Acervo Arnaldo Antunes 3p5p46

. o em 19 jan. 2015. 29 A cabeça do dinossauro Entrevista por Luiz Carlos Mansur, Jornal do Brasil: 24/05/1987

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É a partir dessa noção de intercódigo e de simultaneidade do mundo moderno abordada por Antunes que sempre que nos referenciarmos aos signos inscritos teremos como escopo teórico a Semiótica de Charles Sanders Peirce. Já ao abordarmos o signo cantado, basear-nos-emos na Semiótica de Algirdas Julien Greimas que está inserida nos estudos de Luiz Tatit sobre a canção, que para Arnaldo teve sua estrutura fragmentada entre o canto falado ou berrado, ao se referir ao Rock, e a palavra como elemento entoativo de significação.

Tivemos como base para a estruturação desta tese o livro As coisas (1992) e Nome (1993), de Arnaldo Antunes, que consta de um livro de poemas, um LP de música e um vídeo (VHS). Escolhemos também algumas canções para análise que estão presentes em discos de carreira do referido autor. Assim sendo, fica estabelecido como objetivos na tese: pesquisar como são abordadas a partir da Semiótica as relações entre os signos inscritos e os signos cantados e tentar comprovar a presença da primeiridade como elemento recorrente nos textos escolhidos de Arnaldo Antunes que se fundam a partir das analogias aparentemente descompromissadas, mas que ganham um caráter mais amplo ao ser observado de forma mais atenta.

Posto isso, podemos afirmar que a união entre palavra, imagem e som é algo bastante recorrente em toda a obra poética de Antunes, pois mesmo estando em es diferentes (papel, vídeo e som) não se pode dizer que são imutáveis em si mesmos, e que um não possa interferir no significado do

Disponível em: . o em 19 jan. 2015.

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outro. Os textos poéticos se assemelham propositalmente a relações primevas que as crianças fazem ao associar a linguagem às coisas existentes no mundo, ou seja, a sua primeira relação com o nome das coisas. O significado do signo linguístico é algo que se torna irrelevante para uma criança que está adquirindo seu primeiro contato com a linguagem, pois a sua preocupação é apenas com o significante, isto é, com a fixação do nome das coisas que se apresentam diante de seus olhos e cujo o se dá por via auditiva.

Reiteramos, portanto, que dois eixos nortearão a nossa pesquisa: o primeiro diz respeito às coisas, os objetos que existem e sua relação com a significação; e o segundo, à nomeação dessas coisas e sua relação com o significante. Também observaremos, além dos aspectos que estarão presentes nos textos escolhidos (a relação deles com a ideia dos nomes e das coisas), como é para o receptor do texto poético e da canção a relação entre a palavra, a música, ou a performance. Qual delas viria em primeiro plano?

Retomando a discussão sobre nosso objeto de estudo na tese, podemos esclarecer que os recursos entoativos, no que tange às questões relacionadas à música, ajudam de forma significativa na compreensão global do referido poema, além de levantar pontos que se referem à conjunção harmônica entre melodia e fala, definindo melhor, a canção. Para estabelecermos as relações musicais, utilizamos os livros Musicando a Semiótica: ensaios (1997), O Cancionista: composição de canções no Brasil (2002) e O Século da Canção (2008), de Luiz Tatit. Nesses livros estão presentes os conceitos elaborados por Tatit sobre canção, cancionista, além dos termos figurativização, tematização e ionalização. Concomitante à utilização desses livros,

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sempre nos remeteremos aos estudos greimasianos presentes nos livros Sémiotique: Dictionnaire raisonné de la théorie du langage (1979) e Ensaios de Semiótica Poética (1975).

As noções dos signos serão baseadas nos seguintes livros: Semiótica (1983) e os The Collected Papers of Charles Sanders Peirce (1958) para que possamos ter o auxílio de todos os conceitos concernentes à Semiótica peirciana. A esses livros, juntar-se-ão algumas obras de Lúcia Santaella como, por exemplo: Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora, visual, verbal (2005), Imagem: cognição, semiótica e mídia (2008) e A das Coisas: Peirce e a Literatura (1992).

A partir da mistura intersemiótica que há em nosso corpus, percebe-se pelo estudo de Lúcia Santaella que para cada uma das matrizes da Linguagem e Pensamento (sonora, visual e verbal), existem tratamentos teóricos diferentes, mas que dialogam com outros referenciais teóricos. É a partir dos encaminhamentos

teóricos

dessas

matrizes

que

encaminharemos

as

discussões acerca dos es na obra de Arnaldo Antunes. Desse modo, analisaremos em nossa tese alguns poemas e canções que deslizam por caminhos que peram pela experimentação e pela mutabilidade dos significantes a cada vez que o objeto é trocado de e. Para Lúcia Santaella, a experiência em hipermídia30 é algo inerente ao universo criativo de Arnaldo Antunes, pois determina uma característica 30

Termo utilizado por Lúcia Santaella em seu livro Matrizes da Linguagem e Pensamento sonora visual verbal: aplicações na hipermídia.(2005) para diferenciar a hipermídia (mistura de linguagens híbridas) de multimídia (que reserva-se a técnica de textos híbridos produzidos exclusivamente via computador).multimídia (que reserva-se a técnica de textos híbridos produzidos exclusivamente via computador).

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marcante em sua obra. Não há em sua produção artística uma restrição à produção estética da poesia que é feita na folha do papel. O projeto Nome (1993), segundo o próprio Arnaldo Antunes, é definido da seguinte forma:

O projeto começou com o vídeo, em janeiro de 92, e eu ainda estava nos Titãs, mas a parte musical foi crescendo e ganhou autonomia. Daí o CD, embora não tenha querido lançar um disco quando saí do conjunto. Eu queria juntar a leitura na tela, sair do papel, obter movimento na leitura. Isso concomitantemente à ocorrência do som, o que dá muitas camadas de simultaneidade. O trabalho foi feito desde o início por mim, a Zaba, o Kiko e a Célia. Eles detinham o know-how de animação. A gente trabalhava com computador há muito tempo, 31 em produção gráfica.

Essa aproximação com o computador citada por Antunes na entrevista acima é algo relevante para o entendimento do projeto do Nome, porque em 1993,

a

informática

era

algo

que

ainda

estava

em

processo

de

desenvolvimento, logo podemos entender que a ideia de conceber esse projeto hipermídia nasce junto a um desejo de experimentação das expressões artísticas em es diferentes aos já utilizados por ele, ou até para encontrar um modo de enxergar com outros olhos os es já conhecidos, gerando com isso uma nova experiência “estético-artística”. Sobre essa questão do texto poético em contexto digital, utilizaremos o livro de Antônio Risério citado no início desta introdução.

Nesse mesmo ano (1992), em entrevista a aluna do curso de cinema da USP, Clemie Blaud, o crítico literário Júlio Plaza, respondeu sobre como ele enxergava o futuro da poesia com a chegada da informática. Ele disse o seguinte:

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Sobre Nome. Arnaldo Antunes em entrevista para Mariella Lazaretti, Jornal da Tarde, 20/09/1993 Disponível em: http://www.arnaldoantunes.com.br/new/sec_livros_view.php?id=4&texto=5 o em: 1 ago. 2014.

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Toda extensão cultural se apoia em uma tecnologia, pode ser instrumento artesanal, uma técnica industrial; agora, a sociedade pósindustrial se apoia nestes equipamentos mais sofisticados com base na eletrônica. Eu acho que a arte, a poesia, e a Literatura estão sendo modificadas. A noção de multimídia, de hipertexto é muito interessante para as áreas interdisciplinares. A tecnologia tende a fazer uma síntese polifônica de várias linguagens como o som, a holografia, o desenho, a imagem de vídeo, de cinema, a palavra: todos os códigos da História são aglutinados e estão embutidos em memória.32

A esse fenômeno podemos atribuir uma ideia de diferentes linguagens híbridas que mescla os três es, ou melhor, definindo a partir do estudo de Lúcia Santaella, misturam as três matrizes do pensamento: a verbal, a visual e a sonora. Nesse sentido, buscamos aqui estudar o próprio caráter de signo inscrito no título do projeto, com referência à questão do “nome” e das "coisas", enquanto signo linguístico e nas suas dimensões icônicas, ou identitárias, indiciais, ou existenciais e simbólicas, ou de linguagem. Em relação à linguagem verbal, temos a poesia como eixo principal. Embora ela reapareça também sob a forma musical, e, apesar de todas essas constatações acerca do uso da palavra, não podemos deixar de dizer que Antunes também a utiliza como recurso visual.

Feitas essas considerações, o estudo, que ora se propõe, pretende lançar olhar sobre a poesia e a canção de Arnaldo Antunes, focalizando determinados procedimentos de escrita característicos de sua produção poética, ando pela poesia, pela canção e pelas associações denotativas.

No capítulo I, observaremos como o poema de Arnaldo Antunes aparece quanto a sua forma ao ser mudado de e e as nuances que se apresentam nas reedições gráficas dos poemas. Também abordaremos a

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ARAÚJO, Ricardo. Poesia Visual - Vídeo Poesia. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 116.

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temática das coisas e suas relações com o nome, observando-as quanto a sua utilidade e o modo que elas se relacionam com a poesia. No capítulo II, o foco será sobre a questão da imagem e como a poesia se encaixa tanto no e da fotografia, quanto no e do vídeo. Analisaremos também algumas intertextualidades com o cinema e com o jogo das palavras presentes no poema com temas diversos como o erotismo e a pornografia. No capítulo III, iremos discutir sobre a relação da palavra em seus es do poema e da letra de uma canção, de modo a esclarecer que ambas possuem seu valor poético. Também nos deteremos a estudar a influência do som propriamente dito no entendimento dos poemas e como os recursos entoativos podem influenciar na compreensão global dos significantes das palavras e da plurissignificação de alguns signos.

As teorias que utilizamos neste trabalho nortearam a análise sendo constituída em método para que pudéssemos compreender de forma mais clara a relação que pera o estudo dos signos, seus significantes, as matrizes, a análise musical dentro das diferentes perspectivas semióticas, visando chegar aos processos semióticos do nome e das coisas enquanto signo relacional entre o interpretante, intérprete e seus elementos de significação.

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CAPÍTULO I

O QUE EU FAÇO COM ESSA LENTE DE CONTATO SE EU ENXERGO BEM?33

Para que estragar a simples existência das coisas com nomes arbitrários? Um gato não sabe que se chama gato E Deus não sabe que se chama Deus ("Eu sou quem sou" - diz Ele no livro do Gênesis) Eu sonho É com uma linguagem composta unicamente de adjetivos Como deve ser a linguagem das plantas e dos animais! Só de adjetivos, sem explicação alguma, Mas com muito mais poesia... Mário Quintana34 33

ANTUNES, Arnaldo. Nem Tudo In: Ninguém. BMG, 1995. Trecho da canção Nem Tudo de Arnaldo Antunes, presente no referido disco. 34 QUINTANA, Mário. O Nome e as coisas In: Velório sem defunto, Alfaguará Brasil, 1990.

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1.1 OS ES A ideia de “experimentar” ou “testar coisas” não pode ser dissociada da experiência individual de cada um, pois nenhum experimento está livre de referências anteriores, ou de qualquer coisa, seja ela qual for, pois no momento de sua criação ou execução, o experimento trará sempre junto a si, as experiências de seu criador. Essa conglomeração de um mesmo tema feita em es diferentes almeja alcançar um maior número de variações em seus significados e a melhor maneira de se atingir esse resultado é tirando o referido objeto de seu lugar de conforto.

Arnaldo Antunes nos propõe isso quando nos impõe o caminho de observar a sua produção em lugares distintos e por mais que ostentem o mesmo nome, ao mudar de lugar, se transformam em outra coisa, ocorre uma mutação sígnica e estética. Aparentemente um poema que também é letra de canção, pela lógica, não deveria possuir diferenças em sua interpretação pelo simples fato de mudar de e, mas não é assim que funciona. Ao ser transferido para es diferentes, o objeto do texto verbal se porta de maneira completamente diferente devido a sua disposição gráfica ter sido alterada. Um exemplo claro disso é a presença de alguns poemas que se repetem nos livros do autor em análise. O poema Se não se, aparece de uma forma no livro As Coisas e de outra no livro Nome. Observe abaixo, as imagens que estão ligadas a este poema nos dois livros e a mudança gráfica que ocorreu no próprio poema com a mudança de livro.

Como se pode confirmar nas imagens a seguir dos poemas e nos desenhos que o compõem, a disposição gráfica das letras no papel a a ter

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uma função importante na compreensão global do texto verbal. A única diferença da tipologia do poema entre os livros é gráfica. O poema presente na imagem 1 segue um modelo prosaico, sem muita preocupação com a estrutura dos versos. Na outra versão do poema, apesar da inserção de letras aleatórias junto aos versos na edição do livro Nome (imagem 2), que acaba nos instigando a querer procurar uma lógica nas letras soltas, mesmo em outros idiomas, depois de muita leitura, percebemos que não há nenhuma lógica, porque o foco central do poema é a ideia do jogo entre perder, pedir e achar e a sua relação com a fotografia é a mesma que houve no livro As coisas. IMAGEM 135

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ANTUNES, Arnaldo. Se Não Se. In: As Coisas. São Paulo. Iluminuras, 1992, p. 79.

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IMAGEM 236

A imagem que acompanha o poema presente no livro As Coisas traz um círculo que provavelmente esteja remetendo à noção de infinito (Imagem 3), que corrobora com o entendimento do sentido da disposição gráfica do poema tentando nos ar a ideia de infinitude. A ausência de pontuação proporciona um ritmo ao poema como se estivesse subindo e descendo de uma gangorra. 36

ANTUNES, Arnaldo. Se Não Se. In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau.) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 109.

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IMAGEM 337

IMAGEM 438

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ANTUNES, Arnaldo. Desenho de Rosa Moreau Antunes, que acompanha no livro As Coisas o poema Se não se In: As Coisas. São Paulo. Iluminuras, 1992, p. 79. 38 ANTUNES, Arnaldo. Fotografia de Arnaldo Antunes, Celia Catunda, kiko Mistorigo e Zaba Moreau que acompanha no livro Nome o poema Se não se. In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 110-111.

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No Brasil, há um fenômeno presente na poesia de Arnaldo Antunes que é a influência sofrida pela Poesia Concreta, e que segundo Augusto de Campos foi posta em prática pela primeira vez pelo poeta francês Stéphane Mallarmé funcionando da seguinte forma:

Trata-se, pois, de uma utilização dinâmica dos recursos tipográficos, já impotentes em seu arranjo de rotina para servir a toda a gama de inflexões de que é capaz o pensamento liberto do agrilhoamento formal sintático-silogístico. A própria pontuação se torna aqui desnecessária, uma vez que o espaço gráfico se substantiva e a a fazer funcionar com maior plasticidade as pausas e intervalos da dicção.39

Por causa dessa libertação “sintático-silogística” que permite a qualquer poeta não se prender aos recursos formais, vemos que a ausência da pontuação a a ser utilizada como recurso, dando ênfase às pausas e à dicção da fala, fazendo com que o poema ganhe contornos bem próximos ao da produção oral. Essas características do poema em fazer com que a posição gráfica do texto interfira no entendimento do poema são oriundas da experiência de Arnaldo Antunes com a poesia concreta na qual ele bebeu na fonte para produzir diversos de seus poemas.

A poesia concreta, ao buscar um instrumento que a traga para junto das coisas, uma linguagem que tenha, sobre a poesia de tipo verbaldiscursivo, a superioridade de envolver, além de uma estrutura temporal, uma dimensão espacial (visual), ou, mais exatamente, que opere espaciotemporalmente, não pretende, com isso, uma descrição fiel dos objetos, não é seu escopo desenvolver um sistema de sinais estruturalmente apto pra veicular, sem deformações, uma visão de mundo retificada pelo conhecimento científico moderno.40

A partir do posicionamento de Haroldo de Campos na citação acima, percebemos que tanto nesse, como nos outros poemas de Arnaldo Antunes não há a pretensão de descrever fidedignamente os objetos. Há, na verdade, a 39

CAMPOS, Augusto; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo. Teoria da Poesia Concreta: Textos Críticos e Manifestos 1950-1960. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2006, p. 33. 40 CAMPOS, Augusto; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo. Teoria da Poesia Concreta: Textos Críticos e Manifestos 1950-1960. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2006, p. 107-108.

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tentativa de ressignificá-los, de dar a esses objetos e aos seus nomes outro ponto de vista que, em hipótese, ninguém havia pensado.

Na foto (Imagem 4), temos vários botões de costura. Essa imagem é bastante significativa, pois o poema se concretiza em forma de texto e a palavra texto, em sua origem latina, significa tecido. É interessante verificar que os botões são artefatos criados justamente para dar unidade, para fechar uma indumentária. No poema, alguns recursos icônicos funcionam como botões, fechando o texto em si mesmo. A imagem do círculo no livro As coisas traduz a mesma ideia, representando algo fechado. Tal fechamento não significa, entretanto, que o texto deve ser visto como algo acabado, uma vez que há no próprio botão a possibilidade da abertura. O botão fecha, mas também abre. A esse respeito, podemos entender que

Esses constantes movimentos de escritura adotada por Antunes, em relação aos es e com ele os diferentes tipos de códigos acionados para os poemas e canções, podem sugerir outras formas de experimentações poéticas, envolvendo outras materialidades e possibilidades de circulação. Os poemas e canções não são produtos “acabados”, mas processo em devir. Por isso, ao republicar um texto de um e para outro, o poeta altera a versão anterior (recorta, ilustra, etc.), oferecendo uma outra leitura para o texto que, também, torna-se outro.41

Antunes se utiliza dos malabarismos gráficos advindos das experiências com os concretistas e da recriação de seus poemas, ao republicá-los em outra obra ou ao transformá-los em canção. Assim, ele pera do universo de produção de poesia tradicional, que é exclusivamente atrelada ao papel, e migra para outras experiências, unindo em um só projeto, três linguagens

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FERNANDES JÚNIOR, Antônio. Os Entre Lugares do Sujeito e da Escritura em Arnaldo Antunes. Tese de Doutorado em Estudos Literários - Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista. Araraquara – SP, 2007, p. 79.

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distintas em es diferentes e que versam sobre a mesma temática: as diferentes relações entre os humanos, os sentimentos e os objetos.

Ao associarmos os possíveis significados da relação entre o poema e as imagens que os acompanham, percebemos que há um elo que está presente nas duas versões do poema que é o símbolo do círculo. Em nossa sociedade, o círculo representa o infinito.

Sendo mais específico, temos como representante da infinitude do amor, por exemplo, as alianças matrimoniais ou de compromissos. Segundo a tradição, o objeto aliança é dado ao parceiro(a) como demonstração de que seu amor é infinito, por não saber identificar nem onde começa, nem onde termina o amor de um pelo outro. Observemos, pois, como a republicação possibilitou ao poeta estabelecer um paradigma mais amplo. Na imagem 3, o desenho de sua filha Rosa, possibilitou a Antunes explorar esse jogo que é se relacionar de forma amorosa, em qualquer um dos níveis.

Contudo, na versão do livro As Coisas, essa percepção não é tão clara e vai se confirmar apenas na republicação no livro Nome, em que agora os círculos aparecem sob a forma já comentada de botões de roupa e de alianças, confirmando-nos a ideia de que o poema aborda o tema da infinitude ligada ao jogo da possível aparição da finitude a qualquer momento. Essa discussão já fora abordada por outros poetas como Vinicius de Moraes em um de seus inúmeros sonetos, como podemos ver a seguir.

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Soneto de Fidelidade42 De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. Para nossa comparação, os dois últimos versos são os que interessam para nossa constatação. Vinicius afirma nesses versos que sabe que o amor não é imortal, mas, como boa parte da sociedade, almeja que se torne infinito, mesmo que seja por poucos segundos. É exatamente essa busca entre o dilema de finito e infinito que Antunes traz para discussão no poema Se não Se. Essa proposição ideológica já tinha sido feita por Antunes no livro Psia (1986) com o Poema “O que”. A disposição gráfica do poema é absolutamente idêntica ao desenho feito por sua filha.

Observe: 42

MORAES, Vinicius. Antologia Poética. Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, p. 96.

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IMAGEM 543

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ANTUNES, Arnaldo. O Que. In: Psia. São Paulo: Expressão, 1986, p. 33.

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Levando em conta a estrutura morfológica desse poema, temos a seguinte ordem: advérbio de negação (não); verbo de ligação (é); artigo definido masculino (o); conjunção integrante (que); advérbio de negação (não); verbo no presente do indicativo (pode); verbo no infinitivo da segunda conjugação (ser); conjunção integrante (que). A estrutura do poema é estritamente visual e essa sensação nos remete à noção da primeiridade peirceana, pois antes de qualquer tentativa de entendimento de qual mensagem está querendo ser transmitida, deparamo-nos com a ideia circular e a dúvida sobre onde se inicia e onde termina o poema.

Assim como o poema Se não Se, esse poema foi musicado e lançado no disco Cabeça Dinossauro, de 1986, como última faixa do disco dos Titãs. Ao ser transformado em música, ambos os poemas ao serem ouvidos transmitem uma ideia mais atrelada ao ícone peirceano. Para o professor da Universidade do Quebec em Montreal, Jean Fisette, um especialista nos estudos sobre a obra de C. S. Peirce, a música é um caso exemplar do ícone.

A música não tem referente; seus atos sonoros também não estão ligados a um significado que seria uma classe fixa de referentes; mas ao contrário, o ato musical traz consigo uma imensa reserva de efeitos de sentido possíveis que são não limitados e não limitáveis; e, na medida em que esses efeitos de sentido transbordam o controle da razão, eles asseguram um lugar privilegiado para o despertar de emoções, igualmente variáveis, que serão relativas ao sujeito, ao lugar e até mesmo à hora do dia. Aliás, se não fosse assim, por que razão escutaríamos novamente uma mesma música? Por isso, seria mais justo imaginar é que essa música que escutamos e reescutamos assemelha-se ao rio, do qual falava Heráclito, no qual não nos banhamos nunca duas vezes.44

Por essa íntima relação da música com o lado da emoção, entramos em um campo que ultraa os limites semióticos e que a a ser parte 44

FISETTE, Jean. Falar do Virtual: a música como caso exemplar do ícone. In: Lógica do Ícone. Tradução de Márcio Venício Barbosa. Minas Gerais: UFMG, 1999, p. 10-11.

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importante do processo poético musical, que é a performance. Os atos, gestos, intensidades físicas do intérprete completa o sentido daquela peça poética e musical de forma interligada e a sua dissociação pode alterar o entendimento do que está sendo transmitido. A partir disso, a palavra ganha corpo e nas obras de Arnaldo Antunes, além das relações com as associações denotativas, tem uma espécie de corporificação da palavra onde ele tenta virtualizar no papel, na tela da TV e nas faixas de músicas que a palavra é algo que se move e pode ser modificada pelo poeta do mesmo modo que a argila pelo artesão.

Essa reflexão nos remete a uma divagação sobre o como Antunes tenta nos demonstrar que às vezes não observamos todas as coisas por todos os ângulos. As palavras que damos aos objetos não são apenas signos linguísticos em que o nome carregará para sempre uma imutabilidade em que aquilo não será visto de outro modo. Há aí, portanto, uma abertura para reorganizarmos o pensamento para as coisas que nos cercam, suas utilidades, os nomes que carregam e o quão diferente pode ser um simples objeto se nos permitirmos observá-lo por outro prisma, inserindo-o dentro de nossos contextos sociais.

Seguindo esse raciocínio, entraremos no próximo tópico na discussão sobre a utilidade das coisas, dentre elas onde está enquadrada a poesia e a música no sistema de mundo no qual habitamos no ocidente, que é o capitalista.

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1.2 NEM TUDO QUE SE TEM SE USA? Escova de dentes eu uso Pra escovar os dentes eu uso Às vezes pra limpar as unhas do pé Às vezes eu uso chiclé Às vezes eu uso chiclé Cabelo me deixa confuso Escova de cabelo eu não uso Palitos de dentes nas unhas da mão Às vezes eu uso sabão O que eu faço com essa lente de contato Se eu enxergo bem? Não vou botar na orelha Porque eu já escuto muito bem, muito bem Nem tudo que se tem se usa Nem tudo que se tem se usa Nem tudo que se usa se tem. Não tenho nenhum parafuso Não tenho, não quero e não uso Fios de cabelo eu tenho mais de mil Às vezes eu uso Bombril O que eu faço com essa pedra num sapato que eu não uso mais? Não vou botar na orelha porque eu já escuto bem demais. Nem tudo que se tem se usa Nem tudo que se usa se tem. 45

A palavra é o cerne da discussão. Muito se discute sobre a palavra falada, a palavra escrita ou a palavra cantada. Nesta tese, vamos demonstrar uma nova modalidade da palavra: a palavra-canção. Depois de muitas leituras sobre diversas teorias a respeito da palavra, percebemos que em Arnaldo 45

ANTUNES, Arnaldo. Nem Tudo. In: Ninguém. São Paulo, BMG, 1995, faixa 1.

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Antunes ela se move, pulsa, faz barulho e faz silêncio similar ao característico da canção. Sem esquecer a corporificação que a palavra escrita traz em seu cerne nem a movência que a palavra cantada possui, vimos que em Arnaldo Antunes há muito de poema nas canções e muito som em seu poemas. Devido a essa percepção, selecionamos alguns poemas e algumas canções, ou porque não, poemas-canções ou canções-poemas em que a intrínseca relação entre a palavra e seus es se hibridizam. A ideia é que após este estudo, sempre que alguém se utilizar do termo palavra-canção encontrará uma referência em Arnaldo Antunes e nos artistas que, assim como ele, transitam entre os limites da poesia e da canção.

Vemos nessa canção apresentada no início do tópico (Nem tudo, 1996) um posicionamento do autor sobre a questão do que é útil e o que é inútil. Em primeiro lugar, ele questiona o objeto escova, que serve para a escovação dos dentes e até para limpar as unhas do pé. Para ele, esse é um objeto “útil”. O segundo questionamento continua com o objeto escova, só que agora em outra função. Nesse segundo ponto, Arnaldo Antunes afirma que escova de cabelo é um objeto “inútil” porque ele não usa. Seguindo a leitura da letra da canção, veremos o objeto palito de dente, que para ele, também o possibilita a limpeza das unhas da mão, cuja acumulação de mais uma utilidade possibilitaria a economia de sabão, que aria a ser inútil para essa função de limpar as unhas da mão. “O que eu faço com esta lente de contato se eu enxergo bem?” Este questionamento sobre a utilização de uma lente de contato corretora da visão soa como ironia do autor, pois no mundo capitalista, por causa da vaidade,

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pessoas utilizam-se desta lente corretora apenas para mudar a cor dos olhos, dando a entender que é um objeto desnecessário para pessoas que não precisam de correção na visão. O refrão “nem tudo que se tem se usa, nem tudo que se usa se tem”, resume toda a ideia de inutilidade que certas coisas possuem e que são constantemente oferecidas a algumas pessoas que sequer vão chegar a usar aquilo que adquiriram, enquanto que outras coisas “úteis” nem todos têm o, por causa do nosso modelo econômico, que é pautado no “capitalismo selvagem”, termo usado pelos Titãs, antigo grupo de Arnaldo Antunes. É interessante observar que, sob uma perspectiva pragmática, a arte não tem função. As obras de arte se prestam à contemplação, à produção de efeitos estéticos que vão na contramão do utilitarismo capitalista. Se assim é, a modernidade radicalizou ainda mais essa experiência, ao produzir arte a partir de objetos utilitários. Duchamp causou frisson no início do século XX ao propor seus ready-made, proposta de se apropriar de objetos industrializados, transformando-os em obras de arte à medida em que rompe com seu sentido utilitário, forjando efeitos estéticos. Desse modo, quando Antunes propõe que "nem tudo que se tem se usa", aproxima-se da ideia de subversão da função primeira dos objetos, evidente nos ready-made. Como faremos uma abordagem pelo prisma musical no capítulo 3, não nos detivemos em analisar melodicamente a canção Nem Tudo, deixando esse tipo de análise mais para frente.

A partir da noção de ideia, de palavra e de suas relações com as coisas, muitas vezes nos indagamos: para que é que servem certas coisas, certos objetos? Então, o que é utilidade para nós, seres humanos? Por que queremos 48

que tudo nos sirva? Outro questionamento que o texto pode suscitar é: para que serve a palavra em si? Por que, afinal, o que uso para limpar as unhas do pé é algo chamado escova? Por que não chiclé? Romper com a arbitrariedade do signo é procedimento recorrente em Arnaldo Antunes. Isso pode ser observado, por exemplo, na canção macha fêmea46, do álbum O Silêncio, de 1996, em que as palavras não seguem o seu gênero próprio:

macha fêmeo macha fêmeo fêmeo macha

cérebra caralha baga saca pescoça prepúcia ossa nádego boceto têto côxo vagino cabeço boco corpa moço dentra foro moça orgasma coita palavro sexa goza

liberal gerou

macha fêmeo macha fêmeo fêmeo macha

fígada barrigo umbiga perno braça unho mucoso axilo nerva pela veio cabela narino porro

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ANTUNES, Arnaldo. Macha fêmea. In: O Silêncio. São Paulo, BMG, 1996.

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corpa moço dentra foro moça orgasma coita palavro sexa goza

liberal gerou

calço terna saio camiseto vestida cueco bluso meio sandálio calcinho cinta sapata casaca luvo

corpa moço dentra foro moça orgasma coita palavro sexa goza liberal gerou Essa canção ratifica o quanto o gênero é arbitrário, assim como a palavra em si. Quando crianças, somos apresentados a um sistema préexistente, ao qual temos o pelo domínio da linguagem, cujos signos, segundo Saussure, revestem-se do caráter da arbitrariedade, o que faz com que assimilemos alguns nomes cujos significados nem sabemos ainda. A noção de significação para pensarmos por que certos objetos possuem certos nomes só vem com o tempo. Nem sempre a palavra define com precisão certos objetos.

Carlos Drummond de Andrade possui uma crônica sobre a utilidade dos animais. Ele descreve uma cena cotidiana de sala de aula, que está repleta de fotos de animais de todos os tipos. Na crônica, a professora indaga os alunos sobre a importância de protegê-los, diz que eles têm direito à vida como nós e que são todos muito úteis. Ela vai descrever que eles são de vários tipos, e todos, sem exceção, possuem alguma utilidade para nós, humanos, desde a sua carne pra alimentação, os pelos, os ossos, dentre outras coisas. Essa crônica apresenta um lado dúbio do ser humano, ou um discurso hipócrita, pois 50

Drummond nos mostra que só cuidamos bem dos animais porque eles nos são úteis, e que do contrário não nos importaríamos. É inerente ao ser humano fazer apenas coisas que tragam algum retorno para si mesmo, seja ele físico (relativo à sobrevivência) ou financeiro (relativo a lucro). Vejamos um trecho da crônica:

-- Não é útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu, Ricardo? - Entendi. A gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pelo, o couro e os ossos.47

A possível resposta para a necessidade de adequação das coisas aos nossos interesses é o modelo capitalista instaurado no mundo, do qual fazemos parte. Diante dessas indagações, entramos numa ditadura da utilidade, como disse Paulo Leminski. Ele afirma que essa ditadura se dá por uma simples questão: “Tudo tem que dar lucro”. 48 A partir disso, percebemos que, paulatinamente estamos entrando nesse sistema ditatorial. Leminski afirma que, por causa da burguesia, vivemos em um universo em que cada gesto que fazemos tem que ser útil. A ditadura da utilidade, segundo ele, está a trezentos anos ligada ao lucrocentrismo, e que o princípio da utilidade corrompe todos os setores da sociedade, levando-nos a acreditar que até a nossa própria vida tem que dar lucro.

A burguesia criou um universo onde todo gesto tem que ser útil. Tudo tem que ter um para quê, desde que os mercadores, com a Revolução Mercantil, sa e Industrial, substituíram no poder aquela nobreza cultivadora de inúteis heráldicas, pompas não rentábeis e ostentosas cerimônias intransitivas. Parecia coisa de índio. Ou de negro. O pragmatismo de empresários, vendedores e compradores, mete preço em cima de tudo. Porque tudo tem que dar lucro. Há trezentos anos, pelo menos, a ditadura da utilidade é unha e 47

ANDRADE, Carlos Drummond de. De Notícias & Não-notícias Faz-se a Crônica. São Paulo, Cia das Letras, 2013, p. 134. 48 LEMINSKI, Paulo. Arte In-útil, Arte Livre? In: A Arte e Outros Inutensílios. São Paulo: Folha de São Paulo, 1986.

51

carne com o lucrocentrismo de toda essa nossa civilização. E o princípio da utilidade corrompe todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem que dar lucro. Vida é o dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de Nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separe deste pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza.49

Partindo do princípio que tudo tem que dar lucro, onde enquadraríamos a poesia nesse prisma? Sabemos que o ofício de poeta se dá muito mais por prazer do que por dinheiro. Antunes trabalha com essa temática em um de seus poemas chamado O Dinheiro. Ele diz, em um trecho desse poema, que “o que não se quer melhor não comprar”.50 E a partir dessa afirmação vemos que o conjunto de poemas presente em seu livro tem uma função uniforme, que também racionaliza o tema de forma bastante crítica.

O movimento melódico abaixo demonstra uma regularidade da expressão frasal tematizada, em que as palavras são colocadas em entonações que se repetem. Essas repetições são classificadas por Luiz Tatit como Tematização e será abordada de forma melhor no terceiro capítulo. Diagrama 01 – O Dinheiro quer me

O que não se

lhor

O que não se quer mais não comprar.

melhor jo

fora gar

que do

dar guar

casa. em

49

LEMINSKI, Paulo. Ditadura da Utilidade. In: ANSEIOS CRIPTICOS. Ed. Criar, Curitiba, PR, 1986, p. 58-60. 50 ANTUNES, Arnaldo. O Dinheiro. In: As Coisas. São Paulo. Iluminuras, 1992, p. 76-77.

52

Para nós, o que interessa nesse trecho é a relação entre as coisas, suas noções valorativas, e a relação entre a tríade dinheiro, coisas e capitalismo. Há algo que une esses elementos: a troca. Antes da institucionalização mercantil do dinheiro, as sociedades praticavam diversas trocas através do chamado escambo51. Antes mesmo do dinheiro, as coisas tinham um determinado valor e aquilo que não era mais considerado útil deveria ser trocado ou jogado fora. Daí a ironia de Antunes ao dizer no verso "O que não se quer mais, melhor jogar fora do que guardar em casa", pois existem determinadas pessoas que não conseguem se desapegar de determinados objetos.

Foucault diz sobre a valoração das coisas que

Valer, para o pensamento clássico, é principalmente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificaram na medida em que essa troca existe. Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência. Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhecem valor para aquilo que o outro possui. Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu próprio valor, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisição finalmente se produzam. Mas por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite. Em outras palavras, para que numa troca, uma coisa possa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor; e, contudo, o valor só existe no interior da representação (atual ou possível), isto é, no interior da troca e da permutabilidade.52

Infelizmente, não são apenas as crianças que nomeiam de “coisas” aquilo que não conhecem. Quando as pessoas tratam as outras pela função que exercem e não pelos seus nomes, vemos que se cria um distanciamento que a sociedade acha que deve ser estabelecido por vários critérios 51

A palavra escambo significa a troca de mercadorias por trabalho. Ela é muito utilizada no contexto da exploração do pau-brasil (início do século XVI). Os portugueses davam bugigangas (apitos, espelhos, chocalhos) para os indígenas e, em troca de trabalho, os nativos deveriam cortar as árvores de pau-brasil e carregar os troncos até as caravelas portuguesas. 52 FOUCAULT, Michel. As Palavras e As Coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução Salma Tannus Muchail. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 263.

53

socioeconômicos e culturais, transformando-as em “coisas”, “números” e reconhecendo-as apenas por uma atividade que exercem e não como seres individuais que pensam e que também fazem parte da mesma sociedade. Este fenômeno é conhecido por “Coisificação” ou “Reificação” que é algo que não se limita apenas à poesia, mas a sociedade como um todo. Rubem Braga, em sua crônica Recado ao senhor 90353, exemplifica esse fenômeno ao tratar da redução das pessoas a números e a redução da vida ao cumprimento de regulamentos.

Antônio Risério estende o fenômeno de reificação para o signo verbal quando afirma que:

Ao gravar um signo verbal num e, o que faço é reificá-lo. A palavra como que se converte em coisa; como que adquire espessura objetal. E se torna exterior ao corpo, diferentemente da palavra falada, que é sopro sonoro projetando-se no ar desde a cavidade da boca. A escrita é o discurso depurado da presença humana livre das interferências da voz e da gestualidade. Ou dito de um outro modo, enquanto a fala é atributo de um corpo, a escrita é atribuição de um corpo à fala.54

Esse processo de “coisificação” faz oscilar o chamado paradigma do status social, fazendo com que as pessoas em a se autodenominar pelas suas habilidades e profissões para se posicionar de uma forma melhor perante a sociedade. Por exemplo: o médico, o advogado, o jornalista, o empresário. Isso também acontece na outra esfera social, quando as pessoas procuram construir sua identidade a partir da ressignificação de seu ofício, empregando, para isso, termos com uma carga mais positiva ou menos negativa. Dessa forma, procuram conquistar mais status social. Clarice Lispector mostra bem o 53

BRAGA, Rubem. Recado ao senhor 903. In: Para gostar de ler. Ática, 1991. Disponível em: http://saladeleituraencantada.blogspot.com.br/2013/09/recado-ao-senhor-903-rubembraga.html o em: 23 jan. 2015. 54 RISÉRIO, Antônio. Ensaio Sobre o Texto Poético em Contexto Digital. Capa de Humberto Vellane. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; COPENE, 1998, p. 176.

54

que é isso em A Hora da Estrela55, quando Olímpico de Jesus se autodenomina de “metalúrgico” em vez de “operário”. Olímpico achava que se apresentando dessa forma teria uma elevação no seu status social, em uma tentativa de se inserir dentro da outra esfera. Alguns autores tratam de suas personagens não pelos nomes, mas pelas profissões que exercem, como ocorreu na peça O Auto da Compadecida56, de Ariano Suassuna, onde, com exceção dos protagonistas, as personagens eram conhecidas pelas suas profissões e funções, como o padeiro, o padre, o cangaceiro, dentre outras. Apesar de que todos devem ter nomes, eram sempre chamadas pelos títulos de suas funções.

Os textos poéticos são considerados como inúteis por diversas pessoas, pois são vistos como dispensáveis à formação de um ser humano e que é perda de tempo depositar parte do seu tempo em poesia ou prosa, pois o que interessa para as pessoas do “mundo do lucro” é decifrar os códigos de outras fontes impressas que os levem a descobrir uma forma de obter mais lucro. Para Leyla Perrone-Móises57, “se nos dispmos a ‘perder tempo’ e penetrar no que o inútil poema nos diz, é toda a utilidade dos outros impressos que será posta em causa”. Às vezes, a poesia também discute temas ligados a outros tipos de texto, como por exemplo, o poema de Manuel bandeira: poema tirado de uma notícia de jornal58, que retratou um acontecimento em um determinado espaço

55

LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 35 Ed. Rio de Janeiro: Agir, 2005. 57 PERRONE-MOISES, Leyla. A Inútil Poesia de Mallarmé. In: Inútil poesia e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.31. 58 BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966. 56

55

do Rio de Janeiro, mas que discutia um tema bem comum na sociedade da época. Segundo a própria Leyla Perrone-Moises, “o poema vem lembrar, imperiosamente, que tudo é linguagem, e que esta engana.” 59

No mundo, as coisas ocupam um lugar de destaque, pois cada novidade que se apresenta diante de nossos olhos, a princípio, é chamada de “coisa”. A discussão sobre a utilidade das coisas é algo bastante amplo. Qualquer objeto, ou “coisa”, vai possuir uma função específica dependendo do ponto de vista de seu observador. Aí vem novamente a pergunta: por que as coisas têm de ser úteis? A resposta pode ser encontrada no sistema capitalista. É ele que prega uma utilização indiscriminada dos animais para benefícios dos seres humanos. É ele que nos força a ter que ganhar dinheiro para poder sobreviver, sempre ter pressa e por isso achar que necessitamos de um automóvel para que possamos executar nossas funções, transformando-o em uma “coisa” útil, quando sabemos que não é algo imprescindível para a sobrevivência humana. É o capitalismo que transforma a poesia em algo “inútil”, como afirma Leminski. É ele que afasta as pessoas do ofício de escrever poesia ou estudar Literatura. Por essas e outras razões, tendemos a avaliar, calcular e planejar todo o nosso tempo, nossas relações interpessoais e tentar fazer com que qualquer coisa, fato ou acontecimento se ajuste às nossas necessidades. Por isso, sempre que nos deparamos com alguma “coisa”, pensamos se ela vai servir para algo e mesmo que não sirva, nosso sistema nos induz a adquirir aquilo de que nem precisamos em nome de uma elevação no status social.

59

PERRONE-MOISES, Leyla. A Inútil Poesia de Mallarmé. In: Inútil poesia e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.32.

56

Apesar de ser considerada algo “inútil” por muitas pessoas no mundo, foi a poesia, através do instrumento do estudo da Literatura, que nos permitiu refletir sobre esses aspectos do que é uma coisa útil. Como disse Leila PerroneMóises: “por sua própria ‘inutilidade’, o poema nos obriga a pensar a ‘utilidade’ dos outros impressos”.

Partindo

dessa

ideia,

observamos

também

que

uma

coisa

aparentemente inútil para uns, imaginando a poesia como “coisa” ou um “objeto físico”, por exemplo, pode comprovar que nem tudo que parece ser inútil, deveras é. No próximo subtópico traremos mais alguns exemplos que esclarecem um pouco mais essa relação entre as coisas, os nomes que elas carregam e a relação entre as suas utilidades e os seus significados.

57

1.3 ISSO É O NOME DA COISA?60 IMAGEM 661

60

ANTUNES, Arnaldo. Trecho do poema Nome. In:. Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993. 61 ANTUNES, Arnaldo. Nome. In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau.) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p.1-2.

58

Quando somos crianças, vamos descobrindo diversas coisas novas. Primeiro nos deparamos com um mundo sonoro que se apresenta aos nossos frágeis ouvidos. Depois, vem o encantamento com as cores dos objetos, com as formas e com todas as suas variáveis. Junto a esse elemento visual vem um entendimento melhor dos sons. Todos aqueles barulhos e ruídos soam como música para os ouvidos de um jovem ser que se depara com o seu primeiro contato com um mundo completamente novo. Ao se tornar mais velho, quando finalmente se depara com o fenômeno da linguagem, a jovem criança será obrigada a assimilar de forma cognitiva, dentro de um código de linguagem na qual esteja inserida, que todo e qualquer objeto que se apresenta diante dos seus olhos, além da forma visual, possui também um Nome. Nomear algo nada mais é do que um ato arbitrário, em que se impossibilita que o signo em questão possa ser definido de outra forma, ou seja, não podemos simplesmente trocar o nome das coisas, por mais que as crianças sejam mestres nisso. Elas simplesmente trocam fonemas, letras e até mesmo os significados de alguns objetos. Partindo desse pressuposto da arbitrariedade, não poderíamos pensar em uma construção verbal cuja nomeação não fosse bem estabelecida, pois a partir da ideia de que cada coisa deve ter um nome e que esse nome deve ser associado a uma imagem, a uma significação, por via de regra, um objeto ou coisa deve sempre estar associada a cada nome dado. E quando essa lógica é rompida, ou tem suas ordens invertidas, como funciona o processo de significação? A lógica infantil não obedece fielmente a essas normas e é na tentativa de se assemelhar a esse tipo de pensamento infantil que Arnaldo Antunes nos faz pensar em seus livros de poemas As coisas (1992) e Nome,

59

parte integrante do kit multimídia (1993), o quão pouco é questionada a arbitrariedade do signo, o quanto nos conformamos com a significação una, em detrimento de um dimensionamento semântico múltiplo do significante. Dessa forma, ficamos tão impregnados aos ditos “nomes” que recebemos, que ocorreu de forma quase que imperceptível um apagamento do “SER” em detrimento de um “NOME”. No primeiro e no décimo poema do livro Nome (1993), Antunes nos leva a refletir sobre o quanto é ignorada a existência dos seres em detrimento de sua nomeação. No primeiro poema homônimo ao título do livro (imagem 6), percebemos que ele joga com as palavras de modo que a gradação feita pela sequência textual vai alterando e ampliando os significados de palavras como: homem, coisa, cara, rosto, osso e corpo. Para Wilberth Salgueiro62, em Arnaldo Antunes "A procura obsessiva pelo traço preciso - vocabular, icônico, misto- a também pela deformação do signo, transformando em coisa a ser ressignificada pelos olhos e mentes interventores do leitor-espectador." Posto esse pensamento, podemos dizer que a gradação visual oriunda do vídeo em que as palavras surgem na tela umas se sobrepondo às outras. A partir disso, a sequência textual nos guia para uma gradação que nos encaminha para um apagamento do objeto central do poema, que é a palavra homem. Ele é definido como algo e como coisa, desconstruindo assim, o conceito global de significado que lhe é atribuído normalmente. Nesse sentido desconstrutivista de Antunes, percebemos um processo de apagamento do uso do sentido estrito do ato de nomear através do movimento. Temos no poema uma forma gradativa e cíclica em que o conceito do termo “homem” é apagado 62

SALGUEIRO, Wilberth Clayton Ferreira. Forças e Formas: aspectos da poesia brasileira contemporânea ( dos anos 70 aos 90). Rio de Janeiro: Edusfes, 1998, p.86.

60

através do instrumento representativo da morte, mas logo retomado ao ser dito que o “homem é o nome do outro” caracterizando a ideia do retorno. Essa relação entre homem e morte já havia sido retratado por Antunes em um de seus poemas presentes no Livro Psia (1986). O poema aborda a relação do que vem primeiro na vida de um homem. O que é bastante intrigante que há no poema abaixo a relação da morte com temas recorrentes na obra de Arnaldo Antunes como a correlação do substantivo homem como sinônimo de cara, já observado no poema do início do subtópico; há também uma alusão a noção de coisa que seria abordada posteriormente no livro de 1992. Observe a imagem abaixo: IMAGEM 763

63

ANTUNES, Arnaldo. Poema sem título. Psia. São Paulo: Expressão, 1986, p.23.

61

O poema de Antunes trabalha com uma afetação de mundo levando o seu leitor/ouvinte a uma reflexão sobre o processo cíclico que existe na ordem da vida humana, tentando explanar no poema a “outra face” dos processos de entendimento sobre o que realmente é o instinto de morte. Confirmando esse pensamento, Amador Ribeiro Neto afirma sobre esse poema que O homem definha para o estágio de coisa, depois de ser reduzido pela fome, à morte e à fossilização. Entre versos substantivos conectados pelo verbo ser, o poema mergulha na essência do homem e conclui que "homem é o nome do outro". Quer seja: este (isto) não é homem, é resíduo, é escória, é lixo. Por isto mesmo a sequência de imagens que funde palavras culmina num monte de lixo. Lixo colorido, é verdade. Lixo que, à primeira vista, parece uma tela abstrata, com suas formas e cores superpostas e interpenetráveis. Mas este parangolé multicor vai aos poucos definindo contornos. Então o lixo emerge do luxo. Referência ao nominalismo do primeiro Drummond e do eterno Cabral. Citação plástica da visualidade gráfico-poética do poema luxo/lixo de Augusto de Campos. Enfim: poesia engagée antipanfletária, profundamente social na socialização interativa de linguagens e códigos, ideias e formas.64

Para Arnaldo Antunes, a morte ocorre já no momento da nomeação, pois impede que a palavra nomeada possa ter uma múltipla significação. O projeto Nome (1993) é uma tentativa de romper com esse processo arbitrário que a nomeação faz com o signo, pois ao trabalhar a palavra com música, ele consegue ampliar o alcance de significação de cada uma das palavras postas no poema, pois ao colocar o texto verbal em interpretação por um performer, a matriz verbal a a estar acompanhada da sonora e também da visual. Texto, som e imagem quando se hibridizam formam um poderoso composto de plurissignificação. Antunes, por ser conhecedor de algumas teorias que peram o universo da Semiótica, cria de forma proposital alguns poemas

64

RIBEIRO NETO, Amador. Causticidade na vídeo poesia de Arnaldo Antunes. Disponível em: o em: 2 ago. 2014. Rio de Janeiro, 2007, p.4.

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visuais sonoros, que se encaixam perfeitamente na teoria proposta por Charles Sanders Peirce. Desse modo, as instâncias que associam a experiência de nomear ou (re)conceituar com as ideias do Peirce ganham corpo deixando aberto um espaço para as interferências, bastante feitas por Antunes nesse projeto, das sonoridades, que segundo Santaella estaria ligada à primeiridade da imagem, que teria sua relação com a noção indicial, deixando a absorção do pensamento proveniente da linguagem extremamente ligada ao simbólico.

Para Peirce Devemos distinguir entre o Objeto Imediato --- i.e., o Objeto como representado no signo --- e o Objeto Real (não, porque talvez o objeto seja ao mesmo tempo fictício; devo escolher um termo diferente), digamos antes o Objeto Dinâmico que, pela natureza das coisas, o Signo não pode exprimir, que ele pode apenas indicar, deixando ao intérprete a tarefa de descobri-lo por experiência colateral. Por exemplo, aponto meu dedo na direção daquilo que quero dizer, mas não posso fazer meu companheiro entender aquilo que quero dizer se ele não o puder ver ou se, vendo-o, ele não o separa, em sua mente, dos objetos circundantes em seu campo de visão. 65

Ao tentar explicar em alguns poemas presentes no livro Nome que o nome das coisas não são o que realmente as coisas são, Arnaldo Antunes retoma a ideia peirceana de distinção entre objeto imediato, aquele cuja imagem é representada pelo nome, e o objeto real, aquilo que ele é realmente. Segundo Luiz Tatit66, o projeto do livro Nome é um tratado poético sobre a imotivação em meio à motivação e que o verso mais representativo do tema do tratado está presente na canção visual intitulada Nome Não: "O nome dos bichos não são os bichos" cuja sua versão em poema pode ser observada na imagem abaixo:

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PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1987, p. 168. TATIT, Luiz. Muito Menos e Muito Mais: análise de Nome, de Arnaldo Antunes. In: Graphos: Revista de pós-graduação em Letras. Vol. 11, n. 1, UFPB, 2009. 66

63

IMAGEM 867

67

ANTUNES, Arnaldo. Nome Não. In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p.3940.

64

A tentativa de negar a relação dos nomes com as coisas que se referem no poema acima é um ato paradoxal em que Arnaldo Antunes tenta negar o ato de nomear, evidenciando-o como algo arbitrário, porém ao tentar ratificar sua ideia de que os nomes atribuídos aos bichos não são realmente o que cada um é em sua essência, Antunes se contradiz ao demonstrar que não há como se referenciar a coisa sem a utilização do signo linguístico que está ligado a ela, mesmo que de forma arbitrária. Há, portanto, nesse poema, uma ampliação sobre a forma como lidamos com os nomes. Do mesmo modo como o poema que iniciamos este subtópico, em Nome Não, há por parte do poeta uma reflexão acerca das coisas, seus nomes e dos motivos pelos quais eles receberam aquelas nomeações. Após 2 anos da produção deste livro, Arnaldo Antunes continua discutindo sobre o ato de nomear e produz uma canção bastante tensiva, quanto ao seu aspecto melódico no disco Ninguém (1995), denominada Como é que Chama o Nome Disso. Agora o mote principal do texto não é mais é o nome de, e sim o nome disso é. Embora reapareça de forma diferente, em sua matriz, a canção nos remete ao mesmo questionamento advindo do poema Nome (1993). o nome disso é mundo o nome disso é terra o nome disso é globo o nome disso é esfera o nome disso é azul o nome disso é bola o nome disso é hemisfério o nome disso é planeta o nome disso é lugar 65

o nome disso é imagem o nome disso é Arábia saudita o nome disso é Austrália o nome disso é Brasil

como é que chama o nome disso? como é que chama o nome disso? como é que chama o nome disso? como é que chama o nome disso?

o nome disso é rotação o nome disso é movimento o nome disso é representação the world for what this is name the name of this é isso o nome disso is place el nombre of name space el nombre do nome esfera o nome disso é ideia

o nome disso é chão o nome disso é aldeia o nome disso é isso o nome disso é aqui o nome disso é Sudão o nome disso é África o nome disso é continente

o nome disso é mundo o nome disso é tudo o nome disso é velocidade o nome disso é Itália o nome disso é Equador o nome disso é coisa 66

o nome disso é objeto como é que chama o nome disso? 68 Há nessa canção, uma denominação gradativa de alguns conceitos como mundo, planeta e alguns países. O que fica de intrigante é a reformulação da pergunta sobre determinados temas já utilizados em alguns de seus livros e discos. Há na verdade uma discussão sobre três conceitos bastante recorrentes em Antunes que é a noção de imagem, coisa e objeto. Esses três significantes ligados à ideia do Nome formam a matriz principal das discussões sobre a palavra, a linguagem e suas variantes, presentes nas obras de Arnaldo Antunes. Aprofundando um pouco a discussão sobre a questão da nomeação, podemos trazer o pensamento foucaultiano sobre a ideia saussureana de arbitrariedade linguística, proveniente do ato de nomear:

Ao primeiro exame, é possível definir as palavras por seu caráter arbitrário ou coletivo. Na sua raiz primeira, a linguagem é feita como diz Hobbes, de um sistema de sinais que os indivíduos escolheram, primeiramente, para si próprios: por essas marcas, podem eles recordar as representações, ligá-las, dissociá-las e operar sobre elas. São esses sistemas que uma convenção ou violência impam à coletividade. 69

Apesar de Foucault considerar que em sua primeira essência exista um caráter arbitrário nas palavras, ele diz que “a linguagem não pode representar o pensamento, de imediato, na sua totalidade”.70 Jacques Derrida em seu livro Salvo Nome (1995) fala que algumas pessoas proferem o nome de Deus fazendo referência àquilo mesmo que o nome dele supõe, pois quando o nome

68

ANTUNES, Arnaldo. Como é que Chama o Nome Disso. In: Ninguém. São Paulo, BMG, 1995, faixa 3. 69 FOUCAULT, Michel. As Palavras e As Coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução Salma Tannus Muchail. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p 112-113. 70 FOUCAULT, Michel. As Palavras e As Coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução Salma Tannus Muchail. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 113.

67

dele é dito, muitas vezes seu sentido é esvaziado, pois o nome Deus nomeia para além dele mesmo, nomeia além do nome, e Derrida o considera como o nomeável inominável. Ele define essa questão da nomeação a partir do ponto de vista teológico.

Como se fosse preciso ao mesmo tempo salvar o nome e tudo salvar, exceto o nome, salvo o nome, como se fosse preciso perder o nome para salvar aquilo que porta o nome, ou aquilo na direção do qual se dirige por meio do nome. Mas perder o nome não é incriminá-lo, destruí-lo ou feri-lo. Pelo contrário, é simplesmente respeitá-lo: como nome. Isso quer dizer pronunciá-lo, o que equivale a atravessá-lo na direção do outro, que ele nomeia e que o porta. Pronunciá-lo sem pronunciá-lo. Esquecê-lo, chamando-o, (se) lembrando-o, o que equivale a chamar o outro ou dele se lembrar... 71

A evocação dos nomes de modo esvaziado faz com que as palavras se afastem das coisas e de seus sentidos transformando os signos linguísticos em meros decodificadores de determinadas coisas, por exemplo, quando nos referimos a um objeto ou coisa, apenas nos reportamos a ele pelo significante ou nome que ele possui/carrega, no entanto, são raros os casos em que o individuo questiona o porquê daquele objeto ser chamado ou denominado daquela forma.

Quando a coisa é um objeto concreto, fica simples de se associar o objeto real ao seu objeto dinâmico, no caso seu nome, contudo, em casos como explana Jaques Derrida, existem termos abstratos e seus significantes são associados apenas ao que diz o senso comum do que ele realmente é, como no caso do nome Deus. Para diversas culturas ocidentais, o significado desse nome é bastante compreensível, dado o poder que as correntes cristãs exercem sobre as sociedades. Entretanto, somente as pessoas dotadas da fé cristã conseguem compreender o sentido do nome de Deus de uma forma 71

DERRIDA, Jacques. Salvo o Nome. Tradução Níci Adan Bonatti. Campinas: Papirus, 1995, p. 45.

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plena, pois, para quem não acredita, por exemplo, na existência de um ser superior, que só é considerado como superior apenas pelo ato de nomeação, não existe nada concreto que indique se tratar de um ser pessoal ou um objeto, coisa.

Com isso, percebemos que os nomes não estão estritamente atrelados aos seus respectivos objetos e sim que esses nomes são independentes, o que nos leva a refletir sobre o verso do poema citado anteriormente que afirma que o nome dos bichos, das cores e dos sons não pode representar o que eles realmente são, pois um nome não pode representar tudo isso e eis a grande controvérsia quando nos lembramos do exemplo do nome de Deus que existe e se associa a uma estrutura de poder apenas pela fé que as pessoas possuem no emprego de seu nome.

Para Arnaldo Antunes, não é necessário que exista uma coisa ou objeto específico associado a um nome para que ele se torne crível e sim uma ideia que o circunde e o transforme em algo irrefutável e que não precise de explicações, apenas ser como as cores, os sons e os bichos explicitados no poema Nome Não.

Tomando como base que as coisas possuem nomes, podemos inferir que esse questionamento sobre as coisas, os nomes, seus significantes e significados que pera por toda sua obra, é na verdade uma tentativa do poeta de entender como essas coisas se interligam. De acordo com Maria Esther Maciel,

Da palavra "coisa" emergem várias possibilidades de sentido. Se, num extremo, ela é capaz de designar tudo quanto existe ou possa existir para ser nomeado, classificado, definido ou representado, no

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outro aponta para o que não se sabe, para o enigma do que resiste aos nomes e à classificação. Pode ainda referir-se à classificação. Pode ainda referir-se à condição inanimada dos objetos, à materialidade de um bem ou à dimensão concreta de uma circunstância, em contraposição ao que é abstrato ou assim considerado.72

Ao misturar imagens no papel e no vídeo, som, palavras na tela, Arnaldo Antunes nos transporta para uma realidade paralela a que conhecemos. Há uma tentativa de desconstruir nossos paradigmas através de associações que mexem com todos os nossos sentidos, e com nossa forma de percepção não apenas da poesia, mas da nossa própria vida e das coisas que nos cercam. Por causa dessa fusão caleidoscópica proporcionada por Arnaldo Antunes, estamos tentando compreender como esses processos funcionam em seus es e nas suas variações híbridas, suas relações com o humano e com as implicações com as coisas, com as interferências dos nomes e com a construção de um pensamento que se pauta nas primeiras sensações do ver, sentir e ouvir. No capítulo a seguir, abordaremos a relação entre as coisas, as palavras e a imagem oriunda de algumas variações de e, além da interligação com o cinema, a fotografia e a vídeo-poesia.

72

MACIEL, Maria Esther. A Memória das Coisas: Ensaios de literatura, cinema e artes plásticas. /Glauco Matoso.- Rio de Janeiro: Lamparina, 2004, p. 97.

70

CAPÍTULO II

AS PALAVRAS SE DESAPEGARAM DAS COISAS73

"Em alguns vídeos, você lê uma coisa e escuta outra. Quer dizer: cada forma de trabalhar esses dois planos cria efeitos diferentes e muitas vezes você pode criar 'desconcentrações'." Arnaldo Antunes, em Entrevista cedida em sua casa a Ricardo Araújo em 1996.

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ANTUNES, Arnaldo. Origem da Poesia. In: Outros 40. Coletânea de ensaios, organizada por João bandeira. São Paulo: Iluminuras, 2014, p.26. Extrato retirado do texto de Arnaldo Antunes denominado Origem da poesia. Incluído no libreto do espetáculo “12 Poemas para dançarmos”, dirigido por Gisela Moreau, São Paulo.

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2.1 A POESIA VISUAL No livro As Coisas, temos diversos poemas que versam sobre a relação entre a linguagem e os objetos. Por ter sido um livro que foi feito por associações aos desenhos de sua filha Rosa Moreau Antunes, que tinha três anos na época, percebemos que a linguagem traz propositalmente uma busca pela descrição das coisas de uma forma natural, como se os pensamentos saltassem do inconsciente e trouxesse à tona tudo aquilo que não pensaríamos se raciocinássemos uns segundos a mais. Essa característica está atrelada à noção da primeiridade peirceana que se debruça sobre esse fenômeno do estudo do pensamento imediato ou puro. Arnaldo Antunes diz em entrevista que as palavras se desapegaram das coisas, e percebemos que isso é uma ideia que pera por toda a obra do autor:

Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis - os poemas - contaminando o deserto da referencialidade.74

Neste capítulo, além de continuarmos observando as semelhanças entre as coisas, os nomes e o modo como eles participam da poesia de Antunes, trataremos também das relações da imagem fotográfica e do vídeo como elementos formadores de sentido para a compreensão do poema. Ao produzir o projeto Nome, uma das ideias de Arnaldo Antunes era a de juntar a leitura na tela, sair do papel, obter movimento na leitura. Isso concomitantemente à ocorrência do som, o que dá muitas camadas de simultaneidade.

74

ANTUNES, Arnaldo. Origem da Poesia. In: Outros 40. Coletânea de ensaios, organizada por João bandeira. São Paulo: Iluminuras, 2014, p.26.

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A partir disso, podemos perceber o quanto as tricotomias peirceanas estão presentes na obra Nome, pois ao imaginar uma virtualização da leitura em uma tela de TV, Antunes tenta propor ao leitor uma oportunidade de tentar enxergar aquilo que apenas era escrito numa folha de papel, quase como uma corporificação da palavra e de suas instâncias de primeiridade, secundidade e terceiridade. Para Lúcia Santaella, cada uma das matrizes da linguagem e pensamento está associada às tricotomias de Peirce, e no caso da matriz visual a tricotomia quem tem predominância é a secundidade:

Quando proponho que a linguagem sonora está na matriz da primeiridade, a visual na matriz da secundidade e a verbal escrita na terceiridade, não pretendo, com isso, destacar uma categoria para cada linguagem com a exclusão das outras. Sabe-se que as categorias fenomenológicas são onipresentes. Elas estão sincrônica e simultaneamente presentes em todos os fenômenos, de modo que quando o fenômeno se apresenta no seu caráter de signo, os três níveis semióticos – iconicidade, indexicalidade e simbolicidade – estão indissoluvelmente conectados e intricadamente urdidos. 75

Mediante a todas essas relações intrínsecas, como então podemos situar a imagem televisiva ou cinematográfica presente no vídeo do projeto Nome em relação à imagem fotográfica ou pictórica que faz parte do livro? Ao criar o conceito de uma imagem, associada a um texto no e papel ou por meio de recursos audiovisuais, Arnaldo Antunes ajuda a difundir um tipo de linguagem definida por Santaella como “hipermídia”, na qual ela explica a diferença do termo multimídia. Sobre isso Santaella nos explica que:

Cada vez mais, fala-se, portanto em hipermídia, reservando-se o termo multimídia para a técnica de se produzir textos híbridos via computador. De todo modo, o que vale aqui é acentuar o fato de que toda a mistura de linguagens da multi e hipermídia está inegavelmente fundada sobre três grandes fontes primeiras: a verbal, a visual e a sonora. Tanto é assim que os programas multimídia (softwares) os signos audíveis (sons, músicas, ruídos), os signos

75

SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora visual verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2005, p. 193.

73

imagéticos (todas as espécies de imagens fixas e animadas) e os signos verbais (orais e escritos).76

O

uso

da

imagem

cinematográfica

como

recurso

para

uma

corporificação visual da palavra possibilita que o agora tele-espectador do poema visual possa ser levado a um campo de significações não apenas pelas meras associações denotativas (característica marcante da iconicidade) e sim por marcas deixadas no vídeo, como pistas de uma investigação criminal, em que se juntam pequenos quebra-cabeças cujo resultado final de sentido daquilo que o poema tentou expressar deseja ser alcançado por outra via, pela indexicalidade.

Peirce diz que Os índices podem distinguir-se de outros signos, ou representações, por três traços característicos: primeiro, não têm nenhuma semelhança significante com seus objetos; segundo, referem-se a individuais, unidades singulares, coleções singulares; terceiro, dirigem a atenção para seus objetos através de uma compulsão cega. Mas seria difícil, senão impossível, citar como exemplo um índice absolutamente puro, ou encontrar um signo qualquer absolutamente desprovido da qualidade indicial. Psicologicamente, a ação dos índices depende de uma associação por contiguidade, e não de uma associação por semelhança ou de operações intelectuais77.

Em relação às imagens fotográficas presentes no livro (muitas delas retiradas dos videoclipes), podemos dizer que a captação quase real da representação daquilo que é fotografado é dúbia, porque essa captação pode realçar algo que não estaria em primeiro plano ou ignorar algo de extrema importância que ficou de fora do enquadramento. A fotografia abaixo (imagem 9) faz parte do poema “Não tem que” presente no livro Nome de Antunes e funciona como fragmentos de fotografias instantâneas capturadas de placas e letreiros espalhadas pelas ruas. 76

SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora visual verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2005, p. 25. 77 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1987, p. 75-76.

74

IMAGEM 978

Este conjunto aparentemente desconexo forma, utilizando o termo de Peirce na citação da página anterior, uma união semântica através de uma conexão física indicial provocada pelo posicionamento das fotos, reproduzindo assim versos do poema em questão. Para o filósofo Nelson Peixoto, o signo da cidade permeia esse poema.

Anúncios luminosos, tabuletas, placas de trânsito, semáforos, palavras escritas nos muros, faixas de trânsito. Cidade feita de sinais. Setas, relógios, faróis. Colagem vertiginosa da gramática urbana. Palavras são compostas a partir de fragmentos de letreiros. Os formatos das coisas – tampa de bueiro, rodas de caminhão – são

78

ANTUNES, Arnaldo. Não tem que In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau.) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 1920

75

usados como letras. Setas se contrapõem a placas de interdição, evidenciando que tudo na cidade é signo. 79

Sob esses dois prismas, da imagem cinematográfica no e vídeo e da imagem fotográfica no e do livro, permeado pela iconicidade musical e pela simbolicidade da matriz verbal escrita, vemos que o projeto Nome se enquadra nesse processo híbrido e que cada uma das tricotomias, mesmo havendo uma predominância delas em cada matriz, pera e faz parte uma das outras. IMAGEM 1080

79

BRISSAC PEIXOTO, Nelson. Paisagens Urbanas. São Paulo, ed. Senac, ed. Marca D’Água, 1996. Disponível em: http://www.arnaldoantunes.com.br/new/sec_livros_view.php?id=4&texto=34 o em: 3 ago. 2014. 80 ANTUNES, Arnaldo. Imagem In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 19-20.

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A partir da leitura do poema acima, podemos observar que, assim como Arnaldo Antunes, muito se discute acerca da verdadeira função da imagem e essa discussão torna-se extremamente complexa quando a relacionamos com a Semiótica peirceana. Podemos observar que há um jogo de palavras nesse poema em que a semântica central a pela ideia da visão.

Esses jogos de palavras e de sons permite ao poeta, em uma função de vídeo-maker ou cineasta, burlar a noção do real e conseguir através do que o próprio Antunes chama de desconcentração proposital, atingir o objetivo que é mexer com os sentidos humanos e provocar sensações imediatas, primeiras, que acaba nos impedindo de racionalizarmos o que estamos vendo e ouvindo, característica esta da primeiridade. É apenas em um segundo ou em um terceiro olhar que conseguimos desconstruir a imagem que nos levou apenas pelo campo do sensório-motor.

A variação de e é algo feito de forma proposital, como afirma o próprio Arnaldo Antunes: Em alguns vídeos, você lê uma coisa e escuta outra. Quer dizer: cada forma de trabalhar esses dois planos cria efeitos diferentes e muitas vezes você pode criar 'desconcentrações'. Na verdade você pode 'desconcentrar' a pessoa de um plano em função de outro, e essa 'desconcentração' acaba criando um outro plano de concentração, que é muito interessante, porque atrita realmente essas duas áreas. 81

No vídeo que acompanha esse vídeo-poema, pode-se perceber que Arnaldo Antunes provoca, através da desconcentração, a não percepção do espectador, devido à velocidade dos frames do vídeo, que a palavra escrita no letreiro não é olho, no entanto devido ao fator de apresentação sonora da

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palavra olho, muitos não percebem que o letreiro é na verdade um nome de uma empresa, como demonstra a imagem abaixo: IMAGEM 1182

Como estamos estudando com a noção de signo e suas imbricações nos poemas de Arnaldo Antunes, observaremos nos poemas deste capítulo os aspectos tricotômicos dos signos peirceanos e a sua relação com a imagem cinematográfica, que, no caso de nosso objeto de estudo são os videoclipes presentes no projeto Nome (1993).

Em quase toda sua obra poética, Arnaldo Antunes trabalha com a noção das analogias, característica esta que estaria ligada à noção da primeiridade peirceana, em que as noções sensório-motoras se fazem necessárias para um bom entendimento dos seus poemas. No poema a seguir (imagem 11), denominado “O macaco”, percebemos um processo de analogia através da 82

O vídeo pode ser assistido no canal do youtube, através do seguinte link:

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fabulação que acaba, de certo modo, criando pequenos silogismos, como por exemplo:

O homem veio do macaco Mas antes o macaco veio do cavalo E o cavalo veio do gato Então o homem veio do gato O gato veio do coelho que veio do sapo que veio do macaco então o homem veio do macaco Podemos perceber isso mais claramente ao ler o poema completo: IMAGEM 1283

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ANTUNES, Arnaldo. O Macaco In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 7576.

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É notório que o processo cíclico vai permeando os poemas e a obra de Arnaldo Antunes. Em O Macaco a ideia central é a de que o homem se parece com o macaco. A partir disso o poema prossegue de forma que cada ideia vai se encaixando e validando o pensamento de semelhança até chegar a conclusão de que todos se diferem. O que ocorre no vídeo é uma sequência de desenhos que lembram os traços pictóricos de homens da caverna. Talvez por tratar da temática da evolução humana, o vídeo tenha sido produzido fazendo referência a esses desenhos. Na visão do filósofo Gilles Deleuze84, o termo “signo” é “entendido em um sentido bem diferente de Peirce: é uma imagem particular que remete a um tipo de imagem, seja do ponto de vista de sua composição bipolar, seja do ponto de vista de sua gênese”.

Deleuze diz que a noção de imagem-ação proposta por ele estaria ligada à secundidade peirceana, na qual prevalece uma situação que suscita em uma ação ou vice-versa, em que se faz presente o índice e o vestígio.

C.S. Peirce distinguia entre duas espécies de imagens que chamava Primeiridade e Secundidade. A secundidade estava lá onde havia duas por si só: o que é tal como é em relação a um segundo. Tudo o que só existe ao opor-se, por e num duelo, pertence pois a secundidade: esforço-resistência, ação-reação, excitação-resposta, situação-comportamento, indivíduo meio... É a categoria do Real, do atual, do existente, do individuado. E a primeira figura da secundidade, já é aquela em que as qualidades-potências se tornam forças, isto é, se atualizam nos estados de coisas particulares, espaço-tempo determinados, meios geográficos e históricos, agentes coletivos ou pessoas individuais. É aí que nasce a imagem-ação.85

O termo peirceano dicissigno que remete a uma percepção da percepção quando a câmera cinematográfica faz um enquadramento fechado, 84 85

DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, p. 46. DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, p.137.

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em que um personagem percebe a presença da câmera; e ao reuma, que é uma percepção fluida em que a personagem está sempre ando através do enquadramento da câmera. Contudo,

A obra de Arnaldo Antunes vem sendo marcada também por uma intensa reflexão acerca do sujeito e de suas possibilidades formais de expressão. Não é casual o interesse do poeta paulista pelo repertório que a parafernália cibernética oferece: as mais variadas técnicas de computação, simuladores, ilhas de edição, bancos de imagens e sons, realidade virtual, animação, mixagens em geral tornam-se instrumentos os quais o "poeta" do próximo milênio poderá agenciar em proveito de um redimensionamento da criatividade e do exercício do imaginário.86

Ao observarmos o livro impresso de Antunes, percebemos algo de cinemático nele, pois as palavras presentes no poema nos dão a impressão de que elas vão saltar para fora do papel, como podemos ver no poema abaixo, “abc”. IMAGEM 1387

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SALGUEIRO, Wilberth Clayton Ferreira. Forças e Formas: aspectos da poesia brasileira contemporânea ( dos anos 70 aos 90). Rio de Janeiro: Edusfes, 1998, p. 83. 87 ANTUNES, Arnaldo. ABC In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 107.

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Essa relação com o cinema ou com o cinemático está presente no projeto Nome e essa relação com as teorias de Peirce nos fazem perceber que todas as nuances sobre as coisas da vida em associações denotativas que Antunes utiliza em seu livro, disco e vídeo demonstra toda a sua capacidade de dialogar com linguagens distintas flutuando em es que se completam. Para Arlindo Machado, é inadequado o termo vídeo (que em latim significa eu "vejo") para designar a experiência possibilitada por esse meio de expressão. Enquanto outros sistemas figurativos caminham na direção de uma hierarquização, em que o olho, separado dos demais sentidos, reina absoluto e solitário, a arte do vídeo tende mais propriamente à sinestesia, ou seja, à reunificação dos sentidos.88

Após observarmos alguns poemas, percebemos que a perfomance no vídeo estaria ligado a uma sinestesia, em que todos os sentidos se reúnem em uma mistura híbrida de texto, sensações e performance. Em suma, a imagem-afecção estaria no domínio da “primeiridade” peirceana. Somos apenas afetados pela imagem, sem conseguirmos nos apoderar dela. Nossa mente é afetada por essa qualidade icônica de “rostilidade”, do close, do primeiro plano, que pode ser percebida tanto em filmes do cinema clássico quanto do cinema moderno.89

Félix Guatari afirma em seu livro Caosmose90 que "São novas maneiras de ser do ser que criam os ritmos, as formas, as cores, as intensidades da dança, nada está pronto. Tudo deve ser sempre retomado do zero, do ponto de emergência caósmica. Potência do eterno retorno do estado nascente." Isso que afirma Guattari aponta para um detalhe na qual a Semiótica de Peirce não aborda, que é um conceito ligado ao zero, anterior ao primeiro.

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MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 1993, p. 57. 89 SILVA, Alexandre Rocha da. COSTA, Rafael Wagner dos Santos. Peirce na trilha deleuzeana: a Semiótica como intercessora da filosofia do cinema. 2010, p. 177. 90 GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Tradução Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio de Janeiro: Ed. 34, 199, p.119.

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Peirce diz que a primeiridade é algo muito complicado de definir e afirma que ela é uma coisa que é mais sentida do que concebida. "A primeiridade é, pois, a categoria do Possível: dá consistência própria ao possível, exprime o possível, sem o atualizar, contribuindo ao mesmo tempo para um modo completo. Ora a imagem-afecção não é outra coisa: é a qualidade ou a potência, a potencialidade considerada em si mesma, enquanto que expressa".91 Arnaldo Antunes tem como uma das estratégias no projeto Nome a tentativa de demonstrar, a partir desse tema da nomeação, complementando a ideia de seu livro anterior sobre a percepção das coisas, o quão sensorial nós somos.

Neste capítulo, os textos escolhidos foram alguns poemas que, em suas discussões temáticas, abordam o tema da água, presente nos dois livros escolhidos para essa tese, e o poema Tato, presente no livro Nome. A escolha foi feita por serem considerados possuidores de diversos elementos semióticos capazes de elucidar de forma clara a relação entre os poemas hipermidiáticos de Antunes e as teorias de Peirce e Deleuze. Esses autores tratam da afetação do objeto ou rosto que é visto pela primeira vez e como essa qualidade do poema visual deslocado de seu e pode funcionar sendo posto em um lugar diferente do habitual. Apesar de constar em algumas análises dos poemas subsequentes, a teoria deleuziana é utilizada apenas como auxílio para contrapor ou complementar algumas teorias de Peirce, não sendo o seu aprofundamento o objetivo deste estudo.

91

DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, p.138

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2.2 A ÁGUA MOLHA PORQUE NÃO SABE CUSPIR... Neste subtópico, abordaremos quatro poemas que estão presentes nos livros escolhidos, mas que tratam do mesmo tema de formas distintas e ao mesmo tempo similares. Os dois primeiros possuem o mesmo nome, A água, e estão em sequência no livro As coisas (1992), os outros dois estão presentes no livro Nome (1993) e chamam-se Água e Direitinho. Apresentaremos primeiro os poemas presentes no livro As coisas e suas respectivas imagens (neste caso, desenhos) que acompanham os poemas. IMAGEM 14 92

92 93

IMAGEM 1593

ANTUNES, Arnaldo. A Água. In: As Coisas. São Paulo. Iluminuras, 1992, p. 64. ANTUNES, Arnaldo. A Água. In: As Coisas. São Paulo. Iluminuras, 1992, p. 66.

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IMAGEM 16 94

IMAGEM 1795

O que se pode perceber em uma primeira leitura é que tanto os desenhos quanto os poemas trabalham com as palavras de um modo que nos remetem aos processos de associações denotativas. Há neles uma simplicidade nas informações em que o poeta situa as funções que a água exerce em nosso cotidiano, contudo, embora haja essas associações, no caso do primeiro poema há a utilização de algumas figuras de linguagem, como a metáfora. No poema representado pela imagem 14, o encadeamento lógico é o que o permeia, uma informação nutre a outra, o que permite a Antunes

94 95

ANTUNES, Arnaldo. A Água. In: As Coisas. São Paulo. Iluminuras, 1992, p. 65. ANTUNES, Arnaldo. A Água. In: As Coisas. São Paulo. Iluminuras, 1992, p. 67.

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discorrer sobre a água em seu estado líquido, no início do poema, até a origem do calor da água do chuveiro, que vem da energia elétrica que é produzida pela força da própria água. O que isso nos deixa como indício é que, em seus poemas, Arnaldo Antunes busca explicar o óbvio pelo óbvio, porém com graus de percepção que demonstram que o cíclico é algo recorrente nas coisas, nos objetos e que todas as coisas têm suas ligações, mesmo que não estejam perceptíveis ao nosso olhar. No segundo poema, vemos que a partir do desenho de sua filha, Rosa, que se assemelha a uma gota de água, o poema traz uma reflexão sobre a água e o humano. Ao dizer que a água molha porque não sabe cuspir, ele faz uma comparação entre os seres humanos e a água. Na verdade, temos uma personificação do termo água afirmando que se a água fosse como nós, humanos, não guardaria algo que possivelmente incomoda, em nosso caso, a saliva. Essa associação nos leva a refletir que, assim como a água molha por não ter uma faculdade humana, nós também praticamos coisas que "podem" ser consideradas erradas pela sociedade nas vezes que agimos como a água, sem racionalizar o que estamos fazendo. Igualmente ao livro que o antecede, que trabalhava o conceito das coisas a partir do ponto de vista das analogias, nos poemas presentes no livro Nome (1993) existe também uma forte presença das analogias que está diretamente ligada à primeiridade de Peirce. Mas, além das analogias, temos outros métodos de percepção que se juntam às outras categorias peircianas. Uma coisa que confirma a nossa ideia de que as obras se completam por associações da mesma forma que os poemas é que, no vídeo que acompanha o poema Direitinho, a imagem que se repete é a de uma gota de água que cai

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repetidas vezes sobre um recipiente com água. A repetição da gota que já apareceu no desenho do poema analisado acima, mostra que há, sim, uma recorrência na produção poética de Arnaldo Antunes. Observem as imagens abaixo: IMAGEM 1896

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ANTUNES, Arnaldo. Direitinho In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 50.

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IMAGEM 1997

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ANTUNES, Arnaldo. Direitinho In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993. Frame do videoclipe.

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Apesar da principal característica deste poema ser a analogia feita com base em primeiridade, não podemos deixar de ressaltar o índice (elemento da secundidade) presente na imagem da gota sobre o poema e do símbolo (elemento da terceiridade). Assim como neste exemplo, os outros poemas também possuem essa infinidade de elementos que nos permitem traçar, a partir da Semiótica de Peirce, os panoramas das matrizes estudadas por Santaella.

As matrizes se referem a modalidades de linguagem e de pensamento. O pensamento verbal pode se realizar em sintaxes que se aproximam do pensamento sonoro e em formas que o aproximam do pensamento visual. Este, por sua vez, pode se resolver em quaseformas que o colocam nas proximidades do pensamento sonoro ou em convenções tomadas de empréstimo ao pensamento verbal. Da mesma maneira, o pensamento sonoro pode se encarnar em formas plásticas tanto quanto pode absorver princípios que são mais próprios da discursividade. As três matrizes da linguagem e pensamento não são mutuamente excludentes. Ao contrário, comportam-se como vasos intercomunicantes, num intercâmbio permanente de recursos e em transmutações incessantes.98

Para finalizarmos a discussão sobre a recorrência dos temas e como as imagens ajudam os leitores a se desconcentrarem na percepção do sentido, podemos observar que, na fotografia abaixo, que compõe o poema denominado “água”, presente no livro Nome, a disposição gráfica da foto proporciona ao leitor, em uma observação em primeiro plano, a não percepção que há, no poema, uma inserção proposital, feita por Arnaldo Antunes, daquilo que conhecemos como fórmula química da água. Somente se olharmos com bastante atenção veremos na imagem do poema abaixo a expressão “H2Omem” misturada entre as partículas que tentam representar a água.

98

SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora visual verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2005, p. 373.

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IMAGEM 2099

Em uma primeira leitura, lê-se apenas o nome homem. Isso na verdade é uma tentativa de transfigurar a nossa noção do real. Em relação a essa noção do real e da transfiguração da representação, Santaella e Winfried Nöth dizem que

Sem deixar de estar submetida à aderência tirânica do referente, o real que nela se cola, a fotografia é também capaz de transfigurá-lo. Ela é registro, traço, porém, ao mesmo tempo, capaz de mostrar a realidade como jamais havia sido vista. Fotografia é vestígio, mas também revelação. E esse poder revelatório está já inscrito de tal forma na própria natureza da imagem fotográfica que basta o

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ANTUNES, Arnaldo. Água In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, 85-86.

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flagrante da câmera para que as coisas adquiram um caráter singular, o aspecto diferente que as coisas tem quando fotografadas. 100

Peirce também nos diz que As fotografias, especialmente as do tipo “instantâneo”, são muito instrutivas, pois sabemos que, sob certos aspectos, são exatamente como os objetos que a representam. Esta semelhança, porém, devese ao fato de terem sido produzidas em circunstâncias tais que foram fisicamente forçadas a corresponder ponto por ponto à natureza. Sob esse aspecto, então, pertencem à segunda classe dos signos, aqueles que o são por conexão física.101

Podemos perceber que as partículas de água distorcem a noção da observação em primeiro plano. Com isso, somente após a segunda observação é que percebemos que há uma tentativa de desconstruir a palavra homem e produzir uma nova palavra ligada ao elemento químico da água. Nesses quatro poemas, os elementos se repetem, sendo que as palavras água e homem são o foco principal das construções dos poemas, das imagens e dos vídeos que se relacionam entre si. Há uma mistura entre o icônico e o indicial transformando o poema de Arnaldo Antunes em algo que ultraa os limites da simples percepção unívoca. Somente para retomar uma recorrência observada nas obras de Antunes no início do capítulo I, temos neste poema (imagem 20) uma releitura de sua publicação no livro Psia (1986). Aqui, não há a incidência de partículas de água ou das cores azuis presentes na versão do projeto Nome (1993), nem muito menos as tentativas de representar as partículas da água. Na imagem abaixo há apenas a representação da palavra h2omem em cima de uma superfície preta com caracteres provenientes do Macintosh, computador utilizado por Antunes no início de sua produção poética

100

SANTAELLA, Lúcia. NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008, p.127. 101 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1987, p. 65.

91

com a ajuda dos recursos da informática. Houve, portanto, uma ampliação das possibilidades de significação do poema em sua republicação no projeto Nome.

Observe como o poema foi publicado pela primeira vez na imagem abaixo: IMAGEM 21102

102

ANTUNES, Arnaldo. In: Psia. São Paulo: Expressão, 1986, p. 22.

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É preciso se desprender de conceitos estanques para poder perceber que as coisas que nos rodeiam, os nomes que elas possuem, os significados não terminam na simples nomeação ou pura existência. Há muito do humano em uma simples gota d'água e há muito da água em nós, pois assim como boa parte do planeta é composta de água, nosso corpo humano também é. Talvez Antunes tente nos mostrar que a relação entre homem e água é interligada. O poema Direitinho critica a ividade do homem perante a natureza das coisas, pois, segundo ele, a ave voa, o vento canta pra ninguém, a folha cai, a chuva cai e a única preocupação do humano é que na sua casa e na sua vida esteja tudo em ordem, que esteja tudo direitinho. O poema que observaremos a seguir aborda a questão do sensorial em detrimento de uma característica humana ligada ao sexo e suas relações táteis.

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2.3 TATO103 Arnaldo Antunes o olho enxerga o que deseja e o que não ouvido ouve o que deseja e o que não o pinto duro pulsa forte como um coração trepar é o melhor remédio pra tesão um terço é muita penitência pra masturbação a grávida não tem saudades da menstruação se não consegue fazer sexo vê televisão manteiga não se usa apenas pra ar no pão boceta não é cu mas ambos são palavrão gozo não significa ejaculação o tato mais experiente é a palma da mão

o olho enxerga o que deseja e o que não ouvido ouve o que deseja e o que não depois de ejacular espera por outra ereção o ânus precisa de mais lubrificação por mais que se reprima nunca seca a secreção o corpo não é templo, casa nem prisão uns comem outros fodem uns cometem outros dão por graça por esporte ou tara por amor ou não velocidade se controla com respiração o pau se aprofunda mais conforme a posição o tato mais experiente é a palma da mão o pinto duro pulsa forte como um coração gozo não significa ejaculação o ânus precisa de mais lubrificação por graça por amor por tara ou pra reprodução ouvido ouve o que deseja e o que não velocidade se controla com respiração 103

ANTUNES, Arnaldo. Tato. In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 91-92. O vídeo pode ser assistido no youtube neste link: http://www.youtube.com/watch?v=MR9IHfMkiqI

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trepar é o melhor remédio pra tesão o tato mais experiente é a palma da mão se não consegue fazer sexo vê televisão o olho enxerga o que deseja e o que não uns comem outros fodem uns cometem outros dão

IMAGEM 22104

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ANTUNES, Arnaldo. Tato. In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 91-92.

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IMAGEM 23105

105

ANTUNES, Arnaldo. Tato. In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau.) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 93-94.

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Em termos sensório-motores, neste exemplo, não podemos utilizar dos cinco sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato) para descrevermos tudo o que está sendo explicitado. Além dessa limitação física, só está presente em "Tato" os elementos ligados à visão, a audição e ao próprio tato, em suas minuciosas descrições sobre as questões ligadas à sexualidade. Há no poema um sinuoso flerte entre o erótico e o pornográfico. Esse jogo proposital provoca no leitor/telespectador/ouvinte sensações muito próximas que o encaminham para uma leitura dúbia entre o que está escrito textualmente, sendo dito verbalmente e demonstrado na imagem televisiva ou cinematográfica. Isoladamente, teríamos leituras distintas desse poema a partir da referência do e utilizado para a análise. O próprio título recolhe e semeia o poema com a alusão sonora que associa a palavra tato ao ato sexual.

No poema escrito, ao nos deparararmos com termos de baixo calão como "pinto duro", "trepar", "boceta", "pau", "fodem" e "cu", além de encaminhar as sensações para uma ojeriza, por se tratar de palavras consideradas "proibidas", pelo convencionalismo da moral e dos bons costumes, o poema pode ser classificado como pornográfico, sem sentido e sem objetivos. Isso ocorre devido à íntima relação entre o que visualizamos e as nossas primeiras impressões.

Quando lemos algo, sempre somos transportados para o primeiro sentido daquilo e sem muita reflexão avaliamos como algo que vimos em primeiro plano nos afeta. Feito isso, o leitor classificaria o poema como pornográfico e relataria todo um desconforto em falar sobre ele, pois como aquele léxico não faz parte do território ao qual o repertório do leitor está

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habituado a transitar, ele se sente deslocado e justamente pela busca desse novo posicionamento acerca daquilo que ele acaba de ler, a sua afetação perante a nova imagem mental formada a partir da leitura de um poema com palavras que estão à margem do vocabulário tradicional, o leitor irá defini-lo por mera sensação de afetação, como pornográfico e imoral, não cogitando nem a possibilidade de considerá-lo como erótico e reflexivo.

Quando o poema é cantado, o ouvinte, isolando os outros sentidos, vai se deparar com sonoridades que podem ou não (dependendo do ponto de vista de quem ouve) insinuar movimentos que lembram atos sexuais. As guitarras elétricas e as percussões que se assemelham ao barulho de água por outro lado desvirtuam a sensação de quem ouve as palavras, antes lidas como impronunciáveis, em simples palavras que falam sobre algo banal, em que o estranhamento não se torna algo explícito, pois a palavra "esporte", por exemplo, é pronunciada com a mesma intensidade sonora dos palavrões "cu", "boceta" e "pau", trazendo para quem ouve uma naturalização destes termos, que o leitor do poema escrito não conseguiu ler de modo natural. A cada vez que a relação do objeto analisado muda de e, a forma de apreensão e recepção de quem se depara pela primeira vez com aquele objeto também muda.

Separadamente, o poema Tato causa estranhamento para um leitor que o vê pela primeira vez e naturalidade para quem ouve a música pela primeira vez. Mas é justamente neste interstício que estamos avaliando as relações de primeiridade e afecção do poema de Antunes. A referência agora não é mais um leitor, nem um ouvinte e sim um telespectador. Em termos práticos, no

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projeto Nome, existe a opção de ler o poema isoladamente no livro e ter a impressão de que se trata de algo pornográfico; ouvir a canção no disco e não se achar os termos agressivos, pela forma como foi verbalizada; e assistir ao vídeo-poema. É nesse terceiro nível que o autor desconstrói os dois pontos de vista assimilados, levando em consideração os es de modo isolado.

Sabemos que duas visões foram geradas mediante a leitura isolada do poema. Quando ele foi apenas lido, a impressão de algo pornográfico e sem nenhum tipo de objetivo é a sensação que fica para quem o lê. Para quem apenas o ouve, o modo como as palavras articuladas soam para o ouvido de quem as escuta ameniza os termos de baixo calão, ando a ideia talvez de algo erótico, e não mais pornográfico. Contudo, quando nos deparamos com o vídeo, as duas coisas aparecem de forma circular, pois não se pode definir o liame entre o que é pornográfico e o que é erótico. O vídeo-poema tem duração de dois minutos e vinte oito segundos e mostra cenas do corpo humano de uma pessoa.

Abrindo um parêntese sobre a questão da vídeo-poesia, Ricardo Araújo, em entrevista com Arnaldo Antunes, captou o pensamento do poeta acerca da questão:

Arnaldo Antunes, "ciberpoeta", como é definido por Augusto de Campos, salienta a proliferação de códigos criados por novos meios e novas mensagens provenientes da junção de diversas mídias. Arnaldo, que recentemente lançou Nome, um trabalho que congrega livro, CD e vídeo, trabalha há algum tempo com um computador portátil Macintosh. Arnaldo Antunes se interessou pelo projeto porque ele propunha uma animação da palavra escrita, segundo o poeta: "A primeira coisa que me seduziu nessa ideia de 'vídeo poesia' foi a questão da inserção de movimento na palavra escrita, que é uma

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coisa que se consegue com recursos da animação. Para mim, foi essa dimensão o que me seduziu em primeiro lugar."106

Desse modo, a partir do pensamento do próprio Antunes, vemos que nesse poema a pele e os pelos são dois dos elementos mais frequentes em todo o vídeo. Divididos em pequenos frames, aquilo que é visto em primeiro plano nunca é definível ao primeiro olhar. Geralmente, logo após ouvir uma palavra que remete a um órgão genital, surge uma imagem com curvas sinuosas que nos induzem a pensar que se trata realmente daquele órgão citado, mas que logo em seguida, visto pelo segundo plano da imagem, não é nenhuma parte ligada à sexualidade.

Em determinada parte do vídeo, há insinuação de que está se mostrando uma vagina ao se observar em primeiro plano, mas quando a alguns frames, observa-se que é na verdade o pomo de Adão, porém, após essa quebra de expectativa, por achar que o vídeo segue uma linearidade, a a não dar mais o enfoque ao primeiro plano (campo da primeiridade e da imagem-afecção) e o segundo plano a a ser tido como detentor da verdade e por causa disso, a despercebida uma imagem que parece ser de uma "bunda", assim como a de uma vagina, um pouco mais à frente do vídeo-poema.

Sobre essas noções de planos, podemos retomar o estudo de Roland Barthes sobre a fotografia presentes no livro A Câmara Clara. Considerando Arnaldo Antunes como o criador do vídeo, em termos barthesianos, ele seria visto como o Operator e nós que observamos seríamos o Spectator. Há

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também nesse livro os conceitos de Studium e Punctum107, que podem ser utilizados por nós tanto nas fotos da imagem 22 quanto na 23. Na primeira foto, temos em primeiro plano o foco na pele de um ser humano, que visto de forma qualquer, pode ser qualquer parte do corpo, contudo, se observarmos bem, naquilo que Barthes conceitua como Punctum, os traços delineados formam a letra m em diagonal, que é algo característico da palma da mão. É a partir desse indício que é possível identificar que a foto representa a palma de uma mão humana.

Na foto da imagem 22, a junção entre os ícones de traço e de contorno permite ao Spectator pensar, em primeiro plano, ao observar uma dada imagem, em algum órgão relacionado com a sexualidade, na verdade desvirtuando um índice que deveria nos levar a identificar a foto como a palma de uma mão humana. O mesmo ocorreu na imagem 23, que, em primeira afecção, remete a alguma lembrança de uma parte sexual, embora se trate também da palma de uma mão humana.

Essas duas fotos presentes no poema "Tato", segundo Roland Barthes, podem ser consideradas como unárias, pois esse tipo de fotografia tem tudo para ser banal. Propositalmente ligada ao tema do poema, a foto que vem junto a ele traz em si características que fazem lembrar o pornô.

Uma outra foto unária é a foto pornográfica (não digo erótica: a erótica é um pornográfico desviado, fissurado). Nada de mais homogêneo que uma fotografia pornográfica. É sempre uma foto ingênua, sem intenção e sem cálculo. Como uma vitrine que mostrasse, iluminada, apenas uma única joia, ela é inteiramente 107

O conceito de Studium estaria ligado às coisas que são visíveis a um primeiro plano em uma fotografia, enquanto que o Punctum seria aquilo que está lá, não é tão fácil de ser percebido, mas que possui grande importância, pois traz no detalhe uma riqueza de informação não percebida ao primeiro olhar. (grifo meu)

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constituída pela apresentação de uma única coisa, o sexo: jamais objeto segundo, intempestivo, que venha ocultar pela metade, retardar ou distrair. Prova a contrario: Mapplethorpe faz seus grandes planos de sexos arem do pornográfico ao erótico, fotografando de muito perto as malhas da sunga: a foto não é mais unária, já que me interesso pelo grão do tecido.108

A discussão trazida por Arnaldo Antunes no poema nos faz pensar sobre as distinções existentes entre pornografia, erotismo e tabu sexual. Há no poema não apenas uma descrição de coisas ligadas ao sexo, mas uma desconstrução de alguns tabus ligados à sexualidade e também aos signos linguísticos que a representam. Os dois primeiros versos do poema já demonstram o intuito de desconstruir e remarcar o discurso sobre sexo, seus tabus relacionados ao corpo.

Ao dizer "o olho enxerga o que deseja e o que não/ouvido ouve o que deseja e o que não" ele ressignifica o poema, transmutando-o de pornográfico para erótico, ou, nos termos de Barthes, ele faz do poema uma pornografia desviada, fissurada. No terceiro verso, Antunes utiliza-se da comparação para aproximar a batida do coração às pulsações provocadas pelo sangue ao percorrer o órgão genital masculino, colocando as duas no mesmo nível semântico.

Ainda no nível semântico, Antunes explora as possibilidades da língua em fazer afirmações a partir de sentenças negativas. Um exemplo disso é o verso "manteiga não se usa apenas pra ar no pão". O vocábulo apenas carrega em si um conteúdo de pressuposição, isto é, afirma-se textualmente que a manteiga é usada para ar no pão, mas não é essa sua única função.

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BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Tradução de Júlio Castañon Guimarães. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 67.

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Apesar de não se revelar os outros usos da manteiga, essa informação fica implícita, de modo que a própria linguagem entra no jogo erótico da sugestão sexual.

Como estamos trabalhando com os conceitos que associam a poesia visual à imagem cinematográfica, vamos nos remeter, a partir desse verso, ao filme O Último Tango em Paris (1972)109, em cuja cena entre Marlon Brando e Maria Schneider há a explicitação do outro uso da manteiga, apenas sugerido no poema. O personagem Paul usa-a como lubrificante para a execução de um ato sexual com a jovem Jeanne, conforme pode ser observado na imagem 24.

IMAGEM 24

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Drama erótico franco-italiano de 1972, dirigido por Bernardo Bertolucci e estrelado por Marlon Brando e a então desconhecida Maria Schneider. Considerado uma obra-prima cinematográfica e um sucesso de bilheteria mundial, a violência sexual e o caos emocional do filme levaram a uma grande polêmica internacional sobre ele, que provocou vários níveis de censura governamental ao redor do mundo. O Filme pode ser assistido no youtube neste link:

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Após ver essa cena no filme de Bertolucci, e visto que o poema traz todo um contexto ligado à sexualidade, é difícil pensarmos que não houve uma intencionalidade de Arnaldo Antunes ao fazer essa colocação, e além disso reitera ainda mais a necessidade do tato para o estabelecimento do contato entre os corpos.

"O que chamamos de perverso é precisamente esta potencialidade de hesitação objetiva no corpo, esta pata que não é nem direita nem esquerda, esta determinação por cascata, esta diferenciação que jamais suprime o indiferenciado que nela se divide, esta suspensão que marca cada momento da diferença, esta imobilização que marca cada momenta da queda. Gombrowicz pode intitular de A Pornografia um romance perverso que não comporta nenhuma narrativa obscena e que mostra somente jovens corpos suspensos que hesitam e que caem, em um movimento coagulado.110

Deleuze explana nessa citação a relação da pornografia com a perversidade, com o lado sádico do sexo. Na referida cena do filme, a personagem de Marlon Brando "força a barra" para conseguir se apropriar sexualmente da mulher, que, em posição de total ividade, não pode reagir. A única reação dela é o choro, demonstrando que aquele ato dito de prazer só estava favorecendo a uma única pessoa, o homem. Para complementar a interdiscursividade com a cena do filme, no verso do poema "o ânus precisa de mais lubrificação", Antunes traz a ideia de que também é possível utilizá-lo para a prática sexual, ratificando o conteúdo pressuposto no verso da manteiga não ser usada apenas para ar no pão.

Na quarta série do livro Lógica do sentido, Gilles Deleuze aborda o tema da dualidade entre o comer e o falar, dizendo que comer é o modelo de operação dos corpos enquanto que falar seria um movimento da superfície.

110

DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo, Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974, p. 289-290.

104

Existe no imaginário popular, de conhecimento de todos, a utilização do termo "comer" relacionado ao sexo. Antunes, ao dizer no verso "uns comem outros fodem uns cometem outros dão", ele subverte várias vezes a etimologia da palavra comer. Há uma associação entre foder e comer. Foder é uma palavra que deriva do latim futuere e significa penetrar, não ser penetrado. Quando Antunes associa os vocábulos no referido verso, ele simplesmente diz a mesma coisa, pois comer e foder na linguagem popular têm o mesmo significado, mas em teoria são ditos por pessoas de níveis culturais diferentes. Ao dizer que uns cometem, Antunes utiliza uma forma suave para dizer que as pessoas praticam atos sexuais, embora também jogue com o sentido da palavra meter que está dentro do mesmo contexto de penetração. Todas essas alusões fazem parte do sentido relativo ao tato.111

Nesse interstício entre o erótico e o pornográfico, Arnaldo Antunes vai falar dos motivos que levam as pessoas a praticarem atos sexuais no seguinte verso "por graça por amor por tara ou pra reprodução". Nesse verso ele põe em oposição dois lados: os dos que amam e os do que tem desejo. Quem ama por amor ou para reprodução atende aos preceitos cristãos da utilização do sexo como forma de dádiva, e por isso são vistos na sociedade sob o prisma da virtude, enquanto que os que copulam apenas por tara e por graça atendem apenas aos seus interesses hedonistas, afastando-se assim desse caráter virtuoso das relações entre um homem e uma mulher. Mas, por fim, o texto acaba por revelar que o ato em si é o mesmo, o sexo revelado em sua condição natural, sem estar atrelado a julgamentos de certo ou errado. 111

A palavra cometer é também usada em uma conotação sexual com a canção "Meu amor, meu bem, me ame, do cantor e compositor Zeca Baleiro (Vô Imbolá, 1999). Disponível em: http://letras.mus.br/zeca-baleiro/75316/ o em: 29 jan. 2015.

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Arnaldo vai trazer também a discussão para aqueles que não praticam sexo no verso "se não consegue fazer sexo vê televisão", ao relatar que algumas pessoas na década de 90 recorriam aos ditos filmes pornográficos para satisfazerem suas ânsias sexuais e a forma utilizada para isso é a partir da masturbação, fato que ele ratifica ao dizer que o "tato mais experiente é a palma da mão", pois é com a mão que homens e mulheres se masturbam. A partir dessas explicações, podemos constatar que Antunes tenta, através do e vídeo, aproximar a experiência audiovisual ao máximo da sensação do tato. No verso "trepar é o melhor remédio pra tesão", o autor associa o tesão a uma patologia, para a qual "trepar" seria uma solução. Essa abordagem se aproxima da primeiridade à medida que é de comum conhecimento que as pessoas falam a palavra "trepar" como primeira opção quando são espontâneas. No geral, espontaneamente as pessoas não falam que desejam ter um envolvimento anatômico-fisiológico com outra. Em vez disso, expressam-se de forma mais direta, por meio do palavrão. Tal fato é que a primeira reação a determinadas experiências táteis, como a queimadura, por exemplo, é a verbalização de uma palavra de baixo calão, geralmente pronunciada sem a devida racionalização. Ou seja, estaria ligada à noção do primeiro, do espontâneo, que é o que o poeta tenta trazer para a nossa reflexão.

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CAPÍTULO III

A CANÇÃO É UMA POESIA AJUDADA112?

Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste. FERNANDO PESSOA 112

PESSOA, Fernando. O fado e a alma Portuguesa. In: Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão) Lisboa: Ática, 1979, p. 98. Extrato de Texto.

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3.1 A PALAVRA CANTADA Retomando a discussão presente na epígrafe deste capítulo, será que podemos afirmar que a poesia reflete o que a alma não tem? Para Fernando Pessoa, há uma relação entre as temáticas dos povos em relações às suas canções. Para ele, há tristeza na canção dos povos alegres e alegria nas canções dos povos tristes. Se fôssemos tomar essa afirmação como inquestionável, poderíamos afirmar que o povo Português é extremamente alegre, pois tem no fado113 sua maior expressão cancional.

Apesar de ser um dos maiores pensadores e poetas de seu país, a visão de Fernando Pessoa fica obstruída pelos limites de algo que, mesmo com muito estudo e leitura, não conseguimos abarcar essa expressão cultural sem estarmos presentes fisicamente no referido local. Falar de Portugal para ele é algo natural e simples, ele não necessita de ajuda para descrever sobre seu próprio lugar, contudo, quando nos referimos à poesia, percebemos que, para Pessoa, ao se tornar canção, a poesia ganha uma ajuda da melodia e procura estabelecer exatamente o oposto daquilo que estão acostumados a viver. Os poetas, os compositores tendem a reproduzir e refletir o que a alma não tem.

Nesse processo de fusão caleidoscópica de linguagens, surgem questionamentos sobre a diferença entre o poema escrito e uma letra de música. Levando-se em consideração que em ambos os casos temos uma produção escrita, poderíamos dizer que não existe a menor diferença entre as

113

Apesar de haver fados alegres, como Cuca Roseta, representante da nova geração de fadistas, procurou pôr em evidência em seus discos, o fado é, sobretudo, nostálgico. A própria fadista gravou o "Fado do contra", que afirma "O fado é triste / Fado é saudade / No fim a vida / em liberdade / Alma pura / É nostalgia / É a mais dura sabedoria". Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TmeOb0n0rik o em: 29 jan. 2015.

108

duas coisas. Mas não funciona dessa maneira. Há uma questão valorativa que pera essa discussão, cujo resultado definitivo ainda está muito longe de ser alcançado.

A

ligação

entre

os

conceitos

de

poema

e

canção,

situados

historicamente, é proveniente do elo existente entre poesia e música, bem como do diálogo de ambas com a Literatura, o que faz aproximar o ofício do poeta ao do compositor de música. No decorrer dos séculos, a Literatura dialogou com diversas áreas, dentre elas as outras artes, de forma bastante próxima. Nesse diálogo, há uma espécie de revezamento das linguagens utilizadas para a produção artística: ora os artistas bebiam da fonte da Literatura, ora os poetas criavam a partir de obras de arte.

O século ado consolidou o ressurgimento da ligação entre poesia e música por meio da canção, reaproximando os poetas dos compositores de música, produzindo o que era muito raro no século do compositor Wagner: poeta e compositor encarnarem a mesma pessoa. Surge, no século XX, a figura dos cancionistas. Tatit diz que

Se o século XX tivesse proporcionado ao Brasil apenas a configuração de sua canção popular poderia talvez ser criticado por sovinice, mas nunca por mediocridade. Os cem anos foram suficientes para a criação, consolidação e disseminação de uma prática artística que, além de construir a identidade sonora do país, se pôs em sintonia com a tendência mundial de traduzir os conteúdos humanos relevantes em pequenas peças formadas de melodia e letra114.

114

TATIT, Luiz. O Século da Canção. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008, p. 11.

109

Na década de 30, no Brasil, os compositores de música popular 115 utilizavam, às vezes, diversos recursos poéticos, mesmo que improvisados ou de forma inconsciente, para compor suas músicas. A modalidade canção foi bastante utilizada por eles, que explicitaram formas de ver o mundo ou, mais especificamente, a sociedade brasileira através de um eu lírico que ficava oculto, por trás das vozes dos intérpretes, transmitindo essa forma de ver as coisas por meio das ondas do rádio, como podemos observar com Tatit:

Bem mais poderosa que os tradicionais recursos entoativos de ancoragem na primeira pessoa, no “eu lírico”, a entoação atrela a letra ao próprio corpo físico do intérprete por intermédio da voz. Ela acusa a presença de um ‘eu’ pleno (sensível e cognitivo) conduzindo o conteúdo dos versos e inflete seus sentimentos como se pudesse traduzi-lo em matéria sonora. De posse dessa força entoativa, e valendo-se do poder de difusão das ondas radiofônicas, os cancionistas se esmeram em fazer dos intérpretes personagens definidos pela própria entoação. Ouvia-se então a voz do malandro, a voz do romântico, a voz do traído, a voz do embevecido, a voz do folião, todas revelando a intimidade, as conquistas ou o modo de ser do enunciador.116

Retomando a noção sobre a inspiração que é algo recorrente à Literatura e à música, tanto nos poetas, que procuram observar os acontecimentos do mundo, quanto no compositor, que faz a mesma coisa (quando ele também é um letrista) acrescida da questão do improviso, vemos que as experiências vividas por eles vão nortear os processos de composição, tanto dos poemas quanto das canções.

O verdadeiro teor de uma experiência pessoal é inatingível pelo outro e intransmissível por quem a viveu. Utilizando a linguagem verbal, podemos recuperar parte dessa experiência (infelizmente a parte menos pessoal), projetá-la nos termos habituais da coletividade e obter uma certa empatia por aproximação de experiências. Pela poesia, a originalidade do espacial e fonológico, o trabalho com as justaposições que rompem a hierarquia discursiva pode criar outra singularidade relacionada ou não com a experiência (ou ideia) inicial. 115

Entendemos por música popular a que ou a ser veiculada e consumida no início do século XX, na cidade do Rio de Janeiro, com a introdução da indústria fonográfica (1902) e das transmissões radiofônicas. 116 TATIT, Luiz. O Século da Canção. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008, p. 75-76.

110

Pela canção, parece que a própria singularidade da existência foi fisgada. Como se o texto coletivizasse a vivência, o tratamento poético imprimisse originalidade, mas o resgate subjetivo da experiência, este, só fosse possível com a melodia117.

As experiências fazem parte de uma importante parcela no ato de produção de um poema, uma letra ou uma melodia para uma canção. Assim como os poetas, os cancionistas, no decorrer dos anos, não am por uma formação específica para a feitura de suas obras. Assim como há uma formação para a crítica literária acadêmica e não há para o escritor ou poeta, há uma formação para o músico e não há para o cancionista. Essa atividade, assim como a do poeta, é, muitas vezes, paralela, como ocorreu na vida de poetas como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Vinicius de Moraes. Ninguém vai a uma faculdade para aprender a ser poeta ou cancionista. Assim, as canções costumam ser produzidas de uma forma mais intuitiva do que técnica.

Considerando o poema como algo autotélico, o simbolismo peirciano presente nas palavras que compõem cada poema comprova sua teoria de que podemos inferir, a partir do processo icônico e indicial, aquilo que está sendo dito, mesmo não tendo nada ali que possa fazer uma alusão da coisa à palavra escrita. No simbólico, segundo Peirce118, mesmo não sendo mostrado nada além que associe o significado ao que está escrito no papel, o simbólico “supõe que somos capazes de imaginar essas coisas, e a elas associar a palavra.” No caso da letra de música, por ser considerada uma coisa heterotélica, além

117

TATIT, Luiz. O Cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: Edusp, 2002, p. 19. 118 PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1987, p. 73.

111

dessa relação sígnica ligada à ideia da terceiridade peirceana está à suma importância que existe a relação entre a entoação da palavra, a presença do corpo do intérprete no resultado na qual Luiz Tatit, José Miguel Wisnik e outros estudiosos denominam como “palavra cantada”, cuja entoação e execução interferem de forma primordial no processo significativo.

Antes de tudo, o que assegura a adequação entre melodias e letras e a eficácia de suas inflexões é a base entoativa. De maneira geral, as melodias de canção mimetizam as entoações da fala justamente para manter o efeito de que cantar é dizer algo, só que de um modo especial. Os compositores baseiam-se na própria experiência como falantes de uma língua materna para selecionar os contornos compatíveis com o conteúdo do texto119.

Por todos esses fatores elencados, independentemente do e em que esteja presente, seja em um livro ou em um encarte de CD, podemos chegar à conclusão que as duas produções textuais, tanto o poema quanto a letra de canção, fazem parte da matriz verbal, elencada por Santaella. No que diz respeito às letras de música especificamente, por terem esta íntima e inseparável relação com a melodia, à ideia de Lúcia Santaella de que existem três matrizes que se hibridizam entre si, devendo cada uma ser estudada de forma dissociada, é comprovada e necessita ser estudada de forma um pouco mais aprofundada.

O primeiro grande questionamento feito por Santaella sobre a matriz sonora é se a música é um tipo de linguagem. Podemos começar dizendo que, assim como na matriz verbal, as inflexões sonoras também são capazes de produzir sentido. Muito ligada ao campo do sensorial, a música estaria ligada à tricotomia da primeiridade, mais especificamente do ícone. Para Santaella

119


112

A primeira classe de signos, a dos quali-signos icônicos, remáticos, aquele que proponho como dominante na sonoridade, deve ser tomada como um ponto de referência-limite, visto que neste nível, estamos lidando apenas com possibilidades não atualizadas. Quando consideradas em si mesmas, as qualidades, como puras possibilidades, independem daquilo em que inerem, daquilo que lhes dá corpo. Quando consideradas sob o aspecto obsistencial, como ocorrência atual no tempo e no espaço, as qualidades saltam do nível da mera possibilidade para o nível de uma ocorrência no tempo e no espaço, quer dizer, am a ser um sin-signo ou existente. Evidentemente, a qualidade continua presente no existente, mas deixa de ser pura possibilidade. É por isso que uma mera possibilidade sonora ainda não atualizada é diferente dessa possibilidade já atualizada em um som atual. Nesse som atual também já aparecem elementos de lei, pois o som se submete a leis físicas120.

Entendendo a música como uma matriz sonora, e sabendo que são as inflexões melódicas a parte que mais nos interessa em nossa pesquisa, iremos apresentar os três aspectos da parte musical e suas associações com as tricotomias da Semiótica peirciana. O primeiro aspecto é o ritmo, que, para Santaella, estaria ligado à primeiridade:

O ritmo musical está diretamente conectado com aquilo que se constitui no sistema nervoso central da música: o tempo. A música é, antes de tudo, uma arte do tempo. Seu meio é o som físico que só existe na medida em que, acionado por uma fonte, vibra no ar, movendo-se no tempo. Na música vocal e instrumental, hoje chamada de convencional, o tempo se divide em três fatores: tempo, metro e ritmo. Tempo é uma palavra italiana que se refere à velocidade. A música pode se mover em velocidades variadas: vagarosa, moderada ou rápidas.121

Luiz Tatit122 em seu livro Musicando a Semiótica afirma que Zilberberg já considerava “as variações de velocidade como parâmetro fundamental para o estudo do tempo semiótico”. Como em Arnaldo Antunes a música está diretamente ligadas aos poemas, as alterações rítmicas não alteram em nada sua linguagem musical.

120

SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora visual verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2005, p.106. 121 SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora visual verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2005, p.169. 122 TATIT, Luiz. Musicando a Semiótica: ensaios. São Paulo: Annablume, 1997, p.21.

113

Do mesmo modo, as variações de velocidade, no universo da canção, sempre foram consideradas marcas do virtuosismo ou de originalidade dos executores (arranjadores, intérpretes ou instrumentistas), pois que jamais afetam a estrutura básica da obra concebida pelo compositor. Em parte isso é correto, pois uma canção não deixa de ser o que é por ter sido executada de forma mais rápida ou mais lenta. Uma canção acelerada proporciona em geral grande proximidade a seus elementos melódicos de modo que as 123 similaridades e os contrates tornam-se flagrantes.

Ao ouvir uma música, notamos que o ritmo é algo que fica no subconsciente, ou seja, que fica por trás de outras duas coisas que estão mais presentificadas, sendo com isso um elemento muito ligado ao ícone. O segundo aspecto é a melodia musical, que estaria intrinsecamente ligada à secundidade peirceana. Por estar atrelada a outros dois aspectos, a melodia precisa estar interligada a eles para poder existir. Veja:

A melodia tem um grande número de propriedades. A primeira delas é o ritmo, um dos componentes do tempo. Enquanto o ritmo pode existir sem melodia, por exemplo, nas batidas de um tambor, de palmas ou de uma caneta sobre uma mesa, a melodia não pode existir sem o ritmo. Pode-se dizer que o ritmo é o esqueleto que dá e à melodia, enquanto a melodia é aquilo que preenche esse e com conteúdo estritamente musical. No sentido físico, a melodia não é senão uma sucessão de sons, ou melhor, de alturas. Mas é a qualidade das combinações na duração dessas alturas que faz uma melodia aquilo que ela é. Daí não haver melodia sem ritmo, pois ritmo, antes de tudo, é uma sucessão de durações.124

A melodia é composta ainda por três modelos: a duração, a altura (ou frequência) e o timbre. Para esclarecimento destes três modelos melódicos Luiz Tatit nos diz que

Uma vez que todos os parâmetros musicais (timbre, intensidade, duração e altura) manifestam-se a partir da emissão de um único som, diremos que a oscilação entre duração e altura se dá em termos de maior ou menor acúmulo de densidade tensiva. Assim sendo, a distensão simultânea dos dois parâmetros pode evidenciar a presença do timbre vocal, elemento especificador da instância de enunciação, que vem reforçar o terceiro modelo de construção melódica a que chamamos de figurativização enunciativa. A função normalmente desempenhada pelo timbre, entretanto é a ponte de 123

TATIT, Luiz. Musicando a Semiótica: ensaios. São Paulo: Annablume, 1997, p.23. SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora visual verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2005, p.174. 124

114

ligação entre as zonas de densidade tensiva dos enunciados melódicos e o sujeito da enunciação que, na canção popular, vem 125 manifestado pelo cantor.

As terminologias não peirceanas usadas por Luiz Tatit ocorrem porque ele baseia seu estudo na Semiótica greimasiana. O último aspecto da matriz sonora é a harmonia, ligada à ideia peirceana do símbolo. É formada por acordes, que é a junção de um grupo de três ou mais notas soando juntas. Dentre os componentes da música citados anteriormente, é o que possui uma cadeia mais complexa.

No Brasil a harmonia começou a percorrer um caminho diferente a partir de 1955 com a bossa nova, criada por Tom Jobim e João Gilberto, cheia de acordes dissonantes inspirados no jazz norte-americano. Em Arnaldo Antunes, a presença desses três aspectos em seu projeto Nome é bastante marcante, pois nele estão inseridas canções que contém esses aspectos. Ao fundir essas canções em es diferentes, no caso um CD (originalmente em um LP) e um DVD (originalmente um VHS), a música toma um espaço corporificado onde se transfigura e se transmuta em diversas coisas diferentes, pois no binômio

PRESENÇA/AUSÊNCIA

os

referenciais

são

ligeiramente

intercambiados, causando com isso uma mudança no resultado final de significação.

O fato de estar transitando por entre lugares faz com que esse aspecto de matriz sonora ganhe uma simultaneidade que se subdivide em camadas, onde as tricotomias de Charles Sanders Peirce se emparelham com as noções de música como ritmo, tensão, melodia, intensidade e harmonia. Mas o que fica

125

TATIT, Luiz. Musicando a Semiótica: ensaios. São Paulo: Annablume, 1997, p.121.

115

de intrigante para nossa observação é um questionamento em relação a esse processo híbrido. Para o receptor, o que vem primeiro? A música, a palavra ou a performance? A partir do estudo dos poemas-canções que virão na sequência dos subtópicos, tentaremos entender como se processa melhor essa relação entre essas três coisas.

116

3.2 CULTURA IMAGEM 25126

126

ANTUNES, Arnaldo. Cultura. In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 2526.

117

IMAGEM 26127

127

ANTUNES, Arnaldo. Cultura. In: Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993, p. 2728.

118

Ao observamos o poema de Arnaldo Antunes, percebemos um jogo de palavras em que ele tenta desvirtuar nosso entendimento em relação aos significados das palavras. Há no poema uma desconstrução do sentido estanque do dicionário. O que temos em nossa sociedade é uma cultura do aprendizado, em que tudo deve ser apreendido da forma correta e quando não conseguimos atingir esse objetivo somos taxados de ignorantes.

O referido poema ilustrado nas imagens 25 e 26 reaparece agora no livro Nome (1993) sob a forma de versos contradizendo a disposição gráfica presente no livro anterior, que nos remetia a uma forma prosaica. É notório que o poeta não quer estabelecer uma única forma de apresentar seus poemas. Antunes está na eterna busca do móvel, do pulsante, daquilo que não está parado.

Um poema pode ter características narrativas, assim como a prosa pode ter poesia. Por isso, Antunes nos mostra que as coisas do mundo, se vistas de uma forma crítica, podem ser muito mais do que aparentam ser, trazendo, no seu íntimo, aspectos que às vezes nem sonhamos ou cogitamos que elas possam representar, sendo para nós, uma descoberta sobre um mundo novo, como Antunes nos 128 propôs em As coisas.

O poema aparece na forma de prosa pela primeira vez no livro As Coisas (1992) e prova o quanto sua reimpressão no livro seguinte foi claramente uma negativa ao estilo que se podia imaginar sobre o modo como Arnaldo Antunes monta suas estruturas poemáticas. A metrificação foi toda composta por versos decassílabos, sendo todas as palavras finais dos versos paroxítonas, o que faz sempre restar uma sílaba átona, que ganha um relevo

128

FILGUEIRA, Jorge Normando dos Santos. O poema e a canção em As coisas, de Arnaldo Antunes: imagens da primeiridade. Dissertação de Mestrado em Estudos da LinguagemUniversidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2010, p.126.

119

importante no ritmo do poema. O ritmo pode ser considerado como ternário ascendente. IMAGEM 27129

Com isso, o poema “Cultura” nos mostra que foi construído de forma bastante precisa, no que se refere aos recursos técnicos que compõem a feitura e elaboração de um poema, pois as acentuações fortes foram marcadas em todos os versos nas terceira, sétima e décima sílabas poéticas. Destaca-se, ainda, no último verso, a necessidade de se contar a letra “c” como uma sílaba, pois no verso musical ela é claramente pronunciada /qui/. Podemos observar que esse poema estabelece uma relação quase perfeita no que se diz respeito à presença da estrutura de rimas, ritmo e métrica. Quanto à rima, todas as 129

ANTUNES, Arnaldo. A Cultura In: As Coisas. São Paulo. Iluminuras, 1992, p. 51.

120

sequências têm versos com rimas emparelhadas (A,A; B,B; ... J,J), com um caso de rima soante: porco, que é um anagrama de corpo e que mantém a mesma posição e a mesma sonoridade das vogais. Afora esse caso, todas as outras rimas são consoantes, sendo esta a tônica do esquema rímico do poema.

Um dos elementos que sustentam nossa tese, a matriz verbal, traz em si características que peram não somente pela obra de Arnaldo Antunes, mas na de todos os escritores de textos literários, sejam elas sobre prosa ou poesia. A matriz verbal é um meio que, em conjunto com as outras matrizes (sonora e visual), faz com que o signo, além de se apresentar como algo representativo, seja também considerado como uma forma de pensamento. Sobre isso, Lúcia Santaella diz que

Sendo os signos mais abstratos do que as matrizes das linguagens, tem-se aí as bases para as variadas modalidades em que cada uma das matrizes – sonora, visual e verbal – se desmembram. As variações, como se verá, resultam de distribuições diferenciadas que cada matriz exibe das classes de signos que lhe estão subjacentes.130

A partir desse pensamento de Santaella, podemos dizer que as matrizes da linguagem deixam de ser baseadas somente nos signos linguísticos e naquilo que eles significam e am a se difundir em três matrizes e depois a se dissociar, trazendo em seu bojo classes de signos específicas. Desse modo, portanto, como afirmou a escritora na citação acima, deixa de partir da compreensão abstrata apenas dos signos e a amplia para uma forma de pensamento e constituição de linguagens próprias, em que cada uma dessas matrizes será observada dentro de um campo de manifestação distinta. E é por

130

SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: sonora visual verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2005, p.56.

121

esse fator de que cada matriz elencada nesta tese, com base no estudo de Santaella, é considerada menos abstrata que um signo, e podem ser estudadas com as peculiaridades que lhes são inerentes.

No que concerne a essa parte da matriz verbal, o texto escrito é o que sustenta qualquer tipo de análise que possa ser feita em relação as suas características sígnicas, quer a análise se atenha apenas ao signo verbal, quer considere a dimensão Semiótica. Antunes, ao associar sua poesia com o olhar infantil, corrobora essa leitura ampliada, que se traduz na descoberta do inusitado:

As Coisas, na verdade, eu comecei ele muito inspirado por essa coisa do olhar infantil; acho que a convivência com minha filha Rosa, que era pequena nessa época, foi trazendo isso, que aparece de forma mais rarefeita, na minha poesia de uma maneira geral, nas letras de música, nas coisas que eu produzo (...) Tem um livro do Foucault, As Palavras e as Coisas, onde, na introdução, ele cita um texto do Borges em que se vê esse êxtase infantil com as analogias; uma classificação de animais em que ele separa os que pertencem ao imperador, os domesticados, os fabulosos, as sereias, os embalsamados etc. Esse texto tem muito a ver com a maneira com que eu faço associações inusitadas, no As Coisas131.

Como ele mesmo afirma no depoimento acima, o desejo de começar a escrever esse livro partiu da ideia do olhar mais ligado ao infantil. No entanto, ao produzir o livro seguinte, Nome (1992), ele tenta ampliar esse olhar infantil, a partir de uma perspectiva mais adulta a partir da observação simultânea entre a palavra, a ideia e suas imbricações sígnicas.

Essa associação das coisas existentes no mundo com a sua representação verbal no e papel é algo que precisa percorrer um

131

ANTUNES, Arnaldo. Como é que chama o nome disso. São Paulo: Publifolha, 2006, p. 372373.

122

caminho em que se farão presentes além do símbolo, o ícone e o índice. Antes de qualquer institucionalização de regras ou leis em relação ao texto escrito, está a associação primitiva do objeto referido com a ideia de seu significado (ícone) e as pistas deixadas pelo caminho para que o interpretante possa desvendar até descobrir o significado daquela relação (índice). Em resumo, podemos dizer que o poema Cultura possui as mesmas características nas duas versões do livro. Observe:

Em todas as versões, há uma construção sintática nominal, com a presença do verbo “ser”, funcionando como elemento de ligação do jogo lúdico de associações “isto é aquilo”, constante no poema. Este tipo de sintaxe binária, que une ou aproxima dois elementos (nomes), funciona como tentativa de totalidade, resultado da soma ou associações entre dois termos, alguns por causalidade (girino/peixe/sapo), por associações inusitadas (bigode/antena/gato), por metonímias (escuro como metade da zebra), por antítese (silêncio/papo, batalha/trégua). Ao acionar o devir-criança da/na linguagem poética, o texto de Antunes incorpora elementos linguísticos, cujo efeito de sentido beira o óbvio, o simples, a estranheza, da linguagem infantil, em um jogo de “parece mas não é”132

Mesmo tendo conhecimento dos significados de um signo, é a partir de uma cognição do pensamento em relação à linguagem que somos capazes de distinguir a informação que está tentando ser transmitida, e de certa maneira, a cada palavra/ideia de ordem, existe uma pequena sentença de morte.

De certa maneira, deveria parecer óbvio que para analisar a palavra cantada precisamos entendê-la como perfomatizada, encenada por meio da voz - afinal, o canto é em si próprio entendido como um marcador de "perfomance". Contudo, existiram também diversas razões pelas quais tomar a canção como performance não pareceu nada óbvio e motivos pelos quais ainda tendamos a resisitir a essa ideia.133

132

FERNANDES JÚNIOR, Antônio. Os Entre-Lugares do Sujeito e da Escritura em Arnaldo Antunes. Tese de Doutorado em Estudos Literários - Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista. Araraquara – SP, 2007, p. 36. 133 FINNEGAN, Ruth. O que vem primeiro: o texto, a música ou a performance? In: Palavra Cantada: ensaios sobre poesia, música e voz/organizadoras Cláudia Neiva de Matos, Elizabeth Travassos, Fernanda Teixeira de Medeiros. - Rio de Janeiro: 7Letras, 2008, p. 19.

123

Mesmo a maioria dos poemas se enquadrando nessa conjuntura PALAVRA/PAPEL/LEITOR/SIGNIFICAÇÃO, em Arnaldo Antunes, na grande maioria de seus livros de poemas, isso é rompido pela presença não só da matriz verbal, como também pela matriz visual, como foi referido no capítulo 2, e em alguns outros casos pela matriz sonora. A partir do esquema actancial, podemos entender como ela funciona.

A teoria é baseada na narratividade dos fatos, e Luiz Tatit utilizou-se dela para criar um esquema que pudesse ser aplicado na análise de letras de músicas, não apenas ancorando-a no texto, mas tendo também apoio na melodia e suas variações, tomando como base de sustentação teórica a noção de narratividade da teoria greimasiana. Sobre a forma como desempenhar a leitura de textos poéticos, Greimas diz que:

Reconhecendo que o discurso poético é na realidade um discurso duplo que proteja as suas articulações simultaneamente nos dois planos – no da expressão e do conteúdo – ela deverá elaborar um aparato conceitual susceptível de fundamentar e de justificar os processos de reconhecimentos das articulações desses dois discursos.134

Feita essa breve explanação, demonstraremos então, sucintamente, como funciona o esquema actancial dentro do quadrado semiótico, proposto por Greimas. O actante é utilizado para designar o participante (pessoa, animal ou coisa) em um programa narrativo. De acordo com o modelo de A. J. Greimas, temos135:

134

GREIMAS, Algirdas Julien. Por uma Teoria do Discurso Poético. In: Ensaios de Semiótica Poética. Organizador: A. J. Greimas; Tradução de Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Cultrix, Ed. da Universidade de São Paulo, 1975, p. 12. 135 GREIMAS, Algirdas Julien e COURTÉS, J. Sémiotique (Dictionnaire raisonné de la théorie du langage) Paris, 1979, p. 99.

124

Destinador

Sujeito

Destinatário

D1S D2 │ │ AO OP Adjuvante

Objeto

Oponente

Um destinador ou uma força (D1) quer algo. Levado por sua ação o sujeito (S) busca um objeto (O) em proveito de um ser, concreto ou abstrato (D2). Nessa busca, o sujeito tem aliados (A) e oponentes (OP). Para Greimas O adjuvante é o actante que dará auxílio, operando ora no sentido do desejo, ora facilitando a comunicação. A função dos adjuvantes consiste em servir a manifestações hiponímicas, a exteriorizações, em forma de objetos ou seres. Por sua vez, a função de Oponente consiste em criar obstáculos, opondo-se à realização do desejo, ou a comunicação do Objeto.136

Para entendermos melhor essa teoria, vejamos o que disse Luiz Tatit sobre a relação entre sujeito e objeto: Acontece, porém, que o sujeito não se define apenas pelo objeto, seu termo complementar do ponto de vista sintático. A esfera de ação do sujeito está delimitada pelas ações de outros sujeitos e, em especial, pela ação do anti-sujeito que lhe impõe resistências, muitas vezes comprometendo o êxito do seu percurso narrativo. Temos, assim, de um lado, a atração que o objeto exerce sobre o sujeito, orientando sua atividade para um fim preciso e, de outro, a resistência antagonista que ao impedir a conquista imediata do objeto, valoriza a ação propriamente dita e instaura o sentido de progresso gradativo como algo necessário à própria noção de narratividade.137

Apresentaremos os gráficos do poema-canção Cultura para ilustrar nossa análise a partir das inflexões melódicas propostas por Luiz Tatit com base na Semiótica greimasiana. Dividimos a canção em seis partes, que chamamos de diagramas e poderemos ver visualmente como a melodia participa também no processo da compreensão global do poema. 136

GREIMAS, Algirdas Julien e COURTÉS, J. Sémiotique (Dictionnaire raisonné de la théorie du langage) Paris, 1979, p. 99. 137 TATIT, Luiz. Análise Semiótica Através das Letras. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001, p.31.32.

125

Diagrama 02 – Cultura– Sequência 1

xi do rino é o pei nho sapo.

me do lêncio é o co ço papo.

O ca

do valo é pasto

ra car pato.

do

gi

si

O

O bigode é a antena

gato.

O


tão é um por O cabrito é o cordeiro da cabra. O pescoço é a barriga da cobra. O lei

nho qui

mais

novo.


linha é um pou A ga

nho qui

do

ovo.

126

Levando em consideração o modelo greimasiano de análise narrativa, temos nessa primeira parte da canção uma apresentação de alguns animais em funções que não havíamos pensado anteriormente. Dentre essas associações feitas pelo poeta, há uma reflexão sobre o ato de falar que é proveniente do silêncio. Tomando por base a distorção dicionarística do título do poema, podemos dizer que o poeta busca uma autorreferenciação de algumas de suas ideias. No trecho "O silêncio é o começo do papo", em que ele de forma analogicamente associativa reflete sobre o ato de conversar, nos transporta automaticamente para uma de suas canções cuja temática é recorrente. O trecho nos lembra da canção O Silêncio, de 1996, do disco homônimo, em que Antunes fala que a ausência de som é a primeira coisa que existiu e que antecedeu todas as outras coisas.

antes de existir computador existia tevê antes de existir tevê existia luz elétrica antes de existir luz elétrica existia bicicleta antes de existir bicicleta existia enciclopédia antes de existir enciclopédia existia alfabeto antes de existir alfabeto existia a voz antes de existir a voz existia o silêncio o silêncio foi a primeira coisa que existiu um silêncio que ninguém ouviu astro pelo céu em movimento e o som do gelo derretendo o barulho do cabelo em crescimento e a música do vento e a matéria em decomposição a barriga digerindo o pão explosão de semente sob o chão 127

diamante nascendo do carvão homem pedra planta bicho flor luz elétrica tevê computador batedeira, liquidificador vamos ouvir esse silêncio meu amor amplificado no amplificador do estetoscópio do doutor no lado esquerdo do peito, esse tambor Conforme podemos observar, na letra da canção acima, as proposições de Antunes não se esgotam em seus versos: elas transbordam para toda a sua poética e reverberam de diversas formas. Na letra da canção, há uma descrição de diversos objetos que fazem parte de nossa "cultura", como TV, luz elétrica, liquidificador, computador, dentre outros. Tudo posto num esquema narrativo que comprova que o silêncio é anterior a tudo, inclusive à palavra e ao pensamento. Tendo no silêncio esse objeto primeiro, ao continuar fazendo as associações sobre os animais no poema-canção Cultura, tomamos como normais as associações, pois elas são aceitáveis, tendo em vista que nada pode ser tido como referencial, pois antes de pensarmos naquela coisa, havia o silêncio. Para Antunes, o silêncio é anterior ao signo e ao seu significado. Logo, partindo desse esvaziamento, tudo pode ser perfeitamente associado e aceito, pois, mesmo as associações sendo feitas de forma instintiva, elas são referendadas porque todas seguem uma determinada lógica. O filhote do sapo, chamado de girino, se assemelha a pequenos peixes e por isso é considerado no poema como o peixinho do sapo. No que diz respeito à melodia, esse verso mantém uma ascensão inicial no tema melódico que sofre poucas alterações, tendo seu tema repetido no verso seguinte: "o silêncio é o começo do papo". 128

Essa repetição melódica proposital dá ao ouvinte a sensação de familiaridade e abre o precedente de que o ouvinte não quebre a expectativa em relação ao texto, por se tratar de um tema melódico já apresentado.

No que tange às questões relacionadas à música, acreditamos que os recursos entoativos ajudam de forma significativa na compreensão global do referido poema, além de levantar pontos que se referem à conjunção harmônica entre melodia e fala, definindo melhor, a canção.

A partir dos conceitos que estão ligados à análise Semiótica através das letras das canções, Luiz Tatit traça o percurso para o estudo da melodia da seguinte forma: a tematização, primeiro dos níveis, que é uma repetição dos temas melódicos presentes na canção, ou seja, que possuem um mesmo desenho melódico; a ionalização, que apresenta a melodia de outra forma. Contrária à tematização, ela é baseada na imprevisibilidade dos temas melódicos, com grandes diferenças intervalares e ênfase nas durações das notas; e a figurativização, que traz uma representação de uma simulação da fala.

O primeiro nível provoca no ouvinte um tom de celebração com uma melodia tematizada; o segundo, uma sensação de perda, de ionalidade; e, no terceiro nível, um tom de conversa, aproximando-se da fala:

Surge, assim, a primeira possibilidade de semiotização das atividades, oral e musical, que fundam genericamente a canção. Se a presença da fala é marca de rapidez, imediatismo e eficácia do instante enunciativo e, por outro lado, a presença da música significa estabilização da matéria sonora, ritualização e conservação estética, podemos instituir a categoria do andamento como parâmetro temporal de análise e dela depreender uma tensão entre aceleração

129

e desaceleração respondendo, respectivamente, pelos valores descontínuos e pelos valores contínuos.138

Nas três primeiras sequências melódicas apresentadas mais acima, temos a repetição com algumas variações do primeiro tema melódico dando ênfase ao que Luiz Tatit denomina como tematização. Em relação ao esquema actancial, podemos observar que

temos neste poema-canção um trajeto de conceituações que percorre características ou associações inusitadas, como disse o próprio Antunes, dentro de um campo sêmico dos animais. Não há portanto neste texto, a presença de ajudantes ou anti-sujeitos. O que podemos perceber é que Antunes cria uma sequência narrativa baseada em micro-proposições, ou um jogo do eu constato, você concorda. 139

Apesar de termos constatado que há nessa canção a recorrência da tematização, que é algo presente também em outras músicas de Arnaldo Antunes, em Cultura observa-se que, apesar da repetição dos desenhos melódicos, e de haver uma execução repetitiva dos instrumentos, com apenas algumas interferências, há nesse poema-canção, a partir do verso "o cabrito é o cordeiro da cabra", a presença da figurativização, pois em vários trechos dessa parte cantada, assim como ocorreu nos diagramas acima, a representação ou imitação da fala se faz bastante presente.

Nos diagramas apresentados, cada espaço entre as linhas corresponde a um semitom, portanto a totalidade dos espaços representa o campo de tessitura disponível para o canto no âmbito de uma obra determinada. Esse modelo foi criado por Luiz Tatit e é iniciado pela nota Mi 4 contando o primeiro espaço de cima para baixo em uma sequência descendente, ou seja, das notas agudas para as mais graves. 138

TATIT, Luiz. Musicando a Semiótica: ensaios. São Paulo: Annablume, 1997, p.90. FILGUEIRA, Jorge Normando dos Santos. O poema e a canção em As coisas, de Arnaldo Antunes: imagens da primeiridade. Dissertação de Mestrado em Estudos da LinguagemUniversidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2010, p.122. 139

130


me do sejo é o co ço corpo.

re do dar é a ta fa porco.

manso.

do

de

gor

O

A cegonha é a girafa

ganso.

En

O cachorro é um lobo mais

Diagrama 06– A cultura– Sequência 5

ruga por melo é um ca lo O escuro é a metade da zebra. As raízes são as veias da seiva. O ca va sem

Tarta

tro é den

pa

sede.

rede.


da trinho é o be

me talha é o co ço

égua.

zerro

Bac téria num meio é

da

cul nia trégua.

po

O

ba

tura. Papagaio é um dragão mi.

tura.

A

131

Nesta segunda parte, que consta das sequências 4, 5 e 6 do poemacanção Cultura, percebemos que, apesar da estrutura baseada em temas melódicos que se repetem, há uma representação a partir da noção da figurativização. Arnaldo Antunes trabalha mais como um contador de histórias, do que como um cantor. Sua tessitura vocal é baseada na parte grave. O que caracteriza essa agem que se aproxima da fala com uma canção é a participação da cantora Marisa Monte, que auxilia como uma voz auxiliar, mas que, em determinados momentos, parece ser e é a principal melodia que é escutada. Há nesse segundo bloco do poema-canção um espelhamento do primeiro e uma repetição das características atribuídas a ele. Dá para se ver que o desenho melódico do diagrama 05 é igual ao diagrama 02. Já o desenho do diagrama 05 assemelha-se aos desenhos melódicos dos diagramas 03 e 04, e que no seu início pode-se notar que o texto mantém-se na mesma nota e é justo nessa parte que fica bastante clara a figurativização, ou a aproximação com a fala, como disse Tatit:

À figurativização melódica, finalmente, corresponde o aumento da deitização linguística. A distensão dos parâmetros duração , e altura visa romper até certo ponto, com a autonomia do enunciado musical, atraindo a atenção para a situação enunciativa. 140

A noção do que é a cultura nesse poema-canção leva o leitor a uma interpretação semântica das características dos animais. Ao afirmar que bactérias num meio é cultura, Antunes demonstra que às vezes as palavras podem funcionar em outros campos semânticos. Cultura tanto pode nos remeter aos costumes, crenças e conhecimentos reados de geração em

140

TATIT, Luiz. Musicando a Semiótica: ensaios. São Paulo: Annablume, 1997, p.121.

132

geração, como pode nos remeter à ideia de cultivo, ou de conjunto de microorganismos.

É exatamente na petrificação do conceito que há o engessamento da possibilidade comunicativa e, que na maioria dos casos, o real conceito da palavra só é posto em cena com o auxílio de outros elementos além do verbal. É nesse interstício, nesse imbricamento de es, que Antunes vai construindo e desconstruindo as noções pré-estabelecidas da sociedade e da cultura em que estamos inseridos. Uma cultura que visa mais o parecer em vez do ser, que prima pelo desejo do ter mesmo sem precisar. O poeta reorganiza nosso cérebro na tentativa de reordenar nossa relação com as coisas, com os nomes e com seus significados, o que nos abre caminho para discutirmos nossa próxima canção, que reúne tudo isso em uma só palavra: Invejoso.

133

3.3 INVEJOSO Arnaldo Antunes/Liminha O carro do vizinho é muito mais possante E aquela mulher dele é tão interessante Por isso ele parece muito mais potente Sua casa foi pintada recentemente

E quando encontra o seu colega de trabalho Só pensa em quanto deve ser o seu salário Queria ter a secretária do patrão Mas sua conta bancária já chegou no chão

Na hora do almoço vai pra lanchonete Tomar seu copo d'água e comer um croquete Enquanto imagina aquele restaurante Aonde os outros devem estar nesse instante

Invejoso Querer o que é dos outros é o seu gozo E fica remoendo até o osso Mas sua fruta só lhe dá caroço Invejoso O bem alheio é o seu desgosto Queria um palácio suntuoso mas acabou no fundo desse poço

Depois você caminha até a academia Sem automóvel e também sem companhia Queria ter o corpo um pouco mais sarado Como aquele rapaz que malha do seu lado

E se envergonha de sua própria namorada Achando que os amigos vão fazer piada Queria uma mulher daquelas da revista 134

Uma aeromoça, uma recepcionista

E quando chega em casa liga a tevê Vê tanta gente mais feliz do que você Apaga a luz na cama e antes de dormir Fica pensando o que fazer pra conseguir

O que é dos outros Querer o que é dos outros é o seu gozo E fica remoendo até o osso Mas sua fruta só lhe dá caroço Invejoso O bem alheio é o seu desgosto Queria um palácio suntuoso mas acabou no fundo desse poço

Essa canção faz parte do disco Iê Iê Iê, de 2009, que revisita o estilo musical oriundo dos anos 60, na qual eclodiu a grande produção musical brasileira que reúne na mesma época o Tropicalismo, a Jovem Guarda, e a Bossa-Nova que já figurava entre a música popular brasileira. Para dar vazão à cantoria dos praticantes do iê-iê-iê, um novo programa foi criado sob o comando de Roberto Carlos e batizado de Jovem Guarda. Despidos de qualquer engajamento de ordem social ou política, esses novos músicos encadeavam acordes perfeitos em suas guitarras elétricas e retomavam, agora sob a égide do rock, a música para dançar. Ao mesmo tempo falavam de amor, estilo de vida e todos os assuntos considerados à época "alienados"141.

Quando falamos de canção popular brasileira, temos uma questão que determina o lugar que cada estilo musical deve ocupar a partir de uma noção social. A partir desse parâmetro, dizia-se que falar de amor e coisas do tipo era algo alienante e sem valor. Para alguns, música romântica até hoje é tachada como brega, roedeira ou música para curar dor de cotovelo. O que os críticos 141


135

musicais não sabem e não tem controle é que há uma força popular oriunda de camadas inesperadas sendo capaz de transformar um cantor de músicas românticas ou de assuntos alienados em maior ícone da música brasileira, caso de Roberto Carlos, que até hoje é aclamado como "o Rei". A separação entre o que é bom ou ruim é ditada pela mídia cultural brasileira. Arnaldo Antunes desconstrói esse mundo imaginário criado pelo cenário cultural brasileiro, que tenta ditar as regras do jogo, determinando o que é bom ou ruim, ao gravar canções de diversos artistas de variados estilos, dentre as quais Judiaria, de Lupicínio Rodrigues, representante legítimo do samba; Qualquer coisa, de Caetano Veloso, ícone da Tropicália, e o brega "Quando você decidir", de Odair José, legítimo representante do brega brasileiro. O material onde essas canções podem ser encontradas é citado no apêndice. Percebe-se então que para Arnaldo Antunes essa separação de estilos musicais não existe e essa ruptura se faz presente para romper com esses paradigmas impostos por uma crítica musical que desabona os gostos populares. Sem entrar em questões de juízo de valor, a música ultraa os limites socioeconômicos e pode fazer com que intelectuais amem a música de Odair José, Reginaldo Rossi e Peninha, como também uma pessoa que não tenha tantas posses e cultura possa gostar de música clássica ou de um Chico Buarque. Isso não tem regra. Arnaldo Antunes corrobora isso quando diz:

Bem, as canções do Erasmo venho curtindo durante minha vida inteira, mas a fase específica da Jovem Guarda é uma coisa que marcou muito a minha infância (nasci em 1960). Eu ouvia no rádio, via o programa deles na TV, fazia álbuns com as fotos dos ídolos, ouvia os discos na vitrolinha, e tinha um fascínio pelos cabelos compridos, anéis de brucutus e medalhões. Quando nós, dos Titãs, começamos nossa carreira, tínhamos o nome de “Titãs do Iê Iê Iê”, pois tínhamos uma referência forte daquele

136

universo, que queríamos traduzir para uma linguagem própria, no começo dos anos 80. 142

Diferentemente da Literatura que possui certo controle por parte de uma dita elite dominante, que dita o que deve ou não ser apreciado, dentre os quais se enquadram os acadêmicos, os professores, os pesquisadores que têm influência na formação de seus alunos, na música isso é impossível. Ela flui, chega aos ouvidos e, devido a impressão auditiva da primeiridade, conquista sem muito esforço pobre, rico, branco ou preto, pois ela é universal. São os ouvidos que farão a seleção natural das coisas. A partir dessas discussões acerca da canção e suas relações com a sua difusão sociocultural, podemos retomar a canção e ver que o tema não é tão banal quanto parece. A discussão sobre a forma como as pessoas enxergam o mundo, os outros e as coisas dos outros é algo que gera discussões intermináveis.

Ao

observarmos

a

canção

invejoso,

percebemos

que

diferentemente do poema-canção cultura, há nele, sim, elementos narrativos que preenchem os elementos do quadrado semiótico greimasiano. Compositor

Invejoso

Ouvinte

D1S D2 │ │ AO OP O Desejo de ser e ter as coisas dos outros

Coisas dos outros

O outro

Podemos perceber nesse esquema acima que o compositor Arnaldo Antunes quer mostrar como é a realidade de uma pessoa que vive com inveja

142

ANTUNES, Arnaldo. In: IÊ- IÊ- IÊ. Entrevista por Rosane Queiroz. Revista Vogue: 2009. Disponível em:< http://www.4shared.com/office/QRhDECX3ba/2009_revista_Vogue.html> o em 19 jan. 2015

137

das outras. Essa mensagem tem o propósito de ser transmitida para nós, os ouvintes da canção. O objeto que é o foco do invejoso são as coisas que os outros possuem, e seu único aliado nesse processo é o desejo de um dia poder ter aquelas coisas ou aquele estilo de vida. Em oposição a todo esse desejo está justamente o outro, aquele que é o antagonista do desejo do ser que possui a inveja. Ao trazer à tona um dos sete pecados capitais, Arnaldo Antunes mexe no íntimo de muitos dos que ouvem a canção, pois como nossa sociedade se baseia na ideia do capital em que se pode mais quem ganha mais, é bastante provável que as pessoas não consigam observar apenas de fora aquilo que está sendo dito e que acabem se identificando em alguma agem da canção. Essa primeira agem que está representada nos diagramas 08 e 09 mostra uma apresentação da forma de pensar do invejoso (sujeito) pelo compositor (destinador) para nós (ouvintes). Ao afirmar que o carro, a esposa e a casa do vizinho são, respectivamente, "muito mais" possante, interessante e potente, o destinador nos coloca diante de um estado de espírito em que é improvável que se pense o contrário do que está sendo dito, pois esses quatro primeiros versos da canção são categóricos. A partir desse pensamento, podemos afirmar que, além de percebemos que as notas se mantêm muito próximas em seus semitons, não há nenhuma grande alteração capaz de causar um desconforto ou um indício que o texto que vem sendo cantado sofra alguma alteração rítmica ou melódica. Podemos observar melhor essas inflexões melódicas nos diagramas representados abaixo:

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Diagrama 08 – Invejoso– Sequência 1

carro do vizinho é muito mais

ssan po

aquela mulher dele é tão te e

te san in res

O

te por

is le re pouco so e pa ce um mais

tente po


sua ca

foi sa

ta pin

cen da re

mente te

A harmonia que acompanha o tema melódico é acompanhada por instrumentos harmônicos como guitarra, contrabaixo e teclado, como também os percussivos, como a bateria. O que salta aos nossos ouvidos é o som do violão que é bastante marcante em toda sua música. Ao ouvir as batidas do violão, somos levados a uma memória musical que relembra os grandes sucessos do rock feito pelo pessoal da Jovem Guarda no inicio da década de 60, com Erasmo Carlos, Roberto Carlos e outros. A aproximação com essa característica referencial da música de Antunes também é provocada pelos timbres utilizados pelo teclado que em 139

muito se assemelha aos grandes solos das canções de Roberto e Erasmo Carlos como "Quando", "Quero que vá tudo para o inferno" e "As curvas da estrada de Santos". Propositalmente feito para rememorar esse período da música brasileira, a canção Invejoso é a que melhor representa essa releitura do chamado período do Iê Iê Iê. Por não haver grandes alterações na linha melódica (5 semitons de diferença para a região aguda e 2 semitons para a região grave), o trecho presente nos diagramas 08 e 09 começa a dar pistas de que a canção é tematizada. Embora tenha essa característica, vamos observar no decorrer dos diagramas que há também na canção, a presença da ionalização, em que o sujeito é levado o tempo inteiro para o limiar de suas emoções ionais e em determinados pontos também a figurativização, onde encontraremos partes que se assemelham ao discurso da fala. Diagrama 10 – Invejoso– Sequência 3

quando encontra o seu colega de

ba tra

E

só pensa em quanto deve ser o lho

seu

lá sa

rio queri ter a

se a

tá

cre ria

do

trão pa

Temos agora no diagrama 10 um movimento em que o sujeito começa a aumentar seu foco pelo desejo de possuir o que não tem. Há nessa agem o princípio competitivo em que a sociedade capitalista nos compele todos os

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dias a sentir, de que para ser bem sucedido na vida o outro não pode ser, como também o início de negativa da sua relação profissional. Ao afirmar que o invejoso "queria" ter a secretária do patrão, Antunes começa a brincar com a semântica, não das palavras e sim a social, pois em uma primeira audição, muitos ouvintes vão interpretar pelo sentido de desejo sexual, de querer poder ter condições de conquistar a secretária do chefe, porém, pode-se atribuir ao trecho a ideia de que ele queria estar no lugar de seu chefe e ter uma secretária que o servisse. Para dirimir qual sentido seria o mais adequado, no próximo diagrama, há logo em seu início uma conjunção adversativa que diz que aquele desejo é improvável devido a sua conta bancária estar no "chão", dando a impressão de que o desejo de ter a secretária fosse mais ligado a sua prestação de serviços profissionais. Mantém-se nesse trecho a mesma diferença melódica (5 semitons pra a região aguda e 2 para a grave), consolidando a ideia de que trata-se mesmo de uma canção em que a tematização faz parte de sua base. Embora a tematização seja a característica que mais represente melodicamente a canção Invejoso, a partir do diagrama 11 começamos a perceber onde a figurativização começa a se apresentar. Na expressão acima, os versos dão a informação de que o sujeito não possui dinheiro, devido à falta de um bom emprego e descreve como é o almoço diário dessa pessoa, em que ele apenas se alimenta de um simples croquete e de um copo d'água. A recorrência desse ato se comprova como sendo algo diário devido à utilização do pronome possessivo seu, pois ao afirmar isso o compositor deixa marcado textualmente que este é um hábito do sujeito cuja vida ele está descrevendo.

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O peculiar desse trecho é que essa informação é dada em uma mesma tonalidade com apenas uma diferença de 1 semitom para a região aguda e 2 para a grave, aproximando assim a palavra cantada da forma como as pessoas falam, talvez na tentativa de demonstrar a real situação em que vive o ser dotado de inveja, quando não está pensando em ter para si as coisas e a vida dos outros. Diagrama 11 – Invejoso– Sequência 4

cho

um

Mas sua conta bancária já chegou no chão na hora do almoço vai pra lan nete tomar seu copo d'água e comer


res

rante aonde os outros devem estar neste tau

tante ins

Enquanto imagina aquele

Esse diagrama acima encerra o pensamento trazido por Antunes nas três primeiras estrofes e mantém o tema melódico do diagrama anterior. Há 142

croquete

nele agora uma única alteração de 4 semitons para a região aguda. Há nessa agem uma declaração sobre o estado do sujeito em que ele pensa na comida de um restaurante, onde seus colegas de trabalho almoçam em contrapartida ao seu simples lanche realizado em uma lanchonete. Esse sentimento demonstra uma constatação da dura realidade em que hipoteticamente esse sujeito vive e o quanto a ausência de recursos pode ocasionar frustração em quem é desprovido dele. A partir dessa ideia, o destinador, após apresentar a situação psicológica do sujeito a que está se referindo, cria a expectativa para que o ouvinte confirme a ideia de se trata de um sentimento de inveja, observadas nas sequências 6 (diagrama 13) e 7 (diagrama 14). Diagrama 13 – Invejoso– Sequência 6

In

rer jo

que so

ve

que é o

ou dos

éo

tros seu go

fi re en té zo e ca mo do a o os so mas

su fru só a

ta

dá lhe

ço caro

Na agem abaixo, além da verbalização de que o sujeito narrativo é um invejoso, temos três ideias adas: querer as coisas dos outros, remoer as histórias até o último instante e o resultado amargo desses sentimentos. Melodicamente, agora temos a nota inicial de um verso mais agudo até o

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momento e a maior diferença intervalar descendente que sai do lá agudo até o ré mais grave. Diagrama 14 – Invejoso– Sequência 7

In

bem jo

o

lhei é a

o

seu o

so ve

desgos

ri um lá sun to que a pa cio tuo

a so mas

bou ca

fun no

do

des se po ço

Nessa segunda parte do refrão, há um espelhamento da parte melódica com a nuance na última nota que em vez de ir para a nota aguda mi, desce para a região grave do dó. Em relação à forma, mantém um desenho melódico que garante que a canção seja considerada como tematizada. O tema central é a inveja e o quanto esse sentimento leva o sujeito para um processo de euforia no campo do conteúdo. Agora o invejoso é pego pela noção do desgosto por causa do sucesso alheio que provoca nele um sofrimento ional muito grande, pelo desejo de morar em um palácio suntuoso, ou uma mansão com carros possantes, como acredita que as outras pessoas possuem; por fim, novamente, o verso melódio se coaduna com a frase verbal afirmando que ele acaba no fundo de um poço por causa de seus sentimentos de inveja.

144


pois você caminha até ca de De

aa

mi sem automóvel e também sem a

com

hi pan

a queri

ter a

cor o

pou po um

mais co

rado sa

Há uma dura crítica feita por Arnaldo Antunes nessa primeira parte da canção. Ele mostra que a não observação das suas próprias coisas em detrimento do eterno desejo de ter a vida do outro é algo que é incutido na vida das pessoas desde a infância. Essa competitividade é algo que não é benéfico, pois enquanto o sujeito que pauta toda a sua vida na inveja fica remoendo ossos, lidando com caroços e no fundo do poço, aquele cujo modelo de vida é desejado consegue ser muito mais bem sucedido, porque tem outras preocupações além de focar nas coisas e na posição social que o outro ocupa. Nesse início dessa segunda parte, dividida em três estrofes, temos nessa sequência uma repetição do modelo melódico utilizado no diagrama 08. Há nessa parte inicial uma interlocução do destinador-cantor com o destinatário-ouvinte, pois ao empregar o pronome você no verso, percebemos que o sujeito a quem Antunes se referia como invejoso agora é direcionado a nós, ouvintes, como parte de uma presentificação enunciativa em que inclui o ouvinte naquela situação cotidiana. A partir dessa construção verbal, o vocativo traz o ouvinte para dentro do que está sendo dito. Há nesse momento uma

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autoavaliação por parte de quem ouve se aquilo que está sendo dito acontece ou não com ela. Ao relatar que "caminha até a academia", o poeta representa o sujeito como um solitário e mal sucedido. Enfatiza a ideia de que, para suprir essa ausência, ele precisa entrar em forma, e, para piorar a situação dessa pessoa que não consegue manter a forma e acha que é algo impossível, ele contrapõe o triste desejo de se adequar aos padrões de beleza exigidos pela sociedade ao sucesso obtido pelo rapaz que pratica exercícios na academia. Diagrama 16 – Invejoso– Sequência 9

Como aquele rapaz que malha do

lado seu

É importante salientar que esses desejos criam uma crise entre a noção de espera e surpresa no que se diz respeito à relação entre o sujeito e o objeto. Para Luiz Tatit143, "tudo ocorre como se nossa vida afetiva fosse do já ao não ainda - ou vice-versa - modulando os adiamentos e os atrasos de acordo com a capacidade do sujeito tolerar o inesperado e programar a espera." Percebe-se claramente com essa afirmação que o sujeito da canção, que agora também pode ser nós, os ouvintes, lida diariamente com a frustração de não gostar da própria vida e a indignação de não conseguir ao menos que 143

TATIT, Luiz. Musicando a Semiótica: ensaios. São Paulo: Annablume, 1997, p. 54.

146

as coisas que ele almeja se assemelhem com a vida das pessoas que ele acredita ser um modelo melhor. Isso interfere não apenas na vida profissional, mas em sua vida amorosa e como ele enxerga suas próprias escolhas na visão da sociedade. Diagrama 17 – Invejoso– Sequência 10

mo

zer

E se envergonha de sua própria na

piada rada achando que os amigos vão fa

da queria

ma lher que u mu da la

vista re


quando chega em casa e liga

te a

vê tanta gente mais feliz que vê

Um

e mo

a a ro

ma

ça u

cep nista e cio

você do

re

Os diagramas acima (17,18) confirmam o pensamento do parágrafo anterior em relação ao quanto o medo da não aceitação atrapalha na vida da pessoa que sofre do mal da inveja. Percebe-se também que aquele sujeito que em teoria seria tachado como vilão da história, por ser dotado de um sentimento negativo, traça uma curva na trajetória e deixa rastros de que na 147

verdade há nele um sentimento de vergonha da própria vida. Arnaldo Antunes quebra a expectativa de quem ouve a canção transformando no decorrer dela um sujeito aparentemente asqueroso e mesquinho em um ser cada vez mais humano, que apenas deseja encontrar a felicidade que tanto pregam. Na segunda parte, ao trazer o ouvinte para o lugar da personagem criada, o destinador demonstra que aquela história não é exclusiva de invejosos e que pode acontecer com qualquer um por ser tratar de sentimentos humanos. São esses sentimentos que levam Antunes a afirmar que, por causa dessas tamanhas exigências, o sujeito tem vergonha da pessoa que ama, temendo piadas dos amigos, que, nesse caso, aconteceria apenas por uma característica física e não pelo caráter pessoal e intelectual, provocando novamente um desejo inalcançável de desejar uma mulher com padrões de beleza estereotipados como aeromoças e recepcionistas. Ao citar como modelo de beleza mulheres que possuem essas profissões, o destinador faz uma crítica ao nosso sistema social atual que preza valores como beleza física em detrimento de sua capacidade intelectual. Há um acordo interno, velado, de que essas profissionais precisam ter boa aparência para exercer o cargo e em muitos desses casos, esse pré-requisito já consta na descrição de oferta de empregos como podemos ver na imagem abaixo:

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IMAGEM 28

O que se percebe na imagem acima é que a capacidade da pessoa para exercer a função é um fator que sempre vem atrás do quesito boa aparência e isso é bastante criticado por Arnaldo Antunes que encerra o pensamento dizendo que, após tanto desejo não alcançado, o que resta é ligar a TV e ver a felicidade dos outros. Novamente, ele inclui o ouvinte no processo enunciativo ao citar que as pessoas da TV são mais felizes do que a personagem da 149

canção. Antunes demonstra, com o uso do pronome de tratamento "você", mais uma vez, que a idealização dessa vida perfeita e feliz é algo que está no cotidiano das pessoas. A afirmação de que as pessoas da TV são mais felizes não pode ser tomada como uma verdade enunciada pelo eu lírico, mas como uma proposição irônica, que expressa uma idealização.


pa A ga a

luz

ca da

ma e

an tes

de

mir fica pensando o que fazer pra conseguir dor

Para finalizar o pensamento das três primeiras estrofes, o destinador afirma que o sujeito, no escuro, fica remoendo uma forma de conseguir ter o que é dos outros. Melodicamente, não há uma variação tonal, apenas 2 semitons para a região aguda e que se mantém até o início do refrão. Devido a essa pouca variação, temos nesse diagrama 19 uma referência novamente à figurativização na qual se assemelha à oralidade. As duas últimas sequências referem-se ao refrão da canção e possuem o mesmo desenho melódico dos diagramas 12 e 13. O que se pode perceber no fim da canção é que esse sujeito, motivado pelo desejo de ser e ter as coisas dos outros, transforma-se no decorrer da canção. Em um primeiro momento, o efeito é cômico devido aos seus fracassos em tentar ser algo que 150

não é. Contudo, ao ar dos versos, há um compadecimento por parte de quem ouve, pois vai ficando claro que esse sujeito jamais vai conseguir ser aquilo que deseja por ser vítima de um sistema que impõe ideais de felicidade. Ao ionalizar esse sujeito, Antunes levanta a reflexão sobre o quanto nossa sociedade vive em função das coisas e dos nomes. Tudo tem que ser lembrado e visto. Há uma necessidade brutal de ser aceito socialmente e os valores vão se esvaindo em detrimento da ideia de que a pessoa ter que ter aquilo a qualquer custo. Diagrama 20 – Invejoso– Sequência 13

Dos que é

ou

rer que

que é o

ou dos

tros

éo tros seu go fi re en té zo e ca mo do a o os

O

su so mas

fru a

só ta

dá lhe

ço caro


In

bem jo

o so

ve

lhei é a

o

seu o desgos

ri um lá sun to que a pa cio tuo so mas

a

bou ca

fun no

do

des se po ço

151

Invejoso é uma canção que retrata claramente o quanto nós estamos vinculados a uma cultura de coisificação, de busca por um ideal imaginário, que nos afasta do verdadeiro sentido da nossa relação com as coisas, que é sentir em sua essência a sensação primeira de gostar ou não gostar de algo a partir da nossa própria opinião. Ao exemplificar um sujeito como Invejoso, Antunes nos mostra o quão próximo estamos de algo que em primeiro momento recriminamos.

A coisa desejada ou o nome almejado é algo que está inserido no imaginário humano, porém a cegueira provocada pela massificação de ideias midiáticas impede que as pessoas antes de rirem de uma canção como essa, percebam que são exatamente iguais. Esse caminho para o intrínseco de cada um é o que permeia essa canção.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo desse trabalho, procuramos estabelecer algumas relações entre dois livros do escritor Arnaldo Antunes (As Coisas, Nome) a partir do ponto de vista da semiótica e suas variáveis, com o intuito de trazer à tona uma discussão sobre o universo das coisas e dos nomes que essas coisas recebem dentro de uma ótica ligada ao fazer poético e sua relação entre a linguagem e o mundo real, baseados nas imagens e nos vídeos que foram abordados em nossa tese. Analisamos os poemas escolhidos com base nos seguintes encaminhamentos: através do diálogo entre os aspectos infantis, com características da primeiridade e a poesia feita por Arnaldo Antunes, pela noção de assimilação do leitor/espectador do poema quando ele aparecia em es diferentes, como também a relação com o cinema e a vídeo-poesia, além da questão sonora e entoativa presente nas canções.

Em uma breve síntese, situamos cronologicamente a obra poética de Arnaldo Antunes apresentando todos os seus livros de poesia, inclusive as versões de coletâneas e traduções publicadas em outros países. E para elucidar a nossa abordagem introdutória, descrevemos o corpus que havíamos escolhido, assim como o escopo dos teóricos e os caminhos que iríamos percorrer em nossa Tese.

Antes de adentrar propriamente nos capítulos, iniciamos a discussão com uma breve apresentação da obra poética de Arnaldo Antunes e as relações encontradas nos dois livros escolhidos para a nossa análise. Explanamos que iríamos traçar um panorama em relação às coisas, aos objetos que existem em nosso cotidiano e sua relação com sua significação, 153

como também com a nomeação dessas coisas e sua relação com o significante.

No primeiro capítulo O que eu faço com essa lente de contato se eu enxergo bem?, que se subdividiu em três subtópicos, demonstramos a recorrência da repetição de alguns poemas em livros de Antunes a partir de um exemplo que era recorrente em ambos os livros que havíamos escolhido para a análise explicando-o a partir das noções de e. No segundo subtópico, tentamos abordar a noção da utilidade das coisas e de sua serventia. Ao estudarmos essas coisas a partir do ponto de vista de sua utilidade, entramos num campo que envolvia as noções do social e do capitalismo em relação ao como lidamos com nossas coisas e com nossos desejos de consumo. Como foi destacado, podemos perceber que a poesia de Antunes, apesar de ir de encontro com as coisas do mundo, mesmo a partir de um ponto de vista "hipoteticamente" infantil, questiona e fissura o nosso olhar para todas as coisas que temos e usamos ou que temos e nunca usaremos.

Seus poemas nos mostram que vivemos presos a uma ditadura da utilidade em que todas as coisas precisam ter serventia. Ancorado nessa discussão, partimos para o terceiro subtópico e discutimos agora as relações arbitrárias que os nomes possuem com os objetos que se associam. Tudo precisa ter um nome, mesmo que esse nome seja esvaziado pela ausência de sentidos ou hipervalorização dele. Abordamos por exemplo, como o nome de Deus é cheio e vazio em si mesmo, dependendo do ponto de vista de quem o nomeia.

O

nome Deus pode ter inúmeros

significados.

Com

esse

distanciamento, amos a refletir sobre a questão da arbitrariedade da

154

nomeação e o esvaziamento de seus significados e o quanto isso é recorrente em nossas vidas e que Antunes nos leva a refletir esse tema nos seus dois livros As Coisas (1992) e Nome (1993).

No capítulo As palavras se desapegaram das coisas, dando continuidade à temática discutida no capítulo que o antecede, abordamos a poesia visual e como ela se porta em determinados poemas quando estão associados a algumas imagens. A discussão sobre o quanto as palavras estão se desapegando das coisas foi levantada no capítulo, afirmação essa proferida pelo próprio Antunes em entrevista a Ricardo Araújo.

Trouxemos também exemplos do livro Nome (1993) em que os poemas saltavam aos olhos devido a sua disposição tipográfica tanto no papel, quanto no vídeo-poema. Fizemos algumas pequenas considerações para elucidar o caminho que o cinema percorre em associação com a Semiótica. Após explanarmos essa relação da foto-poesia e da vídeo-poesia, fizemos uma análise um pouco mais detalhada sobre alguns poemas que traziam a recorrência do tema ''água" e de um poema que abordava a sensação de um dos sentidos primordiais do humano, que é o tato, ou o contato real com as coisas. A partir da temática principal ligada ao corpo humano e sua relação com a sexualidade e a pornografia, fizemos um paralelo entre o vídeo-poema, suas intenções e a sua relação com o cinema e o pornográfico, na tentativa de estabelecer um diálogo entre coisas inomináveis, que geralmente é permeada de tabu e que sequer podem ser proferidas com naturalidade. O poema Tato de Antunes tenta nos mostrar o quão próximo daqueles conceitos ditos como proibidos nós somos.

155

No capítulo A canção é uma poesia ajudada?, tentamos discutir sobre como o poema funciona ao ser considerado também como letra de canção. Para isso começamos elucidando a relação da palavra cantada com a Literatura e com a música. Fizemos um breve apanhado sobre como a Música e a Literatura se portaram desde o início dos séculos, sua cisão e sua reunião. Explicamos também aspectos da Semiótica que tratam a matriz verbal e sonora como algo que estão intrinsecamente ligados. Além disso, fizemos uma explanação sobre as nuances da melodia e sua importância na avaliação dos recursos entoativos na interpretação do sentido global de uma canção, a partir do modelo semiótico greimasiano, que traz um esquema actancial em que os participantes fazem parte de um jogo entre sujeito, objeto, ajudantes e oponentes dentro de uma estrutura narrativa que sempre é movida por tensões e paixões. Ao analisarmos um poema-canção, fizemos a escolha por um que era recorrente nos dois livros escolhidos, Cultura.

Esse poema aborda a relação das coisas do mundo a partir do ponto de vista dos animais, em uma espécie de personificação de atitudes que não fora percebidas pelas outras pessoas antes. Abordamos a questão formal e musical desse poema-canção a partir dos estudos de Luiz Tatit. Nesse mesmo capítulo, em um último subtópico, abordamos uma canção de Arnaldo Antunes em parceria com o músico Liminha denominada Invejoso. Essa canção aborda as relações do humano com o outro e sua dependência dos objetos. De uma forma bastante divertida, Antunes trabalha os anseios de um personagem que deseja ter e ser o outro a qualquer custo. Para citar um verso do compositor mineiro Vander Lee, essa personagem "pensa que o outro é o paraíso" e por pensar assim sofre bastante na dicotomia da vida entre o que ele é e o que ele 156

acha que nunca poderá ser. Há uma análise de toda a estrutura melódica a partir de diagramas que demonstram como a entonação interfere na compreensão do que é dito.

A poesia de Arnaldo Antunes ultraa os limites do senso comum, pois se trata de algo que possui vida, que vem de experiências de vida. Os poemas que surgem a partir de desenhos de uma filha; a tentativa de se aventurar em outro e recém-chegado e que ainda se busca o domínio; a relação com o fotográfico e o como o fragmento a a ser parte de um todo. Em Antunes, você pode entrar sem ser convidado, começar pelo final ou simplesmente seguir o curso da onda.

A paixão pela Literatura decorre de uma movência, que é peculiar à vida e àquilo que nos aproxima do primitivo, das nossas primeiras sensações, do inominável, das coisas que amamos, odiamos, repudiamos. É o que faz com que a poesia de Arnaldo Antunes se aproxime de quem as lê, transforme o leitor em parte integrante do processo poético, seja por ividade, por interferência ou uma simples inquietação que o instiga a querer saber mais daquilo que ele um dia pensou que já sabia. A canção é uma poesia ajudada, Fernando Pessoa? A essa resposta não sabemos dizer bem se é ou não. O que sabemos dizer é que para ser atingido pela poética de Arnaldo Antunes, basta ter olho para olhar, música para ouvir, e saber que em Antunes tudo cabe numa palavra, e tudo termina em algo cíclico: o que não é o que não pode ser que não é o nome dos bichos não são os bichos? Isso é o nome das coisas?

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 144 Bibliografia de Arnaldo Antunes ANTUNES, Arnaldo. Ou E. Edição do autor, 1983. ______. Psia. 4. ed. São Paulo, Iluminuras, 1986. ______. Tudos. São Paulo: Iluminuras, 1990. ______. As Coisas. Ilustrado por Rosa Moreau Antunes. São Paulo: Iluminuras, 1992. ______. Nome. Livro, disco e vídeo (Realizado por: Arnaldo Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrotigo e Zaba Moreau) São Paulo: BMG Brasil, 1993. ______. 2 ou + corpos no mesmo espaço. São Paulo: Perspectiva, 1997. ______. Doble Duplo. Seleção, tradução e arte por Iván Larraguibel. Zaragoza/Barcelona (Espanha): Zona de obras/Tangará, 2000. ______. 40 escritos. Organizado por João Bandeira. São Paulo: Iluminuras, 2000. ______. Outro. Poema de Arnaldo Antunes e Josely Vianna Baptista, arte de Maria Angela Biscaia. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 2001. ______. Palavra Desordem. São Paulo: Iluminuras, 2002. ______. Et Eu Tu. Poemas de Arnaldo Antunes, fotografia de Marcia Xavier. São Paulo: Cosac Naify, 2003. ______. Antologia. Vila nova de Famalicão (Portugal): Quasi Edições, 2006. ______. Frases de Tomé aos Três Anos. Porto Alegre: Ed. Alegoria, 2006. ______. Como é que chama o nome disso. São Paulo: Publifolha, 2006. ______. Saiba / A Nossa Casa. Com desenhos de Dulce Horta. São Paulo: DBA, 2009. ______. Melhores Poemas. Seleção e Prefácio de Noemi Jaffe. São Paulo: Global Editora, 2010.

144

Como optamos por referenciar todas as citações nas páginas dos textos em que eram citadas, nesta parte, por opção, mantivemos todas as referências de livros utilizados durante o período da pesquisa. Alguns desses livros podem não constar no corpo do texto devido às mudanças que foram ocorrendo no desenvolvimento da tese, mas que ajudaram de alguma forma na composição da mesma.

158

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ANEXOS ENTREVISTAS COM ARNALDO ANTUNES (1987-2014) Série de Entrevistas enviadas pelo Autor por email acerca das temáticas abordadas na presente tese, conforme pode ser observado na reprodução do texto abaixo. Caro Jorge, Desculpe a demora de minha resposta. Estou num período hiper-atribulado, com muitas viagens, shows e outros compromissos, entre vários trabalhos atrasados. Por conta disso, e de um ritmo muito intenso até o final do ano, não vou conseguir parar pra responder suas questões com a atenção merecida. Mas estou te enviando aqui anexadas várias entrevistas mais antigas, que tangenciam alguns dos temas abordados por você. Espero que possam ajudar de alguma forma. Se quiser algum outro material, me diga que posso enviar. Você tem a antologia COMO É QUE CHAMA O NOME DISSO?, da Publifolha? Nela tem uma entrevista bem completa também. Agradeço seu empenho e dedicação em estudar meu trabalho. Desejo sucesso na tese e, se puder, me mande uma cópia, quando pronta. Um grande abraço, Arnaldo 1- A cabeça do dinossauro. Entrevista por Luiz Carlos Mansur. Jornal do Brasil: 24/05/1987. Disponível em: . o em 19 jan. 2015. 2-“Tudos” para quem precisa de poesia. Entrevista por Mario Cesar Carvalho. Folha de São Paulo: 15/06/1990 Disponível em: . o em 19 jan. 2015 3- Um sujeito tribal na moderna invenção dos códigos. Jornal Hoje em Dia, MG: 28/10/1990. Disponível em: o em 19 jan. 2015 4- As palavras e as coisas do titã. Entrevista por Helton Ribeiro. O Globo: 22/11/1992. Disponível em: o em 19 jan. 2015 5- Nome entre pelos olhos, boca e orelhas. Entrevista por Augusto Massi Caderno Mais!, Folha de São Paulo: 17/10/1993. Disponível em: 165

o em 19 jan. 2015 6- Arnaldo quer ‘empurrar’ os limites do pop. Entrevista por Mario Cesar Carvalho. Folha de São Paulo: 17/09/1993. Disponível em: o em 19 jan. 2015 7- Um elefante solo incomoda muito mais. Entrevista por Carlos Albuquerque e Paula Fernandes. O Globo, Segundo Caderno: 17/05/1993. Disponível em: o em 19 jan. 2015 8- Garimpo em terreno híbrido / O luxo de ser experimental. Entrevista por Cláudia Nina. Caderno Dois, Tribuna de Minas (MG): 23/11/93. Disponível em: o em 19 jan. 2015 9- Arnaldo Antunes põe as coisas em foco. Entrevista por Eduardo Sterzi. Zero Hora, Porto Alegre: 03/07/1995. Disponível em: o em 19 jan. 2015 10- 'Não quero virar cult', diz Arnaldo. Entrevista por Marcos Augusto Gonçalves Folha de S. Paulo, ILUSTRADA: 10/12/1996. Disponível em: o em 19 jan. 2015 11- TRÊS PERGUNTAS DE MARISA MONTE PARA ARNALDO ANTUNES O GLOBO, junho de 1997. Disponível em: o em 19 jan. 2015 12- Arnaldo Antunes. Entrevista por Fabrício Marques. Jornal O TEMPO, BH, 1997. Disponível em: o em 19 jan. 2015 13- Entrevista Arnaldo Antunes. Entrevista por Heitor Ferraz. Revista CULT, novembro de 1997. Disponível em: o em 19 jan. 2015 14- Dança, a última fronteira de Arnaldo Antunes. Entrevista por Wilson Bueno Caderno 2 — O Estado de São Paulo: 26/07/1999. Disponível em: o em 19 jan. 2015

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15- Entrevista com Arnaldo Antunes. Entrevista por Paulo Marchetti. publicada no site TantoFaz.net: primeiro semestre de 2000. Disponível em: o em 19 jan. 2015 16- Paradeiro mostra a visão paulista pelo filtro baiano. Entrevista por Ricardo Ivanov. Portal Terra: 2001. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/Bu4nNOn6ba/2001_portal_Terra.html> o em 19 jan. 2015 17- Todas as palavras de Arnaldo. Entrevista por Ana Naddaf. Vida e Arte, suplemento do jornal O Povo, Fortaleza: 25/02/2002. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/7VqoTYTBba/2002_jornal_O_Povo.html> o em 19 jan. 2015 18- Arnaldo Antunes 10 x 10. Entrevista por Claudio Szynkier. Agência Carta Maior: 24/04/2004. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/du5y4yq-ba/2004_Agncia_Carta_Maior.html> o em 19 jan. 2015 19- Arnaldo Antunes — conversa e et cetera. Entrevista por Claudio Daniel. revista ETC: 2004. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/-JNMB0d3ce/2004_revista_ETC.html> o em 19 jan. 2015 20- Arnaldo Antunes - Papo Tribalista. Shopping & Dvd Music:14/06/2004. Disponível em: o em 19 jan. 2015 21- Gazeta de Alagoas: 2006. Disponível em: o em 19 jan. 2015 22- Revista Cartaz, FLORIANÓPOLIS: 2006. Disponível em: o em 19 jan. 2015 23- Dentro da placenta do planeta azulzinho. Entrevista por Marco Aurélio Fiochi.Revista virtual do Instituto Cultural Itaú: agosto de 2007. Disponível em: o em 19 jan. 2015 24- Revista Latina, JAPÃO: 2007. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/od49JOj5ce/2007_revista_Latina_Japo.html> o em 19 jan. 2015

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25- Palavras Cruzadas. Entrevista por Filipe Luna. Disponível em: Revista Cult: 22/01/2008 < http://www.4shared.com/office/GXRPFLeice/2008_revista_CULT.html> o em 19 jan. 2015 26- Interferência – Arnaldo Antunes. Entrevista por Ferréz. Originalmente veiculada na TV Cultura concedida ao programa Manos e Minas: Setembro de 2008. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/Ukh2msba/2008_TV_Cultura.html> o em 19 jan. 2015 27- IÊ- IÊ- IÊ. Entrevista por Rosane Queiroz. Revista Vogue: 2009. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/QRhDECX3ba/2009_revista_Vogue.html> o em 19 jan. 2015 28- Palavra Cruzada: Arnaldo Antunes. Entrevista por Adriana Del Ré. Jornal da Tarde: 22/11/2010. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/U55yczWace/2010_Jornal_da_Tarde.html> o em 19 jan. 2015 29- Arnaldo Antunes fala sobre participação com Titãs, 10 anos dos Tribalistas e do show desta sexta no recife. Entrevista por Julio Cavani. Jornal eletrônico, Diário de Pernambuco: maio de 2012. Disponível em: o em 19 jan. 2015 30- Arnaldo Antunes. Entrevista por Ivany Turíbio. Revista BT EXPERIENCE: 2012. Disponível em: o em 19 jan. 2015 31- Arnaldo Antunes: 30 anos de carreira e convite para tocar com os Titãs. Território da Música: 2012. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/KOJAE3WNba/2012_Territrio_da_Msica.html> o em 19 jan. 2015 32- Entrevista por Flavia Tebaldi. Revista Palavra, Sesc Literatura em Revista, número 4: 2013. Disponível em: o em 19 jan. 2015 < http://www.4shared.com/office/oon63Tioba/2013_REVISTA_PALAVRA.html> 33- Entrevista por Ana d’Angelo. Revista Página 22: 2014. Disponível em: < http://www.4shared.com/office/oscdj_QIba/2014_revista_Pgina_22.html> o em 19 jan. 2015

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1- A CABEÇA DO DINOSSAURO Entrevista por Luiz Carlos Mansur Jornal do Brasil: 24/05/1987 JORNAL DO BRASIL — Num show dos Titãs no Teatro Carlos Gomes, o público destruiu quase todas as cadeiras. Vocês valorizam uma estética da violência? Arnaldo Antunes — Existe uma violência positiva mesmo, ligada à vitalidade, e o rock que a gente faz é violento nesse sentido. Mas não incita a violência; no Carlos Gomes ninguém saiu ferido. As pessoas simplesmente dançaram de pé em cima das cadeiras e elas quebraram. No velório de Tancredo do Neves as pessoas se acumularam, se atropelaram e três delas morreram em Minas. Para ver o cadáver, as pessoas se mataram. A violência convive com qualquer manifestação de massa: jogo de futebol tem briga, qualquer catarse onde há a perda dos sentidos tem isso. Há uma certa positividade nisso; uma potencialidade importante do ser humano. Mas que também é perigosa, como aconteceu no velório do Tancredo. JB — A música "Polícia", do guitarrista Toni Bellotto, é uma das favoritas do público dos Titãs. Como você vê a instituição Polícia e a mentalidade policial que muitas vezes é interiorizada pelas pessoas? AA — Uma das coisas opressoras da instituição Polícia é o fato de você vê-la ando nas ruas. Você já fica preocupado, se o cara te dá uma blitz você tem que falar numa linguagem que não é naturalmente sua, você tem que se transformar pra poder dialogar, isso é uma violência muito grande com as pessoas. Além, é claro, dos abusos que acontecem na periferia e nas favelas. E há coisas absurdas, como o aumento do número de pessoas armadas, um tipo de terror que é profundamente nefasto a qualquer um, não poder sair de casa à noite com medo de ser roubado ou preso. Esse tipo de cuidado vem muito também de se deixar oprimir. As pessoas, às vezes, se cuidam em excesso, ganham segurança mas perdem muito da satisfação, do prazer da vida. O medo da AIDS, por exemplo, tá muito associado a isso. É claro que devem existir limites, senão você se mata. A autopreservação é necessária, mas tem que haver um contrabalanço. JB — Augusto de Campos, num poema em homenagem a Torquato Neto, diz que "a palavra cantada/ não é a palavra falada e nem a palavra escrita". O estatuto próprio da palavra cantada motivou muitas discussões nos anos 60. Como você, que já declarou ter uma preocupação primordial com a palavra, vê a questão hoje em dia? AA — No Brasil as pessoas, especialmente os críticos de música, ligam-se muito nas letras e não as pensam em sua dimensão musical. O que eu acho é que, dentro dessa coisa do rock, a letra está indissociada não só da melodia como também do arranjo e da execução. Antigamente, via-se o arranjo como a vestimenta da canção. Hoje isso não acontece, tanto que, na linguagem vulgar, ninguém diz "vamos interpretar uma canção", mas "vamos fazer um som". Isso 169

mudou de certa forma o próprio conceito de canção, aquela coisa de uma letra e uma melodia unidas com uma cama harmônica sustentando tudo. JB — Essa apreciação da letra isolada é uma das armas de quem considera pobre a temática do rock. AA — Exatamente, e no caso do rock, é essencial a leitura do aspecto geral, de espetáculo, comportamento, visualidade. Não é à toa que foi através do rock que surgiu o videoclipe. O rock tem essa modernidade, e uma soma de códigos, assim como o cinema, o vídeo, a arte ambiental, que são coisas do século XX. Eles colocam novamente os laços entre o olho, a boca, o nariz, os ouvidos. O intercódigo tem a ver com a simultaneidade do mundo moderno. E dentro disso o rock insere a crise da canção. A estrutura da canção foi fragmentada, colocada em questão por uma série de outros dados: então o canto se tornou mais falado, ou mais berrado, incorporou-se o ruído, a guitarra deixa de ser uma função só harmônica, teve o punk que colocou uma coisa mais suja na execução etc. Mas é possível fazer a viagem de volta. O LP Little Creatures, dos Talking Heads, é um disco de canções, mas eles aram por outra coisa antes. Acho bonito isso, essa retomada de uma estrutura, mas com os pés um pouco acima do chão. JB — O rock está mergulhado na modernidade ou apenas se beneficia de uma estrutura industrial e comercial que se adapta perfeitamente à sua linguagem? AA — Quando eu falo no rock como algo sintonizado com a modernidade, em termos de qualidade artística, renovação, eu penso num certo tipo de rock. No Brasil, talvez sejam poucas as bandas que fazem isso. Há uma coisa empastelada também, muita coisa de má qualidade é difundida dentro do que se chama de rock. Não acredito no rock como uma postura estética, mas acredito num tipo de tendência dentro disso. Claro que há uma utilização por parte da indústria cultural, mas a minha grande utopia é conseguir fazer um trabalho de comunicação de massa e ao mesmo tempo com dados de novidade estética. Não sei se vão concordar comigo, mas acho que o trabalho dos Titãs tem dados de qualidade artística que extrapolam gosto comum e não simplesmente reiterativos. JB — Você acha que o rock Brasil pode ser considerado um movimento? AA — Não, e fico muito cabreiro com isso. Acho uma impossibilidade histórica haver hoje em dia um movimento como a Bossa Nova, a Jovem Guarda, a Tropicália. O que se evidencia quando você pensa em rock nacional são as diferenças: tem Legião, Paralamas, Titãs, Herva Doce, Mercenárias, Ratos de Porão... A única coisa que essas bandas têm em comum é o fato de serem chamadas de rock. Só isso. JB — Uma crítica muito comum ao rock daqui é dizer que ele é uma forma importada que não deixa espaço para a verdadeira música brasileira. AA — Pode-se até reclamar que há muita coisa de má qualidade, mas dizer que o rock não deixa espaço é bobagem. O espaço tem muito a ver também 170

com o vigor do que está sendo feito. Não é uma coisa totalmente manipulada pela indústria. Ainda acredito que o vigor da criação artística, mais cedo ou mais tarde, consegue espaço no ouvido das pessoas. Se fosse assim, poderia se dizer que outras coisas também não deixaram espaço para o rock nos anos 70. E essa acusação de "imperialismo", de caras como João Nogueira, é uma besteira. O samba tem um pé na África como o rock também tem. A única característica possível da cultura brasileira é ser realmente miscigenada: tem português, índio, negro, italiano, japonês. Devemos estar mais sintonizados com as antenas do que com as raízes. Os defensores do folclore pensam num registro de país que é meio fascista. É como a briga entre a Antropofagia, que dizia que se tem que deglutir universalmente as coisas, e o Movimento Verde Amarelo, que pensava mais patrioticamente, e cujo resquício hoje é uma xenofobia nacionalista, o que o Oswald de Andrade chamava de "macumba para turista". JB — Há outros clichês: o rock como uma coisa especificamente de classe média, um "modismo" e uma cópia do que se faz lá fora, sem a mesma qualidade musical. Como você reage a isso? AA — Se só a classe média fosse o nosso público, a gente estava ferrado. Nos shows em ginásios pra 5 mil pessoas no interior e no subúrbio, você vê que o rock tem um apoio popular incrível. As pessoas, principalmente as mais pobres, têm necessidade dessa vitalidade que o rock inseriu na música brasileira. E em termos de produção você tem as bandas de periferia, os punks, que são pessoas pobres e fazem um som talvez mais radical que muitos que são chamados de classe média. Quanto ao modismo, também é uma coisa estúpida, o rock nessa nova fase é difundido desde 82, e um modismo não dura tanto tempo. Hoje, existe uma cultura rock se formando no Brasil, e considerar como modismo uma modalidade histórica como o rock é uma estupidez, porque existe toda uma tradição e é uma cultura mundial. Pessoas no Japão fazem rock, na URSS também, e no Brasil há uma tradição dos anos 60 e 70. Já havia uma juventude voltada para o rock. A questão da má qualidade e da cópia cai naquele erro de generalizar o que se chama de rock. O bom rock que se faz aqui é inevitavelmente diferente do que se faz em outras partes do mundo, justamente pelo fato da gente viver no Brasil, escutar outras coisas, o jeito de tocar, etc. Claro que existem muitas bandas que copiam descaradamente o que se faz lá fora. Mas em termos de técnica de gravação, acho que só agora está se aprendendo a gravar rock no Brasil. E é algo que não acontece com o samba. Por que não se grava samba com um bom som? Fica tudo meio chapado nos discos, não é aquela coisa potente que o samba tem. JB — Isso talvez tenha a ver com a paternalismo dos "defensores do samba", avessos a qualquer inovação. O samba, ao contrário do "reggae" ou dos ritmos africanos, é provavelmente a única música negra que não se projetou internacionalmente. AA — Pois é, existe um interesse mundial em torno do samba, mas geralmente é voltado pra uma coisa mais folclórica, como aqueles shows com mulatas. Essa folclorização é muito nefasta ao próprio samba enquanto vigor de 171

linguagem artística. JB — Você colocou o rock como uma cultura mundial. E o pensamento da crise, da decadência de valores da civilização, está em alta atualmente. O rock seria a expressão dessa crise? AA — O punk, de certa forma, tem um pouco de retrato dessa crise de valores, essa coisa sem saída. Mas acho perigoso generalizar, não só em relação ao rock como também em relação a uma crise mundial. Ao mesmo tempo em que existe um pensamento que se volta para a decadência, existe outro como o de Buckminster Fuller (pensador americano, criador da geodésica) que acredita na positividade de uma cultura global. John Cage também fala muito nisso, de você pensar muito mais universalmente do que em registros medianos como país, estado, cultura regional. O aumento do número de serviços globais estaria associado a isso, e também ao fato das pessoas se voltarem para sua individualidade, sua particularidade dentro do mundo. No Brasil eu sinto muito isso, por causa da origem da cultura da gente e também por uma falta de possibilidade de patriotismo. Não sou brasileiro nem estrangeiro, acho que grande parte da juventude tem esse sentimento. Existe um descrédito em relação aos valores da pátria, uma ridicularização desse universo. JB — Você lançou este ano seu segundo livro de poemas, "Psia". Como você coloca seu trabalho dentro da poesia brasileira? AA — Eu me interesso pelo Modernismo de 22, especialmente Oswald, por João Cabral de Mello Neto, que nos anos 40 foi o mais representativo, como Guimarães Rosa foi para a prosa. E o concretismo, que considero uma das coisas mais vigorosas que aconteceram neste século na Literatura brasileira. Abriu perspectivas que não se tinha até então, foi responsável por uma série de coisas de importância inegável, como a visualidade, o pensamento menos discursivo, menos verborrágico, a busca do sintético, da materialização da palavra enquanto tal. Bebi de outras fontes também, li muita poesia beat. Tem caras que fazem hoje uma produção interessante retomando o verso que ou pelo não-verso da poesia concreta, como Paulo Leminski e Régis Bonvicino. Meu livro tem isso, uma sintonia com diversas coisas, mas sem se filiar a nenhum movimento. A cultura convive hoje com diferenças, a novidade aponta pra muitos lados. Não acredito numa crença estética dirigida ao futuro num sentido unívoco. JB — Seu trabalho como letrista retoma algumas discussões literárias. Uma letra como "O que", feita com módulos recorrentes, foi acusada de não ter nenhuma referencialidade. Agora você compôs "Comida" ("a gente não quer só comida/ a gente quer comida diversão e arte/(...)/ a gente quer saída para qualquer parte") que desmonta o discurso populista tanto na literatura como na política. AA — Essa música, "Comida", é contra esse tipo de pensamento que vê de uma maneira muito simplista as necessidades humanas, ignora uma complexidade que o ser humano tem e aprimorou no decorrer do tempo através da cultura. A importância das coisas não pode ser dada, mas tem de vir 172

das pessoas. Esse pensamento populista e ignorante foi a grande marcada da revolução comunista, que no início pensava todos os aspectos do homem. Pensava-se numa nova linguagem, no cinema tinha o Eisenstein, o DzigaVertov, na poesia e nas artes visuais o futurismo, um pensamento muito esperançoso naquela nova ordem social associada a uma nova estética. Uma nova maneira de raciocinar a sensibilidade do homem moderno, que foi massacrada justamente por esse pensamento mais retrógrado que estaria ligado ao stalinismo, que quer limitar o ser humano a um indivíduo que apenas trabalha e come, "um cadáver que procria", como diria o Fernando Pessoa. JB — Que formas de intervenção política são privilegiadas pela nova geração? AA — Há uma atuação ideológica dentro do rock que se faz. Os Titãs fazem isso, só que não é uma coisa partidária e nunca procurou ser, não é uma coisa que utilize o discurso do poder. É feita no plano micropolítico, individual. Nada a ver com o que o populismo usava muito: "se o sistema é opressor vamos fazer uma arte oprimida, um país pobre tem que ter uma cultura pobre". Quando a gente diz "Polícia para quem precisa de polícia", é um berro de potência que se sobrepõe à própria instituição. JB — E como resolver a junção entre a micro e a macropolítica? AA — O papel da arte está voltado mais para a mudança de comportamento. Não que não tenha um pensamento voltado para a macropolítica, pois ela interfere na vida das pessoas. Mas o artista não pode esperar que o partido faça a revolução e institua-se no poder: ele tem urgência.

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2- “TUDOS” PARA QUEM PRECISA DE POESIA Entrevista por Mario Cesar Carvalho Folha de São Paulo: 15/06/1990 Tudo é muito pouco. Daí “Tudos”, o segundo livro de poemas de Arnaldo Antunes, 29, cantor e compositor dos Titãs. No livro ele mostra um tipo de criação pouco conhecido dos 1,2 milhão que já compraram um disco dos Titãs. São poemas em versos livres, metrificados, gráficos, caligramas — enfim, tudo o que ele chama de “Tudos”. O livro é uma espécie de artesanato high-tech de Arnaldo: foi totalmente feito num microcomputador, com letras distorcidas, desenhadas a mão, voando pela página, etc. Anteontem, Arnaldo falou à Folha sobre as diferenças entre seu trabalho como compositor e poeta, sobre concretismo e sobre a ideia de criar subtraindo. Folha — No momento da criação você sabe se aquela produção vai virar poema ou letra de música? Arnaldo Antunes — No momento da criação a coisa já costuma vir no código dela; linguagem verbal para ser cantada ou linguagem verbal para ser lida no papel. Mas isso vem mudando um pouco. Eu venho exercitando as pontes impossíveis entre um código e outro. Folha — Que tipo de exercício? Arnaldo — A questão é como pegar um poema típico de papel e musicar ele. Ou dar uma versão gráfica para uma coisa que você sabe que é para ser cantada. Nesse livro tem umas sete ou oito coisas que se tornaram letras de música. Nenhuma delas foi gravada pelos Titãs. Folha — Quais poemas? Arnaldo — O poema dos nomes dos bichos, o das estrelas. Estrelas foi feita como letra de canção, fiz em parceria com o Britto [Sérgio Britto, dos Titãs], a música é dele. O trânsito entre poesia e música interessa ao meu processo de criação. Estou vendo as coisas um pouco mais ligadas, mas continuo acreditando que são códigos diferentes. Só que eu estou mais seduzido por estabelecer essas pontes. Folha — Você pode dar um exemplo? Arnaldo — Esse poema, por exemplo [abre o livro numa página com três letras “A”, um “B” e um “C”]: ACABA, ABC. Ele só acontece na versão gráfica, não tem como musicar uma coisa dessas. Agora, a questão de como musicar um poema como esse tem se colocado para mim. Folha —O trabalho gráfico em seus poemas tem a intenção de virar arte visual?

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Arnaldo — Acho que não. O intuito em tudo que há de gráfico é essencialmente poético. Ele pinta sempre como entonação do verbal. Sempre acreditei na possibilidade do trabalho gráfico como um trabalho de entonação. Você pode falar uma palavra entusiasticamente ou tristemente, por exemplo. Esse tom, que acontece na fala, no plano acústico, eu queria fazer no plano gráfico. Folha — Muita gente te associa aos concretistas pelo aspecto gráfico em teus poemas. Arnaldo — É claro que minha poesia bebeu dessa fonte. Agora, é claro que me interessam muitas outras coisas também. Folha — O que, por exemplo? Arnaldo — Poesia clássica, Hoelderlin, Fernando Pessoa, a tradição de letras da música popular brasileira, que é uma fonte riquíssima, de Noel, de Lupicínio, de Caetano, de Gil. Acho tola a maneira como as pessoas se referem à poesia concreta. É tão redutora e tão cheia de preconceito com o que eles fizeram. Mesmo a produção posterior de Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, conta com o know-how da época do projeto coletivo de vanguarda, mas não cabe mais essa coisa de movimento. O Haroldo fez Galáxias, que é um tanto barroco. O rigor dos concretos só instiga a criar. Meu livro contém uma sede de realizar diversas maneiras de fazer poesia. Tem uma diversidade muito grande, até o nome Tudos aponta para isso. Mas ao mesmo tempo tem uma unidade. É uma poesia em busca de um sotaque próprio. Tudos é um livro que realiza isso de uma maneira mais precisa do que Psia [seu primeiro livro de poemas]. Folha — Ao que parece, seu trabalho está ficando mais elíptico. Há poemas em que você subtrai letras. É uma ideia de criar pela subtração? Arnaldo — Isso vem de ir atrás da precisão, de trabalhar com a escassez. Nesse livro eu me arrisco a fazer poemas maiores, mantendo essa escassez. A subtração vem de querer dizer muito com pouco. Folha —Você diz num poema de Tudos que “nem todas as respostas cabem num adulto”. O que não cabe na poesia? Arnaldo — A questão não é de contorno. Uma mosca cabe na poesia, a democracia cabe na poesia. A questão não é o que você diz, mas como você diz. A princípio, eu sempre preferi a concretude. A palavra xícara é muito mais expressiva, poeticamente, do que a palavra amor, porque ela é mais precisa. Mas me interessa o desafio de usar a palavra amor, dando a ela, pelo contexto e pelo modo de usá-la, a concretude necessária para que ela se torne precisa poeticamente. O que cabe na poesia é a linguagem que sabe de si.

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3- UM SUJEITO TRIBAL NA MODERNA INVENÇÃO DOS CÓDIGOS Jornal Hoje em Dia, MG, 28/10/1990

Arnaldo Antunes tem 30 anos, é de virgem, ascendente em gêmeos e casado com Mariana Moreau, a Zaba. Tem uma filha, Rosa, e os dois estão grávidos de três meses de outro(a) filho(a). Tem o curso de Linguística na USP, incompleto por causa da sua profissão: músico profissional, um dos oito integrantes do grupo Titãs. Arguto, perspicaz, original. Misture-se a isso talento, franqueza e uma boa dose de cultura geral. Disso sai um retrato de Arnaldo Antunes, um desses mitos populares que a música consegue criar — com uma boa ajuda da mídia, é claro. Por onde a, é reconhecido. Com todos é cordial, atencioso e quase nunca rejeita um autógrafo, uma palavra. Na vida pessoal, é reservado. Dificilmente sai, ainda mais nesses dois anos e tanto que vive com Zaba. Rosa tem 2 anos e suga toda a atenção do tempo disponível. Arnaldo veio a Belo Horizonte recentemente para participar do “HOJE EM DIA — Sempre Um Papo” e lançar o seu terceiro livro de poemas, Tudos. No auditório lotado, o ecletismo era o registro. As cinco primeiras filas, é óbvio, foram ocupadas pelo fã-clube. As demais, impossível diagnosticar: jornalistas, gente de universidade, artistas plásticos, velhos hippies e novos yuppies e sabe-se lá mais o quê. Havia de “tudos”, na verdade. Encerrou-se a temporada de shows. O que você vai fazer daqui pra frente? A gente estava fazendo muito show. Nessa excursão do Õ Blésq Blom, a gente contabilizou uns 112. Chegamos a fazer três, quatro shows por semana. Depois de muito tempo, os Titãs finalmente conseguiram tirar férias de três meses, para voltar em janeiro e recomeçar os trabalhos de preparo e gravação do próximo LP. O que você pretende fazer nesse período? A minha intenção é ficar em casa, tocar violão, ler, aprender inglês, estou tendo aulas particulares todos os dias. Inglês é uma língua que eu sei mal e quero saber bem. Enfim, descansar. ar um mês numa fazenda fora de São Paulo, a partir de dezembro. Mas outubro e novembro, poder ficar em casa, com minha família, ler e fazer outras coisas que normalmente não tenho condições de fazer quando estou trabalhando. O que você pode antecipar do novo disco? A gente tem muitas composições já prontas, porque costumamos compor muito em excursão, dentro do hotel. Nós já temos bastante material e a gente 176

pretende compor nas férias, separadamente. Mas não posso adiantar nada, porque a seleção das músicas é definida pelos oito. A maioria dos grupos de rock tem um período de ascendência, apogeu e decadência. Não te preocupa isso nos Titãs? Isso é uma coisa um pouco redutora. Está certo que acontece com algumas bandas, mas cada uma tem seu caminho. Os Rolling Stones têm uma história cheia de ascendências, descendências, médias, e tem 25 anos de estrada. Eu prefiro ter como exemplo isso, mais do que outras bandas que acabaram. Em que estágio você colocaria os Titãs? A minha busca, expectativa em relação aos Titãs, é de ascendência contínua. A gente está aqui, vivendo, fazendo esse trabalho porque faz sentido, porque ele implica em crescimento. O ar da idade, o convívio, é um aprendizado que nos impele a melhorar sempre. Por que o Tudos? Porque sempre é pouco quando não é demais. Como você transa essa multidisciplinaridade? Você faz letra de música, é cantor, poeta, literato, foi convidado para fazer um vídeo… Eu me sinto muito à vontade dentro disso. Eu não sinto uma obrigatoriedade de trabalhar em apenas uma linguagem. Muito pelo contrário, acho que isso é uma coisa natural da minha ansiedade. O desejo de trabalhar com música, poesia, vídeo, artes visuais, objetos. Eu vejo tudo como invenções. Mas você se depara com a tradição de vários códigos. ocê tem que ter outra espécie de rigor para agir assim. De alguma forma, a modernidade aponta para desfazer o mito de que o olho está separado do ouvido, que está separado do tato, etc. Eu acho que os sentidos podem interagir muito mais. O que você pretende com a Literatura? Eu não sei medir ao certo, mas acho que estou inserindo algum nível de rigor, de estranhamento, de novidade. São ideais que busco, mas não sei até que ponto eles conseguem se realizar.

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4- AS PALAVRAS E AS COISAS DO TITÃ Entrevista por Helton Ribeiro O Globo, 22/11/1992 Arnaldo Antunes, vocalista dos Titãs, mantém uma intensa carreira paralela como poeta. Seu quarto livro, As Coisas (editora Iluminuras) será lançado no Rio no próximo dia 26, na livraria Timbre. Em entrevista ao Globo, o titã confessou, ligeiramente nervoso, que acha difícil falar com jornalistas. Mas analisou com desenvoltura suas obras, a relação entre música e poesia, a situação da Literatura no país e sua nova produção, um vídeo com poemas animados e musicados (“É um híbrido entre o clipe, o poema visual, a canção e a poesia falada”). Pai coruja, Arnaldo elogiou o trabalho da filha de quatro anos, Rosa, que ilustrou o livro, feito em família: a capa é de Antunes e sua mulher, Zaba Moreau, e o projeto gráfico e diagramação são do próprio autor. Parceria de for a, só a de outro titã, Nando Reis, no poema Perfil. Os que se escandalizaram com as letras fortes de Tudo ao Mesmo Tempo Agora, o último disco do grupo, não precisam temer As Coisas. Influenciado pelo convívio com a filha, Arnaldo desenvolveu uma abordagem propositalmente ingênua e maravilhada com os sentidos ocultos de pequenos objetos e fatos do cotidiano. Apesar da nova linha light, Arnaldo Antunes não se abstém de criticar os moralistas que, segundo ele, não conseguem compreender o significado da poesia titânica porque “sua visão se turva ao contato com as palavras mais cruas”. Interessado em desdobrar os caminhos abertos pelo concretismo, Antunes vem angariando prestígio entre os mestres do estilo. Junto aos irmãos Campos, ele participou em setembro e outubro de uma seleta mostra de poesia computadorizada na Alemanha, intitulada P0es1e. Os oito trabalhos, pomposamente apresentados no catálogo da exposição, podem ser vistos na mostra paralela do Rio Cine Festival. O Globo — Seu novo livro, As Coisas, se concentra mais na palavra do que Ou E, Psia e Tudos. Não há muitas experimentações formais ou gráficas. Você procurou estabelecer algum tipo de ruptura com seu trabalho anterior? Arnaldo Antunes — É um livro diferente dos outros, que, de certa forma, eram meio coletâneas da produção poética que eu vinha fazendo. As Coisas tem uma intenção a priori, foi feito a partir de um conceito anterior. Eu tive a ideia de escrever com esse tom bem primário, quase infantil, de raciocinar sobre os objetos — o mar, as cores, a montanha... Esse livro é um híbrido entre poesia e prosa. A intenção era fazer essas pequenas prosas, destituídas de narratividade. São quase reflexões, ou descrições de objetos do mundo. Mas, paralelamente ao livro, a poesia caminhou para um outro e, que é o vídeo. Eu venho fazendo, há um ano, um vídeo que é mais ou menos decorrência do que eu fazia com poesia visual impressa no papel, só que com inserção de movimento e som. A coisa mais experimental, nesse sentido da visualidade, caminhou para esse lado. Isso não quer dizer que esse livro seja destituído de todos os dados que eu prezo dentro da minha poética — a 178

clareza, a sinteticidade. Mesmo que pareçam mais tradicionais, estes poemas em prosa têm subversões sintáticas. Acho que dão uma continuidade ao que eu já vinha desenvolvendo. Essa abordagem de temas quase infantis tem a ver com a sua filha? Não acho que os temas são infantis. São temas do cotidiano. O que é infantil é a maneira de formular essas coisas, de criar analogias, especulações sobre as coisas. E não é um livro especificamente feito para o público infantil. Me agrada a ideia de que as crianças possam ler também, mas o que aconteceu é que eu me inspirei nessa maneira como as crianças formulam o pensamento, para elaborar uma poética. É mais um tom de discurso. Vai um pouco contra essa tendência mais surrealista, ou de Literatura fantástica. Por exemplo, você não precisa colocar um peixe de óculos, ou de gravata. Basta saber que ele respira embaixo d’água, e o fascínio que isso produz já é suficiente. É mais um fascínio pela manifestação natural das coisas. O fato de você não sair do chão pela força da gravidade, o fato da árvore ficar parada. Esse tipo de encantamento a pela ótica infantil. Agora, é claro, isso tudo dentro de uma elaboração formal. Não há coisas fortes, como as letras do último disco dos Titãs. É, são registros diferentes. Cada coisa corresponde a um projeto artístico diferente. Esse é um projeto meu, um disco dos Titãs é um projeto coletivo dos oito, então é claro que tem diferenças. Mas acontece de uma poesia virar letra de música? Claro, isso pode acontecer. O poema Agora, por exemplo, que publiquei em Tudos, depois se tornou uma letra dos Titãs. Existe uma proximidade grande, principalmente por esse lado da clareza, da concisão, da objetividade, que os dois prezam; o discurso dos Titãs e o meu discurso. Talvez os pontos em comum sejam mais fortes que as diferenças, apesar do peso das músicas e da leveza dos poemas. Como muitos outros poetas, você ainda usa recursos do concretismo. Fale sobre sua relação com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos. A gente tem uma herança muito forte da poesia concreta, uma das coisas mais importantes que aconteceram na poesia deste século. Pela conscientização da concretude do signo poético, pela inserção de visualidade na poesia, o uso de outros meios, a pulverização da sintaxe. Os poetas que fundaram o grupo Noigandres, Haroldo, Augusto e Décio, continuam produzindo com uma intensidade muito viva, fazendo coisas maravilhosas. Não como movimento, porque a fase de movimento coletivo corresponde ali aos anos 50, começo dos 60, uma época em que havia uma combatividade necessária. Depois, eles continuaram produzindo, sempre comprometidos com a invenção, com a novidade, mas cada um com um desdobramento mais pessoal. Tenho a felicidade de poder conviver não só com a poesia, mas também com as pessoas deles. Qualquer um que pense em produzir poesia tem que tomar 179

conhecimento do que eles fazem. Abriram sendas que ainda tem muito chão a ser desbravado. Essa questão da poesia visual, por exemplo, muitas pessoas dizem que chegou a um beco sem saída. Eu acho que não. São terrenos muito férteis, que ainda podem ser semeados. E um dos caminhos de continuidade do que eles já apontavam é o uso de outros meios — o vídeo, a holografia, o poema em laser (aliás, um projeto que a gente realizou aqui em São Paulo, uma mostra de poesia projetada nos prédios com raio laser). Mas fala-se em crise da Literatura brasileira. O próprio Décio Pignatari está escrevendo prosa. Você está vendo essa crise? Isso não é uma negação da poesia. Não é porque você está almoçando carne que não gosta mais de peixe. É possível desenvolver diferentes áreas, assim como eu faço música com os Titãs e faço esse livro. O Décio resolveu se dedicar a esse projeto de prosa que é até antigo, ele já tem um livro de contos — O Rosto da Memória — que é maravilhoso. Eu não li o Panteros ainda. Mas acho uma opção natural. Fale sobre suas influências na poesia e também na prosa. Você pretende escrever um romance? As Coisas já é um híbrido, são poemas em prosa. Mas a influência maior vem da poesia. Não é um livro que tenha o formato tradicional da prosa com um enredo, uma narrativa, como romance, novela ou conto. Minhas influências são muitas. Os poetas concretos são uma referência. No Brasil, eu apontaria, neste século, Oswald de Andrade e João Cabral de Melo Neto, que têm uma importância dentro dessa coisa bem objetiva, que chama pela concretude. Mesmo depois da poesia concreta teve muita coisa legal, como o Torquato Neto, o Waly Salomão, poetas que deram prosseguimento à poesia visual, como o Omar Khouri, Paulo Miranda e Walter Silveira. Dentro da poesia mais verbal, Paulo Leminski, Duda Machado, Sebastião Uchoa Leite. Tem muitos bons poetas produzindo atualmente. As Coisas tem um pouco de referência do Oswald do Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade, que também traz algo de infância. As Coisas, de certa forma, é o meu primeiro caderno. Tem esse lado da descoberta, do encantamento com as coisas. Eu teria que citar também toda a tradição de canção popular, desde o início do século até hoje, desde Lamartine, Noel, Lupicínio, Wilson Batista, Sinhô, Moreira da Silva, Paulinho da Viola, Caetano Veloso... Você não citou nenhum roqueiro. No rock brasileiro teve o Raul, os Mutantes, que foram bem importantes para mim. Dentro do que se produz atualmente não vejo coisas poeticamente tão interessantes. Gosto dos Paralamas, especialmente, é uma coisa que ressalto. Como você vê as letras do Legião Urbana, por exemplo, que, de modo geral são discursivas e vlongas, bem diferentes das letras dos Titãs?

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Não é uma poética com a qual eu, particularmente, me identifique. Acho que tem qualidade, mas não tenho tanta afinidade. É uma coisa mais prolixa, mais discursiva. Mas eles tem canções muito legais também. E suas influências estrangeiras? Aí vamos ter que pegar desde Homero, ando por Dante, Camões, Blake e toda a poesia clássica... Dentro da modernidade tem muita coisa, os beats, Cummings, Fernando Pessoa, muitos que foram fonte de inspiração para mim. O escritor francês George Perec também escreveu um livro chamado As Coisas, você conhece? Ah é? Não, eu sabia que tinha As Palavras e as Coisas do Foucault, que é um livro incrível, fiz um curso sobre ele. E tem Lição de Coisas, do Drummond, que também é um livro lindo. Mas não tive intenção de remeter o leitor a estes livros. Eu pensei nesse título e só depois me lembrei desses livros. Foi uma associação que veio posteriormente. Como foram feitas as ilustrações? Você já pegou os desenhos prontos de sua filha? Não, foram feitos especialmente para o livro. Todos têm uma relação com os textos. Eu não cheguei a ler todos os textos para ela. Alguns eu lia, mas outros eu só dizia: “olha, esse texto é sobre as cores, desenhe as cores”. De outros eu dava mais informações, explicava um pouco. E ela foi fazendo de uma maneira brilhante, com uma grande capacidade de abstração e de relação com os textos.

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5- NOME ENTRE PELOS OLHOS, BOCA E ORELHAS por Augusto Massi Caderno Mais!, Folha de São Paulo, 17/10/1993 O nome do homem é Arnaldo Antunes. O título do seu primeiro trabalho solo, desde que deixou os Titãs, não podia ser outro, Nome. É uma espécie de “abre cabeça” — entra pelos olhos, pela boca e pelas orelhas —, você pode ler o livro, ouvir o CD e assistir ao vídeo. Nesta entrevista à Folha Arnaldo fala sobre o seu processo de criação, suas obsessões e como vem conseguindo renovar a poesia de vanguarda sem perder os vínculos com a cultura pop. Obsessão A questão da nomeação é uma temática recorrente neste trabalho. Não se trata de um procedimento que eu desenvolva, no sentido de renomear as coisas. Como procedimento me identifico mais — é quase uma obsessão — com a necessidade de definir um objeto, cercar, precisar, ver sob vários ângulos. Eu tenho obsessão com a definição. Daí uma poética que procura eliminar qualquer subjetivismo ou obscurantismo. Há sempre a busca de uma objetividade extrema. Muitas vezes é esse excesso de definição que gera estranhamento. Citação Meu trabalho quase não tem esse impulso de citação ou referência direta a acontecimentos ou fatos. Eu não sei dizer que essa música foi feita por causa daquela história, ou daquela notícia de jornal que me motivou. Depois de feito eu até noto laços, ou evidências, mas são coisas que, na origem, não têm uma motivação específica. É sempre uma coisa que vem do nada e vai tomando forma. Rascunho O meu processo é mais de refazer do que fazer. É difícil sair alguma letra inteira de cara. Trabalho sempre por montagem. Rabisco, faço um pedaço, elimino, reimprimo, o a limpo. É tudo meio rascunho. Tudo que escrevo é matéria-prima para um trabalho de montagem e reelaboração. Materialidade Muita gente cria e elabora dentro do próprio pensamento, e aquilo já sai meio pronto. Eu tenho que ver as possibilidades materialmente. Escrevo tudo que me vem para depois extrair algo, preciso exteriorizar para depois escolher, eliminar. Não faço uma seleção definitiva durante o processo interior de feitura, trabalho com muitas versões, para poder manipular a linguagem. Tenho a necessidade do erro para acertar. A dança dos códigos Para

mim

esse

trabalho

juntou

caminhos

que

vinham

se

dando 182

separadamente. Eu percebi que esse projeto me permitia juntar as diversas esferas da minha criação. Eu pensava, “por que não? Por que não pode ser uma mesma coisa?” Eu nunca vi isso como um problema. Acho que é um sintoma da nossa época, a modernidade tende para isso. É até paradoxal: a mesma época que gerou a especialização cada vez maior na área da produção industrial, gerou, no campo das artes, essa interação entre os códigos. O computador é um exemplo disso; o que antes era dividido em áreas distintas da produção gráfica agora está reunido num mesmo instrumento. A inserção de movimento na palavra escrita, acho que faz com que ela tenda à música, não apenas porque ela a a ocorrer no tempo, mas também porque ela produz uma dança que, diante do olho que lê, gera novas significações. Meu barato foi esse. A canção A canção não é uma forma em crise. Ela ou a ser vista de uma forma mais abrangente. É preciso ter um olhar mais generoso. A interação dos códigos é uma das coisas que propicia a ampliação dessa visão. A distinção entre a canção e o acompanhamento está se desfazendo. O arranjo e a interpretação, por exemplo, cada vez mais am a fazer parte da composição. Por exemplo, o rap, que foi uma das coisas mais importantes que surgiram nos anos 80, não faz sentido algum sem o som. Ele depende muito do ritmo, do entrelaçamento da fala entoada com o som. Muitas canções atualmente são feitas em cima de um som que já está sendo tocado. O instrumental tecnológico mais moderno de estúdio — bateria eletrônica, computador, sampler — já sugere novos procedimentos para se tratar o canto ou a base rítmica. É mais sedutor encontrar um uso adequado de linguagem para esse arsenal tecnológico do que ignorá-lo.

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6- ARNALDO QUER ‘EMPURRAR’ OS LIMITES DO POP Entrevista por Mario Cesar Carvalho Folha de São Paulo, 17/09/1993 Arnaldo Antunes, 33, tem uma utopia. Quer alargar os limites do pop com seu primeiro trabalho for a dos Titãs, banda que ele integrou por dez anos (de 1982 a 1992). Nome é um pacote que chega segunda-feira às lojas. Tem disco com 27 faixas, vídeo com 30 clipes e livro com 128 páginas. Tudo começou com o vídeo, num trabalho que mistura computação gráfica, poesia concreta e videoarte, feito por Arnaldo, sua mulher Zaba Moreau, 30, Celia Catunda, 28 e Kiko Mistrorigo, 31. Do vídeo saiu o livro, assinado pelo quarteto, e o disco com uma constelação de participações: Marisa Monte, Arto Lindsay (produtor de O Estrangeiro, de Caetano Veloso), João Donato, Edgard Scandurra (guitarrista do Ira!), Paulo Tatit (ex-Rumo), Péricles Cavalcanti e Rodolfo Stroeter. Tudo tomou um ano e meio de trabalho e um custo que Arnaldo diz não saber calcular. Nome, o disco, não é um rompimento com o mercado pop. Mas tem mais afinidades com a música experimental que Caetano Veloso fazia em Araçá Azul (1973) e Walter Franco em Revolver (1975). “Minha utopia é fazer um produto de comunicação de massa pra ser veiculado em rádio, TV, mas que consiga empurrar o gosto do senso comum”, disse Arnaldo à Folha. Folha — Por que, afinal de contas, você deixou os Titãs? Arnaldo Antunes — Saí por incapacidade física, indisponibilidade de tempo para cumprir compromissos que eu tinha com os Titãs e realizar um trabalho que estava me seduzindo muito. Folha — Não havia incompatibilidade estética? Arnaldo — Não, não tem discordância, não queria que os Titãs fossem outra coisa, acho aquilo muito potente. O disco novo deles tem canções fabulosas. O que eu queria fazer é uma coisa que não cabe nos Titãs. Existia também um certo cansaço de trabalhar dentro de um consenso coletivo. É muito legal porque você sempre tem o parâmetro dos outros. Mas você tem que sacrificar muitas coisas, não é tudo que eu produzo que cabe lá. Folha — Não é megalomania lançar disco, livro e vídeo? Arnaldo — Não, não sei, talvez. Não faço psicanálise. A origem do disco e do livro é o vídeo, é o que centraliza a coisa. A trilha do vídeo foi tomando corpo e a gente viu que o disco poderia ter autonomia. E, desde o início, foi pensado que seria bacana assistir o vídeo tendo um material gráfico para manusear. O livro é como um encarte do vídeo. Tem textos que am muito rápido no vídeo e, no livro, você pode curtir aquilo com mais tempo. Se é megalomania eu não sei, faz parte da intenção do projeto, que intersecciona várias linguagens: é poesia mas não é só poesia, é música mas não é só música, é 184

videoarte, mas não é só videoarte. Folha — Você fez as animações em computador? Arnaldo — Fiz, com a Celia, o Kiko e a Zaba. Não tinha um processo único. Às vezes eu chegava só com o texto e alguém tinha uma ideia, que a gente desenvolvia. Teve um uso muito diverso de recursos. Tem uma coisa em computador que é meio glitter, meio muzak, que é o fetiche pelo efeito em si. Acho que o grande mérito desse trabalho é que a gente incorporou os efeitos na estrutura da linguagem poética. Muita gente fica só na superfície, porque a sedução pelos efeitos é muito grande. Folha — Você começou na banda de um artista plástico, a Banda Performática do Aguilar, onde música e artes plásticas dialogavam. Nome é uma volta? Arnaldo — Não vejo como uma volta, vejo como uma ida em direção ao futuro, A preocupação em cruzar os sentidos sempre existiu. Nunca fiz poesia, por exemplo, sem me preocupar com os recursos gráficos, com caligrafia, com cor, com o cruzamento de olho e ouvido. Folha — Não há um certo esnobismo em fazer um trabalho para o mercado pop que tem mais afinidades com poesia concreta e artes plásticas? Arnaldo — De maneira alguma. Acho que isso é preconceito. Ontem veio alguém me dizer que Nome “não é pop nem aqui nem na China”. Eu acho que é. Pode ser utópico, mas a minha utopia é fazer um produto de comunicação de massa, para ser veiculado em rádio, TV, mas que consiga empurrar o gosto do senso comum. Folha — Você acha que seu público de Titãs vai continuar te ouvindo? Arnaldo — A reação do público sempre foi imprevisível para mim. Eu me lembro do que um cara de rádio me falou quando saiu o Cabeça Dinossauro: “Eu achei que não ia tocar nada, aí saiu todo mundo tocando e tive que tocar”. Nome tem uma estranheza inicial, mas não vejo dificuldades tão grandes. É um trabalho pop, apesar da experimentação. Nunca me senti marginal. Quero que um clipe desses e no programa do Bolinha. Folha — Nome parece ter um parentesco com Araçá Azul, de Caetano e Revolver, de Walter Franco. O rock não te interessa mais? Arnaldo — Concordo que tenho uma dívida com os discos experimentais feitos no Brasil, principalmente esses dois. Eles apontaram para um terreno muito fértil e pouco explorado posteriormente. Mas o novo trabalho tangencia o rock, o samba, o reggae, a linguagem experimental. O rock é algo que continua me interessando. Só não me interessa, nesse momento, fazer rock da maneira tradicional: montar uma banda, gravar um disco de rock, etc. Não é isso que eu queria quando saí dos Titãs. 185

7- UM ELEFANTE SOLO INCOMODA MUITO MAIS Entrevista por Carlos Albuquerque e Paula Fernandes O Globo, Segundo Caderno, 17/05/1993 Arnaldo Antunes não quer só música. Arnaldo Antunes quer música, poesia e animação gráfica. Como na letra de Comida, ele quer diversão e arte. O primeiro disco sem os outros sete integrantes dos Titãs, que deve chegar às lojas no começo de agosto, produzido por Arnaldo, Paulo Tatit e Rodolfo Stroeter, vem embalado pelo rótulo de multimídia. — É um projeto chamado Nome, no qual venho trabalhando há mais de um ano, desde quando ainda estava nos Titãs, e inclui, além de um disco, um homevídeo e uma espécie de livro, que serve como elemento condutor de tudo isso, como um roteiro — diz ele ao Globo. Para dar corpo e alma às suas ideias, Arnaldo se juntou a um time de artistas gráficos (entre eles, sua própria esposa, Zaba Moreau), uma equipe de clipes (a Conspiração, de Arthur Fontes e o videomaker paulista Walter Silveira). Na parte musical, algumas presenças confirmadas: a cantora Marisa Monte e o guitarrista Arto Lindsay. O contrato firmado pelo ex-Titãs na sexta-feira ada com a BMG-Ariola — o primeiro sob a gestão do novo presidente da gravadora, Luís Oscar Niemeyer — prevê o lançamento de outros dois discos. O Globo — Por que você trocou de gravadora? Quando eu me separei dos Titãs, a Warner Music ficou com uma espécie de prioridade para me contratar como artista solo. Só que essa prioridade não foi exercida na prática. E outras gravadoras me sondaram, sendo que a proposta da BMG-Ariola foi a mais interessante. A presença do Luís Oscar Niemeyer, agora à frente da gravadora, pesou na sua decisão final? Com certeza. Eu já o conhecia por causa do Hollywood Rock, um evento que sempre funcionou na base de muito profissionalismo. Ele é uma pessoa recémchegada à indústria fonográfica, com novas ideias e sem velhos vícios. Definitivamente, a figura dele pesou muito na minha decisão. Você acha que, para fazer esse trabalho, era necessário o desligamento dos Titãs? Isso não poderia ser um projeto paralelo? Não acho que isso seria possível. Esse projeto já vem sendo feito há mais de um ano e, quando estava com os Titãs, me sentia com metade da cabeça no grupo e outra metade no trabalho solo. Chegou uma hora em que tive que optar por um deles.

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Como você pretende casar imagens e sons, unir vídeos e músicas sem cair na linguagem tradicional dos videoclipes? Através de um conceito pré-estabelecido. É a ideia da poesia visual dos meus livros migrando para um trabalho maior. Eu estou trabalhando com uma equipe bem entrosada na parte das imagens. Uns oitenta por cento será feito em animação gráfica, produzida por Kiko Mistrorigo, Célia Catunda, minha mulher Zaba e eu. O restante será registro de imagens, filmado pelo Arthur Fontes, da Conspiração, e pelo Walter Silveira. Mas nada impede que fragmentos desse trabalho se transformem em videoclipes. E a parte musical? Você vai formar uma banda ou trabalhar com músicos diferentes em cada faixa? Não vou formar uma banda. O disco deve ter entre 20 e 24 faixas e músicos convidados em algumas delas. Marisa Monte vai participar de quatro faixas. Arto Lindsay, de duas. Edgard Scandurra, do Ira!, vai estar em outras duas. Além deles, tenho trabalhado com um percussionista chamado Peter Price, que fez uma pesquisa de timbres conseguidos com instrumentos pouco convencionais, como latas, pia de alumínio, tanque de motocicleta. Ao que parece, você vai ter que usar um cinema para lançar esse disco, não? Exatamente. Nossa ideia é fazer o lançamento de Nome em um grande cinema de São Paulo, onde todas essas ideias possam ser colocadas em prática. Queremos que as pessoas, por exemplo, leiam um texto enquanto escutam outro. Ou que leiam dois textos ando na tela ao mesmo tempo. Seria um disco conceitual então? O conceito é a questão da palavra, usada de muitas formas. Você acha todo esse projeto comercialmente viável? Sem dúvida. Algumas faixas do disco terão o formato tradicional de canções para tocar no rádio.

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8- GARIMPO EM TERRENO HÍBRIDO / O LUXO DE SER EXPERIMENTAL Entrevista por Cláudia Nina Caderno Dois, Tribuna de Minas (MG), 23/11/93 Um contrabando entre palavras, sons e imagens. Uma ideia que cabe dentro de um Nome — título do primeiro trabalho solo do ex-Titãs, Arnaldo Antunes, que resolveu criar uma espécie de kit multimídia onde a dança dos códigos faz a festa da modernidade, libertando a poesia do papel e a música das partituras. Orgulhos dos grandes escritores que deflagraram o concretismo há quatro décadas, como Décio Pignatari, Arnaldo começou nos anos 70, vendendo suas poesias impressas em Xerox nos bares de São Paulo. Hoje, ele pode se dar ao luxo de ser experimental sem se afastar do público e conquistar leitores cativos no árido terreno da poesia. Com o lançamento de Nome, ele reafirma a tendência de garimpar em terreno híbrido, disposto a satisfazer sua “ansiedade criativa”, ao mesmo tempo em que leva às pessoas um pouco de sua “estranheza” original. Tribuna de Minas — Por que você resolveu partir para este projeto multimídia, com um CD e um vídeo acompanhado de um livro? Arnaldo Antunes — Eu quis juntar a poesia e a música, que já vinham caminhando separadamente na minha atividade criativa, trabalhando com uma intersecção de linguagens. O vídeo é uma espécie de prosseguimento do meu trabalho de poesia visual, agora com a inserção de movimento e com a ocorrência simultânea das canções. Daí o desejo de também lançar também um CD. TM — A receptividade, no geral, foi positiva, mas alguns críticos disseram não haver musicalidade. O que é musicalidade para você? AA — Qualquer coisa pode ser musical. Os ruídos na rua, as pessoas conversando, o mar. É um conceito que tem que ser visto de forma mais abrangente e generosa. Neste trabalho, há elementos próximos à linguagem tradicional da canção e outros que são experiências de estúdio mesmo, onde eu utilizo procedimentos menos convencionais. O uso de vozes simultâneas, a colagem de fragmentos, o canto berrado, falado, entoado. Acho que houve uma incompreensão, por parte de alguns setores da mídia, quanto à definição desse trabalho. Dizer que o disco não tem musicalidade é uma agressão feita não somente a mim, mas a todos os músicos que participaram do disco, como Marisa Monte, João Donato, Péricles Cavalcanti... TM —Você acha que é possível fazer vanguarda sem se afastar do grande público? AA — Este é um disco para acontecer dentro do território da música pop, acredito que ele tem um poder de sedução. Mas eu não sei o alcance do meu trabalho. Só discordo deste conceito de que a novidade tenha que ser uma coisa feita para poucos e que a música feita para muitos deva ser redundante e 188

reiterativa. Talvez seja utópico o desejo de trabalhar para os veículos de comunicação de massa, dentro da tradição da música popular brasileira, e ao mesmo tempo inserir uns corpos estranhos, mas este é o meu barato. TM — Então você reconhece haver algumas doses de estranheza neste projeto? AA — Meu esforço é na direção de dissolver os compartimentos entre poesia e música. Dissolver as fronteiras de linguagem no terreno da criação artística. Eu não me sinto especializado em nada. Quero mais é fazer o contrabando entre uma coisa e outra. TM — O poeta Ferreira Gullar criticou seu estilo, acusando a ausência de poesia. O que é poesia para você? AA — Poesia é um trabalho material com a linguagem. Você deve carregar ao máximo a linguagem de sentidos, tem que ser claro, dizer muito com poucas palavras, mesmo que faça um poema longo. Penso a poesia como um trabalho de linguagem, pois não é com sentimentos nobres que você vai fazer um poema, mas sim com palavras. É por isso que a poesia emociona.

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9- ARNALDO ANTUNES PÕE AS COISAS EM FOCO Entrevista por Eduardo Sterzi Zero Hora, Porto Alegre, 03/07/1995 Arnaldo Antunes, 35 anos, ficou famoso como vocalista dos Titãs. Compôs, só ou em parceria com seus companheiros de banda, canções como Televisão, O Quê, Comida e Miséria. Depois de sete discos, deixou a banda em 1992 para se dedicar à carreira solo. O primeiro fruto foi o pacote de CD, vídeo e livro Nome, lançado em 1993. Semana ada, Arnaldo Antunes trouxe a Porto Alegre o show montado com as músicas de seu segundo disco, Ninguém. Nesta entrevista ele deixa a música um pouco de lado para falar de sua atividade menos conhecida — mais que um compositor, ele é um poeta que também faz música. Além do pacote Nome, lançou os livros Ou/E, Psia, Tudos e As Coisas. Zero Hora — Existe diferença entre escrever poesia para música ou para livro? Antunes — No Nome, meu interesse em relação à poesia, principalmente em relação à poesia visual, se agregou às ansiedades artísticas ligadas à música. Esses dois códigos foram se unir num terceiro que é o vídeo, com a inserção de movimento na palavra escrita, com a ocorrência simultânea do som, com o uso da cor. Há momentos como esse, em que dá pra juntar tudo numa mesma ocorrência, mas são coisas que normalmente se dão separadas. Em geral, a minha poesia não é destituída de preocupações com a forma gráfica com que é impressa. Pelo contrário, ela está sempre associada a essa preocupação, à escolha da tipologia, à disposição na página. E, no caso da música, o trabalho de canção é semelhante — trabalhar com a palavra cantada é trabalhar com os aspectos musicais que cercam a palavra. Os dois envolvem o trabalho com o verbal e, por isso, existe trânsito de uma área para a outra. ZH — Em sua poesia, você trabalha frequentemente com o que se pode chamar de “definições”. De onde nasce esse interesse em trabalhar num nível elementar da relação entre a linguagem e as coisas? Antunes — Em alguns poemas há uma obsessão com a definição. Definição nos dois sentidos: no de explicitar o que é uma coisa, mas também no de focar a coisa. A utopia seria o foco absoluto, que é impossível. Sempre há um olhar pessoal sobre as coisas. A busca por essa clareza me leva a procedimentos de colagem, ou de construção por mosaico. Ao querer definir uma coisa, você a olha de muitos lados diferentes. Como escrevi num poema musicado pelo Gilberto Gil, “as coisas têm peso, massa, volume, função, aparência…” Essa ausência de paz nas coisas é a nossa obsessão em definir. ZH — Você procura uma desautomatização do uso da linguagem, uma desautomatização da percepção? Antunes — Sim, mas muitas vezes, como num poema publicado inicialmente em Tudos e depois musicado para o Nome (Nome Não), acaba sendo apenas a revelação de uma realidade evidente, quase infantil, mas que ninguém está 190

vendo. É como revelar algo que está aí, na cara de todos, mas que é um olhar novo ao mesmo tempo. A fuga do senso comum não se dá pela via da complexidade, mas pela via do desvelamento de uma coisa que é, na verdade, óbvia. É um pouquinho o que o Caetano fala na música Um Índio: Aquilo que se “revelará ao povos não por ser exótico, mas pelo fato de ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio”. ZH — Como você situa sua obra na poesia brasileira? Muitos o identificam como um poeta concreto. Antunes — Tenho influência da poesia concreta, assim como tenho de outros poetas, como João Cabral, como o próprio Augusto dos Anjos, de quem musiquei e gravei nesse novo disco, Budismo Moderno. Há também a tradição das letras da música popular brasileira, uma das mais sofisticadas. Tem Lupicínio, Noel, Lamartine, Caetano, Gil, Chico… Eu me insiro numa tradição de poesia que se preocupa com a coisa construtiva, com a materialidade gráfica, com a materialidade da linguagem em si. Uma poesia que tem um compromisso de produzir informação original, não apenas redundar fórmulas já estabelecidas. Mas isso de chamar a minha poesia de concreta tem a ver com uma compreensão superficial da própria poesia concreta, pela qual tenho grande iração. ZH — Alguns críticos acusam a poesia que trabalha com elementos visuais de simplismo. A mesma crítica é feita à preocupação obsessiva com a materialidade da linguagem. Você acha que isso é um preconceito, uma incompreensão? Antunes — Toda poesia que se considere enquanto tal trabalha com a linguagem material. O poético não é a expressão de sentimentos, mas a sensibilização da linguagem. Isso desde Homero. É claro que a poesia concreta radicalizou essa atitude, levando a caminhos de síntese extrema, à fragmentação da sintaxe e à reavaliação do próprio produto gráfico. Poesia, para mim, é o momento em que a linguagem não está mais dizendo alguma coisa, mas está sendo aquilo que diz. ZH — Você é um dos pioneiros no uso dos meios eletrônicos em poesia. Os novos meios vão mudar não apenas a forma de veiculação da poesia, mas também a própria criação? Antunes — Acho que sim. A partir do momento em que você se depara com um novo repertório de recursos e a a utilizá-los, a própria criação se altera. O que mais me seduz no computador não é a maior velocidade ou facilidade que você tem para resolver as questões práticas que você poderia fazer sem o computador. A grande sedução, para mim é a possibilidade de criar de outras maneiras, motivado pelo uso de novos recursos. ZH — O que você está lendo atualmente? Antunes — A última leitura que eu fiz foi o livro do Bellotto (Tono Bellotto, guitarrista dos Titãs), Bellini e a Esfinge, um romance policial muito divertido. 191

Trouxe, para ler na viagem, os originais do novo livro do Antonio Risério, chamado Oriki Orixá. Ainda não foi publicado. São traduções de orikis, poemas em yorubá. Na área de poesia, li também recentemente Lírica e Lugar Comum, do Francisco Achcar, sobre a poética de Horácio e os seus ecos até a atualidade. ZH — E o que você tem ouvido? Antunes — Destaco duas coisas: o CD do Péricles Cavalcanti, Sobre as Ondas, e o do Augusto de Campos com o Cid Campos, Poesia é Risco.

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10- 'NÃO QUERO VIRAR CULT', DIZ ARNALDO Entrevista por Marcos Augusto Gonçalves Folha de S. Paulo, ILUSTRADA, 10/12/1996 De uma hora para outra, ao deixar os Titãs para iniciar uma carreira solo, Arnaldo Antunes ganhou fama de ''experimental'' e ''difícil''. Um pouco pelo projeto ''Nome'', seu primeiro trabalho solo, que colocava em jogo linguagens e repertórios diferentes, um pouco pela sua atuação propriamente poética, em diálogo com nomes como Augusto de Campos, Arnaldo ou a ser visto com desconfiança. Tornou-se, no jargão boboca, muito ''cabeça'' para ser pop e muito pop para merecer a aprovação mais culta. Na entrevista que se segue, ele reage às críticas: ''Meu trabalho é pop'', diz. Arnaldo afirma que não quer ser ''cult'' e diz encarar como ''um fracasso o fato de seu primeiro trabalho, “Nome”, não ter sido executado em rádios. Folha - Quando o Renato Russo morreu, a Folha fez uma caderno especial usando a expressão ''o último poeta pop'' da década de 80. ''Mas e o Arnaldo?'', perguntei. ''O Arnaldo é mais literário, mais experimental, não é exatamente pop'', foi a resposta. O que você acha disso? Arnaldo - Eu vejo meu trabalho absolutamente dentro do que a gente chama de cultura pop. Não caminho muito fora disso, seja com os Titãs, seja depois dos Titãs. Eu sempre trabalhei dentro desse universo e acho que um pouco do preconceito e da dificuldade em relação ao meu trabalho vem do projeto de conjugar várias linguagens dentro de um mesmo conceito artístico. Eu realizei esse projeto em ''Nome'', juntando poesia, música e vídeo. Foi um projeto específico, mas ainda assim sempre considerei um trabalho que não fugia ao pop. O vídeo ''Nome'' é como se fosse meu ''Yellow Submarine'' — uma coisa para ar na televisão, como ou na MTV. Folha - Por que então o meio da música pop reagiu? Arnaldo - A reação, em parte, veio de uma mentalidade de especialização: ou você é poeta ou é músico ou faz vídeo. As pessoas ficam com um pé atrás quando o registro de atuação não está bem definido. Veio em parte, também, pela natureza do trabalho, que tinha, entre outras coisas, uma certa violentação da estrutura da canção. Ainda assim, sempre achei que Nome poderia ter tocado nas rádios, como espero que aconteça com O Silêncio, que é uma continuação do meu trabalho musical. Folha - Você acha que o experimental tornou-se uma idéia estranha à cultura pop, apesar de exemplos como Beatles e ''Araçá Azul'', de Caetano Veloso? Arnaldo - Eu não concordo com essa demarcação entre experimental e pop. Estou muito mais interessado em confundir esse tipo de limite do que em atuar 193

em registros muito específicos. Meu trabalho é para as pessoas curtirem. Eu faço shows e o público gosta, ninguém fica preocupado com isso. Claro que eu lido com redundância e informação nova, em graus diferentes. Mas eu nunca quis ser ''cult'', ser um compositor para poucos. Para mim não é um consolo achar que toquei pouco no rádio porque meu trabalho é ''difícil'', ''especial''. O fato de Nome não ter tocado nas rádios para mim foi um fracasso. Eu quero tocar nas rádios. Folha - Por que você toca pouco nas rádios? Arnaldo - Estou recomeçando uma carreira. É natural que a coisa vá devagarzinho. Eu me lembro do começo dos Titãs. Era isso que acontecia. Muita ralação... Mas acho que existe também um desejo de punição do público dos Titãs em relação a mim. Sou visto um pouco como um ''traidor'', o cara que estragou a festa, que estourou a bola da criança, ao sair de uma banda que estava dando certo. Folha - Quando você trabalhava com os Titãs nunca houve essa idéia de um compositor ''difícil''. A crítica também tem problemas com a sua saída? Arnaldo - Eu tenho muito orgulho dos Titãs e há muitas semelhanças entre o que faço hoje e aquilo que fazia na época. Há diferenças, mas também há continuidade. Esse rótulo de ''difícil'' é uma forçação de barra, é ional. É uma explicação fácil para justificar minha saída: ''Ele agora não faz mais música pop, não faz rock, faz poesia...". Mas, à medida que os Titãs continuam e meu trabalho vai se reafirmando a cada disco, as coisas tendem a se apaziguar no coração das pessoas. Folha - De qualquer forma, parece estranho que surja esse tipo de problema num país onde poetas, como Vinicius de Morais, por exemplo, dedicaram-se à canção, e onde um movimento como o tropicalismo recorreu a repertórios mais elevados e a experiências de vanguarda... Arnaldo - Eu também acho estranho. Eu me situo na tradição da música popular brasileira, que é muito sofisticada, muito rara no mundo, com uma poesia cantada de ótima qualidade. Eu acho o que eu faço muito natural. Folha - O Brasil sempre foi muito livre em relação ao trânsito entre um repertório e outro, do culto para o popular ou para a cultura média. Essa idéia de compartimentos estanques é mais européia e norte-americana. Estaria havendo uma americanização da cultura do país, no sentido do ''multiculturalismo'' e da separação de áreas de especialização? Arnaldo - Eu sinto que a grande contribuição original do Brasil para o mundo está ligada a isso. Como digo numa canção do meu disco, ''somos o que somos, inclassificáveis''. Não há só uma miscigenação racial no Brasil, há também miscigenação estética. A cultura brasileira tem essa característica desde suas origens. Na música pop, por exemplo, os americanos são muito mais divididos: ou você faz jazz ou blues ou rock. Tem que ter um nome e ser 194

identificável. Esse esquema aplicado ao Brasil é empobrecedor. E está acontecendo, por exemplo, nas rádios, que agora são só de reggae ou só de rock ou só de axé ou pagode. Há um desejo de setorizar. Mas isso não acontece no lado da criação: como você vai classificar o Carlinhos Brown ou o Chico Science? Folha - '' O Silêncio'', seu disco novo, é encarado como ''mais fácil'', mais musical. Mas parece haver uma continuidade em relação aos anteriores, embora haja mais definição. Arnaldo - A convivência com a banda, que está comigo desde a excursão do Nome vai possibilitando a definição maior de um sotaque, de uma identidade musical. Isso está mais evidente nesse disco do que no próprio Ninguém, que foi o disco anterior. Os shows também têm ido muito bem. É a coisa que eu mais gosto de fazer. Eu faço discos só para poder fazer shows. No Rio foi num lugar pequeno, mas o resultado foi muito legal, com participação da Marisa Monte e do Chico Science. Foi bom também em Curitiba e em São Paulo. Eu agora pretendo rodar o Brasil todo.

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11- TRÊS PERGUNTAS DE MARISA MONTE PARA ARNALDO ANTUNES O GLOBO, junho de 1997 Marisa - Sobre o que você tem pensado e conversado atualmente? Arnaldo - A vida das formigas. A ideia de tempo negativo. O sabor da gelatina. A necessidade de caminhar diariamente. Como está o Zaire. Como anda Cuba. Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. A positividade da convivência com a diferença. Vozes simultâneas. Não parar de crescer. Alguma coisa boa para a tosse que fica depois que a gente sara de uma gripe. O Bavaghad Gita na tradução do Rogério Duarte. A trilha que fiz para uma peça de teatro que está sendo montada em Barcelona. Um escritor moçambicano chamado Mia Couto. Um poeta brasileiro chamado Ernani Rosas. O jeito como o Brás (meu filho que está completando 4 meses) está aprendendo a pegar nas coisas. A música da minha urina contra o alumínio do mictório. O que fazer com os restos. Um som, um cheiro, uma cor. O trabalho do Nuno Ramos. Letra para as músicas que você me mandou. O sol com o frio. Marisa - Sei que você está escrevendo um novo livro. É um livro de poesia? Qual o assunto do livro? Arnaldo - É um novo livro de poemas. Vai se chamar "Dois ou mais corpos no mesmo espaço". Está praticamente pronto. Deu muito trabalho porque eu fiz toda a parte gráfica aqui em casa, no computador, e pintam muitas dúvidas, qual tipo usar, como dispor na página, etc. Agora estou resolvendo a capa. Deve sair lá por agosto/setembro, pela Editora Perspectiva. Qual o assunto? Todos, ou nenhum, não sei. Tem muitos poemas falando do sol e da (falta de) memória. Mas os "o quês" não são o mais importante, e sim os "comos"... Marisa - Você destacaria alguma tendência interessante na música dos mais jovens? Arnaldo - Eu gosto da ideia de não haver uma única tendência mas novidades diversas apontando pra muitos lados. Gostei muito do disco novo do Planet Hemp. Gosto do Rappa. Adoro uma banda de rap chamada Pavilhão 9, é a melhor coisa que ouvi de rap brasileiro. O disco "Benzina" do Edgard Scandurra é bom pacas; o jeito original como ele mistura as linguagens do rock e do tecno. Achei uma maravilha a voz da Virginia Rodrigues e os arranjos do disco também; é realmente uma boa nova surpresa. Gosto do Chico César. Acho que a mídia tinha que prestar no mínimo o dobro da atenção que tem prestado no trabalho do Péricles Cavalcanti. E tem você (já te falei do Barulhinho Bom, né? O ao vivo é uma delícia, a qualidade das gravações é surpreendente. Agora o de estúdio eu acho um acontecimento. A ousadia dos arranjos, o repertório afiadíssimo, a concepção toda do som; um arraso), a Cássia, o Brown, o pessoal lá de Recife (Nação Zumbi, Mundo Livre, Mestre Ambrósio, Cascabulho) e etc. etc. etc., que afinal somos todos bem jovens jovens jovens.

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12- ARNALDO ANTUNES por Fabrício Marques jornal O TEMPO, BH, 1997 O título do livro, "2 ou + corpos no mesmo espaço", a meu ver, sintetiza uma das características de parte de sua poesia. Trata-se de um pensamento poético regido mais pela similaridade (ou seja, a justaposição de elementos similares) do que pela contiguidade. Você concorda? Pode comentar esse fato? R: Sim, sua afirmação é correta. Minha poesia em geral tende mais à construção por similaridade. Ou talvez ela apenas demonstre isso um pouco mais ostensivamente, uma vez que considero essa forma de associação uma característica comum à toda poesia. Daí viria seu caráter icônico que a diferenciaria da prosa, por exemplo, mais regida pela contiguidade. A leitura do título como uma referência a esse caráter pode ser feita, apesar de serem possíveis outras aplicações/interpretações da frase. Na verdade esse título surgiu inspirado num procedimento que veio se tornando comum a vários poemas do livro, que é a possibilidade de mais de um signo ocupar o mesmo espaço sintático. Em inúmeros poemas isso ocorre com fragmentos de palavras que resultam em outras. Poemas como "sem com", "luna", "da sua memória", "taovez", "idade", entre outros, utilizam efeitos semelhantes de fusão de palavras. Às vezes essa ideia se manifesta como tema, como em "uma cena" (pág. 78): "água e cachoeira,/ponte e madeira./só uma cena". Outras vezes ela se explicita através de um recurso gráfico, como no poema-título, em "ávida", ou em "espelho". No CD, esse conceito se confirma enquanto procedimento, com o uso, na maioria das peças, de vários canais de vozes simultâneas. "2 ou +..." nos chega em livro e CD. Haroldo de Campos te apresenta, na contracapa, como um artista multimediático e intersemiótico". O CD verte 13 dos 55 poemas escritos para o registro falado. Pode falar desse processo de seleção? R: Foram escolhidos poemas em que vislumbrei uma possibilidade de leitura que acrescentasse alguma criação sobre o material impresso. Não era meu interesse apenas dizer, ou declamar os poemas, mas sim criar pequenas peças sonoras a partir deles. Escolhi aqueles que renderam mais, nesse sentido. Creio que algumas peças do CD são esclarecedoras em relação às versões gráficas correspondentes. Em outras, a leitura chega a turvar o texto, voluntariamente. Há uma certa independência das peças sonoras em relação aos poemas impressos. Acho interessante a possibilidade das pessoas compararem as duas versões. "o amor", "gera", "o seu olhar" e não há sol" foram desentranhadas de letras de música. Para você, elas não se sustentariam como poemas se publicadas na íntegra? R: Talvez se sustentassem, mas não na forma como se inserem no contexto do livro, na ordem, no conceito gráfico, etc. Ao mesmo tempo, os fragmentos de 197

letras escolhidos resultam em poemas que considero inteiros; autônomos. A palavra escrita constitui um código muito diferente da palavra cantada, o que justifica, em parte, sua reformatação. Uma correção: A letra de "gera" está publicada na íntegra, não é um fragmento. Em "Psia" e "Tudos", havia mais poemas apoiados na caligrafia (mesmo que via computador). Neste, agora, só o "apenas" (pág. 83). Você continua fazendo experiências manuescriturais? R: Há também o da página 53; "exclamação", que inclusive havia sido publicado anteriormente na revista de poesia visual Arteria 5 (Nomuque Edições, SP, 1991), e que dialoga com a interrogação que abre meu livro "Tudos". Realmente são só esses dois. Isso é casual. Sinto-me à vontade para trabalhar com os diversos meios e recursos gráficos, privilegiando alguns em determinados momentos. Na verdade, meu primeiro livro, "OU E" (edição do autor, SP, 1983), foi todo produzido com manuscritura. Depois desse livro, e de uma exposição que realizei nas época com Go ("Caligrafias", Galeria Cultura, São Paulo, 1982), continuei realizando trabalhos caligráficos, mas em menor quantidade. Talvez isso se deva um pouco a um interesse crescente em outros meios, como por exemplo os programas de desenho, de distorção de tipos e de edição de imagem no computador. No caso desse livro há também recursos inéditos, que não haviam sido usados nos outros, como por exemplo as fotos das instalações-murais com cartazes colados/rasgados em várias camadas sobrepostas, que têm uma ação manual muito presente. De qualquer forma a caligrafia é uma pequena paixão que não será abandonada inteiramente (você pode notar que no vídeo "Nome" ela está bem presente), pelo menos por enquanto. O meio e o uso de diferentes técnicas (livro, CD, vídeo, hologramas, serigrafias) parecem ocupar uma posição importante em seus poemas. Que es ainda não usados "servem para poesia"? R: Qualquer um que possa produzir significação. Claro que a poesia que se ocupar de um meio novo não deve se estruturar da mesma maneira como a que se lê na página de um livro. Ela deve se adequar às possibilidades do meio. Pessoalmente, tenho desejo de algum dia vir a explorar as potencialidades interativas do CD-ROM em alguma criação, mas ainda não há nenhum plano concreto. Você disse, em artigo do ano ado, que "as sugestões de sentido que as diferentes entonações de voz despertam num discurso obtêm equivalência nos tremores e movimentos da mão que traça o papel". O CD acoplado ao livro poderia ser visto um pouco como a confirmação dessa frase? R: No caso comparativo entre as versões gráficas e sonoras de meus poemas, creio que não há verdadeiramente uma equivalência, mas uma disparidade. Cada linguagem acrescenta uma informação nova, que se relaciona com a outra versão mas também rompe com algo dela. Trata-se mais de um diálogo

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inter-códigos, onde um (sonorização) pode acrescentar ao (artefinalização gráfica) novas informações a partir de algo comum.

outro

O que significa fazer poesia no fim do século XX? R: Não creio que possa resumir isso como uma generalidade, uma vez que são muitas as formas de se fazer poesia, e cada criador deve procurar os seus próprios recursos dentro do tempo em que vivemos. Agrada-me pensar que há uma enorme diversidade, e que cada vez mais somos levados a conviver e aprender com as diferenças. É comum, no meio musical, que um outro artista regrave, recuperando, às vezes de modo criativo, a composição de um outro. É o que você mesmo fez, por exemplo, com "Judiaria", de Lupicínio Rodrigues. Você acha possível que uma operação similar pudesse ser feita com um poema alheio? Por exemplo, um poema de Carlos Drummond recriado por Arnaldo Antunes (sem que isso redundasse em mera paráfrase)? R: De uma certa forma isso ocorre nas traduções de uma língua para outra, ou de um código para outro (como por exemplo na versão visual que Julio Plaza fez para o hai kai de Bashô; ou como as "intraduções" de Augusto de Campos, cujas versões gráficas chegam a reinterpretar os poemas traduzidos). Há também a possibilidade de se realizar leituras musicais, videográficas, etc. É claro que essas intervenções devem ter o cuidado de respeitar os princípios construtivos dos poemas, mas muitas vezes a melhor forma de ser fiel a uma criação alheia é recriá-la com recursos estéticos próprios. Esse diálogo com a tradição gera muitas vezes um terreno fértil para a criação poética. Nesse livro há pelo menos dois trabalhos que realizam uma forma de releitura gráficopoética: "gertrudiana", que transforma um verso de Gertrude Stein e "sois/sóis", inspirado numa frase de Aleister Crowley. Você também musicou um poema de Augusto dos Anjos, "Budismo Moderno". Como surgiu a ideia? R: Minha iração pela poesia de Augusto dos Anjos e uma paixão especial por esse poema, me levaram a musicá-lo. Essa canção é na verdade bem antiga (acho que de 80 ou 81), mas só no CD "Ninguém", de 95, tive o desejo e a oportunidade de gravá-la.

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13- ENTREVISTA ARNALDO ANTUNES por Heitor Ferraz Revista CULT, novembro de 1997 CULT: Pensando numa das leituras possíveis do título de seu novo livro, 2 ou + corpos no mesmo espaço, você acha que sua poética hoje é marcada pela simultaneidade de sons, imagens, palavras? Arnaldo Antunes: O título reflete um pouco isso, apesar de permitir várias interpretações. Pode parecer uma lei de física, afirmando uma impossibilidade, e isso é uma coisa que me agrada muito, essa potência do espaço artístico viabilizar uma coisa impossível. Ele também pode ser interpretado como uma relação amorosa, uma cópula sexual, onde dois corpos se fundem. Mas a origem da expressão "2 ou + corpos no mesmo espaço" veio de um procedimento formal, que foi se tornando recorrente em minha poesia: o fato de mais de um vocábulo ocupar o mesmo espaço sintático. Por exemplo, o poema “solto” permite mais de uma leitura, pode-se ler "solto do solo" ou "sol todo solo". O mesmo acontece em "meu nome", com "não me coa" e "não ecoa". Isso aparece em muitos poemas. No terreno gráfico isso acontece mais explicitamente, como nos poemas "agouro" e "espelho". CULT Como esse procedimento surgiu dentro do seu trabalho? A.A. Apareceu a partir de cortes de palavras. Um corte numa palavra faz aparecer uma outra parte dela, que já é uma outra palavra, como nos exemplos de que falei. A partir desse procedimento, veio a ideia do título do livro. Ele contém a ideia do ideograma, em que as partes formam uma terceira coisa, só que elas se preservam enquanto informação autônoma. Os radicais tem a informação deles, mas juntos formam um novo sentido. Então, você não tem uma soma, como na dialética, em que você perde as partes para ter uma síntese. No raciocínio icônico e poético, você tem uma preservação das partes e ao mesmo tempo a combinação delas. E assim cria-se essa multiplicidade que se abre para várias interpretações. CULT Isso também pode ser notado de alguma forma dentro da sua temática? A.A. Eu tenho muito um procedimento que já aponta para um duplo, ou seja, falar da coisa pela sua própria ausência. Por exemplo, fazer um poema para a lua nova que está lá e você não vê. Meus discos também tem um pouco isso. Em Ninguém, falo da perda da identidade. Já em Silêncio, da ausência do som. Isso tem um pouco a ver com a coisa taoísta de você chamar a atenção para o vazio e não apenas para a matéria. Se você pensar no ato de andar, é necessário o chão e o pé. Mas é claro que é necessário também o espaço entre o chão e o pé, senão o movimento não acontece. Então, estou sempre chamando a atenção para esses vazios. CULT Como você vê a produção poética brasileira contemporânea? A.A. Vejo um estado de diversidade muito grande. Não vejo a necessidade de um movimento estético. Acho interessante esse estado de coisas com o qual a 200

gente convive cotidianamente, um estado pluralista, diverso, no qual a novidade pode despontar de muitos lados e acaba-se criando um repertório mais solto. Meu livro, por exemplo, inclui poemas absolutamente verbais e outros visuais, outros caligráficos; além do CD, que é a sonorização disso. CULT Falando sobre seu livro, como você o concebeu? A.A. Às vezes, eu penso que aquilo parece uma revista. Sempre gostei muito desse tipo de linguagem. Lia as revistas de poesia dos anos 70 e 80, como Navilouca, Artéria, Código, Qorpo Estranho, Muda, Zero à Esquerda. Para mim, elas criaram uma certa estética, uma tradição gráfica, de objeto gráfico, que me agrada muito. Quando eu concebo um livro, sou muito influenciado por essa linguagem, que foi para mim uma coisa muito forte. Atualmente, sinto uma carência de publicações como essas. Eu mesmo cheguei a editar algumas revistas, como o Almanak 80, a Kataloki e a Atlas. CULT Como foi a experiência de editar essas revistas? A.A. Sempre gostei muito de gráfica. Quando editei as primeiras revistas, ainda não tinha a produção gráfica no computador. Então, era aquela coisa de ir ao fotolito fazer o PMT, o paste-up. O meu primeiro livro, Ou E, teve uma tiragem reduzida de 500 exemplares, era uma edição de autor. Fiz todo o acabamento manualmente. O livro todo caligráfico, um pouquinho baseado na idéia da entonação gráfica. Assim como a gente tem os recursos entoativos da fala, eu queria fazer um correspondente daquilo para a escrita manual. Então, todos os poemas eram caligrafados e eu usava muitas dobras, tipos de papéis, cores, formatos etc. Ele foi o resultado dessa paixão pela coisa gráfica. CULT Essa curtição pelo lado gráfico é patente ainda hoje, já que normalmente nos seus livros você bola tanto a capa quanto o projeto gráfico. Como se dá esse trabalho? A.A. Na verdade, é um trabalho demorado e solitário, porque eu fico muito indeciso em relação à arte-finalização. Alguns poemas já vem em função de um recurso gráfico, como "espelho". Ele surgiu com uma idéia de sobreposição das palavras "escrevo" e "esqueço". Agora, tem poemas nos quais a idéia gráfica vem depois. E eu preciso experimentar várias soluções para escolher uma. Às vezes chego a fazer 20, 30 artes-finais diferentes para um poema. Venho trabalhando e pensando nesse livro há uns dois anos. Agora, é claro que tem uma série de poemas que são anteriores a esses dois anos. Chega uma hora em que você percebe que os poemas que você está fazendo constituem um corpo. Daí você a a trabalhar em função desse corpo e a a criar já pensando no livro. CULT No seu caso, como os poemas surgem? A.A. Eu nunca penso sobre o assunto antes. Ele sempre vêm com algum jogo formal já determinado. Eu nunca falo "vou fazer um poema sobre esse tema ou preciso escrever um poema sobre isso". Esse exercício voluntário, do assunto vir primeiro, não existe muito. As coisas vêm juntas. E muito raramente um 201

poema vem instantaneamente. Sempre o que escrevo é matéria-prima para um trabalho de montagem e de eliminação. Acho que eu trabalho mais por subtração do que por adição. Faço e depois elimino muita coisa. Normalmente, eu trabalho com muitos rascunhos. Gosto de trabalhar no computador e no papel, escrever à mão, corrigir no computador, imprimir e de novo corrigir à mão. No meu caso, tenho uma necessidade de ver materialmente o poema. Não fico trabalhando mentalmente e depois a coisa vem pronta. Eu preciso efetivar todas as alternativas que me vêm à cabeça, para ir vendo e escolhendo. É um trabalho material mesmo. CULT O processo é diferente no caso de escrever uma letra de música? A.A. Muitas vezes, quando é para ser cantado, sei que é para ser cantado logo ao fazê-lo. Quando é para ter algum recurso visual, aquilo já vem um pouco impregnado de um pensamento gráfico. Porém, tem coisas que eu fiz só para serem lidas, mas acabei musicando depois. Como também tem letras de canções que viraram poemas autônomos, como alguns desse livro. Retirei um fragmento de uma letra de música e deu o poema "o seu olhar". Essas coisas acontecem pois também aí há essa intersecção entre terrenos que lidam com a palavra. Existe um diálogo entre as atividades . CULT Para você, existe distinção entre o poema e a letra de música? A.A. Para mim, a letra de música é indissociável da melodia. Canção é canção. Agora, há um preconceito muito comum, de desvalorização da letra da canção. Muitas vezes, uma letra de música pode ter uma sofisticação construtiva mais interessante do que um poema escrito. Não é o registro cantado ou escrito que vai dar essa qualificação de valor. Muitas vezes uma letra de música pode se sustentar como um poema escrito. E um poema maravilhoso musicado inadequadamente vai resultar numa canção fraca. Para mim, é claro que se tratam de códigos diferentes, apesar de a música popular brasileira, em geral, ter uma sofisticação textual. Qualquer pensamento sobre o corpo poético brasileiro tem que incluir a tradição da canção popular. Isso para mim é inegável. Mas é um registro específico, não dá para dizer que é a mesma coisa que o poema. CULT Alguns de seus trabalhos me remetem aos poemas de Edgard Braga. Você o conheceu? Como foi esse contato? A.A. Eu o conheci pessoalmente já no final de sua vida. Ele chegou a fazer uma apresentação para uma exposição de caligrafias que fiz com a Go, com quem eu era casado, em 1981. A gente pediu para ele escrever um texto para o convite e ele acabou fazendo um trabalho caligráfico, uma apresentação em manuscritura. Ele tinha um trabalho maravilhoso, e muito importante por ter sido um precursor, aqui no Brasil, do uso da manuscritura. Tivemos dadaístas, futuristas, vários exemplos disso. Mas no Brasil isso foi radicalmente assumido pela figura do Braga. Eu fui muito influenciado por ele, assim como o Walter Silveira. Ele foi um pioneiro da caligrafia, numa época em que as pessoas trabalhavam mais com tipos, como no contexto da poesia concreta. E além

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disso era uma figura maravilhosa, muito doce, lúcida, contava histórias do convívio dele com o Oswald de Andrade, de quem foi amigo. CULT Como foi a concepção da leitura do CD que esta incluído no seu livro? Você criou uma espécie de partitura da leitura para cada um dos poemas? A.A. Na verdade, foi uma construção muito prática. Eu ia fazendo e editando no computador. Gravava e experimentava várias soluções. Mais ou menos como faço minhas artes-finais. Eu gravei várias alternativas, montei e editei. Teve várias coisas que fiz mas o resultado não me agradou e acabei não incluindo. CULT É um trabalho de laboratório? A.A. É bem assim. Eu queria desde o começo que fossem peças que tivessem apenas a voz como matéria-prima. CULT Você nota alguma diferença desse livro em relação aos anteriores? A.A. Algumas diferenças. É claro que tem alguma continuidade do que eu sempre prezei, como a busca da precisão, da síntese e de trabalhar com a materialidade gráfica. Mas acho que ele leva ao extremo esse procedimento, de que falei antes, de usar mais de um vocábulo no mesmo espaço sintático, realçando isso com as quebras de versos, com os cortes no meio de uma palavra indicando que aquela parte da palavra é também uma outra, autônoma. Esse é um procedimento que eu já havia usado antes, mas que agora se tornou mais constante. Fora isso, tem alguns novos recursos gráficos como, por exemplo, os murais de cartazes colados e rasgados. Esse trabalho eu fiz inicialmente para a exposição Arte Cidade (em 1994). Nele, a ordem do poema fica toda fragmentada, você pode ler aquelas palavras de várias maneiras. Além disso, enquanto estou fazendo esses murais, eu me sinto como se estivesse fazendo uma pintura. Eu que tenho de colar e rasgar, um trabalho que acaba tendo um sentido visual e tátil muito intenso. Esse procedimento, por exemplo, não existia nos outros livros. A seqüência final do livro, com os poemas "volve" e "agouro" também é nova pra mim, apesar de lembrar um pouco algumas coisas que eu fiz no video Nome, ou seja, poemas que, olhando seqüencialmente, são quase cinematográficos. CULT Alguns temas são freqüentes em seus livros, como o silêncio e o vazio. Por quê? A.A. John Cage dizia que todo silêncio é grávido de som. Claro que quem trabalha com música ou quem fala qualquer discurso não está trabalhando só com as palavras em si ou com os sons, mas está trabalhando com elas e com o silêncio que as reveste. Você tem gradações de sons e silêncios; nos intervalos entre as palavras, surge o silêncio. É uma idéia muito presente no que faço, por ser como uma matéria-prima para mim. O silêncio é matériaprima, assim como o espaço vazio é matéria-prima para você poder movimentar uma roda, ou poder andar. O espaço vazio é muito interessante quando se pensa na visão, porque se você tiver uma coisa encostada no olho, 203

você não vê nada. Você só vê alguma coisa porque existe um espaço vazio entre ela e o seu olho. Todo movimento se faz no vazio e toda fala se faz no silêncio.

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14- DANÇA, A ÚLTIMA FRONTEIRA DE ARNALDO ANTUNES por Wilson Bueno Caderno 2 — O Estado de São Paulo, 26/07/1999 Arnaldo, para início, fale de seu trabalho para o próximo espetáculo do grupo Corpo. Rodrigo Pederneiras que coreografa? Como se chama o espetáculo? Quando estreia? Como está sendo para você esta experiência? R: Foi a primeira vez que trabalhei fazendo algo especificamente para dança. Apesar de várias músicas minhas já terem sido usadas em coreografias, como por exemplo a que foi feita pelo grupo Quasar, encima das gravações do "Nome" (meu primeiro CD solo), no espetáculo "Versus". Nesse sentido teve esse sabor de experiência inédita, de estar compondo com um intuito diferente, pois há a consciência de que aquilo vai dialogar com uma outra linguagem depois. Foi também um convite muito sedutor, por se tratar do Corpo, cujo trabalho eu iro já há algum tempo. A trilha acabou se tornando uma grande peça, de 42 minutos. Vai ser coreografada pelo Rodrigo e o espetáculo deve estrear no começo do ano que vem. Eu acabei tomando o nome do grupo ("Corpo") como tema para o que há de texto e como inspiração para os ritmos e timbres utilizados. Ainda não tem um nome. Isso será decidido mais adiante. O que é ser um "multimídia"? E de onde você detecta este gosto plural pelos vários "meios" com que podemos fazer poesia? R: Eu não sei se essa é a melhor expressão para designar a forma como eu trabalho. O fato é que eu nunca me senti muito identificado com a ideia de especialização. Talvez por uma questão de temperamento, talvez por uma inquietação ligada às diversas alternativas (tecnológicas, artísticas, comportamentais) que o mundo moderno nos oferece. Ou talvez mesmo pela maneira como essas alternativas reverberam numa cultura de formação híbrida como a nossa. O eixo do meu trabalho é a palavra; mas a palavra quase sempre misturada a outros códigos (gráficos, musicais, videográficos, plásticos, performáticos, etc.). Esse desejo de transitar entre linguagens diferentes também é para mim um reflexo da dissolução de outros limites (entre gêneros, credos, classes, repertórios, etc.). O concretismo. Daria para falar num pós-concretismo? Se existe, em sua opinião, de que natureza a sua prática? R: A poesia concreta, e também a produção individual dos poetas concretos, posterior à fase do movimento coletivo, compõem uma referência que já se incorporou à cultura; precursora de muitos procedimentos que hoje são correntes na poesia, na prosa, na televisão, no vídeo, nas artes gráficas, na publicidade, na música popular. Mas isso não significa que hoje se possa pensar nos termos de um movimento, como naquela época. Ela integra o meu repertório de influências, ao lado da Antropofagia de Oswald de Andrade; da segunda geração de modernistas, com Drummond, Manuel Bandeira, João Cabral; do Tropicalismo; do Cinema Novo; do neo-concretismo de Hélio Oiticica 205

e Lygia Clark nas artes plásticas; etc... Agora, eu não vejo nem condições históricas, nem necessidades práticas, nem contexto cultural para que ocorram movimentos artísticos hoje em dia. As novidades atualmente parecem se dar em muitas direções diferentes. Os projetos estão mais individualizados. A diversidade se instituiu como uma realidade cultural com a qual convivemos diariamente. De certa forma, esse estado de coisas me parece mais saudável do que a necessidade de um projeto coletivo que aponte o futuro numa única direção. Você, se não estou enganado, fez um trabalho com Augusto de Campos. A quantas anda? Prossegue? R: Trabalhei com o Augusto na produção de algumas "iluminações computadorizadas" (como ele próprio nomeou) para o livro "Rimbaud Livre", da coleção Signos, Ed. Perspectiva, SP, 1993. Eram variações gráficas de sobreposições de imagens, que exploramos juntos no computador, a partir de ideias que ele trazia. Tenho a maior iração pela obra e amizade pela pessoa do Augusto, por isso foi uma honra, além de um prazer enorme realizar esse trabalho junto com ele. Depois disso, nos apresentamos algumas vezes em um espetáculo chamado "Ouver", que unia vídeo, música e poesia, do qual participaram também Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Walter Silveira, Cid Campos, Livio Tragtemberg e Alberto Marsicano, entre outros. Mais recentemente, participei do CD "Ouvindo Oswald", roteirizado por ele, com a participação de vários poetas dizendo poemas de Oswald de Andrade, além de gravações do próprio Oswald. Esse CD foi lançado no mês ado pela Funarte. Fora isso, continuo acompanhando com muito gosto tudo o que ele produz. A poesia brasileira vive um bom momento? Há quem diga que há muito tempo não se registrava tamanha efervescência... Você não acha que os poetas brasileiros, da nova geração, estão muito parecidos entre si? R: Eu acho que as coisas boas, as coisas que me interessam, as coisas em que a qualidade salta de alguma forma, são imensamente diferentes entre si. Como eu disse antes, acho que vivemos uma época de diversidade e de projetos mais individualizados. Se há alguma uniformidade, ela se dá na sombra de uma produção mais fraca. Hoje em dia se publica muita poesia. Imprimir um livro, assim como fabricar um CD, ficou mais barato, mais ível. Principalmente com a atuação dos computadores tanto na produção gráfica, como nas gravações de estúdio, os meios de produção aram a estar muito mais próximos de quem realmente cria. Isso, é claro, tem um lado muito positivo. Agora, entre a proliferação de muita informação, há que se criar parâmetros para avaliar qualidade artística na nova produção que está pintando. As formas fixas. O exercício das formas fixas. A retomada do soneto, por exemplo, por alguns poetas. O que você acha disso? R: Eu acho que vale tudo. Qualquer forma pode continuar sendo utilizada criativamente. Não creio no esgotamento de uma estrutura, pois a maneira 206

como ela for usada sempre poderá recarregá-la de significados. As novas formas, os novos meios e repertórios apresentam alternativas que se somam às já existentes; não que necessariamente as substituam. Eu me sinto inteiramente livre para escrever poemas rimados ou não, metrificados ou não, longos ou curtos, verbais ou visuais, com a tinta no papel ou com o mouse na tela, ou ainda com o raio laser desenhando num prédio. Quem escreve hoje conta com um repertório de formas muito maior, dentro do qual se mover. Agora tem que ter a consciência de que cada forma envolve sensibilidades e condições técnicas diferentes. Além disso, cada escolha implica num padrão de exigência, que a tradição de seu uso carrega. No caso do soneto, especificamente, ele se tornou uma espécie de bode expiatório do academicismo, contra o qual a modernidade se voltou. Mesmo assim, vejo hoje em dia bons poetas como Antonio Cícero e Nelson Ascher, por exemplo, se aventurarem a usar esse formato. Ele também serviu, crítica e ironicamente, de inspiração conceitual para poemas visuais como o "soneto", de Paulo Miranda, publicado na revista Arteria — um ready-made composto com fita métrica. Ou como os do "livro de sonetos", de Avelino de Araujo. Ainda ontem li a respeito do lançamento de um novo livro do Glauco Matoso, "Centopeia — Sonetos Nojentos e Quejandos", composto de 100 sonetos, e fiquei muito interessado. A visualidade do poema, sua concreção. De onde este gosto plástico, digamos assim, pelas palavras? "Palavra lê", Arnaldo? R: O uso de recursos visuais incorporados à poesia vêm, para mim, de uma necessidade de dar ao verbal outras camadas de significação. A forma de inscrição das palavras altera tons de discurso, injeta novas informações, ressemantiza o discurso. Não funcionam apenas como adorno ou ilustração, mas como parte estrutural do poema. Em muitos casos, os recursos visuais estão de tal forma incorporados à mensagem poética, que ela não existiria sem eles. O poema então não é mais um objeto de palavras e sim algo que se dá nesse território mestiço entre os dois códigos. Você parece reinventar o haicai, sobretudo, em "sol feliz — / e não sou. / A chuva cai — / como uma luva". É isso mesmo? Ou você só quis ser simples? R: As duas coisas. Há a influência dessas formas mínimas orientais, pelo que elas têm de sintéticas, concisas, condensadas (qualidades que eu prezo e que norteiam grande parte do que produzo). Ao mesmo tempo há a busca de simplicidade. Sempre preferi as formas mais coloquiais às mais solenes; as mais diretas às mais metafóricas; as mais objetivas às mais obscuras. Às vezes eu acho que tudo que eu quero é fazer algo com a simplicidade direta de um "eu e você / você e eu / juntinhos", do Tim Maia. Por falar em hai cai, há uma "notação" quase infantil em muitos de seus poemas. Percebo isso em alguns poemas de "Tudos". O próprio "Agora que agora é nunca", ou mesmo o poema-diálogo de "A noite: Vocês são meus" flagram, parece, esta inocência da palavra-gênese, da "infância" da palavra por assim dizer... Também nas adivinhas de "Psia". Fale um pouco disso. 207

R: A convivência com as crianças traz muitas revelações, que se assemelham às da criação artística. Pelo olhar inusitado, pelas associações imprevistas, pelo constante estranhamento do mundo, pelas constatações de coisas óbvias que geralmente ariam despercebidas. Especialmente no livro "As Coisas", eu procurei forjar uma poética inspirada na forma como as crianças formulam ideias e as expressam. Onde a obviedade alcançasse a face do estranhamento. Agora, toda poesia reata laços entre forma e sentido, que subvertem o conceito de arbitrariedade dos signos (Saussure), criando relações motivadas. Isso me faz pensar numa idade original, como você disse bem, "palavra-gênese". Numa infância da linguagem, onde forma e conteúdo não houvessem se separado. Onde os signos ainda carregassem marcas das referências que os originaram. Essa utopia se realiza um pouco em cada novo poema. Num país que vende pouquíssima poesia, como você vê as sucessivas reedições de seus livros? Você, me parece, apesar das experimentações e do radicalismo, muitas vezes, de sua fatura poética, tem leitores-depoesia, ao contrário da maioria dos poetas que, penso, são lidos só por poetas... R: No meu caso, acho que o espaço conquistado na área da música popular, que tem uma penetração muito maior, acaba revertendo num interesse sobre a minha produção poética, nos livros. Mas poesia, especificamente, tem um público pequeno. Acho que é assim não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo. No entanto ela segue sendo produzida, geração após geração, e contaminando o discurso das outras áreas que dependem da linguagem. Como você concilia a vida de pop-star com a de um jovem poeta brasileiro cujo veículo é o livro — produto tão desprezado no Brasil? R: Cada coisa tem o seu registro específico. Para mim é natural estar atuando nas duas áreas, uma vez que as minhas ansiedades criativas me levam a isso. Há coisas que não se expressariam de outra forma que não fosse a da canção, e vice-versa para o poema impresso. Ao mesmo tempo, me interessa criar pontes entre esses dois universos, levar informações de um para o outro. Dar um pique de palco à página e um acabamento gráfico ao show. Diga rápido — qual a diferença entre um show de rock e uma noite de autógrafos? R: O Arnaldo é um em uma situação e outro muito diverso na outra. Sem estar representando nada em nenhuma das duas. Da jovem poesia brasileira quem, em sua opinião, está chegando com tudo? R: Tem muita coisa diferente, como eu disse antes. Na praia da poesia visual, que trabalha com outros códigos, há o Walter Silveira, a Lenora de Barros, o Julio Mendonça, o Omar Khouri, o Paulo Miranda, o André Vallias, entre outros. 208

Na poesia mais especificamente verbal há o Carlito Azevedo, o Duda Machado, a Mônica Costa, o Frederico Barbosa, o Carlos Ávila, entre outros. Entre as duas praias, há o João Bandeira, o Antonio Risério. Há a Josely Vianna Baptista, que transita entre a poesia e a prosa, fazendo uma obra com características barrocas, mas muito original ao mesmo tempo. Há os poetas que trabalham numa faixa mais voltada para o coloquial, influenciados pela poesia beat, como o Ademir Assumpção. Há os que associam essa coloquialidade a registros também formalmente mais cultos, como o Antonio Cícero e o Waly Salomão, que também atuam na área de canção popular. Há você com o seu "Mar Paraguayo"... Enfim, há muita gente produzindo coisas interessantes em várias praias. Você parece não gostar da qualificação "multimídia". Com que palavra então você definiria o teu fazer tão múltiplo, tão pluralizado? R: Acho que o termo "multimídia" não se adéqua tão bem pelo fato dele haver se tornado um jargão específico da área de informática, para se referir a determinadas configurações de hardware, assim como à linguagem desenvolvida nos CD-roms, ou em sites da internet. O que eu faço tangencia todo esse universo, mas não necessariamente se refere a ele. Ao mesmo tempo a mídia está sempre querendo uma palavra que traduza o meu trabalho, ao o em que eu estou sempre me negando em dar essa chave, pois qualquer rótulo já existente sempre me parece muito redutor e, por isso, desconfortável. Além disso, não vejo motivo para se traduzir aquilo em uma palavra. Em uma canção minha, gravada no CD "O Silêncio", que contou inclusive com uma participação especial de Chico Science dividindo os vocais comigo, eu digo: "Somos o que somos / Inclassificáveis". Essa (in)definição que, na música se refere à miscigenação racial, pode muito bem se aplicar à minha realidade estética. Escrever vale a pena? Ou cantar num estádio lotado é que é? R: Escrever para cantar num estádio lotado. Em pouco menos de 2 anos vimos surgir três importantes antologias de poetas brasileiros. Duas das quais você integra; a organizada por Régis Bonvicino e a da Heloísa Buarque de Hollanda, "Esses Poetas". E a do poeta paranaense Ricardo Corona — "Outras Praias / Other Shores". O que você acha dessa movimentação? Não seria prematuro antologizar poeta que ainda nem livro tem, muitas vezes? R: Não sei, acho que ter ou não ter livro publicado não define muito as coisas, uma vez que hoje em dia muita gente publica seus livros, sem que isso seja garantia alguma de valor artístico. Eu acho bom que se façam antologias, pois é uma forma de divulgação conjunta, que funciona para despertar público para aquela realidade. Agora nenhuma antologia é definitiva. Cada uma dessas que você apontou apresenta um recorte, um conjunto de escolhas justificadas pelos critérios de quem organizou, que nunca são absolutos. Se até mesmo o Paideuma concebido por Pound tem os seus furos...Eu na verdade tenho saudades da linguagem das revistas de poesia dos anos 70 e 80 (Arteria, 209

Navilouca, Código, Muda, Poesia em Greve, Pólem, Caspa, Zero à Esquerda, Bric a Brac, Kataloki, Atlas), que funcionavam da mesma forma, sem as pretensões que as antologias em geral carregam. "As Coisas". Sobretudo neste livro, o poema se quer estória / texto em toda a página. Arnaldo, para encerrar — as coisas não têm paz? R: Ou não lhes damos?

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15- ENTREVISTA COM ARNALDO ANTUNES Por Paulo Marchetti publicada no site TantoFaz.net no primeiro semestre de 2000. Você está indo para Europa? Vou fazer um show no Porto, em Portugal; um show em Cartagena, na Espanha, e um show em Lisboa. Por enquanto o que está confirmado é isso, mas vamos tentar aproveitar que estaremos lá para fazer mais coisas. Tem um empresário de lá que está nos ajudando. Na verdade serão duas viagens, porque estaremos gravando o disco novo. A partir da segunda quinzena de junho eu entrarei em estúdio. Então eu tenho um show em Porto, no final de junho. A gente faz esse show, volta para cá, continua a gravar o disco e depois, no final de julho, tem Cartagena e Lisboa. De onde surgiu esse interesse? Fomos procurados por dois organizadores… Na verdade são dois festivais. Esse ano tem muita comemoração de 500 anos do Brasil lá em Portugal também, então tem alguns festivais que eles estão levando coisas do Brasil, principalmente na área da música. Nós já vínhamos mandando material para fora, mas foi só agora que surgiu essa oportunidade, com exceção do ano ado, que tocamos em Buenos Aires, mas na Europa, será a primeira vez. Mas tem algum disco seu lançado por lá? Um som foi lançado na França e está saindo agora em Portugal, em consequência dos shows que faremos. Seu primeiro disco é bastante experimental. A maioria das músicas são assinadas sem parceria. Foi uma opção? Eu sempre compus muito, então esse negócio de eu algumas músicas sozinho é normal… Mas os outros três discos tem muita parceria… Tem mais parceria que o Nome, mas é porque ele é um trabalho muito autoral mesmo. Na verdade começa por ele ser bastante singular dentro do que eu fazia na área de música, por ser um trabalho relacionado com outras linguagens. Era um projeto grande que envolvia não só a feitura do disco, mas também a feitura de um vídeo com animação em computador e tinha um livro que acompanhava esse vídeo. Era um trabalho que envolvia um híbrido de música com poesia, com linguagem gráfica, com imagem em movimento. Tem uma série de outras linguagens que vão se articulando nesse projeto. Era uma coisa que você já tinha? Na verdade, foi um projeto que eu vim trabalhando ainda quando estava nos Titãs. Fiquei uns dois anos realizando, porque o trabalho de animação é muito 211

lento e, com o tempo, tudo que eu vinha compondo musicalmente e que não cabia nos Titãs, eu ia migrando para esse projeto. Então aquilo foi tomando corpo, foi crescendo comigo ainda nos Titãs. Aí eu saí da banda e pude me concentrar na finalização desse projeto com mais tempo. Eu estava saindo do Titãs e queria marcar esse fato, fazendo um trabalho muito diferente daquilo que eu vinha fazendo. Então todas essas questões me levaram a fazer um disco como foi o Nome. Eu tinha o desejo de, em algumas faixas, trabalhar com alguma coisa que empurrasse um pouco dos limites daquilo que nós chamamos de canção, violentava a estrutura tradicional de canção. Mas essa coisa de experimental eu acho que tem um pouco em cada disco que eu fiz. Por não ser um instrumentista, você tem dificuldades para compor? Não, eu na verdade não me sinto um instrumentista, mas eu toco o suficiente para poder compor. Eu toco alguns acordes, invento algumas harmonias, meu jeito de criar, programo uma bateria e vou fazendo as coisas com os recursos que eu tenho e que me são suficientes. O que me leva a compor em parceria, não é incapacidade de compor sozinho, mas é pelo desejo de dialogar. As coisas que eu faço em parceria, muitas vezes me fazem criar coisas que eu não faria sozinho, pelo exercício de você se adaptar à linguagem de outra pessoa. Então eu gosto de trabalhar com parceiros, isso é um exercício criativo excitante para mim. Isso tem a ver com o fato de cada disco ter um produtor diferente? É uma coisa de poder estar experimentando também diferentes sonoridades, não tem porque ser o mesmo. Seu segundo disco Ninguém foi produzido pelo Liminha, que trabalhou muito com os Titãs. Ele quis aproximar seu som ao dos Titãs? Não, de maneira alguma. Eu o chamei porque sempre gostei de trabalhar com ele nos Titãs. Ele é um produtor que sabe contribuir para que aquilo atinja sua meta natural, sem querer desviar o rumo do trabalho. O Ninguém é mais pop que o Nome… Olha, a cada disco que eu lanço a imprensa em geral fala: “O Arnaldo agora está mais pop”. Mas meu trabalho nunca deixou de ter essa intenção, de tocar no rádio, de estar dentro do universo de música pop do Brasil, de ser ouvido por um maior número de pessoas possível. Nunca quis sair disso. Eu estou gostando que as pessoas venham dizendo isso a cada disco que lanço e espero que isso os leve tocar nas rádios. De qualquer forma, se estão considerando meu trabalho mais pop, eu acho bom. Todo disco seu tem pelo menos uma referência à bossa nova ou ao samba… Sempre teve essa paixão pela tradição da MPB, isso sempre conviveu no meu repertório. Nunca houve conflito entre as minhas influências pop e rock com a 212

MPB. Eu sempre ouvi, com muita naturalidade, Luís Gonzaga e James Brown, Jimi Hendrix e Lupicínio Rodrigues, Caetano Veloso e Bob Marley. Essas coisas nunca brigaram, sempre foi natural minha convivência com a MPB de várias épocas… a tradição do samba. E isso esteve presente em meu trabalho, em músicas como “Alegria”, “Doce do mar”, “Volte para seu lar”. Agora, o que me interessa, de alguma forma, é criar esse tráfego entre os diferentes gêneros musicais. Criar uma informação original, própria, mas que possa transitar livremente entre os diferentes universos musicais. De onde vem a influência eletrônica? Já nos Titãs você fazia coisas como “O que”… Quem ensinou os Titãs a lidar com samplers, programação eletrônica, foi o Liminha. Ele abriu para gente esse universo que era uma coisa que, até então, nós não conhecíamos. Na época do Nome, ei a lidar com programação eletrônica. Hoje em dia eu gravo tudo num Pro Tools, editando… a coisa eletrônica já faz parte do processo. Você escuta música tecno? Não. Meu interesse é apenas na forma de gravar. Não tenho influências da música eletrônica. Escuto alguma coisa quando o Edgard Scandurra me mostra, porque ele tem um interesse mais profundo por esse tipo de música, então ele, às vezes, me traz alguma coisa para escutar. Gosto do Massive Attack. Como surgiu a ideia de chamar o Edgard Scandurra para tocar com você? Nós sempre tivemos uma sintonia, sempre fui irador de seu jeito de tocar guitarra. Na época da gravação do Nome eu o chamei para tocar em algumas faixas e depois, quando fui fazer o show, ele topou fazer e foi ficando. Depois, naturalmente, acabamos compondo coisas juntos. Eu também participei do disco dele, participei de um show do Ira!… Essa amizade vem desde o início dos anos 1980? Vem. Nós sempre nos encontrávamos nos shows. Os Titãs já dividiram alguns shows com o Ira! E o disco que você gravou com sua primeira banda Aguilar & Banda Performática? Seria legal relançá-lo em CD, né? Mas não sei quais são os planos do Aguilar em relação a isso. A Banda Performática foi muito bacana. Eu participei dela durante uns dois anos, antes de existir os Titãs, e durante também. Teve um período em comum, onde participava das duas bandas. Esse disco da Banda Performática foi gravado em 1981 e em 1982 começou o Titãs. Você ainda tem algum contato com o Aguilar?

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Tenho. Eu, inclusive, fiz um texto de apresentação da última exposição dele e de vez em quando nos encontramos. Somos amigos. Você prefere escrever ou compor? Eu não gosto de eleger uma prioridade. Eu gosto de fazer coisas diferentes, me agrada poder fazer as duas coisas. Acho que o que eu mais gosto de fazer, como realização mesmo, é show. Que é uma sensação muito plena, essa coisa de estar em cima de um palco, cantando para várias pessoas, isso é muito bom. E disco ao vivo? Ainda não fui pego por essa onda. É claro que um dia eu farei, mas está todo mundo fazendo e isso acaba sendo meio chato. Eu não gosto muito desse negócio de onda. Agora todo mundo faz disco ao vivo, então é melhor eu fazer outra coisa. Como será o próximo disco? Eu fiz uma fita com muitas coisas que eu penso em gravar. Tem parcerias, tem músicas minhas e tem músicas de outras pessoas. Registrei tudo isso, são 28 músicas. Dessa fita, eu quero tirar umas dez ou doze para gravar. Estou na fase de compor e registrar as coisas que vão surgindo, estou escolhendo o repertório… Até meados de maio eu ficarei nessa, depois começo a ensaiar um pouco o repertório e entraremos em estúdio no começo de junho. Eu geralmente faço uma pré-produção, gravo uma demo antes de entrar em estúdio para o disco, mas isso sempre teve um lado meio complicado porque nós conseguimos um clima legal na demo e depois queremos reproduzi-lo na gravação do disco e acabamos perdendo a espontaneidade. Então, dessa vez, eu decidi que iremos gravar direto. A única coisa que rolará, serão alguns encontros e ensaios. Você está pensando em alguma participação especial? Por enquanto está cedo para dizer. Talvez role alguma coisa, mas não há nada definido. Você ainda faz parcerias com alguém dos Titãs? Continuo compondo com eles e provavelmente terá alguma coisa nesse próximo disco. Agora há pouco eu estava falando por telefone com o (Sérgio) Britto, pois eu deixei algumas letras com ele. Nós nos encontraremos para ele me mostrar o que fez. Sua agenda está legal? Você tem percorrido o Brasil inteiro? Com esse último disco nós fizemos muitos shows pelo Brasil. A cada disco lançado, nós conseguimos fazer um pouco mais de shows, o trabalho está

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crescendo devagar. É como eu falei, recomecei minha carreira a partir do momento em que saí dos Titãs e ela vem crescendo a cada disco. Como foram os shows em Buenos Aires? Foram superlegais. Fizemos três shows em um teatro, dentro de um festival de artes que envolvia cinema, teatro, fotografia… O público foi maravilhoso, a imprensa eu achei de altíssimo nível, super-respeitosa. O público é exigente e, ao mesmo tempo, muito caloroso. Engraçado, porque no primeiro dia foi um público mais curioso e ficaram sentados, como costuma ser nos shows feitos em teatro. No final aplaudiram em pé. No segundo dia, no bis, já havia gente dançando e, no último dia, desde a primeira música até a última, todo mundo ficou em pé, dançando. Foi muito legal. Você está pensando em tocar pela América Latina? Adoraria, mas depende de convites. Não depende apenas de nossa vontade. As pessoas pedem para você tocar músicas dos Titãs? Não. Quem vai ao meu show, vai para escutar minhas músicas. Quem quiser ouvir Titãs vai ao show dos Titãs [risos]. Na época do Acústico, que eu participei cantando “O pulso”, algumas pessoas em meus shows pediam essa música, mas nunca houve essa cobrança de ter que tocar Titãs. Você está satisfeito com o que tem feito? Estou. Faço o que quero. Estou muito realizado e trabalhando com toda liberdade.

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16- PARADEIRO MOSTRA A VISÃO PAULISTA PELO FILTRO BAIANO por Ricardo Ivanov Portal Terra, 2001 Como você descreveria em palavras seu novo CD, Paradeiro? Paradeiro é meu quinto CD solo. Foi gravado em uma circunstância diferente dos outros, pois foi gravado lá na Bahia, com produção do Carlinhos Brown, que é meu parceiro em várias composições, mas com quem eu não tinha ainda trabalhado em um projeto grande, um disco inteiro. Levei músicos de São Paulo para lá, mas também trabalhamos com músicos da Bahia, especificamente do Candeal, que é de certa forma um núcleo gerador de música. Lá tem uma escola de música, ligada ao trabalho do Brown, tem o Gueto Square, onde a Timbalada ensaia, quer dizer, tem uma série de motivações para quem produz música ali. Como funcionou a mistura paulista e baiana no trabalho? Foi muito legal. Teve uma interatividade muito fértil entre os músicos de São Paulo, que trabalham comigo há anos, como Edgard Scandurra, e os músicos da Bahia que vieram graças ao intermédio do Carlinhos Brown. Ele foi criativamente muito ativo, desde as concepções dos arranjos até a realização de todas as gravações. Foi um prazer. Tivemos esse astral, frescor, que foi a coisa da música da Bahia estar presente junto com minha sonoridade particular. Seu disco fala de um híbrido entre a modernidade e o primitivo, relacionando a tecnologia usada e os tambores baianos. Isso existe mesmo e dá certo? A modernidade resgata muito a coisa tribal, essa coisa das fronteiras entre linguagens estarem cada vez mais fluentes. O próprio computador e a internet são sintomas disso. Você pode trabalhar com vídeo, texto, imagem — como um resgate de algo anterior a essa divisão que as civilizações fizeram entre as linguagens. Mas, ao mesmo tempo, eu não acho que as coisas dos tambores de percussão simbolizem o primitivo e que o computador e o sintetizador simbolizem o moderno. Muitas vezes você tem uma sofisticação muito grande na própria forma como o tambor é tocado, que já aponta para uma coisa moderna. Você falou em internet. Concorda que ela chegou como uma "anarquia democratizadora" e ao longo desses dois anos tenha se transformado em uma instrumento facilitador que ninguém no fundo quer usar mais? A questão do tempo ainda é algo complicado. Em casa eu tenho Speedy e mesmo assim ainda acho lento. Tenho pouco tempo para ficar eando, navegando. Posso falar por mim, é difícil generalizarmos e dizer qual o futuro disso para todas as pessoas. Quando eu procuro uma informação específica e não tenho onde consultar, a internet é uma grande fonte para isso, para achar 216

as informações. Agora o prazer de ficar navegando é ainda muito pela lentidão do veículo. Saindo da aldeia e voltando ao disco. Como é a nova versão de Exagerado e por que regravá-la nesse momento? Na verdade foi uma sugestão do Brown como produtor, aliás, a única que ele sugeriu no repertório, e acabei me encantando com a ideia de fazer essa música assim, com uma serenidade, meio bossa nova, e com os ruídos incidentais da rua. No momento da gravação colocamos um microfone virado para a janela, que ambientou muito bem a gravação de voz e violão, que foi feita meio ao vivo. Encantei-me com o fato de ser justamente uma leitura contrastante com o que a letra diz. É exagerado por outro lado, pelo lado da interpretação cool, muito serena. É muito diferente da versão original do Cazuza, é uma releitura criativa da canção. Você também é um músico de parcerias. Essas contribuições externas costumam ser em algum ponto específico de sua música, como letra, espírito da canção, harmonia, arranjos ou nunca é do mesmo jeito? Cada parceiro coloca uma situação de composição diferente. Às vezes alguém me manda uma melodia para eu colocar a letra, então tenho de criar o texto já dividido, a partir de uma sugestão melódica. Às vezes alguém musica um texto meu, como no caso de Dinheiro, que gravei no meu último disco — o Jorge Benjor fez ela a partir de um texto que eu havia publicado em livro. Tem parceiros antigos com quem faço letra e melodia junto, como o Carlinhos Brown, a Marisa Monte. Às vezes musico um poema de alguém como no caso de Socorro, que é uma letra da Alice Ruiz.

Você vai fazer alguma participação especial no disco novo dos Titãs? Não. Não teve nenhum convite, não. Tem uma parceria nossa que eles gravaram, mas nem sei se vai entrar mesmo no disco. É uma composição minha, do Marcelo, Belotto e Paulo...

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17- TODAS AS PALAVRAS DE ARNALDO por Ana Naddaf Vida e Arte, suplemento do jornal O Povo, Fortaleza, 25/02/2002 O músico, poeta e, agora, também artista plástico Arnaldo Antunes é o primeiro convidado do Projeto Palavra, que faz parte de uma campanha, criada pela Fundação Demócrito Rocha para estimular a leitura. Antes, o ex-titã travou um colóquio sobre leitura, poesia e multimídia com o Vida & Arte Arnaldo Antunes. s.m. 1. Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho. 2. Titã, um dos grandes nomes do rock nacional dos anos 80. 3. Considerado o poeta de rock. 4. Trabalha poesia com o apoio das artes gráficas. 5. Músico, poeta, produtor gráfico, artista plástico... 6. Ele não gosta de nenhum dos ''rótulos'' acima. Como o provável tópico 6, do possível verbete Arnaldo Antunes em um dicionário, explica: ele não gosta de ser rotulado, por achar que sempre acaba sendo redutor. O que Arnaldo Antunes gosta mesmo é de acreditar que existem várias influências e de vagar por vários territórios de pesquisa, por vários es da mídia enquanto ''instigação criativa'', como ele mesmo diz. Acabando, por fim, por se auto-definir como um contrabandeador de signos, de mídias diversas. O seu primeiro trabalho no campo da Literatura já fazia referências a esta sua forma de criar. O seu primeiro trabalho solo como músico também possui a peculiaridade da simultaneidade. Assim como em outras produções, tanto fonográficas como gráficas, parece sempre existir a história do CD vir acompanhado de um livro ou um vídeo. Ou, então, do livro ter uma versão em CD. E, assim por diante. Palavra para ouvir, ver, ler e até dançar. ''É por Arnaldo ser uma referência para adolescentes e trabalhar com as várias formas da palavra que ele inicia uma campanha para estimular a leitura'', comenta o coordenador de projetos especiais, José Maria Arruda, da Fundação Demócrito Rocha. E começar, exatamente, um projeto chamado Palavra. O convite chegou certeiro ao artista que acredita ser impregnado por ela e que afirma seu interesse em torno da significação poética. ''Como eu sou muito impregnado pela palavra, eu acabo fazendo palavra cantada, palavra falada, palavra que vira ritmo'', comenta Arnaldo Antunes, que estará, hoje, a partir das 19 horas, discutindo as questões da leitura e da multimídia, no teatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Antes, por telefone, Arnaldo Antunes travou um colóquio com o Vida & Arte tratando sobre algumas das questões que serão levantadas no bate-papo com o público, como ser um bom vendedor de livros de poesia (com mais de 40 mil exemplares vendidos), fazer uma exposição só com caligrafias, reunir em um único livro escritos de vários gêneros ou o uso de várias mídias para um único produto.

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O POVO - A palavra é algo que sempre está presente em seus trabalhos. E você tem música para ouvir, ver, ler e até dançar. Eu sei que você não gosta muito da definição de multimídia, mas o caminho que você procura é o de várias direções? Sua intenção sempre foi a de invadir vários es da mídia? Arnaldo Antunes - Não foi uma coisa intencional, foi decorrência de uma ansiedade artística que foi se realizando em várias linguagens. A ideia de especialização me é estranha. Foi natural ir da poesia escrita para a poesia visual, ou para a canção. E essas duas ocorrências da palavra — na canção e no papel — se juntam em uma terceira linguagem, que é a do vídeo, por exemplo. Onde você pode ler, ouvir e ver ao mesmo tempo. OP - O momento atual contribui para isso, não é? AA - As tecnologias modernas fizeram com que os territórios de pesquisa, onde estas linguagens podem se conjugar, onde a gente pode estabelecer pontes entre uma linguagem e outra, realmente aumentassem muito. Se multiplicaram as possibilidades. Para mim, isso tudo foi muito bem-vindo como instigação criativa. Eu sempre gostei de fazer este contrabando de uma área para outra. OP - Por falar em contrabandear, você disse uma vez que era, na verdade, um contrabandista de signos... AA - É... Apesar de ter ficado conhecido através da música popular, que é uma área de penetração muito grande no Brasil, eu sempre, desde o começo da minha carreira, também desenvolvia, paralelamente, outras coisas. Paralelo ao período que eu estava nos Titãs, por exemplo, eu publicava livros de poesia, participava de algumas exposições de poesia visual. Fazia como uma atividade paralela. E, em alguns momentos, estas coisas se misturavam. OP - Para você poesia pode parar em qualquer lugar? Estou perguntando isso porque você já foi convidado para criar poemas que foram estampados em jeans, camiseta e até em almofadas de ervas aromáticas. Toda forma de ''publicação'', vamos dizer assim, é válida? AA - Eu acho que esta ideia do livro, como veículo único da poesia, está em crise desde o começo do século ado, desde o surgimento destas novas mídias, do rádio, da televisão. Você vê a poesia, de certa forma, ela está nos livros, mas também está em cartazes, na tela do cinema, está no CD, no teatro, numa camiseta. Você vê uma contaminação em outros ambientes. Eu acho que tudo é positivo. A própria poesia dos livros se enriquece com isso também. Você acaba tendo uma atenção maior para a materialidade gráfica com que ela é inscrita. Você a a se preocupar mais com o próprio objeto. OP - Em 2000, você completou 40 anos. Para comemorar, foi lançado o livro 40 Escritos (organizado por João Bandeira). Nele há uma coletânea de artigos, ensaios, poemas e prefácios seus. Como foi reunir tudo isto?

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AA - Eu tinha, há alguns anos, a ideia de reunir as coisas que eu venho publicando imprensa, prefácios de livros ou releases de discos. Uma série de textos que eu já chamava de escritos porque os tons são muitos diversos. Não existia um gênero específico. Alguns são críticas, outros reflexões, ensaios, artigos. Era uma variedade grande e eu gostava muito do termo “escritos”. Apesar do desejo de reunir esses textos, tinha um pouco de preguiça (risos). Ainda mais porque não tinha nada inédito, já tinham sido publicadas. Também ficava em dúvida se devia reunir este material em um livro, se ele já não tinha cumprido o papel dele, de ser efêmero mesmo, no tempo e nos veículos onde ele foram originalmente publicados. Mas um amigo meu, que é poeta, o João Bandeira, se animou em ser organizador desse projeto e me ajudou a imaginar uma seleção que desse para compor um volume. E aí como eu estava fazendo quarenta anos, surgiu este número quarenta. Foi um gancho para reunir o que tinha sido publicado nos últimos 20 anos, porque o primeiro texto é de 81 e o último, de 2000. Foi dando um corpo representativo desse período. OP - Você teve uma leitura pessoal deste livro? AA - Quando eu li, eu fiquei espantado por ver como é um livro pessoal. É quase como se fosse uma autobiografia minha falando do trabalho de outras pessoas. Meu olhar sobre os outros acaba revelando muito do que eu próprio pensava em cada momento. Acho que, também por ter uma ordem cronológica dos textos no livro, pode-se ver como algumas questões foram amadurecendo no decorrer do tempo. OP - O ano de 2000 realmente foi um ano cheio para você, tanto que você tentou várias novas empreitadas. Uma delas como artista plástico, na Bienal do Mercosul. Na produção apresentada, lá estava ela: a palavra. Estar na Bienal, como artista, foi mostrar mais uma vez este seu amor por ela? AA - Eu nunca me vi, especificamente, como artista plástico. Mas acabei fazendo inserções neste território, participando de exposições. No ano ado, eu fiz uma instalação em Portugal (na cidade de Porto). Participei da Bienal do Mercosul, a última Bienal. Tinha feito uma exposição de caligrafia. Este tipo de trabalho eu vejo sempre dentro do terreno da poesia visual, mais do que propriamente das artes plásticas. Meu interesse é em torno da significação poética. OP - Neste mesmo ano, você acabou compondo para o Grupo Corpo. Era algo que você tinha vontade de fazer? Como foi o processo de criação de uma música, essencialmente, voltada para a dança? AA - Foi uma experiência maravilhosa. Eu nunca tinha me visto fazendo trilha para dança, mas como surgiu o convite, eu não resisti (risos). Eu acabei me encantando, primeiro, por ter uma iração pelo trabalho deles. Depois que eu aceitei, senti medo da responsabilidade, por conta do padrão de qualidade do trabalhos deles. Mas embarquei. Fiquei três meses, trancado, fazendo esta trilha. Foi um desafio bacana porque é muito diferente de fazer canção, linguagem que eu estava mais acostumado. Mas, como eu sou muito 220

impregnado pela palavra, eu acabei fazendo uma trilha que usa muito a palavra. Palavra cantada, palavra falada, palavra que vira ritmo. Mas, ao mesmo tempo, sem estar dentro, especificamente, da linguagem da canção. Pensei muito na forma física do corpo. OP - Diferente da trilha do filme Bicho de Sete Cabeças, porque as músicas são anteriores à produção. Como você viu este trabalho quando assistiu ao filme da Laís Bodanski? Ver o que era música, palavra cantada, inserida naquele contexto? AA – No caso do Corpo, a coreografia foi toda composta a partir da música. A trilha do Bicho foi feita a partir de músicas que tinham sido gravadas em meus discos solos. Eu fiquei contente com o resultado. Parece que até eu fiz as músicas especialmente para o filme. Ficou muito adequado e elas ganharam um sentido diferente. Tanto gostei que chamei a Laís depois para dirigir o clipe de ''Essa Mulher'' (do seu novo CD, Paradeiro). OP - Você tinha já travado um colóquio mais direto com o cinema? Já tinha inserido sua palavra nesse meio? AA - Eu tinha participado da trilha do filme As Gêmeas (de Andrucha Waddington, da Conspiração Filmes). Eu regravei a música ''Bandeira Branca'', que aparece no meio do filme em um baile de Carnaval e, no final, do filme aparece uma versão minha, mais introspectiva. Foi a única participação. OP - Voltando as tais empreitadas, você chegou até a se sair como ator, no vídeo clipe da Marisa Monte (na música ''Amor I love you''). Você sempre teve um quê de performático em todos os seus trabalhos, atuar não foi problema para você? AA - Foi (risos), mas eu achei que fosse mais difícil. Na verdade, foi fácil por conta da direção. Eu fiquei um pouco temeroso, porque eu nunca tinha representado um personagem, um papel. O que eu faço é performance, de um jeito mais livre. Mas acabou fluindo. OP - Curiosidade de fã, então, depois do clipe, você recebeu outras propostas? Quem sabe para alguma novela global? AA - Já teve dois convites para participar de filme, mas acabo não tenho tempo. Meu tempo é muito escasso, eu já faço muita coisa (risos). Eu teria que parar para me dedicar. OP - Por falar em fazer muita coisa, do ''tudo ao mesmo tempo agora''. Você começa algo já pensando no que pode render, por exemplo, uma música que vai virar uma imagem... AA - Varia muito. Tem época, por exemplo, quando eu estava gravando o meu último CD (N. da R.: o Paradeiro, gravado em Salvador, com produção assinada por Carlinhos Brown), eu fiquei integralmente voltado para isso. Acordava e ia direto para o estúdio. Dependendo do projeto, eu fico 221

inteiramente voltado para uma coisa só. O normal é sempre eu estar metido em muitos projetos (risos). Eu mesmo tenho uma inquietação que me leva a fazer coisas diferentes. E também o número de requisições instigantes que eu acabo recebendo. Agora, por exemplo, estou em excursão com o show do Paradeiro, lanço um livro no mês que vem (o livro Palavra Desordem, pela Editora Iluminuras, que traz várias frases ou anti-slogans, como prefere Arnaldo Antunes), estou fazendo músicas com outros parceiros e umas caligrafias que vão dar em uma exposição, que eu fui convidado para fazer na Argentina. E tem participações em revistas, uma série de coisas que me interessam. Tem projetos que eu acabo tendo que recusar porque não dou conta de atender a tudo que eu gostaria. Mas, eu sempre acabo fazendo muitas coisas diferentes e tem períodos que isso vira um problema. OP - Você tem ideia de como começou esta sua paixão pela palavra? AA - Foi acontecendo, né? Não foi uma decisão minha, o trabalho é que foi me levando. OP - Se você precisasse se apresentar, quem viria primeiro o músico ou o poeta? Ou ainda artista plástico, produtor... AA – Não tem umas prioridade. As coisas são muito juntas, uma atividade acaba alimentando a outra. OP - Eu li, uma vez, um texto seu sobre a dificuldade de dirigir. O que me chamou a atenção é que, em certa parte do texto, você disse que não sabia como seria olhar para três espelhos, tomar conta de tanto pedal e ainda se preocupar com outros carros... Mas, é mais ou menos isso que você faz como artista. Olha para tudo quanto é lado, toma conta de quase tudo na produção de seus trabalhos... Dirigir, então, não é o de menos? AA - (risos). Realmente, eu acho que a gente vai convivendo cada vez mais com esta simultaneidade seja na linguagem, seja na vida cotidiana.

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18- ARNALDO ANTUNES 10 X 10 Claudio Szynkier Agência Carta Maior, 24/04/2004 O compositor paulistano Arnaldo Antunes deu a luz a um novo filho. É menino e menina, tem feições de gente velha, tem feições de gente adolescente, tem feições de bebê também. Uma pequena criatura de vários humores, entre o sombrio e o docemente nostálgico. Porém, trata-se, sobretudo, de um filho carinhoso. Saiba é o nome. 10 impressões de Arnaldo sobre sua arte: A identidade do disco. 1 — Na capa estão os meus pés no dia em que eu nasci, naquele primeiro documento que a maternidade dá para as mães. No verso, há os meu pés hoje em dia. Esses pés dialogam com as músicas do disco, como Cabimento, que fala "como toda gente tem que não ter cabimento para crescer", e Saiba. 2 — É um disco muito pessoal, com a minha ... Com o meu pé impresso. As letras estão escritas no encarte com minha própria caligrafia. Há um contexto de intimidade que eu quis imprimir no disco. Fusões e reprogramações de linguagens. 3 — Nós somos uma cultura mestiça, e essa maneira mestiça de se tratar música evoluiu como uma coisa muito natural. A gente convive com um universo híbrido. Se há alguma contribuição cultural que o Brasil pode dar ao mundo, ela a inevitavelmente pela característica mestiça, essa possibilidade de atritar as diferenças. Numa outra época, os gêneros eram mais demarcados e, de certa forma, a Tropicália iniciou um processo de trato com a diversidade que ou a se tornar uma realidade cotidiana. 4 — Hoje em dia ninguém mais tem o intuito de fazer misturas, isto já está incorporado no jeito como se faz música. Já é algo muito orgânico. Quem está preocupado em classificar é a mídia, ou a loja de discos, para saber em que prateleira irá colocar. Quem faz música não está preocupado com isso, está preocupado em se expressar. 5 — Eu sou muito mais a favor de promiscuidade do que de purismo. "Ah, o samba intocável", "Ah o rock...". Veja a cultura rock. Você tem rock sendo feito no mundo inteiro, mas deixou de ser um gênero musical, pois se fundiu com reggae, com funk. Existem milhares de modalidades de rock, aliás, trash metal, punk... O rock deixou de ser um gênero musical e ou a ser uma forma de comportamento e atitudes. É um sintoma da época em que a gente vive, o trânsito entre as linguagens é muito mais fluente hoje em dia. Carinho inquieto. 6 — Existem várias formas de se expressar inquietação. Eu não fiquei mais 223

domado. Eu cantei, por exemplo, a canção Exagerado, do Cazuza, (que, na voz dele, era um rock’n roll), serenamente, como uma bossa, só com violão e voz, saboreando as sílabas, com ruídos da rua ao fundo. É uma outra forma de exagero, vamos dizer assim, que talvez seja tão inquietante, ou tão feroz, só que por um outro caminho. 7 — Acho que a serenidade pode trazer outros tipos de inquietação. Eu não vejo o rock como uma camisa de força. A minha maior exigência é não me repetir, buscar novidades em relação às coisas que eu já fiz. Essa é a forma que eu tenho de me renovar e de exercer minha inquietação. Saiba é chegada tranquila e pacífica a valores de maturidade? Contrastes com uma juventude titânica borbulhante? 8 — Esse é o disco mais sereno que eu já fiz. Ou o mais afetivo, como você havia sugerido. É um disco muito pessoal, embora eu não o relacione com eventos da minha vida pessoal. Não faço essa associação diretamente, entre arte e vida pessoal. "Casei, fiz um disco de amor", "Separei, fiz um disco de ingratidão", "Fui pai, fiz um disco infantil". Não é assim que as coisas acontecem. Existem mil coisas intermediando vida pessoal e artística, é algo complexo demais para haver relação tão direta. 9 - Eu não acho que eu esteja reeditando, ou revisando, aquelas questões críticas que eu expressei com os Titãs. Mesmo assim, muitas delas permanecem como inquietudes, hoje em dia. Não acho que eu fui me conformando com coisas que antes eu renegava. Eu acho que existe uma relação de coerência entre o que eu pensava na época e o que eu penso hoje em dia. Eu sempre me norteio pela liberdade, entendeu? As coisas libertárias que eu cultivava com os Titãs e as coisas libertárias que eu cultivo atualmente são muito parecidas, como forma de atuar criativamente. 10 - Nem penso que eu tenha que me sentir preso por estar fazendo um disco mais sereno, ou mais afetivo. Eu posso fazer um disco de punk rock amanhã. Me sinto livre para isso. Não sei o que vai ser. Como eu disse, não acho que eu fui me conformando até chegar em algo que me satisfaz definitivamente. Não acho que abandonei coisas da juventude, não é assim que eu me vejo, e não é assim que funciona. Quero me manter inquieto até o fim. Tem de tomar cuidado com interpretações redutoras. Não ver o amadurecimento como perda das inquietudes juvenis, que podem ser estímulos que vão te nutrir durante a vida inteira.

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19- ARNALDO ANTUNES — CONVERSA E ET CETERA por Claudio Daniel revista ETC, 2004 ETC — Quando a poesia chamou a tua atenção pela primeira vez? Qual foi o autor que despertou o teu desejo de escrever? O que surgiu primeiro: a vocação literária ou a musical? Arnaldo — Na adolescência, comecei a fazer os primeiros poemas e a ter aulas de violão, já desejando fazer canções. Acho que, fazendo uma retrospectiva, a palavra veio primeiro. Quer dizer, sempre me pareceu que eu dominasse com mais intimidade a palavra do que a música, talvez pela própria natureza do código musical, que é sempre um mistério para mim, e acaba sendo para qualquer pessoa. A música surgiu também como decorrência do trabalho criativo com as palavras, como se eu tivesse a necessidade de entoar. Nessa mesma época, comecei a fazer caligrafias. O meu primeiro livro, Ou e (1983), é todo caligráfico. Também senti a necessidade de entoar graficamente, vamos dizer assim. Quer dizer, essas outras linguagens vieram como decorrência do verbal, para ampliar as possibilidades de significação da palavra através da entonação melódica ou da divisão rítmica das palavras. Você pode acrescentar novas sugestões de sentidos que vão ampliar aquilo que o discurso está dizendo. Essas outras linguagens vieram com muita naturalidade, mas em decorrência da necessidade de ampliar a carga significativa do verbal. Não saberia apontar um autor que tenha me levado a escrever, porque foram vários, e acaba sendo difícil apontar especificamente um nome ou outro. Quando me perguntam sobre os autores que mais me influenciaram, acabo sempre me sentindo um pouco leviano, porque me lembro de alguns nomes, que digo na hora, e esqueço de outros, também foram muito importantes. Não tenho um paideuma muito rígido, escolhido, que possa apontar. Claro que algumas coisas me deslumbraram ainda na adolescência, e foram impactantes. Lembro quando o meu professor de Literatura levou na sala de aula um exemplar da Caixa Preta, do Augusto de Campos e do Júlio Plaza, para os alunos manusearem. Lembro a primeira vez que li Fernando Pessoa, aquilo foi uma descoberta. A primeira vez que li Hoelderlin, que me impressionou muito. Primeiro, li a tradução portuguesa do Paulo Quintela, depois li outras traduções. E vários outros autores, como João Cabral, Cummings, Gregório de Mattos, Rimbaud, Rilke, Guimarães Rosa…Cada autor é um universo, e eu não saberia dizer, nesse repertório de influências, o que foi mais importante. Sempre tive muito gosto pelo aspecto lúdico da linguagem. Lembro-me que desde cedo já tinha um gosto pela subversão sintática, um desejo de amalgamar palavras, criar novos vocábulos. Num dos primeiros poemas que escrevi, por exemplo, a sílaba final de um verso tinha o mesmo som da sílaba inicial do verso seguinte, num encadeamento ininterrupto. Esse tipo de procedimento sempre me atraiu, e você encontra isso na poesia concreta e em outras produções mais experimentais. Agora, acho que essa questão das influências a também por outras linguagens. Eu me formei numa época em que havia o contato com várias linguagens diferentes. Muitas vezes, um filme influenciou mais a minha poesia do que um outro poema; ou um poema 225

influenciou mais uma canção que fiz do que outra canção. Não saberia dizer se Godard me influenciou mais ou menos, me alimentou mais ou menos para a criação do que Machado de Assis, por exemplo. Ou se Machado me alimentou mais para a criação do que os Beatles, entendeu? Essas coisas todas acabam tecendo uma rede de um período de formação e de informação, em que a gente vai buscando as referências. Sem dúvida, entre essas referências têm uma importância grande os poetas concretistas, Augusto, Haroldo, Décio, Edgard Braga, Ronaldo Azeredo, mas também os modernistas, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond, os clássicos, Homero, Camões, entre muitos outros… isso para ficar só na Literatura. Ah, e também tiveram uma importância grande para mim as revistas de poesia dos anos 70 e 80, como Navilouca, Arteria, Código, Muda, Pólem, Zero à Esquerda, Através, Qorpo Estranho, Bric a Brac, através das quais tomei contato com o trabalho de vários poetas mais contemporâneos meus, como o Leminski, o Antonio Risério, o Erthos Albino, o Walter Silveira, o Omar Khouri, a Lenora de Barros, o Waly Salomão, o Duda Machado, a Alice Ruiz. Nessas publicações a poesia se mostrava sempre integrada de maneira relevante à sua materialidade gráfica. ETC — Você é um poeta que trabalha com a linguagem de maneiras diferentes: na forma de música, grafismo, texto em prosa e verso, imagens virtuais, aproximando-se por vezes do ruído, do som autônomo em relação ao significado. A poesia, para você, é uma arte híbrida que transcende os limites de forma, gênero e a própria escritura? Arnaldo — Nunca me senti especializado numa única linguagem. Creio que, em todas as atividades que exerço, como música popular, poesia, artes gráficas, vídeo, há um território comum, que é o trabalho com a palavra em si, mas amplificada ou contaminada por outros códigos. Uma mistura. Acho que é um dos sintomas da modernidade, que tornou mais fluente esse trânsito. A poesia saiu do livro e ou a se manifestar em diferentes meios — a canção, o vídeo, a instalação, o cartaz, o outdoor, a camiseta. amos a conviver com as possibilidades de poesia em vários es. Claro que há poetas que trabalham estritamente com a palavra escrita, com o livro, que é insubstituível por outros meios. O barato de você se relacionar com o objeto-livro é insubstituível. O livro tem cheiro, ritmo, e a sensação de solidão quando você está ali refletindo numa página, não há nada que substitua isso. Porém, por temperamento, gosto da mistura de um código com outro, de um repertório com outro. Antigamente, você tinha meios de produção diferenciados para cada linguagem; hoje, num computador, você pode trabalhar com texto, imagem, música, vídeo, animação, produção gráfica. Você acaba tendo, no próprio instrumental técnico, uma possibilidade muito maior de criar essas interrelações. Sinto que uma tendência da modernidade é a de reatar pontes entre as linguagens. O homem, no decorrer da história da civilização, foi demarcando: música é para ser ouvida, poesia é para ser lida no livro, artes plásticas para serem vistas... Porém, a vida moderna trouxe um arsenal tecnológico, com cinema, rádio, telefone, interferências urbanas... Nós somos assaltados todo o tempo por informações fragmentárias de todos os lados, e isso, de certa forma, propiciou essa 'descompartimentação'. Por outro lado, 226

vejo também o resgate de um espírito primitivo, um resgate da relação entre arte e vida. Na sociedade tribal não havia diferenciação entre música, dança, rito, religião. Na verdade, isto tem a ver com o que o Oswald de Andrade fala, em A Crise da Filosofia Messiânica, onde ele esboça uma abordagem filosófica da antropofagia. Oswald sugere uma equação, em que a tese seria o homem primitivo, a antítese o homem civilizado e a síntese o que ele chamou de “homem natural tecnizado”. É mais ou menos o que o McLuhan vislumbrou quando cunhou o termo "aldeia global": o espírito da aldeia propiciado pela tecnologia. Tudo isso cria um território muito propício para a intersecção de linguagens. ETC — Na trilogia Nome, você uniu diferentes es, como o livro, o CD e a fita de vídeo. Essa estratégia de união entre imagem, som e movimento, já prenunciada pela poesia concreta, está presente em sua pesquisa na área da poesia digital. Qual é a importância do computador para o seu trabalho? Arnaldo — Tem uma importância enorme. Quando comecei a lidar com poesia visual, eu mesmo fazia as artes-finais, com fotocomposição ou caligrafadas, o que faço até hoje, pois sou seduzido pela ideia da entonação gráfica, de correspondências entre os aspectos entoativos da fala na escrita. Pois bem, nessa época, eu me lembro que toda a arte-final era feita com past-up, fotolito. Hoje, basta apertar um botão. É uma facilidade enorme fazer a arte-final. Foi também através do computador que comecei a fazer animação. Para mim foi uma descoberta: a palavra em movimento na tela é uma ocorrência espacial, mas que se manifesta também no tempo, então tende para a música, embora sendo imagem. Em produção gráfica, o computador oferece recursos que antes não tínhamos, e esse novo repertório é muito sedutor, porque, muitas vezes, você a a criar em função dele. Certas ideias poéticas você desenvolve especialmente para determinado efeito digital. Hoje, existe um repertório de recursos muito rico, e poucas soluções de linguagem que deem conta dele. Muita gente acaba usando os recursos gráficos do computador de maneira injustificada, ficando apenas no fascínio pelo efeito em si, o que acaba sendo mais pobre. No início da poesia concreta, havia uma linguagem muito avançada e meios muito limitados; hoje vivemos o contrário, temos poucas respostas de linguagem adequadas ao rico repertório tecnológico disponível. Agora, uso o computador em pelo menos uma etapa de quase tudo o que produzo — para a edição de música, produção de textos, procedimentos de colagem, algo que me atrai muito. Mas nunca trabalho só no computador, tenho necessidade de ver materialmente a coisa no papel: então, imprimo uma versão, corrijo à mão, volto a digitar, salvo e imprimo várias versões, comparo... Sempre há um híbrido, um trânsito entre o artesanato manual misturado com a tecnologia. Com a música, existe uma possibilidade muito interessante, que não existia anteriormente, de você compor a partir dos sons. Hoje, você grava um determinado conjunto de timbres ou sons ou sílabas, qualquer coisa, e a partir daí você pode ir compondo aquilo, construindo estruturas com os sons pré-gravados, depois acrescenta um instrumento, ou mais. Isso é algo muito novo em relação aos métodos de composição. Algumas pessoas já vinham fazendo isso antes, mas com dificuldade enorme, com edição de fita cortada a gilete, uma coisa muito mais complicada. E só o fato de você ver na tela o 227

desenho dos sons a serem editados já transforma inteiramente a maneira de criar. ETC — A preocupação com a visualidade do poema está presente em toda a sua obra, e se manifesta na escolha da tipologia de letras, na diagramação, na inserção de fotos e desenhos, na aplicação de recursos da informática. Como você encara uma recente declaração de Marjorie Perloff criticando o uso de tais recursos na poesia concreta, o que, segundo ela, teria levado a uma comunicação mais fácil, de apelo publicitário? Arnaldo — Eu teria de ler o depoimento da Marjorie, que é uma crítica que respeito muito. Gosto de seu livro Momento Futurista, que foi traduzido pelo Sebastião Uchoa Leite. Seria leviano comentar sem ter lido a declaração dentro do contexto. Agora, pelo que você me relata, dá para perceber uma certa resistência em relação ao aspecto direto da comunicação, como ela ocorre, por exemplo na publicidade. Eu não tenho nenhum problema com isso. Hoje, nós vemos muita coisa na publicidade que foi (e é) influenciada pelas áreas de criação artística, seja da poesia concreta, seja do cinema, da música pop, ou de outras áreas. Eu mesmo, que publiquei Palavra Desordem, um mês depois abri o jornal e vi o anúncio de um condomínio que era um negócio assim: “A moda mudou”, em letras grandes, aí você virava a página e via do que se tratava. Por coincidência ou não, é a reprodução quase literal de uma das frases de Palavra Desordem (“A moda já mudou”). Esse livro é todo inspirado no slogan, no ditado popular e em vários tipos de registros arquetípicos, esses registros de frases-feitas, claro que esvaziadas de sua finalidade comercial ou ideológica, transformadas em outro tipo de discurso. Acho que não deve haver purismo nesse trânsito com a publicidade ou com outras formas de discurso mais mundanas. O que me influencia não são apenas os poetas, mas também a bula de remédio, o gibi, o out-door. Agradam-me mais essas coisas que estão vivas no mundo do que isolar a poesia numa redoma intocável. ETC — Em As Coisas, e também em peças de seus outros livros, como Tudos e 2 ou + Corpos, você praticou o poema em prosa, com ênfase nos substantivos, em frases curtas, diretas, buscando a surpresa e o estranhamento a partir da observação de fenômenos da realidade imediata. Comente essa linha de criação. Arnaldo — Este é um procedimento que surgiu com a idéia do livro As Coisas, e tem alguns outros textos nos outros livros com esse tom de discurso, quase pedagógico, digamos assim, que foi inspirado no olhar infantil, no jeito como as crianças fazem associações inusitadas. Busquei também dizer aquilo que é óbvio, só que de um óbvio tão óbvio que a gente não repara por estar acostumado com outro tipo de registro. Um óbvio que atinge a estranheza, no sentido aparentemente oposto. Então, tem esse procedimento de olhar de um jeito puro, virgem, quase que tentando subtrair um pouco da cultura para olhar as coisas de um jeito mais inusitado. Ao mesmo tempo, há essa obsessão pela definição. Um desejo de definição, de foco. Um desejo de olhar prismaticamente o mesmo objeto, sob muitos ângulos, pela sua função, forma, cor, cheiro, tamanho, como no texto final de As Coisas, que diz: “As coisas têm 228

peso, massa, volume”, etc.. Muitos dos textos a que você se refere pegam um objeto e tentam cercá-lo de olhares múltiplos, com essa obsessão pela idéia de definição. Claro que a definição absoluta, o foco absoluto, é algo impossível, seria algo assim como o Aleph do Borges, para ver sob todos os pontos de vista possíveis, simultaneamente. É algo impossível, mas sou movido por esse anseio. As Coisas é de certo modo um compêndio pedagógico das coisas do mundo sob esse tipo de olhar e sob essa ânsia de definir os objetos de um jeito prismático. Tem a ver com a crise da palavra dicionarizada e também com a teoria de Wittgenstein sobre o objeto complexo. Se você pega um copo, por exemplo, você pode chamá-lo de água, ou de copo, ou de cilindro, ou de vidro, ou de transparência.... daí a importância do contexto. Tem um pouco disso tudo nesse tipo de procedimento. ETC — Em vários de seus livros, há poemas que trabalham, de maneira consciente, com a linguagem e o imaginário das crianças. Esse processo foi influenciado por sua própria experiência com os filhos? O que essa pesquisa trouxe para o seu trabalho? Arnaldo — Acho que sim, muita coisa vem da observação de como eles respondem, pensam, e algumas frases são literais. Por exemplo, tem uma frase que é da minha filha Rosa, quando ela tinha três anos. Foi ela que ilustrou o livro, porque quando percebi que havia essa influência do sotaque do pensar infantil, eu tive a idéia de convidá-la. Fui dizendo cada texto e ela ia fazendo as ilustrações, ficou muito interessante. O texto é uma coisa, a ilustração é outra, mas a relação do texto com a ilustração cria uma terceira idéia que sempre dá um atrito bacana. Fiquei muito espantado com o resultado. Um dos poemas desse livro é uma frase literal dela: “Dentro da boca é escuro”. Esse é um ready-made de que me apossei, assim como numa canção minha com a Marisa Monte, Beija Eu, adotei o jeito como as crianças pequenas falam, com essa inversão ou subversão sintática, tipo “pega eu” ou “leva eu”. Claro, isso na canção foi transposto para uma relação amorosa adulta, mas tem algo da afetividade infantil. Outra música que fiz, que está no disco Ninguém, chamada O Nome Disso, tem um refrão que fala “como é que chama o nome disso?”, que é uma frase literal da minha outra filha, Celeste, que me fez essa pergunta quando pequena. Esses são alguns exemplos de apropriação mais literal de que me lembro, mas, de uma maneira geral, o modo como as crianças costumam fazer analogias se aproxima muitas vezes do pensar poético. O Oswald de Andrade tem um poema muito bonito que diz: “aprendi com meu filho de dez anos / que a poesia é a descoberta / das coisas que eu nunca vi”, que é coerente com o seu famoso “ver com olhos livres”. ETC — Você saiu dos Titãs no auge da fama, surpreendeu muita gente e inaugurou uma nova fase em sua carreira como músico. O que mudou em você, de lá para cá? Em sua opinião, sua obra mudou muito, desde o seu trabalho com os Titãs? Arnaldo — Acho que mudou, sem sombra de dúvida. Desde que saí dos Titãs, em 1992, uma série de pesquisas foram feitas, pois eu tinha muitos anseios criativos e desejava cantar em outros registros, compor com outros parceiros, e tudo isso foi se realizando nesse período. Claro que aquilo que faço hoje traz 229

inevitavelmente marcas do que já fiz com os Titãs, assim como o que eles fazem hoje tem marcas de minha contribuição, pois existiu uma história muito intensa e frutífera, durante os dez anos de minha convivência no grupo. Porém, há muita diferença também, principalmente na questão da diversidade. Eu saí para fazer um trabalho que pudesse abarcar aquilo que não caberia no consenso do conjunto. Embora acredite que o trabalho dos Titãs abrangia certa diversidade, pois era um grupo de rock que tinha uma produção de reggae, de funk, com influência da música popular brasileira também. Porém, muitas coisas que pude fazer em meu trabalho solo não caberiam no formato da banda. Depois da minha saída, pude dar vazão a esse desejo de lidar com outros gêneros e abarcar uma diversidade maior. ETC — O seu trabalho ficou mais experimental, depois que você saiu dos Titãs? Arnaldo — Não sei dizer, pois isto não é uma avaliação que eu possa fazer de dentro. Creio que não exista uma linha tão precisa entre o que é experimental e o que não é. Desde a época dos Titãs já tinha essa preocupação de estar experimentando, de fazer pesquisa de linguagem. Tem várias músicas em que isso aparece com mais evidência; então, é difícil fazer uma avaliação. Sem dúvida, tem um trabalho claramente experimental que é o Nome. No momento em que saí dos Titãs, queria fazer algo muito diferente do que tinha feito com eles, para marcar isso, deixar explícito o motivo de minha saída. Saí para fazer um outro trabalho, que envolvia livro, vídeo e CD, tentando juntar coisas que até então fazia separadamente: a música nos discos e a poesia nos livros, ou a poesia visual em outros lugares. Quis juntar tudo isso numa outra linguagem que é o vídeo, com a inserção da palavra em movimento. Essa experiência, que foi muito sedutora naquele período, continua sendo hoje, apesar de não ter feito outros trabalhos nessa área, por falta de tempo. Mas acho que esse é um território de pesquisa muito fértil. Esse trabalho, por sua natureza híbrida, tem uma carga claramente experimental, mas acho que todos os meus discos têm, em maior ou menor grau, uma busca de estar experimentando sempre coisas novas. Ao mesmo tempo, minha música tem um caráter que pertence à própria matéria em si, a música popular, para tocar no rádio, que faz parte de uma tradição que envolve um grau de repetição e assimilação de formas de massa. Tem toda essa mistura, e portanto não sei se a minha produção ficou mais ou menos experimental desde que saí dos Titãs. Procuro não repetir aquilo que já fiz. A cada disco, tento fazer algo que para mim seja um desafio de linguagem, e não uma repetição do que já sei fazer. Aí, não teria graça para mim, nem para o público, para a mídia, para ninguém. ETC — Como está o panorama musical brasileiro hoje, e, em especial, como está o rock and roll? Que compositores e intérpretes chamam mais a tua atenção? Arnaldo — Ah, tem muita coisa, acho que a música popular brasileira tem uma tradição muito rica. A tradição da poesia cantada é muito sofisticada. Apontar nomes é sempre complicado. Agora, há muitos grupos que iro: outro dia, vi pela primeira vez, uma banda de hip hop chamado Záfrica Brasil, e fiquei extremamente impressionado. Eles têm um tipo de divisão de texto 230

totalmente maluco, muito interessante, fiquei fascinado. Essas surpresas acontecem de repente. Foi um dos trabalhos mais empolgantes que ouvi nos últimos tempos. Mas adoro o Carlinhos Brown, Marisa Monte, Cássia Eller, Lenine, Nação Zumbi, Planet Hemp. Eu me interesso pelo rap, pelos Racionais. As coisas hoje acontecem em várias direções, a novidade ocorre em muitos lados, não há porque a gente pensar o futuro por uma só face. Citei esses nomes mais recentes, mas tem também a produção do Caetano, do Gil, do TomZé, Luís Melodia, Benjor, Paulinho da Viola, João Gilberto, tudo isso continua me interessando muito, assim como alguns dos artistas dos anos 80, como o Paralamas, Titãs, Frejat, Barão, Lobão, existem muitas coisas interessantes em várias áreas, que despertam a minha atenção e me surpreendem. ETC — Você acredita que a programação atual das rádios e da televisão reflete a riqueza e a diversidade da música brasileira? Arnaldo — Eu acho que a gente vive uma crise séria nessa música mais hegemônica, que faz sucesso no rádio. Há uma crise da indústria fonográfica e uma situação cada vez mais difícil nas relações dela com as rádios. É necessário que o rádio se democratize um pouco mais, e revele a variedade que se produz no Brasil. A gente vê muita produção interessante ficar presa ao estigma dos independentes, à música underground, que não toca no rádio. E não há motivo para isso. Acho que existe um descomo muito grande entre o que realmente faz sucesso no rádio e a grande variedade de coisas boas que não têm espaço. Estamos chegando a uma situação inável. O que sinto é que, de uma forma geral, as programações das rádios são muito limitadas, e um tanto cegas em relação à enorme variedade musical do país. Gostaria que ela fosse mais generosa, mais democrática. Acredito que há também uma subestimação da capacidade de assimilação dos ouvintes. O público está muito mais apto para a novidade do que querem fazer crer as pessoas que ditam a programação. ETC — Quais são os seus projetos para o futuro? Arnaldo — Estou fazendo um livro novo, com a artista plástica e fotógrafa Márcia Xavier, que é um diálogo entre imagem e palavra. Trabalhamos há mais de um ano nesse projeto. No começo, fazíamos tudo por e-mail, ela mandava uma imagem, eu respondia com um poema, ou uma frase, e isso foi propiciando um diálogo muito fértil. Agora a gente vêm trabalhando no projeto gráfico há uns meses. O livro deve sair no começo do ano que vem. Gosto desse tipo de diálogo entre códigos, e no caso é uma situação muito delicada, porque é muito difícil você estabelecer uma relação entre texto e imagem que não caia na mera ilustração. A intenção do projeto é criar um pensamento, uma afinidade estrutural ou isomórfica, que transcenda a relação do texto ilustrado ou da legenda. Achar esse registro foi um trabalho envolvente, estou gostando muito de fazer. Além disso, vou pra Roma no início de outubro, participar do festival RomaPoesia. Fui convidado para fazer uma performance, numa noite dedicada à poesia brasileira, junto com João Bandeira, Cid Campos e Lenora de Barros. Em novembro, vou fazer uma exposição de caligrafias em Buenos Aires, no Centro de Estudos Brasileiros, e participar de uma noite de 231

performances organizada pelo Reynaldo Jiménez, da revista Tsé Tsé. Tem também o projeto de um DVD que abrange várias áreas da minha produção, sendo realizado aos poucos pelo Tadeu Jungle. Tem registros de shows, gravações, performances, entrevistas, gravação de clipes, entre outras coisas. Fora isso, continuo fazendo os shows da excursão do Paradeiro, meu último disco, lançado no final do ano ado, e estou começando a pensar num próximo disco para gravar no ano que vem. ETC — Você concorda com a tese do fim das utopias? O conceito de vanguarda, em sua opinião, ainda tem atualidade? Arnaldo — Acho que não é possível, hoje, você pensar num futuro que tenha uma só face. A novidade acontece em muitas direções. Esta é uma época de diversidade e de projetos mais individuais. A possibilidade de um movimento coletivo apontando para uma única direção não existe mais, tal a diversidade de manifestações com as quais a gente convive. Acho que permanece tendo validade, como herança das vanguardas, o espírito de busca, de estranhamento, de renovação de formas, de experimentação. Esse espírito das vanguardas é importante para qualquer manifestação artística. Acredito que os próprios movimentos de vanguarda que já aconteceram continuam servindo de nutrição, continuam nos alimentando de impulsos para a criação. O que é potente em sua época continua potente em outros tempos. Agora, os caminhos se multiplicaram, eu acho inadequada a idéia de movimento nos dias de hoje. Vivemos num contexto cultural onde não vejo a necessidade de uma resposta única, na forma de um movimento. ETC — A utopia hoje é plural e multifacetada? Arnaldo — É!

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20- ARNALDO ANTUNES - PAPO TRIBALISTA SHOPPING & DVD MUSIC 14/06/2004 ARNALDO ANTUNES lança SAIBA, seu sétimo trabalho e primeiro pelo seu selo, o Rosa Celeste. É também seu primeiro disco Pós-Tribalistas. Nessa conversa com a Shopping & DVD MUSIC, ele comenta o novo CD, a repercussão do milionário projeto ao lado de Marisa Monte E Carlinhos Brown, a criação de seu próprio selo e muito mais. SHOPPING & DVD MUSIC: Quando foi que você começou a pensar nesse disco? ARNALDO ANTUNES: Olha, já faz quase um ano que comecei a pensar nele. Foi quando comecei a escolher músicas, me dedicar à composição e a registrar as canções com uma levada que apontasse para algum caminho de arranjo. Foi no período em que eu estava acabando a excursão com PARADEIRO (2001). Fizemos uma viagem, primeiro pra Miami e depois pra Europa com os Tribalistas para fazer a divulgação do disco, inclusive pro Brasil. Então eu aproveitei essa safra pra compor com eles, inclusive três músicas estão aí. Foi um período todo, aos poucos, dedicado a composição e ao resgate de material antigo com esse olhar seletivo do que poderia entrar no disco. S&DM: Mas em nenhum momento você se dedicou somente a ele? AA: Durante esse ano, houve dois períodos em que eu juntei dois músicos que participam do disco, o Bartolo e o Pedro Sá, para gravarmos um esboço das músicas. Então todas as músicas que eu pensava que poderia vir a gravar, a gente registrou. Fizemos uma primeira safra no Rio de Janeiro, em três dias. Com guitarra, baixo e voz, ou dois violões e voz, fomos achando o tom de cada música que se adequasse mais à minha voz. Só para que eu pudesse ouvi-las com o mesmo tratamento, para fazer a seleção. Nessa sessão gravamos umas vinte e poucas músicas e numa segunda sessão outras vinte. Eu fiquei escutando essas quarenta músicas e mostrando para as pessoas mais próximas. Porque nessa seleção não entra só o que você gosta, entram também aquelas canções que vão compor um contexto conciso. Tem muitos ângulos pelos quais escolher um repertório. S&DM: Isso ajudou a definir os caminhos? AA: Fiz esses dois momentos de pré-produção, em que começamos a encontrar um caminho para os arranjos e para as levadas do que foi gravado. Mas os arranjos mesmo foram feitos no estúdio mesmo, já na gravação. Os caminhos existiam, mas eram mais rústicos. Depois disso, entrei em estúdio. A gravação mesmo durou dois meses. S&DM: Como é esse processo para você? Você compõe muito e engaveta tudo? AA: Eu estou sempre compondo. Tem canções que foram feitas há muito 233

tempo atrás, mas nunca foram gravadas, por falta de oportunidade, ou sei lá… Às vezes uma canção fica um tempão lá e um dia você a vê de uma outra forma. Ou composições que ficaram inacabadas, mas você resgata e acaba achando uma solução que a resolva. Sempre que vou gravar um disco, dou uma olhada nesse (como diz o Carlinhos Brown) “baú da hora fértil. E tenho muitos rascunhos também, melodias que ficaram sem letra, letras que pensei em musicar, melodias que me mandaram para colocar letra e eu acabei não fazendo, parcerias. Hoje em dia ficou muito mais fácil, por causa do computador. Fui ando meus DATs, cassetes e rascunhos para o computador. Isso, inclusive, fez parte do processo de feitura desse disco. E foi bom porque ouvi coisas até dos tempos dos Titãs. Se bem que a maioria é mais recente. S&DM: Então você é super organizado? Para manter um arquivo assim, desde os tempos de Titãs? AA: Eu tinha muitas fitas cassetes guardadas. Mas não sou organizado, não. De certa forma, quando eu vou fazer um trabalho e quero ver o que tenho, eu recorro a aquilo e acabo achando coisas. Ouço uma canção antiga, ou acabo descobrindo canções que nem lembrava que tinha feito. Tem sempre esse eio no ado. S&DM: O disco deixa uma impressão de ser muito lírico, falar muito de amor. E isso? AA: É, e além disso, acho que é um disco em que predominam canções mais tranquilas. Acho que é um caminho que já vinha sendo apontado nos meus últimos discos, desde talvez O SILÊNCIO (1996); que o PARADEIRO (2001) acentua e depois com os TRIBALISTAS (2003), que abrem um horizonte de composições e de maneiras de interpretar que vão um pouco nessa direção. Fui achando outras maneiras de cantar e dando vazão a outras formas de composição que tinham menos espaço nos meus primeiros discos, ou mesmo na época dos Titãs. Essa possibilidade de compor em vários gêneros, de sair um pouco do universo do rock'n'roll, apesar de Saiba ter também algumas coisas bem rock'n'roll, como a versão da música do Noel ("A razão dá-se a quem tem", de Noel Rosa). Acho que é um disco meu tendo ado pelos TRIBALISTAS e incorporando essa experiência ao meu trabalho, até diretamente, pois existem participações da Marisa e do Carlinhos, além de Cezar Mendes e Dadi, que também tocaram conosco. S&DM: Essa serenidade também reflete um momento pessoal? AA: Eu nunca faço essa relação tão diretamente. Ela é filtrada por muitas coisas. A relação de criação com o que está sendo vivido é intermediada por muitas coisas. Posso estar vivendo uma fase de muita turbulência e fazer um disco sereno. E posso fazer um disco muito agressivo num momento muito sereno da vida. É claro que minha necessidade de expressão artística tem a ver com o que se a em minha vida, mas essa relação nunca é tão direta. S&DM: Você está em carreira solo desde 1992. Depois de mais de uma 234

década trabalhando ‘sozinho’, apesar de nunca estar sozinho, participar de um projeto com outros dois parceiros, também teve alguma interferência no seu processo criativo? AA: Eu acho que teve uma coisa parecida com a época dos Titãs nos Tribalistas; na efervescência criativa e na forma de compor. Na verdade, eu nunca tinha me sentido compondo com tanta naturalidade, facilidade e fluência com ninguém depois da época dos Titãs. E mesmo hoje em dia, quando me reúno com os Titãs pra compor, continua sendo assim. São as pessoas com quem eu tive uma experiência de compor mais livre, no sentido de jogar ideia fora e deixar a coisa sair. E com os Tribalistas é muito parecido. A gente tem uma coisa que eu identifico com a forma como eu compunha com os Titãs, essa coisa que sai fácil, porque há muita afinidade e um excita no outro a criação. Um dá uma ideia, o outro pega e transforma. As semelhanças são nesse sentido, não no sentido de eu me sentir restringido, por exemplo. Eu saí dos Titãs porque estava querendo abrir caminhos e ter mais liberdade em relação ao que eu cantava, gravava, compunha e tudo mais. Agora, com os Tribalistas não existe essa responsabilidade de ser uma banda e ter uma continuidade de trabalho conjunto. É só o lado da afinidade na criação que se assemelha mesmo. S&DM: Em algum momento você sentiu o conforto de fazer parte de uma espécie de grupo de novo ou, no outro extremo, um estranhamento? AA: Não. Era só o prazer de estarmos fazendo algo juntos. Eu, na verdade, componho com muita gente diferente, então essa coisa das parcerias é sempre muito viva na minha produção. Tenho muitos parceiros e com cada um o processo é de um jeito. A coisa de trabalhar coletivamente continua existindo no fato de eu ter uma banda que me acompanha nos shows e que eu tento manter de um disco para o outro. A música popular é uma atividade coletiva por natureza, tocar junto, tocar pra muita gente. O disco dos Tribalistas só acentuou isso, três artistas que têm carreiras individuais e de repente resolvem fazer um trabalho conjunto. É uma acentuação de uma característica que está na natureza da linguagem com a qual a gente trabalha. S&DM: Você vê os Tribalistas como um momento de popularização ou de se tornar mais ível? AA: Sem dúvida. A repercussão dos TRIBALISTAS foi surpreendente pra todos nós. Vendeu muito, tocou muito no rádio, teve uma penetração absurda. E isso foi maravilhoso. Há frutos disso que são colhidos por nós três. S&DM: Você pensou nesses frutos quando fez esse disco? No fato de agora existirem novos fãs e um novo público que possivelmente vai te procurar de uma maneira diferente? AA: Eu nunca penso nisso. O disco dos Tribalistas foi feito sem nenhuma preocupação mercadológica e não é uma preocupação que anteceda nenhum trabalho artístico. Não existe querer seguir uma fórmula ou pensar no público antes de fazer o trabalho. Quem pensa assim é publicitário. Artista faz por uma 235

necessidade de expressão artística genuína. Não é porque uma determinada coisa deu certo com os Tribalistas que eu vou querer fazer algo parecido. É aí que não dá certo mesmo. S&DM: Talvez não em termos mercadológicos, mas no fato de que muita gente pode vir a procurar um outro lado seu a partir da descoberta nos Tribalistas... AA: Eu acho que as pessoas vão encontrar esse lado também no PARADEIRO e nos meus outros discos. Mas são discos que tiveram menos repercussão. Então tomara que, com isso, as pessoas se interessem não só pelo meu próximo disco, mas pelos outros. A música popular faz parte da comunicação de massa e a gente sempre quer ser ouvido pelo maior número de pessoas possível. Quero que as pessoas cantem junto comigo no show, quero ouvir minha música no rádio. Mas eu não faço pensando nisso.

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21- GAZETA DE ALAGOAS, 2006 Como se deu o processo de escolha das músicas do CD Qualquer? Escolhi canções que se adequassem bem ao conceito sonoro do disco e à forma de interpretação mais serena e intimista que eu estava querendo imprimir nele. Por que não há instrumentos percussivos no disco? Queria em primeiro lugar valorizar as canções. Pensei num som leve, que servisse bem a um canto menos berrado, em tons graves, na região mais natural da minha voz, saboreando bem as palavras. A ideia era fazer um disco mais coeso, apenas com instrumentos de cordas e piano, todo gravado com a mesma formação, com os músicos tocando juntos, ao vivo no estúdio. Mas de qualquer forma, há elementos percussivos nas batidas dos violões, na divisão das sílabas do canto, nas teclas do piano. Os dois álbuns feitos depois dos Tribalistas, Saiba e Qualquer, mostram um Arnaldo Antunes diferente. Qual a contribuição dos Tribalistas para a sua carreira? Não creio que haja uma diferença radical. Acho que cada disco traz novidades, mas também o amadurecimento de questões que já vêm de antes, de um estilo pessoal de compor, que vai sendo cada vez mais reconhecível, por exemplo. Ao mesmo tempo tento não me repetir; experimentar soluções novas a cada trabalho. Cantando junto com Marisa e Carlinhos, nos Tribalistas, para timbrar bem com eles, aprendi muito sobre minha própria voz. Para quem e por que você compõe. O que motiva você nesse trabalho? Componho para quem quiser ouvir, qualquer um. E porque me dá prazer. Uma grande motivação nesse trabalho é a possibilidade de fazer algo novo, diferente dos outros discos que já fiz. E também o desejo de cantar melhor. Qual o instrumento que você toca enquanto compõe? Violão. Ou, às vezes, sem instrumento, só com a voz. O que você busca de disco para disco e o que isso significa em termos de linguagem musical? Acho que meus discos em geral abarcam bastante diversidade. De gêneros, de formações instrumentais, de timbres, de registros de voz. Gosto de misturar, por exemplo, programação eletrônica com instrumentos acústicos. Mas no Qualquer eu quis fechar um pouco mais o meu foco, fazendo um som mais uniforme.

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Quando foi lançado e qual a proposta do selo Rosa Celeste? O selo Rosa Celeste foi criado para lançar os meu discos. É uma forma de ter maior autonomia diante das gravadoras, de ser dono do meu próprio trabalho. O Saiba já tinha sido lançado por ele, em parceria com a BMG. Esse agora é uma parceria da Rosa Celeste com a Biscoito Fino. Em geral funciona assim: Eu entrego o disco pronto e a gravadora entra com a divulgação e a distribuição dele. Estou gostando muito de trabalhar com a Biscoito Fino. Eles são bem atenciosos com cada artista. Como você vê a relação entre poesia e música? São linguagens diferentes, veiculadas por meios diferentes, mas como as duas lidam com as palavras (escritas ou cantadas, lidas ou ouvidas), acabo fazendo pontes entre elas. Gravo discos e publico livros, e acho que o trânsito entre essas duas atividades vêm se tornando cada vez mais fluente. Recentemente, quando completou 70 anos, Tom Zé disse que a rebeldia continuava a ser a grande “mola” de sua vida. Para muitos fãs dos Titãs, você era o mais “rebelde” de todos na banda. Essa “imagem” procede? Como é a sua “rebeldia” hoje? Acho esquisito eu mesmo me qualificar como rebelde. Esse tipo de apreciação pertence a um olhar de outros sobre o meu trabalho, é difícil eu me ver desse ângulo. O que dá pra dizer é que não é muito diferente para mim trabalhar com música hoje do que era na época dos Titãs. Acho que continua tendo inquietude, curiosidade, desejo de experimentar. O que fazia parte do conjunto de referências segundo o qual você compunha nos anos 80 e ainda está presente em seu trabalho hoje? Creio que sim, mas acho que o leque de referências se ampliou, pois conheci muitas coisas novas que foram fazendo parte do meu universo. Sua carreira é repleta de parcerias, seja na música (com Marisa Monte, Carlinhos Brown, Chico Science...), seja na Literatura/poesia (Josely Viana Baptista). Você gosta de “criar” junto? Gosto. O exercício de adequação à linguagem de outra pessoa é estimulante, quando há sintonia e iração mútua. E eu acabo fazendo muitas coisas que não faria sozinho. Motivado por essas requisições, descubro formas diferentes de criar, porque com cada parceiro acaba sendo de um jeito. Você está trabalhando em algum livro atualmente? Tem dois no prelo, que estarão sendo lançados agora em novembro: Um é uma grande antologia que sairá pela Publifolha. Vai se chamar Como É Que Chama o Nome Disso, e abrangerá uma seleção de poemas de todos os meus livros já publicados e uma parte de inéditos, além de ensaios, letras, 238

caligrafias e uma entrevista. O outro é um livrinho de frases do meu filho Tomé quando tinha três anos (agora tem quatro), compiladas e ilustradas por mim. Vai sair pela editora Alegoria, de Porto Alegre. O que é mais difícil no Brasil: fazer shows, gravar ou publicar? Com os meios digitais ficou muito mais fácil nos últimos anos gravar discos e publicar livros do que era antes. A tecnologia, nesses casos, serviu para democratizar os meios de produção. Fazer shows continua difícil, acho que mais ainda do que nos anos 80, quando parecia haver mais espaços para tocar do que hoje em dia. O que você está lendo e o que você lê “desde sempre”? Atualmente estou lendo A Autobiografia de Alice B.Toklas, da Gertrude Stein. Li recentemente um livrinho que adorei: A História dos Ossos, de Alberto Martins. Desde sempre leio poesia, prosa, ensaio, gibi, bula de remédio, placas de rua, lista telefônica, filosofia, lista de compras, jornais, revistas, out-doors, encartes de discos, etc. Quais as referências literárias que você tem de Alagoas? É verdade que você conhece a obra de Edgard Braga? Amo a obra do Edgard Braga, a quem conheci nos anos 80. Principalmente sua produção a partir de Soma, da fase mais experimental, com Algo e Tatuagens. Acho que ele foi um precursor do uso da caligrafia, no contexto da poesia concreta. Muitos compositores item não ouvir música. Isso ocorre com você? Por quê? Eu ouço muita música, dos mais variados gêneros. Sou curioso, quando viajo, vou sempre atrás de discos dos lugares, das tradições dos lugares por onde o. Que disco nunca saiu em definitivo de sua “vitrola”? Os do João Gilberto e os de Erik Satie. Você ainda se acha “de lugar nenhum” como na música dos Titãs? Cada vez mais.

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22- REVISTA CARTAZ, FLORIANÓPOLIS, 2006 Qualquer é resultado de um trabalho de um poeta que já foi um vocalista mais rebelde e hoje se sente mais cantor? Você está curtindo mais cantar, usar a voz? Ou tudo é uma questão de atitude momentânea? É difícil eu mesmo me qualificar como mais ou menos rebelde. Acho que não é muito diferente para mim trabalhar com música hoje do que era na época dos Titãs. Continua tendo uma inquietude parecida. Agora, desde que saí dos Titãs, venho experimentando outras formas de interpretação, de composição, de sonoridade. Esse canto mais grave, mais próximo do registro natural de minha voz, que caracteriza o Qualquer, vem ocupando mais espaço em meus discos, desde o Paradeiro. Aprimorar o meu canto é uma preocupação constante. Você mesmo está dizendo que se percebe mais sereno no uso da voz, buscando seu tom, talvez. Tem a ver com um artista mais sossegado? Como você define este momento de criação artística? No texto que escrevi como release para o lançamento desse disco, eu acabo dizendo que: “Algumas vezes acho que atingi uma certa maturidade nesse disco. Em outras, penso que ele é fruto de minha ansiedade artística nesse momento, sem que isso signifique um lugar definitivo a que eu tenha chegado. Posso vir a fazer um disco berrado de som pesado, ou qualquer outra coisa, no futuro, se tiver vontade. Mas por enquanto é isso. É talvez o meu disco menos ligado ao universo do rock’n roll. Ao mesmo tempo tem uma identidade sonora de banda...”. Enfim, não sei. De qualquer forma, minha paixão pelo rock sempre teve a ver com sua atitude libertária, mais do que com a conformidade a um gênero. Isso talvez se traduza no desejo de fazer coisas novas a cada disco. Em Qualquer foram escolhidas algumas músicas de sua autoria, mas nunca gravadas por você, como As Coisas, que Gilberto Gil e Caetano Veloso gravaram em Tropicália 2 (93). Assim como outras duas músicas já gravadas antes por Marisa Monte e Maria Bethânia. Como aconteceu a escolha dessas músicas para o repertório desse disco? Quando regravo alguma música, minha ou de outro autor, tento sempre fazer uma leitura pessoal dela, trazendo-a para o meu universo, inserindo alguma informação nova à ela. Gosto das gravações originais dessas três músicas. Tanto que ei muitos anos sem pensar em regravá-las. Acho que a partir da atmosfera sonora do disco, com essa formação de cordas e piano, vi a possibilidade de jogar um novo olhar sobre essas canções. Daí veio o desejo de gravá-las. Seus discos são arquitetados a partir de uma ‘temática’? Ou não é por aí que caminha a criação? Geralmente eu parto de um repertório e penso depois nos arranjos. Dessa vez o processo foi inverso. Pensei primeiro nessa sonoridade, no fato de ser uma 240

formação sem bateria nem instrumentos de percussão, na forma de gravar ao vivo no estúdio, com todos os músicos tocando juntos. A partir desse conceito sonoro comecei a escolher as canções que iria gravar. Os elos temáticos apareceram meio casualmente, nesse processo de escolha. Qualquer tem uma proposta? Qual? É talvez o meu disco mais coeso. Tem uma sonoridade mais uniforme, pois foi todo gravado com a mesma formação. E foi todo cantado em tons mais graves, com uma interpretação mais serena, mais intimista. Os arranjos procuram valorizar as canções e se adéquam muito bem a essa forma de interpretar. Ao mesmo tempo, tem ali uma variedade de gêneros, com um sabor muito próximo da tradição de canção brasileira, sem deixar de ser pop. Acho que é um disco que reafirma um estilo próprio de compor, dentro dessa diversidade. Este seu sétimo disco solo foi gravado com todos os músicos tocando juntos no estúdio. Por que razão em outros trabalhos isso não aconteceu? Cada disco tem uma história, um processo próprio de feitura. A ideia inicial desse trabalho era gravá-lo ao vivo mesmo, num show com público, o que eu não havia feito ainda em minha carreira solo. Depois preferimos fazer no estúdio, por ter melhores condições técnicas, mas mantivemos a ideia de gravarmos com todos tocando juntos, em apenas três dias. Claro que para isso, tivemos uns dois meses de pré-produção e ensaios. Esse processo é mais demorado, ou você acha que pode resultar em uma outra cara para o trabalho? Com mais “contaminação”, no bom sentido... A diferença desse processo está no resultado sonoro mesmo. Há coisas que não soariam da mesma forma se tivessem sido gravadas aos poucos, camada por camada, um instrumento depois do outro. Tem uma liga entre os músicos que acaba rolando só nesse tipo de situação. E também uma espontaneidade que faz com que cada registro seja único, porque a interpretação dos músicos varia. Principalmente o Edgard Scandurra e o Daniel Jobim estavam sempre mudando, criando coisas novas a cada execução. Edgar Scandurra levou para a gravação um equipamento, talk-box, que acabou dando uma marca ao trabalho. Como funciona e que sonoridade ele produz? A talkbox é uma espécie de pedal que filtra o som da guitarra para um tubo, levando-o até a boca. Usando a boca como caixa de ressonância, Edgard devolvia o som a um microfone. E esse som variava dependendo de como ele movimentava a boca. Às vezes, inclusive, somava o som da voz ao som da guitarra assim processada, o que dava um efeito muito interessante. A talkbox deu uma timbragem muito original para a guitarra, e acabou se tornando uma marca característica do som desse disco.

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Estar entre essa formação de músicos, que você diz ter sido “um sonho”, fez com que você se sentisse novamente no aconchego de uma banda? Era desde o início a formação que eu queria. Chico Salem, Dadi, Daniel Jobim, Cezar Mendes e Edgard Scandurra. além do Alê Siqueira na produção. São todos músicos pelos quais tenho muita iração e afinidade. Foi difícil reunilos não só porque todos tem uma agenda atribulada, mas também porque eram dois de Salvador, dois do RJ e dois de SP. Mas acabamos conseguindo abrir espaços nas agendas para ir ensaiando e avançando na criação dos arranjos. Na verdade a música sempre tem para mim um aspecto coletivo, de tocar junto, de chegar aos resultados com os músicos que me acompanham. Então esse “aconchego” continua existindo, mesmo na carreira solo. Difícil não tocar nos assunto “Titãs”. Você costuma ouvir os discos da sua antiga banda? O que ficou daqueles anos? Acompanho o trabalho dos Titãs a cada disco. Continuamos amigos e eu continuo fã da banda. Quase todos os discos deles depois da minha saída têm parcerias nossas, assim como em quase todos os meus discos solo também. Ficou essa amizade e o desejo de continuarmos compondo juntos, quando conseguimos nos encontrar. Que fim levou o rock brasileiro que ele ajudou a formar nos anos 80? Muita gente já quis decretar o fim do rock depois dos anos 80, mas novas bandas interessantes continuaram a surgir. O rock no Brasil foi se fundindo a vários outros gêneros e o resultado é bem original. Acho que não levou um fim, mas está no meio. O Branco Mello está fazendo um filme sobre a banda. Você está acompanhando? Já assisti a um primeiro corte, mas ele continua mexendo no material. Está ficando bem legal. Tem umas cenas daquela época divertidíssimas. Você continua compondo em parceria com algum dos titãs? Sim, principalmente com Branco, Paulo e Britto. Parceiros é um fator que identifica seu trabalho, não é mesmo? Como aconteceu essa primeira parceria com Adriana Calcanhoto? Gosto de compor em parceria. O exercício de adequação à linguagem de outra pessoa é estimulante, quando há sintonia e iração mútua. Com a Adriana foi assim: Ela tinha dado essa melodia para a Marisa fazer uma letra, mas a Marisa acabou não fazendo e ou para mim. Eu fiquei tão motivado que fiz rápido, em poucos dias já estava mostrando a letra para a Adriana. Acho que deu muito certo e já estamos nos prometendo fazer outras. Você também já dividiu parcerias com Leminski e Alice Ruiz, que é de Curitiba, mas transita muito por São Paulo. Você conhece a produção 242

artística dos estados do sul do país? Seja de poesia ou mesmo de música? Além do Paulo e da Alice, também a Estrela, filha deles, está mandando ver na poesia. Eu escrevi o texto para a orelha do seu primeiro livro, que foi lançado recentemente: Cupido: Cuspido e Escarrado. E ela agora está lançando também um CD de música, junto com o Téo Ruiz. Ainda de Curitiba, gosto muito dos livros do Valêncio Xavier. Estamos presenciando uma época de trabalhos coletivos, “viver-junto”, como a própria Bienal conceitua. Você participou ou participa do Poemix BR? E quais as ações do grupo? O Poemix é um grupo de poetas/artistas plásticos/músicos que se reuniram para apresentar performances de poesia, que envolvem vídeo, ação cênica e música. É formado por Cid Campos, Lenora de Barros, João Bandeira e Walter Silveira. É uma das coisas mais interessantes nessa área da poesia que dialoga com outras linguagens. Eu cheguei a fazer algumas apresentações com eles, como por exemplo no Festival RomaPoesia, em Roma e na Casa de Cultura de Santo André. Ainda existe espaço para a poesia concreta? A Poesia Concreta influenciou várias gerações de artistas e há protagonistas do movimento como Augusto de Campos, Décio Pignatari e Ronaldo Azeredo, que continuam produzindo trabalhos de alta definição e intensidade, em várias áreas (poemas, traduções, ensaios, vídeos, holografias, cds, etc). Sempre nos vem à mente uma imagem de Arnaldo Antunes discípulo dos irmãos Campos e de Pignatari. Você já foi à exposição no MAM sobre concretismo? (Uma remontagem da primeira exposição, de 1956) Como você relaciona essa arte dos anos 50 com o que vivemos hoje? Não acho que o termo “discípulo” seja adequado para definir a minha relação com eles e com a obra deles. Tenho enorme iração pela poesia concreta, que influenciou significativamente minha produção, sem que isso negue a autonomia da minha linguagem. E meu repertório de influências abrange também outras áreas da poesia, da prosa, das artes visuais, assim como da tradição de canção do Brasil, da cultura do rock’nroll, da contracultura, do cinema. Fui à exposição do MAM, muito bacana. Acho que aqueles trabalhos prenunciaram várias questões que hoje fazem parte de nossa realidade cultural. Você participa de alguns festivais de poesia no Brasil e no exterior. Você busca ampliar as relações internacionais a partir da poesia, da música ou da performance? Ou tudo ao mesmo tempo agora? Tudo ao mesmo tempo agora e sempre.

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Você também tem produzido trilhas sonoras e temas para filmes. Já teve também uma experiência com a dança do Grupo Corpo. Você gosta desse entrelaçar das expressões? Gosto da motivação do enredo e das imagens para fazer música, como no caso do cinema. No caso da trilha para o Corpo, o que me moveu foi saber que era algo para ser dançado, mas toda a coreografia foi composta depois, a partir da música. O que mais você está produzindo no momento? Nesse momento, estou começando a excursionar com o novo show, de lançamento do Qualquer. Escolhi músicas dos meus outros discos que combinavam bem com o repertório dele. Além disso, incluí algumas coisas de outros autores e duas da época dos Titãs. Estou adorando fazer o show, que apresento com três músicos: Chico Salem e Betão Aguiar nos violões e guitarras, e Marcelo Jeneci nos teclados e acordeom.

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23- DENTRO DA PLACENTA DO PLANETA AZULZINHO Por Marco Aurélio Fiochi revista virtual do Instituto Cultural Itaú, agosto de 2007. Marco Aurélio Fiochi – Ao iniciar sua carreira solo, você ou a elaborar projetos que envolvem música, Literatura, artes visuais. Essa transcendência foi natural, uma consequência de suas referências, ou você arquitetou a mudança? Arnaldo Antunes – Tudo o que faço envolve o trabalho com a palavra, seja ela cantada, escrita, associada a aspectos gráficos, ou ainda em movimento na tela de um vídeo. O trabalho com a palavra é um lugar de onde parto para outras linguagens. Desde que comecei a fazer música, fazia também poesia escrita, gostava de trabalhar com caligrafia. Meu primeiro livro chama-se Ou E (Edição do artista, 1983), é anterior ao começo dos Titãs e já tinha a ideia de integrar a poesia às artes visuais. Ao mesmo tempo, fazia performance na Banda Performática. Durante os dez anos em que participei dos Titãs, também publiquei livros de poemas, como Psia (Iluminuras, 1986), Tudos (Iluminuras, 1990) e As coisas (Iluminuras, 1991), participei de exposições, fiz trabalhos visuais, sempre como uma atividade paralela. Quando saí dos Titãs, em 1992, quis juntar todas essas frentes em um mesmo projeto, o Nome, em que coloquei minhas ansiedades na área da poesia. Essas referências vieram a se encontrar numa terceira linguagem, no vídeo, e na utilização dos recursos de animação digital. Explorei a simultaneidade que se tem ao ler uma palavra em movimento e ao mesmo tempo ao escutar outra palavra, ao atritar as duas vias de recepção verbal. Pude usar todos os recursos gráficos que aprendera em artes-finais de livros ou na poesia visual e ainda inserir movimento, a dimensão do tempo. A escrita a a tender para a música pelo fato de ocorrer não só no espaço, mas também no tempo. Depois de Nome, continuei a fazer música, livros, performances, intervenções, exposições. Muitas vezes essas coisas se encontravam, e se alimentavam umas das outras. Você acredita que, em suas obras, as várias linguagens interajam para criar significados diferentes daqueles que se poderia obter caso cada uma delas fosse tratada isoladamente? Em meu trabalho, o uso de elementos visuais ligados à poesia é, em parte, relevante e, em parte, não conta tanto. Há poemas que são mais verbais e não carecem tanto do tratamento gráfico. Há outros que estão estruturalmente ligados à maneira como eu disponho o corpo da letra, o tipo. Alguns são manuscritos, alguns fundem imagem e texto, alguns usam cor. Isso também determina o ritmo da leitura, serve como pontuação. Às vezes, quero imprimir uma leitura não linear, mas fragmentária, ou oferecer muitas possibilidades de leitura. Pode-se imprimir determinado ritmo de leitura, dar sugestões de sentido que vão além do verbal. Muitas vezes, o poema é feito para ser lido de uma maneira que só um dado contexto visual ou gráfico pode dar. Em alguns casos, esses poemas acabam virando objetos tridimensionais.

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Quando você tem uma ideia para algum trabalho, ela já vem com um formato definido? Isso varia, às vezes crio um poema, mas vejo que vai ganhar força se for agregado a uma forma gráfica não usual. E, às vezes, o poema só existe porque foi pensado com determinado efeito de manuscritura, de objeto. Essa questão se colocou de forma intensa no vídeo Nome, pois estava começando a tomar contato com os recursos de programas de animação e de tratamento de imagem. Desde então, ei a criar poemas especialmente pensados a partir de determinados efeitos. Em um trabalho híbrido o artista é mais criador ou mais editor? No meu caso, a questão da edição está em quase tudo o que faço, não só em obras híbridas, mas em textos, canções. O procedimento de colagem surgiu com a modernidade, no começo do século ado. Os movimentos de vanguarda começaram a usar a colagem não só do papel, mas a escrita como colagem de informações fragmentárias, estilhaços de palavras, de várias formas, até a partícula mínima, que é a letra. Isso ocorre na Literatura, nas artes plásticas e no cinema, que apresentou a possibilidade de decupar, usar a montagem como efeito de colagem sequencial. Sinto-me um fruto dessa tradição. Transformo em matéria os rascunhos, os pensamentos. Tenho de escrever, olhar, cotejar as versões, reordenar. Os meios digitais são muito adequados a esse pensamento mais fragmentário. Quando faço uma arte final, posso experimentar várias versões, salvar, imprimir, rascunhar, mudar a ordem das partes. Eu penso materialmente, penso olhando as versões possíveis. Trabalho criando informações e eliminando sobras até chegar ao que realmente interessa. Esse é um processo que muitas vezes leva a um desvio. Inicialmente eu quero dizer uma coisa e acabo dizendo outra. Numa música, experimento caminhos, gravo vários tipos de melodia, ouço repetidas vezes, até sentir que está finalizada. Que linguagem você ainda não usou e gostaria de usar? Gostaria de criar objetos que tivessem movimento na escrita, mas que não fossem vídeos, e sim objetos mecânicos. Nunca trabalhei com holografia, mas desejo fazê-lo. Gostaria de lidar com cinema, mas é uma linguagem de um custo muito alto. E tenho desejo de escrever alguma prosa. Tenho um projeto antigo, mas que não encontro tempo para fazer. Não é nada híbrido, é uma volta para algo muito primário da escrita. Fora isso, há um projeto em que venho trabalhando há muitos anos, o registro de placas de ruas, anúncios de lojas, cartazes, sinalizações, escritas da cidade. A toda cidade aonde vou, fotografo dizeres, e quero fazer uma fotonovela, uma história em quadrinhos em que use essas palavras extraídas do mundo.

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Uma das interações entre linguagens mais conhecidas é a existente entre música e letra. Esse “casamento perfeito” está ameaçado ou ainda será duradouro? Não vejo ameaça nenhuma. A canção é uma linguagem que existe há séculos e está ligada à expressividade da fala. Sempre surgem novas formas de fazer canção. O rock não é só a melodia e o ritmo, é também a timbragem, os planos dos instrumentos. O rap trouxe novos elementos que possibilitaram outro tipo de casamento entre texto e música. Cada vez mais temos a liberdade de atritar informações de várias áreas, de gêneros diferentes. A música que me interessa não tem uma classificação, não se pode dizer precisamente que é rock, reggae, funk, baião, samba. Então, a separação entre o que é cinema, música, Literatura, teatro também se transforma? Como definir Literatura, se ela também tem sonoridade, e se na música também há Literatura? Talvez haja uma crise dos gêneros, que acaba resultando em uma crise de linguagens. Claro que essas denominações são funcionais. Vai-se ao cinema para assistir a um filme do Spielberg, do Godard ou a um documentário. Cada um deles tem uma linguagem diferente, mas são denominados cinema porque existe uma maneira de as pessoas se comportarem naquele lugar. Casos como esse mostram que as linguagens precisam de certa compartimentação. Mas isso não significa que não haja cada vez mais liberdade de namoro entre elas. A divisão existe até para determinar como exibir a obra. Essa questão se apresentou quando lancei Nome. Na época, houve uma dúvida se o melhor lugar para esse produto seria a loja de disco, a locadora de vídeo ou a livraria. Era um produto de difícil veiculação. É possível que essa separação funcional um dia chegue a ruir? Não dá para prever isso. Sempre surgem novos nomes, por exemplo, instalação, site specific, denominações que abarcam obras em que a mistura se dá de um jeito novo. As pessoas são muito apegadas a nomear gêneros, estilos, linguagens, para identificar certas obras com outras. Mas a definição pode ser redutora do potencial de cada uma delas. Para mim, o que é claro é que os novos meios não vão necessariamente substituir os antigos. Pode haver vitalidade tanto nos meios tradicionais quanto nos novos meios. Não é porque se faz poesia utilizando-se os meios digitais de distorção de letra, de inserção de movimento, de associação com imagens, que vai se perder o interesse pela poesia que está nos livros. Por outro lado, existe uma precariedade na ideia de especialização. Na área das artes plásticas, então, isso é mais evidente. Porque os materiais e es se pulverizaram tanto, em tantas possibilidades de escolha... Na música também. Quem faz música hoje em dia está necessariamente envolvido com várias linguagens: tem de pensar no clipe, na capa do disco, na atitude, no comportamento, na visualidade, na performance ao vivo, no figurino, no cenário, no gesto, na dança. Tudo isso faz parte da música popular. Não é só gravar.

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Se há uma fronteira entre as áreas de expressão artística, qual é? Eu acho que a arte é um território sem fronteiras, e ao mesmo tempo um território para questionar as fronteiras, derrubar muitas delas. Falamos de fronteiras entre gêneros, linguagens, mas há também fronteiras entre repertórios, entre o popular e o culto, o sofisticado e a cultura de massa. A arte põe em xeque todas elas. Em termos de circulação de informação artisticamente expressiva, eu acho que estamos em um território de liberdade, que possibilita o convívio com a diferença, o enriquecimento por meio de informações novas, de outros povos. Os campos do conhecimento vêm se hibridizando também. Por exemplo, as conferências e os textos de Buckminster Fuller [filósofo, designer, arquiteto, artista, engenheiro e inventor norteamericano] são ao mesmo tempo poesia, filosofia e ciência. Para mim, é uma referência para pensar o mundo sem fronteiras geográficas. Em um de seus textos, ele escreveu “a Terra é um útero”, como se seres humanos fossem células que estivessem se preparando para um nascimento grupal. É um pensamento muito interessante. Creio que me inspirei nele ao fazer o verso “Dentro da placenta do planeta azulzinho”, da canção Tribalistas.

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24- REVISTA LATINA, JAPÃO, 2007 1. Sobre o disco-QUALQUER — Na poesia de “Qualquer”, percebi um sentido semelhante ao da orientação do Budismo. O que você pode ver na imagem da palavra “qualquer”, além da música? "Qualquer coisa" de Caetano influenciou de algum jeito o seu pensar? Talvez possa se encontrar algo do pensamento zen-budista em “Qualquer” pelo fato da canção falar da maleabilidade, da mudança, de qualquer coisa que não se fixe, enumerando imagens que vão compondo uma espécie de mosaico. Daí dizer “qualquer fresta, furo, vão de muro” ou “buraco de telha onde chova”. Ela canta tudo que esteja vivo, não estagnado, aberto às imprevisibilidades. “Qualquer curva de qualquer destino que desfaça o curso de qualquer certeza” A própria forma de montar analogias entre os substantivos da letra pode remeter também a um pensamento oriental, ideogrâmico. Isso é reforçado por uma melodia de comos irregulares, que tenta parecer um pouco japonesa. O piano do Daniel Jobim nessa faixa acentua essa referência. “Qualquer Coisa” é uma das canções que mais gosto do Caetano, um compositor que me influenciou imensamente. Quando compus “Qualquer”, com os portugueses Helder Gonçalves e Manuela Azevedo, não pensei diretamente no “Qualquer Coisa”. A lembrança me veio no momento em que decidi dar ao disco o nome de “Qualquer”. Mais tarde, ao começar os ensaios para o show, percebi outros elos: Que havia no repertório do show a música “As Coisas” (parceria minha com Gilberto Gil, que havia sido gravada por ele e Caetano no disco “Tropicália 2”) e a música Socorro (parceria minha com Alice Ruiz, que gravei em meu disco “Um Som”), cuja letra diz “Qualquer coisa que se sinta / Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva”. A partir dessas relações, senti que a canção “Qualquer Coisa” do Caetano estava sobrevoando e decidi deixar ela pousar: Fizemos um novo arranjo para ela e a inclui no repertório do show do “Qualquer”. Desde então tenho tido muito gosto em cantála. — Sobre “Hotel Fraternité”, o que levou você a cantar a poesia de Hans Magnus Enzensberger? A imagem do homem velho do filme? Eu havia publicado esse poema do Enzensberger, na tradução em português feita pelo poeta Aldo Fortes, numa revista-livro com muitos colaboradores, que editei em 1988, chamada “Atlas”. Quando assisti pela primeira vez uma cópia ainda nãofinalizada do filme “Achados e Perdidos”, do José Joffily, que havia me convidado para fazer a música-tema, lembrei-me de imediato desse poema. Não sei bem porque o filme me remeteu a ele, talvez por ter uma atmosfera semelhante. Acabei musicando o poema e gravando-o para o filme. Acho que se adequou bem, apesar da letra da música ter uma relação muito rarefeita com o enredo. Depois me apeguei à canção e decidi regravá-la no “Qualquer”. — “Acabou chorare” influenciou você? (como?) Tem alguma lembrança interessante sobre os Novos Baianos?

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Fui muito fã dos Novos Baianos nos anos setenta, quando era ainda adolescente e ia a todos os shows deles. Via ali muita vitalidade e inventividade. Ouvi tanto esse disco, “Acabou Chorare”, que sei as canções todas de cor. Ainda hoje adoro escutar os discos deles dessa época. Acho que eles não perderam o seu frescor. Sempre tive desejo de gravar algo deles mas até hoje não tinha acontecido, talvez por achar muito boas aquelas gravações originais. Dessa vez, a formação que eu escolhi para gravar o disco me pareceu muito adequada à canção “Acabou Chorare”. Vi então a possibilidade de fazer uma releitura interessante dela, além do fato de contarmos com a presença do Dadi, que havia participado da gravação original com os Novos Baianos, há mais de trinta anos. Isso ajudou a me dar coragem de enfrentar o desafio de regravá-la. — Sobre a frase: “Como se tentasse expressar com o máximo de clareza o que a canção dizia (lição de João Gilberto)”. Eu soube que os Novos Baianos tiveram contato pessoal com João Gilberto no Rio, você também? Nunca tive contato pessoal com o João Gilberto. A lição a que me refiro foi recebida pela escuta atenta e apaixonada dos seus discos. — Pode falar sobre a imagem musical de Adriana Calcanhotto e Dadi? Gosto de compor em parceria, o que é muito comum no Brasil. Acho um diálogo estimulante e o processo acaba sendo diferente com cada parceiro. Acompanho o Dadi como instrumentista desde os anos 70. Ele já tocou com os Novos Baianos, com Caetano, com Jorge Benjor, A Cor do Som e muitos outros. É muito versátil e toca vários instrumentos com maestria. A gente se aproximou mais a partir da gravação dos Tribalistas, da qual ele participou. Aos poucos, fui conhecendo também o lado dele como compositor. Como ele estava preparando seu primeiro disco solo (que foi lançado aí no Japão antes de sair aqui), começou a me dar algumas melodias para eu colocar letra. Gostei tanto das músicas, que acabamos compondo umas sete dessa maneira. Duas delas entraram agora no repertório do “Qualquer”. iro o trabalho da Adriana como intérprete e compositora. Ela já havia gravado algumas canções minhas mas nunca havíamos composto nada juntos. Ela tinha dado essa melodia para a Marisa Monte fazer uma letra, mas a Marisa acabou não fazendo e ou para mim. Eu fiquei tão motivado que fiz rápido, em poucos dias já estava mostrando a letra para ela. Acho que deu muito certo e já estamos nos prometendo fazer outras. — A banda Clã, de Portugal, gravou “As Coisas” em 2001 e duas músicas em parceria com você no disco "Rosa carne", como está essa relação natural com eles? Conheci o trabalho do Clã no final dos anos 90. Eles me enviaram seu primeiro disco, “Kazoo”, de que gostei muito. Pediram-me uma letra e eu enviei “H2Omem”, que eles musicaram e gravaram no CD “Lustro”, de 2000, e que veio a se tornar um grande sucesso em Portugal. Desde então nos tornamos muito amigos e parceiros de várias canções. Fizemos participações mútuas em shows deles e meus em Portugal e no Brasil. Em 2005 participei de um DVD deles, “Gordo Segredo”, que registrava ao vivo o show do disco “Rosa Carne”. Depois disso, Helder e Manuela estiveram de férias 250

no Brasil e, aqui em São Paulo, ficaram hospedados em minha casa. Acabei compondo com eles essas duas novas músicas que entraram no “Qualquer” (“Qualquer” e “Num Dia”, esta segunda também com Chico Salem). No próximo disco deles, que deve estar sendo gravado no início de 2007, deve também entrar uma parceria inédita nossa. — Através do disco inteiro percebo a tranquilidade, esse disco foi criado através da sua vida tranquila? Creio que a escolha dessa formação instrumental, só com cordas e piano, sem bateria ou percussão, e o foco na interpretação em tons mais graves, mais próximos do registro natural de minha voz, resultaram num disco mais sereno. O repertório foi todo pensado a partir dessa intenção, que acaba evidenciando mais as canções. O desejo de fazer um trabalho nessa direção já existe há algum tempo. Talvez tenha a ver com um certo amadurecimento. Mas prefiro sempre ver cada novo trabalho como uma etapa, mais do que um lugar definitivo a que eu tenha chegado. 2. Sobre os Tribalistas — Eu percebo a carioquice do samba de Marisa, africanismo de Carlinhos e sensibilidade civilizada e caótica de você no triângulo musical. Quais você acha que são as principais características deles e da música de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador? Existe um tanto de verdade nessa afirmação, mas seria uma redução acreditar completamente nela. Apesar de vivermos os três em cidades com características culturais diferentes, temos muitas afinidades, muitos gostos em comum também. Daí talvez venha a intensa sintonia que temos ao criar juntos. E, em parte, o fato de nos completarmos com nossas diferenças também se deve à fatores da personalidade individual de cada um de nós. — Sua origem musical foi com o rock dos Titãs? Minhas origens musicais são muito diversas. Desde criança, sempre ouvi com naturalidade rock, funk, samba, baiões, baladas, música erudita e outras coisas. Essa diversidade sempre transitou em meus ouvidos. Quando comecei a compor, era normal fazer canções de diferentes gêneros. Mas profissionalmente foi com os Titãs que aprendi a compor em parceria, a pensar nos arranjos instrumentais das canções, a atuar sobre um palco. — Além do jeito de cantar suave (voz grave), teve alguma outra coisa que você percebeu ou aprendeu? O canto mais suave que marca o “Qualquer” já vinha sendo em parte explorado em meus discos solo, principalmente depois de Paradeiro. Mas convivia neles com outras formas de interpretação mais berradas e ritmos mais pesados. Nos Tribalistas, por necessidade de timbrar minha voz junto às de Marisa e Carlinhos, explorei mais esse registro grave, no qual fechei o meu foco agora, no “Qualquer”. Acho que o desejo de gravar um disco todo com a mesma formação de músicos também tem algo a ver com a experiência tribalista. 251

— “O Que Você Quer Saber de Verdade” e “Contato Imediato”, tem duas parcerias com Marisa e Carlinhos no disco. Teve alguma mudança geral entre Tribalistas e pós-Tribalistas? A afinidade, iração mútua e amizade com Marisa e Carlinhos se traduziu num exercício muito fértil de composição desde o início. São os parceiros com que componho com mais liberdade e espontaneidade hoje em dia. Depois dos Tribalistas, nós três continuamos nos encontrando, quando a agenda permite, para fazer músicas juntos. Grande parte dessa produção mais recente vem aparecendo aos poucos nos nossos discos individuais. Não saberia dizer o que mudou nessas composições em relação às que gravamos em nosso disco conjunto. O que posso afirmar é que continua sendo muito prolífico e prazeroso. 3. Sobre poema e desenho — Poderia explicar a relação entre música e poesia em você? São linguagens diferentes, mas que tem a matéria verbal em comum. As duas lidam com as palavras, o que me permite transitar entre elas, sem perder de vista a especificidade de cada meio. Assim como os aspectos melódicos e rítmicos estão intrinsecamente ligados à palavra cantada, minha poesia escrita também está muito associada aos recursos gráficos. — Eu percebo a música visual (ou seja paisagem) no seu disco. Como você acha que sua atividade artística de caligrafia influencia sua música? Eu costumo afirmar que a caligrafia para mim tem a ver com a busca por uma entonação gráfica, como se os recursos visuais da manuscritura (curvatura, espessura, tremor e velocidade do traço) correspondessem aos recursos entoativos da voz. Isso talvez seja mais fácil de compreender no Japão, onde a caligrafia tem uma tradição milenar. Além disso, as duas manifestações têm uma relação direta com o corpo de quem as produz. — Desde o disco “Saiba”, sua música está ficando mais tranquila e suave. Acha que essa mudança de direção se dá pelo lado da poesia também? Acho que essa tranquilidade, ou essa suavidade, que podem ser constatadas nesse disco, se devem mais ao desejo de experimentar caminhos novos em relação ao que já fiz, do que a uma possível acomodação. Esse desejo de buscar soluções novas, desbravar terrenos nos quais ainda não havia me aventurado, é comum a todas as áreas da minha produção. — Pode escolher cinco palavras que você gosta mais? Acho difícil pensar nas palavras fora de um contexto. Gosto mais das que não sobram, das que se aplicam adequadamente aos seus sentidos, mas isso não depende apenas das palavras, mas do uso que fazemos delas — O que é Arte pra você? 252

Consciência de linguagem e intensidade de vida. — O que você mais ama e odeia de Arte? Amo clareza, limpidez, naturalidade, surpresa, invenção, curiosidade, estranhamento. Odeio prepotência, empolamento, retórica vazia, obscurantismo, ostentação de virtuosismo desnecessária, artificialidade, oportunismo, comodismo. — Existe a rebeldia do rock ou da arte em você? É difícil eu me ver por esse ângulo. O que dá pra dizer é que não é muito diferente para mim trabalhar com música hoje do que era na época dos Titãs. Acho que continua tendo inquietude, curiosidade, desejo de experimentar. — Quando nasceram as palavras da poesia na sua vida? Comecei a fazer meus primeiros poemas na adolescência, com uns 13 ou 14 anos de idade, já desde cedo motivado a criar experimentando procedimentos que lidassem ludicamente com a linguagem e subvertendo regras gramaticais para conquistar alguns efeitos estéticos. Na mesma época comecei a ter aulas de violão e a compor as primeiras canções, por uma necessidade de entoar, de dar ao verbal outra carga de significação, que o atrito com a música despertava. 4. Sobre a vida geral — Quais são os principais fatores que fizeram você permanecer em São Paulo? Gosto da marca da diversidade em São Paulo, do fato de cada bairro parecer uma cidade diferente, da mistura de referências culturais, raciais, religiosas, culinárias. — Pode escolher cinco pontos de São Paulo que você gosta mais? A Avenida Paulista, a Vila Madalena, o Anhangabaú, a Liberdade e o parque Ibirapuera. — Pode escolher cinco discos que está ouvindo mais recentemente? “Cê” do Caetano Veloso, “Alegria Original” da Timbalada, “Amor Incondicional” do Edgard Scandurra, “Bambas e Biritas” do Bid, “Cidadão Instigado” do Cidadão Instigado, “12 Segundos de Escuridad” do Jorge Drexler. — Em que momentos você se sente feliz e infeliz? Qualquer realização artística me traz felicidade, mesmo quando trata de algo triste.

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25- PALAVRAS CRUZADAS Filipe Luna Revista Cult: 22/01/2008 Artista da palavra, Arnaldo Antunes reúne seus melhores jogos com a língua portuguesa em seu primeiro DVD ao vivo e mostra com quantas letras se faz uma rima Arnaldo Antunes é poliglota de uma só linguagem: a da palavra. Seja adequando versos a uma melodia, ou sílabas à métrica de um poema, ou até recortando e colando letras numa instalação de arte, ele torce, retorce e brinca com o português como uma criança se diverte com um trava-língua. Mas a arte que o menino Arnaldo faz é coisa séria. Nos seus jogos de palavras já se construíram sucessos que desafiam a fórmula das paradas populares como "O silêncio" (em carreira solo), "Não vou me adaptar" (com os Titãs) e "Velha infância" (com Os Tribalistas); e canções divertidamente inexplicáveis como "O que", dos versos "O que não é o que não pode ser que não". O artista das letras registra agora, pela primeira vez, no DVD Ao vivo no estúdio, algumas de suas melhores interpretações com a sua própria palavra e a dos outros. Seguindo o conceito de seu último álbum, Qualquer, a banda é um trio que toca apenas violões e teclado. Nada de bateria ou percussão, o que deixa a voz de Arnaldo mais à frente de todo o resto, fazendo-o descobrir novas maneiras de usar sua voz, mais grave, bem diferente de quando cantava com os Titãs. E, para garantir que esse conceito de intimidade se refletisse na performance, a gravação do show foi feita num estúdio em duas sessões, com 50 espectadores em cada uma delas, evento que o próprio artista explicou nessa entrevista realizada aqui, na redação da CULT. Então, evitemos mais teorias e deixemos, com a palavra, Arnaldo Antunes. CULT - Por que gravar o show num estúdio e não exatamente num palco de uma casa de shows? ARNALDO ANTUNES - Quando fiz o disco Qualquer, queria que fosse um show ao vivo gravado, mas isso não deu para viabilizar na época, então a gente acabou fazendo um disco de estúdio. Só que acabei gravando meio ao vivo: os músicos todos tocando juntos, ao mesmo tempo, sem muitos overdubs ou edição. Aí ficamos um ano na estrada, o que foi bom, porque deu para amadurecer o show e lapidar o roteiro. Já tinha o desejo de fazer num lugar pequeno, que tivesse um ambiente íntimo, com as pessoas sentadas no chão bem pertinho. Daí, falei: "Vamos voltar pro estúdio. Já que a gente fez um no estúdio ao vivo, vamos fazer ao vivo no estúdio". Primeiro porque oferece uma situação de grande intimidade. Segundo, pelas condições de poder captar aquilo com melhor qualidade de som e imagem. E ficou engraçado porque as pessoas ou fazem discos ao vivo ou fazem discos de estúdio. E a gente fez uma situação que é um híbrido: é um show, mas aparece o estúdio, a mesa de som... CULT - O fato de esse disco ser uma coisa mais intimista é um reflexo de um momento seu, de maturidade?

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A.A. - É difícil dizer. Maturidade sempre tem porque a gente vai fazendo e aprendendo com o que faz. Tem sempre que melhorar. Não entendo muito um artista ter uma fase decadente. Acho que sempre estou aprendendo para fazer melhor e tento me renovar a cada trabalho. Não tem muito a ver com momento de vida. Detesto esse tipo de relação, falar que o cara quando era jovem fazia rock and roll e depois assentou num outro formato. Posso agora fazer um próximo disco de rock pesado se quiser, não tem muito uma coisa de maturidade nesse sentido. A inquietação permanente é que me levou a experimentar um formato como esse, que é uma coisa que nunca tinha feito, gravar um disco sem bateria, só com cordas e piano. CULT - É por isso que desde Qualquer sua voz está bem mais à frente do resto? A.A. - É uma formação muito enxuta, com poucos elementos. Não queria uma banda com peso para esse trabalho. No show a gente tentou adaptar a mesma atmosfera sonora que o Qualquer tem. E já foi pensado para o próprio tom da interpretação com que canto a maioria do repertório, que é o registro mais grave, mais próximo da minha voz como é naturalmente. Nesse trabalho quis evidenciar um pouco as canções e esse estilo de interpretação em que posso cantá-las de uma maneira muito confortável para a minha voz. Isso está sendo muito bom, estou tendo muito prazer em cantar. CULT - O seu repertório solo tem mais músicas românticas que no tempo dos Titãs; hoje é mais fácil pra você fazer canções de amor? A.A. - Não sei se é mais ou menos difícil do que outros temas, acho que tudo depende de motivação, do estado de espírito. Na verdade, me sinto livre para fazer música sobre qualquer tema. Às vezes o que inspira é um inseto, às vezes é o cosmos, às vezes é uma história afetiva, às vezes é uma notícia de jornal. Tenho uma música sobre a morte, outra sobre amor, outra que fala de cotidiano, enfim... Acho que tem uma variedade na minha produção, uma parte é mais lírica, outra mais comportamental, outra mais construtivista no sentido formal, de trabalho com as letras. Mas tem várias canções de amor nesse DVD. Inclusive a inédita é uma canção super-romântica, Quarto de Dormir. CULT - É possível fazer uma canção de amor sem ser descarado? Toda canção de amor é meio cafona? A.A. - Tem que perder o medo de ser cafona. Para fazer uma boa canção de amor tem que ser muito simples e direto. Claro que tem uma influência da própria potência dessa cafonice, da tradição da música brega. Mas não faço muita diferença entre uma canção de amor desse tipo e uma canção com outro tema, no sentido de construção da letra. Acho que tudo o que prezo nos meus poemas e nas minhas canções, de modo geral, também está ali na canção de amor, que é a capacidade de síntese, de clareza, de concisão, de adequação do que você está dizendo à maneira como você diz. São jogos de linguagem que me seduzem em tudo que faço, que são muito adequados à linguagem lírica, mas que você também encontra na tradição de samba-canção, no Lupicínio Rodrigues, ou em algumas canções do Roberto Carlos. Você encontra coisas de linguagens interessantes ali, faz parte do repertório de todo 255

cancioneiro popular brasileiro. É um tema que vai desde Odair José, Reginaldo Rossi, com coisas maravilhosas também nessa camada dos ídolos mais populares, que muitas vezes tem uma coisa impactante, direta, muito forte, muito intensa. E a também pela tradição dos compositores que têm uma elaboração formal mais sofisticada, como nas parcerias de Tom e Vinicius. Acho até ruim diferenciar, porque muitas vezes você pega uma canção do Odair José, como por exemplo, aquela: [começa a cantarolar] "Quando você decidir dar pra mim / dar pra mim / o seu carinho...". Já começa com essa ambiguidade da insinuação sexual, aí ele fala: "Pegue o seu telefone / disque o meu número / chame o meu nome, por favor". Isso é maravilhoso. Essa rima irregular — "telefone, número, nome" — tem uma aliteração incrível aí. Às vezes têm surpresas maravilhosas. Gosto dessa coisa popular e tenho muito orgulho de o Odair José já ter gravado uma música minha.

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26- INTERFERÊNCIA – ARNALDO ANTUNES Por Ferréz originalmente veiculada na TV Cultura concedida ao programa Manos e minas em setembro de 2008. A gente não sabe como vai te classificar: Poeta, compositor, performer, pintor... Como a gente te classifica? Pessoa. Pessoa! Arnaldo Antunes (pessoa)! [Risos]. Como você conseguiu o milagre de não se envolver politicamente em nada até hoje? Eu acho que a gente sempre é político no sentido mais amplo da palavra “política”. Eu nunca fui partidário, assim, de querer me envolver dentro de uma política partidária. Mesmo ao comentar uma relação amorosa ou um objeto, você já está sendo político. Política não é só o que falam os deputados em plenário. Política é aqui, no convívio entre as pessoas, é como você trata a sua mãe, sua namorada, o porteiro do prédio. Eu acredito muito mais nas iniciativas independentes, nas ONGs, nos movimentos, nas articulações que independem de você ter a aprovação do Congresso. Eu acredito que se Jesus virar deputado ele vai ter que ficar ligando, pedindo conexão. “Alô, não tem como você aprovar a lei?”. [Risos]. Quando teve a sua saída dos Titãs você fez o Nome. Me parece que o Nome foi uma coisa que você mais se fechou. Como que um artista que é conhecido popularmente consegue se fechar? Eu fiz o Nome sem pensar se aquilo teria menos público. Eu, na verdade, achava que era um produto pop, que era o meu desenho animado, o meu Yellow submarine, sabe. Eu achava que aquilo iria ter tanto público quanto os Titãs. Eu não fazia essa distinção na cabeça. E a gente sempre quer que aquilo seja visto, ouvido e curtido por muita gente. Mas não vai abrir mão do aspecto formal do que você preza, não vai abrir mão disso para atingir mais público. A gente sente meio isso do seu trabalho, que é uma antiproposta. Quando sai um trabalho, ele é um trabalho que aparentemente é convencional, mas não é. É uma coisa que parece que você está meio revoltado com o que está aí seguindo. Você quer seguir outra linha... Eu vou fazendo... Eu não tenho essa coisa de prever resultados. Eu faço por uma necessidade de expressão mesmo, que é meio indomável. Não tenho muito uma meta de alcance. Isso de quem pensa criativamente prevendo 257

metas acaba virando outra coisa, não é mais arte. Vira publicidade, ou campanha ideológica, ou religiosa. O público está muito mais sedento de novidades do que querem fazer crer as pessoas que estão aí dirigindo as rádios, os meios de comunicação e tal. Os shows mais legais que eu faço são os que são de graça. Show em espaços públicos são os shows mais quentes, pois você sente que são as pessoas que sempre quiseram ver mas não podem pagar um ingresso caro. Você acha que a vida é um ensaio? Acho [risos]. Eu gosto da ideia da precariedade que a palavra “ensaio” tem. Eu não me vejo, por exemplo, descobrindo uma solução que deu certo, que faça sentar na cadeira e me conformar. Eu acho que sempre tenho que estar ensaiando coisas novas, eu acho que é meio por aí, na posição artística e na vida também.

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27- IÊ- IÊ- IÊ por Rosane Queiroz Revista Vogue, 2009 1- Qual é a sua relação com a Jovem Guarda e as canções do Erasmo Carlos? Bem, as canções do Erasmo venho curtindo durante minha vida inteira, mas a fase específica da Jovem Guarda é uma coisa que marcou muito a minha infância (nasci em 1960). Eu ouvia no rádio, via o programa deles na TV, fazia álbuns com as fotos dos ídolos, ouvia os discos na vitrolinha, e tinha um fascínio pelos cabelos compridos, anéis de brucutus e medalhões. Quando nós, dos Titãs, começamos nossa carreira, tínhamos o nome de “Titãs do Iê Iê Iê”, pois tínhamos uma referência forte daquele universo, que queríamos traduzir para uma linguagem própria, no começo dos anos 80. 2- Por que cantar "Iê-iê-iê" agora? Acho engraçado o iê iê iê ser tratado como uma onda parada no tempo, algo que foi muito marcante ali na época, mas que não teve continuidade. Fiquei com vontade de lidar com ele como um gênero que pode ser relido, atualizado, transformado, revitalizado, assim como continuaram sendo o samba, o rock, o funk e muitos outros estilos. 3- O que é iê-iê-iê para você? O que é rock and roll? Semelhanças e diferenças... “O rock é um rio de muitos afluentes”, como eu já escrevi uma vez, num texto introdutório ao ABZ do Rock Brasileiro, de Marcelo Dolabela (Ed. Estrela do Sul, 1987). Heavy punk progressivo tecno hardcore psicodélico new wave pop glam glitter grunge indie gothic emo trashmetal and roll. Essas transformações constantes e tendências diversas fizeram com que ele ganhasse longevidade através dos anos e chegasse aos dias de hoje muito vivo, apesar de já terem decretado sua morte inúmeras vezes. O rock hoje é uma linguagem múltipla, que tomou conta do mundo todo, ganhando características diferentes em cada lugar, fundindo-se a outros gêneros e ampliando seu campo de influências O Iê Iê Iê, apesar de ter sua origem misturada à do rock, parece que ficou lá atrás, parado no tempo. Gosto de pensar que muitos caminhos do rock foram se afastando um pouco da especificidade da canção, e que o iê iê iê mantinha essa pureza, com suas melodias fáceis e contagiantes. Achei inspiradora a coincidência do Erasmo, que começou sua carreira no que chamavam de Iê Iê Iê, nos anos 60, estar lançando esse belo disco chamado Rock’n’roll na mesma época em que eu, que comecei minha carreira nos 80, dentro do que chamavam de rock, esteja lançando o meu Iê Iê Iê. Enfim, como ele generosamente me escreveu, “muito iê iê iê’n’roll para nós!”

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4- Metáforas: se o ie-iê-iê fosse um sentimento, ele seria... se o rock fosse um sentimento, ele seria... e se fossem uma mulher, um e outro seriam respectivamente... Qual personalidade feminina traduz o espírito do iê-iêiê e do rock? Ou outra metáfora que venha à mente... É difícil traduzir assim. Talvez pudesse associar (ou assoviar) a diferença entre iê iê iê e rock à diferença entre amor e sexo, cantada por Rita Lee naquela canção, feita por ela e Roberto sobre o texto do meu xará Jabor. Agora iê iê iê é Rita Pavone, Brigite Bardot, Wanderléa. E rock é Janis Joplin, Suzi Quatro, Pati Smith, Crissie Hynde, entre muitas outras musas. Para terminar, Arnaldo Antunes responde uma pergunta de Erasmo Carlos: - Arnaldo, o que é mais verdadeiro para você? O Iê-iê-Iê ou o yeah-yeahyeah? Erasmo, sem dúvida, o Iê Iê Iê tupiniquim, como vocês bem traduziram no tempo da Jovem Guarda, com toda a liberdade antropofágica — digerindo o rock inglês e americano e devolvendo-o criativamente de uma maneira própria e original. Gosto da incorporação e transformação dos termos estrangeiros na nossa língua, como “tevê”, ou como o “emetevê” do Caetano. Ou, ainda, como se costuma fazer atualmente com os verbos deletar, linkar, ou loudear, onde não se adapta apenas a grafia ou a pronúncia, mas se usa também a declinação verbal do português, adaptada a palavras do inglês. Mas gosto ainda mais desse exercício de potência que não teme a assimilação da cultura internacional, mas também não a aceita enquanto tal, sem interferir inventivamente sobre ela. Acho que vocês fizeram isso muito bem, com o iê iê iê — termo que pode não ser correntemente usado mais hoje em dia (por isso também a graça de eu retomá-lo em meu disco), mas que de alguma forma contaminou toda a música pop que se faz atualmente por aqui.

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28- PALAVRA CRUZADA: ARNALDO ANTUNES Entrevista por Adriana Del Ré Jornal da Tarde, 22/11/2010 Dono de um estilo performático em cima dos palcos, o paulistano Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho — ou simplesmente Arnaldo Antunes — é um homem de família for a deles. Filho de professor e dona de casa, o cantor e compositor de 50 anos é o quarto elemento de uma escadinha de sete irmãos. Ele próprio é pai de quatro: Rosa, 22 anos; Celeste, 19; Brás, 13 e Tomé, 8. Está acostumado com casa cheia. Por isso, não foi trabalho algum convidar uns 150 amigos para assistir à gravação do DVD e CD Ao Vivo Lá em Casa, no quintal de sua agradável morada, no Alto de Pinheiros, em São Paulo. Foi lá que ele recebeu o JT, onde falou do novo projeto, da relação com os Titãs (banda que deixou em 1992) e da vida longe dos palcos. O que levou você a gravar o novo projeto na sua casa? Acho que o espaço geográfico. O terraço daqui sempre me pareceu um palco perfeito. Tenho essa ideia desde que me mudei para cá, há oito anos. Juntei isso com o projeto de fazer algo com o Andrucha (Waddington, diretor). Desde que ele dirigiu o clipe de Música Para Ouvir, a gente vinha namorando a ideia de voltarmos a fazer algo juntos. Como foi organizar essa festa? Uma semana antes da gravação, virou um caos. Tive que me mudar, porque não dava nem para dormir aqui. Era uma equipe de umas 30, 40 pessoas circulando. O quarto do Brás virou técnica de som; o da Celeste, estrutura de vídeo do Andrucha e o da Rosa, camarim do Jorge Benjor e do Erasmo Carlos. Você acaba de completar 50 anos e canta Envelhecer no disco Iê Iê Iê e agora nesse projeto. Como encara essa questão? Mais do que a sensação de envelhecer — que eu não tenho ainda —, é o temor do que vai vir, de tudo o que a idade avançada pode trazer. Quero me manter inquieto. Não quero sentar no sofá, mas que as coisas me façam levantar dele. Nem medo da morte? A perspectiva de haver morte me conforta mais do que me amedronta, pois é o limite de tudo. Sempre que estou numa situação de angústia ou medo, penso que o máximo que pode me acontecer é morrer. Como se sente fisicamente hoje? Meu esporte é fazer show. Talvez seja a parte do meu trabalho que eu mais goste. Tenho feito muito show, mais ou menos como era no início da carreira dos Titãs. 261

O que gosta de fazer quando não está trabalhando? Ir ao cinema, jantar fora, ler, encontrar os amigos, brincar com os filhos. É claro que meu trabalho está o tempo todo rondando. Não é que tenho trabalho e lazer, como a maioria das pessoas. Criação não tem muito esse limite. Se, por um lado, é um privilégio, por outro, às vezes atormenta, porque é aquela coisa: acordo no meio da madrugada com uma ideia, tenho que levantar para anotar e acabo perdendo o sono. Mas eu gosto. Como é você como pai? Sempre fui muito presente. Acho que essa coisa de ser pai tem a ver com gostar, ter a curtição do convívio, da brincadeira, de levar ao parque, ao cinema, ou ficar junto em casa. Levar para a escola é mais difícil, por causa da minha agenda. E também me separei (da artista Zaba Moreau). Então, eles vivem na casa da mãe e têm os dias em que ficam aqui. Mas vou às festas da escola, reunião de pais. Tudo faz parte. Seus pais eram rígidos? Não era uma coisa super rigorosa. A geração deles tinha uma mentalidade diferente da maneira como eu crio meus filhos e de como eles irão criar os deles. Mas tinha um grau de liberdade que era bacana para a época. Essa grande família te influenciou musicalmente? Sim, eu ouvia música erudita por causa do meu pai, que também tocava piano. Meu irmão mais velho gostava de Vinicius, João Gilberto. Outro irmão gostava de rock progressivo, Yes, Emerson Lake and Palmer... Minha mãe gostava de Dorival Caymmi. Por conta própria, me liguei em Chico Buarque, Caetano, Gil, Milton Nascimento, Beatles, Rolling Stones, Chuck Berry. E na infância, Roberto e Erasmo. Eu fazia álbum com fotos dos ídolos da Jovem Guarda. Essas informações todas foram me formando. E como se deu sua relação com a poesia? Na mesma época em que aprendi os primeiros acordes no violão, também comecei a fazer os primeiros poemas. Isso veio, em grande parte, do convívio na escola. Estudei no colégio São Domingos, e depois no Equipe, que incentivavam muito a criação artística. Qual sua memória do início do sucesso dos Titãs, nos anos 1980? Foi natural, porque o tempo todo a gente batalhava por aquilo. Já contávamos com o sucesso. Ficamos fazendo shows por dois anos, antes de gravar o primeiro disco. Demorou até tocarmos no rádio, aparecermos na TV, sermos conhecidos nacionalmente.

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Vieram os excessos em sequência? Excesso de quê? Mulheres, drogas... Isso é um estereótipo do rock’n roll. Não vou ficar falando se teve excessos. Prefiro citar um verso do William Blake: “O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria” (risos). Você mantém uma boa relação com os Titãs. Mas como é a convivência entre vocês hoje? Os encontros são muito mais raros do que na época em que eu estava na banda. Mas continuamos amigos. Sempre que a gente se encontra é como se fosse naquela época: muita intimidade, naturalidade, brincadeira. De vez em quando combinamos de nos encontrar para fazer uma música, mas não é muito frequente. Você era tímido na adolescência? Sim, mas acho que fui lidando bem com isso. A criação é um grande instrumento de relacionamento. Primeiro é uma via de expressão e segundo, uma exposição. Você tem de lidar com aquilo na marra. E às vezes acho que você vai pro palco com mais convicção, com mais intensidade do que se não fosse tímido. Seu estilo inusitado foi um pouco alimentado por essa timidez, para criar uma persona no palco? Olha, sempre foi muito espontâneo. Não me vejo representando um papel no palco. Sou um Arnaldo diferente deste que está aqui conversando com você, mas sou eu ao extremo. A gente é várias personas. Claro que é uma espontaneidade que corresponde a uma situação muito especial. É mais uma entrega do que um exercício de construção de alguma coisa. Como vê a situação do Brasil, tendo como parâmetro a era Lula? Sou otimista, acho que o Brasil melhorou. Temos problemas profundos, de desigualdade, violência, corrupção. E isso não se resolve instantaneamente. É um processo lento. Tem que se priorizar a educação. É uma área que tem que ser cuidada, porque qualquer expectativa de um futuro melhor a pela educação. Acho um absurdo as melhores universidades serem públicas e as melhores escolas de primeiro e segundo grau serem particulares. Torço para que a Dilma faça um bom governo. Segue alguma religião? Não, mas tenho alguma religiosidade. Isso de achar que não existe só a dimensão material. Tive formação católica, fiz primeira comunhão e tal, mas 263

não sigo o catolicismo. Tenho simpatia pelo candomblé, essa coisa de terem muitos deuses. Gosto mais desse plural. Acho que não acredito em Deus, mas acredito em deuses.

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29- ARNALDO ANTUNES FALA SOBRE PARTICIPAÇÃO COM TITÃS, 10 ANOS DOS TRIBALISTAS E DO SHOW DESTA SEXTA NO RECIFE Por Julio Cavani jornal eletrônico, Diário de Pernambuco, maio de 2012. Você tem cerca de 30 anos de carreira e isso te dá uma liberdade muito grande na hora de montar o repertório de um show ou de um disco ao vivo, como esse Acústico. Você acha que as músicas escolhidas formam um discurso quando reunidas em conjunto? Olha, acabam existindo alguns elos temáticos que as pessoas podem perceber. Por exemplo, a música “A casa é sua” antes de “Nossa casa”, ou a música “Alma” antes da música “Consciência”. Acaba tendo umas relações internas que na hora de montar o roteiro, a ordem das músicas e tal, a gente acabou fazendo algumas aproximações. Mas, em geral, é um apanhado muito livre. Não foi pensando em um conceito comum que eu selecionei as canções. Foi muito pelo meu desejo de cantar, pelo desejo de equilibrar todas as fases da minha produção. O Acústico é uma oportunidade de rever a carreira e fazer uma seleção representativa e abrangente. Queria equilibrar músicas mais conhecidas e outras menos. Algumas escolhas foram feitas também já no processo de ensaio, vendo com a banda o que resultava melhor com arranjo acústico, em comparação ao arranjo em que cada música já tinha quando havia sido gravada. Por que só há uma música do disco O silêncio, por exemplo? A própria música O Silêncio seria uma boa escolha para estar nesse repertório, mas eu já toquei muito ela, em vários shows. Músicas do Iê iê iê, por exemplo, que é o trabalho que eu vinha apresentando anteriormente, tentei evitar. Mas isso é também é um pouco coincidência. Do disco O silêncio, pensei em incluir a música Desce, mas acabou não entrando por vários critérios. Chegamos a ensaiar bastante a música Alegria, que é bem importante no meu repertório. Acabou não entrando, mas a gente tem tocado no bis. Guardamos para o bis algumas surpresas que não entraram no disco. O disco dos Tribalistas foi lançado em 2002, há dez anos. O que você acha que aquele projeto representou, agora que você já pode ter uma visão mais distanciada no tempo? Não cabe a mim fazer essa avaliação. Eu acho que o projeto foi fruto de uma afinidade real, de uma iração mútua entre a gente, de uma linguagem onde cada um se equilibra em relação ao outro, sabe? É muito fértil quando a gente se reúne para fazer música. O disco serviu para plantar a semente de um trabalho de composição que a gente vem desenvolvendo ao longo desses anos todos depois dos Tribalistas, e que vem entrando nos discos do Carlinhos, da Marisa e meus.

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Tony Belloto divulgou que você participará da turnê comemorativa dos Titãs junto com Charles Gavin. Está confirmado? Já topei. Vou cantar em alguns shows, como participação especial, mas ainda não tem datas ou detalhes. O que acontecer, nós vamos estar juntos. Nos dez últimos anos, você tem participado de muitos projetos coletivos, como o “Pequeno Cidadão”, o “Grêmio Recreativo MTV” e os “Tribalistas”, além de participar dos discos de artistas como Ortinho e Erasmo Carlos. Por que fazer várias coisas ao mesmo tempo no lugar de se concentrar na própria carreira solo? São convites que vão surgindo. A música popular é um território de encontros. É natural compor em parceria se você já toca com outros instrumentistas. Eu gosto. É bacana. Eu consigo me concentrar no meu trabalho solo e também fazer essas participações. "A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer", diz uma de suas músicas mais recentes, que foi escrita por você junto com Ortinho e Marcelo Jeneci. Essa frase é autorreferente ou é um comentário mais geral? São as duas coisas. Quando a gente fez essa música, eu estava com 49 anos, prestes a fazer 50, então é um tema que está presente na minha vida, mas não fiz pensando necessariamente em mim. Fiz pensando em todo mundo, no ato de envelhecer, na possibilidade de manter uma inquietude, uma curiosidade e uma vivacidade junto à experiência que a idade traz. Você concorda que esses seus últimos discos são mais comportados? O que você consideraria "radical" na música hoje em dia? Não sei dizer se mais comportados ou menos comportados. Não fiz pensando nisso. Vou fazendo o trabalho pelo desejo de me expressar musicalmente. Acho que ali tem ousadia também. Não vejo uma diferença tão grande. Seria presunçoso eu dizer que meu trabalho é radical, é uma avaliação para quem observa de fora. Esse disco tem músicas de todas as fases da minha carreira, então se você pensar nas canções em si, tem um pouco de tudo. Além disso, procuramos uma sonoridade que não fosse tão repetitiva em relação ao formato acústico, que não se restringisse aos violões. Tem banjo, mellotron, trompete, violoncelo... Você acha que a Internet foi mesmo artisticamente revolucionária ou ela é mais uma ferramenta técnica, um e para as ideias dos artistas? Acho que tem uma revolução; não só pela Internet mas pela linguagem digital de um modo geral. Houve uma mudança nas formas de criação, nas relações de trabalho e nos meios de comunicação. É uma transformação profunda. E é uma coisa que ainda está no começo.

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Toda essa tecnologia teve forte impacto econômico na música. Como é sua posição em relação a essas novas noções da música enquanto mercadoria? A gente vive uma crise da indústria fonográfica. Os discos vendem até 20 vezes menos do que vendiam nos anos 1990, por exemplo, mas houve uma maior liberdade no o à informação. Acho que as coisas tendem a se equilibrar. É bacana as pessoas terem o a tudo de graça, mas, ao mesmo tempo, é importante que o artista tenha sua profissão reconhecida. Foi uma conquista da sociedade a profissionalização dos artistas, a possibilidade deles viverem do seu trabalho, como em outras profissões; serem reembolsados por aquilo. Como equacionar esses dois lados? Como garantir direito autoral e também manter esse o livre à informação? As vendas digitais estão aumentando, o iTunes entrou no Brasil, a indústria fonográfica está em crise mas outras empresas de outras áreas aram a investir, como a Natura e a Petrobras... As coisas podem vir a se equilibrar. Sua parceria com o guitarrista Edgard Scandurra começou no seu primeiro disco solo, há cerca de 20 anos, e já é mais duradoura, por exemplo, do que sua agem pelos Titãs. Vocês já não chegam a formar quase uma dupla? É muito diferente a relação de um cantor "solo" com seu guitarrista e a relação do vocalista de uma banda com os guitarristas da banda? Eu fiz um disco conjunto com o Edgard e o Toumani Diabaté, que é A Curva da Cintura. Ali realmente é uma parceria, com músicas concebidas por nós. Mas é muito diferente. Em um disco solo meu, posso chamar outras pessoas para tocar, quem eu quiser. Por ele também compor, a gente acaba fazendo algumas músicas juntos. Mas a concepção dos meus discos e as escolhas dos repertórios são direcionamentos de uma carreira solo. Agora, a participação dele é sempre importantíssima, é um guitarrista original, versátil, superinventivo, é o instrumentista de guitarra que eu mais iro no Brasil. É uma honra.

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30- ARNALDO ANTUNES por Ivany Turíbio Revista BT EXPERIENCE, 2012 Nos seus shows e performances, fica evidente uma grande energia e vigor físico. Qual é sua relação com o corpo? O que faz para manter a saúde e a vitalidade? R: Tenho consciência de que o que faço com o corpo nos shows atua como informação carregada de sentidos, junto à música e a outros elementos cênicos. Mas nunca preparei ou ensaiei muito os gestos, os, movimentos. É uma coisa espontânea. Ajo meio impensadamente, deixando que a música me leve. Às vezes acabo criando no palco uns os que depois repito, mas sem nenhuma premeditação. Fora dos shows, não tenho muita disciplina para malhar ou fazer esportes. Gosto de caminhar pelas ruas do meu bairro e, quando dá, nadar. O cotidiano, permeado de estranhamento e complexidade, é bastante presente em suas canções e poemas. O que te inspira? R: Qualquer coisa pode motivar uma criação — um copo, uma mosca, uma nuvem, um planeta, uma notícia de jornal, um filme, uma relação afetiva, uma ideia, uma sensação. O importante é como abordar aquilo, tentando ver sob um ângulo diferente, inusitado. Mesmo temas já batidos como a morte, o amor, a natureza, etc, podem ser revitalizados se os abordarmos de uma maneira original. Do mesmo modo, uma coisa banal ou corriqueira pode ser extremamente inspiradora, dependendo de como ela me toca, em determinado momento. Na canção Kaira (com Toumani Diabaté), você fala da mudança que a música provoca no indivíduo e no mundo. Que músicas te mudaram (e ainda mudam)? R: É difícil citar especificamente algumas, entre tantas. Creio que as canções (assim como a arte em geral) deveriam ser vistas não como crônicas ou comentários sobre a vida, mas como parte da vida; experiências pelas quais amos. Nesse sentido elas são formadoras da nossa consciência e da nossa sensibilidade, assim como as paixões, as perdas, as angústias, as realizações, enfim, os fatos que vivemos e incorporamos. O amor é tema frequente em suas canções. Tomo emprestado de Clarice Lispector uma das perguntas clássicas que fazia a seus entrevistados: O que é o amor? R: Respondo com outra pergunta, tirada da letra de uma dessas canções: “Onde mora o amor?”

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Criação (de arte e de filhos), interpretação (shows, intervenção, performance, vídeo), dia a dia. Aonde o prazer é maior? R: Tudo isso dá prazer, não dá pra medir ou comparar, pois são prazeres diversos, todos muito intensos mas cada um em sua especificidade. A utopia é levar o prazer (a intensidade, a satisfação) a todos os momentos. Se chegarmos um pouco mais perto disso, já é uma beleza. Como naqueles versos do Gil: “O melhor lugar do mundo é aqui e agora”.

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31- ARNALDO ANTUNES: 30 ANOS DE CARREIRA E CONVITE PARA TOCAR COM OS TITÃS por Lizandra Pronin site TERRITÓRIO DA MÚSICA, 25/05/2012 Gravado num cenário que lembra um carrossel de parque de diversões, o novo DVD de Arnaldo Antunes, “Acústico MTV”, acaba de chegar às lojas. O lançamento rea os 30 anos de carreira do músico com canções de diversas fases: desde a época dos Titãs, ando pelos Tribalistas e chegando à carreira solo. Pouco antes de iniciar a turnê de divulgação de “Acústico MTV”, Arnaldo Antunes conversou com o Território da Música sobre a escolha do repertório do DVD acústico e sobre o trânsito entre a música e a poesia. O músico contou ainda que os Titãs o convidaram para alguns shows comemorativos da banda e que ele já aceitou o convite. Por que comemorar 30 anos de carreira com um lançamento de um show acústico e não plugado? Arnaldo Antunes: Isso foi uma coincidência, não pensei em fazer o acústico para comemorar os 30 anos. O convite da MTV rolou no ano ado, eu estava lá fazendo o Grêmio Recreativo [um programa da emissora], e tinha essa proximidade. Eu já tinha vontade de fazer o Acústico, mas não tinha tido oportunidade. Foi super legal, a gente gravou em dezembro do ano ado, fizemos todo o projeto pra que fosse lançado agora. Ele acaba homenageando seus 30 anos, já que rea toda sua carreira... AA: É, foi uma coincidência, mas uma coincidência feliz! O acústico acaba sendo uma oportunidade de escolher um repertório que faça uma síntese da minha carreira, mas relida em uma nova instrumentação. Como foi escolher o repertório? Com três décadas de carreira há muitas canções a escolher e, obviamente, muita coisa precisa ficar de fora... AA: Sem dúvida! Foi difícil porque tem muitas músicas. Eu queria que houvesse uma representatividade não só da minha carreira, mas que tivesse tanto coisas conhecidas como outras menos conhecidas. E queria que tivesse um equilíbrio de coisas mais leves e mais pesadas. Tem canções que é fácil ver a adaptação para o formato acústico, por serem canções mais serenas como “Debaixo D’Agua”, por exemplo, ou “Até o Fim”. E tem outras que são rocks pesados, como “Fora de Si” ou “Música para Ouvir”, que eu tinha curiosidade de ver como iam funcionar no formato acústico. Vários pensamentos foram norteando esse processo. Demorou meses. Fomos escolhendo, depurando, tirando uma música, pondo outra. Chegou um momento que eu comecei a pedir opiniões dos músicos da banda, então todo mundo acabou dando sugestões. Algumas coisas a gente acabou decidindo 270

somente durante os ensaios, vendo quais arranjos davam mais certo. Alguma canção que você queria colocar no álbum acabou ficando de fora? AA: Teve várias! Inicialmente eu pensei em um monte de músicas, sabendo, claro, que tinha um limite e que algumas coisas inevitavelmente teriam que cair. Músicas que eu acho importantes e representativas da minha carreira, como “Alegria”, por exemplo, ou “Nem Tudo” ficaram de fora... Dos Tribalistas eu queria que tivesse uma canção e fiquei em dúvida entre “Carnavália” e “e em Casa”. Quando a gente fez os arranjos, a gente acabou optando por “e em Casa”. Mas os imes foram muitos. Todas as músicas precisaram de um novo arranjo, não é? AA: Pois é, a gente optou pelo que funcionou melhor, pela releitura que deixava a música mais interessante. Você escolheu também canções que compôs, mas que nunca havia gravado. Como foi colocar sua voz nelas? AA: Foi uma oportunidade de eu gravar coisas que eu nunca tinha cantado. Coisas que eu já tinha desejo de cantar anteriormente, mas não tinha rolado ainda. E algumas eu pensei na hora de escolher o repertório mesmo. Como “Alma”, por exemplo, que foi um grande sucesso na voz da Zélia [Duncan]. Não é uma canção que eu tivesse intenção de gravar, mas o contexto do acústico trouxe esse desejo. E como foi colocar sua voz nessa canção? Ela ficou bem marcante na voz da Zélia Duncan... AA: Foi um desafio, por ser uma música bem conhecida. Mas eu quis fazer a minha leitura e acabou sendo natural porque tem o meu ‘feeling’ da música. Foi gostoso de fazer. É uma versão a mais, não há problema com o fato dela já ter sido gravada e ter sido sucesso na voz de outra pessoa. E “De mais Ninguém” é uma canção que eu já tinha o desejo de gravar há anos. A Marisa [Monte] gravou, mas a canção é na primeira pessoa um personagem masculino. E o Nelson Gonçalves chegou a gravar essa música, no último disco, antes de falecer. Eu queria fazer a minha versão. Foi uma oportunidade adequada. E como foi escolher canções da fase dos Titãs? AA: Foi difícil, eram muitas opções. Pensamos em “Televisão”... “Hereditário” é uma música que eu sou autor, mas não participei da gravação, pois foi no disco em que eu estava saindo da banda, o “Titanomaquia”. Cheguei a compor coisas para o repertório, mas como saí da banda, não participei das gravações. E “Hereditário” é uma música que eu adoro. Adoro a canção, a letra. Tinha o desejo que cantar faz tempo e aproveitei a ocasião. “Comida” e “O que” eu já cantava nos Titãs. Quis fazer uma versão e elas 271

entraram no repertório em função do acerto que conseguimos com o arranjo meio ska. Não faria sentido fazer uma versão repetindo aquela coisa funkeada que elas têm no original. Eu queria que tivesse informações novas, até porque elas foram grandes sucessos nas gravações originais. E surgiu a ideia de fazer um medley juntando as duas. Ficou bem legal. Por falar em “O que”, os remanescentes do Titãs tocaram na Virada Cultural, no início do mês, o álbum “Cabeça Dinossauro” (1986) na íntegra. Você chegou a ver a apresentação? AA: Não vi! Adoraria ter visto esse show. Eles fizeram também num SESC... Eu tinha show na mesma data, não consegui ver. Mas falei com o Paulo Miklos depois do show e ele falou que foi um grande barato. Falei com o Branco [Mello] também. Eles falaram que foi uma curtição, com um público muito quente. É um disco bem importante na carreira da banda. Você pensou em se reunir a eles para algum projeto desse tipo - tocar um clássico na íntegra ou simplesmente reviver bons momentos? AA: Os Titãs vão fazer shows comemorativos e me convidaram para fazer umas participações, no segundo semestre, acho que em três shows. E eu topei. Se rolar a gente vai estar junto. Já há alguma data confirmada para suas participações? AA: Ainda não. Mas de minha parte eu já dei o ok. É só marcar. Ainda falando de “O que”, para falar de poesia, a letra tem esse jeitão de poesia moderna. Ao longo da sua carreira você se dedicou à poesia, além de escrever letras para canções. O Arnaldo poeta e o Arnaldo compositor convivem bem? Trabalham juntos em harmonia? AA: Em geral eu faço um pouco de cada coisa. Elas se alternam. Mas numa mesma época posso trabalhar num poema e criar uma canção. Acho que existe um trânsito natural entre as duas linguagens por conta das duas utilizarem a palavra. A canção, a poesia escrita ou a poesia visual têm esse território da palavra em comum, que faz com que haja um trânsito de uma coisa para a outra. Só fico exclusivamente em uma coisa quando, por exemplo, estou finalizando um disco, ou gravando no estúdio: aí só penso naquilo. Ou quando estou finalizando a produção de um livro, selecionando os poemas, fazendo a produção gráfica... Aí fico com a cabeça muito alugada por aquilo. Mas em geral, quando estou viajando e fazendo shows, estou compondo, escrevendo... As coisas acontecem ao mesmo tempo. Falando em viajar e turnês, como estão os preparativos para a nova turnê? (a entrevista foi realizada dias antes de o músico iniciar a turnê do disco acústico) AA: Estamos ensaiando, desde o começo da semana ada, todos os dias. 272

O show estreia nessa quarta-feira [estreou dia 16/05/2012] e já temos uma agenda cheia. E a expectativa? AA: É grande! Estamos vendo detalhes do cenário, do figurino. Vocês irão manter um cenário parecido com o que vemos no DVD? AA: Será uma adaptação do cenário do DVD. Sem a característica do palco circular, claro. Vai ter a cúpula de luzes, os cavalos, o palco branco, a gente vestido de branco. E a ideia é fazer um semicírculo no palco. O formato do palco e os cavalos, no DVD, lembram um carrossel. Qual o significado disso? AA: A ideia de ser circular foi minha, para recriar o espírito de cumplicidade que temos nos ensaios, aquela coisa da gente tocar se olhando. Por isso tive o desejo de fazer um palco redondo e com o público à nossa volta. Mas com isso a gente iria ficar, inevitavelmente, de costas para uma parte do público. Então tive a ideia do palco ser giratório. Convidei o Marcelo Sommer para fazer cenário, direção de arte e figurino. E ele teve a ideia do carrossel, com a cúpula de luzes e os cavalos. Então ficou essa coisa bem lúdica, que lembra caixinha de música. E quais os planos para o futuro? Já está pensando em músicas novas? Planos para um livro? AA: Ainda está muito cedo para pensar num novo disco. A gente acabou de lançar o Acústico e agora a preocupação é fazer um show legal. Estou empenhado em levar esse projeto para a estrada... Esse ano eu devo me revezar entre esse show e o da Curva da Cintura, que é o projeto que eu gravei com o Edgard [Scandurra, guitarrista] e o Toumani [Diabaté, músico africano]. Quanto a livros, de poesias não há planos, mas eu estou me programando para lançar no segundo semestre um novo volume de ensaios. Eu lancei em 2000 um livro de textos, sobre o trabalho de outras pessoas, que se chamava “40 escritos”. Agora estou compilando uma produção posterior que vai se chamar “Outros 40”. Deve sair no segundo semestre uma reedição do “40 escritos” e o novo volume.

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32- REVISTA PALAVRA, Sesc Literatura em Revista, número 4, 2013 por Flavia Tebaldi

A nossa primeira dificuldade ao elaborar um roteiro para esta entrevista foi tentar ‘enquadrar’ ou mesmo traçar um fio condutor da sua obra por onde se pudesse seguir. Se, por um lado, a palavra parece ocupar este espaço central, em torno e em função da qual as inúmeras possibilidades artísticas transitam e dialogam, por outro, parece-nos que há um comprometimento maior de sua parte exatamente em uma libertação de rótulos como ‘música’, ‘poesia’ e ‘artes plásticas’ na busca por fazer uma arte múltipla, multissensorial. Você pode falar sobre essas questões? R: De certa forma, tudo que produzo (canções, poemas, trabalhos visuais) envolve o uso da palavra, em suas múltiplas possibilidades e conexões com música, imagem, performance, etc. Posso até prescindir da palavra, mas não da significação poética. É como se ela fosse um porto seguro, de onde me aventuro em direção a outras linguagens. Dessa forma, tudo acaba se conectando. Ao mesmo tempo, sinto estarem cada vez mais precárias as delimitações entre as linguagens e cada vez mais fluente o trânsito entre elas. A modernidade, de uma maneira geral, borrou essas bordas. E os meios digitais vieram para misturar as cores de vez. Vamos falar do início de sua carreira. Em sua biografia diz que você começa a desenhar e a fazer os primeiros poemas em 73. Logo depois, em 75, na escola, fez um filme, um super 8, mas, ao mesmo tempo, começa a compor canções com Paulo Miklos. Naquela época, talvez um pouco mais tarde, você já tinha noção de que queria trabalhar com a poesia, ou com artes visuais... como a música ou a ocupar um espaço maior na sua vida? R: Desde adolescente me interessei por música e por Literatura. Na mesma época em que tive aulas de violão, já com o desejo de compor canções, comecei também a escrever os primeiros poemas. Também escrevia contos. No segundo grau, publiquei livrinho de prosa chamado Camaleão, que imprimi na gráfica do colégio Equipe. Fiz um lançamento lá, e depois vendia em bares e portas de teatro, o que era também um jeito de eu descolar uma grana. Ao mesmo tempo já compunha canções em parceria com o Paulo Miklos, que era da minha classe e, depois, com outros futuros integrantes dos Titãs. As coisas chegaram juntas para mim. Era ligado, por exemplo, em João Gilberto, Gil, Caetano, e ao mesmo tempo nas revistas de poesia mais experimental. Depois fui descobrindo as conexões entre esses dois universos, como o Balanço da Bossa, do Augusto de Campos, ou as canções do Caetano sobre os poemas dele, na Caixa Preta, e outros poetas que transitavam entre a palavra impressa e a cantada, como Torquato Neto, Waly Salomão, Leminski, entre outros. Depois do colégio entrei na Faculdade de Letras da USP e, um tempo depois, estreamos com os Titãs. Aí a agenda de shows e viagens foi ficando cada vez mais cheia, até que ficou impossível continuar com a faculdade. 274

Embora já tivesse um trabalho muito intenso com performances, com poesia e como editor da série de revistas Almanak, você se tornou conhecido como artista com o seu trabalho nos Titãs, o que é natural, tendo em vista o alcance da música pop e a força do movimento Rock dos anos 80. Você acha que seu trabalho como músico acabou ‘ofuscando’ o restante da sua produção? R: Nunca vi dessa forma. Há, realmente, uma evidente diferença de alcance entre a música popular e a poesia. É natural que seja assim, pois a poesia, atualmente, é uma arte minoritária, em qualquer parte do mundo. Já as canções pertencem ao universo da comunicação de massas e da indústria do entretenimento. E, especialmente no Brasil, onde isso constitui um fenômeno poderoso, temos também uma tradição de texto cantado muito sofisticada. Mas sempre vivi com naturalidade esse descomo, fazendo o trânsito entre os territórios. Na verdade, sempre me senti um autor de livros de poesia privilegiado, pelo fato de uma pequena parte do extenso público que minha música pode ter conquistado, se interessar também por minha poesia escrita. Há, muitas vezes, um certo preconceito com o trabalho de artistas que têm apelo comercial. Como você se relaciona com o mercado? Ser famoso ajuda a vender poesia? R: Sucesso comercial não é parâmetro para medir qualidade artística. Pode-se ou não ter sucesso comercial, e fazer ou não um trabalho potente artisticamente. As duas coisas podem se dar juntas, como nos casos mais felizes, ou podem acontecer separadamente. A graça é justamente essa imprevisibilidade. Agora querer ser ouvido e cantado por muita gente é a intenção natural de qualquer artista que trabalhe com música (o nome já diz) popular, pois faz parte da natureza coletiva do próprio produto. Só não se deve abrir mão dos anseios expressivos mais verdadeiros, no intuito de atingir essa finalidade. Não só porque aí deixa de ser arte e vira outra coisa (propaganda, marketing, diluição), mas também porque, mesmo comercialmente, é difícil tais concessões darem certo. Continuo acreditando que o público é mais inteligente, esperto, aberto à novidade do que querem fazer crer a maioria dos veículos de comunicação e que a criação genuína e original cedo ou tarde acaba conquistando seu espaço. Talvez seja um excesso de otimismo... A respeito das revistas: você co-editou algumas das revistas mais representativas da Literatura brasileira das últimas décadas, como a Almanak, a Kataloki e a Atlas. Também nessas revistas, o grande diferencial era a relação da poesia com artes visuais. Como você vê essa relação? R: Eram revistas que queriam mostrar uma produção múltipla, de poesia, desenho, prosa, HQ, artes plásticas, fotografia, artes gráficas. Talvez a maior parte dos trabalhos fosse realmente a de poemas visuais, produção que acabava por unir algumas dessas áreas e para as quais as revistas eram um veículo muito adequado. Eu sempre fui apaixonado pelo universo da criação gráfica, assim como o Beto Borges, o Sérgio Papi, o Nuno Ramos, entre outros que co-editaram essas publicações conosco. E essa era uma maneira de dar 275

vazão a esse encantamento. Ao mesmo tempo, creio que meu contato com outras publicações do gênero também alimentou esse desejo. Sua poesia tem uma forte relação com a visualidade e é considerada, por muitos, como neoconcretista. Qual é a influência do movimento concretista na sua poesia? R: Não tenho nada a ver com o neoconcretismo, termo cunhado pelo Ferreira Gullar no final da década de 50, que representava uma reação à arte concreta. Mas essa é uma discussão deles, de outra época. Sou um irador da poesia concreta e dos trabalhos posteriores, mais individualizados, dos protagonistas do movimento (Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo, além de José Lino Grunewald, Pedro Xisto, Edgard Braga, entre outros). Acho que a minha geração já recebeu essas informações mais livremente, sem os traumas e choques das gerações anteriores. Para mim, o trabalho dos poetas concretos foi pioneiro em muitos aspectos — na inserção de aspectos gráfico-visuais junto ao verbal, na consciência da materialidade da linguagem, na exploração de outros meios e es para a poesia, no experimentalismo, na libertação da sintaxe e do verso tradicionais, entre outros aspectos. Podemos perceber uma mudança bastante clara entre a relação do texto poético com a visualidade em livros como o Psia, seu segundo livro, de 86, que tem uma referência quase imediata com o concretismo, e n.d.a, de 2010, ou 2 ou + corpos no mesmo espaço, que trazem fotos de obras suas, diminuindo essa fronteira entre poesia e artes plásticas. Você considera isso uma evolução natural da sua obra, ou somente uma particularidade de cada trabalho? R: Não consigo ter esse olhar crítico de fora, em relação aos meus trabalhos. Creio que cada livro responde a anseios de momentos específicos mas, ao mesmo tempo, eles se relacionam em buscas comuns, que se estendem de um ao outro. Não chamaria de evolução, mas de desenvolvimento de algumas questões, junto à descoberta de outras. De qualquer forma, a aproximação entre o verbal e o visual é algo que está presente em praticamente todos os meus livros, desde o primeiro, OU E, que era todo caligráfico. Você participou, na década de 80, de um período de efervescência artística, com o surgimento de grandes nomes da arte brasileira contemporânea, e uma grande abertura para a experimentação, para a pesquisa de novas linguagens, como a própria performance. Como você observa o cenário atual da arte brasileira? R: Acho muito difícil traçar em poucas linhas um panorama fiel de cada época. Qualquer generalização acaba sendo muito redutora. E eu prefiro sempre as exceções do que as regras. Mas continuo atento à produção atual em várias áreas e acho que há muitas coisas interessantes para ser descobertas por quem tiver curiosidade e (principalmente hoje em dia) o à internet.

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Você acredita, que hoje, a poesia ainda é uma forma de resistência? R: Acredito que sim. Resistência ao hábito, à repetição de formas e conceitos standartizados, à imprecisão, ao excesso, à insensibilidade e à estupidez geral. Tendo em vista que sua poesia tem sempre uma relação muito íntima com a sonoridade e com a visualidade, como se dá o seu processo de criação artística? R: Em geral parto de um impulso, uma fagulha — que pode ser uma frase, uma ideia, um ritmo, uma melodia, uma imagem, um recurso gráfico ou um jogo de palavras; e vou desenvolvendo aquilo, através de muitos rascunhos. Aí entra um exercício de acrescentar e suprimir elementos, além de escolhas através da efetivação de diversas possibilidades (rabiscando, salvando, gravando, imprimindo ou artefinalizando diferentes versões). É como se eu precisasse sempre ver, ler, ouvir as várias alternativas para ir fazendo minhas escolhas e mudanças, antes de chegar a um resultado (verbal, visual, rítmico-melódico). Para mim tudo que faço é antes matéria-prima de um processo de refeitura (substituição, comparação, remontagem de partes, decantação), que precisa materializar as possibilidades para se realizar. Uma parte significante do seu trabalho é direcionada ao público infantil. Como surgiu a vontade de produzir também para esse público? R: Creio que a convivência com meus filhos pequenos trouxe muita inspiração para meu trabalho criativo. Alimentou, em parte, um certo sotaque poético que produz estranhamentos, descobertas e analogias imprevistas. Além disso, alguns convites, como os do Palavra Cantada e do Pequeno Cidadão, me levaram a compor e atuar em projetos especialmente voltados para o público infantil, o que já me deu grandes prazeres. Mas tudo começou com minha convivência íntima com as crianças aqui de casa, que me motivaram com seus olhares muito virgens e livres para as coisas do mundo.

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33- REVISTA PÁGINA 22, 2014 por Ana d’Angelo - Imitando descaradamente a entrevista que Clarice Lispector fez com Hélio Pellegrino (para a série Diálogos Possíveis com Clarice Lispector que assinava em Manchete, dec 70) reproduzo e adapto a pergunta: "Arnaldo (Hélio), diga-me agora, qual é a coisa mais importante do mundo?" Acho que são os afetos. - De onde surgem suas ideias? Conte-me estórias Podem surgir de qualquer coisa vivida, vista, sentida, ouvida, lida. Dos fatos e das coisas que me cercam. Mas isso como um primeiro impulso. Depois, até aquilo virar uma criação (um poema, um texto, uma canção, um vídeo, uma instalação, uma performance, um objeto visual) artística que possa ser compartilhada, o que faz eclodirem novas ideias é o próprio embate com a linguagem. Conforme vou mexendo, refazendo, filtrando, editando; as ideias iniciais vão se transformando, tomando novos caminhos que o próprio jogo formal desbrava. Por isso é que um objeto artístico é insubstituível (intraduzível); pois nele forma e sentido se amalgamam e se tornam indissociáveis. Assim, muitas vezes parto de uma ideia e, no processo, acabo chegando a outras inteiramente diferentes, em geral muito mais interessantes do que aquela que serviu de motivação inicial. - Você experimenta os limites da linguagem. O que lhe interessa no processo de criação/investigação? Tenho interesse nessa sondagem dos limites da linguagem. Acho que faz parte, não apenas de um processo de exploração das possibilidades que um código me oferece, mas também de um desejo de colocar em cheque o próprio código; a natureza de sua organização e seu uso na comunicação expressiva. Isso me leva, muitas vezes, a procedimentos que poderia se considerar como experimentais. - Ciência e arte são conexões de uma mesma rede? Creio que, apesar de todas as diferenças — como, por exemplo, o fato da ciência ter aplicações práticas efetivadas pela tecnologia e os objetos artísticos serem verdadeiros (para usar uma expressão do Leminski) “inutensílios” — a ciência e a arte podem se aproximar: em relação ao exercício de um rigor (mesmo que de modos distintos), necessário para chegar expressão mais justa (no caso das artes) ou à compreensão dos fenômenos (no caso da ciência); e também, num sentido mais profundo, na aventura que é a sondagem do desconhecido. Temos alguns exemplos de aproximações desses campos, nos trabalhos de Leonardo da Vinci, ou nas invenções de Buckminster Fuller, entre outros. A partir da modernidade, a arte se livrou um pouco do conceito de subjetividade e as descobertas científicas se identificaram com outros campos do saber (como, por exemplo, a afinidade entre a indeterminação quântica e a filosofia taoista). Isso tudo, a meu ver, as aproximou um pouco mais. 278

- Edgar Morin fala em efervescência cultural no Método 4, aquele momento da história em que se afrouxam os padrões e regras, favoráveis ao desvio, à descoberta e revoluções, rupturas. No caso, o gênio ou o grande artista não pode nunca ser um homem de seu tempo. Comente por favor. Não sei se compreendi bem. Seria leviano comentar sem conhecer melhor o contexto em que se deu essa declaração de Edgar Morin, um pensador por quem tenho enorme iração. Acho difícil tomar isso como uma regra. Mas há inúmeros casos, é claro, de artistas brilhantes, que estavam à frente de seu tempo e que só vieram a ser compreendidos e assimilados muito depois.

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APÊNDICES Discografia com Titãs Titãs. WEA, 1984. 1.Sonífera Ilha (Branco Mello, Carlos Barmack, Ciro Pessoa, Marcelo Fromer, Tony Bellotto) - 02:54 2.Marvin (Geral Johnson, Sérgio Britto, Nando Reis, R. Dunbar) - 04:11 3.Babi Índio (Branco Mello, Ciro Pessoa) - 03:38 4.Go Back (Sérgio Britto, Torquato Neto) - 03:40 5.Pule (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos) - 02:20 6.Querem Meu Sangue (Jimmy Cliff) - 03:08 7.Mulher Robot (Tony Bellotto) - 02:22 8.Demais (Arnaldo Antunes) - 02:48 9.Toda Cor (Carlos Barmack, Ciro Pessoa, Marcelo Fromer) - 03:21 10.Balada para John e Yoko (Lennon, McCartney) - 02:40 11.Seu Interesse (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos) - 03:10 Televisão. WEA, 1985. 1.Televisão (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Tony Bellotto) – 03:40 2.Insensível (Sérgio Britto) – 04:25 3.Pavimentação (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos) – 02:25 4.Dona Nenê (Branco Mello, Ciro Pessoa) – 03:35 5.Pra Dizer Adeus (Nando Reis, Tony Bellotto) – 05:00 6.Não Vou Me Adaptar (Arnaldo Antunes) – 02:45 7.Tudo Vai ar (Marcelo Fromer, Sérgio Britto) – 03:40 8.Sonho Com Você (Branco Mello, Ciro Pessoa, Sérgio Britto) – 03:05 9.O Homem Cinza (Nando Reis) – 03:40 10.Autonomia (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Paulo Miklos) – 02:55 11.Massacre (Marcelo Fromer, Sérgio Britto) – 01:40 Cabeça Dinossauro. WEA, 1986. 1.Cabeça Dinossauro (Arnaldo Antunes, Branco Mello, Paulo Miklos) - 02:19 2.AA UU (Marcelo Fromer, Sérgio Britto) - 03:01 3.Igreja (Nando Reis) - 02:47 4.Polícia (Tony Bellotto) - 02:07 5.Estado Violência (Charles Gavin) - 03:07 6.A Face do Destruidor (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos) - 0:34 7.Porrada (Arnaldo Antunes, Sérgio Britto) - 02:49 8.Tô Cansado (Arnaldo Antunes, Branco Mello) - 02:16 9.Bichos Escrotos (Arnaldo Antunes, Sérgio Britto, Nando Reis) - 03:14 10.Família (Arnaldo Antunes, Tony Bellotto) - 03:32

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11.Homem Primata (Ciro Pessoa, Marcelo Fromer, Nando Reis, Sérgio Britto) 03:27 12.Dívidas (Arnaldo Antunes, Branco Mello) - 03:06 13.O Quê (Arnaldo Antunes) - 05:38 Jesus não tem dentes no país dos Banguelas. WEA, 1987. 1.Todo Mundo Quer Amor (Arnaldo Antunes) - 01:18 2.Comida (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Sérgio Britto) - 03:59 3.O Inimigo (Branco Mello, Marcelo Fromer, Tony Bellotto) - 02:13 4.Corações e Mentes (Marcelo Fromer, Sérgio Britto) - 03:47 5.Diversão (Nando Reis, Sérgio Britto) - 05:05 6.Infelizmente (Sérgio Britto) - 01:33 7.Jesus não Tem Dentes no País dos Banguelas (Marcelo Fromer, Nando Reis) - 02:11 8.Mentiras (Marcelo Fromer, Sérgio Britto, Tony Bellotto) - 02:09 9.Desordem (Charles Gavin, Marcelo Fromer, Sérgio Britto) - 04:01 10.Lugar Nenhum (Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Marcelo Fromer, Sérgio Britto, Tony Bellotto) - 02:56 11.Armas pra Lutar (Arnaldo Antunes, Branco Mello, Marcelo Fromer, Tony Bellotto) - 02:10 12.Nome aos Bois (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Nando Reis, Tony Bellotto) - 02:06 Go Back (ao vivo em Montreaux). WEA, 1988. 1.Jesus não Tem Dentes no País dos Banguelas (Marcelo Fromer, Nando Reis) – 02:32 2.Nome aos Bois (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Nando Reis, Tony Bellotto) – 01:47 3.Bichos Escrotos (Arnaldo Antunes, Nando Reis, Sérgio Britto) – 03:18 4.Pavimentação (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos) – 03:33 5.Diversão (Nando Reis, Sérgio Britto) – 05:03 6.Marvin (Patches) (G. N. Johson, Nando Reis, R. Dunbar, Sérgio Britto) – 04:21 7.AA UU (Marcelo Fromer, Sérgio Britto) – 02:36 8.Go Back (Sérgio Britto, Torquato Neto) – 03:40 9.Polícia (Tony Bellotto) – 02:17 10.Cabeça Dinossauro (Arnaldo Antunes, Branco Mello, Paulo Miklos) – 02:25 11.Massacre (Marcelo Fromer, Sérgio Britto) – 01:58 12.Não Vou Me Adaptar (Arnaldo Antunes) – 03:20 13.Lugar Nenhum (Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Marcelo Fromer, Sérgio Britto, Tony Bellotto) – 04:14 14.Marvin (Patches) [Remix] (G. N. Johson, Nando Reis, R. Dunbar, Sérgio Britto) – 04:14 15.Go Back [Remix] (Sérgio Britto, Torquato Neto) – 05:23

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Õ Blésq Blom. WEA, 1989. 1.Introdução por Mauro e Quitéria (Mauro, Quitéria) - 0:44 2.Miséria (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Sérgio Britto) - 04:27 3.Racio Símio (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Nando Reis) - 03:19 4.O Camelo e o Dromedário (Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos, Tony Bellotto) - 05:22 5.Palavras (Marcelo Fromer, Sérgio Britto) - 02:33 6.Medo (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer,Tony Bellotto) - 02:06 7.Natureza Morta (Arnaldo Antunes, Liminha, Branco Mello, Marcelo Fromer, Paulo Miklos, Sérgio Britto) - 0:19 8.Flores (Charles Gavin, Paulo Miklos, Sérgio Britto, Tony Bellotto) - 03:27 9.O Pulso (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Tony Bellotto) - 02:45 10.32 Dentes (Branco Mello, Marcelo Fromer, Sérgio Britto) - 02:30 11.Faculdade (Arnaldo Antunes, Branco Mello, Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos) - 03:13 12. Deus e o Diabo (Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto) - 03:28 13. Vinheta Final por Mauro e Quitéria (Mauro, Quitéria) - 0:35 Tudo ao mesmo tempo agora. WEA, 1991. 1.Clitóris (Arnaldo Antunes) - 03:47 2.O Fácil É o Certo (Sérgio Britto) - 02:13 3. Filantrópico (Branco Mello) - 02:26 4.Cabeça (Paulo Miklos) - 02:05 5.Já (Arnaldo Antunes) - 02:13 6.Eu Vezes Eu (Sérgio Britto) - 02:50 7.Isso para Mim É Perfume (Nando Reis) - 03:19 8. Saia de Mim (Arnaldo Antunes) - 03:19 9.Flat - Cemitério - Apartamento (Branco Mello) - 01:37 10.Agora (Paulo Miklos) - 02:35 11.Não É por não Falar (Sérgio Britto) - 02:31 12.Obrigado (Nando Reis) - 01:08 13.Se Você Está Aqui (Nando Reis) - 02:54 14.Eu não Sei Fazer Música (Branco Mello) - 02:50 15.Uma Coisa de Cada Vez (Arnaldo Antunes) - 03:18

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solo Nome. BMG, 1993. 1.Fênis (Arnaldo Antunes) - 01:19 2.Diferente (Arnaldo Antunes) - 04:04 3.Nome (Arnaldo Antunes) - 01:49 4.Tato (Arnaldo Antunes) - 02:23 5.Cultura (Arnaldo Antunes) - 02:47 6.Se não se (Arnaldo Antunes) - 01:32 7.O macaco (Arnaldo Antunes) - 01:49 8.Carnaval (Arnaldo Antunes) - 01:38 9.Campo (Arnaldo Antunes) - 00:45 10.Entre (Arnaldo Antunes/ Péricles Cavalcanti) - 01:33 11.Luz (Arnaldo Antunes) - 01:10 12.Direitinho (Arnaldo Antunes) - 02:42 13.Não tem que (Arnaldo Antunes) - 00:54 14.Dentro (Arnaldo Antunes) - 01:03 15.Alta noite (Arnaldo Antunes) - 03:50 16.Pouco (Arnaldo Antunes) - 01:37 17.Nome não (Arnaldo Antunes) - 02:42 18.Soneto (Arnaldo Antunes) - 01:43 19.Imagem (Arnaldo Antunes/ Péricles Cavalcanti) - 00:32 20.Armazém (Arnaldo Antunes/ Arto Lindsay) - 00:52 21.Acordo (Arnaldo Antunes) - 01:09 22.E só (Arnaldo Antunes) - 03:19 23.Agora (Arnaldo Antunes) - 01:23 Ficha técnica Produção: Arnaldo Antunes, Paulo Tatit e Rodolfo Stroeter Gravação e mixagem no Estúdio ArtMix, São Paulo (com exceção das faixas "Fênis" e "Agora", gravadas no Estúdio Salamandra, São Paulo, e remixadas no ArtMix) Produção executiva: Kiki Felipe Engenharia de gravação e mixagem: J.R. Cotô Mixagem: Arnaldo Antunes, Peter Price e J.R. Cotô Engenharia de masterização: Carlos Freitas, Cia. de Áudio, São Paulo Assistente de masterização: Érico Gnochi Assistente de estúdio: Octávio Paixão e Ivan Knopfer Pré-produção: Paulo Tatit, Estúdio Salamandra Capa e coordenação gráfica: Arnaldo Antunes, Zaba Moreau, Celia Catunda e Kiko Mistrorigo (a partir de imagens de vídeo) Participações especiais Marisa Monte: voz ("Cultura", "Carnaval", "Direitinho" e "Alta noite") Péricles Cavalcanti: voz e violão ("Entre" e "Imagem") Edgard Scandurra: guitarra ("Nome" e "Se não se") Arto Lindsay: guitarra e voz ("O macaco", "Não tem que", "Armazém" e Dentro") João Donato: piano ("Alta noite")

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Ninguém. BMG, 1995. 1.Ninguém (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra / Paulo Tatit) - 03:01 2.Consciência (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 04:19 3.O nome disso (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 01:47 4.Nem tudo (Arnaldo Antunes / Tony Bellotto) - 03:31 5.Alegria (Arnaldo Antunes) - 03:25 6.Budismo moderno (Arnaldo Antunes / Augusto dos Anjos) - 01:59 7.Fora de si (Arnaldo Antunes) - 02:36 8.Minha meu (Arnaldo Antunes) - 02:01 9.O seu olhar (Arnaldo Antunes/ Paulo Tatit) - 03:44 10.Lugar comum (João Donato / Gilberto Gil) - 03:35 11.Judiaria (Lupcínio Rodrigues)- 02:59 12.Tempo (Arnaldo Antunes / Paulo Miklos) - 02:24 13.Inspirado (Arnaldo Antunes / Edvaldo Santana) - 03:16 14.No fundo (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 03:23 15.Quero (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 02:57 16.Ninguém no carnaval (Arnaldo Antunes / Liminha) - 03:23 Ficha técnica Produção: Liminha Gravação e mixagem no Estúdio Mosh, São Paulo (entre novembro de 1994 e janeiro de 1995), exceto pela faixa "Ninguém no Carnaval", que foi gravada no Mosh e no estúdio Nas Nuvens e mixada no Nas Nuvens, Rio de Janeiro. Direção artística: Sérgio de Carvalho Engenharia de gravação: Luis Paulo Serafim e Liminha. A faixa "Ninguém no Carnaval" contou com a engenharia de Liminha e Victor Farias Engenheiros adicionais: Adriano Ted, Guilherme Canaes, André José e Primo Assessoria técnica: Oswaldo Malagutti Jr., Adolfo Takeuti Engenharia de mixagem: Luis Paulo Serafim, Arnaldo Antunes e Liminha. A faixa "Ninguém no Carnaval" contou com a mixagem de Liminha e Victor Farias Engenharia de masterização: Ricardo Garcia / Magic Master Assistente de Estúdio: André, Keko, Rico, Sandro e Sidnei / Renato Munhoz (Nas Nuvens). Assistente de produção: Ana Paula Bellotto Capa e coordenação gráfica: Arnaldo Antunes e Zaba Moreau Fotos: Gal Oppido Participações especiais Jorge Mautner – leitura do fragmento da "Carta a El Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil", de Pero Vaz de Caminha ("Consciência")

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O Silêncio. BMG, 1996. 1.O silêncio (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) - 04:08 2.E estamos conversados (Arnaldo Antunes / Paulo Tatit) - 02:52 3.Poder (Arnaldo Antunes / Tadeu Jungle) - 06:26 4.Eva e eu (Arnaldo Antunes/ Péricles Cavalcanti) - 03:01 5.Macha fêmea (Arnaldo Antunes / Paulo Tatit / Marcelo Fromer) - 02:56 6.Inclassificáveis (Arnaldo Antunes) - 03:43 7.Que te quero (Arnaldo Antunes/ Péricles Cavalcanti, Peter Price) - 03:18 8.Desce (versão 1) (Arnaldo Antunes) - 03:06 9.Juízo final (Nelson Cavaquinho / Elcio Soares) - 02:50 10.O que swingnifica isso? (Arnaldo Antunes) - 02:11 11.O buraco (Arnaldo Antunes) - 04:38 12.Desce (versão 2) (Arnaldo Antunes) - 02:26 13.O buraco do espelho (Arnaldo Antunes) - 03:19 14.O Silêncio (Remix) (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) - 04:55 15.O Silêncio (Acústica) (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) - 04:26

Ficha técnica Produção: Mitar Subotic (G.F.I.), exceto pelas faixas "O Silêncio (Remix)" (produzido por Dudu Marote) e "O Silêncio (Acústica)" (produzido por Arnaldo Antunes e banda) Estúdio: Gravação nos estúdios ArtMix e Mosh em junho e julho de 1996 Produção executiva: Lídia Chaib Direção artística: Sérgio de Carvalho Engenharia de gravação: Antoine Midani (ArtMix) e Luís Paulo Serafim e Sidnei Garcia (Mosh) Assessoria técnica de computação e MIDI: Lincoln de Almeida Barbosa Mixagem: Estúdio Mosh Engenharia de mixagem: Luís Paulo Serafim Assistente de mixagem: André Ratones e Sandro Estevam Engenharia de masterização: Marcos Eagle (Cia. de Áudio, SP), em agosto de 1996 Assistentes de estúdio: Alexandre Soares e Edgar Santos (ArtMix) e André Ratones e Sandro Estevam (Mosh) Coordenação de produção: Fernando Camargo Alimentação: América Capa e coordenação gráfica: Arnaldo Antunes e Zaba Moreau

Participações especiais Carlinhos Brown: Voz e percussão ("O Silêncio" e "Desce") Chico Science: Voz ("Inclassificáveis") Peter Price: Percussão ("Que Te Quero")

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Um Som. BMG, 1998. 1.Música para ouvir (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 04:46 2.Cinzas (Cassiano) - 03:40 3.As árvores (Arnaldo Antunes / Jorge Ben Jor) - 03:59 4.Engrenagem (Arnaldo Antunes) - 03:50 5.Quase tudo (Arnaldo Antunes / Péricles Cavalcanti)- 03:01 6.Socorro (Arnaldo Antunes / Alice Ruiz) - 03:15 7.Além-alma (Arnaldo Antunes / Paulo Leminski ) - 04:28 8.Se no meio do que você tá fazendo você pára (Arnaldo Antunes / Nando Reis) - 04:24 9.Dinheiro (Arnaldo Antunes / Jorge Ben Jor) - 03:23 10.O sol (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 02:57 11.Decida (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 02:14 12.Na ativa (Arnaldo Antunes) - 02:26 13.Fim do dia (Arnaldo Antunes / Paulo Miklos) - 02:41 14.Doce do mar (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) - 02:36 15.Volte para o seu lar (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) - 02:48 16.Pare o crime (Stop the crime) (Arnaldo Antunes / Junior Murvin) - 04:00 17.Um som (Arnaldo Antunes / Paulo Tatit) - 02:31 Ficha técnica Produção: Chico Neves Gravação nos estúdios Rosa Celeste (SP) e 302 (RJ) de abril a junho de 1998 Direção executiva: Marcelo Pinheiro Produção executiva: Lídia Chaib Direção artística: Jorge Davidson Engenharia de gravação: Chico Neves Engenheiros adicionais: Lincoln Barbosa (SP) Mixagem: Real World Studios (Inglaterra) Engenharia de mixagem: Ben Findlay Assistente de mixagem: Jacquie Turner e Marco Migliari Masterização: Metropolis (Inglaterra) Engenharia de masterização: Ian Cooper Consultor técnico: Beto Carvalho (Digidesign) Capa: Barrão e Fernanda Villa-Lobos Fotos: Bob Wolfenson (Arnaldo Antunes) e Vicente de Mello e Barrão (outros)

286

O corpo (trilha para dança). Grupo Corpo, 2000. 1.Momento I (Arnaldo Antunes) - 03:37 2.Momento II (Arnaldo Antunes) - 04:09 3.Momento III (Arnaldo Antunes) - 07:34 4.Momento IV (Arnaldo Antunes) - 03:27 5.Momento V (Arnaldo Antunes) - 03:49 6.Momento VI (Arnaldo Antunes) - 06:33 7.Momento VII (Arnaldo Antunes) - 06:29 8.Momento VIII (Arnaldo Antunes) - 06:32 Ficha técnica Produção: Alê Siqueira Estúdio: Rosa Celeste, São Paulo, de dezembro de 1998 a março de 1999 Edição: Arnaldo Antunes e Alê Siqueira Mixagem: Estúdio Como Engenharia de Mixagem: Alê Siqueira e Flávio de Souza Masterização: Estúdio Como Engenharia de Masterização: Alê Siqueira e Flávio de Souza Capa: José Luiz Pederneiras Fotos: José Luiz Pederneiras (Grupo Corpo) e Bob Wolfenson (Arnaldo Antunes) Foto still: Lumini Coordenação Gráfica: Guili Seara e Lúcia Nemer Produção Executiva: Nina Cavalcanti

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Paradeiro. BMG, 2001. 1.Atenção (Arnaldo Antunes / Alice Ruiz / João Bandeira) - 03:18 2.Essa mulher (Arnaldo Antunes) - 03:15 3.Paradeiro (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:21 4.Se tudo pode acontecer (Arnaldo Antunes / Alice Ruiz / Paulo Tatit / João Bandeira) - 04:00 5.Na massa (Arnaldo Antunes / Davi Moraes) - 04:15 6.Debaixo d'água (Arnaldo Antunes) - 03:24 7.Do vento (Arnaldo Antunes / Paulo Tatit / Sandra Peres) - 03:47 8.Luzes (Paulo Leminski) - 03:51 9.Escurissíssimo (Arnaldo Antunes) - 02:48 10.Exagerado (Cazuza / Leoni / Ezequiel Neves) - 02:52 11.Cidade (Arnaldo Antunes) - 03:09 12.O mosquito (Arnaldo Antunes/ Edgard Scandurra) -03:48 13.Santa (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) - 03:48 14.Lembrança vó (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown / Leonardo Reis / Peu Meurrahy / Orlando Costa) - 01:35 Ficha técnica Produção: Carlinhos Brown e Alê Siqueira Estúdio: Ilha dos Sapos, Salvador, entre março e maio de 2001 Edição digital: Alê Siqueira, Arnaldo Antunes e William Jr. Produção executiva: Alessandra Serra Direção artística: Jorge Davidson Arranjos: Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Alê Siqueira – com a colaboração dos músicos participantes Arregimentação: Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown Engenharia de gravação: William Jr. e Alê Siqueira Mixagem: Ilha dos Sapos, Salvador, exceto pelas faixas "O Mosquito" e "Santa" (mixadas no estúdio Como, São Paulo) Engenharia de mixagem: William Jr., exceto pelas faixas "O Mosquito" e "Santa" (mixadas por Alê Siqueira e Flávio de Souza e William Jr.) Masterização: Classic Master Engenharia de masterização: Carlos Freitas Assistente de masterização: Jade Pereira Fotos: Sérgio Guerra (Candeal) Bonequeira: Cassia Macieira Coordenação gráfica: Emil Ferreira Projeto gráfico: Carlito Cavalhosa Roadie: Bira Tiara Bonequeira: Cassia Macieira Marisa Monte, artista gentilmente cedida por Monte Criação e Produção LTDA. Carlinhos Brown, artista gentilmente cedido por EMI Music Boghan Costa, artista gentilmente cedido por Sony Music Edgard Scandura, artista gentilmente cedido por DeckDisc / Abril Music 288

Agradecimentos: Adriana Pereira da Silva, Anna Helena Mariani, Antenor Filho, Cantinho da Carmé, Celso Gelman, Dinalva Gualberto, Erik Wallin, Gisela Moreau, Helena Buarque, Ivana Ferreira, Ivone Soeira Barbosa, João Roberto Braga, Katya Osowiec, Lanchonete Candeal, Lidia Chaib, Márcio de Holanda, Maria Luna, Memeu Brasil, Nildo Gomes, Ritinha Brandi, Sales, Sonia Beatriz, Sérgio Guerra, Tânia Gomes Sousa e Tonho Pequeno

289

Saiba. Rosa Celeste, 2004. 1.Saiba (Arnaldo Antunes) - 02:40 2.Pedido de casamento (Arnaldo Antunes) - 03:39 3.Cachimbo (Edvaldo Santana / Osnofa) - 02:49 4.Imaginou (Arnaldo Antunes / Davi Moraes) - 03:41 5.Cabimento (Arnaldo Antunes / Paulo Tatit) 02:44 6.Grão de amor (Marisa Monte / Carlinhos Brown) 03:05 7.Se assim quiser (Arnaldo Antunes) - 02:52 8.Elizabete no Chuí (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) 02:56 9.Onde estavas, lugar? (Arnaldo Antunes) - 03:06 10.A nossa casa (Arnaldo Antunes / Alice Ruiz / Paulo Tatit / João Bandeira / Celeste Moreau Antunes / Edith Derdik / Sueli Galdino) - 02:45 11.Consumado (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:13 12.Itapuana (Arnaldo Antunes / Cézar Mendes) - 04:06 13.Areia (Arnaldo Antunes / Marisa Monte) - 01:40 14.A razão dá-se a quem tem (Noel Rosa / Ismael Silva / Francisco Alves) 02:11

Ficha técnica Direção artística: Arnaldo Antunes Produção: Chico Neves e Arnaldo Antunes Direção de produção: Leonardo Netto Engenharia de gravação: Chico Neves Estúdio: Estúdio 304, RJ, de outubro a dezembro de 2003 Gravações adicionais: Flavio de Souza, no estúdio Ilha dos Sapos, BA Assistentes de estúdio: Rodrigo Valle (RJ) e Cristiano (BA) Mixagem: Walter Costa, no estúdio 304 Masterização: Carlos Freitas, Classic Master, SP Produção executiva: Suely Aguiar Catering: Solange Projeto gráfico: Arnaldo Antunes, Marcia Xavier e Carlito Carvalhosa Produção gráfica: Mayumi Okugama Fotos: Marcia Xavier Coordenação gráfica: Emil Ferreira Agradecimentos: Marisa Monte, André Midani, Carlinhos Brown, Helena Buarque, Camila Neves, Sílvia Neves, Márcia Bonome, Alie Siqueira, Dinalva, Andréa, Andrá z, Sonia Beatriz, Paulo Tatit, Sandra Peres, Lidia Chaib, João Braga, Luiz Oscar Niemeyer, Flavia Persequini, Claudia Moog, Cíntia de Carvalho, Cleber Oliveira Maria Monte, artista gentilmente cedida pela Phonomotor / EMI-Brasil Carlinhos Brown, artista gentimente cedido pela BMG-Spain

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Qualquer. Biscoito Fino, 2006. 1.Para lá (Arnaldo Antunes / Adriana Calcanhotto) - 02:48 2.Sem você (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) - 03:49 3.Hotel Fraternité (Arnaldo Antunes / Aldo Fortes / Hans Magnus Enzensberger) 04:26 4.Qualquer (Arnaldo Antunes / Hélder Gonçalves / Manuela Azevedo) - 02:33 5.Contato imediato (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:27 6.2 perdidos (Arnaldo Antunes / Dadi) - 03:52 7.Num dia (Arnaldo Antunes / Hélder Gonçalves / Manuela Azevedo / Chico Salém) - 04:17 8.Acabou chorare (Moraes Moreira / Galvão) - 04:26 9.Eu não sou da sua rua (Arnaldo Antunes / Branco Mello) - 02:54 10.Lua vermelha (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) - 05:05 11.O que você quer saber de verdade (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:06 12.As coisas (Arnaldo Antunes / Gilberto Gil) - 02:55 13.Nossa Bagdá (Péricles Cavalcanti) - 04:31 14.Da aurora até o luar (Arnaldo Antunes / Dadi Carvalho) - 03:25

Ficha técnica Cézar Mendes - violão de nylon, violão de aço em Eu Não Sou da Sua Rua Chico Salem - Violão de aço, volão de nylon em Eu Não Sou da Sua Rua, Qualquer e Sem Você, vocais Dadi Carvalho - baixo, violão de 12 cordas, violão de aço com efeito, bandolim em Qualquer, Acabou Chorare e Lua Vermelha, okulele em O Que Você Quer Saber de Verdade, guitarra sitar em Nossa Bagdá, 2 Perdidos e Da Aurora Até o Luar, vocais Daniel Jobim - piano, vocais Edgar Escandurra - guitarra com talkbox, banjo em Qualquer, baixo em Contato Imediato, vocais Produzido por Alê Siqueira e Arnaldo Antunes direção de produção - Leonardo Netto produção executiva - Suely Aguiar assistentes de produção (Rosa Celeste) - Lídia Chaib, Nina Cavalcanti e Sônia Beatriz gravado ao vivo nos dias 8, 9 e 10 de março no estúdio Mega, Rio de Janeiro engenheiro de gravação - Marcio Gama assistentes de estúdio - Marcio Barros e Guthenberg Pereira pré-produção - Chico Salém e Arnaldo Antunes no estúdio Gravoshow engenheiro de gravação - Demétrius Amaro) mixado por Flavio de Souza e Ale Siqueira no estúdio Ilha dos Sapos, Candeal, Salvador, BA engenheiros - Flávio de Souza e Alê Siqueira masterizado por Carlos Freitas no estúdio Classic Máster, São Paulo, SP Projeto gráfico - Marcia Xavier e Arnaldo Antunes 291

capa - Marcia Xavier e Arnaldo Antunes, a partir de foto original de Eliane Torino fotos - Marcia Xavier assistente de produção (Biscoito Fino) - Julia Savino management - WL Produções Artísticas realização Biscoito Fino, setembro de 2006 direção geral - Kati Almeida Braga direção artística - Olívia Hime coordenação de produção - Joana Hime www.biscoitofino.com.br Agradecimentos - Marisa Monte, Nina Cavalcanti, Demetrius Amaro, Guilherme Kastrup, Roberto Frejat, José Luiz Dias, Carlinhos Brown, Helena Buarque, Cíntia Carvalho, Claudia Moog, Flavia Persequini, Cleber Oliveira, Carlito Carvalhosa

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Ao Vivo no estúdio. Biscoito Fino, 2007. 1.Qualquer (Arnaldo Antunes / Hélder Gonçalves / Manuela Azevedo) - 03:01 2.Saiba (Arnaldo Antunes) - 02:52 3.Fim do dia (Arnaldo Antunes / Paulo Miklos) - 03:16 4.Não vou me adaptar (Arnaldo Antunes) - 04:59 5.Se tudo pode acontecer (Arnaldo Antunes / Alice Ruiz / Paulo Tatit / João Bandeira) - 03:17 6.Socorro (Arnaldo Antunes / Alice Ruiz) - 04:40 7.Um a um (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:05 8.Num dia (Arnaldo Antunes / Hélder Gonçalves / Manuela Azevedo / Chico Salém) - 04:47 9.Qualquer coisa (Caetano Veloso) - 03:01 10.O quê (Arnaldo Antunes) - 03:13 11.Eu não sou da sua rua (Arnaldo Antunes / Branco Mello) - 03:24 12.Quarto de dormir (Arnaldo Antunes / Marcelo Jeneci) - 03:41 13.Contato imediato (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) 03:18 14.Pedido de casamento (Arnaldo Antunes) - 03:31 15.Luzes (Paulo Leminski) - 05:48 16.Judiaria (Lupcínio Rodrigues) - 03:55

Ficha técnica Produzido por: Arnaldo Antunes, Betão Aguiar, Chico Salem e Marcelo Jeneci engenheiro de gravação - Gustavo Galisi assistente de estúdio - Marcel Jardim, Ruy Galisi, Fernando Molinari e Paulo Penov engenheiro de monitor - Renato Coppoli engenheiro de PA - Demetrius Amaro roadies - Marcelo Ariente e Fabio Jeneci mixado no Mosh Studios (estúdio D) por Gustavo Galisi edição digital - Enrico Romano efeitos adicionais - Demetrius Amaro masterização 2.0 estéreo e 5.1 - Walter Lima e Gustavo Galisi

293

Iê Iê Iê. Rosa Celeste, 2009. 1.Iê iê iê (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:20 2.A casa é sua (Arnaldo Antunes / Ortinho) - 04:20 3.O que você quiser (Arnaldo Antunes) - 03:01 4.Vem cá (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 04:29 5.Longe (Arnaldo Antunes / Betão Aguiar / Marcelo Jeneci) - 05:33 6.Invejoso (Arnaldo Antunes / Liminha) - 05:02 7.Envelhecer (Arnaldo Antunes / Ortinho / Marcelo Jeneci) - 04:11 8.Sua menina (Arnaldo Antunes / Paulo Miklos / Liminha) - 05:44 9.Um quilo (Arnaldo Antunes / Ciro Pessoa) - 04:08 10.Sim ou não (Arnaldo Antunes / Branco Mello) - 01:54 11.Meu coração (Arnaldo Antunes / Ortinho) - 05:33 12.Luz acesa (Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto) - 02:28

Ficha técnica Produzido: por Fernando Catatau Gravado e mixado no Totem Estúdio de agosto a outubro 2008 por Yuri Kalil Assistente de estúdio: Gabriel Soster Piano nas faixas 04 e 06 gravado no estúdio Jenecine Masterizado no Classic Master por Carlos Freitas Roadie: Márcio Mesk (Blau) Catering: Lenna Beauty Transporte: Izildo Andrade Produção Executiva: Veronica Pessoa Projeto gráfico: Veronica Pessoa Músicos convidados Fernando Catatau - guitarra em Envelhecer, Invejoso, Longe, Sim ou Não e Vem Cá; palmas; vocais Régis Damasceno - baixo em A Casa é Sua e Sim ou Não Clayton Martin - bongô em Um Quilo, O Que você Quiser; pandeirola em Iê iê iê e Vem Cá Lenna Beauty - snugs e pandereta em Um Quilo Michele Abu - congas em Invejoso

294

Ao Vivo Lá em Casa. Rosa celeste, 2011. 1. A casa é sua (Arnaldo Antunes / Ortinho) - 04:41 2. Essa mulher (Arnaldo Antunes) - 03:05 3. Americana (Frank Carlos) - 03:31 4. Consumado (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 04:08 5. Sou uma criança não entendo nada (Erasmo Carlos) - 04:19 6. As melhores coisas (Arnaldo Antunes / Betão Aguiar / Bid / Fernando Nunes) - 03:09 7. Envelhecer (Arnaldo Antunes / Ortinho / Marcelo Jeneci) - 04:19 8. Pra aquietar (Luiz Melodia) - 02:55 9. As árvores (Arnaldo Antunes / Jorge Ben Jor) - 02:55 10. Meu coração (Arnaldo Antunes / Ortinho) - 06:25 11. Cachimbo (Edvaldo Santana / Osnofa) - 02:39 12. Quando você decidir (Odair José) - 03:26 13. Vou festejar (Jorge Aragão / Noeci Dias / Dida) - 03:39 14. Já fui uma brasa (Adoniran Barbosa / Marcos César) - 02:45 Ficha técnica Arnaldo Antunes: voz Edgard Scandurra: guitarra e vocal Betão Aguiar: baixo e vocal Chico Salém: guitarra, violão de aço, violão de nylon e vocais Marcelo Jeneci: Wurlitzer, bateria eletrônica , orgão e vocais Curumin: bateria e vocais

295

Acústico MTV - 2012 1.A casa é sua (Arnaldo Antunes / Ortinho) - 04:18 2.A nossa casa (Arnaldo Antunes / Alice Ruiz / Paulo Tatit / João Bandeira / Celeste Moreau Antunes / Edith Derdik / Sueli Galdino) - 03:21 3.Debaixo d'água (Arnaldo Antunes) - 02:55 4.Dentro de um sonho (Arnaldo Antunes / Marcia Xavier) - 03:28 5.Sem você (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown) - 03:18 6.Se assim quiser (Arnaldo Antunes / Dadi) - 02:52 7.De mais ninguém (Arnaldo Antunes / Marisa Monte) - 02:43 8.Alma (Arnaldo Antunes / Pepeu Gomes) - 02:58 9.Consciência (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 03:30 10.Até o fim (Arnaldo Antunes / Cézar Mendes) - 02:40 11.Engrenagem (Arnaldo Antunes) - 03:21 12.Pop Zen (Alexandre Leão / Manuca Almeida / Lalado) - 03:50 13.O seu olhar (Arnaldo Antunes / Paulo Tatit) - 03:47 14.Ligado a você Arnaldo Antunes / Paulo Miklos / Liminha) - 03:38 15.O quê (Arnaldo Antunes) - 03:24 16.Fora de si (Arnaldo Antunes) - 02:03 17.Música para ouvir (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 03:39 18.Envelhecer (Arnaldo Antunes / Ortinho / Marcelo Jeneci) - 04:11

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Disco. ROSA CELESTE, 2013. 1.O fogo Arnaldo (Antunes / João Donato) - 1:29 2.Muito Muito Pouco (Arnaldo Antunes) - 2:35 3.Dizem (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Dadi Carvalho) - 3:53 4.Ela é Tarja Preta (Quem Me Dera) (Arnaldo Antunes / Betão Aguiar / Luê / Felipe Cordeiro / Manoel Cordeiro) - 3:22 5.Trato (Arnaldo Antunes / Céu / Hyldon) - 4:07 6.Sou Volúvel (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Dadi Carvalho) - 3:59 7.Morro, Amor (Arnaldo Antunes / Caetano Veloso) - 4:37 8.Vá Trabalhar (Arnaldo Antunes) - 3:02 9.Azul Vazio (Arnaldo Antunes / Marcia Xavier) - 2:38 10.Ah, Mas Assim Vai Ser Difícil (Arnaldo Antunes) - 3:31 11.Querem Mandar (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Dadi Carvalho) - 3:59 12.Mamma Arnaldo (Antunes / Gilberto Gil) - 3:48 13.Oxalá Chegar (Arnaldo Antunes) - 4:01 14.Sentido (Arnaldo Antunes / Nando Reis) - 2:25 15.Acalanto pra Acordar (Arnaldo Antunes / Lenora de Barros / Marcia Xavier / MAG) - 3:24 Ficha técnica Produzido por Betão Aguiar e Gabriel Leite Produção Executiva Caru Zilber Gravado no Estúdio da Casa da Lua (SP) por Gabriel Leite e Gabriel Spazziani, entre março e agosto de 2013 Assistentes de gravação: Diego Fragoso, Léo Stürmer e Pedro Xavier Madeiras e metais gravados no Estúdio Banda Sonora (SP) por Eduardo Santos Assistentes de gravação: Marcio Augusto e Guilherme Santos Faixas 1, 7, 9 e 15 gravadas no Estúdio Mega (RJ) por Daniel Carvalho Assistente de gravação: Leo Ribeiro Faixa 12 gravada no Estúdio Monoaural (RJ) por Daniel Carvalho Assistentes de gravação: Leo Moreira, Felipe Fernandes e Pedro Tambellini Mixado no Estúdio Casa da Lua por Gabriel Leite Faixa 14 mixada no Estúdio Casa da Lua por Gabriel Spazziani Masterizado no Estúdio Sala do Mau (Nashville-TN-EUA) por Mauricio Gargel Faixas 5, 6, 8 e 10 masterizadas no Estúdio Red TRAXX (Miami-FL-EUA) por Felipe Tichauer Roadies – Marcos Limone, Graciliano Neto e Átila Ferreira Transporte – MWM Rent / Adilson Matos Secretária Executiva – Sonia Beatriz Assessoria Jurídica – Alexandre Arroyo / Barion & Arroyo Advogados Management – Rodrigo Vinhas / Libertà Entretenimento Contato – [email protected] Agradecimentos: Serena Assumpção, Mauricio Badé, Caetano Malta, Banda Sonora, Laís Sampaio, Carlinhos Freitas, José Luiz Dias Barreto e Russo. Assessoria de Imprensa – [email protected] Fotografias - Fernando Laszlo - Still da Mão – Anna Turra Projeto Gráfico - Marcia Xavier e Anna Turra

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Tribalistas. Phonomotor/EMI, 2003. 1.Carnavália (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 04:16 2.Um a um (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 02:39 3.Velha infância (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown / Davi Moraes / Pedro Baby) - 04:10 4.e em casa (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown / Margareth Menezes) - 03:52 5.O amor é feio (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:11 6.É você (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 02:51 7.Carnalismo (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown / Cézar Mendes) - 02:36 8.Mary Cristo (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:01 9.Anjo da guarda (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 02:46 10.Lá de longe (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 02:16 11.Pecado é lhe deixar de molho (Marisa Monte / Carlinhos Brown / Cézar Mendes) - 02:58 12.Já sei namorar (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:16 13.Tribalistas (Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown) - 03:21 Ficha técnica Produção: Marisa Monte Co-produzido: Alê Siqueira, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown Direção de produção: Leonardo Netto Gravado por Alê Siqueira (com exceção nas faixas Já Sei Namorar, Velha Infância e Carnavália, gravadas por Antoine Midani) Gravações adicionais por William Jr.: Já sei Namorar (palmas, voz Brown), Tribalistas (palmas), Velha Infância (voz Marisa, voz Brown) Produção executiva: Suely Aguiar Assistente de estúdio: Marcio Barros Assistente de produção: Livia Monte Mixagem: Alê Siqueira, Flavio de Souza e Marisa Monte Pré-masterização: Estúdio Ar, assistente Leonardo Moreira Masterização: Ricardo Garcia (Magic Master) Imagens Vik Muniz @ Vik Muniz Studio, New York City Assistência especial: Cleverson Projeto gráfico: Leonardo Eyer Designers gráficos assistentes: Gustavo Lacerda e Eliane Lazzaris Cifras: Cézar Mendes e Alê Siqueira Gravado no Rio de Janeiro entre 8 e 24 de abril de 2002. Agradecimentos: Ricardo Imperatore, Eduardo Lyra, Kassin, Berna, Luiz Brasil, Billy Brandão, Ground, Léo Garrido, Cintia Carvalho, Daniel Carvalho, Tom Capone, Helena Buarque, Luiz Oscar Niemeyer (BMG), Fabio Ghivelder, Zaba Moreau, Lula Buarque de Hollanda, Leticia Monte Agradecimento especial: Roberto Frejat 298

Pequeno Cidadão. Rosa Celeste, 2009. 1.Pequeno cidadão (Arnaldo Antunes / Antonio Pinto) - 03:38 2.O sol e a lua (Taciana Barros / Antonio Pinto) 03:48 6.Tchau chupeta (Arnaldo Antunes / Taciana Barros) - 03:26 8.Leitinho (Arnaldo Antunes) - 02:39 9.Larga a largatixa (Arnaldo Antunes / Betão Aguiar) - 02:02

Ficha técnica Com Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra, Taciana Barros e Antonio Pinto.

299

A Curva da Cintura. Rosa Celeste, 2011. 1.A curva da cintura (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 02:54 2.Cara (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 03:22 3.Coração de mãe (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 04:40 4.Meu cabelo (Serge Gainsburg / Michel Colombier / Arnaldo Antunes, letra em português) - 03:25 5.Grão de chãos (Arnaldo Antunes / Paulo Miklos / Liminha) - 03:37 6.Cê não vai me acompanhar (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 03:04 7.Que me continua (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 04:18 8.Um senhor (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 03:19 9.Psiu (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 03:16 10.Se você (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 05:12 11.Muito Além (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 03:54 12.Cê sabe como é (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 03:55 13.Ir, mão (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra) - 02:58 14.Kaira (Arnaldo Antunes / Toumani Diabaté) - 04:24 15.Rio seco (Toumani Diabaté) - 04:23 16.Neblina de areia (Edgard Scandurra) - 03:26 17.Yacine (Toumani Diabaté) - 05:05 18.Bamako's blues (Edgard Scandurra) - 03:29

300

CAPAS Discos TITÃS (1984)

TELEVISÃO (1985)

301

CABEÇA DINOSSAURO (1986)

JESUS NÃO TEM DENTES NO PAÍS DOS BANGUELAS (1987)

302

GO BACK (1988)

Õ BLESQ BLOM (1989)

303

TUDO AO MESMO TEMPO AGORA (1991)

NOME (1993)

304

NINGUÉM (1995)

O SILÊNCIO (1996)

305

UM SOM (1998)

O CORPO (2000)

306

PARADEIRO (2001)

SAIBA (2004)

307

QUALQUER (2004)

AO VIVO NO ESTÚDIO (2007)

308

IÊ IÊ IÊ (2009)

AO VIVO LÁ EM CASA (2011)

309

ACÚSTICO MTV (2012)

DISCO (2013)

310

COM MARISA MONTE E CARLINHOS BROWN TRIBALISTAS (2003)

COM EDGARD ESCANDURRA, TACIANA BARROS E ANTONIO PINTO PEQUENO CIDADÃO (2009)

311

COM EDGAR ESCANDURRA E TOUMANI DIABATÉ A CURVA DA CINTURA (2011)

Livros OU/E (1983)

312

PSIA (1986)

TUDOS (1990)

313

AS COISAS (1992)

NOME (1993)

314

2 OU + CORPOS NO MESMO ESPAÇO (1997)

DOBLE DUPLO (2000)

315

40 ESCRITOS (2000)

OUTRO (2001)

316

PALAVRA DESORDEM (2002)

ET EU TU (2003)

317

ANTOLOGIA (2006)

FRASES DE TOMÉ AOS TRÊS ANOS (2006)

318

COMO É QUE CHAMA O NOME DISSO (2006)

MELHORES POEMAS (2010)

319

N. D. A. (2010)

ANIMAIS (2010)

320

CULTURA (2012)

SAIBA (2013)

321

LAS COSAS (2013)

INSTANTO (2013)

322

OUTROS 40 (2014)

Um cara que anda tem que chegar em algum lugar Um cara que trabalha, trabalha, trabalha deve se cansar O cara estuda tanto e ainda tem tanto pra aprender a o tempo e fica mais fácil esquecer Não há o que lamentar Quando chega o fim do dia...145.

145

ANTUNES, Arnaldo. Fim do Dia. In: Um Som. BMG, 1998. Extrato da canção Fim do Dia de Arnaldo Antunes e Paulo Miklos que despertou nesse pesquisador o desejo de estudar a obra de Arnaldo Antunes e após duas etapas acadêmicas ainda ter tanto pra aprender.

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Acervo Arnaldo Antunes 3p5p46

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