A pedagogia da liberdade em Paulo Freire FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
A obra Pedagogia da Autonomia nos convida a indagar aspectos subjacentes as relações sociais a partir da reflexão da pratica pedagógica. Que questões do dia a dia do professor poderiam instigar o conflito e o debate? Paulo Freire nos mostra magistralmente sem abrir mão da simplicidade e clareza. Descortina os elementos necessários para um ensino não bancário fundado na centralidade axiológica dos “condenados da Terra”, dos excluídos. Proposta de uma pedagogia fundada na ética, no respeito, na dignidade e na autonomia do individuo. A questão da formação docente ao lado da meditação da prática educativo-progressista em favor da autonomia do individuo é a temática central. O livro presenteia o leitor com um conjunto de questionamentos que ao mesmo tempo em que preconiza a necessidade de reflexão da pratica do educador, o faz perceber nas reificadas relações sociais que tão desumanamente dilaceram sonhos e utopias como na sociedade capitalista. Ciente de que muitos dos aspectos abordados já foram discutidos em livro anteriores, Paulo Freire destaca que tal questão não se converte em empecilho. O livro não deixa de ter originalidade por causa disso. Pelo contrario, as questões rememoradas de outras obras são necessárias a fim de desbravar pontos necessários no que diz respeito aos saberes da pratica educativa. Diga-se que a ideia de inconclusão do ser humano torna-se capital para o desenvolvimento da obra. O livro tem um alvo. Ao tomar o ponto de vista dos subalternos, para usar uma expressão de Gramsci, de quem Freire é influenciado, dirige seu ataque ao neoliberalismo, “ao cinismo de sua ideologia fatalista” (p.14). Opõe-se firmemente aos seus pressupostos que reduzem a educação a mero treinamento além de almejar a interiorização de uma logica assentada na reprodução do conformismo ante as consequências da exploração do homem. Ao fazer esta oposição, nosso autor recorre a necessidade da responsabilidade ética no oficio. Ética universal do ser humano. Que arma os homens a condenarem a força de trabalho das vozes silenciadas pela opressão. E alerta: a melhor forma de ter essa ética é
vive-la na pratica cotidiana, em outras palavras, testemunhando-a vivaz aos educandos e suas relações com ele. Desde o inicio da obra o autor estabelece uma serie de comentários tomando como ponto de partida que não há docência sem discência. Sobre os saberes indispensáveis a pratica docente de educadores e educandos críticos, progressistas, o autor nos esclarece que muitos deles são igualmente necessários para a educação conservadora. Mais uma vez a prática educativa converte-se em instrumento necessário. Ela possibilita notar se os elementos são progressistas ou conservadores. A prática torna coerentes os elementos trazidos para o ato educativo. Pois eles são afirmados e reafirmados em sua coerência quando são postos na vivencia, na relação dialógica entre educador e educando. Podemos ver aqui a insistência de Paulo Freire sobre a questão da pratica. Ela ganha mais nitidez quando ele afirma que “a reflexão critica sobre a prática torna uma exigência da relação Teoria/Pratica sem a qual a teoria pode ir blábláblá e a pratica ativismo” (p.22). O autor ver o homem programado a aprender. Esse homem tem que ser entendido pelo papel que desempenha a curiosidade. Curiosidade que, tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que o autor chama "curiosidade epistemológica". Destaca o autor que estas formas combatem o ensino bancário, forma de ensino em que o aluno encontra-se em situação iva, recebendo informações, muitas vezes numa linguagem dissociada de sua realidade, o que torna a sua compreensão mais difícil. A curiosidade é um elemento chave para a autonomia humana. A prática educativa que se funda no estimula a curiosidade instiga o educando a vencer certas limitações. Paulo Freire destaca a vantagem dos seres humanos de terem sido capazes de ir mais além de seus condicionantes. Uma das tarefas primordiais do ato de ensinar é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que eles devem se „aproximar‟ dos objetos cognoscíveis. Elementos que garantam a educação atenta a capacidade critica do educando, a curiosidade, a insubmissão. Outro ponto importante trazido por nosso autor diz respeito a pesquisa. “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino,” afirma Paulo Freire. A pesquisa é feita para que o
educador constate. Contatando, ele pode intervir. Intervindo ele educa e se educa. A pesquisa proporciona conhecer o que ainda não se conhece e comunicar ou anunciar a novidade. Os educandos são portadores de uma visão de mundo próprios. O educador deve respeitar os saberes dos mesmos, sobretudo os das classes populares. Saberes estes que foram socialmente constituídos na pratica comunitária. Mas indo além disso o autor propõe discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Esta reflexão acaba por trazer a questão o estabelecimento de uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles tem como indivíduos. A prática educativa também exige criticidade. A curiosidade humana, manifestação presente a experiência vital, vem sendo histórica e socialmente construída e reconstruída. Isso porque a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente. Uma das tarefas precípuas da prática educativa-progressista é o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. Uma necessária promoção da ingenuidade para a criticidade, para Freire, não pode ou não deve ser feita a distancia de uma rigorosa formação ética sempre ao lado da estética. Decência e boniteza de mãos dadas, como afirma nosso autor. É próprio do pensar certo, a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não é apenas o cronológico. Continua novo o velho que preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo. Fazendo parte igualmente do pensar certo, a rejeição a qualquer forma de discriminação, torna-se imprescindível. Uma prática preconceituosa de raça, de gênero, por exemplo, ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.
Ensinar não pode ser entendido como mera transferência de conhecimento, destaca o autor. Tem que se deixar claro que ensinar não é transferir o saber, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.
Este saber necessário ao professor não apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razoes de ser, mas também precisa ser constantemente testemunhado, vivido. Isso imputa o reconhecimento de que ensinar exige a consciência do inacabado. Além disso, outras questões ganham a agenda da pratica educativa. A humildade, a tolerância, a liberdade. O ato de educar deve ser visto como uma forma de intervenção no mundo. Afinal, fica claro o campo de disputa que se torna o conhecimento. Freire ao tomar o ponto de vista dos excluídos, deixa nítido que ensinar é ideológico. Ele dedica uma parte do seu livro só para esta afirmação. Num mundo em que a exploração ceifa milhões de vidas, os subalternos terão que tomar consciência de que muitas das suas limitações são socialmente impostas. A sua capacidade de ir além dos condicionamentos, estimulados pela curiosidade e assentados na pratica cotidiana são ferramentas para um projeto maior: a autonomia do ser humano.