfológicas na diferenciação não são marcantes, ocorrendo redução em tamanho e condensação da cromatina nuclear. A inversão na relação núcleo-citoplasma torna o núcleo proeminente e o citoplasma como um delgado halo em torno do mesmo. Não se observa distinção morfológica entre o linfócito T e o linfócito B. A formação, a diferenciação e a maturação de linfócitos B ocorrem na medula óssea, porém a diferenciação e a maturação de linfócitos T se realiza no timo; depois, as células migram para órgãos linfóides secundários como o baço, os linfonodos, os nódulos isolados e, nas aves, para a bursa de Fabricius. Nos mamíferos adultos, a maioria dos linfócitos é oriunda de linfócitos preexistentes no interior do tecido linfóide, os quais respondem à invasão de antígenos estranhos.
Estágios da Linfopoiese Até se formar o linfócito maduro, sua célula precursora a por estágios morfologicamente caracterizados pelos linfoblastos, prolinfócito e linfócitos. O linfoblasto é a maior célula da linhagem; o prolinfócito, menor que a anterior e os linfócitos, onde pode se observar dois tipos: 92
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Linfócito não-ativado — apresenta núcleo esférico ou oval ou levemente endentado, com cromatina densa e nucléolo raramente distinto; o citoplasma é de coloração azul-pálida e translúcido, podendo conter grânulos azurófilos (púrpura). Este tipo celular pode ser observado como um pequeno linfócito, com 7,3-10µm de diâmetro, com citoplasma muito escasso, visível apenas como um delegado anel periférico; ou como um linfócito médio ou um linfócito grande, com 10-14µm de diâmetro e citoplasma muito abundante; Linfócito ativado ou reativo — é pouco freqüente em pessoas sadias, mas ocasionalmente pode ser observado como uma célula volumosa (10-20µm de diâmetro); o núcleo apresenta cromatina frouxa de aspecto reticulado e o citoplasma exibe intensa basofilia (retículo endoplasmático granular muito desenvolvido).
Megacariocitopoiese ou Trombopoiese Compreende a formação de células da linhagem megacariocítica ou trombocítica. Os progenitores da linhagem são BFU-Mk (Burst-Forming Units = unidade de explosão de formação de Megacariócitos) e CFU-Mk (Cell Forming Units = unidades formadoras de colônias para Megacariócitos), que são regulados pela citocina trombopoietina. Neste processo, geralmente ocorre a maturação das células após completa amplificação (Mk-1), que é representada marcadamente pela lobulação nuclear. Não há correlação entre o número de lóbulos e a ploidia, e nem há clara distinção entre o tamanho e a maturação celular, uma vez que células 8N, 16N, 32N podem formar plaquetas.
Estágios da Trombopoiese Os precursores das plaquetas seguem o seguinte estadiamento: Megacarioblasto: não é usualmente encontrado. É uma célula com 15-30µm de diâmetro, núcleo único com delicado padrão cromatínico e diversos nucléolos; o citoplasma é basófilo de aspecto vítreo. Mk 1, megacariócito basófilo, megacariócito linfóide ou promegacariócito: representa 15% das células do pool, sendo células gigantes poliplóides (4N-64N) com 20-40µm de diâmetro capaz de sofrer múltiplas divisões mitóticas sem divisão citoplasmática (endomitose); o núcleo é bilobulado com nucléolos visíveis; o citoplasma é basófilo claro de difusa aparência granular devido ao grande número de ribossomas; o número de centríolos correspondente à ploidia celular. Mk 2 ou megacariócito granuloso: 65% das células do pool são células gigantes com 50-80µm de diâmetro, apresentando núcleo endentado de forma irregular com 4 a 16 lobulações, cromatina densa periférica e nucléolos pequenos; o citoplasma exibe granulações secundárias vermelho-vinhosa, em face da redução do número de ribossomas. Invaginações da membrana plasmática na periferia celular podem ser visualizadas. Mk 3 ou megacariócito formador de plaquetas ou megacariócito tardio: representa 20% das células do pool com 50-100µm de diâmetro, apresentando complexa lobulação nuclear (8-16 lóbulos) e núcleo denso de pequenas © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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dimensões. Há uma evidente demarcação do sistema de membranas, onde invaginações da membrana do megacariócito formam delicados canais preenchidos por glicoproteínas, com aspecto de grânulos, que se anastomosam e dividem o citoplasma do megacariócito em territórios citoplasmáticos. O resultado desta anastomose é a fragmentação que ocorre ao longo desses canais, com eliminação de material citoplasmático como plaquetas. No citoplasma há abundantes monômeros de tubulina e actinomiosina, na proporção de 100:1 de actina/miosina. O megacariócito formador de plaquetas libera suas plaquetas dentro de poucas horas (menos que 12 horas). A célula se aproxima do sinusóide central, alinhando-se ao endotélio, e emite expansões citoplasmáticas em fita que representam plaquetas conectadas, sendo lançadas individualizadas no interior da corrente sangüínea. Plaqueta: corpúsculo com diâmetro que varia de 2,5 a 4µm, sendo anucleado nos mamíferos, contém grânulos azurófilos e grânulos secundários. Os grânulos secundários podem ser do tipo alfa (fatores de coagulação e fator mitogênico), beta (serotonina, um potente vasoconstritor) e denso (ADP e cálcio). O baço acumula, em condições normais, 1/3 do total de plaquetas do sangue. O trombócito é a denominação conferida às plaquetas nucleadas de outros vertebrados, apresentando-se nucleado.
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