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editor: Thiago Domingues Regina
projeto editorial: BookPro
coordenação editorial: Blenda Castro
revisão: Bruna Lupp dos Santos
copidesque: Marina Teixeira
versão digital: Fabio Martins
capa: Clara Wanderley
e-ISBN 978-65-598-5255-0
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Elisa
Quando acordei naquela sexta-feira fria e chuvosa de agosto, eu já sabia que seria um dia terrível. Eu sou oficialmente uma dessas pessoas influenciadas pelo clima e, com certeza, ficaria deprimida se morasse em Londres. Ou em São Paulo. Ou em Forks, aquela cidade de Crepúsculo que só chovia. Ainda bem que como boa carioca, eu sabia que nosso inverno só durava, em média, uns 3 dias.
Olhei assustada para o despertador que mostrava em gigantes números vermelhos o horário de 7h10. Eu estava atrasada para a primeira aula do dia, justamente do professor inável que cobrava presença no início e no final. Sem chance de sair de fininho no meio da aula e ficar do lado de fora lendo Colleen Hoover.
— Merda. – eu me levantei de um pulo, já vestindo o primeiro casaco de moletom que vi por cima da blusa do pijama.
Do outro lado do quarto, Daniel acordava com o meu desespero. Talvez eu não fosse a pessoa mais silenciosa e discreta do mundo, mas juro que me esforçava.
— Cruzes, será que dá pra fazer menos barulho? Ainda são… – ele olhou a hora no celular. — Puta que pariu, são 7h13 da manhã. – meu melhor amigo pulou da cama e se arrumou em exatos 27 segundos. Sim, eu contei. — Elisa Sena Lopes, se a gente tomar falta na aula do Cabral, você sabe o que significa, né? Vamos reprovar, ter que refazer essa tortura por mais um semestre e ficar completamente deprimidos.
Eu e Dani nos conhecemos na Semana de Integração dos Calouros, no início da nossa graduação em Psicologia. Naquela época, éramos dois pirralhos de 18 anos que mal sabiam exatamente o que estavam fazendo na faculdade. Eu achava que seria uma criminal profiler do FBI e Dani tinha certeza absoluta de que se tornaria um mentalista super famoso. O convite para o programa da Oprah era só questão de tempo. De lá pra cá se aram 4 anos, várias matérias chatas, várias quase reprovações e muita sueca no Bar do Zico, enquanto deveríamos estar na aula de Embriologia.
Por volta de outubro do ano ado, decidimos alugar um espaço só nosso e finalmente sair do alojamento universitário. Por mais que eu adorasse animais, preferia ratos e os vários tipos de inseto bem longe de mim. Foi assim que com o meu primeiro estágio no Alcoólicos Anônimos de Itaperuna e o do Dani no Hospital Universitário, conseguimos escapar de uma possível leptospirose e ter esse cantinho acolhedor que agora chamamos de casa. Não é nada muito grande, na verdade está mais para completamente minúsculo, mas é o suficiente para nós dois.
Meu grande objetivo, depois que percebi que estava assistindo Criminal Minds demais e que o FBI era algo improvável, era conseguir um estágio no Hospital Universitário, de preferência no setor de Neurologia. O único detalhe é que até hoje o neurologista chefe permanece sendo um senhor de 75 anos que nunca ouviu falar em equipe multidisciplinar. Por isso, atualmente, a probabilidade de abrirem uma seleção de estagiários de psicologia está perto de zero. Acho que eu tenho mais chance no FBI mesmo.
Dani e eu pegamos nossas mochilas contendo nada mais que um caderninho e uma caneta azul e saímos apressados, esbarrando em mais estudantes atrasados. Aqui vai uma informação imprescindível sobre o lugar que moramos em Itaperuna: praticamente todo mundo é estudante da Universidade ou professor da Universidade. Nossa região funciona basicamente em torno da faculdade e do Hospital Universitário, que foi eleito recentemente o segundo melhor do Brasil.
Entramos na minha Fiat Uno 96 caindo aos pedaços e em pouco mais de cinco minutos chegamos no campus. A porta da sala 7 parecia distante e, tanto eu quanto Dani, ampliamos nossos os para chegar o mais rápido possível. Assim que entramos, o relógio na parede marcava 7h25 e os pescoços de todos os outros alunos viraram em nossa direção. Sentamos o mais discretamente possível no fundo da sala sob o olhar de repreensão do professor Cabral. Ele se movia pelo pequeno palco de madeira na frente da sala, divagando sobre o trabalho final da disciplina. Era só a terceira aula do semestre, mas aparentemente seria um trabalho extenso.
— Como eu ia dizendo, a primeira avaliação será uma prova oral teórica e individual. A avaliação final será um pouquinho diferente. Vocês terão até o início de dezembro para entregar um trabalho sobre algum aspecto do comportamento e relações humanas estudadas em aula durante o semestre. Bem simples. – eu e Dani nos entreolhamos já imaginando que de simples não teria nada. — Lembrando que todos aqueles que utilizarem algum tipo de experimento empírico e não só fundamentação teórica, receberão 1 ponto extra na média.
Era isso. Esse era o meu momento, que rufem os tambores. O momento em que os humilhados seriam finalmente exaltados. Eu já tinha plena convicção de que na prova oral meu desempenho seria algo próximo do completamente horrível e esse ponto extra seria perfeito para que eu não precisasse fazer uma recuperação no fim do semestre.
— Peço que não se esqueçam das regras da ABNT e referências bibliográficas. Para não ser tão fácil, o tema será definido por sorteio. Como vimos na nossa primeira aula sobre a ideia de acaso, será que o tema que cada um de vocês sortear será mero acaso ou o acaso é um conceito que construímos com o que precisamos enxergar?
Enquanto o professor refletia coisas sem sentido consigo mesmo e se
aproximava, eu só conseguia torcer para tirar um tema minimamente interessante. Logo antes de mim, Dani sorteou e pareceu animado com o dele. Quando abri o meu papel, não sabia se ficava feliz ou querendo fugir.
— O que você tirou? – Dani perguntou, olhando por cima do meu ombro para ler o que estava escrito no papel. Revirei os olhos antes de responder.
— “Amizade entre homens e mulheres heterossexuais é possível?” – Dani ergueu uma sobrancelha com um questionamento implícito. — Eu sei, estou ferrada. Não tenho ideia de como fazer um experimento com isso se você é meu único amigo homem desde que cheguei nessa faculdade. Alguma chance de você virar heterossexual por alguns meses?
— Deus que me livre, vira essa boca pra lá!
Eu ri, mas no fundo não sabia como resolver esse problema. Eu sempre tinha sido uma garota mais tímida enquanto crescia, e quando me tornei mais extrovertida, estava naquela fase que todos os grupinhos já estavam formados. Não me entenda mal, eu tenho alguns bons amigos. Mas homens heterossexuais? Eles eram bons para estarem na lista de contatinhos do celular ou até pra gravar uns vídeos sem camisa no TikTok, mas para amizade? Pura e simples amizade?
***
Naquela noite, eu estava ouvindo Cruel Summer, da dona da indústria musical Taylor Swift, e fuçando a vida de algumas pessoas aleatórias no Instagram, quando Dani entrou na nossa kitnet batendo a porta atrás de si.
— Levanta essa bunda da cama que eu acabei de arrumar dois ingressos para a ItapêFest.
Dani sabia que eu não era a maior fã de festas, mas ele também sabia que dessa, em especial, eu não teria como fugir. Era a festa mais famosa da cidade, acontecia só duas vezes por ano num enorme descampado ao ar livre e, em geral, só era frequentada pela elite de Itapê, especialmente o camarote. Numa cidade pequena como a nossa, ir a festas e encher a cara era a única diversão para a maior parte dos estudantes. Nos últimos anos, consegui fugir, mas caí na asneira de dizer para o Dani que esse ano iria com ele, já que estávamos nos aproximando do fim do curso e nenhum de nós ainda sabia o que o futuro nos reservava.
— Ah Dani, sério mesmo? Eu e a TayTay estamos tão confortáveis aqui em casa…
— Uma promessa é uma promessa, Dona Elisa. Então pode ir tratando de se levantar, tomar um banho enquanto escolho sua roupa.
Uma guerreira sabe quando itir a derrota, então me dei por vencida e entrei no chuveiro. Dani tinha cursado 3 semestres de moda antes de decidir trocar para a Psicologia, o que fazia com que ele se sentisse praticamente o próprio Marc Jacobs.
Quando saí do banho, vi a roupa separada em cima da cama. Uma blusa verde musgo de manga e uma calça jeans skinny, nada muito elaborado, já que, provavelmente, em algum momento, levaria um banho de cerveja de alguém mais embriagado do que deveria. Dani entrou no quarto, como sempre
maravilhoso e estiloso, vestindo uma camisa flanelada xadrez e calça jeans.
— Arrasou, está maravilhosa! Falta só um detalhezinho... – ele jogou na minha direção meu batom vermelho para ocasiões especiais. — Acho que hoje merece, né?
Dei de ombros e ei o batom. Não é como se eu tivesse tantas ocasiões especiais. Até hoje só tinha usado no casamento da minha prima Marcela, quando fui madrinha e naquele date horrível que uma amiga tinha me arrumado no início da faculdade. Contemplei meu reflexo no espelho uma última vez e saí rumo a uma noite potencialmente cansativa em cima dos meus saltos anabela.
Victor
Vi as luzes piscando forte assim que estacionei meu Honda Civic no estacionamento privativo que criaram para a ItapêFest. O lugar onde a festa acontecia era próximo da principal rua da cidade, mas o estacionamento que os convidados do camarote tinham direito permitia um o ainda mais fácil ao local. A música alta, os carros estacionando e as luzes fortes piscando em verde, amarelo e vermelho já denunciavam que a festa tinha começado.
Esse ano eu não estava muito animado pra essa porra de festa. O trabalho como residente vinha me consumindo a cada dia que ava. O meu chefe era um filho da puta do caralho que parecia ter tido a última atualização em medicina na década de 60. Mas melhor desse jeito do que se ele me tratasse como o filho da realeza, como a maioria das pessoas.
A ItapêFest de hoje seria no esquema Semáforo, onde cada cor corresponde a um significado: vermelho, comprometido; amarelo, bom, essa pessoa ainda não sabe exatamente o status atual da vida dela; e verde, também conhecida como a minha cor, significa livre, leve e sem nenhuma merda de coleira.
Desci do carro e logo vi Rafael e Gustavo chegando no estacionamento. Esperei o carro deles parar ao lado do meu.
— Brother, a festa deve tá insana! – Rafael me cumprimentou, falando mais alto do que o necessário, com a cabeça pro lado de fora da janela. Gustavo já desceu do carro puxando o celular e abrindo os nossos ingressos digitais no aplicativo.
— Se acalma aí, irmão. Não quero ter que te levar desmaiado pra casa de novo. – respondi pro meu amigo.
— Porra, tira essa expressão de enterro da cara, Bellini. É a ItapêFest e a gente tá de camarote, irmão. Sabe o que isso significa? – ele perguntou, quase como uma retórica. Mas Gusta respondeu.
— Que o que vai ter de mulher querendo acordar na nossa cama porque acha que a gente é rico não dá nem pra contar.
— Bom, eu realmente sou rico, mas não é por isso que elas querem dormir comigo. Dá uma olhada nesse abdômen, brother. Se eu fosse falido, ainda iam querer acordar na minha cama. – Rafa complementou. Ele não valia a porra da roupa que vestia. Nunca tomava jeito. Não que eu pudesse criticar muito… Também não era nenhum santo.
— Eu espero que pegar uma gostosa compense meu cansaço dessa semana, porque a parada tá complicada lá na Neuro. – comentei.
Eu e Rafael nos conhecemos muito antes da faculdade, nossos pais desde sempre trabalharam juntos no centro cirúrgico de um Hospital particular no centro do Rio. O pai dele é considerado o melhor anestesista do Brasil e o meu é o maior neurocirurgião da América Latina, o que já dá pra imaginar a pouca pressão que sofremos durante toda a nossa graduação, para não dizer o contrário.
Já o Gustavo, conhecemos quando colocamos um anúncio da nossa república na internet. Quando ele chegou, sabíamos que seria o candidato perfeito. Ele era nosso calouro de Medicina e um dos caras mais gente boa que a gente tinha
conhecido. Além de nós três, nossa casa ainda tem mais um habitante do ramo médico. Thiago tinha prestado vestibular na mesma sala que eu e acabamos conversando antes da prova. Foi uma surpresa positiva quando o encontrei na minha turma de medicina. Ficamos amigos logo na primeira aula de Anatomia, quando ele deixou cair um crânio no chão, espatifando-se em mil pedaços.
Assim que chegamos na entrada do camarote, com uma fila muito menor do que a da pista da festa, várias pessoas vieram em nossa direção. A maioria mulheres. Thiago nos encontrou na fila poucos minutos depois. Nós quatro éramos relativamente famosos na cidade, principalmente eu e Rafael. De todos os problemas que ser filho do meu pai sempre me trouxeram, a impulsionada na fama com as mulheres era uma que eu não poderia negar que me agradava. Coincidentemente, todas as garotas que vinham falar comigo usavam uma blusa ou vestido de cor verde, o que só poderia significar uma coisa: era meu dia de sorte.
A mulher que lia o Qr Code dos ingressos com a máquina estava tentando ser a mais rápida possível para desafogar a fila, mas assim que me viu, abriu um sorriso. Merda, eu conhecia aquela garota de algum lugar.
— Victor! Oi! Sentiu minha falta? – ela disse, enquanto pegava o celular de Gusta com os ingressos, lia no aparelho e colocava a pulseira de papel no nosso pulso.
— E aí, gatinha? Claro que senti. Já faz um tempão que a gente não se vê, né? – eu não fazia ideia de quando tinha conhecido aquela garota. Eu devia ter dito algo de errado, porque ela fechou a cara.
— A gente saiu semana ada. – e por sair, ela quer dizer transar, já que eu nunca saio com ninguém. Sair, namorar e essas porras envolvem desperdiçar
muito tempo e tenho certeza de que isso não é pra mim. Meus amigos tentavam conter o riso do meu lado.
— Sabe como é, morena, o Victão aqui anda trabalhando muito, aí, às vezes, ele fica confuso nas datas. – Rafael se intrometeu. — Mas pra sua sorte, eu nunca me confundo, então se você quiser me procurar no final da festa… estou à sua disposição. – a garota que eu não lembrava o nome sorriu para o meu amigo e os olhos brilharam.
— Claro, Dr. Fritz. Eu te procuro sim. – Rafa piscou na direção dela e entrou na festa. Seguimos logo atrás.
Fui direto para o bar exclusivo dos camarotes em busca de uma cerveja pra poder tentar relaxar e curtir um pouco mais da noite. Sabia que Thiago voltaria dirigindo meu carro, então poderia beber tranquilo e sem preocupação. O bar estava com muito mais mulheres do que homens. O ingresso feminino custar a metade do preço era um dos grandes motivos. Logo vi uma loira de vestido verde pedindo uma cerveja. Ela logo me viu e deu um sorrisinho. Aproveitei a deixa e me aproximei.
— Opa, e aí? Quer uma cerveja? – peguei uma cerveja pra mim e estendi outra pra ela.
— Com certeza, Victor. – eu já nem tentava mais entender como a maior parte das pessoas de Itaperuna sabiam meu nome e quem eu era. — Nem preciso dizer que adorei a cor da sua camisa, né? – Olhei pra minha própria blusa automaticamente, e vi a cor verde, dando-me conta do que aquela garota linda estava insinuando.
— Que coincidência, porque eu também adorei a do seu vestido. – eu me aproximei e trouxe seu rosto para mim, colando nossos lábios e aprofundando um beijo daqueles. A noite tinha acabado de ficar bem melhor.
***
Por volta das duas da manhã, eu já tinha perdido a conta do número de garotas de verde que chegaram perto de mim e de quantas bocas eu já tinha beijado. Como médico, eu tinha plena consciência de que aquilo não era lá muito higiênico, mas… só se vive uma vez, né?
Eu me aproximei da corda de isolamento que separava o setor do camarote da pista, respirando um pouco de ar fresco da madrugada. Observei a pista quando um homem, a alguns metros de mim, segurava o braço de uma garota. Apesar da música alta, a garota berrava uma resposta com tanta ênfase que eu conseguia ouvir toda a conversa entre eles.
— Não estou interessada. Quantas vezes vou ter que te dizer? – ela dizia, tentando se afastar do cara. Não pensei duas vezes e ei pelo cordão de isolamento.
— Porra, para de se fazer de difícil e vem comigo. – o homem completamente bêbado apertou mais uma vez o braço dela, puxando na direção contrária.
Andei mais rápido, afastando algumas poucas pessoas até onde eles estavam.
— Me solta! – a voz da garota oscilou, claramente nervosa. Quando eu percebi que o homem ia puxar o braço dela mais uma vez, interrompi a situação.
— Algum problema por aqui? – os olhos do garoto encontraram os meus e na mesma hora ele soltou o braço da menina.
Engraçado como o álcool era desculpa boa o suficiente para tentar tirar vantagem de uma garota, mas na hora que olhou pra mim, com quase 1,85 m e 87 quilos, a sobriedade voltou rapidinho e o desgraçado foi embora. Filho da puta aproveitador!
A garota ergueu os olhos me analisando confusa, embora parecesse agradecida. Permiti-me por alguns segundos analisá-la de volta. Gostosa. Cabelo preto curto e franjinha, boca desenhada vermelha, vibe pinup.
— Tá tudo bem? – perguntei.
— Tudo. Só não aguento mais essa droga de festa. – ela me respondeu bufando e abraçando o próprio corpo.
— Por quê? Você não tá gostando? – ela realmente parecia cansada.
— Meu melhor amigo achou que seria uma boa ideia não me avisar que essa festa teria alguma palhaçada relacionada a roupa que eu estou usando. Ele me escolheu essa blusa verde, e agora uns 37 caras diferentes já me perseguiram nesse lugar. – ela suspirou e virou a cabeça para o lado.
Eu me aproximei mais um pouco.
— Como é seu nome? – perguntei.
— Elisa. E você? – uma das primeiras mulheres nessa noite que não sabia quem eu era. Por algum motivo, gostei disso.
— Victor. – ela me encarou com seus grandes olhos castanhos escuros.
— Valeu, Victor, por… você sabe, afastar aquele imbecil. – sorri em resposta.
— Relaxa, tô acostumado a lidar com coisa pior no Hospital. – era a mais pura verdade. A quantidade de gente tentando, de alguma forma, burlar as regras ou se alterando dentro do Hospital, era muito maior do que algumas pessoas podiam pensar. Especialmente no meu setor.
— Ah, você trabalha no Hospital Universitário? Eu ainda tô na faculdade, nono período de Psicologia. – ela perguntou interessada. Eu dei corda, decididamente querendo prolongar um pouco mais o que quer que ela pudesse estar disposta a fazer.
— Trabalho. Sou residente, algumas vezes também conhecido como escravo. – brinquei. Ela riu. Porra, que sorriso. Essa garota era linda.
Quando percebi que um silêncio constrangedor ia começar a se formar, resolvi perguntar:
— Eu tô com uma mesa ali no camarote. Se você quiser dar uma descansada, pode vir comigo. –arrependi-me na mesma hora da oferta. Seus olhos demonstraram receio, julgando-me como mais um homem escroto aproveitador.
— Hum… não, obrigada. – antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela se afastou. — Bom, acho que eu vou indo. Valeu de novo.
— Espera! – chamei antes que ela conseguisse se afastar demais. Sem pensar muito bem, tirei a jaqueta preta que eu vestia por cima da minha blusa verde e estendi para ela. — Toma, coloca por cima da sua blusa. Vai te ajudar a chamar menos atenção indesejada.
— Não precisa… Eu já vou embora mesm… – ela ia recusando.
— Faço questão. – insisti e ela acabou aceitando a jaqueta.
Quando ela estava um pouco mais distante, mas ainda perto o suficiente para me ouvir, chamei:
— Elisa! – ela se virou e me encarou.
— Não acho que era só a sua blusa que estava chamando a atenção dos caras. –
ela pareceu confusa.
— E o que mais seria?
Eu sorri, ela não tinha ideia do quanto eu queria puxar aquela boca vermelha na minha direção e mergulhar minha língua na dela.
— Você. – de longe, mesmo no escuro, quase pude perceber ela enrubescendo. Eu sorri, afastando-me na direção contrária de volta para o camarote.
Assim que cheguei na minha mesa, a mesma loira que conheci mais cedo no bar me esperava sentada com uma cerveja. Como a festa já estava para terminar, propus um jeito diferente de prolongarmos. Só que dessa vez no meu quarto.
Elisa
Olhei para meu relógio e percebi que já tinha ado das duas horas da manhã. Eu estava cansada e só queria voltar para casa, tomar um banho e dormir. Onde será que Daniel havia se metido? Primeiro ele achou que era aceitável me trazer para essa festa sem me dizer que se tratava de uma coisa idiota chamada “festa do semáforo”. Aparentemente, quando você usa verde em uma dessas festas significa que o assédio se torna 100% natural e que se você recusar ficar com alguém, a imbecil é você. Adoro o livre arbítrio feminino.
No começo da noite, enquanto eu dançava com Daniel uma música pop do momento, um cara fortinho de cabelo raspado se aproximou e se juntou à gente. Quando a música chegou ao fim, perguntou se podia me pagar uma bebida e, como ele me parecia uma pessoa legal, aceitei. Trocamos algumas poucas palavras e ele disse que queria me beijar. Tinha algum tempo que eu não beijava ninguém… e festas eram pra isso mesmo, né? Dançar, beber e beijar caras gatos desconhecidos.
Ficamos durante um bom tempo, até que ele disse que iria ao banheiro. E obviamente nunca mais voltou. Eu nunca fui do tipo de garota que curte ir a festas porque meus pés cansam e a fila pra fazer xixi me desanima. Mas beijar caras gatos? Isso com certeza eu poderia me acostumar. Pena que, em geral, eles desapareciam depois de um beijo. O sumiço do Channing Tatum versão classe média, como eu o apelidei, não iria estragar minha noite. Continuei aproveitando a playlist maravilhosa que o DJ da noite tinha escolhido para dançar até não aguentar mais.
Enquanto me divertia na pista de dança, alguns caras chegavam em mim, querendo me beijar. Como eu já tinha bebido um pouquinho e nunca tinha sido conhecida como alguém muito forte para o álcool, optei por encerrar a cota de
beijos da noite com somente dois caras gostosos. Por hora, eu queria apenas dançar e me divertir, não era pedir muito. O que eu não esperava era a quantidade absurda de homens que chegaram em mim de forma totalmente desrespeitosa, às vezes me puxando pelo braço ou pelo cabelo, só porque minha blusa era verde. Aquilo já estava me tirando do sério. Após gritar um “não” bem alto no ouvido de um desses sem noção, resolvi sair à procura de Dani. Provavelmente, ele tinha encontrado um gatinho para beijar e esqueceu de mim aqui. Nós teríamos uma conversa bem séria quando chegássemos em casa. Primeiro, porque ele me trouxe sem me avisar dessa idiotice de semáforo. Segundo, porque ele simplesmente desapareceu e me deixou sozinha.
Fui andando pela lateral da pista, ando próximo a divisória com o camarote, cheio de riquinhos e filhinhos de papai ostentando. Enquanto andava, mandava mensagens no WhatsApp para o Dani, mas ele parecia não mexer no celular há algum tempo. Tentei ligar, mas ele não atendeu. De repente, percebi que um dos caras sem noção que tinha dado em cima de mim mais cedo, estava me seguindo.
— Vamos lá, gata, só um beijo. Prometo que você não vai se arrepender – Ele disse com a voz (e o hálito) de quem já estava embriagado.
— Não estou interessada. Quantas vezes vou ter que te dizer? – respondi, enquanto tentava me afastar. Mas ele continuava me seguindo.
— Porra, para de se fazer de difícil e vem comigo. – ele segurou e puxou meu braço.
— Me solta. – eu disse de forma firme, tentando esconder o medo que eu estava sentindo daquele lunático. Eu precisava arrumar um jeito de me livrar desse embuste. Qual a dificuldade que os homens tinham em entender que dizer não, de fato, significava, adivinha só, era NÃO? Será que eles realmente acham que
me agarrar com força pelo braço vai me fazer magicamente mudar de ideia?
O homem babaca continuava segurando meu braço enquanto eu tentava me desvincular. Notei pelo canto do olho alguém se aproximando. Era um homem alto. Ele deveria ter mais ou menos 1,85 m de altura. E era forte. Mesmo estando um pouco escuro, pude reparar no seu cabelo castanho, meio bagunçado, que caía levemente sobre a testa. Ergui meus olhos para os dele e quase fiquei sem ar por um segundo. No momento, eu estava mais preocupada com o cara que não largava meu braço e tentava me beijar a todo custo.
— Algum problema por aqui? – perguntou o rapaz desconhecido. Na mesma hora, o embuste sem noção soltou meu braço e fugiu. Suspirei aliviada. — Tá tudo bem?
— Tudo. Só não aguento mais essa droga de festa. – respondi.
Conversamos durante um tempo. Descobri que meu salvador na verdade se chamava Victor e era residente do Hospital Universitário. Depois de trocarmos algumas palavras, ele perguntou se eu queria ir com ele pro camarote. Eu até teria aceitado, se aquela noite não tivesse sido traumática o suficiente e eu soubesse que com um cara gato daquele do meu lado, as chances de eu não conseguir raciocinar direito eram grandes. Eu só queria encontrar Daniel e ir embora para casa.
— Hum… não, obrigada. Bom, acho que eu vou indo. – eu disse dando alguns os em direção à multidão, para tentar encontrar meu amigo. Victor me impediu de continuar chamando meu nome. Ele me ofereceu seu casaco, para colocar em cima da blusa e chamar menos a atenção. Eu não queria aceitar, mas ele insistiu e eu confesso que já estava mesmo ficando com frio e aquele casaco iria quebrar um galho.
Dei mais alguns os e ouvi meu nome sendo gritado por cima da música alta. Quando me virei, encontrei os olhos castanhos claros de Victor olhando diretamente para mim.
— Não acho que era só a sua blusa que estava chamando a atenção dos caras. – ele disse.
— E o que mais seria? – perguntei, sem entender.
— Você.
Senti meu rosto ficar vermelho no mesmo instante. Eu não era o tipo de pessoa que sabia lidar muito bem com elogios. Ainda mais se esse elogio viesse de um cara tão bonito como Victor. Vesti o casaco e voltei para o meio da multidão atrás do meu amigo que ainda não tinha dado sinal de vida. Que péssimo amigo, ele ia ter que me dar uma bela explicação.
Depois de andar alguns minutos, sem ninguém me assediando graças ao casaco emprestado, senti meu celular vibrar no bolso de trás da minha calça. Era uma mensagem do Dani dizendo que estava perto do estacionamento e iria me esperar por lá.
Andei em os largos para sair logo da multidão e conseguir atravessar o caminho que dava no estacionamento principal. Chegando lá, vi dois rapazes se beijando encostados na minha Fiat Uno 96. É claro que Daniel tinha me largado para beijar alguém, bem a cara dele. Enquanto me aproximava, observei a
silhueta do novo crush do Dani indo embora.
— Daniel Albertoni, eu te procurei por toda parte! Posso saber quem era aquele cara alto e gato que vi saindo daqui? Foi por causa dele que você sumiu a noite toda?
— Não seja boba, Elisa. Não era ninguém muito importante. Mas e aí, amiga? Curtiu muito a noite? – Dani claramente estava tentando mudar de assunto.
— Sim, eu aproveitei bastante a noite… até que vários caras começaram a dar em cima de mim, alguns de forma bem desrespeitosa, porque alguém esqueceu de me avisar o que a blusa verde significava – respondi olhando nos olhos do meu amigo, fuzilando-o com o ódio que eu tinha guardado.
— Ah, amiga, que besteira! Eu achei até que você soubesse. – o cínico respondeu com a cara mais lavada do mundo. — Anda, entra nesse carro e vamos embora. E hoje é meu dia de motorista. Quando chegarmos em casa, quero saber todos os detalhes da sua noite. – Dani disse sorrindo de um jeito meigo, fazendo-me revirar os olhos.
— Eu deveria deixar você voltar a pé e sozinho pra casa. Isso sim. – entramos no carro, colocamos o cinto de segurança e seguimos rumo à nossa kitnet.
Victor
Aos sábados eu gostava de acordar cedo para ir à academia. Treinar era como uma válvula de escape. Na adolescência, eu era um menino um tanto quanto irritado, mas em geral, deixava a raiva me consumir por dentro. Um dia, meu terapeuta sugeriu que minha mãe me colocasse em uma aula de boxe para aliviar o estresse. Desde então, o boxe se tornou meu próprio ritual de relaxamento. Quando eu não estava de plantão aos sábados, seguia a mesma rotina: acordar, aula de boxe, treino, tomar banho e estudar até anoitecer. Eu até gostava. Muitas pessoas achariam estranho alguém ar o sábado estudando, mas eu estava no meu último ano de residência e sabia que precisava disso se quisesse conquistar tudo por mérito próprio e não pelo meu sobrenome.
Mas hoje, quando meu despertador tocou às 8h30 da manhã, percebi algo diferente. Virei para o lado a fim de pegar meu celular e tacar na parede para fazer aquele barulho inável cessar. Porra, eu estava de ressaca. Minha cabeça doía. Eu só queria dormir um pouco mais. Foda-se o treino de hoje!
Enquanto eu tentava alcançar o celular, minha mão esbarrou em outra coisa. Ou melhor, outra pessoa. Abri meus olhos devagar e só então caiu a ficha: era a loira que eu tinha conhecido na chopada.
— Puta que pariu! – sussurrei mais alto do que deveria. A loira se mexeu um pouco, mas permaneceu dormindo. Flashbacks da noite de ontem começaram a surgir na minha cabeça. Festa lotada. Uma morena baixinha com o sorriso mais lindo que eu já tinha visto me dispensando. Uma loira muito gostosa, que eu já havia beijado mais cedo naquela noite me esperando sentada no camarote.
— A noite não precisa acabar aqui, loirinha. – eu lembro de ter dito enquanto bebíamos uma cerveja. Ela sorriu pra mim de um jeito sexy, enquanto mexia nos longos cabelos loiros. No minuto seguinte, estávamos dentro do meu carro dando uns amassos. Naquele momento eu não conseguia ser sensato o suficiente para esperar pelo Thiago, único dos meus amigos que quase nunca bebia. Enquanto eu dirigia para minha casa, que ficava a poucos minutos dali, ela não tirava os olhos de mim.
Quando chegamos, estava tudo em silêncio. Não sei onde meus amigos estavam, e, naquele momento, isso pouco me importava. Eu só queria uma noite de sexo depois da semana infernal que tive. Subimos as escadas que levavam à única suíte da casa que, por sorte, pertencia a mim, sem parar de nos beijar nem por um minuto.
A ideia era simples: pegar a loirinha e despachá-la logo em seguida. Não me lembro bem o que aconteceu, provavelmente por culpa da bebida. Mas uma coisa é certa: essa garota não deveria estar na minha cama pela manhã. Eu gosto de transar sem me apegar. Sexo casual. Sem compromisso. Sem falsas promessas. Essa coisa de romance, dormir de conchinha e namoro não é para mim, eu não tenho tempo nem saco pra isso. Por isso eu não iludo as garotas com quem saio. Deixo bem claro as regras desde o início.
Já aconteceram outras vezes de uma garota amanhecer no meu quarto. E é sempre a mesma dor de cabeça. Elas anotam o número do celular no bloco de papel que fica na cabeceira, ao lado da minha cama, na esperança de que eu irei ligar. Eu nunca ligo. Em seguida, começa a fase que eu chamo de perseguição: elas começam a aparecer por coincidência nos mesmos lugares que eu e esbarrar em mim “sem querer”. Em determinado momento, elas desistem e começam com o discurso de que sou um cara muito bacana e elas querem ser apenas minhas amigas. Mas é uma verdade universalmente conhecida de que não dá para ser amigo de quem você já transou.
— Bom dia, Victor. Dormiu bem? – perguntou a loira, cujo nome eu não me recordava. Mirela? Gabriela? Rafaela?
— Bom dia, loirinha. A noite foi ótima, mas infelizmente temos que ir. Eu tenho um compromisso agora de manhã e já estou atrasado. – eu disse fingindo uma falsa chateação com a desculpa que eu sempre usava quando precisava me livrar de alguma garota. — Vamos, irei te acompanhar até a porta.
— Vou só colocar minhas roupas. – ela respondeu enquanto andava pelo quarto à procura de seus pertences. Aproveitei para ir ao banheiro, lavar o rosto e escovar os dentes. Coloquei minha cueca e também um calção que achei jogado pelo chão. Quando voltei, a menina estava sentada na lateral da cama, esperando-me. Olhei de relance para o bloco de notas no meu criado mudo e percebi uma nova anotação ali. Preferi ignorar.
— Tá pronta, gatinha?
— Claro, vamos lá!
Descemos as escadas que davam para a porta de saída. Notei que meus amigos observavam todos os meus os da cozinha, enquanto tomavam café da manhã. Porque, caralho, todos resolveram acordar cedo? Justo hoje que eu não sabia. Abri a porta para que a menina saísse.
— Então… muito obrigada pela noite. Eu me diverti muito! – ela sorriu e mexeu no cabelo, tentando parecer sensual.
— O prazer foi meu! – respondi de forma curta, apesar de ser literalmente verdade.
— Será que nos veremos de novo? – e aí estava: a pergunta que eu tentava de todo modo evitar. Eu não queria iludir a menina, mas também não queria ferir seus sentimentos.
— Gatinha, eu ando um pouco enrolado com a residência, sabe como é. Mas quem sabe o futuro nos surpreenda? – respondi a primeira coisa que me veio à cabeça para me safar dessa situação. Antes que ela respondesse, avistei o Uber que eu havia pedido para ela se aproximando. Despedi-me dando um beijo rápido na sua bochecha, enquanto o carro parava em frente à minha casa. Esperei ela entrar no carro e fechei a porta. Quando me virei, meus colegas de quarto me olhavam, tentando segurar o riso.
— “Mas quem sabe o futuro nos surpreenda?”, é sério que isso foi a melhor coisa que você pensou? – Rafael disse finalmente liberando a risada que devia estar prendendo há tempos.
— Eu estava sob pressão, irmão. Não enche! – respondi enquanto enchia uma xícara de café para beber. — E olha quem quer debochar da minha cara! Você é o babaca que nem sequer acompanha as garotas até a porta.
Rafael deu de ombros com um sorriso culpado. Ele era um galinha desde que me entendo por gente. Estudamos juntos numa escola super famosa do Rio de Janeiro e eu perdi as contas de quantas confusões Rafael nos meteu por conta de garotas, mesmo no início da adolescência.
— Ih, tá se achando muito melhor que eu, né? Você com essa pose de bom moço torna tudo pior. – ele me encarou e eu encarei de volta. Apesar de nossa amizade de anos, sempre tivemos nossas brigas. Acho que como eu não tive irmão e ele só teve uma irmã, a gente acabava descontando um no outro. — Deixa elas esperançosas de que possam ter, pelo menos, uma amizade colorida com o famoso Victor Bellini. – Rafael ironizou, mudando o tom de voz.
— Cala a boca. – bebi um gole de café, já me arrependendo imediatamente quando percebi que faltava adoçante.
— Tô mentindo? Você é incapaz de manter amizade com alguma garota. – eu sabia só de olhar pro Rafael que nada de bom sairia dessa conversa. — Eu pelo menos fui amigo da Maria Eduarda quando tínhamos 11 anos. Você, nem isso. Sua única amiga foi a Soso, e mesmo assim, só porque você sabia que seria um homem morto caso acontecesse alguma coisa. – Sofia era irmã gêmea do Rafa e apesar de não ter sido tão próxima assim, tinha sido uma presença constante enquanto eu crescia. Mas ela era praticamente uma irmã pra mim também, jamais conseguia pensar nela de outra forma.
Thiago e Gustavo permaneciam quietos observando aquele costumeiro embate entre nós dois. Andei pela cozinha, abrindo o armário para pegar o adoçante. O vento entrava pela janela, anunciando que aquele sábado ainda seria chuvoso e nublado. Minha cabeça permanecia doendo pela ressaca das cervejas. Decididamente não sou mais o mesmo Victor de antes. Os 26 anos me tornaram um fraco que já fica de ressaca com 4 latinhas de cerveja. Fala sério.
— Para de onda, Fritz. É claro que eu já tive amigas mulheres. – Rafael ergueu a sobrancelha. Caralho, eu era um mentiroso da porra e ele sabia.
— Ah, é? Diz uma, então. – fiquei em silêncio enquanto colocava as gotas de
adoçante no meu café. — Você é incapaz de ser amigo de uma mulher. Incapaz!
Eu deveria ter imaginado que entrar na onda do Rafael sem conseguir pensar direito não era uma boa. Eu sabia que ele só estava querendo colocar lenha na fogueira. Entretanto, fiz a única coisa que não deveria ter feito: caí na pilha.
— Eu posso te provar que sei ser amigo de uma mulher. – ele me olhou em sinal de desafio. — A próxima garota que cruzar o meu caminho, eu te garanto que não vai ser nada além de uma amiga.
Bebi um gole do café e dessa vez senti um gosto doce demais. Devo ter colocado sei lá quantas gotas naquela merda. Agora estava intragável. Joguei o líquido na pia e segui para o meu quarto, querendo tomar um remédio de dor de cabeça e dormir pelas próximas 18 horas seguidas.
Elisa
As segundas feiras normalmente corriam com uma certa tranquilidade para mim. Era um dos meus dias preferidos da semana, por mais estranho que pareça. De manhã, eu seguia para o AA, onde era responsável por 2 grupos terapêuticos até a hora do almoço. Eu gostava de estar ali e ajudar aquelas pessoas. Ouvia as mais variadas histórias, desde homem alcoólatra que foi enquadrado na Maria da Penha até pessoas que não conseguiam se lembrar de dias inteiros por conta da embriaguez.
Apesar de tudo, ainda não era o que eu queria pra mim. Eu sempre me imaginei dentro de um Hospital, trabalhando com pesquisas, realizando experimentos. Mas agora, faltando um ano de graduação, esse sonho estava se tornando cada vez mais distante.
Por volta das 13h15, entrei em casa e encontrei um Dani animado falando ao celular.
— … eu sei, eu também. Eu entendo porque você prefere assim. Todo mundo vai comentar. – ele notou minha presença com o barulho da porta fechando e imediatamente mudou o tom de voz e o jeito de falar. Dani estava me escondendo alguma coisa. — Preciso desligar, tá bom? A gente se fala depois.
Ele desligou o celular e guardou no bolso, aproximando-se da geladeira e abrindo a porta para analisar o que tinha lá dentro. Tínhamos um esquema de revezar quem era o responsável pela comida da semana, mas naquele mês, com o início do semestre, acabamos vivendo à base de congelados e Ifood.
— E aí? Hoje vamos de lasanha de quatro queijos, pizza de ontem ou o bom e velho miojo? – ele perguntou.
— Definitivamente pizza de ontem. – Dani tirou a caixa da pizza da geladeira e colocou num prato apropriado para o micro-ondas.
Me sentei em frente à nossa bancada da cozinha, tirando os sapatos para relaxar um pouco. Nossa kitnet era pequena, mas era charmosa. Tínhamos uma cozinha estilo americana que enfeitamos com azulejos coloridos e bancos amarelos vibrantes. Na sala, conseguimos juntar uma grana e comprar um sofá retrátil da irmã do Dani que estava de mudança para a Argentina, além de uma televisão de 32 polegadas com uma compartilhada da Netflix.
— Hoje mais cedo aproveitei que minha aula foi cancelada e estava colocando algumas roupas na máquina. – Dani foi dizendo enquanto a contagem do microondas diminuía. — Tinha um casaco preto da Ralph Lauren que, com absoluta certeza, não era meu nem seu. Sabe como veio parar aqui?
Na mesma hora as lembranças do cara alto (e maravilhosamente lindo) que me ajudou a escapar do lunático perseguidor me vieram à mente. Lembrei dos olhos castanhos esverdeados que quase tinham me deixado hipnotizada.
— Ah, era de um garoto que me ajudou na festa sexta-feira. Ele me emprestou o casaco dele pra colocar por cima da minha blusa verde. – coloquei os talheres na mesa ansiosa pela pizza, mesmo requentada. — Já que certas pessoas não me avisaram daquela palhaçada de Semáforo.
— E posso saber por que estou ouvindo falar dele só agora? – Daniel colocou as mãos na cintura enquanto o micro-ondas finalmente apitava para que tirássemos as fatias.
— Não foi nada demais. Nós só conversamos e ele me ofereceu o casaco. – Dani encheu o copo de suco de abacaxi e começou a beber. — ele era médico, já fazia residência no Hospital e tudo. Acho que o nome dele era Victor, ou algo assim.
No momento em que disse o nome Victor, voou suco de abacaxi por toda a bancada da cozinha. Daniel limpou a boca e engoliu o que ainda restava, encarando-me de olhos arregalados.
— Victor Bellini????
— Eu sei lá se é Bellini. – não entendi por que tanto desespero por parte dele.
Daniel pegou o celular e mexeu em silêncio por uns 15 segundos. Em seguida, entregou o telefone para mim com uma enorme foto do homem que me ajudou na sexta à noite sem camisa, abraçado com um cachorro. Preciso dizer que na sexta ele já parecia lindo, mas aquela foto proporcionava uma visão ainda melhor.
— É, esse aí mesmo. Vocês são amigos? Se conhecem?
— Meu Deus, Elisa. Óbvio que não. – Daniel colocou a fatia de pizza na minha frente como se eu fosse de outro planeta. — Todo mundo em Itaperuna conhece
Victor Bellini, ira-me você não saber quem ele é. Ele é filho do Nestor Bellini, o neurocirurgião que sempre aparece no Fantástico. Ele é o dono daquela república na rua principal. Eu já até tinha comentado dele e dos amigos gatos com você uma vez.
Dei de ombros, porque aquilo realmente não me importava. Mas confesso que me lembrava vagamente de quando Dani comentou sobre o “médico gostoso do Hospital” e os outros garotos da república, mas não tinha dado muita bola. Não que eu fosse alguma santinha ou algo do tipo, mas médicos, em geral, deixavamme sem paciência. Normalmente eles se achavam os grandes senhores da razão, acima do bem e do mal.
— Bom, pelo menos agora que já sei quem ele é e onde ele mora, posso ir até lá devolver o casaco. – mordi um pedaço da pizza, degustando. Dani me olhou como se eu tivesse enlouquecido.
— Você vai na república devolver aquele casaco?
— Claro, não vou simplesmente roubar o casaco pra mim. – respondi, como se fosse óbvio.
— Vá por sua conta e risco, aquele lugar é praticamente um abatedouro de mulheres. Cuidado para não se deixar encantar pelos corpinhos sarados e estetoscópios que você provavelmente vai encontrar por lá. – olhei para ele exasperada.
— Eca, Daniel. Não é porque você é gay que pode ser machista. – cutuquei no prato dele com o garfo para chamar atenção.
***
No final da tarde, depois de uma aula monótona de Psicanálise e uma maravilhosa de Neurociência aplicada, Daniel me deu carona rumo à famosa República. Eu já tinha ado pela rua algumas vezes, mas nunca dei muita importância. A enorme casa que servia como sede para os garotos ficava no número 300, o que só me lembrava do famoso filme americano e do Gerard Butler sem camisa.
Ali, no interior do Rio, era comum que as casas não tivessem muro, então quando toquei a campainha da casa de dois andares, logo ouvi vozes do lado de dentro.
— Rafael, atende aí, estou entrando no banho! Deve ser a comida! – uma voz grave que eu conhecia de sexta à noite disse lá de dentro.
Quando a porta se abriu, um homem que parecia saído de um catálogo de revistas da Alemanha me olhou através da porta. O cabelo loiro claro curto e os olhos azuis cristalinos me encararam com uma intensidade que me fazia sentir quase nua.
— Opa! O Burger King está mandando bem nas contratações. — Ah, fala sério. Mas já?
— Hum… – resolvi ignorá-lo. — O Victor está? – o homem loiro, que aparentemente se chamava Rafael, olhou-me parecendo confuso.
Ao invés de me responder como uma pessoa educada, ele me pediu para aguardar um minuto e encostou levemente a porta como se eu não pudesse ouvilo gritar do lado de dentro.
— VICTOR, A GAROTA DE SEXTA NÃO ERA LOIRA? – homens… podem ser tão babacas quando querem. Às vezes me questiono por que Deus me fez heterossexual, só podia ser algum castigo divino. Não consegui ouvir a resposta de Victor. — UÉ, MAS TEM UMA MORENA DE FRANJINHA AQUI NA PORTA TE PROCURANDO.
Quando estava prestes a desistir, dizer para o Dani que ele tinha razão e que eu não deveria ter vindo, a porta voltou a se abrir.
— Entra aí, gata, o Victor falou pra você esperar ali na sala que ele já desce.
Rafael abriu espaço para que eu entrasse na casa. Assim que entrei, um leve choque me dominou. A república não era nada do que eu imaginei quando soube que era habitada por quatro homens heterossexuais. É claro que faltava decoração e bom gosto, especialmente na cozinha, mas de uma maneira geral era surpreendentemente arrumada. O sofá preto de canto ocupava boa parte da sala e deveria caber, mais ou menos, umas sete pessoas confortavelmente. No centro, ficava uma TV enorme que deveria ter muitas polegadas. E no lado oposto, dando um toque especial, ficava uma mesa de sinuca.
Sentei-me no sofá e fiquei encarando meus dedos como se fossem a coisa mais interessante do mundo. De repente, um barulho nas escadas me despertou e ergui meus olhos ansiosa achando que fosse finalmente poder devolver o casaco e cair fora. Mas quem descia as escadas era um homem muito bonito de cabelo escuro
e óculos quadrado, com roupa de médico, quase numa versão Clark Kent em Grey’s Anatomy. Logo atrás dele, descia um outro homem, com a pele negra e cabelos num pequeno black power, usando somente uma calça jeans e um jaleco, exibindo belos gomos no abdômen. Mas quer saber? Qual o problema desses caras com jalecos e roupas de médico? Eles precisam mesmo usar isso vinte e quatro horas por dia?
— Ei, oi! – O homem negro me cumprimentou. Balancei a cabeça retribuindo o cumprimento.
— Aí Gusta, a gatinha aqui está esperando Bellini sair do banho. – Rafael falou se dirigindo para o homem negro. Ele imediatamente me olhou mais uma vez como se me investigasse com os olhos.
— Você aceita alguma coisa? Água, suco, refrigerante? – O Clark Kent cirurgião me perguntou. Que surpresa, alguém minimamente educado.
— Aceito um copo de água, obrigada. – agradeci me dirigindo a ele.
O homem encheu um copo na cozinha e trouxe até mim. Enquanto eu bebia um gole, ouvi os na escada indicando que Victor descia os degraus. Sem camisa. Com o corpo e o cabelo ainda denunciando o banho que ele havia acabado de tomar. Puta que pariu, ele era muito gostoso! A foto que o Dani me mostrou no Instagram com certeza não fazia justiça.
Quando ele me viu sentada no sofá, parecia surpreso. Mas surpreso de um jeito positivo, acho.
— Blusa verde! – ele abriu um sorriso e veio na minha direção. — Elisa, certo? – concordei com a cabeça e me levantei. Quando ele viu o casaco na minha mão, parecia um pouco… decepcionado? Não sei, devia estar imaginando coisas.
Victor
Caralho, a garota da blusa verde. Sentada no meu sofá. O que ela estava fazendo ali? Não que eu fosse reclamar, muito pelo contrário. Ela parecia ainda mais linda à luz do dia.
— Blusa verde! – eu sorri e desci as escadas andando na direção dela. — Elisa, certo? – como eu ainda lembrava o nome dessa mulher? Quando ela se levantou do sofá, vi que segurava meu casaco preto nas mãos. Merda, ela só queria me devolver a porra do casaco.
— Isso! Queria te devolver e agradecer, foi muito útil na sexta-feira, sério mesmo. – ela sorriu e esticou a mão que segurava o casaco na minha direção.
Thiago e Gustavo permaneciam na cozinha fingindo não prestar atenção no que acontecia, mas bastante atentos a tudo que estávamos conversando. Rafa nem se dava ao trabalho de disfarçar. Recostado na mesa de sinuca com um sorriso irônico, aproximou-se interrompendo.
— Não vai me apresentar sua nova amiga, Victor? – o babaca deu ênfase na palavra amiga, claramente me relembrando da merda que eu tinha falado no sábado. Dei uma cotovelada discreta nele e fiz as devidas apresentações.
— Elisa, Rafael. Rafael, Elisa.
Elisa deu um sorriso sem graça e parecia desesperada para sair logo dali. Eu não a culpava, estar numa casa sozinha com quatro homens que ela não conhecia direito devia ser bastante assustador. Mas alguma coisa fazia com que eu não quisesse que ela fosse embora.
— Acho que eu já vou indo… preciso ainda terminar uns trabalhos da faculdade. Final de graduação, sabe como é. – ela comentou. Aproveitei a deixa para tentar puxar algum assunto.
— Ah é, você comentou comigo que estava pra se formar em Psicologia, né? – ela concordou com a cabeça. — Não sei se te interessa, mas hoje recebemos a notícia no Hospital de que segunda que vem começa uma nova médica lá no setor. Aparentemente é alguém que acabou de terminar o pós-doc e quer abrir alguns projetos com outros profissionais. – na mesma hora, observei que os olhos castanhos escuros dela se iluminaram. — Pra ser sincero, a Neuro já estava mesmo precisando de uma visão mais atual e eu não via a hora do chefe de departamento mudar.
— Desculpa… Você acabou de dizer Neuro? Como em Neurologia? – ela perguntou arregalando os olhos na minha direção. Eu assenti e um som de felicidade escapou da sua garganta de forma incontida. — Desculpa, é que eu procuro uma chance para estagiar com qualquer coisa dentro da neurologia há vários anos, mas nunca surgiu uma chance.
— Eu imagino… aqui entre nós, o Dr. Bertolini precisava se aposentar, não estava mais dando pra aguentar. – eu sorri e ela retribuiu. Porra, eu me sentia até embriagado com aquele sorriso. — Posso te mostrar o memorando que eles enviaram para os residentes. Você quer dar uma volta e conversar melhor sem ter 3 imbecis prestando atenção em tudo que a gente fala? – ela riu baixinho e concordou com a cabeça.
Coloquei a camisa que trouxe pendurada no ombro e abri espaço para que ela asse na frente a caminho da porta. Foi impossível não reparar nas pernas grossas e na bunda redonda por baixo da calça jeans que ela vestia. Ela era gostosa pra caralho. E linda. Mas, merda, dessa vez eu não ia estragar tudo. Eu ia ser amigo dessa garota. Ela parecia uma garota legal. Porra, ela veio até a minha república só para devolver meu casaco. Podemos ser amigos. Melhores amigos até. E o Rafael vai ter que engolir o próprio veneno.
***
Na esquina da rua onde ficava a república, um café no estilo francês servia lanches e croissants. Andei ao lado de Elisa, conversando sobre o Hospital, até nos aproximarmos de lá.
— Quer comer alguma coisa? – indiquei o café com a cabeça. Elisa olhou em volta e apontou para um boteco do outro lado da rua com cadeiras de plástico e alguns senhores de 60 anos jogando cartas e bebendo cerveja.
— Eu estava mais no clima de uma cervejinha e talvez uma batata frita. O que você acha? – não esperava aquela sugestão saindo da boca dela, mas foi como se sinos de casamento estivessem soando na minha cabeça. Se controla, Victor, caralho.
Óbvio que concordei. Atravessamos a rua em direção ao bar. Escolhemos uma mesa onde as cadeiras pareciam ter menos risco de quebrar e nos sentamos. Pedi uma garrafa para o garçom, que nos serviu em dois copos americanos. Elisa parecia absorta ando o dedo na borda do copo, quando sem mais nem menos perguntou:
— Qual o problema daquele seu amigo, hein? O tal de Rafael. – olhei pra ela com um questionamento implícito. — Ele agiu estranho o tempo todo enquanto eu estava lá.
— Ah, o Rafael é um idiota! – disse, torcendo para que ela se desse por satisfeita só com essa resposta. Mas pela forma como ela me olhava, percebi que precisaria continuar. — Sábado tivemos uma briga estúpida e ele me acusou de não conseguir ser amigo de nenhuma mulher. Eu disse que ele estava errado, claro.
— Por que ele diria isso? – ela encheu mais um pouco o copo de cerveja. Essa garota parecia estar me analisando. Bem que diziam que psicólogas estavam sempre de serviço.
— Talvez porque… ele tenha razão. – assumi. — Nunca tive uma amiga do sexo feminino na vida. Então, meio que quando você chegou lá, ele achou que você era mais uma das garotas que vivem me perseguindo.
— Nossa, que vida difícil! Sendo perseguido por mulheres que te acham gostoso. Não posso imaginar sofrimento pior que esse. – o deboche dela me contagiou. Eu dei uma leve risada também.
— Para de palhaçada, não foi isso que eu quis dizer. Mas agradeço pelo “gostoso”. – ela revirou os olhos e antes que pudesse rebater, complementei. — O ponto é que apostei com ele que seria amigo da próxima mulher que cruzasse o meu caminho. E pelo visto, você foi a sortuda. – ergui o copo sorrindo, simulando uma comemoração.
— Não sei se me sinto especial ou ofendida. A única mulher no mundo que você não quer transar e que consegue ser comum o suficiente pra conquistar o posto de sua amiga. – ela riu e bebeu mais um gole.
— Epa, espera aí. – ergui as mãos me defendendo. — Eu não disse nada sobre não querer transar com você ou que você era comum. Você está colocando palavras na minha boca, Elisa. – eu disse sorrindo e dando uma piscadinha na direção dela. Ela estava completamente insana, se achasse mesmo que eu não tinha vontade de transar com ela. Eu pensei nisso desde a primeira vez que coloquei os olhos naquela boca vermelha na festa. Ela, na mesma hora, pareceu ficar mais tímida e colocou o cabelo atrás da orelha.
— Vamos mudar de assunto, Victor Bellini. – eu soltei uma risada com a menção ao meu nome completo, mas deixei que ela vencesse dessa vez.
De repente, sem mais nem menos, Elisa ficou séria como se tivesse se lembrado de algo importante.
— Na verdade, até que essa história de amizade pode ser útil para mim também. O quanto você está disposto a participar de um experimento psicológico? – eu ergui a sobrancelha, confuso.
— Desde que não seja daqueles experimentos doidos que sempre dão errado e saem do controle…, mas pra ser sincero com você, meu tempo anda muito curto. Eu venho trabalhando igual a um maluco naquele hospital…
— Ah, claro. Eu entendo. – ela parecia levemente decepcionada. Merda, odiei ver aquela expressão no rosto dela.
— Mas por curiosidade… que experimento é esse? – perguntei.
— Ah, é pra uma aula minha em que eu precisaria comprovar que a amizade entre homens e mulheres heterossexuais é possível. — peraí… Isso significava o que eu estava pensando que significava? — É besteira, Victor, não se preocupa. Eu sei que você é um médico super ocupado. Tenho certeza que daqui a pouco encontro um outro cara interessado em ser meu amigo. Que tal seu amigo Rafael? Aposto que ele também é ótimo em ter amigas. – =ela debochou rindo.
Merda, um sentimento desconhecido de possessão me dominou. Eu fiquei com raiva do Rafael sem ele ter nada a ver com a história. Que caralhos estava acontecendo e porque eu me sentia tão conectado à essa garota? Eu sentia as palavras começando a se formar na minha boca e que me arrependeria delas assim que saíssem.
— Bom, agora que você explicou, tenho certeza de que posso participar do seu experimento. A gente consegue ser amigos, Elisa. – aí estava: as palavras fodidas que não deveriam ter escapado da minha boca.
— Não precisa, Victor, sério. Você mesmo disse que estava ocupado e que…
— Eu arranjo tempo.
Ela sorriu na minha direção com os olhos brilhando e eu me senti realizado. Ela então começou a explicar toda a história do experimento em detalhes, com um discurso que envolvia um professor chamado Cabral e algo envolvendo um
ponto extra na média. A verdade é que enquanto ela falava, distraí-me várias vezes pensando no quanto a sua boca parecia macia e deliciosa. Porra, isso precisava ser só o efeito da cerveja falando mais alto.
***
Era 1h30 da manhã e ainda estávamos sentados nas cadeiras de plástico do bar. Alguns copos de cerveja e duas porções de batata frita depois, Elisa estava rindo com lágrimas escorrendo do canto dos olhos, enquanto eu contava sobre o momento em que o Thiago quebrou o crânio na nossa primeira aula de Anatomia.
— Caraca, Victor! Eu… não… consigo… parar… de… rir… – ela ria e abaixava a cabeça na mesa. Eu também estava rindo, mas nem tanto pela história que eu já havia contado mil vezes, e mais porque a risada dela era contagiante. — Aí, eu vou acabar fazendo xixi na calça! – ela se levantou indo na direção do banheiro. — Já volto!
Enquanto Elisa ia ao banheiro, olhei meu celular e vi duas notificações de um número desconhecido no WhatsApp. Quando abri, deparei-me com as mensagens da loira da festa de sexta perguntando se poderíamos sair essa semana. Puta que pariu, como ela conseguiu meu número? Eu tinha uma regra de que meu número de celular nunca era ado pra mulher nenhuma. Já cometi esse erro outras vezes e foi impossível estudar enquanto eu não trocasse de número ou bloqueasse todo mundo.
Antes que eu pudesse pensar no que responder, Elisa voltava do banheiro.
— Apesar de eu estar me divertindo como há muito tempo não me divertia, acho que preciso ir. Já está muito tarde.
— Vamos, eu vou de Uber com você até lá.
— Não precisa, Victor! Eu sei me cuidar.
— Eu sei que sim, mas não vou ficar tranquilo com você indo a essa hora sozinha num Uber, depois de ter bebido. – ela pareceu refletir por alguns segundos e concordou.
— Tudo bem, mas só se você terminar de contar sobre a vez que o Rafael teve dor de barriga no meio de uma festa à fantasia.
Elisa
A volta para casa foi tranquila. Victor e eu conversamos mais um pouco e eu não conseguia parar de rir das histórias que ele contava sobre os outros garotos da república. O motorista nos olhava pelo retrovisor um pouco contrariado com a minha voz mais alta do que o normal e com nossas risadas extremamente altas. Era quase certeza que depois dessa viagem, a nota do Victor no aplicativo diminuiria.
Era estranho que com tão pouco tempo, eu já me sentia tão à vontade ao lado dele. Talvez fosse um sinal de que realmente nós fomos predestinados a sermos amigos nessa história maluca que criamos. Embora eu precise itir que nunca tinha sido amiga de um homem tão gostoso quanto ele. Mas nada na vida é fácil, não é mesmo? Além do mais, não é como se eu, de fato, tivesse alguma chance com Victor. Caramba, Elisa, que merda é essa ando pela sua cabeça? Péssima maneira de começar uma amizade puramente platônica. Eu seguia perdida nos meus questionamentos internos e nem percebi que o Uber já fazia a curva na minha rua. Assim que ele parou em frente ao prédio de 3 andares onde eu morava, peguei minha bolsa e coloquei no ombro.
— Obrigada por vir comigo, Victor. – ele sorriu em resposta. Merda, aquele sorriso podia colocar tudo a perder. Eu precisava me acostumar com a beleza dele. — Acho que… a gente se vê por aí? –Virei-me para sair do carro, mas assim que abri minha porta, senti a mão de Victor segurando meu pulso.
— a-me seu número? Acho que vai ser mais fácil da gente se falar e vai que surge alguma vaga lá no hospital? Eu posso te mandar uma mensagem avisando.
— Nossa, claro. Pelo amor de Deus, se essa vaga surgir, não esquece de mim. – estendi meu celular para ele e ele fez o mesmo em retorno.
— Pode ficar tranquila, sem chance que eu esqueça. – ele ergueu o olhar na minha direção e deu uma piscadinha. Eu engoli em seco. Ele estava flertando comigo? Era isso mesmo? Não, é claro que não, sua maluca. Ele deve ser assim com todas, esse cara é o maior pegador. — Pronto. – ele devolveu meu celular e se inclinou me dando um beijo no rosto. —Boa noite, Elisa.
— Boa noite, Victor. – saí do carro de uma vez antes que meus pensamentos ficassem ainda mais confusos. Olhei pra trás da portaria do prédio e vi que o carro só partiu quando eu fechei a porta. Lindo, gostoso e cuidadoso. Forças para mim.
Assim que abri a porta de casa, observei Dani sentado no sofá, fingindo ver algum seriado na Netflix. Ele digitava freneticamente no celular com um sorriso bobo no rosto. Eu conhecia essa expressão.
— Que cara de apaixonado é essa, Daniel Albertoni? – caminhei em direção ao quarto para me trocar. Será que algum sortudo tinha finalmente entrado no coração do meu amigo?
— Apaixonado? Eu? Ah, por favor, Elisa! Você sabe que eu sou um espírito livre. – Dani tentou disfarçar. Mas eu sabia o que meus olhinhos tinham visto. E além do mais, eu era quase uma psicóloga. Eu podia ler nas entrelinhas. — E eu posso saber onde que a senhora estava? Fiquei preocupado. Você não é de sair e voltar tarde para casa, ainda mais sem avisar. – ele disse tentando mudar de assunto.
— Como você sabe, eu fui à república devolver o casaco do Victor. Depois disso, acabamos indo para um bar, beber umas cervejas e comer umas batatinhas… – antes que eu terminasse de contar sobre a minha noite, Dani me interrompeu gritando:
— VOCÊ ESTAVA EM UM ENCONTRO COM VICTOR BELLINI? – meu amigo perguntou, de olhos arregalados. Ele desligou o celular, colocou na mesa de centro e focou sua atenção totalmente em mim. Parece que eu finalmente tinha conseguido deixar o Dani sem palavras. Pontos para mim, ainda que ele estivesse completamente equivocado.
— Você pode esperar eu terminar de falar antes de berrar de novo? Voltando, sim, eu estava com o Victor. Não, não foi um encontro. Foi apenas uma saída de amigos.
— Querida, ninguém é apenas amiga do Victor Bellini. Você não conhece a fama dele? – Daniel me interrompeu de novo.
— Quase a mesma que a sua, meu anjo. – impliquei. — Mas de qualquer forma, isso não importa para mim, pois somos apenas amigos. E seremos apenas amigos. Meu único interesse nisso tudo é provar para o Cabral que existe amizade entre homens e mulheres heterossexuais e ganhar aquele ponto extra na matéria. De qualquer forma, o Victor se mostrou uma companhia bem agradável e divertida.
— E bem gostoso, gato, lindo, alto, com belos olhos castanhos… – Dani começou a enumerar algumas das muitas qualidades físicas do meu mais novo amigo. Eu sabia de tudo isso e definitivamente não precisava que ele me lembrasse. — Elisinha, eu te desejo boa sorte! Não sei se eu conseguiria resistir àquele corpinho. — Nem eu, Dani, nem eu. — pensei.
— Ainda bem que eu não sou você, Daniel, eu sou super contida, você sabe disso. Zero impulsividade. – Dani me olhou debochado. — Além disso, o Victor também quer manter nossa relação apenas na amizade.
— A gente está falando do mesmo Victor Bellini? Tem certeza? – ele estava incrédulo, encarando-me como se eu fosse de outro planeta.
— Um dos meninos da república, um tal de Rafael, que é muito gostoso, porém idiota, diga-se de agem, fez uma espécie de aposta com ele. Disse que ele não conseguiria ser apenas amigo de uma garota nem que tentasse. O Victor caiu na pilha e acabou aceitando entrar nisso. E eu fui a escolhida para ser a sua primeira e única amiga. E apenas amiga.
— Você tá falando do Rafael Fritz? Loiro, olhos azuis e sorriso que faz você querer abrir as pernas?
— Esse mesmo. – respondi.
— Ai, amiga, eu tenho muita inveja de você estando na mesma casa que esses corpos deliciosos. – eu ri. — Mas você acha mesmo que isso vai funcionar? Quer dizer, você já se olhou no espelho? Você é maravilhosa. Duvido que ele vá resistir a esse corpão violão… — Obrigada, Deus por me dar um melhor amigo que melhore minha autoestima desse jeito. O suposto corpão violão vinha desafinado fazia algum tempo e já estava mais para violoncelo.
— Tadinho, acho que você está precisando de um exame de vista. – Dani revirou
os olhos. — Bom, de qualquer forma, vai ter que funcionar. E isso não depende apenas dele. Eu também estou bastante interessada que isso dê certo. Você sabe o quanto eu preciso daquele ponto extra. Essa história de apenas amigos vai ter que dar certo, custe o que custar. Meu histórico de notas perfeitas depende disso.
— Eu já vou até preparar meu balde de pipoca para acompanhar essa história. – Dani disse rindo e desligando a TV. Já estava tarde e precisávamos dormir. Dei boa noite para ele e fui me deitar. Antes de dormir, fiquei reando na minha cabeça as conversas que tive com Victor no bar. Ele seria um ótimo amigo. Com braços musculosos e uma barriga tanquinho, mas ainda assim um ótimo amigo. Eu tinha certeza. Naquela noite, sonhei com ele. Graças a Deus, ele estava vestido.
***
No dia seguinte, acordei com o despertador tocando alto na cabeceira da minha cama. Eu ainda estava exausta e nem pensei direito quando deslizei o dedo para o modo soneca. Eu sempre fazia isso e sabia que era uma mania terrível, mas me dava a sensação de poder dormir muito mais. O único problema foi que naquele dia não tinha sido só a sensação. A soneca de 10 minutos se transformou em 1 hora, fazendo-me levantar atrasada para a aula mais uma vez. Já estava virando rotina esse semestre.
Tomei um banho rápido e coloquei um vestido de manga comprida e botas, já que o tempo permanecia nublado no Rio de Janeiro. E não sei se vocês sabem, mas isso já é o suficiente para carioca tirar a bota do armário. Entrei no meu Uno, joguei meu celular no banco do ageiro e segui rumo ao campus para tentar chegar a tempo da segunda aula do dia. Algumas ruas depois, parei no sinal vermelho com milhões de pensamentos surgindo na cabeça.
A noite de ontem tinha sido uma loucura. Como assim eu tinha ficado até a madrugada num bar com um cara que mal conhecia? Aquela não era uma coisa típica minha, por mais gato que o cara fosse. Mas, por incrível que pareça, eu me senti livre como fazia tempo não me sentia. Apesar de tudo que o Dani falou, Victor me fez bem, divertiu-me. Mas valia a pena seguir com aquela ideia de amizade? Agora longe daquele sorriso cínico e olhos que me confundiam, eu conseguia raciocinar melhor e a única conclusão possível é que estávamos fadados ao fracasso. Quer dizer, olha só para a gente! Ele aparentemente é o cara mais gostoso dessa cidade e eu não sei até que ponto consigo afastar da minha mente imagens que envolveriam ele em situações nada amigáveis.
Olhei para meu celular. O sinal continuava vermelho. Será que eu deveria fazer uso do número de celular que ele salvou na minha agenda e mandar mensagem pra ele? É isso que amigos fazem, certo? Na verdade, amigos nem precisam se questionar se devem mandar mensagem. Na mesma hora, como que numa resposta à minha pergunta, o semáforo acendeu a luz verde. Só poderia ser um sinal. Então é isso, Victor Bellini, a partir de agora terá uma aba de conversa no meu WhatsApp.
Entrando no estacionamento da faculdade, encontrei uma vaga bem ao lado do prédio da Psicologia, o que era uma raridade. Respirei fundo, peguei meu celular e vi que logo abaixo do nome dele aparecia a palavra que eu temia: online. Digitei uma mensagem. Apaguei. Digitei de novo. Apaguei. Digitei mais uma vez e sem pensar muito apertei em enviar. Puta merda, agora estava feito. Cheguei a cogitar por um milésimo de segundo apagar antes que ele visse.
Elisa: Oii! Aqui é a Elisa! E aí? Td bem? Mta ressaca hoje? hahaha
Mal tive tempo de me arrepender e o online logo mudou para “digitando”. Ai meu Deus. Caramba, Elisa, pra essa coisa de apenas amigos dar certo você precisa, de fato, aprender a lidar com essa mistura de sensações. Eu preciso fazer entrar no meu cérebro que amizade é o máximo que eu posso e vou lidar com
ele.
Victor: Oi Elisa! Porra nem fala... Não sou mais o mesmo, algumas latinhas já me deixam com uma dor de cabeça fodida no dia seguinte
Antes que eu pudesse responder, logo outra mensagem apareceu na minha tela.
Victor: Mas com ctza valeu a pena
Eu sorri igual uma idiota, enquanto saía do carro sem parar de digitar no celular. Merda, eu estava perdendo o controle sobre mim mesma. Sem flertar, Elisa, sem flertar, pelo amor de Deus, amigos não flertam. Especialmente amigos com o qual você não tem a menor chance de desenvolver qualquer coisa.
Elisa: Acho que estamos ficando velhos mesmo. Hj tava com tanto sono q perdi minha primeira aula
Victor: Relaxa, que se for de anatomia, neuro ou qlqr coisa assim vc já tem um prof particular
Porra, Victor, por que você tem que tornar tão difícil minha tarefa de não flertar com você?
Elisa: Pro seu azar, era uma aula de Psicopedagogia
Victor: Que pena, mas não vão faltar oportunidades de eu t ensinar uma coisa ou outra… Principalmente se vc vier trabalhar aqui no hospital ;)
Elisa: Que pena msm pq eu posso ser uma excelente aluna qnd eu quero
Ah, pronto. Satisfeito, Victor Bellini? Agora eu estava oficialmente flertando de volta.... com o cara que deveria ser meu somente meu amigo e que possivelmente flertava tanto quanto respirava!
O pior de tudo é que o maldito sorriso não saía da minha boca e eu sabia que estava com cara de imbecil na frente de todo mundo. Definitivamente, precisaríamos estabelecer algumas regras para que essa amizade desse certo.
Victor
Na última semana de agosto, eu estava atolado de relatórios dos pacientes da residência. Mal conseguia sair, a não ser para ir ao Hospital e voltar pra casa. O Rafael me achava maluco, dizia que eu não precisava disso tudo. Mas ele não conseguia entender que a última coisa que eu queria era que as pessoas achassem que tudo que eu havia conseguido até agora tinha sido por conta do meu sobrenome.
A única coisa que me fazia relaxar um pouco eram as aulas de boxe e as conversas com Elisa. Aquela garota entrou na minha vida semana ada feito um furacão e agora já nem sei mais como era antes de tudo isso acontecer. Eu não sei se era assim que essa história de amizade devia me fazer sentir, mas tinha uma leve impressão de que não. Ainda assim, eu sabia que nós dois só seríamos mesmo amigos, afinal ela não arriscaria essa coisa de experimento de jeito nenhum. E além do mais, eu sabia que Elisa não era uma garota de uma noite só, e eu não tinha certeza se eu estava pronto para ser um cara de mais de uma noite. Por mais que quase todos os dias a imagem de uma Elisa de lingerie brotasse na minha cabeça em algum momento.
Olhei para o celular na esperança de ter uma mensagem dela, mas a única coisa que me chamou atenção foi o relógio marcando 14h15 da tarde. Meu estômago estava praticamente adormecido até então, mas acordou na mesma hora.
Fechei os livros e desci, encontrei Thiago cozinhando alguma coisa na cozinha, enquanto Rafael e Gustavo jogavam FIFA no Xbox da sala.
— Precisa de uma mãozinha aí? – perguntei me aproximando do fogão. Thiago,
notando minha presença, indicou a mesa com a cabeça.
— Pode ir colocando as coisas na mesa? Já está tudo pronto. – assenti. Abri as gavetas procurando pelos pratos e talheres. Em pouco tempo, tudo já estava na nossa mesa da cozinha. Thiago sempre foi o melhor cozinheiro de nós quatro. Por ser vegetariano, ele vivia fazendo umas comidas doidas e nós sempre éramos as cobaias.
O almoço foi servido e imediatamente o silêncio reinou. Acho que todos nós estávamos mais esfomeados do que imaginávamos. Enquanto eu tomava um gole do suco, ouvi meu celular apitar. Tirei ansioso do bolso e vi que a mensagem era de um número desconhecido. Mais uma garota havia conseguido meu número de alguma forma. Que merda! Ergui o olhar e encontrei Rafa me encarando debochado.
— Não é quem você esperava, né? – pelo visto, não sou a melhor pessoa do mundo para disfarçar minhas expressões. — Quem diria que agora o famoso Victor Bellini fica ansioso por mensagem de WhatsApp.
— Vai se foder, Fritz! – o foda é que ele tinha razão. Eu estava ansioso para falar com ela. A gente não se falava há 3 dias. — É assim que é amizade, porra. Eu preciso ficar atento para estar disponível quando ela precisar de mim.
— Principalmente se ela precisar de você num contexto que envolva uma cama e não envolva roupas. – ele implicou. Eu queria ser forte o suficiente para dizer que não, mas eu corria o risco de me entregar ainda mais. Então optei por uma outra saída: joguei um limão na cabeça dele. — Caralho, Bellini, se você quebrasse meu nariz, eu te juro que te arrebentava na porrada. Você tem ideia do quanto esse meu rostinho maravilhoso é perfeitamente simétrico?
Percebi Gustavo rindo no canto da mesa. Ele sempre ia na onda do Rafael.
— Não sei por que o Gustavo tá rindo, se ele também vem, há semanas, mantendo algum segredo da gente. – Thiago disse, tirando-me do foco da conversa. Preciso me lembrar de agradecer a ele depois.
— Para de inventar, Thiago! Não tem segredo nenhum, você está cismado. – Gusta respondeu, mas na mesma hora engoliu em seco. Pra quem não tinha nada a esconder, ele parecia bastante nervoso.
— Aham… então aqueles os que eu escutei no sábado e domingo do final de semana ado saindo do seu quarto devem ter sido pura imaginação. – Thiago disse. Gustavo balançou a cabeça tentando desconversar.
— Quem é a gostosa, Gusta? – Rafa perguntou. — Pra quê fazer suspense?
— Não é suspense nenhum, porra! Só não tem gostosa nenhuma. O Thiago enlouqueceu.
Ainda bem que o Gustavo já estava com meio caminho andado no ramo da ortopedia, porque se precisasse virar ator para sobreviver, ia morrer de fome. O almoço terminou e ninguém acreditou nas desculpas esfarrapadas dele sobre a nova peguete.
Subi para o quarto e me trancafiei para tentar terminar de estudar tudo o que
precisava para a pesquisa. A verdade é que eu sentia que nunca seria o suficiente. Eu colocava tanta pressão em mim mesmo que sempre que me aproximava da conclusão de alguma meta, mudava de objetivo e colocava a linha de chegada para ainda mais distante. Praticamente impossível de ser alcançada. Mesmo que eu fosse o residente mais foda do Hospital, nunca ficaria satisfeito, porque sempre seria como se uma sombra do meu pai pairasse sobre mim e sobre minhas conquistas.
Segundo minha terapeuta, isso dizia mais sobre mim do que sobre meu pai. Eu criava pensamentos distorcidos de que nunca seria o suficiente. Nem na neurologia, nem na minha família, nem para os meus amigos, nem para ninguém.
***
Eu já estava deitado na cama, pronto para dormir às onze horas da noite naquele sábado meio chuvoso, quando de repente ouvi o som do meu celular. Estiqueime sobre a cama e desbloqueei a tela, vi o rosto da Elisa seguido de uma foto das cadeiras de plástico do bar onde ficamos conversando na primeira vez que saímos para beber. Será que ela estava lá agora?
Victor: Tá no Bar do Elias?
Elisa: Tô, infelizmente. Meu amigo precisava de companhia pra encontrar um contatinho por aqui e vim junto. Só que o idiota se mandou sabe-se lá pra onde e agora tô aqui com uma porção de batata e um litrão sozinha hahahaha
Victor: Ainda sobra batata e cerveja se eu chegar em 10 min?
Sem esperar a resposta dela, levantei-me de um salto da cama e coloquei uma calça de moletom e uma camisa preta. A porra do meu cabelo estava mais despenteado do que o normal. Tentei dar algum jeito nele, mas foi em vão. Dando-me por vencido, peguei as chaves de casa e olhei o celular uma última vez antes de sair. A tela mostrava uma foto da Elisa com a boca cheia de batata frita e uma mensagem embaixo dizendo:
Elisa: Não posso garantir nada ;)
Eu sorri pra mim mesmo enquanto fechava a porta e saía rumo ao Bar do Elias. Aquela garota tinha alguma coisa diferente. Não sei o que era, mas cada vez ficava mais difícil ficar longe dela e tirar o seu rosto da minha cabeça.
A nossa noite correu como as outras que amos juntos. Elisa sempre tinha assunto e conseguia arrancar quase qualquer coisa de mim. Perto das 2h da manhã, o amigo dela mandou mensagem avisando que já estava livre e que eles poderiam ir embora.
— Já tenho que ir, Victor. – ela abriu a carteira e pegou uma nota de 20 pra colocar na mesa. Na mesma hora, segurei a mão dela, impedindo.
— Nem vem. É por minha conta e você sabe disso. É o nosso combinado. – ela revirou os olhos.
— Você precisa me deixar pagar um dia, sabia?
— Um dia você paga outra coisa. – as bochechas dela coraram na mesma hora e eu percebi o duplo sentido embutido na porra da minha frase. — Merda, não foi isso que eu quis dizer…
— Eu sei que não, relaxa. – ela abaixou os olhos e fechou a bolsa. — Valeu pela companhia, Victor.
— Eu que agradeço. Já estava ficando preocupado com esse seu sumiço de 3 dias sem sinal de vida. – Eu parecia a porra de um namorado ciumento. E eu não servia nem pra papel de namorado e muito menos de um que fosse ciumento.
— Own, ficou com saudades? – ela brincou.
— Você me acostumou mal com a sua presença. – respondi.
— Eu sei que meu rostinho lindo faz falta.
— Faz mesmo, seu rostinho lindo fica na minha cabeça todo dia. – o que caralhos tinha acabado de sair da minha boca? Elisa arregalou os olhos surpresa e parecia sem saber o que dizer. Poupei o seu trabalho. — Quer ir a uma hamburgueria nova que abriu amanhã?
— Só se eu puder pagar. – ela era decididamente insistente.
— Meio a meio. – negociei.
— Você é um chato. – eu ri. Ela se abaixou e beijou meu rosto. Minha mão automaticamente foi para a sua cintura. — Boa noite, Victor. A gente se vê amanhã, então.
Elisa
Quando se é criança, os dias parecem demorar uma eternidade para ar. Eu me lembro muito bem de acordar cedo, pegar meu travesseiro e ir para o sofá da casa dos meus pais assistir desenho na TV durante toda a manhã. As horas pareciam dias de tão demoradas que eram.
Quando se é adulto, os dias am voando. É tanta preocupação com estágio, faculdade, boletos para pagar, casa para arrumar, roupas para lavar e por aí vai. Quando me dei conta, já havia se ado um mês desde a primeira vez que saí com Victor.
Durante esse curto tempo de amizade, perdi as contas de quantas conversas e programas legais fizemos juntos. Victor se mostrou um excelente amigo, ainda que fosse difícil me concentrar quando eu estava próxima a ele. A gente acabou caindo numa rotina de flertar de forma inocente, justamente porque eu sabia que ele jamais me enxergaria com outros olhos. Ele me fazia rir, sempre me perguntava sobre a minha semana, ouvia minhas reclamações sobre os trabalhos e professores chatos da faculdade e sempre respondia os questionamentos aleatórios que eu mandava para ele do nada no WhatsApp. Nós realmente estávamos próximos. Em algumas conversas, Victor deixava escapar um pouco sobre seu relacionamento com os pais ou histórias da sua infância. Mas ele era sempre muito vago em relação a esses assuntos, como se ele não gostasse de falar muito sobre isso. Nada que uma boa quase psicóloga não pudesse resolver.
Era uma noite de sexta e Dani havia saído sem hora para voltar. Eu estava em casa, tentando ler um livro qualquer que um professor de uma disciplina obrigatória havia indicado. Mas aquele tema era tão chato que eu não conseguia me concentrar. Deitei na minha cama e comecei a olhar as estrelas que eu tinha colocado no teto do quarto. Estava pensando em absolutamente nada quando
ouvi meu celular apitando, indicando que uma mensagem havia chegado. Talvez eu tivesse olhado ansiosa demais esperando por um certo nome na tela. Era ele.
Victor: Oi, Elisa. Qual a boa de hoje?
Elisa: Ficar em casa lendo sobre psicanálise :( e vc?
Abri a câmera e enviei uma foto minha fingindo dormir em cima do livro.
Victor: Eu ia responder q não estava fazendo nd de bom, mas agora, depois dessa foto, posso dizer q a boa definitivamente é vc :P
Fiquei envergonhada na mesma hora e abri o arquivo de foto pra ver se tinha algo demais. Puta que pariu, Elisa. Você é muito tonta. Meus peitos estavam oficialmente quase pulando pra fora da blusa.
Elisa: Agora entendi de onde vem sua fama, Bellini… nem sua amiga escapa das suas cantadas?
Victor: Não faço ideia de q fama é essa a q vc se refere, mas vou me abster pq tenho o direito de não criar provas contra mim
Elisa: Hahahahahaha
Victor: Quer dar uma saída? Tô super a fim de conhecer aquele restaurante novo q abriu na Rua das Flores
Elisa: Depende, lá eles vendem batata frita?
Victor: Se não venderem eu te juro q saímos na mesma hora
Elisa: Então te encontro lá em 30 min. E não vai se atrasar, hein
Levantei-me da cama, tomei um banho rápido e coloquei minha mais nova roupa favorita: calça jeans e um cropped preto que deixava apenas uma faixa da minha barriga aparecendo. Nos pés, optei pelo bom e velho tênis. Depois de ar uma maquiagem rápida, peguei minha bolsa, a carteira, o celular e as chaves e saí de casa. O restaurante não ficava muito longe de onde eu morava. Estava uma noite tão agradável que optei por ir andando até o local.
Assim que cheguei no restaurante, notei uma enorme fila de espera para entrar. Que saco. Eu odiava ter que ficar em fila para comer. O lugar estava lotado de gente, a maioria deles jovens. Eu estava tirando meu celular da bolsa para avisar a Victor que tinha chegado, quando senti uma mão em minha cintura. Eu nem precisava me virar para saber quem era. Eu sabia pela forma como meu corpo reagiu que era ele.
— Cheguei bem na hora. – Victor disse dando um sorrisinho maroto.
— Bem na hora do quê? Você já estava 5 minutos atrasado. – cumprimentei meu
amigo com dois beijos no rosto e ocultei a parte de que eu também estava 5 minutos atrasada.
— Bem na hora de impedir que aquele idiota se aproximasse de você. – ele indicou com a cabeça um homem parado há uns 3 metros de onde estávamos. O homem não me parecia nada mau.
— Talvez você não devesse ter impedido, ele é um gato. E eu definitivamente aprovaria essa aproximação. – respondi ainda analisando o homem que supostamente estava interessado em mim.
— Fala sério, Elisa. Ele é um anão. – Victor reclamou com o humor claramente mais irritado.
— Não são todos que são abençoados com 1,85, Bellini. – impliquei. Ele aproveitou e ou o braço pelo meu ombro com o objetivo de enfatizar nossa clara diferença de altura. Merda, eu precisava aprender a controlar os arrepios do meu corpo quando ele me tocava. Talvez uma sessão de hipnose resolvesse isso.
— Mas mudando de assunto, baixinha… – dei uma careta para o apelido. — Acho que não foi uma boa ideia vir pra esse restaurante.
— Pois é, esse lugar está lotado! Não vamos conseguir mesa tão cedo. E eu estou com fome. Não quero esperar. Você já sabe que eu fico meio irritada quando estou com fome.
— Que tal se a gente for pra um outro lugar? – Victor sugeriu.
— Eu topo qualquer lugar que não tenha uma fila de espera para entrar.
— Vai ser difícil arrumar um lugar sem fila de espera em plena sexta-feira à noite. Mas eu tive uma ideia. Que tal a gente ir lá pra casa? Podemos ver um filme e pedir uma pizza.
Antes que eu pudesse responder, uma garota loira de vestido justo se aproximou de nós. Ela era deslumbrante e pude perceber alguns olhares masculinos a acompanhando enquanto andava. Até eu senti vontade de dar uma bisbilhotada na bunda dela. A garota era, definitivamente, sarada. Duas horas diárias na academia no mínimo.
— Oi, Victor. Tá sumido, hein? – a loira disse colocando a mão no braço dele.
Revirei os olhos, pensando que isso claramente deveria servir como uma resposta para a minha pergunta inconsciente sobre um possível interesse do Victor em mim. É claro que não existia. Olha o tipo de mulher que ele gostava. A loira era um mulherão da cabeça aos pés. Definitivamente ele e eu não pertencíamos ao mesmo nicho social. Pelo menos funcionávamos bem como amigos, que é exatamente o que eu queria desde o início.
Percebi que Victor assumiu uma postura mais séria e parecia desconfortável lidando com aquela situação.
— Ah, oi… Loira. – típico. Ele nem sabia o nome da mulher. — É, tá corrido! Como eu disse, com a residência, meu tempo ficou mais escasso. – antes mesmo que a garota pudesse responder qualquer coisa, Victor já emendou: — Foi um prazer te rever, mas infelizmente já estamos de saída. Muita fila por aqui, sabe como é.
A garota meneou a cabeça, concordando sutilmente e parecendo um pouco decepcionada.
— Bom jantar! – eu disse, sorrindo para ela, tentando demonstrar solidariedade. Visivelmente não fui bem-sucedida, já que tudo que recebi de volta foi um olhar fulminante enquanto andava em direção à esquina com Victor ao meu lado. Eu imaginava como ela se sentia vendo Victor ser tão sucinto com ela e sair acompanhado comigo.
— Seus padrões de beleza são bem altos. – comentei como quem não quer nada. Um pequeno sentimento de mágoa queria dar as caras na minha mente, mas eu não tinha esse direito. — aquela garota era deslumbrante. Um monte de homens gostaria de estar no seu lugar. – ele riu e balançou a cabeça negando e deixando os cabelos ainda mais bagunçados que o normal.
Victor abriu a boca e fechou algumas vezes, como se quisesse falar algo, mas não tivesse certeza do quê. Antes que o silêncio entre nós ficasse constrangedor, resolvi mudar de assunto:
— Pede logo essa pizza para não demorar a chegar.
— Metade calabresa, metade quatro queijos, né? – eu concordei. Victor tirou o
celular do bolso para pedir a pizza pelo aplicativo.
Victor
A última semana tinha sido corrida. Eu tive mais plantões do que estava acostumado. Com a mudança de direção do departamento de Neurologia, as coisas no HU estavam frenéticas. Como esperávamos, a nova chefe do departamento chegou querendo inovar em diversos aspectos, deixando os atendentes, os residentes, os internos e, principalmente, a direção do hospital completamente malucos.
Depois de ar toda a tarde de sexta-feira estudando, eu merecia uma folga. Pelo menos durante algumas horas, depois eu voltava a estudar. Meus amigos diziam que eu me cobrava demais. Mas como não se cobrar carregando o sobrenome que eu carrego? As pessoas esperavam grandes coisas do filho do famoso neurocirurgião Dr. Bellini. O Rafa ava por algo semelhante, mas ele sempre levou mais tranquilamente do que eu.
Para ser sincero, nem sei ao certo quando decidi fazer medicina. Também não sei se foi uma escolha minha ou algo imposto. Eu sou o filho único de um casal de médicos. Minha mãe é cardiologista e o meu pai é um renomado neurocirurgião. Os dois nunca tiveram muito tempo para mim, pois estavam sempre trabalhando. Nas poucas horas que ávamos juntos, eles sempre faziam questão de falar que um dia eu iria seguir a tradição da família e me tornar um grande médico. Cresci ouvindo esse discurso e, quando prestei vestibular, não tinha outra opção além de medicina. Por sorte, eu gostei do curso. Encontrei-me dentro da neurologia e hoje não me vejo sendo nada além de médico. Mas quando as pessoas se dão conta de que eu sou o herdeiro do Dr. Bellini, acabam criando muitas expectativas em cima de mim. E isso me deixa, muitas vezes, apreensivo.
Quando cheguei ao restaurante para encontrar Elisa, deparei-me com uma multidão do lado de fora. Óbvio que iria estar lotado. Era uma sexta à noite, em
uma cidade basicamente universitária. O restaurante era novo. Todos queriam conhecer e tirar fotos para o Instagram naquele lugar. Comecei a andar pelas pessoas, cumprimentando alguns conhecidos pelo caminho, em busca de Elisa. De repente, eu a vi. Parada perto de um grupo de homens que não tiravam o olho dela, um especificamente. Elisa era linda, mas ela não fazia ideia disso. Ela se achava normal. Não fazia ideia do poder que exercia nos caras. Aproximei-me segurando-a pela cintura. Em parte, porque queria apenas que aqueles babacas tirassem o olho dela; já a outra parte minha sempre arranjava qualquer motivo pra tocar nela.
Pra variar, ela me acusou de estar atrasado, mas dessa vez eu tinha chegado só 4 minutos depois do horário que combinamos. Graças a Deus, porque eu não sabia se conseguiria lidar com o fato de chegar e encontrar outro cara com ela.
Eu precisava aprender a ser menos possessivo com as minhas amizades. Por que é isso que somos, certo? Amigos?
— Talvez você não devesse ter impedido, ele é um gato. E eu definitivamente aprovaria essa aproximação. – ela me respondeu quando eu indiquei o imbecil que não tirava os olhos dela. A raiva subiu pelo meu peito. Encarei diretamente o cara e o grupo de amigos que não tiravam os olhos dela. Eles desviaram o olhar e continuaram conversando entre si.
— Fala sério, Elisa. Ele é um anão. – o babaca devia ter 1,70. Elisa era linda demais pra qualquer um deles. E pra qualquer cara que eu conheça, na verdade.
— Não são todos que são abençoados com 1,85, Bellini. – eu amava o fato de que ela era baixinha, eu sempre tive uma atração especial por mulheres mais baixas do que eu, principalmente as bem mais baixas. E Elisa seria perfeita pra mim, se não fosse o fato de que eu não namoro e que nós somos apenas amigos,
é claro.
— Mas mudando de assunto, baixinha… – impliquei. — Acho que não foi uma boa ideia vir pra esse restaurante.
— Esse lugar está lotado! Não vamos conseguir mesa tão cedo. E eu estou com fome. Não quero esperar. Você sabe que eu fico meio irritada quando estou com fome.
E ficava mesmo. Durante esse tempo de amizade, notei que existem duas Elisas: a alimentada e a que não está alimentada. A segunda me assustava. Apesar do rosto de menina fofa, Elisa se tornava quase um monstro quando estava com fome.
Sugeri que fôssemos para minha casa comer uma pizza e assistir a um filme. Mas antes que sequer conseguíssemos sair do restaurante, a Loira da ItapêFest apareceu bem na minha frente, surgida sabe-se lá de onde. Ela era decididamente insistente. Consegui dar um jeito de escapar rapidamente e seguir com Elisa em direção à república.
— Seus padrões de beleza são bem altos. Aquela garota era deslumbrante. Um monte de homens gostaria de estar no seu lugar.
Eu ri e não respondi nada, abri e fechei a boca várias vezes antes que deixasse escapar alguma coisa. Pensei em como a vida era irônica. Elisa tinha razão. Um monte de homens gostaria de estar no meu lugar, mas não por conta da Loira que me abordou no bar, e sim por conta da morena de franjinha que saiu de lá comigo. Eu era um sortudo do caralho.
Enquanto caminhávamos, conversamos sobre um pouco de tudo. Era fácil conversar com Elisa. Eu me sentia à vontade para falar com ela. Ou melhor, de quase tudo. Conversar sobre minhas questões familiares ainda era difícil, mesmo que ela chegasse perto de me fazer abrir sobre isso. Eu não me considero uma pessoa fechada, como o Thiago, mas falar sobre família era sempre um ponto sensível para mim. Eu nunca conversava sobre isso com praticamente ninguém, só em raras oportunidades com o Rafa. E isso só porque ele conhecia todos os personagens da minha história. Na adolescência, devido aos meus constantes ataques de raiva, eu fui obrigado a fazer terapia. Lá foi o único lugar em que eu conseguia conversar sobre esses assuntos mais delicados.
Durante o trajeto, Elisa me contou sobre seu estágio no AA e sobre como ela estava desconfiada de que o Dani, seu colega de quarto e melhor amigo, estava envolvido em um romance secreto com algum cara que foi capaz de descongelar aquele coração de gelo. Contei a ela sobre minha semana e sobre as mudanças no departamento de neurologia do hospital. Eu estava ansioso pra falar com ela sobre isso.
— Eu tenho uma novidade para te contar. Eu ia contar só mais tarde, mas vou soltar a informação logo: vai abrir uma seleção para novos estagiários no departamento de neuro. E adivinha qual especialidade da área da saúde está… – Elisa não esperou eu terminar de completar a frase e começou a gritar:
— AIMEUDEUS! AIMEUDEUS! AIMEUDEUS! PSICOLOGIA? – Elisa gritou, no meio da rua, com os olhos brilhando de tanta felicidade.
— Isso aí, princesa! – eu tinha acabado de chamar Elisa de princesa? Que porra era essa que tinha saído da minha boca? Ela começou a fazer uma dancinha de comemoração no meio da rua. Eu achei aquilo bonitinho. — A nova chefe de departamento é incrível, Elisa. Você vai amar conhecê-la! O comunicado oficial
vai sair na segunda-feira pela manhã. Assim que sair, eu encaminho para você.
— HOJE É O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA! – Elisa berrava, para quem quisesse ouvir, no meio da rua principal da cidade.
— Então, já deixa seu currículo atualizado e pronto para mandar quando abrirem as inscrições. Tenho certeza de que em breve vou poder esbarrar com você pelos corredores do hospital.
— Não sei até que ponto isso vai ser bom, sabia? – ela comentou mais para si mesma. Ergui uma sobrancelha e a virei de frente pra mim.
— E posso saber por quê? Você não gosta da minha presença, Elisa Lopes?
— Claro que eu gosto. – ela começou e desviou o olhar. — Esse é justamente o problema.
— Princesa, você precisa ser um pouco mais clara com o que quer dizer. – aí estava: o apelido novamente. Merda, eu estava começando a gostar de chamá-la assim.
— Você me desconcentra. Eu não sei se vou conseguir ser uma boa estagiária com você por perto. – meu olhar encontrou o dela e pela primeira vez senti uma faísca de fogo que rondava a nós dois. Coloquei o cabelo dela atrás da orelha e percebi quando ela prendeu a respiração por um segundo.
Bom saber que eu também causava nela o mesmo efeito que ela causava em mim. Pelo menos agora, eu poderia imaginar que manter essa amizade totalmente fraternal vinha sendo tão difícil pra ela quanto pra mim. Pra não dizer completamente impossível.
— Relaxa, eu não vou te atrapalhar no seu trabalho. Eu só vou te roubar pra mim quando você estiver desocupada. – pisquei e ela sorriu. — E a propósito, você também me desconcentra.
Voltei a andar e percebi que Elisa travou por alguns segundos até conseguir se recuperar para me alcançar.
— Só te adiantando mais um pouco… Nossa pesquisa deve ser com pacientes lesionados. – comentei, tentando mais uma vez aliviar a tensão que vira e mexe surgia entre nós.
O restante do caminho para casa foi com Elisa falando sem parar em todas as coisas que ela sonhava em fazer no hospital.
***
Não ou nem quinze minutos que estávamos em casa, a campainha tocou. Era o entregador com nossas pizzas. Comemos enquanto assistimos ao primeiro episódio da nova temporada de uma série na Netflix. Depois de assistir 4 episódios seguidos, Elisa pediu uma pausa para ir ao banheiro. Aproveitei o intervalo para dar uma olhada no grupo de WhatsApp de que eu participava com os caras da república. Thiago e Rafael estavam em uma festa na cidade vizinha e não sabiam que horas iriam chegar em casa. Gustavo apenas disse que iria sair
com uma pessoa, sem dar muitos detalhes. Ele andava muito misterioso nas últimas semanas.
Gusta: Galera, saí com uma pessoa e volto amanhã
Thiago: Depois não qr q a gente fale q tá guardando segredo
Rafael: Thiago, para de responder a porra dessas msgs e olha pra gostosa q tá dançando na sua frente, caralho
Rafael: Bellini, eu não acredito q vc me abandonou nas festas e agora eu preciso arrastar o THIAGO
Rafael: Vc tá neurótico com essa merda de estudar, brother
Victor: Eu não to estudando, porra. To comendo uma pizza com a Elisa
Rafael: Aposto q vc preferia q essa frase não tivesse “uma pizza com”
Victor: Caralho, vc é um merda, Fritz. Já te falei q somos só amigos
Victor: Além do mais, se minha frase não tivesse “uma pizza com” eu não estaria respondendo msg nesse grupo com vcs, cuzão
— AI MEU DEUS! – era a voz de Elisa. Levantei depressa em direção ao banheiro. — Que coisa mais fofa é essa aqui? – ela falava e se agachava no corredor ao lado de uma bola de pelos preta.
— Ah, esse é o Dante. O quinto morador dessa república.
— Você é muito lindo ou pouco lindo? – Elisa falava, com aquela voz boba que as pessoas fazem quando falam com animais e bebês, enquanto fazia carinho na barriga do cachorro que adotamos há um tempo. — Eu não sabia que você tinha um cachorro.
— Têm muitas coisas que você não sabe sobre mim, Elisinha. – usei o apelido que eu sabia que ela odiava.
— Ah, é? – ela caminhou para o sofá, com Dante andando atrás dela. Ela se sentou e Dante foi para seu colo, amando os carinhos que recebia. — Que bom que temos muito tempo hoje para conversar, não é mesmo, Dantinho? – voltando sua atenção para mim, ela disse: — Vamos lá, Bellini. Sou toda ouvidos. Aproveita que hoje a escuta é de graça. Conte-me tudo o que eu não sei sobre você.
Sentei ao lado dela do sofá e, não sei o porquê, mas me senti à vontade para começar a falar. Conversamos sobre muita coisa. Começamos falando sobre filmes, seriados e livros que amamos. Ela me contou que era fã de Taylor Swift e quando eu disse que não escutava quase nada dela, Elisa me lançou um olhar de reprovação e me fez escutar o novo álbum inteiro. Falamos sobre viagens que fizemos e sobre as que sonhamos fazer. Descobrimos que os dois sonham em conhecer a Grécia. Ela me contou sobre como ela amava brincar de escolinha
quando era mais nova, enquanto eu era a típica criança que os pais obrigavam a fazer 1001 atividades extracurriculares. Nos tempos livres, eu gostava de jogar bola ou ver TV.
— Os meus pais são pessoas incríveis! Eu morro de saudade deles. Principalmente da comida da minha mãe e do suco de abacaxi com hortelã especial do meu pai. – o tom na voz dela demonstrava muito orgulho dos seus pais. — Minha mãe é professora e o meu pai é contador. O que seus pais fazem, Victor? – ela perguntou animada em saber mais sobre minha família.
— Meus pais são médicos. – respondi de forma mais seca do que eu esperava.
— Que legal! Eles devem estar muito orgulhosos de você então, né?
— É, estão sim. – eu disse tentando parecer sincero. Mas com certeza Elisa reparou que aquele assunto me incomodava e que eu mesmo não acreditava nas palavras que tinham acabado de sair da minha boca.
— A conversa está legal, mas eu quero voltar a assistir a série. Estou curiosa para saber o que vai acontecer. Eu acho que vai ser muito difícil eles escaparem dessa vez… – ela disse pegando o controle e dando play no episódio que paramos. Respirei aliviado. Eu não queria ter aquela conversa com Elisa. Pelo menos não agora. E eu fiquei ainda mais encantado com o fato de que ela não insistiu e me respeitou. Continuamos nossa maratona de Netflix.
Elisa
Em geral, durante todo esse mês que eu e Victor nos aproximamos, o diálogo nunca foi um problema. Eu e ele tínhamos mais assunto do que deveríamos na maioria das vezes. Mas todas as vezes um mesmo padrão se repetia. Quando entrávamos no assunto família, ele mudava automaticamente. Não sei se ele repara que faz isso, mas eu reparo. Por isso, durante nossa última conversa notei seu desconforto e sugeri que voltássemos a maratonar o seriado que estávamos assistindo. Ele, Dante e eu amos o resto da noite no sofá da sala. Episódio atrás de episódio. Por que essa série tinha que ser tão viciante?
Depois de algumas horas, que pareceram minutos, eu pedi outra pausa para ir ao banheiro.
— De novo, Elisa? Essa já é a quarta vez. – reclamou Victor.
— Você é médico residente, não é Bellini?
— Sim e daí? – respondeu, um pouco confuso.
— Então você sabe que a bexiga das mulheres é menor do que a dos homens. Dá pause logo nessa televisão ou eu vou fazer xixi no seu sofá! – eu disse já perdendo um pouco da paciência. Victor me olhou nos olhos e começou a rir do meu pequeno drama. Pegou o controle e pausou o episódio. Levantei-me correndo para ir ao banheiro. Mas continuei ouvindo sua risada enquanto corria até lá.
***
— Eu não acredito que acabou assim! – eu disse incrédula.
— Será que vai ter outra temporada? Eu preciso de outra temporada. – que bom que ele também compartilhava da minha dor.
Peguei meu celular para ver se tinha chegado alguma mensagem ou se eu tinha perdido alguma ligação e notei que já eram 3h30 da manhã.
— Victor, já são 3h30 da madrugada! – eu disse com um leve tom de desespero em minha voz. Como eu iria voltar para casa sozinha àquela hora?
— Puta merda! Como foi que o tempo ou tão rápido que eu não vi? – Victor perguntou enquanto pegava seu próprio celular para checar as horas. Nenhum dos amigos dele tinha chegado em casa ainda. — Elisa, por que você não dorme aqui? Não acho seguro sair de casa a essa hora. Mas, se você quiser arriscar mesmo assim, eu irei te acompanhar até sua casa. Se morrer, morremos nós dois. – soltei uma gargalhada que logo se transformou num bocejo. Eu estava realmente ficando com sono.
— Acho que vou precisar aceitar seu convite. Amigos fazem festa do pijama, não é mesmo? – brinquei. Senti o olhar dele rapidamente percorrer meu corpo e voltar para o meu rosto.
Victor me conduziu em direção às escadas que davam o ao segundo andar da república. Ele abriu a primeira porta à esquerda e me permitiu ar na frente.
— Uau! Seu quarto não é exatamente o que eu esperava. – eu estava realmente surpresa com aquele cômodo.
— E o que você esperava?
— Um quarto de homem, sabe? Bagunçado, meio fedorento…
— E com um pôster de uma mulher seminua na parede? – ele perguntou debochando.
— Claro que sim! – respondi entrando na brincadeira.
O quarto de Victor era todo em tons escuros. A parede em que ficava a cabeceira da cama, tamanho king size, era preta. Em um dos lados da cama, tinha um criado mudo com um livro, que ele provavelmente estava lendo, uma luminária preta e um bloco de notas. Do outro lado da cama, metade da parede era ocupada por uma janela imensa que ia do chão ao teto. A vista da cidade, olhando dali, era incrível. A outra metade era composta por uma escrivaninha branca, bem simples. Em cima dela, tinha um notebook, alguns livros, um porta canetas e um porta-retratos com uma foto de Victor e um casal, que eu acredito serem seus pais. Acima dela, algumas prateleiras repletas de livros. A maioria de medicina. Em frente à cama, uma TV com tela grande enfeitava a parede. Um pouco ao lado dela, uma porta que dava para um pequeno closet. E, do lado oposto, uma outra porta que dava para o banheiro. Enquanto eu reparava tudo, Victor saiu do
closet segurando um short e uma blusa.
— Toma, isso é para você. Acho que vai ser mais confortável dormir com minhas roupas do que com essa calça jeans aí. – disse, enquanto me entregava as peças. — Eu não sei se eu conseguiria dormir com o cheiro do Victor em mim.
— Eu sou tão cheiroso assim, é? – merda, eu tinha dito aquilo em voz alta?
— Posso usar seu banheiro? – perguntei, ignorando a pergunta anterior. Era melhor me fazer de maluca em algumas situações.
— Claro! Fique à vontade.
O banheiro era simples. Uma pia com poucos produtos, um chuveiro e um vaso sanitário. Tudo em tons escuros, combinando com o quarto. Enquanto me trocava e me preparava para dormir, ouvi um barulho vindo do outro lado da porta. Quando saí, deparei-me com um Victor sem camisa trocando a roupa de cama. Senti meu coração acelerar dentro do peito e um calafrio percorrer minha espinha. Nossa, ele era de tirar o fôlego.
— O que você tá fazendo? – perguntei tentando organizar meus pensamentos. Ele ergueu os olhos na minha direção como se eu tivesse doida.
— Arrumando a cama. – ele respondeu simplesmente. — Pode deitar se quiser. Eu, normalmente, durmo do lado esquerdo, mas pode escolher.
Ai, nós íamos realmente dormir juntos. Não dormir juntos, JUNTOS. Mas juntos. Na mesma cama. Com um Victor muito gostoso sem camisa e com um short de dormir perigosamente baixo que fazia meu olhar descer para aquele V masculino que era a perdição de qualquer mulher heterossexual.
— Tá, mas você fica num canto e eu no outro. Sem se aproximar durante à noite, Bellini. – eu cruzei os braços séria. Ele se sentou na cama.
— Relaxa, Elisa, eu não sei o que você andou ouvindo sobre mim por aí, mas eu sou muito respeitador. Eu nunca tocaria em você.
Eu sei que ele tinha dito aquilo para me aliviar. Mas não pude evitar sentir como se tivessem me dado um tapa na cara. É claro que ele nunca me tocaria. Eu precisava colocar de uma vez por todas na minha cabeça que Victor Bellini era areia demais pro meu caminhãozinho. Deitei-me no meu canto afastado da cama e sem encará-lo, desejei um rápido boa noite.
***
Quando acordei com o sol entrando pela enorme janela, demorei vários segundos para me lembrar de onde eu estava. Abri os olhos devagar e encontrei uma mão pousada na minha coxa direita. Enquanto as memórias começavam a despertar da sonolência inicial, dei-me conta de que estava no quarto do Victor. Usando as roupas do Victor. Com o Victor. Dormindo de conchinha com o Victor.
Isso não era nada bom.
Continuei imóvel na cama, tentando recuperar o controle sobre o meu próprio corpo. Fazia algum tempo que não ficava tão próxima assim de um homem. E, praticamente, uma vida inteira que eu não ficava tão próxima assim de um homem como o Victor. Com o estresse do final da faculdade, estágio, trabalhos e provas, sexo casual era uma dor de cabeça que eliminei da minha vida.
Senti que além da mão direita na minha coxa, eu também estava deitada em cima do braço esquerdo dele e que minha bunda estava literalmente encaixada… bom, entre as pernas dele. Não que eu quisesse reclamar. Tudo isso estava mais gostoso do que eu deveria permitir. Mas quando tentei me mexer para levantar discretamente, senti que havia algo estranho. Virei de frente, encontrando um Victor com a boca entreaberta ainda meio que dormindo. Meu olhar varreu o seu corpo sem camisa usando somente uma cueca boxer, detectei que mesmo que ele dormisse, outras partes estavam bem acordadas. Eu juro que tentei não ficar encarando. Mas aquela cueca era justa demais. Reveladora demais.
Puta merda, eu precisava transar urgentemente! E por mais que todo meu corpo me respondesse que o homem com quem eu me imaginava transando estava naquela cama, eu sabia que isso não seria possível nunquinha, como ele tinha deixado claro na noite ada. Levantei-me da cama tentando não fazer barulho e fui até o banheiro. Lavei o rosto com água bem gelada para tentar tirar aquela visão do corpo do Victor da cabeça. Nós éramos amigos. Amigos. Somente amigos. Apenas amigos. Mas por que raios ele tinha que ser tão gostoso e ainda por cima dormir de cueca boxer?
Saí do banheiro e me deparei com ele acordando. Victor bocejou e se espreguiçou, tensionando todos os músculos do braço. Se isso era um sonho, eu não queria mais acordar.
Sexo casual seria a solução para os meus problemas. Mas enquanto isso, Victor e eu precisaríamos finalmente estabelecer algumas regrinhas para que essa amizade desse certo.
— Bom dia! – ele disse abrindo um sorriso que fez minhas pernas ficarem ligeiramente bambas.
— Bom dia, Victor! – eu sorri e me sentei na beirada da cama. O olhar de Victor rapidamente percebeu minha vergonha e ele se deu conta do tamanho da ereção matinal que ostentava. Puxou o cobertor para o colo tentando parecer discreto. Eu acompanhei seus movimentos e cruzei os braços quase rindo. — Tarde demais, Bellini! Seu amiguinho aí de baixo já tinha me dado bom dia muito antes de você.
Victor soltou uma risada alta e se recostou na cama colocando os braços atrás da cabeça. O filho da mãe sabia que era gostoso.
— Foi mal, mas você sabe que não é como se eu pudesse controlar. – ele se aproximou e colocou meu cabelo atrás da orelha. Senti meu pescoço se arrepiar e o meu estômago revirar. Aquilo era um péssimo sinal.
— E em que momento você decidiu que era uma ótima ideia dormir de cueca e me abraçar? – perguntei.
— Pra falar a verdade, eu dormi de short. – ele apontou um tecido azul escuro embolado no chão ao lado da cama. — Devo ter tirado durante a noite e nem me lembro. E que eu me lembre, foi você que rolou pro meu lado durante a noite e se agarrou em mim.
Será que ele estava falando a verdade? A possibilidade era grande, mas eu
morreria negando.
— Fala sério, Victor. Eu nem me mexo durante a noite, com certeza você que se chegou pro meu lado.
Eu não podia me envolver demais, a nossa relação estava começando a ir para uma zona turbulenta e confusa em que a probabilidade de dar errado era enorme.
— Olha só, eu vou ser sincera. Às vezes me questiono se essa coisa de amizade vai funcionar entre a gente. – disse honestamente. Ele me olhou levemente preocupado.
— É claro que vai, princesa. Você não vê como a gente se dá bem? Porra, eu nunca tive uma garota na minha vida por tanto tempo quanto você. – eu soltei um suspiro.
— Eu sei que a gente se dá bem, mas é que você é tão… – gostoso. Lindo. Carinhoso. Apaixonante.
— Tão o quê?
— Nada. – balancei a cabeça desconversando. — A gente precisa seguir as regras universais de uma boa amizade.
— Que regras?
— Regras do tipo: você não pode dormir de cueca abraçado com a sua amiga quando você tem esse tanquinho e esses braços. – Victor soltou uma risada.
— Ok, então anota essa: você não pode sair com outros caras na frente do seu amigo e de preferência deve pedir a opinião do seu amigo antes de qualquer coisa.
— Que merda é essa, Bellini? Voltamos ao século 14? – reclamei.
— Eu só quero ser um bom amigo e poder opinar quando um cara filho da puta aparecer, Elisa. – Ele disse fingindo ingenuidade. — homens não valem nada.
— Ah, é mesmo? E você tá falando isso com conhecimento de causa, né? – ele revirou os olhos na minha direção. — Mais uma regra: amigos não podem ter ciúmes.
— Nada de se interessar pelos amigos do seu amigo. – ele falou. Uma gargalhada escapou da minha garganta. Ainda que os outros meninos da república fossem lindos, não tinha a menor chance de eu me interessar por eles tendo Victor na minha frente. Mas o fato de ele não querer me ver com um dos seus amigos, fez com que algumas borboletas voassem no meu estômago. Péssimo sinal.
— Em nenhuma hipótese, amigos podem se apaixonar um pelo outro. – essa regra escapou da minha boca mais para mim mesma do que para ele, é óbvio. Mas eu precisava colocar um freio no que queria se desenvolver em mim na
forma de palavras. Victor ergueu uma sobrancelha e eu estiquei uma mão em sua direção. — Temos um acordo, Victor Bellini?
— Temos um acordo, Elisa Lopes. – ele sorriu e apertou minha mão. — Mas preciso te lembrar que eu sou péssimo seguindo regras.
Victor
A maratona do seriado tinha nos deixado exaustos. Eu ainda havia conseguido trocar a roupa de cama e preparar tudo para que a gente pudesse dormir. Ver Elisa usando minhas roupas tinha despertado algo dentro de mim que eu ainda não conhecia. Um sentimento de posse misturado com orgulho e sei lá mais o quê. Eu devia estar cansado e carente. Já fazia quase 1 mês que eu não me interessava em ficar com ninguém.
Quando abri os olhos, observei a porta do banheiro aberta e o barulho de água escorrendo pela torneira. Elisa já tinha acordado e devia ter ido jogar uma água no rosto. A sensação de acordar sem ela ao meu lado foi esquisita. Era a primeira vez que eu desejava que uma mulher não saísse da minha cama.
Quando ela saiu do banheiro, ainda com o rosto completamente inchado de sono, não pude deixar de abrir um sorriso e desejar bom dia. Porra, eu adorava estar com ela. Espreguicei-me apoiando as mãos atrás da cabeça. Vi quando o olhar de Elisa vagou rapidamente meu corpo e ela enrubesceu. Olhei para baixo e percebi que não só estava usando apenas uma cueca como também estava com uma ereção matinal como há muito eu não tinha. Tentei puxar discretamente o cobertor para cima de mim e fingir que nada estava acontecendo. Óbvio que ela não deixou ar.
Eu nem sequer me lembro de ter tirado a porra do short. Vai ver tenho sonambulismo e nunca soube. Agora eu estava parecendo a merda de um adolescente na puberdade. Mas eu não podia falar a verdade pra ela, é claro: de que a causa de tudo isso é que eu ei a madrugada inteira imaginando como devia ser beijar aquela boca e transar com ela.
— Eu sei que a gente se dá bem, mas é que você é tão… – ela parou o pensamento no meio da frase. Eu estava ansioso pra saber o que ela ia dizer.
— Tão o quê?
— Nada. – ela desviou o olhar e mudou de assunto. — A gente precisa seguir as regras universais de uma boa amizade.
— Que regras? – que porra de regras universais ela tava falando?
— Regras do tipo: você não pode dormir de cueca abraçado com a sua amiga quando você tem esse tanquinho e esses braços. – uma risada escapou da minha boca e na mesma hora mudei minha posição para deixar meus braços mais evidentes. Eu não conseguia deixar de querer chamar a atenção dela.
— Ok, então anota essa: você não pode sair com outros caras na frente do seu amigo e de preferência deve pedir a opinião do seu amigo antes de qualquer coisa. – se ela queria criar regras, eu também podia criar algumas que me beneficiassem. Tipo, impedir que qualquer babaca se aproximasse dela.
— Que merda é essa, Bellini? Voltamos ao século 14?
— Eu só quero ser um bom amigo e poder opinar quando um cara filho da puta aparecer, Elisa. –fiz-me de sonso. É claro que eu queria evitar que um filho da puta se aproximasse, mas é óbvio que eu também estava levando em consideração o fato de que eu não conseguia imaginar Elisa, em nenhum cenário,
com algum outro cara. — Homens não valem nada.
— Ah, é mesmo? E você tá falando isso com conhecimento de causa, né? – revirei os olhos. Eu sabia que eu não era santo, mas ouvir aquilo saindo da boca de Elisa, por algum motivo, fazia eu me sentir um lixo. — Mais uma regra: amigos não podem ter ciúmes. – lamento, Elisa Lopes, mas estou burlando essa regra desde o dia que te conheci. E não é como se eu conseguisse controlar.
— Nada de se interessar pelos amigos do seu amigo. – anunciei. Só de imaginar qualquer um dos meus amigos perto demais dela, tendo qualquer tipo de relacionamento amoroso, já me dava vontade de vomitar.
— Em nenhuma hipótese, amigos podem se apaixonar um pelo outro. – meu cérebro parou por alguns segundos quando essas palavras saíram da sua boca. Essa regra possivelmente seria a mais fácil de cumprir. Acho que eu era biologicamente programado para não me apaixonar. Quer dizer, se até os 26 nunca aconteceu, não vai ser agora. Então por que isso me incomodou de repente? Não é como se tivesse qualquer chance, certo? — Temos um acordo, Victor Bellini?
Apertamos as mãos selando um acordo. Logo, Elisa se levantou e seguiu em direção ao closet para trocar de roupa. Ela fechou a porta, mas ainda pude ouvir sua voz abafada dizendo:
— Preciso ir antes que seus amigos percebam que eu dormi aqui e comecem a pensar alguma besteira.
— Para de palhaçada! Esquece esses babacas. – a sensação de imaginar que
Elisa ia embora e eu teria que começar a estudar lesões no lobo frontotemporal era péssima. — Por que você não fica e toma café comigo?
— Nem pensar, Victor! – ela saiu do closet pronta para ir embora. — Se o Rafael me vir aqui, você e eu estamos ferrados. Ele vai zoar a gente até a morte e vai deduzir que você perdeu a aposta.
Ela tinha razão. O Rafael era um tremendo cuzão, mas eu não queria que ela fosse embora. Antes que eu pudesse pensar em qualquer outro argumento que a convencesse a ficar, ela pegou a bolsa, já prestes a sair.
— Vamos antes que eles acordem. – sem saber o que dizer, acatei. Levantei-me da cama e saímos do meu quarto em direção ao primeiro andar fazendo o mínimo de barulho possível. O que na realidade nem era tão necessário assim, já que eu duvidava bastante que qualquer um dos três estivessem acordados às 8h da manhã de um sábado.
Quando chegamos no primeiro andar, vi Rafael na cozinha, atrás da bancada olhando para baixo. Ainda tentei puxar Elisa para o lado, para sair do campo de visão dele, mas foi tarde demais. Quando ele me viu, arregalou os olhos surpreso. Olhou de mim para Elisa, que estava parada completamente imóvel ao meu lado. Rafa deu um riso irônico e sussurrou alguma coisa que não pude ouvir. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele deu um o para trás e fechou o botão da calça jeans. Puta que pariu. Uma mulher com cabelo vermelho se levantou de trás da bancada, ao lado dele.
— Opa! Gata, vamos ter que interromper nossa festinha. – ele nem se dava ao trabalho de fingir que estava culpado. A ruiva olhou para mim e Elisa e depois de volta para Rafael.
— Ah, que pena, Fritz! Mas eu posso salvar meu telefone e você me liga. Que tal?
— Não precisa não, gatinha. Mas valeu pela oferta. – Rafael já estava direcionando a garota em direção à porta. Que babaca! Era assim que as mulheres me enxergavam também?
Senti a raiva de Elisa só de olhar para ela. Enquanto Rafael praticamente expulsava a garota de casa, coloquei a mão na sua cintura e sussurrei em seu ouvido:
— Sei que ele é um babaca, mas pelo menos agora você não tem mais desculpa para não tomar café comigo. – ela deu um sorriso forçado. Eu podia quase tocar o ódio que emanava em direção ao Rafael.
Elisa sentou e pendurou a bolsa na cadeira, enquanto eu colocava uma cápsula do meu café favorito na cafeteira. Rafael se aproximou e se sentou na outra ponta.
— E aí? Noite movimentada? – abri a boca para mandar ele se foder, mas antes que algum som saísse, ouvi a voz de Elisa.
— Você não tem vergonha? – ela se ajeitou, colocando as mãos na mesa e olhando para o Fritz. Se olhar matasse, ele já estaria na missa de sétimo dia. — Você é um babaca! Trata as mulheres como objetos, como se a gente estivesse aqui só para te servir e te agradar.
— É claro que eu nã… – ele tentou se explicar, mas Elisa permanecia furiosa.
— Aquela mulher deve gostar de transar tanto quanto você e aposto que você não deve nem saber achar a porra de um clitóris. – a boca do Rafael na mesma hora se fechou. Confesso que estava gostando de assistir aquela cena de camarote. — Se você não sabe respeitar a gente, você precisa urgentemente de uma terapia. E se tudo que você quer é um buraco para meter, compra a porra de uma boneca inflável.
Elisa pegou a bolsa e se levantou, andando em direção à porta. Corri atrás dela e a segurei pela mão.
— Ei, ei, ei, espera! E o nosso café?
— Ah, Victor… fica pra próxima, tá? Até perdi o apetite, odeio ver a forma como vocês tratam mulheres por aqui.
— Desculpa, eu sei que ele é idiota, mas eu… – ela levantou a mão, fazendo-me parar de falar.
— Nem tente tirar o corpo fora. Você também não é tão diferente dele assim, pelo que eu ouço dizer. – Elisa me encarou e eu pude ver a decepção nos olhos dela. Ela deu as costas e seguiu em direção ao carro.
Voltei para dentro de casa cabisbaixo e nem ouvi o que Rafael falava comigo.
Tranquei-me no quarto e fui fazer a única coisa que eu deveria: estudar.
As horas aram arrastadas até o anoitecer, quando resolvi deitar. Naquela noite, eu não consegui dormir. Cada vez que fechava os olhos, enxergava o rosto de Elisa decepcionado. Por volta das 2h40 da manhã, resolvi pegar meu celular e mandar uma mensagem me desculpando mais uma vez. Por incrível que pareça, ela também estava online.
Victor: Me desculpa mais uma vez. Vc tem toda razão, nós somos todos um bando de babacas. Mas eu nunca quis te magoar ou te deixar chateada.
Menos de dois minutos depois, a resposta dela apareceu na minha tela.
Elisa: Eu sei, Victor, sei que vc não faz por mal. Mas hj explodi. O Rafael é um idiota completo.
Victor: Se serve de consolo, seu esporro teve algum efeito. Ele ficou em casa o dia inteiro e nem saiu de noite. Acho que tá refletindo sobre o que vc falou. E eu tbm.
Elisa: Que bom, espero mesmo que vcs entendam.
Victor: E nós dois? Estamos bem?
Elisa: Sempre. Agora trata de dormir que amanhã vc tem plantão às 7h no HU
Fui dormir com um alívio que eu nem sabia que precisava. Elisa talvez fosse a peça da minha vida que estava faltando e eu nem sabia.
Elisa
Eu tinha acabado de finalizar um atendimento na manhã daquela segunda-feira e aguardava meu próximo paciente chegar, quando meu celular vibrou. O nome de Victor brilhou na tela.
Victor: Abre o site do HU, princesa
Cada vez que ele me chamava assim, eu precisava esconder no fundo do meu peito as batidas mais rápidas que meu coração dava. Ou a forma como minha respiração teimava em falhar.
Abri o site no meu celular mais rápido do que meus dedos conseguiam digitar. E em letras enormes na página inicial estava o aviso e edital de seleção de novos estagiários para uma equipe multidisciplinar dentro do setor de Neurologia.
Eu queria aquela vaga mais que tudo. Olhei no meu relógio e ainda faltavam 15 minutos antes que o próximo paciente chegasse. Liguei meu notebook, entrei no link que Victor havia me mandando e preenchi a minha ficha de inscrição. Agora era esperar.
Elisa: Já até preenchi a ficha. Agora é aguentar a ansiedade SOS
Victor: Já tenho ctza q a vaga é sua, não tem como não te escolherem
Elisa: Não vou contar vitória antes do tempo
Victor: Bom, eu vou, já tenho até planos pra comemorar sua aprovação
Elisa: Vc é completamente doido
Victor: Doido não, só sei reconhecer o qt vc é incrível
Engoli em seco e senti meus olhos brilharem para o celular. Quando Victor dizia essas coisas, meu corpo reagia de formas que definitivamente não deveria. Eu precisava a todo instante estar me lembrando de que ele era conhecido por ser charmoso e galanteador e que provavelmente era assim com todo mundo.
Durante os dias que se aram depois da minha inscrição, eu ei a atualizar meu e-mail de 10 em 10 minutos, esperando receber alguma resposta do departamento de Neurologia. Já havia se ado 5 dias desde o início das inscrições e eu não tinha recebido nem uma confirmação de que minha inscrição havia chegado. Victor, provavelmente cansado de ouvir meu desespero, entrou no sistema do hospital com a senha dele para verificar se estava tudo certo e me garantiu que minha inscrição tinha sido realizada com sucesso e que eu não precisava ficar nervosa. Aquilo acalmou meu coração um pouco.
A minha amizade com Victor estava cada vez mais forte, ainda que às vezes fosse difícil controlar o ritmo que meu coração batia ou a forma como eu perdia o ar toda vez que nossos olhos se encontravam. Ser amiga dele estava sendo melhor do que eu pensava. Eu achava que Victor seria só um rostinho bonito (o
que ele é), mas que não teria personalidade alguma. Estava completamente enganada. Ele não só tem uma personalidade incrível como agora eu já não sei como seria uma vida em que ele não fazia parte.
Eu sempre tive dificuldade em fazer amigos homens. O Dani, e agora o Victor, eram uma exceção ao meu padrão social. Não sei por que isso acontecia, mas em geral demorou muito tempo até que eu me sentisse uma pessoa confiante, e estar perto de meninos ativava de forma intensa a minha insegurança. Hoje em dia é bem mais fácil, mas ainda assim não me considero um exemplo de confiança e autoestima. Quando entrei na faculdade e conheci o Dani, meu padrão inverteu. Ele e eu nos demos bem logo de cara. Nós viramos melhores amigos e as poucas meninas com quem eu tive um contato mais próximo sempre ficaram em segundo plano na minha vida. E, desde então, ele tem sido meu único amigo... até o dia em que Victor entrou na minha vida. Embora precise confessar que, às vezes, sinto falta de ter uma melhor amiga mulher, sabe? Mas esse não é o tipo de coisa que você possa simplesmente pedir a alguém. Precisa acontecer aos poucos, eu acho.
Meus melhores amigos homens sempre foram meus 3 irmãos mais velhos. Nossa diferença de idade não é muito grande. Quando éramos crianças, meus pais os obrigavam a me incluir em tudo que faziam: ir em festinhas, brincar na rua e até sentar comigo na hora do recreio, já que estudávamos na mesma escola. Eles odiavam, mas eu amava. Na adolescência, meus irmãos costumavam me comprar com doces para que eu não contasse aos nossos pais as brigas em que eles se metiam ou sobre as meninas que eles beijavam escondidos depois da aula. Conforme fomos envelhecendo, viramos realmente amigos. Do tipo que compartilham segredos e fazem tudo juntos.
***
Para: Elisa Lopes <
[email protected]>
De: Isabel Capovilla
Assunto: Seleção de Estágio HU
Prezada Elisa Lopes,
Parabéns! Você foi aprovada na primeira etapa do processo seletivo para o estágio de Psicologia na equipe multidisciplinar do departamento de Neurologia do Hospital Universitário. A próxima etapa acontecerá no dia 05 de outubro, às 9 horas da manhã, no Departamento de Neurologia que fica situado no bloco B do HU.
Att,
Dra. Isabel Capovilla
Chefe do Departamento de Neurologia
***
Acordei mais cedo que o necessário naquela quinta-feira, 5 de outubro. Eu não queria me atrasar. Na semana anterior, quando recebi o e-mail dizendo que eu
havia ado para a segunda fase da seleção, quase chorei de alegria. Na mesma hora liguei para o Dani, e depois para o Victor contando as novidades. Os dois ficaram tão alegres quanto eu. Eles queriam sair para comemorar, mas eu disse que isso poderia dar azar. Só iria comemorar depois de ter sido aprovada em todas as fases.
— Você e essa cautela… Eu já disse que tenho certeza de que você ou, Elisa. – Victor disse enquanto nos falávamos por telefone.
— É claro que eu tenho cautela, Bellini. As regras de comemoração dizem que você só pode fazer festa depois de ter certeza. – brinquei.
— Você precisa parar de se importar tanto com essa coisa de regras.
— As regras existem para serem seguidas, Victor. – comentei. Por que parecia que não estávamos mais falando sobre comemorar alguma coisa?
— Na verdade, as regras existem para serem quebradas, princesa. – mais uma vez meu coração acelerou. Não sei se pelo apelido ou por ele parecer estar querendo me dizer alguma coisa.
— Tipo aquela de que eu não posso ficar com nenhum amigo seu? – impliquei. — Porque bom, o Thiago é mesmo uma gracinha. – Victor bufou do outro lado e ficou em silêncio por alguns segundos.
— Você tem razão. Regras precisam ser seguidas. Vamos comemorar quando
você ar. – ele disse irritado. Eu ri. Se aquele tom de voz era o que eu achava que fosse, Victor Bellini já estava quebrando uma das nossas regras, porque aquilo, com certeza, era ciúme.
***
No fatídico dia da entrevista, levantei da cama animada e tomei um banho demorado. Minha roupa já havia sido escolhida na noite anterior pelo Daniel. Depois de beber meu café e fazer uma maquiagem discreta e elegante, vesti minha roupa: calça de alfaiataria preta, camisa de botão e, nos pés, um sapato preto com um saltinho. Peguei minha bolsa e dei uma última olhada no espelho. Tudo parecia certo. Respirei fundo e fui em direção a um dos momentos mais importantes da minha vida.
Cheguei à sala onde funcionava o departamento de Neurologia faltando 15 minutos para o horário marcado. Aos poucos, mais pessoas foram chegando. Dentre eles, três residentes de neurologia, um deles era Victor, e três enfermeiras. Victor me deu um sorrisinho discreto e eu sorri de volta. Do lado dele, um homem de pele bronzeada de sol, cabelos cacheados e olhos verdes observava tudo. Quando o relógio marcou 9 horas, todos já estavam na sala. Éramos 10 alunos de psicologia ao todo. A Dra. Isabel entrou na sala e começou a falar:
— Bom dia, pessoal. Eu sou a doutora Isabel Capovilla, nova chefe do departamento de neurologia do Hospital. Eu mesma analisei e escolhi os currículos que vocês enviaram. Cheguei aqui há pouco tempo e logo notei que estava ando da hora do nosso departamento possuir uma equipe multiprofissional, principalmente devido a um antigo projeto do setor que estamos reativando. Queremos desenvolver uma pesquisa para entender o funcionamento do controle inibitório em pacientes com lesões no lobo frontal. O papel de vocês será, entre outras coisas, aplicar testes neuropsicológicos que
avaliem o controle inibitório dos nossos sujeitos. A nossa equipe, como vocês podem ver aqui na frente, é formada por 3 residentes: Dr. André, Dr. Victor e Dra. Isabela, e três enfermeiras: Helena, Thaís e Juliana. As entrevistas acontecerão na sala aqui ao lado. Vocês podem aguardar aqui mesmo e iremos chamá-los, um a um, por ordem alfabética. E o primeiro nome da lista é... Ana Coquito? – uma menina pequena, de óculos e cabelo castanho escuro se levantou e seguiu a equipe até a sala ao lado. E, mais uma vez, fui obrigada a fazer aquilo que eu odiava: esperar.
Vários minutos se aram até que o médico de olhos verdes, apresentado como André, apareceu na porta:
— Elisa Lopes? – respirei fundo. Finalmente era minha vez. Eu estava nervosa, mas não iria deixar isso me atrapalhar. Levantei fingindo uma confiança que eu, com certeza, não tinha no momento e caminhei em direção a porta. A entrevista foi tranquila. A sala de reuniões era composta por uma mesa gigante com várias cadeiras, uma TV, um projetor e uma lousa.
Eu estava tensa, mas a tensão diminuía sempre que eu olhava para Victor e ele sorria para mim. Era bom ter um rosto familiar por perto, especialmente me olhando do jeito que ele me olhava, com tanto carinho e iração.
A entrevista foi conduzida pela doutora Isabel. Ela perguntou um pouco sobre minha formação, as disciplinas que eu havia cursado, minha experiência em outros estágios e o porquê de eu querer a vaga no hospital. Eu respondi tudo da forma mais sincera possível. Os residentes e as enfermeiras explicaram um pouco o que cada um deles fazia dentro do projeto e eu fiquei ainda mais interessada em participar de tudo aquilo.
— Muito obrigada por ter vindo, Elisa. A lista dos selecionados estará amanhã,
pela manhã, no quadro de avisos que fica aqui ao lado da sala de reuniões do departamento. – a doutora Isabel disse finalizando nosso encontro.
— Sou eu quem agradeço pela oportunidade! – respondi enquanto me levantava para apertar a mão da médica.
— Victor, será que você poderia acompanhar a Elisa até a porta e chamar a próxima pessoa da nossa lista... Gabriel Alves? – antes mesmo de Victor ameaçar se levantar, o Dr. André se levantou dizendo:
— Pode deixar comigo, Isabel. Eu estou mais próximo da porta. Não me incomodo de acompanhá-la e de chamar o próximo candidato. Depois de você, Elisa. – André disse enquanto indicava a saída para mim. Não pude deixar de notar que ele olhou de uma maneira meio estranha para Victor, enquanto meu amigo fuzilava André com os olhos. Dei um sorriso de despedida para Victor, mas ele pareceu nem notar.
Assim que saímos da sala de reunião, André me olhou nos olhos e disse:
— Muito prazer em te conhecer, Elisa. Sua entrevista foi fantástica! Seria um prazer trabalhar com você na minha equipe. – ele me deu uma piscadela e caminhou em direção a sala do lado, onde os outros candidatos esperavam a vez.
Meu coração parou de bater por dois segundos. Será que aquele deus grego de olhos verdes e cachos angelicais estava dando em cima de mim? Eu com certeza não era acostumada a lidar com atenção masculina de homens desse nível.
Fui para casa ansiosa para que o dia seguinte chegasse logo.
Victor
Quando cheguei em casa na quinta à noite, eu só queria dormir. Além dos atendimentos rotineiros no hospital, participei da entrevista dos 10 candidatos de Psicologia. Foram horas e horas ouvindo os alunos falando sobre as disciplinas que cursavam, sobre os motivos que os fizeram se inscrever para esse estágio, etc. Se ao menos todos tivessem sido sinceros como a Elisa... Porém, alguns que estavam ali claramente queriam apenas ganhar o dinheiro que vinha com a vaga.
Elisa tinha conquistado o coração de todos durante a entrevista. Até de quem não deveria. Eu sabia que uma das vagas seria dela, mas não estragaria a surpresa. Eu queria ver o olhar de felicidade dela ao ver o nome Elisa Lopes no mural dos selecionados amanhã. Abri a porta de casa e dei de cara com Thiago na cozinha.
— Que cara de derrota é essa, Victor? – ele perguntou enquanto cortava uns legumes para fazer o jantar. Ele sempre inventava versões vegetarianas das comidas, mesmo sendo o único vegetariano da casa. Mas também era o único que gostava de cozinhar. Então a gente acabava comendo seus pratos por simples preguiça de fazer algo diferente.
— Pô, cara... O dia foi puxado. – Enquanto eu contava a Thiago tudo que tinha acontecido, Rafa e Gusta chegaram em casa.
— Eu tô com fome, Thiagão. O que tem pra janta hoje? – Rafa chegou gritando, no mesmo momento em que Gustavo abria a geladeira em busca de alguma coisa para beliscar enquanto a comida não ficasse pronta.
— Hoje o cardápio vai ser lasanha de berinjela. – Thiago respondeu animado.
— Ah, não cara! Como você vai estragar algo tão divino quanto lasanha colocando berinjela nela? – Rafael reclamou.
— Por acaso você já comeu lasanha de berinjela alguma vez na vida, Rafa? – Gusta entrou na conversa.
— Não, mas eu sei que eu não gosto.
— Se está insatisfeito, é só fazer seu próprio jantar, Fritz. – Thiago respondeu de forma debochada. Mimado do jeito que era, Rafael evitava fazer até miojo.
— Pensando bem, acho que não custa nada provar algo novo, não é mesmo? – Rafael respondeu arrancando uma risada de mim.
— Mas enfim, continua sua história, Victor. O que o babaca do André fez dessa vez? – Thiago perguntou.
Os olhares dos três homens à mesa viraram na minha direção. Uma das inúmeras coisas que tínhamos em comum era o ódio mútuo pelo babaca do André.
— O André não perdeu a oportunidade de dar em cima da Elisa assim que pôde. – peguei os talheres e coloquei em cima da mesa. — Ele só tá fazendo isso para me atingir…
— Victor, com todo respeito, mas a Elisa é uma gata. O André não tá fazendo isso só pra te atingir. – Thiago comentou. Eu não deveria, mas senti raiva até dele por ter mencionado a beleza dela. Puta que pariu, eu estava virando um possessivo filho da mãe.
— Eu sei, porra. Sei que ela é linda. – os três se entreolharam na mesma hora. Eu sabia que nós dois éramos apenas amigos, mas eu não era cego. — Mas eu percebi que ele também quer me afrontar. Ele viu que a gente se conhecia, tenho certeza.
André Pimentel era um médico da mesma turma do Gustavo. Tivemos inúmeras discordâncias desde que eu comecei meu primeiro estágio no hospital por volta do meu terceiro período da graduação. Comecei a estagiar no setor de emergência e clínica geral e um semestre depois ele chegou. Não concordávamos sobre os métodos para tratar os pacientes, sobre os protocolos a serem seguidos e que estudos deveriam ser priorizados.
Mas até aí, tudo bem. Quem não discorda, certo? Só que tudo mudou quando ele se candidatou para a equipe de neurologia junto comigo e eu consegui a vaga primeiro. Só que o cuzão é tão infantil que espalhou para todo o hospital que eu tinha sido selecionado para o setor de Neuro porque meu pai havia mexido uns pauzinhos. A mentira se espalhou tanto que o diretor do hospital me chamou e informou que naquele semestre eu seria remanejado de volta para o setor de emergência, até a poeira baixar. Eu não tive o que fazer, mas foi o pior semestre da minha vida. Eu me sentia humilhado pelos olhares descrentes nos corredores do hospital e ei a me dedicar aos estudos muitas e muitas horas. No semestre seguinte, o neurologista chefe me convidou pessoalmente para ingressar na equipe e elogiou muito os meus últimos trabalhos.
Ainda assim, eu nunca vou perdoar aquele filho da puta do André.
— Por falar em Elisa, o que vem rolando entre vocês, hein? – Gusta perguntou.
— Nada, ué. Somos amigos. – respondi, e ele ergueu uma sobrancelha me questionando. — Apenas amigos. – ninguém acreditava em mim. Às vezes até eu mesmo me questionava até que ponto era verdade.
***
Por volta das dez horas da noite, tomei um banho quente e pensei mais uma vez em Elisa. Ela iria ficar radiante quando visse a lista amanhã. E eu ficaria mais ainda, porque além de tudo, isso significaria que eu e ela nos veríamos praticamente todos os dias. Todos os meus últimos questionamentos envolviam me perguntar se era assim mesmo que uma amizade deveria ser. Se eu não tivesse tanta certeza de que relacionamentos sérios não eram pra mim, eu com certeza já teria colocado tudo a perder. Porque simplesmente não conseguia tirar Elisa da porra da minha cabeça. Eu não conseguia nem mais me interessar por transas casuais como antes.
Saí do banho e me deitei na cama ainda parcialmente molhado. Peguei meu celular e vi que tinham 10 mensagens não lidas da Elisa. Abri, já preocupado com o que poderia ter acontecido.
Elisa: Victor
Elisa: Victor
Elisa: Victor
Elisa: Eu tô ansiosa demaaaaaaaaaaaaaais
Elisa: E se eu não ar????????
Elisa: Ai meu deuuuuus
Elisa: O q eu vou fazer????
Elisa: Ahhhhhhhhhh
Elisa: Merda, cadê vc qnd eu preciso????????????
Elisa: Eu te juro q eu vou arrumar um novo amigo pro seu lugar
Apesar de ter me preocupado, não pude deixar de achar fofo. Mal sabia ela que assim que saiu da entrevista, a Dra. Isabel escreveu um enorme APROVADA ao lado do seu nome.
Victor: Calmaaaa, princesa. Vc foi ótima na entrevista, para de se desesperar
por antecedência. Faltam poucas horas pra amanhã
Elisa: EU SEI!!! POR ISSO ESTOU COMPLETAMENTE EM PÂNICOOOOO
Victor: Olha só, quero q vc respire usando seu diafragma 10 vezes, até vc se acalmar
Elisa: Vc por acaso tá tentando dar uma de psicólogo pra cima de mim? Usando as minhas técnicas de relaxamento??
Victor: Talvez............... Funcionou?
Dessa vez, Elisa demorou mais a responder, o que deveria significar que ela estava mesmo tentando relaxar.
Elisa: Funcionou. Um pouco. Ainda estou desesperada, mas uma desesperada relaxada.
Victor: E q história de arrumar um novo amigo pro meu lugar é essa, hein?
Elisa: Vc sabe q eu estava falando da boca pra fora
Victor: Acho bom msm, pq eu já não sei mais como era minha vida antes de vc entrar nela
Merda. Isso ficou parecido pra caralho com uma declaração de amor. Mas é óbvio que não foi. Eu só estava constatando um fato. Eu realmente não lembro mais como era antes.
Elisa: Vc vai estar lá no HU amanhã? Pode ir cmg ver o resultado?
Victor: Claro, msm se vc não me pedisse eu estaria lá. Pq não fazemos o seguinte... eu o aí no seu apartamento por volta das 8h45 e vamos juntos pro hospital?
Elisa: Siiiiiiiiim, vai ser perfeito. Obrigada, Victor
Victor: Nada. Agora trate de deitar e tentar pensar em outras coisas
Elisa: Vou tentar, até amanhã! :*
Victor: Até amanhã, Elisa
Elisa
Depois de rolar de um lado para o outro da cama sem conseguir pregar os olhos, consegui finalmente pegar no sono. Tive uma madrugada de sonhos confusos e agitados. Eu estava tão ansiosa que acordei antes mesmo do primeiro toque do despertador. Eram 6h da manhã e eu já estava completamente desperta. Tomei banho, arrumei-me, maquiei-me e ainda faltava uma hora para o horário que Victor tinha combinado de ar aqui.
Dani despertou por volta das 7h30 e sentou comigo no sofá.
— Nervosa, amiga? – ele perguntou solidário, segurando a minha mão.
— Demais. Estou com muito medo, Dani. Fiquei tanto tempo esperando por isso, e agora que minha chance chegou, tenho medo de ter desperdiçado. – eu não podia perder essa chance em hipótese nenhuma. Sentia que minha carreira dependia disso, eu queria não só estagiar como trabalhar num Hospital pelo resto da minha vida.
— Elisa, olha pra mim – Dani pediu e eu ergui o olhar. — Você é uma das mulheres mais esforçadas e dedicadas que eu conheço. Tenho certeza de que essa vaga já é sua, duvido que eles seriam loucos de abrir mão de você. – eu sorri agradecida. Eu amava Dani do fundo do meu coração, não sei como esses quatro anos teriam sido sem ele. — Além do mais, estou louco pra você começar e conhecer todos os gostosos que tem por lá. Alguns você já conhece até bem demais, né. – revirei os olhos. — Mas eu sou suspeito pra falar né… Você sabe que eu sou a maior Maria Estetoscópio. – eu caí na gargalhada. Dani realmente tinha uma tara por médicos.
— Pra falar a verdade, ontem na entrevista, fiquei com a leve impressão que um dos residentes de neurologia deu em cima de mim. – comentei, lembrando-me do residente chamado André.
— Mais um? – Dani implicou. Ele cismava que Victor e eu éramos mais do que amigos.
— Dani, já disse que Victor e eu somos só amigos e que… – antes que eu pudesse terminar, ouvi uma batida na porta. Eu e Dani nos entreolhamos confusos sobre quem seria.
Levantei-me e fui até a porta. Quando abri, encontrei um Victor sorridente segurando um saco de croissants numa mão e 3 cafés expressos na outra.
— Bom dia, princesa! Resolvi dar uma adinha e trazer alguma coisa pra gente comer antes de ir pro Hospital. Se eu bem te conheço, você com certeza não comeu nada. – Victor já estava me conhecendo melhor do que eu imaginava.
— Você tá me saindo melhor do que a encomenda, hein. Entra aí. – eu sorri e abri espaço para que ele pudesse entrar.
Assim que Victor entrou na sala, percebi que Daniel arregalou os olhos sem acreditar que ele estava mesmo no meio da nossa quitinete.
— Victor, esse é o Dani. Dani, esse é o Victor. – apresentei.
— Opa, fala aí, cara! – Victor disse estendendo a mão e sorrindo. — Elisa fala muito de você.
— Oi, muito prazer! Pode ficar à vontade. Sei que aqui não é tão espaçoso quanto a república, mas dá pro gasto. – Dani respondeu.
— Ah, você já foi lá em casa? – Victor perguntou, curioso. Eu também olhei para Dani confusa.
— Não, não, claro que não. Até parece! Eu? Na República? – Dani desconversou. — Só disse porque já ouvi falar que lá é bem grande.
Victor assentiu, compreendendo. Daniel andava muito esquisito nos últimos meses. Conversas estranhas no telefone, papos escondidos no banheiro, saídas para sabe-se lá onde. Eu ainda ia conseguir arrancar alguma informação dele.
— Preparada para o grande dia? – Victor perguntou, enquanto me ava um copo de expresso e entregava outro ao Dani.
— Mais para surtada. – respondi enquanto tomava um gole e beliscava um dos croissants.
— Não fica assim. Já te disse que vai dar tudo certo, acredita. – ele segurou minha mão e entrelaçou nossos dedos, apertando. Pelo canto do olho, vi Dani nos observando e se engasgando com o café.
— E se não der? E se eles não me quiserem?
— Ninguém seria maluco de não te querer, Elisa.
Quando nossos olhares se cruzaram, uma corrente de eletricidade percorreu meu corpo e mais uma vez senti meu coração acelerar dentro do peito. Será que ele estava falando só da seleção de estagiários?
Fala sério, eu realmente estava enxergando coisa onde não tinha. É claro que ele estava falando só da seleção de estagiários.
***
Chegamos ao Hospital faltando dois minutos para às 9h. Pelo que tinham me falado, o resultado seria colocado no quadro de avisos, às 9h em ponto. Eu e Victor seguimos pelos corredores apressados e chegamos em frente ao quadro onde outros sete participantes aguardavam. Acenei com a cabeça para os meus colegas de profissão. Victor mais uma vez pegou a minha mão e entrelaçou nossos dedos. Alguns médicos e outros profissionais do hospital que avam paravam alguns segundos de olhos arregalados nos encarando.
Um homem de meia idade saiu segurando um papel em uma das mãos. Olhou com uma expressão sem paciência para todos que estavam aguardando e se dirigiu ao quadro. Pregou o papel, deu as costas e saiu, voltando para a sala onde estava.
Deixei as pessoas à minha frente olharem o resultado primeiro. Uma saiu feliz e as outras saíram tristes. Quando o meu momento chegou, minha maior vontade era fugir. E talvez eu tivesse feito isso, se Victor não estivesse por ali segurando a minha mão. Cada o em direção ao quadro parecia uma maratona. Mas quando finalmente consegui enxergar, não acreditei.
LISTA DE APROVADOS (PSICOLOGIA) – EQUIPE NEUROLOGIA
Elisa Sena Lopes
Matheus de Carvalho Garcia
Tatiana Oliveira Rodrigues
Dia 09/10 às 9h - primeira reunião de equipe.
Eu não pude conter o gritinho que escapou da minha garganta e senti a felicidade percorrer o meu peito. Quando olhei pro lado, Victor já me esperava de braços abertos. Agarrei-me em seu pescoço e ele me tirou do chão, girando-me no meio do corredor do hospital.
Mais alguns curiosos nos observavam, entre eles reconheci o outro residente de neurologia, André, olhando diretamente para nós dois.
— Viu, chatinha! Eu disse que você conseguiria! – Victor disse sorrindo pra mim. — Agora finalmente vamos ser colegas de hospital.
— Aí, eu nem posso acreditar. Acho que esse é um dos dias mais felizes da minha vida. – eu sorria de orelha a orelha, meu coração parecia que ia sair pela boca de tanta felicidade.
— Você merece, Elisa. – disse olhando dentro dos meus olhos. O castanho esverdeado dos olhos dele quase me hipnotizaram. — O que acha de comemorarmos lá em casa hoje à noite? Por minha conta. Agora já podemos, né?
— Eu adoraria, mas já tinha combinado de comemorar com o Dani…
— Leva ele também. Podemos comprar cerveja e pedir umas pizzas... – ele sugeriu animado. — Não vou aceitar não como resposta, Elisa.
— Tem certeza de que seus amigos não vão se importar? – honestamente, não conseguia imaginar um ambiente que incluísse eu, Victor, Dani, Rafael, Thiago e Gustavo.
— Claro que não, Elisa. Fica tranquila! Posso então já mandar o Fritz ir comprando algumas coisas?
— Pode! – respondi satisfeita.
Estava tão animada que nem reparei quando André se aproximou de nós dois. Imediatamente, percebi a postura do Victor mudando ao meu lado.
— Parabéns, Elisa. Fico feliz por você ter conseguido. Tenho certeza de que você será uma excelente aquisição ao nosso projeto. – André disse me parabenizando.
— Obrigada, Dr. André. Essa vaga é muito importante pra mim, não vejo a hora de começar. – respondi educada. Ele era bonito, é claro. Mas qualquer pessoa perto do Victor perdia a graça pra mim. Infelizmente.
— Tenho certeza de que nós dois faremos um ótimo trabalho juntos, Elisa. – nós dois? O que ele estava querendo dizer? Mas antes que eu mesma pudesse perguntar, Victor fez o trabalho:
— A equipe tem 9 estagiários, André. Deixa de ser prepotente.
— Ah, você não ficou sabendo? Cada um dos residentes vai trabalhar diretamente com um enfermeiro e um estagiário de psicologia. Elisa foi designada para mim. Tenho certeza de que seremos uma dupla e tanto. – André me encarou de cima a baixo. Alguma coisa naquele olhar disparou um sinal de alerta dentro de mim.
— Hum… um trio. – corrigi, tentando amenizar a situação. Victor estava absolutamente tenso ao meu lado. — Seremos um trio e tanto. Tenho certeza de que a enfermeira deve ser excelente.
— Claro, claro… – André respondeu já se afastando. — Bom, nos vemos no dia 9! – ele deu uma piscadinha e sumiu de vista.
Victor continuou imóvel ao meu lado. O olhar dele perdido numa raiva fulminante na direção onde André havia desaparecido. Havia algo mal resolvido entre os dois. Sendo honesta, a primeira impressão de André era que ele era um homem bonito e aparentemente inteligente, mas tinha algo na expressão e na forma como ele me olhava que me deixava desconfortável. Mas eu precisava deixar isso pra lá. Trabalhar com ele poderia trazer muitos aprendizados e eu não ia desperdiçar. Uma simples sensação não poderia colocar o meu sonho de trabalhar nesse lugar a perder. E o que quer que Victor tivesse de confusão com ele, era problema dos dois.
Victor
Naquele dia eu nem sei como consegui trabalhar direito. Eu sentia tanta raiva do desgraçado do André que tudo que eu queria era bater em um saco de pancada enquanto imaginava a cara daquele filho da puta. Eu disse que ele queria me sacanear, aproximando-se da Elisa de propósito. E eu não podia fazer porra nenhuma porque não queria estragar o estágio que ela tanto batalhou para conseguir.
Saí do hospital às 18h e consegui um horário na academia pra extravasar meu estresse. Deixei Rafa no comando das compras de cerveja e Gusta da encomenda das pizzas pra nossa comemoração mais tarde. Estava tudo sob controle.
Quando saí do boxe, sentia-me mais leve. Consegui tirar a cara do André da minha mente e segui para a república com a intenção de tornar aquela comemoração inesquecível.
Assim que entrei em casa, vi 10 engradados de cerveja no canto da bancada da cozinha e 3 garrafas de tequila. O que caralhos o Rafael estava pensando? Que seria uma festa pra 40 pessoas?
Encontrei ele jogado no sofá, trocando mensagens com sei lá quem.
— Porra, Fritz, onde você estava com a cabeça pra comprar essa quantidade de bebidas? Quer deixar todo mundo em coma alcoólico nessa casa?
— Relaxa, Bellini. Se sobrar, sobrou. Mas eu não podia deixar ar a única vez desse ano em que você quis festejar. – ele se sentou, jogando-se no sofá da sala.
— Três tequilas? Sério mesmo?
— Ah, para de frescura. Aposto que Elisa vai adorar.
Revirei os olhos, dando-me por vencido e subi para tomar um banho, arrumarme e esperar Elisa e Daniel chegarem.
***
Eu e Gusta estávamos jogando FIFA, quando a campainha tocou anunciando que Elisa e Daniel haviam chegado. Levantei-me de um pulo para abrir a porta, mas Gusta já tinha sido até mais rápido que eu. Não sabia que ele estava tão animado pra essa comemoração. Provavelmente também estava cansado da rotina desgastante no HU, que cada vez recebia mais pacientes.
— Fala aí, Elisa! Mandou muito bem! – Gusta a parabenizou com um abraço.
— Obrigada, Gusta. Esse aqui é meu melhor amigo, Daniel. Dani, esse é o Gusta.
Enquanto Gustavo e Daniel se cumprimentavam um tanto quanto
desconfortáveis, aproximei-me de Elisa e quase perdi o fôlego. Porra, ela estava deslumbrante. Acho que ela nunca havia estado tão linda. Usava um vestido branco que parecia feito sob medida e deixava suas pernas de fora. Caralho, ela tinha pernas exatamente do jeito que eu gostava. Eu não conseguia parar de pensar em que tipo de lingerie ela usava por baixo do vestido.
Elisa se aproximou de mim com um sorriso e beijou meu rosto. Senti algo estranho no meu peito, mas deveria ser resquício da quantidade de atividade física que fiz no treino. Pelo menos, foi o que eu escolhi acreditar.
— Você tá linda. – elogiei. Elisa fez uma careta como quem não acreditava nas minhas palavras.
— Você diz isso para todas, Bellini. – ela debochou. Fazia já algum tempo que não tinham “todas” na minha vida. Aproximei-me do ouvido dela e sussurrei.
— O que eu não digo pra todas é: se eu não fosse seu amigo, mil e um pensamentos estariam ando pela minha cabeça envolvendo eu, você e definitivamente não envolvendo esse seu vestido. – Elisa se afastou assustada e eu me arrependi na mesma hora de ter dito. — Mas como eu sou seu amigo, é claro que nada disso aconteceu, fica tranquila. – pisquei, brincando. Rafa quebrou o clima saindo da cozinha e segurando 2 garrafas de cerveja.
— E aí? Prontos para começar os trabalhos? – perguntou estendendo para Elisa e Daniel. — Elisinha, você precisa arrumar umas gostosas como amiga. É pra isso que as amigas servem. Não é, Bellini?
Merda. O filho da puta do Fritz tinha acabado de me colocar numa saia justa. Se
eu dissesse que não, ele ia implicar comigo e se eu dissesse que sim, Elisa com certeza ficaria chateada. Optei pelo bom e velho silêncio seguido de um sorriso. Embora, ainda assim, Elisa tenha me olhado com decepção.
Ela e Dani pegaram as garrafas e Thiago se aproximou segurando um copo de suco. Gustavo estava prestes a beber um gole de cerveja, quando Rafa segurou o braço dele quase derrubando a garrafa de vidro no chão.
— Tá maluco, irmão? Beber sem brindar, sete anos sem gozar.
Gustavo deu um soco no braço dele de leve e antes que eu pudesse puxar um brinde, fui surpreendido pela mesma atitude de Rafael.
— Hoje vamos encher a cara em comemoração à aprovação da Elisinha no HU. Que ela siga crescendo na carreira para que possa continuar me dando esporro sempre que eu for um completo imbecil.
Eu e todos em volta não conseguimos deixar de rir. Elisa pareceu verdadeiramente feliz com a fala do Rafa. Acho que aos poucos ela vinha conseguindo mudar cada um de nós para melhor.
— À Elisa! – eu disse erguendo minha garrafa.
— À Elisa! – todos responderam em uníssono.
Conforme íamos bebendo, jogando e conversando, nem percebemos a hora ar. Comemos quatro pizzas gigantes num piscar de olhos. Por volta de 00h, Rafael resolveu abrir as garrafas de tequila. Elisa já levemente alta pela cerveja, logo se animou.
— Opa! Tequila eu quero, hein!
— Tem certeza, princesa? – perguntei, preocupado.
— Bellini, sai pra lá. Eu sou super contida quando bebo, eu nunca, em hipótese alguma fico bêbada. Não é, Dani? – ela respondeu com a voz alterada. Dani me encarou e balançou a cabeça negativamente contendo um riso.
Elisa se levantou agitada pegando dois copinhos de shot. Rafa encheu os dois e mais um pra ele. Ela veio na minha direção, entregando-me um dos copos.
— Aproveita que amanhã você não tem plantão e vamos tornar essa noite memorável! – ela abriu um sorriso feliz na minha direção. Como eu podia negar? Mesmo começando a me sentir zonzo depois de 4 garrafas de cerveja, estiquei a mão e peguei o shot. — ARRIBA, ABAJO, AL CENTRO Y ADENTRO!
Eu, Elisa e Rafael viramos de uma vez. O líquido desceu queimando minha garganta e estômago, mas a sensação e o gosto do limão logo depois eram sempre a melhor parte. Esse é o problema com a tequila: ela é viciante. Quando dei por mim, já estávamos no terceiro shot, o limão já tinha acabado e eu estava estirado no chão da sala com a Elisa deitada na minha barriga, rindo de algo que eu não fazia ideia. Tentei me sentar e quase caí pra trás. Percebi a sala inteira rodando.
— Elisa, cadê todo mundo? Acho que só sobrou a gente. – ela também se sentou devagar, colocando a mão na cabeça para se firmar.
— Eu não acredito que eles deixaram tudo pra gente recolher.
— Não… a gente recolhe amanhã de manhã.
— Nada disso! Temos que limpar um pouco. Eu gosto de limpeza. Amo limpeza. – Elisa se levantou andando cambaleante até a cozinha. Levantei-me e fui atrás dela, colocando um pé na frente do outro com medo de tropeçar e cair a qualquer momento.
A luz da cozinha apagada nem chamou nossa atenção quando vimos a quantidade de louça formando uma pilha dentro da pia, quase caindo e se espatifando em mil pedaços no chão.
— Puta merda, será que não dava para pelo menos eles terem lavado três pratos e diminuído essa pilha? – reclamei. Aproximei-me e abri a torneira para lavar um pouco da louça antes que um acidente acontecesse.
— Eu vou colocar uma musiquinha pra gente... – Elisa pegou o celular e em um minuto a voz do Ed Sheeran cantando Perfect estava ecoando na cozinha. — Victor, vou colocando as sobras na geladeira, tá bom? – concordei com a cabeça incapaz de raciocinar muito bem.
Elisa prendeu a porta da geladeira aberta. Guardava as garrafas de cerveja e sobras de pizza e dançava sozinha, cantarolando baixinho ao som de Ed Sheeran. Por alguns segundos, a água da torneira ficou aberta mesmo que eu não estivesse lavando nada. Eu não conseguia tirar meus olhos dela. Fechei a torneira e sem pensar, aproximei-me. Segurei na sua cintura, a trazendo para perto de mim e juntei os nossos corpos. Minha cabeça desceu para o vão do seu pescoço. Caralho, eu nunca quis tanto alguém como eu queria essa garota.
— O que você tá fazendo? – ela me perguntou olhando dentro dos meus olhos com a voz ofegante. Nem eu sabia o que raios eu estava fazendo.
— Dançando com você. – respondi simplesmente e ela soltou um risinho. Cada mínimo gesto que ela fazia, deixava meu corpo mais alerta.
— Que belo lugar pra dançar. Na cozinha, descalços, sob a luz da geladeira. – eu sorri e concordei com a cabeça.
Ela apoiou a cabeça no meu peito e eu pude sentir os nossos corações batendo forte. ei a mão pelo cabelo dela. Eu precisava dessa garota. Como ela tinha se tornado tudo que eu mais precisava? Será que era efeito do álcool?
— Você quer mesmo que te apresente alguma gostosa igual o Rafa falou? – ela perguntou com a voz triste. Puxei o queixo dela na minha direção.
— O que você acha, Elisa?
— Eu não sei… – ela me encarou.
— Eu não fico com ninguém desde que te conheci. – assumi pela primeira vez.
— Por quê? Você sempre ficou com várias garotas…
— Porque eu não consigo te tirar da cabeça. Eu sei que somos só amigos, mas você domina meus pensamentos, Elisa. E cada uma que se aproxima, eu comparo a você. E aí, acaba a graça.
— Victor... – ela não parecia ter me ouvido direito. O álcool estava muito mais forte pra ela do que pra mim. Ela virou o rosto na minha direção e apoiou as mãos no meu tórax. Estávamos muito próximos. Próximos demais. Mas eu não iria me afastar. — Você sabia que é gostoso?
— E você sabia – aproximei-me ainda mais, abaixando-me o suficiente para encostar a testa na dela. Nossas bocas estavam há menos de dois centímetros de distância. Ela não se afastou. — Que eu acho que posso estar me apaixonando por você? – porra, isso devia ser o efeito do álcool em mim. Eu não me apaixono. Nunca. Então por que meu coração parecia querer sair pela minha boca?
Ela sorriu e ali eu me perdi. Olhei o desejo correspondido nos olhos dela e não consegui mais me conter. Quebrei os centímetros que separavam nossas bocas e a beijei. Nosso beijo não foi carinhoso. Foi selvagem e desengonçado por conta da bebida. A boca de Elisa era macia e nossas línguas se encontravam numa mistura perfeita. Ela deslizou a mão pela minha bunda. Suspendi seu corpo no colo e apoiei na bancada. Minhas mãos earam pelas coxas dela, subindo por
baixo do vestido e encontrando a costura da calcinha. Porra, como eu queria tocar essas pernas. Tocá-la por inteiro.
Quando a ouvi gemer meu nome, quase não mantive a sanidade. Mas estávamos indo rápido demais, estávamos completamente bêbados e talvez nem lembrássemos de tudo isso no dia seguinte. Algum lugar no fundo da minha mente, onde ainda existia sobriedade, conseguiu me fazer interromper.
— Elisa… é melhor… a gente… parar… – eu disse em meio aos beijos.
— Eu sei…, mas eu não… consigo…
Com uma força de vontade que não sei de onde veio, afastei-me dela. Ela fez cara de brava e eu coloquei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.
— Vem, vamos subir pra deitar. – estiquei a mão para ela, que mesmo com o cabelo desgrenhado e a boca inchada do nosso beijo continuava linda.
Ela agarrou minha mão e subimos juntos pro meu quarto. Eu não fazia ideia de como seriam as coisas no dia seguinte, mas eu sabia que depois daquele beijo, Elisa tinha eliminado completamente as chances de eu me interessar por qualquer outra mulher. Mais do que já vinha acontecendo.
E a única certeza que eu tinha era a de que iria lembrar de tudo no dia seguinte.
Eu estava fodido.
Elisa
— Quero jogar verdade ou desafio! – eu disse já um pouco alterada por conta do álcool. A noite estava sendo incrível, tirando aquela parte em que o Victor deu a entender que queria que eu arrumasse umas peguetes pra ele. Aquilo não foi muito legal não. Mas de qualquer jeito, eu não poderia ter feito uma comemoração melhor.
— Que coisa de adolescente, Elisinha. Você não teve adolescência? – Rafa disse. É claro que eu tive adolescência, inclusive não só brincava de verdade ou desafio como também uma versão abrasileirada de 7 minutos no paraíso. Chupa essa, Fritz!
A noite confirmou algo que eu já suspeitava: Victor e os meninos eram companhias divertidas. Dani já estava totalmente entrosado com eles. Os garotos da república certamente não se encaixavam no estereótipo de médicos que se acham superiores a todos os outros seres humanos. Exceto talvez pelo Rafa, mas ele se acharia sendo médico ou morando debaixo da ponte. Talvez eu me tornasse amiga de todos eles em algum momento. Se alguém dissesse para a Elisa de 15 anos que hoje ela estaria ponderando ser amiga de 4 médicos, ela teria rido.
— Essa noite é toda para Elisa. Se ela quer jogar um jogo bobo de adolescente, então vamos jogar. – Gustavo disse já pegando uma garrafa de cerveja vazia para servir de roleta e se sentando no chão.
— Obrigada, Gusta! Você é meu preferido! – respondi enquanto se sentava ao lado dele.
— Ei, quem organizou a festa fui eu. – Victor reclamou, parecendo com um pouco de ciúmes. Mas devia ser só o álcool no meu corpo me fazendo ter interpretações erradas.
— Ele é meu preferido depois de você. – respondi sorrindo para o meu amigo, que me deu um beijo no rosto de forma espontânea. Todos os outros homens na sala trocaram olhares como se percebessem algo que só eles conseguiam ver.
— Podem parar de melação, casal. Se vamos jogar essa porra, então manda ver porque eu nunca fujo de um desafio. – Rafa falou. Eu senti que fiquei um pouco vermelha na mesma hora, mas não o corrigi.
— Para de palhaçada, cuzão, você sabe que eu e Elisa somos apenas amigos. – Victor se explicou. Bom, ele adorava lembrar a qualquer um sobre isso. Faltava só eu conseguir fixar essa informação de uma vez por todas na minha mente.
Todos se sentaram no chão da sala em forma de círculo.
— Eu começo girando a garrafa. Minha festa, minhas regras! – peguei a garrafa da mão do Gusta e coloquei no chão para girar.
— A pessoa que ficar na direção da tampa da garrafa faz a pergunta. – Rafa explicou a regra.
Girei a garrafa e a tampa parou na direção de Rafael, e o lado oposto na direção
do Dani. Se eu não conhecesse Daniel tão bem quanto conheço, não teria reparado nos pequenos sinais de nervosismo do meu amigo. Aquilo seria engraçado de assistir.
— Daniel, Daniel… verdade ou desafio? – indagou Rafael.
— Verdade. Eu sou um livro aberto. – Dani respondeu tentando parecer calmo.
— É verdade que as psicólogas são boas de cama? – Rafael olhou em minha direção nessa hora e minha única reação foi revirar os olhos. Victor imediatamente ficou tenso ao meu lado. — E qual foi a estudante mais gostosa de Psicologia que você já comeu?
— Ei, você fez duas perguntas. Isso não vale. – Thiago comentou.
— Tudo bem, Thiago. – Daniel começou dizendo. — Até porque eu não tenho resposta para nenhuma das duas perguntas. Eu não sei se vocês notaram, mas eu sou gay. – Daniel disse, parecendo um pouco desconfortável. Provavelmente meu amigo estava com medo de ser julgado.
— Cara, pode ficar tranquilo! A gente não vai te julgar só porque você se atrai por homens. – Thiago respondeu, enquanto os outros concordaram. Daniel suspirou aliviado. Mesmo estando no século XXI, ainda há pessoas homofóbicas no mundo, que adoram fazer discursos de ódio. Algumas até conseguem ocupar lugares de poder na sociedade. Eu nunca vou entender, sério.
— Mas e os psicólogos são bons de cama? – Victor disse para dar continuidade a brincadeira.
— Aí posso garantir que sim. – Dani respondeu. Notei que Gustavo abaixou o rosto, parecendo incomodado. Será que Gusta tinha algum tipo de preconceito? — E apesar de não poder falar por experiência própria, as psicólogas também têm fama de serem as melhores na cama, né Elisinha? – senti meu rosto queimar, mas abri um sorriso. Do meu lado, Victor pegou a garrafa de cerveja e bebeu inteira de um gole. Thiago começou a falar, chamando atenção para si próprio.
— Vamos girar a garrafa de novo então…
— Ei, não valeu! Ele não podia responder minha pergunta, então vou fazer outra. – Rafa reclamou, parando por alguns segundos para ver se alguém ia se manifestar, mas como ninguém disse nada, continuou. — Eu sempre tive uma curiosidade: que tipo de homem vocês acham gostoso? Porque eu já sei que agrado o sexo feminino, todas as mulheres me querem. Você me acha gostoso, Dani?
— Daniel, você não precisa responder isso. – Thiago disse revirando os olhos. — A única coisa mais idiota que um Rafael sóbrio, é um Rafael bêbado. – todos riram. Rafa fingiu estar muito magoado com o comentário.
Thiago girou a garrafa mais uma vez e a brincadeira continuou.
***
Acordei no susto com o despertador tocando. A luz da janela gigante invadia todo o ambiente, fazendo minha cabeça doer ainda mais.
— Argh! Alguém faz esse maldito barulho parar! – eu reclamei e cobri minha cabeça com o travesseiro.
— Foi mal, Elisa. Esqueci de desligar o despertador do celular. – ouvi a voz de Victor. Tirei o travesseiro do rosto e só então me lembrei de que estávamos no quarto dele. Memórias da noite ada começaram a surgir na minha cabeça. Lembro de chegar na república, acompanhada do Dani, para comemorar minha aprovação no estágio. Rafa fez um discurso que me deixou levemente emocionada, embora eu nunca vá itir isso para ele. Bebemos cerveja, jogamos, comemos pizza, bebemos tequila, conversamos. Eu sabia que não deveria misturar cerveja e tequila porque isso nunca terminava bem, mesmo que, em geral, eu fosse uma pessoa bastante equilibrada, é claro. Minha última lembrança da noite era Victor e eu estirados no chão da sala conversando sobre alguma coisa muito aleatória que envolvia fim do mundo e zumbis.
— Pronto, já desliguei o celular. Podemos voltar a dormir? Ainda tá bem cedo. – Victor falava, mas eu não conseguia vê-lo. Será que eu ainda estava bêbada? Levantei para ir ao banheiro fazer xixi e tropecei em algo no chão.
— Merda! Victor? O que você está fazendo deitado no chão? – perguntei totalmente confusa.
— Tentando dormir. Você pode ficar quietinha, por favor? Só mais uns 15 minutinhos. – Victor respondeu com a voz sonolenta. Antes que eu falasse qualquer coisa, ele já tinha apagado de novo. Eu invejava pessoas que dormiam facilmente. Eu demorava a pegar no sono e quando acordava, não importa quantas horas eu tivesse dormido, nunca conseguia voltar a dormir.
Caminhei em direção ao banheiro. Quando me vi no espelho, quase levei um susto. Aproveitei para tomar um banho rápido e dar um jeito na minha aparência antes de voltar para casa. Depois de uns 20 minutos, saí do banheiro e encontrei Victor, ainda deitado no chão, mexendo no celular.
— Bom dia, Elisa. Curtiu sua noite de comemoração? – algo na voz dele estava… diferente.
— Foi maravilhoso! – eu disse com um sorriso sincero no rosto. — Muito obrigada por tudo, Victor. Curti tanto que nem me lembro muito bem o que aconteceu. Eu culpo as tequilas por isso. – falei brincando, mas notei a expressão de Victor um pouco triste. Ou ele estava decepcionado? Com certeza estou vendo coisas onde não tem. O cara acabou de acordar. Só deve estar meio sonolento.
— Fico feliz que tenha gostado. – ele respondeu, enquanto levantava do chão, usando apenas uma calça de moletom, e se espreguiçava. Eu acordei destruída. Como se um trator tivesse ado por cima de mim. Mas Victor era lindo mesmo acordando de ressaca. E aquele abdômen… eu sei que somos apenas amigos, como ele sempre faz questão de reafirmar, mas era difícil não olhar para aquele tanquinho. O tempo que ele gastava na academia com certeza valia a pena.
— Victor, posso saber o motivo de você estar no chão? Ficou tão bêbado que não achou sua cama? – eu disse enquanto tentava tirar da minha mente todos os pensamentos impuros que surgiram mais uma vez. A minha sorte (ou azar) é que Victor nunca olharia para mim como além de amiga, porque confesso que ficava cada vez mais difícil manter a compostura perto dele. Especialmente perto dele sem camisa.
— Engraçadinha. Eu só não quis invadir o seu espaço. Achei melhor dormir no chão para evitar possíveis problemas pela manhã. Não queria estragar sua noite de comemoração com algum tipo de desconforto quando a gente acordasse. – parecia que ele estava fazendo isso pelo meu bem, mas ao mesmo tempo, a hipótese de que Victor optou por ficar longe de mim porque não queria que acordássemos abraçados como da última vez, doeu-me. Afastei o pensamento para o fundo da minha mente. Não era hora para isso.
— Acho melhor eu ir embora. Preciso ajeitar algumas coisas para começar no estágio amanhã. – disse empolgada.
— Claro. Eu te dou uma carona até em casa. – ele ofereceu. — Se você quiser a gente pode talvez combinar de ir juntos pro HU, eu não me incomodo de te buscar. Pelo contrário, vai ser muito melhor ter a sua companhia por mais tempo.
— Você agora já vai me ver todo dia, tem certeza de que também quer mais esse tempo comigo? Você vai encher o saco de ver a minha cara, Bellini. – brinquei. Victor permaneceu sério e me encarou, antes de abrir a porta para sairmos.
— Posso te garantir, princesa, que eu não vou encher o saco. – eu sorri em resposta.
A porta do quarto da frente abriu ao mesmo tempo em que eu abria a porta do quarto de Victor. E foi então que a coisa que eu menos esperava aconteceu.
— DANIEL? – eu gritei. Dani me olhava estarrecido. Ele certamente não
esperava me encontrar naquele corredor. Pela forma como segurava os sapatos nas mãos, tenho certeza de que meu amigo não esperava encontrar ninguém. Ele estava tentando fugir de fininho. A boca dele, que parecia meio inchada, estava aberta, mas ele era incapaz de emitir qualquer som. Quando olhei para trás dele, ainda em choque, vi Gustavo, igualmente estarrecido, sem camisa e com os lábios inchados.
— Que grito foi esse? Por que vocês não me deixam dormir em paz? – Rafa abriu a porta do quarto reclamando. Ele observou a cena no corredor e pareceu meio confuso. — que porra tá acontecendo aqui?
— Pessoal, por que não descemos para a sala para termos uma conversa em grupo? Acho que já está na hora, né Gusta? – Thiago sugeriu. Ele sempre aparentava ser o mais observador e racional dos quatro. Gusta assentiu com a cabeça e seguiu em direção às escadas, seguido por Dani. Victor, Rafael, Thiago e eu íamos logo em seguida.
— Eu já vi casal de namorados terem DR, mas DR em grupo de amigos é novidade para mim. – Rafa disse debochando.
— Cala a boca, Rafael. – todos dissemos ao mesmo tempo.
— Calma, galera! Eu só estava tentando deixar o clima mais leve. Vocês estão muito tensos.
Já na sala, sentamos no sofá. Thiago começou a mediar a nossa pequena reunião. Ele claramente estava a par de alguma coisa que o resto de nós não sabia.
— Gusta, você quer compartilhar alguma coisa com seus amigos? – Thiago indagou. Gustavo parecia nervoso. Ele queria contar algo, mas não sabia como. Ele olhava para Daniel e olhava para a gente. Abria a boca, mas nenhuma palavra saía. Respirou fundo e quando finalmente ia dizer alguma coisa, fomos interrompidos pela voz do Rafael:
— Devo preparar uma pipoca para o que está prestes a acontecer? – Rafa falou, fazendo com que todos revirassem os olhos.
Victor
— Eu gosto de homens. – Gusta declarou de uma vez, como se estivesse com aquilo entalado na garganta há anos. — E de mulheres. – prosseguiu, quando percebeu que estávamos ouvindo atentos. — E, às vezes, de homens e mulheres ao mesmo tempo. – ele disse, tentando descontrair.
Gustavo morava com a gente há mais de quatro anos. E o fato de que durante todo esse tempo ele precisou manter algo tão importante sobre si mesmo em segredo, deixou-me profundamente incomodado. Mas antes que eu pudesse falar, Thiago quebrou o silêncio.
— Eu encontrei o Daniel saindo daqui de casa há mais ou menos 1 mês e meio. – ele disse olhando para mim e Rafa. — Foi quando conversei com o Gusta e ele finalmente se abriu sobre a sua sexualidade. Mas como ele ainda não se sentia confortável o suficiente pra contar a vocês, guardei a informação em segredo.
Fritz parecia um pouco chateado, mesmo por trás de toda a sua postura blasé. Ele e Gustavo se aproximaram muito no último ano, por conta das festas e noites alucinantes de bebedeiras.
— Por que você não contou pra gente, cara? – Rafael perguntou.
— Eu tinha medo de como vocês iriam reagir. – Gusta começou. E eu percebi o nervosismo no seu tom de voz. — Eu sou um cara negro e bissexual numa faculdade de medicina. Como se isso já não fosse difícil o suficiente, escolhi dividir a casa com dois homens mulherengos. – ele balançou a cabeça, como se
tentasse afastar os pensamentos que o impediam de seguir em frente. — Eu tinha medo de que tudo mudasse, que vocês me tratassem diferente e achassem que eu estava dando em cima de vocês ou interessado em algo além da amizade.
— Bom, se isso acontecesse, eu não te julgaria. Imagino que seja difícil me ver sem camisa e resistir. – caralho, tinha que ser o Fritz e sua autoestima elevadíssima.
— Rafael, segura tua onda. Eu quero ouvir o que o Gusta tem pra dizer. – eu disse.
— Eu me assumi na minha antiga escola de Ensino Médio. Minha mãe aceitou, mas meu pai nem tanto. Sou filho de um militar conservador que acha que o que eu tenho é algum tipo de desvio de conduta. Não falo com meu pai há 8 anos. – eu sabia como era ter problemas familiares. E apesar de tudo, eu tinha pais que me amavam. Eu não conseguia nem imaginar como devia ser quando seu próprio pai não aceita quem você é.
Me levantei e me sentei ao lado de Gusta. Ergui meu braço e o apoiei nas costas dele.
— Cara, gostar de homens, de mulheres ou até mesmo dos dois ao mesmo tempo – eu sorri. — Não muda quem você é pra gente. – Gusta me encarou, com uma expressão de agradecimento. Mas a verdade é que eu que deveria estar agradecido por ter um cara foda pra caralho pra chamar de amigo. — Na verdade, muda sim. Fez-me te irar ainda mais.
Percebi que os olhos dele lacrimejaram e o puxei para um abraço.
— Você é um dos meus melhores amigos, brother. – Rafael começou. — Nada me faria virar as costas pra você. Nunca. – eles também se abraçaram. — Mas porra, se você tivesse falado antes, eu teria desenrolado um monte de caras pra você.
— Eu sei me virar, Rafa. – ele disse rindo, enquanto olhava na direção de Daniel, que permanecia sentado calado do outro lado da sala. — Além do mais, vocês três podem se despreocupar. Nenhum dos três faz meu tipo.
Nós gargalhamos e por alguns segundos até esquecemos que Elisa e Daniel ainda estavam ali.
— Bom, fico feliz que os mocinhos tenham se aberto nessa grande terapia de grupo. – Elisa começou a falar se levantando. Ela parecia brava. E mesmo assim estava linda. — Mas podemos ir ao que interessa de fato? – ela se virou em direção a Daniel. — Há quanto tempo isso está acontecendo? – ela perguntou apontando de Daniel a Gusta.
— Há mais ou menos 2 meses e meio. – Gustavo disse antes que Dani pudesse abrir a boca.
— Nos conhecemos na ItapêFest… Eu queria te contar, mas fiquei com medo porque o Gusta ainda não estava pronto para se assumir pros amigos, então acabei… guardando segredo. – Daniel se explicou. Percebi que a postura de Elisa começava a relaxar.
— Poxa, Dani, você sabe que não gosto de segredos entre a gente. – ela disse se sentando ao lado dele.
— Eu sei, desculpe. Odiei ter que manter isso em segredo por todo esse tempo. – Elisa concordou com a cabeça, compreendendo e o abraçou.
— Afinal de contas – Rafa começou. — O que tá rolando entre vocês dois?
Percebi que Daniel buscou Gustavo com o olhar sem saber exatamente o que responder.
— Estamos namorando. – Gustavo disse, ainda sem tirar o olhar de Daniel. — Quer dizer… se você quiser. – ele perguntou pra Daniel, que parecia completamente extasiado.
— É claro que eu quero! – ele se levantou e foi em direção ao meu amigo. Os dois trocaram um beijo e pareciam ter esquecido de todas as outras pessoas na sala.
Eu sorri e troquei um rápido olhar com Elisa, que também olhava na minha direção. Queria que ela lembrasse de ontem tão bem quanto eu. Eu só conseguia pensar no gosto da sua boca, nas pernas grossas e macias sob a palma da minha mão, nela gemendo meu nome. Mas foi um erro, aquilo nunca aconteceria se estivéssemos sóbrios. Ela só me quer como amigo. E era isso que eu seria pra ela. Não iria colocar tudo a perder. Principalmente quando ainda não tinha certeza se eu poderia oferecer tudo que uma mulher como Elisa precisava.
— Não acredito que perdi mais um soldado. Gusta na coleira, Bellini finge que não, mas se Elisa disser senta, ele senta e ainda dá a patinha. Agora tô sozinho. – eu revirei os olhos e dei meu dedo do meio pra ele.
— Obrigado por me desconsiderar, Fritz. – Thiago falou.
— Você é um péssimo parceiro pra night, Thiagão. – Rafa falou. — Elisinha, você é minha única esperança.
Que porra...?
— Elisa não vai sair pra night com você, Fritz. Se manca. – interrompi. Eu parecia a merda de um namorado super protetor de novo. Rafa quase se engasgou com vontade de rir.
— Calma, brother. Não foi isso que eu quis dizer. Você não me deixou concluir o raciocínio. Eu só ia dizer que agora Elisinha precisa arrumar uma amiga gostosa.
— Quem sabe, Rafa? Às vezes, posso conhecer alguém no hospital e te apresentar. – Elisa falou.
— Do hospital? Você sabe que eu trabalho lá também, né? Já peguei todo mundo que me interessava.
— Nunca se sabe. Pode ser que a pessoa certa pra você esteja embaixo do seu
nariz e você não tenha visto.
E quando a pessoa certa pra você está debaixo do seu nariz e você já viu? Porque esse era exatamente o meu caso.
***
Acordei no dia seguinte sofrendo por antecipação. A reunião da equipe de neurologia começaria às 9h e eu não queria nem imaginar ver André e Elisa sendo oficialmente designados para trabalhar juntos. ei no apartamento da Elisa como combinado e seguimos juntos no meu carro até o hospital. Hoje eu ficaria lá o dia inteiro. A reunião terminaria às 11h e os residentes, nem horário de almoço teriam, já que seríamos responsáveis pela primeira triagem dos pacientes lesionados para o novo projeto de pesquisa.
— Bom dia, Victor! – Elisa entrou no carro, com um sorriso de ponta a ponta. Eu sabia o quanto aquele estágio era importante pra ela. Tinha certeza de que ela seria a melhor psicóloga daquele hospital.
— Bom dia, princesa. – eu sorri e dei um beijo na bochecha. — Animada pra aturar 2 horas ininterruptas de reunião?
— Muito!!!
Enquanto eu andava com o carro em direção ao HU, notei Elisa incomodada com alguma coisa.
— Aconteceu alguma coisa? – perguntei aflito. Será que ela tinha se lembrado do beijo?
— Hum… na verdade, tem uma coisa que eu queria te perguntar. – puta que pariu, ela lembrou.
— Pode perguntar, Elisa.
— Eu não pude deixar de reparar que existe uma certa… tensão entre você e André. – ah, era isso. Nada de lembranças do nosso beijo. Eu me sentia estranhamente decepcionado. — Eu me pergunto o que houve, já que agora vou ter que trabalhar com ele. E pra ser bem sincera, eu não sei o quanto me sinto confortável na presença dele. Ele é estranho.
De imediato, fiquei feliz por ela parecer não gostar daquele babaca. Mas ao mesmo tempo, dei-me conta de que pelo menos por um tempo Elisa estava presa com ele. Fiquei mais irritado na mesma hora. De qualquer maneira, eu não ia contar pra Elisa de tudo que aconteceu entre eu e André e fazer com que ela começasse o estágio com o pé esquerdo.
— Não é nada demais. Palhaçada de homem. – desconversei, mas ela não sossegou. — Tivemos uma certa rivalidade na época da faculdade. Mas já ou. Era besteira, não se preocupe.
Ela concordou com a cabeça e pareceu satisfeita. Seguimos por mais uns cinco minutos até o Hospital conversando sobre o projeto de pesquisa e assim que
estacionamos, direcionamo-nos para a reunião.
Elisa
A reunião seguiu tranquilamente. Como eu já sabia, fui designada para a equipe do André, juntamente com uma enfermeira chamada Helena. Assim que saímos da sala de reuniões, André nos chamou para combinar algumas tarefas iniciais.
— Então, meninas. Estarei agora na hora do almoço fazendo a triagem inicial dos pacientes junto com os outros residentes. – ele disse. — Estava pensando em nos reunirmos para discutir os casos e pensar nos exames e testes hoje à noite. Depois do plantão. – ele olhava diretamente pra mim. Um arrepio desagradável percorreu a minha espinha.
— Eu não vou conseguir, infelizmente. Tenho plantão noturno, começa às 18h. – a enfermeira falou ao meu lado. Podia até ser coisa da minha cabeça, mas eu tinha a sensação de que ela não estava nem um pouco chateada por não poder participar.
— Tudo bem. – André disse, parecendo ansioso pela minha resposta. — E você, Elisa? Pode começar a debater os casos hoje mesmo? Acho que vai ser essencial, principalmente pra você que está começando agora. – é claro que eu queria dizer que não, mas eu me sentia compelida a dizer que sim. De maneira nenhuma, eu poderia começar esse estágio com o pé esquerdo e independente de como me sentia na presença desse médico, ele ainda era meu chefe.
— Claro. Com certeza. – eu precisava me mostrar disponível e interessada.
— Perfeito, então nos vemos às 19h. – ele disse, tocando no meu braço e saindo
em seguida. Meu olhar vagou e encontrou Victor observando ao longe.
Quando nossos olhares cruzaram, trocamos um rápido sorriso e ele me indicou o celular com a cabeça. Peguei meu celular e vi seu nome na tela.
Victor: Plantão o dia todo hj :( Quer ir lá pra casa no domingo? Saiu a nova temporada de Good Girls na Netflix
Elisa: Com ctz!!! Mas podemos pedir pro Thiago fazer estrogonofe de palmito? Não consigo parar de pensar nisso desde que comi.
Victor: Vou pensar no seu caso… Elisa, eu não queria falar nd, mas não consigo ver vc com ele e deixar de lado. Eu sei que agora o André é seu chefe, mas fica atenta, tá bom? Eu não confio nele.
Eu queria dizer que eu também não confiava e que eu me sentia estranhamente desconfortável na sua presença. Mas eu, de jeito nenhum, queria preocupar Victor ou parecer que não conseguia me cuidar por conta própria.
Elisa: Preocupado cmg, Bellini? :P
Victor: Claro, princesa. É pra isso q os amigos servem, não?
Podia ter dormido sem essa, Elisa. Guardei meu celular na bolsa. A enfermeira chamada Helena permanecia na minha frente, observando-me. Resolvi puxar
assunto.
— E aí? Você gosta de trabalhar por aqui?
— Gosto, gosto bastante. Estagiei aqui na época da minha graduação e depois acabei sendo convidada a permanecer. – ela sorriu tímida. Helena parecia ter por volta dos 25 anos. Usava um óculos com armação de gatinho e cabelos castanhos claros presos num rabo de cavalo alto; era um pouco mais alta que eu e bem magrinha.
— Caramba, que sorte. É meu sonho ser efetivada aqui também. Mas ainda é um sonho distante, acabei de começar. – comentei. — Você vai ter plantão agora?
— Não, não. Só começo às 18h. Normalmente volto pra casa pra almoçar e descansar.
— Quer almoçar no restaurante aqui em frente? – convidei. Seria bom que ficássemos mais próximas já que trabalharíamos juntas durante um ano. E pra falar a verdade, não seria nada mal ter uma amiga por aqui.
Ela ficou surpresa, mas concordou parecendo feliz com a ideia. Seguimos até o restaurante e pedimos nossos pratos. Conversamos sobre nossas profissões, sobre o hospital e sobre como estávamos animadas com o projeto. Helena me contou que naquele hospital as paredes tinham ouvidos e que praticamente ninguém conseguia manter alguma coisa em segredo. Então, em determinado momento, ela pareceu ter tomado coragem para finalmente perguntar:
— Você que é a namorada do Dr. Bellini? – eu quase me engasguei com a pergunta. Mas me recompus para responder.
— Namorada? Não, não. Nós somos apenas amigos.
— Bom, mas o hospital inteiro só comenta sobre a psicóloga que colocou Victor Bellini na linha. – ela deu um risinho e eu senti minhas bochechas corarem. Merda, até a menção ao nome dele me causava efeitos.
— Pode até ser parcialmente verdade. – concordei com a cabeça. — Victor e Rafa levaram um belo puxão de orelha meu há uns tempos. – percebi uma mudança de postura assim que toquei no nome do Rafael. — Você conhece o Rafa?
Ela concordou com a cabeça, parecendo ainda mais sem graça. Ora, ora, será que acabei de conhecer mais uma das iradoras de Rafael Fritz? Ouvi dizer que existiam muitas por aí.
— Fiz estágio com ele na equipe de cirurgia plástica durante a minha graduação. Ele é muito divertido. — Olha, Helena, você, com certeza, não me engana. A primeira característica que uma mulher nota num homem como Rafael Fritz definitivamente não é ser divertido. Egocêntrico? Provavelmente. Lindo de morrer? Com certeza.
— Só divertido? – perguntei sorrindo e erguendo uma sobrancelha. Eu estava aqui para colocar lenha na fogueira, é claro. E se eu bem me lembro, Dr. Fritz me pediu uma amiga gostosa, por que não essa enfermeira? Ela preenche os requisitos.
Por alguns segundos meu cérebro foi para um cenário completamente utópico e ridículo onde eu e Victor éramos um casal e Rafa e Helena também. Nós poderíamos ser até melhores amigas. Um quarteto de melhores amigos. Merda, Elisa, você precisa de terapia urgente.
— Ah, ele é muito bonito. Não tem como não notar. – ela comentou fingindo uma certa indiferença. Ela era boa em parecer indiferente. Isso até que seria bom pra diminuir um pouquinho o ego de Rafael Fritz. — Todas as outras enfermeiras fazem uma competição interna e disputam quem vai ficar na equipe dele. Uma tremenda falta de ética. – concordei com a cabeça, sem nem saber direito com o que eu estava concordando. Meus pensamentos já estavam longe imaginando como eu juntaria esses dois.
— Aposto que ele já deve ter dormido com todas, se bem conheço a peça. – comentei. Ela riu.
Terminamos de comer nosso almoço tranquilamente, enquanto falávamos sobre várias amenidades. Helena era muito legal. Fazia tempo desde a última vez que eu conseguia me sentir tão à vontade com uma garota. Se dependesse de mim, eu já tinha planos para a nossa amizade e talvez até mesmo para outras coisas.
***
Perto das 19h, voltei para o Hospital e encontrei André sem o uniforme me esperando no corredor.
— Opa, estava te esperando. – ele disse sorrindo na minha direção. Senti novamente aquele desconforto percorrer meu corpo. — Vamos?
— Achei que fôssemos ficar por aqui. – comentei insegura.
— Ah, estou o dia inteiro aqui nesse hospital, Elisa. Vamos pra algum outro lugar, podemos conversar enquanto comemos alguma coisa. O que me diz? – eu não queria aceitar de jeito nenhum. Não estava a fim de ir para outro lugar com André, mas o que eu poderia dizer? Ele era a porra do meu chefe.
— Tudo bem.
Seguimos a pé para o mesmo restaurante onde eu havia almoçado com Helena mais cedo. Mas o ambiente parecia diferente na parte da noite, onde os menus à la carte eram substituídos por um rodízio de massas e música ao vivo. Nos sentamos numa mesa afastada do cantor e logo a garçonete veio nos trazer alguns pães de entrada.
— O que você vai querer? – ele me perguntou. — Posso pedir uma cerveja pra gente?
— Não, obrigada. Eu já comi. – mentira, é claro, meu estômago roncava mais que qualquer coisa. Mas eu só queria que aquilo terminasse logo. — E eu não bebo. – eu era uma péssima atriz e ele percebeu. Notei a mudança de postura e seu rosto foi ficando mais sério. Merda, eu não queria que ele me odiasse. Isso poderia me prejudicar muito no hospital.
— Tudo bem, então. Eu vou querer uma cerveja, por favor. – ele pediu pra garçonete. — Então, Elisa… me fala mais de você. – eu estava odiando aquela situação. Não sabia se André estava agindo como alguém num encontro ou como meu chefe e eu queria, de qualquer maneira, que não fosse a primeira opção.
— Acho que eu falei tudo sobre mim na entrevista, Dr. Pimentel. – mais uma vez eu o vi fechar a cara.
— Eu quero ouvir de novo, se for possível. – ele pediu de maneira rude. — Quantos anos você tem, o que você gosta de fazer, o que está procurando ali no Hospital… esse tipo de coisa. – bom, pelo menos eram perguntas inofensivas.
— Tenho 24 anos. Sempre quis trabalhar no hospital com neurologia. Descobri minha paixão pela neurociência por volta do quinto períod… – antes que eu pudesse terminar, André me interrompeu.
— Amigo, vou querer uma fatia de portuguesa! – ele pediu a um dos garçons que servia sabores do rodízio. Ele não estava dando a mínima pra nada do que eu falava, então por que se dar ao trabalho de perguntar? — E você namora, Elisa? – ah, aí estava a verdadeira pergunta que ele queria fazer. Isso era tão invasivo e não profissional. Cadê os casos que íamos discutir? Não estava sendo nada do que eu imaginava.
— Não. – respondi de forma curta e seca.
— Você e o Bellini...?
— Somos amigos. – infelizmente, eu queria completar. Nessa hora, o que eu mais queria era ter um namorado, porque homens do tipo do André só respeitam mulheres quando algum outro homem aparece como “competição”.
André pareceu recuperar a animação com a minha resposta. Reparei em todas as vezes que eu me levantava e o olhar dele seguia minha bunda. Ele era lindo, mas caras lindos muitas vezes acham que possuem carta branca pra agir como querem. Fala sério, eu já tinha deixado claro meu desconforto o tempo inteiro.
O restante do jantar transcorreu normalmente e sem mais perguntas a nível pessoal, ainda bem. André pareceu que tinha se incomodado com as minhas enfáticas recusas a comer ou beber cerveja, mas depois de um tempo, parou de tocar no assunto. Quando saímos do restaurante e eu estava prestes a chamar um Uber, André se prontificou a me dar uma carona.
— Não precisa, não, obrigada. – em primeiro lugar, eu não iria mesmo entrar num carro com ele depois das 4 latinhas que ele tomou. Em segundo, eu queria evitar ar qualquer tempo além do necessário com ele.
— Vamos lá, não me custa nada. Eu faço questão, fica como um agradecimento pelo jantar de hoje. – ele insistiu e tocou meu ombro tentando me conduzir ao seu carro.
Eu me afastei da sua pegada e balancei a cabeça negativamente mais uma vez.
— Eu te agradeço, Dr. Pimentel, mas eu… – tentei pensar em alguma desculpa que ele engolisse. — Pedi pro Victor me buscar. A gente já tinha combinado, sabe como é. – ele ergueu a sobrancelha e fechou a cara assim que mencionei o
nome do Victor.
— Bom, então te faço companhia até ele chegar. – merda. Eu ia ser pega na mentira e possivelmente demitida amanhã mesmo. Só tinha uma solução.
Dei um sorriso amarelo e puxei o celular da bolsa.
— Vou só ver se ele já saiu de casa. – justifiquei-me.
Elisa: Lembra qnd vc concordou em ser meu amigo?
Por favor, esteja online. Por favor, esteja online.
Victor: Pq eu sinto q vc quer alguma coisa de mim?
Elisa: Eu preciso mto q vc venha me buscar no Restaurante da esquina do Hospital. Eu juro q não te pediria se não tivesse outra opção
Victor: Claro q eu te pego. Mas tá td bem? Aconteceu alguma coisa?
Elisa: Tá td bem sim, não se preocupa. Te explico qnd vc chegar. Vc pode trazer alguma coisa pra eu comer tbm? Eu juro q te compenso depois, Victor!
Victor: Já to entrando no carro
Victor
As mensagens de Elisa tinham me deixado confuso pra caralho. Mas assim que ela abriu a boca (ou os dedos, no caso) pra me pedir alguma coisa, eu já estava pronto pra fazer o que quer que fosse. Eu tinha me transformado num cachorrinho da porra, Rafa tinha razão.
Dirigi o caminho que eu conhecia de cór até o Hospital e segui à frente até o Restaurante de esquina. Assim que me aproximei, reconheci a silhueta de Elisa parada. Do lado dela, um homem estava…, MAS QUE PORRA ERA ESSA? ELA ESTAVA COM O DESGRAÇADO DO ANDRÉ. Por que ela estava com esse filho da puta? Respirei fundo tentando me acalmar.
Elisa parecia aliviada quando me viu , ela nem se virou pra se despedir do babaca e só acenou um tchau rápido antes de entrar no carro e sentar ao meu lado no banco de ageiro. Abaixei o vidro e meu olhar furioso encontrou o do André. Ele tinha a porra de um sorrisinho no rosto que eu queria arrancar na base do soco.
— O que acabou de acontecer aqui, Elisa? – eu perguntei, tentando controlar minha raiva. Meu ciúme. Merda, eu estava louco de ciúme. Ela fechou os olhos contra o banco e respirou fundo.
— Por favor, diz que você me trouxe alguma coisa pra comer. – ela pediu, desviando do assunto.
— Eu trouxe, mas vou te fazer de refém até você me explicar por que estava
num encontro com o André. – eu tinha me tornado a porra de um alfa possessivo. Eu definitivamente não gostava dessa minha versão. — Achei que você comentaria algo assim comigo, já que eu sou seu amigo e se bem me lembro, estava numa das regras da boa amizade. – Elisa parecia levemente irritada. Não sei se pela fome ou porque eu estava sendo um babaca. Provavelmente as duas opções.
— Achei que também uma das regras que tínhamos combinado é que amigos não sentem ciúme, Bellini. – ponto pra ela.
— Achei que eu também tinha dito que sou péssimo seguindo regras. – retruquei. Ela bufou e apoiou as cabeças nas mãos. O silêncio ficou entre nós por alguns poucos minutos, dessa vez, diferente das outras, não foi nada confortável.
— Não era um encontro. – a voz dela soou me despertando. Eu a encarei rapidamente antes de voltar o olhar pra estrada. — Ele disse que queria discutir casos e marcou comigo no Hospital. Quando eu cheguei lá, ele não me deu opção a não ser ir naquele restaurante com ele. – engoli em seco. Meu ódio pelo André crescendo ainda mais do que imaginei ser possível.
— Ele fez alguma coisa com você? ou dos limites de alguma forma? – perguntei com medo da resposta. Ela balançou a cabeça negativamente.
— Ele só me deixa muito desconfortável.
— Você pode pedir pra trocar de equipe, Elisa. – sugeri.
— É claro que não, Victor. Hoje é só meu primeiro dia, imagina que imagem eu vou ar se pedir pra mudar de equipe. Qual vai ser a minha justificativa? Que o Dr. Pimentel me deixa desconfortável? – eu fiquei calado, sem saber o que responder. Por um lado, ela tinha razão, mas por outro, eu só queria vê-la longe daquele idiota. — Não se preocupa, foi só um dia longo e eu me recusei a comer com ele, então estou completamente morta de fome.
— Abra o porta-luvas. – eu disse sorrindo. Ela me obedeceu. Seus olhos brilharam assim que ela viu o saco pardo da lanchonete que eu sabia que ela adorava.
— Ahh, eu te amo. – meu coração bateu no peito acelerado e eu a encarei com os olhos arregalados.
Caralho, ela estava falando com o saco pardo.
Victor Bellini, você é um imbecil.
***
Cheguei em casa cansado depois de mais um dia inteiro no hospital fazendo triagem dos participantes da pesquisa. Foram horas e horas de entrevistas que não acabavam nunca. A única parte boa do dia de hoje foi que consegui almoçar com Elisa. Embora a gente estivesse trabalhando no mesmo departamento, eram raras as vezes que eu conseguia conversar com ela. Nossos encontros se resumiam a esbarrões no corredor. Nesses momentos, ela sempre sorria pra mim daquele jeito que eu adorava e eu sorria de volta. Era notável a felicidade dela em estar ali, apesar do azar de ter o babaca do André como chefe.
Victor: Almoço por minha conta hj, princesa
Elisa: Victor Bellini, vc sabe como dizer as palavras q toda garota quer ouvir.
Victor: Me encontra no saguão principal às 12h?
Elisa: Beleza! Mas vou levar a futura namorada do Rafa, porque já tinha combinado de almoçar com ela. Td bem por vc?
Victor: Sem problemas. Até daqui a pouco
Ela e a enfermeira da equipe dela vinham se tornando boas amigas. Eu só a conhecia de vista, mas ela parecia ser uma garota legal. Elisa, pra variar, cismou que precisava juntar o Fritz com essa garota, mesmo que eu já tivesse dito que o máximo que ela ia conseguir com isso era uma noite de sexo casual entre os dois. Mas quando Elisa cismava com uma coisa...
Nós três chegamos no restaurante meio-dia em ponto. Sentamos na mesa e logo fizemos os pedidos. Enquanto aguardávamos o garçom trazer nossos pratos, conversamos sobre diversas coisas. Fiquei feliz em perceber que Elisa e Helena estavam se tornando realmente amigas.
— Então, Helena, há quanto tempo você trabalha no hospital? Eu já te vi por lá algumas vezes, mas nunca paramos pra conversar, né? – eu disse realmente arrependido de nunca ter notado realmente a presença da garota. Até agora, ela
me parecia uma pessoa muito gente boa, como eu imaginava pelo que Elisa me contava.
— Eu trabalho no hospital há quase 3 anos. Comecei como estagiária no meu último ano da faculdade e quando me formei, fui efetivada. No setor de Neuro, eu estou há alguns meses. Antes disso, eu trabalhava no setor de Psiquiatria. Mas durante esses anos, já ei por diversos setores. Na verdade, acho que ainda não encontrei minha paixão.
— Você sabia que ela já foi da equipe do Rafa quando era estagiária, Victor? – Helena ficou vermelha como um pimentão. Elisa não tinha jeito, eu precisei controlar a minha vontade de rir. Fritz sempre foi um médico popular no hospital, não apenas por ser um excelente profissional, mas também devido a sua aparência.
— Ah, mesmo? E qual sua opinião sobre o Dr. Fritz? Prometo que o que você disser não irá sair daqui. Sou ótimo guardando segredos. – eu perguntei propositalmente enquanto Elisa tentava abafar uma risada.
— Ele é um excelente profissional e uma pessoa muito divertida. – ela disse ficando ainda mais vermelha. Se ela pudesse cavar um buraco no chão e enterrar a cabeça, ela teria feito.
— As enfermeiras costumam dizer outras coisas sobre ele. – eu provoquei. Helena quase se engasgou com o suco que tomava. Elisa estava a ponto de explodir de tanto que queria rir da situação.
— Bom, eu sei o que elas dizem. Não tem como negar que ele é bonito.
Qualquer pessoa com boa visão vê isso. – a enfermeira respondeu e um sorriso brotou em seus lábios. O fã clube do Rafael não parava de aumentar.
Infelizmente o almoço ou voando e tivemos que voltar para nossas atividades no hospital. Não vi Elisa e nem Helena durante todo o restante do dia.
Quando cheguei em casa naquela noite, a minha fome já estava incontrolável. Segui direto para a cozinha, onde encontrei Thiago. Ele estava sentado na mesa, lendo um livro sobre cardiologia, enquanto esquentava alguma coisa no forno.
— E aí, Thiagão? Essa gororoba vegana dá pra alimentar dois?
— Se você continuar chamando meu prato de gororoba, não.
— Deixa eu tentar de outra forma: posso ter a honra de comer desse prato que merece três estrelas Michelin?
— Agora sim. Claro que você pode comer. Vai ficar pronto em 15 minutos.
Tirei meu sapato e me deitei no sofá para esperar os minutos arem. Se eu me deitasse na cama, não seria capaz de levantar nem para comer de tão cansado que eu estava. A casa permanecia em silêncio total. Gustavo tinha saído com Daniel. Rafael estava de plantão. Restavam apenas Thiago e eu naquela república gigante. Eu estava absorto em meus pensamentos quando senti meu celular vibrar no bolso da calça. Era minha mãe. Aquilo não era algo bom.
— Oi, mãe! Aconteceu alguma coisa?... Uhum… sei…, mas isso é daqui há alguns dias já. Eu sei, mãe, eu sei…, mas você poderia ter me avisado antes, não sei se vou estar de plantão ou não... Tudo bem, mãe. Eu darei um jeito. Não se preocupe. Até domingo.
— Problemas na realeza da medicina? – Thiago implicou.
— É o aniversário de 60 anos do meu pai e minha mãe decidiu fazer um jantar no domingo. Minha presença é imprescindível.
— Boa sorte, cara! – Thiago desejou sorte sabendo como era a minha relação com meus pais.
— Eu vou mesmo precisar. Ainda mais agora na reta final da residência. Já imagino os milhares de questionamentos e cobranças que estão por vir. Posso ser sincero com você, Thiago? Não sei se estou preparado para lidar com isso sozinho. – desabafei.
— Por que você não chama a Elisa para ir com você? – Aasim que aquelas palavras saíram da boca dele, eu senti um alívio imediato. Como se só a menção à ideia já trouxesse muito mais tranquilidade pra situação.
— Não sei… acho que isso seria pedir demais. E com certeza meus pais já ficariam imaginando coisas.
— Não acho que seja pedir demais. Vocês são amigos, não são? – concordei com
a cabeça. — Isso é algo que um amigo faria pelo outro.
— É, talvez… Mas eu sei como é conhecer o Sr. e a Sra. Bellini e realmente não sei se quero que Elisa e por isso. – expliquei.
— Victor, se você quer minha opinião, você só vai adiar o inevitável.
— Como assim? – Thiago às vezes falava umas porras sem sentido tipo essa.
— Em algum momento, a Elisa vai conhecer seus pais. Então não faz diferença ser agora ou mais tarde quando vocês oficializarem o que quer que seja essa porra que vocês dois fingem que é amizade. revirei os olhos em resposta. Eu estava cansado de tentar convencer as pessoas que éramos só amigos.
— A gente é só amigo, Thiago. – ele concordou com a cabeça me desacreditando.
— Victor, eu acho que não custa nada você conversar com a Elisa e perguntar o que ela acha de ir com você. Agora levanta essa bunda do sofá e vem provar a melhor pizza vegana que você vai comer na vida. – levantei e fui me sentar à mesa com Thiago. A pizza realmente estava com um cheiro maravilhoso.
— Obrigado, Thiago. Pela comida e… pelos conselhos também.
A pizza estava com o sabor tão bom quanto o cheiro. Depois de tomar banho,
criei coragem para mandar uma mensagem para Elisa. Era agora ou nunca.
Victor: Elisa, tá por aí?
Elisa: Oie! To sim. O que tá rolando?
Victor: Eu quero te fazer um pedido…
Elisa: Se for pra te ajudar a matar alguém ou esconder um corpo, não conte comigo. Eu ainda não sou formada, não tenho cela especial.
Victor: Não envolve matar alguém, mas envolve ajudar alguém a não querer se matar
Elisa: Você tá me assustando, Bellini…
Victor: Minha mãe me ligou ainda pouco. Meu pai vai fazer 60 anos domingo e ela vai fazer um jantar q eu preciso comparecer. Não quero encarar meus pais sozinhos, ainda mais agora no final da residência. Eles vão encher minha cabeça de perguntas q não sei se tô a fim de responder
Elisa: Eu imagino… E como euzinha seria útil?
Victor: Você topa ir comigo a esse jantar? Eu sei q é pedir demais, mas pensa com carinho antes de dizer não. E vc ainda tá me devendo uma por aquela carona da semana ada, lembra?
Elisa: Vc nem precisava ter me dado um susto desse jeito
Victor: Isso foi um sim?
Elisa: Claro q sim, e não só pq eu te devo uma, mas pq eu me importo com vc, Victor Bellini. Eu vou no jantar com você :)
Victor: Valeu, Elisa! Vc nem imagina como acabou de tirar um peso das minhas costas agora.
***
Domingo chegou voando e eu ainda não me sentia preparado para encontrar meus pais. Mas com Elisa do meu lado, tenho certeza de que tudo seria mais fácil. Ela tinha esse poder de deixar tudo à volta dela mais leve. Saímos de Itaperuna de manhã cedo, logo após um rápido café da manhã na padaria perto da casa da Elisa, e seguimos viagem para o Rio de Janeiro, mais especificamente na Lagoa, onde meus pais moravam. Eu era responsável por dirigir e Elisa por escolher a playlist perfeita para a nossa pequena viagem.
Chegamos na casa dos meus pais por volta de uma hora da tarde. Eu já tinha avisado a minha mãe que levaria uma amiga. Embora eu tivesse sido bem claro
de que não éramos nada além de amigos, ela estava ansiosa para saber quem tinha fisgado o coração do filho. Estacionei o carro em frente à porta de entrada da casa gigantesca. Quando olhei para Elisa, ela nem tentava esconder a cara de espanto.
— Caramba, Victor, isso não é uma casa. É uma mansão. Eu não tenho nem roupa pra isso, você poderia ter me avisado.
— Meus pais são um pouco exagerados. E não se preocupe, tenho certeza de que a roupa que Daniel escolheu para você, vai te deixar a convidada mais gata da festa. Apesar de você nem precisar fazer esforço pra isso. – eu pisquei e ela me deu a língua. Elisa nunca levava meus elogios a sério.
— Eu espero mesmo. Caso contrário, não vou nem sair do seu quarto. Prefiro parecer mal educada a parecer mal vestida em festa de rico. – ela falou brincando. — Tá preparado?
— Não estou. Mas com você ao meu lado, vou ficar. – eu disse, enquanto descia do carro e Elisa fazia o mesmo. Respirei fundo e abri a porta. Espero que Elisa não se arrependa de ter vindo.
— Mãe? Pai? Cheguei.
— Victinho, meu filho! Que saudades de você! Você tá mais magro. Você tá comendo direitinho? Você precisa cuidar da sua saúde, meu amor. – minha mãe veio em minha direção já cheia de perguntas.
— Tá tudo bem, mãe. Eu tô comendo direitinho, fica tranquila. Deixa eu te apresentar minha amiga. Mãe, essa aqui é a Elisa, Elisa essa é minha mãe. – enquanto eu falava, minha mãe já estava correndo para abraçar Elisa.
— É um prazer conhecê-la, Sra. Bellini. – Elisa disse, parecendo mais relaxada do que eu imaginava.
— Ah, por favor, chame-me de Marisa. Que bom conhecer a menina que colocou Victor na linha…
— Mãe! – eu disse em tom de reprovação. — Cadê meu pai? – perguntei antes que minha mãe dissesse mais alguma besteira. Observei Elisa de canto de olho e ela apenas sorria, um pouco envergonhada.
— Ele está na mesa da área do jardim esperando vocês para o almoço. O almoço será servido lá. O dia está muito bonito pra gente ficar dentro de casa, não é? Vamos, vamos… – minha mãe disse enquanto guiava o caminho para o jardim da nossa casa.
— Área do jardim? – Elisa sussurrou. — Uau. Vocês, Bellinis, não param de me surpreender.
— Depois eu te deixo fazer um tour pela casa, curiosinha. – sussurrei de volta para Elisa, que parecia morrer de felicidade com a ideia.
— Nestor! Olha só quem chegou. – minha mãe disse animada.
— Oi, pai! Feliz aniversário. – cumprimentei meu pai. — Essa é a Elisa, minha amiga.
— É um prazer conhecê-lo, Sr. Bellini. Ah, e feliz aniversário. – Elisa disse, enquanto apertava a mão do meu pai.
— Obrigado, querida. É um prazer recebê-la em nossa casa. Por favor, sinta-se à vontade.
— Agora que todos já se conhecem, que tal a gente almoçar?
Durante o almoço, meus pais encheram Elisa de perguntas. Enquanto minha mãe fazia perguntas mais pessoais, meu pai fazia perguntas voltadas para a vida profissional da minha acompanhante. Em alguns momentos, tentei mudar de assunto e fazer com que eles parassem de encher o saco dela, mas minha amiga me garantiu que estava tudo bem e que estava adorando o almoço. Elisa, como sempre muito esperta, aproveitou para perguntar a minha mãe sobre histórias constrangedoras da minha infância. Agora ela tinha material para me zoar por uns 100 anos.
Assim que terminamos de almoçar, mamãe convidou Elisa para ir até seu escritório ver algumas fotos de quando eu era pequeno. Ela, é claro, aceitou na hora e saiu da mesa toda empolgada. Eu estava fodido depois disso. Meu pai e eu ficamos sentados no jardim por mais algum tempo, em silêncio, até que ele disse:
— Você finalmente encontrou uma menina que te faz melhor, Victor. Tenta não estragar tudo.
— Pai, somos só amigos. – eu respondi.
— Meu filho, eu sei que você não gosta muito de ouvir meus conselhos, mas irei te dar mais um, se me permite. – antes de eu responder, ele continuou falando. — Eu vi a forma como você a olha quando acha que ela não tá vendo. E isso não é coisa que amigos fazem. – então ele se levantou e saiu, deixando-me perdido em meus próprios pensamentos.
Elisa
O almoço com os pais do Victor foi muito mais agradável do que eu imaginava. Eles me pareceram pessoas maravilhosas, completamente diferentes dos médicos ricos e esnobes que eu tinha previsto. Subi com Marisa para o escritório onde vi várias fotos antigas do Victor, algumas inclusive acompanhado do Rafa. Os dois eram crianças muito fofas, mas a cara de quem não valia nada já estava presente desde sempre.
Enquanto olhávamos as fotos, Victor bateu na porta.
— Estou atrapalhando as senhoritas? – ele perguntou sorrindo.
— Claro que não, querido. – Marisa respondeu. — Estava terminando de mostrar à Elisa as fotos daquela viagem que fizemos com os Fritz para a Suíça. Lembra que Rafinha quebrou a perna esquiando? Tadinho. — Rafinha? Fiz uma anotação mental para lembrar de zoar o Rafael.
— Claro que lembro, foi nossa primeira viagem pra esquiar. – eu só conseguia pensar que toda essa conversa parecia surreal comparada com as minhas festas de família no Méier, subúrbio do Rio. — Mãe, você se importa se eu roubar Elisa um pouquinho? Queria mostrar o resto da casa pra ela.
— Claro, meu amor. Vão aproveitar o dia e descansem para a festa mais tarde. – Marisa disse piscando na minha direção. Victor me guiou pela cintura para fora do escritório.
Assim que saímos, ele me mostrou os cômodos do andar de cima da casa e amos um bom tempo jogando sinuca no salão de jogos. Ou melhor, ele jogava e eu só fazia tentativas falhas. Por último, levou-me em direção ao seu antigo quarto. Fiquei encantada imediatamente. O quarto possuía paredes em tons de cinza com violões e guitarras penduradas, algumas inclusive autografadas. No lado esquerdo, uma porta de vidro dava o a uma sacada com a vista mais incrível do Rio de Janeiro. A Lagoa Rodrigo de Freitas parecia ainda mais impactante observada dali.
— Victor… uau. Eu nem consigo imaginar como deve ter sido acordar com essa vista a vida inteira. – eu disse. — Você deve ter sentido muita diferença quando foi pra Itaperuna.
— Na verdade, ir pra Itaperuna foi a melhor decisão da minha vida. – ele se aproximou e parou ao meu lado na sacada. — Foi onde eu finalmente pude me sentir mais livre, fazer o que eu queria, quando eu queria, onde eu queria…
— Às vezes até livre demais, né? – impliquei.
— Engraçadinha. E foi em Itaperuna onde eu comecei a trabalhar, onde eu conheci meus amigos, onde eu…. – ele me encarou. — Conheci você. E aí, tudo mudou.
Victor se aproximou e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Eu fechei os olhos com a sensação do toque dele. Estávamos tão perto. Nossas bocas estavam quase se encostando. Eu queria tanto aquele beijo… E pela primeira vez em todo esse tempo, eu acho que ele também queria. Fechei os olhos e quando nossos lábios estavam prestes a se encontrar…
— Sr. Victor, o seu pai… – uma mulher de meia idade entrou no quarto, assustando-nos. Nos afastamos sem graça e evitamos o olhar um do outro. — Desculpe a interrupção.
— Está tudo bem, Soraia. Já íamos começar a nos arrumar. — íamos? Que merda. E eu achando que estávamos prestes a dar um o além.
— O seu pai pediu que o senhor fosse até o escritório dele antes de descer para a festa. Disse que queria falar com você sobre alguém que estará aqui mais tarde. Alguns convidados já chegaram, Sr. Victor. – a mulher disse saindo do quarto e nos deixando a sós novamente.
Percebi a postura de Victor ficar mais rígida ao meu lado. Eu sabia que essa conversa com o pai poderia não ser das melhores, então, sem pensar muito, segurei a mão dele, entrelaçando nossos dedos. Ele me encarou surpreso, mas sorriu de leve e acariciou minha mão com o dedo.
— Não se preocupa, vai dar tudo certo. – eu disse.
— E se não der? – ele me perguntou tenso.
— Se não der, – ei a mão pelo rosto dele. O que eu estava fazendo? — eu ainda estarei aqui.
Os olhos dele se iluminaram imediatamente. O que estava acontecendo com a
gente? Primeiro aquele quase beijo e agora isso. Alguma coisa estava mudando entre nós dois. Eu fingia não saber o que era, mas meu coração batendo forte no peito respondia a todas as perguntas possíveis. Victor beijou meu rosto e me levou até um quarto de hóspedes no final do corredor, onde eu poderia tomar banho e me arrumar para a festa.
***
Tomei banho e coloquei meu vestido. Daniel havia acertado mais uma vez. O vestido preto era chique e casual na medida certa. As mangas levemente transparentes cobriam meus braços e o decote era discreto, mas suficiente. Calcei meus sapatos de festa pretos e prendi metade do meu cabelo curto em um coque despojado no topo da cabeça. O batom vermelho para ocasiões especiais deu mais uma vez o toque final. Victor bateu na porta assim que eu fiquei pronta.
Prendi a respiração assim que o vi. Droga, ele era o homem mais lindo que eu já tinha visto na vida. Victor usava calça jeans escura, camisa social branca e um blazer preto que o deixava mais sexy do que em qualquer outra situação. Perdi a fala por mais alguns segundos, e pela forma como o olhar dele percorreu todo o meu corpo, ele também não sabia o que dizer.
— Aprovada? – perguntei indicando meu visual. Ele fez que sim com a cabeça ainda tentando formar palavras.
— Mais do que aprovada, princesa. Você está absolutamente maravilhosa. – ele disse e eu sorri em agradecimento.
— Você também está lindo, Bellini. – ele me ofereceu o braço e descemos para o
segundo andar em direção à festa. — Como foi a conversa com seu pai?
— Ainda não aconteceu. Eu não fui até ele.
— Victor! – repreendi. — Ele não vai gostar nada disso.
Victor deu de ombros e chegamos na sala onde a festa já estava acontecendo. Garçons circulavam de um lado para o outro com taças de espumante e canapés, uma cena que achei que só acontecia em filmes ou novelas do Manoel Carlos. Eu ri sozinha, lembrando-me que Helena havia me contado que tinha sido batizada justamente em homenagem às muitas Helenas da teledramaturgia brasileira.
Fui apresentada a diversas pessoas, entre familiares e amigos da família. Percebi o espanto, especialmente dos familiares, por Victor ter levado uma mulher até a casa dos pais. Aparentemente, ele nunca tinha levado ninguém. No fundo, eu me senti feliz por ter sido escolhida, ainda que sejamos somente amigos. Aquilo significava que ele realmente confiava em mim.
Logo após o jantar ser servido, eu e Victor estávamos próximos ao jardim conversando sobre como eu transformaria Helena Brikman em Helena Fritz, quando o Dr. Bellini se aproximou seguido de um homem.
— Filho, este é Germano Goulart, o diretor do Hospital de quem te falei mais cedo. – Dr. Bellini começou preferindo fingir que ele e Victor já tinham conversado. — Germano, esse é meu filho Victor, de quem te falei. Ele vai terminar a residência em Neurologia no meio do ano que vem. E esta é Elisa, amiga dele.
— Muito prazer, sr. Goulart. – Victor cumprimentou. Apertei também a mão do diretor. Victor parecia completamente desconfortável na mesma hora.
— Victor, eu e seu pai somos velhos amigos. Devo muito a ele. – Germano começou. Aquilo não estava indo por um bom caminho. — Como um favor a seu pai, queria convidá-lo para ingressar em nosso corpo médico após a sua formatura. Obviamente que você não precisaria ar por nenhuma etapa do processo seletivo, sua vaga já está assegurada. – O Sr. Bellini e Germano sorriam, parecendo felizes com aquela notícia. Victor murchou ao meu lado e eu senti um incômodo crescente ao presenciar a situação.
— Agradeço, sr. Goulart, mas eu realmente acho que… – Victor tentou se explicar, mas foi interrompido pelo pai.
— Ele vai adorar fazer parte da equipe, Germano. Victor vivia me falando que o sonho dele era trabalhar em um grande hospital, com recursos pra pesquisas e tratamentos experimentais.
Eu sabia que o certo era me abster e ficar calada. Acabei de conhecer o Dr. Bellini e não queria desrespeitá-lo, mas aquela situação me causava uma sensação tão ruim que quando dei por mim, já tinha começado a falar.
— Desculpem por me intrometer – comecei. O que eu estava fazendo? Eu e minha maldita boca grande. — Mas o Victor é o melhor residente que o Hospital de Itaperuna já teve. Eu comecei recentemente por lá e já ouvi elogios que vão desde a direção do hospital até os funcionários da limpeza. – os três estavam em silêncio me ouvindo. Aquilo me deu forças para continuar. — Ele se dedica muito, estuda horas e horas por dia e trata dos pacientes com a humanidade que
já vi faltar em muitos médicos. Quando ele ainda era só um estudante de terceiro período, participou de um estudo preliminar que rendeu um prêmio para a Universidade. Antes de escolher uma especialidade, os três melhores médicos do Hospital o convidaram pessoalmente. Eu soube pelo resto da equipe, que ele é o único médico naquele Hospital que recebeu uma avaliação de atendimento com nota máxima por todos os pacientes que já atendeu. – encarei Victor por um segundo e ele parecia petrificado. — Então, peço desculpas aos senhores, mas o Victor não precisa de uma vaga como um favor. O seu Hospital, sr. Goulart, é que seria imensamente grato por ter um médico como ele na equipe. – antes que eles pudessem me responder qualquer coisa, pedi licença e saí. Eu precisava de uma taça de espumante urgente. Do mais forte possível de preferência.
Victor
O que acabou de acontecer??????????????????
— Com licença. – pedi e fui atrás de Elisa. Rodei a sala e o jardim atrás dela e nada. Quando estava prestes a desistir, subi para o segundo andar e entrei no meu quarto. Elisa estava em pé na sacada, observando as luzes noturnas da Lagoa. Quando percebeu minha presença, virou-se.
— Victor, por favor, desculpe-me. Eu não sei onde estava com a cabeça pra me meter daquele jeito.
Eu caminhei calmamente até ela e sem que ela esperasse, a puxei em minha direção e abracei com força. Pude sentir a surpresa percorrendo seu corpo. Por essa garota, eu já tinha absoluta certeza que estava disposto a abrir mão de todas as minhas convicções sobre relacionamentos. Eu sabia que eu estava me apaixonando por ela e precisava pensar no que fazer com relação a isso.
— Obrigado. – eu falei enquanto ela retribuía meu abraço. — Ninguém nunca me defendeu desse jeito. Obrigado, obrigado.
Antes mesmo que nosso abraço terminasse, vi meu pai parado em pé na porta do quarto nos observando. Quando ele viu que eu percebi, fechou a porta atrás de si e se aproximou.
— Filho, podemos conversar?
Segurei a mão de Elisa e fiz que sim com a cabeça. Eu sabia que dessa conversa só poderia vir uma briga daquelas que terminaria com ele dizendo o quanto estava decepcionado.
— Eu queria… te pedir desculpas. – desculpas? O que estava acontecendo? Eu nem sabia que Nestor Bellini conhecia essa palavra. — Às vezes eu me precipito tentando te dar o melhor possível e acabo cometendo erros. – ele parecia verdadeiramente arrependido. – Certas vezes, precisamos de um puxão de orelha para voltar à realidade. – ele agora encarava Elisa, que sorria timidamente em resposta. — Queria que soubesse, filho, que tenho muito orgulho do homem que se tornou. Conversei com Germano e ele disse que se você estiver interessado em participar do processo seletivo no ano que vem, será um prazer te receber como candidato.
Eu não pude deixar de abrir um sorriso. Senti meus olhos marejarem e pela primeira vez em muito tempo, senti-me leve.
— Obrigado, pai. – respondi e ele na mesma hora abriu os braços. Dei um abraço apertado e senti uma felicidade diferente.
Tudo aquilo por conta de Elisa. Depois que nos beijamos na comemoração de sua aprovação no estágio, eu tinha certeza de que nenhuma outra garota teria chance. Agora, depois disso tudo, tenho certeza de que ela é a mulher da minha vida. A merda é que éramos apenas amigos.
***
A festa continuava bem animada. Eu e Elisa dançamos cercados por casais de 50 anos. Perto das 21h encontramos Sofia, a irmã gêmea do Rafael, bebendo espumante sozinha no jardim. Aproveitei para apresentar Elisa.
— E aí, Sofia? – aproximei-me cumprimentando com beijos no rosto. — Elisa, essa é Sofia, irmã do Rafa.
— Oi! – elas se cumprimentaram animadas.
— Como foi o intercâmbio? – perguntei. Sofia era médica também, como todos da família. Tinha acabado de voltar de 1 ano de intercâmbio na Suécia onde começou a residência em obstetrícia.
— Ah, foi maravilhoso, Victor. Você não faz ideia do tipo de equipamento que eles têm lá. Eu consegui até participar de um parto de gêmeos siameses. No próximo semestre, se tudo correr bem, volto pra Itaperuna. E meu irmão? Continua dando trabalho? – ela perguntou. Elisa e eu rimos.
— Rafael não tem jeito, você sabe. Mas essa psicóloga aqui – apontei para Elisa. — Vem colocando todos nós na linha.
— Ah é? – Sofia perguntou interessada. — Então, com licença, pois quero muito saber mais sobre isso. – eu sorri e deixei as duas conversarem, enquanto circulava pela sala falando com mais conhecidos.
Quando o último convidado foi embora, olhei para o relógio e vi que já era mais tarde do que o previsto.
— Elisa, acho que vamos ter que pegar a estrada só amanhã. Já são onze da noite. – ela conferiu a hora no celular e também se surpreendeu.
— Caramba, eu nem vi o tempo ar. Mas amanhã temos plantão no Hospital, Victor. Pegamos às 9h. – ela comentou.
— Podemos acordar umas 6h e ir direto, o que acha? – perguntei. Elisa concordou com a cabeça.
Subimos para o segundo andar, onde o quarto de hóspedes já estava preparado para ela. Nos despedimos com um rápido boa noite e segui para o meu quarto. Estava exausto, mas feliz. Há muito tempo não ava horas tão agradáveis na companhia dos meus pais.
O único problema daquela noite era saber que Elisa estava a somente dois cômodos de distância e que eu daria tudo para que ela estivesse aqui nos meus braços.
***
No dia seguinte, acordei com o despertador tocando às 5h30 da manhã. Levantei disposto e bem-humorado só por saber que Elisa estava por ali. Abri o chuveiro e enquanto esperava a água aquecer, escovei os dentes. Tomei um banho
relaxante e saí do banheiro com a toalha amarrada na cintura ao ouvir alguém batendo na porta.
— Victor, será que conseguimos ar na minha casa antes de… – Elisa desatou a falar assim que a porta se abriu. Ela interrompeu a fala e ficou por alguns segundos encarando meu abdômen. Eu sorri, feliz por causar aquela reação. — Hum… Eu estou sem blusa pra ir trabalhar, porque acabei de derrubar suco de uva. Queria saber se a gente podia ar na minha casa antes de ir pro hospital.
— Acho que vai ficar muito apertado, Elisa… – respondi, enquanto conferia as horas no celular. Elisa vestia uma calça jeans e uma blusa clara com uma enorme mancha roxa. Segurei o riso. — Entra aí que eu tive uma ideia.
Abri espaço e deixei que ela entrasse no quarto, enquanto me dirigia para o closet. Peguei uma blusa preta de manga.
— Toma, coloca essa blusa minha. Tenho certeza de que nem vai dar pra reparar. – joguei a blusa na direção dela. Ela agarrou e analisou por alguns instantes.
— Victor, tá maluco? Eu não sou um tamanho 36 nem nada, mas isso aqui vai me engolir.
— Ah, é só dar uma dobradinha na manga e colocar por dentro da calça. Ninguém vai perceber
Elisa itiu a derrota e saiu com a blusa em direção ao quarto de hóspedes.
Vinte minutos depois nos encontramos no hall de entrada da casa prontos para sair. Ela colocou minha blusa preta e continuou linda como sempre, mas tenho de itir que não ficou tão discreto quanto imaginei que ficaria. Nos despedimos dos meus pais ontem à noite antes de dormir, já que quando saíssemos, eles ainda estariam dormindo.
Fizemos uma viagem tranquila, sem trânsito na maior parte do percurso. Nem eu nem Elisa tocamos no assunto do nosso quase beijo ontem de tarde. Talvez fosse melhor assim, não podíamos colocar tudo a perder.
Estacionamos no Hospital faltando exatamente dez minutos para às 9h. Alguns outros residentes e enfermeiros chegavam naquele mesmo horário e avam por nós cumprimentando. Olhares surpresos em direção a mim e Elisa logo se transformavam em sussurros que eu não conseguia escutar. Quando entramos pela portaria de funcionários e amos pelo refeitório lotado, senti-me de volta ao Ensino Médio. Os burburinhos frenéticos cessaram assim que colocaram os olhos na gente.
— Eu disse que vir com essa blusa ia ser uma péssima ideia. – Elisa comentou para que só eu pudesse ouvir. — Agora todos estão achando que dormi com você.
— E isso seria tão ruim assim? – perguntei como quem não quer nada. Percebi Elisa ficar vermelha ao meu lado.
— Para de palhaçada, Victor.
— Ah, vamos deixar esses fofoqueiros falarem. Se eles querem motivo, vamos
dar. – eu disse.
No mesmo momento, coloquei um braço nos ombros de Elisa e seguimos andando pelo refeitório enquanto todas as cabeças viravam na nossa direção. Eu sabia que aquilo ia se espalhar rapidinho nos corredores daquele hospital, mas pra falar a verdade eu não dava a mínima. Sentia-me o cara mais sortudo do mundo de estar andando do lado da mulher mais linda do Hospital.
Quando saímos do refeitório e eu olhei para trás, vi André encostado no canto direito com uma cara de poucos amigos. Ele me fulminava com o olhar, o que só me fez trazer Elisa para mais perto.
Elisa
Eu não acredito que tinha deixado Victor me convencer que seria uma boa ideia usar uma blusa dele para vir ao Hospital. Mas também não era como se eu tivesse escolha, era isso ou vir manchada de roxo parecendo uma berinjela ambulante. Assim que saímos do carro, as fofocas começaram e quando entramos no refeitório dos funcionários, foi como se 50 cabeças virassem na nossa direção ao mesmo tempo. Incluindo as do Thiago, Daniel e Gustavo que tomavam café juntos numa mesa. Não me entenda mal, eu adoro fofoca. Eu só não gosto quando eu estou no centro dela.
— Ah, vamos deixar esses fofoqueiros falarem. Se eles querem motivo, vamos dar. – Victor falou e ou um braço nos meus ombros como se fôssemos um casal de namorados.
Meu corpo inteiro se arrepiou conforme andávamos em direção ao corredor. Era como se o refeitório inteiro tivesse mergulhado num silêncio absoluto. Assim que chegamos no corredor e fechamos a porta, o burburinho recomeçou. O dia seria longo.
Me despedi rapidamente de Victor com um beijo na bochecha e combinamos de voltar juntos no final do dia. Segui para o vestiário feminino onde encontrei Helena trocando de roupa.
— Bom dia, Elisa. Acabei de ficar sabendo que você e Victor fizeram uma entrada triunfal no refeitório. – ela disse abafando um risinho e olhando minha blusa. — Quer dizer que finalmente se renderam?
— Claro que não. Eu te disse que ele não me vê desse jeito. – comecei enquanto abria o armário para pegar meu jaleco. — O Victor que tá de palhaçada. Tudo por causa dessa blusa. – bufei. — Eu derrubei suco de uva na minha camiseta e precisei pegar uma blusa do Victor emprestada. Agora o hospital inteiro acha que nós tivemos uma noite de amor ardente. – falei e imediatamente me arrependi, porque minha imaginação voou com imagens que eu realmente gostaria que tivessem acontecido. Aqueles braços me pegando no colo, tirando minha roupa, beijando-me e eu…
— Elisa? Você está me ouvindo? – Helena me despertou. — Precisamos ir. André quer ver nossos primeiros relatórios sobre os pacientes.
Pegamos nossos materiais e saímos em direção à sala de reunião. Assim que entramos, André já estava lá parecendo tremendamente mal-humorado.
— Bom dia, senhoritas. – ele disse. — Semana ada combinamos que hoje discutiríamos nossas ideias para o início da pesquisa, agora que já temos a lista dos pacientes participantes.
André e Helena apresentaram suas respectivas ideias de exames e procedimentos para coleta dos dados. Abri meu relatório para começar a apresentar as minhas próprias. ei a semana inteira estudando profundamente sobre os testes e lendo artigos científicos internacionais que apontavam o uso bem-sucedido deles em casos de lesão frontal.
— Bom, eu li muitos artigos sobre lesões frontais e funcionamento executivo e a partir do conceito da Diamond, escolhi 3 tarefas principais. – disse enquanto pegava na pasta três folhas que exemplificavam as tarefas. — O primeiro é o
Teste dos 5 Dígitos, amplamente usado na literatura para analisar a inibição e a flexibilidade. – expliquei mostrando a primeira folha. — O segundo é o Paradigma de Stroop, que também corrobora para verificar o controle inibitório… E por último, –peguei a terceira folha. — Uma tarefa Go No Go, que além da inibição, também consegue determinar o tempo de reação dos pacientes. – concluí animada.
— Tem certeza de que você se dedicou o suficiente nessa pesquisa, Elisa? – André disse e eu mal consegui responder. — Porque essas três tarefas me parecem fazer exatamente a mesma coisa, então qual seria o objetivo?
— André, tenho certeza de que as… – tentei argumentar e fui interrompida.
— Da próxima vez, talvez seja melhor estudar mais sobre testes neuropsicológicos. Mas imagino que seu final de semana deve ter sido agitado. – ele completou.
Que babaca. Eu juro por Deus que queria dar um tapa na cara desse filho da mãe machista. Mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa, Helena saiu em minha defesa:
— André, acho que Elisa deve entender mais de testes neuropsicológicos do que eu e você. Se ela acha que é pertinente aplicar as 3 tarefas, não vejo por que não.
Eu queria abraçar Helena. Ela nem imaginava o quanto ter dito aquilo significava pra mim. André fingiu que não a escutou.
— Helena, você poderia, por favor, verificar rapidamente o paciente do leito 1505? Enquanto isso, eu e Elisa vamos analisar detalhadamente as 3 tarefas que ela propôs. – ele falou. Helena se levantou e com um olhar de apoio na minha direção, saiu da sala de reunião.
André se levantou e se sentou na cadeira vazia ao meu lado, onde Helena se encontrava. A sensação de incômodo comum quando eu estava na presença dele, mais uma vez cresceu.
— Elisa, desculpe se fui grosseiro. Estou tendo um dia ruim e talvez tenha descontado em você. – ele se desculpou. Tarde demais. — De qualquer forma, se precisar de ajuda com a escolha dos testes, saiba que estou à disposição pra qualquer coisa, ok? – ele disse e colocou a mão na minha coxa. Fiquei enojada e sem reação. Não consegui dizer ou fazer nada. — Podemos fazer um ótimo trabalho juntos, Elisa. Sei o quanto você batalhou para estar aqui. Você não quer desperdiçar essa chance, não é?
Eu tinha a sensação de que aquilo soava como uma ameaça. A mão dele permanecia na minha coxa e ele, inclusive, atreveu-se a movimentar os dedos numa carícia. Sentia-me suja. Depois do que pareceram horas, consegui me levantar. Não respondi ao comentário de André.
— Com licença. – pedi e saí da sala começando a sentir meus olhos arderem com as lágrimas que queriam escorrer.
Eu deveria ter feito alguma coisa. Por que não fiz nada? Fiquei lá sentada, deixando-o alisar minha perna como se estivesse tudo bem. A culpa é minha. A culpa é minha. A culpa é minha.
Mas aquela era a chance que eu esperei durante anos. Eu sonhei com esse hospital durante a minha graduação inteira.
ei correndo pelo corredor, sem olhar para ninguém e entrei no banheiro feminino. Entrei em uma das divisórias e me sentei respirando fundo. Alguns minutos depois saí da cabine e encontrei Helena lavando as mãos na pia. Ela percebeu que algo estava errado assim que colocou os olhos em mim.
— O que houve? – dei de ombros, não querendo falar sobre aquilo. — Elisa, a gente não se conhece há tanto tempo assim, mas eu sei que alguma coisa aconteceu só de olhar pro seu rosto.
— Eu não sei, Helena… pode ser coisa da minha cabeça. – falei.
— Tudo bem, vamos conversar e analisamos juntas se é coisa da sua cabeça ou não, que tal? – Ela sugeriu se aproximando de mim.
— O André. Eu sinto que ele não se interessa por mim da forma como deveria. Às vezes, parece… que ele a dos limites.
— Como assim, Elisa? – ela me perguntou. Abaixei os olhos.
— Eu acho que ele dá em cima de mim. – atenuei. Senti um bolo crescer na minha garganta e antes que eu conseguisse controlar, as palavras escaparam. — Ele me assediou, Helena. Ele acariciou a minha coxa e deu a entender que me deixaria em paz se eu me interessasse por ele de alguma forma. – Helena
arregalou os olhos assustada.
— Meu Deus, Elisa. Isso com certeza não é coisa da sua cabeça. A gente precisa falar com alguém.
— Não! – recusei de imediato. — Eu tenho medo de perder a chance aqui no Hospital, Helena.
— Mas isso não pode ficar assim. Eu vou com você. Vamos ao RH conversar com alguém e ver o que eles têm a dizer.
— Eu não sei…
— Por favor, Elisa. Pensa que isso pode não só estar acontecendo com você, mas com várias outras mulheres. E se não parar agora, vai parar quando? – Helena tinha razão. Eu precisava ter coragem. Assenti com a cabeça.
***
Victor: O q aconteceu?? Te vi ar correndo
Vi a mensagem do Victor no meu celular assim que me acalmei. Helena me esperava apoiada na pia para irmos juntas até o setor de Recursos Humanos. Olhei meu rosto vermelho no espelho e joguei água gelada para tentar amenizar.
Peguei o celular e respondi a mensagem.
Elisa: Dor de barriga
Respondi simplesmente. Eu não queria mentir, mas conhecia Victor o suficiente pra saber que ele iria tirar satisfações com André assim que eu contasse. Dor de barriga era uma ótima desculpa, ninguém questionava dor de barriga.
Victor: Tem ctza? Vi vc saindo da sala de reuniões
Ninguém, exceto Victor Bellini aparentemente.
Elisa: É, precisei correr pro banheiro … deve ter sido algo que comi ontem
Apertei “enviar” e encarei minha amiga pronta para tomar uma atitude pelo que estava acontecendo. Seguimos juntas até o elevador e subimos para o quinto andar. A sala de Recursos Humanos ficava no final do corredor. Cada o que eu dava me sentia ainda mais tensa.
— Quer que eu entre com você ou te espere na porta? – Helena perguntou.
— Acho que é melhor eu entrar sozinha. – Helena assentiu. Bati na porta e um homem por volta dos 40 anos me recebeu. No crachá pendurado no pescoço, liase Ronaldo Azevedo, Analista de Recursos Humanos.
— Boa tarde. Como posso te ajudar? – ele me perguntou e indicou a cadeira à frente da sua mesa.
— Boa tarde, Sr. Azevedo. Meu nome é Elisa e eu sou estagiária de psicologia no departamento de Neurologia – apresentei-me. Ele digitava algo no computador ao mesmo tempo. — Eu gostaria de informar sobre o comportamento inadequado de um colega de trabalho. – falei de uma vez antes que perdesse a coragem. Os olhos do homem pausaram em mim por vários segundos.
— Que tipo de comportamento?
— Assédio. Ele marcou um estudo comigo um dia e quando eu cheguei, mais parecia um encontro. E hoje, ele acariciou minha coxa e deu a entender que só me levaria em consideração caso eu me interessasse afetivamente por ele.
— Quem foi o funcionário, senhorita?
— André Pimentel. – o homem digitou mais uma série de coisas no computador e deteve-se nela por alguns segundos. Ele, em seguida, tirou os óculos e juntou as mãos na mesa me encarando. Só pelo olhar eu sabia que tinha dado tudo errado.
— Elisa, pelo que vi aqui, você ainda não tem 1 ano de issão no Hospital, correto? – assenti. — Quando você veio para o estudo com o Dr. Pimentel, ele te obrigou de alguma forma a sair com ele? Seja de forma verbal ou física.
— Não, mas eu me senti… – tentei me justificar.
— Olha, eu acredito que talvez você possa estar interpretando as coisas de maneira errada. Imagino que para uma jovem como você, receber a atenção de um médico seja diferente, mas o Dr. Pimentel provavelmente só está querendo fazer com que você se sinta em casa aqui no Hospital.
— Tudo bem, mas eu não acho que seja certo… – ele me interrompeu novamente.
— Se a senhorita fizer questão, podemos fazer o registro de uma ocorrência formal agora mesmo. Mas eu acho que só quem perderia com isso é você. – eu engoli em seco. Frustrada, irritada e me sentindo silenciada de todas as formas. — Eu te recomendaria deixar isso pra lá e seguir em frente. Você ainda tem muitas oportunidades a trilhar aqui no Hospital.
— Obrigada. – eu respondi seca e saí da sala. Helena ainda me aguardava ansiosa do lado de fora.
— E aí? Como foi? – eu só balancei a cabeça negativamente.
— Vamos só fingir que todo o dia de hoje nunca aconteceu, tá bom?
— Elisa, não podemos… – ela tentou argumentar.
— Não, Helena, chega, por favor.
Eu respirei fundo mais uma vez e segui em direção ao refeitório. Eu precisava urgentemente de um café.
Victor
Eu estava conversando com o enfermeiro de plantão quando vi Elisa ar correndo com o rosto vermelho. Ela tinha saído da sala de reunião. O que será que tinha acontecido? Digitei uma mensagem para ela quando vi André saindo da mesma sala em que Elisa estava.
Na mesma hora senti meu sangue subir. Se aquele filho da puta tivesse feito alguma coisa com ela… Eu não responderia por mim.
Alguns minutos depois, Elisa respondeu minha mensagem. Disse que estava com dor de barriga. Não me convenceu muito, mas não insisti. Pelo menos dessa vez eu vou deixar ar. Mas espero que se for algo grave, ela fale comigo.
No dia seguinte, meu plantão começou cedo. Segui para as rondas habituais dos meus pacientes internados. Naquele dia, Rafa, Gusta, Thiago e eu tínhamos marcado de almoçar no restaurante da rua. Coincidentemente, estávamos de plantão juntos, o que era uma oportunidade raríssima. Perto de 13h, segui para o restaurante encontrando os três numa mesa ao fundo. Sentei-me na cadeira vazia.
— Victor, se liga nessa parada. Meu aniversário já é nessa sexta – Rafa começou — e eu pensei em fazer uma social lá na república. Chamar uma galera aqui do Hospital e o pessoal lá da vizinhança.
Quando Rafael falava em social, ele queria dizer festa para, pelo menos, 40 pessoas.
— Posso levar o Dani? – Gusta perguntou. Rafael deu um tapa nas costas dele.
— Que pergunta idiota é essa, brother? Ele é teu namorado, claro que você pode levar. – respondeu. — Minha irmã vai tentar vir também, aproveitar que até o final do ano tá de bobeira.
— Vou falar com a Elisa. – comentei.
— Por falar nisso, posso saber que showzinho foi aquele ontem de manhã no refeitório? – Thiago perguntou.
— Que showzinho? – Rafa indagou curioso.
— Não foi nada. Todo mundo estava fazendo fofoca porque Elisa veio com uma blusa minha pro Hospital. Então falei que se queriam fofocar, iríamos dar motivo. – expliquei dando de ombros.
— E que história de blusa é essa? Vocês finalmente transaram? – ele perguntou.
— Claro que não. Ela derramou suco na blusa e não tinha outra. Estávamos em cima da hora pra chegar no Hospital, então ela veio com uma minha. Foi só isso. – todos me olhavam desconfiados. — Somos apenas amigos, porra.
— Então tudo bem se eu chegar nela na festa? Porque ela é gost… – Fritz começou e eu interrompi antes mesmo que ele concluísse o raciocínio, já dominado por uma fúria incontida.
— Você não é nem maluco. – eu disse e os três caíram na gargalhada.
— Relaxa, Bellini. Tava só tirando uma onda com a sua cara. – Rafael disse. — Elisinha é como uma irmã mais nova pra mim. E além do mais, vocês são feitos um para o outro, só não sabem ainda.
A merda era que eu sabia.
— Aproveita e fala pra ela que tá me devendo a amiga gostosa. Se ela quiser me dar um presente de aniversário, pode ser isso. – ele falou. O nome de Helena brotou na minha mente na mesma hora.
— Na verdade, Elisa tem planos maiores pra você. Ela ficou amiga de uma enfermeira que aparentemente tem uma quedinha por você e agora o objetivo de vida é tornar vocês dois um casal.
— Rafael Fritz sendo casal com alguém? – Gusta riu. — Essa é boa.
— A enfermeira é gostosa? – Rafa perguntou, bebendo um gole do suco.
— Vamos dizer que é bem o seu estilo. – expliquei.
— Então fala pra Elisinha que se ela não levar a garota pra festa, nossa amizade está acabada.
***
Quando voltamos do almoço, Dra. Isabel convocou todos os residentes de neurologia para uma reunião. Tínhamos que mostrar nossos relatórios iniciais dos pacientes da pesquisa. Eu tinha conseguido coletar dados de cinco pacientes. Três deles se lesionaram em acidentes de trânsito: um era pedreiro de obra e caiu em cima de um andaime e a última era uma mulher com sequelas pós AVC.
Entrei na sala de reuniões e encontrei André e Isabela sentados aguardando a Dra. Isabel. Assim que entrei, André mudou a postura e assumiu uma expressão petulante.
— Boa tarde. – cumprimentei seco e sorri para Isabela.
— Boa tarde, Bellini. – André respondeu. — Aproveitando o momento, estava querendo te perguntar há algumas semanas, mas não tive a oportunidade. Você e Elisa…? – ele perguntou.
Eu queria mentir. Queria dizer que eu e Elisa éramos namorados. Noivos até. Qualquer coisa pra afastar esse desgraçado dela. Mas eu não podia mentir. Elisa me mataria.
— Somos amigos. – respondi seco.
— Hum… Que boa notícia. – ele disse. — Senti que eu e Elisa temos muito em comum, e que ela está interessada em mim. Pensei em convidá-la pra sair, mas queria ver com você primeiro. Não faltaria com respeito a você, claro. – engoli em seco. Queria dar um soco naquela cara imbecil dele.
Será que Elisa realmente estava interessada naquele idiota? Ela tinha me dito que não se sentia bem perto dele. Senti meu coração afundar no peito. Nunca tinha me sentido desse jeito. Minha vontade era ir embora daquela sala e só voltar na semana que vem.
— Boa tarde, senhores. – Dra. Isabel disse entrando na sala e se sentando na frente da mesa. — Vamos ver como nossos pacientes estão indo?
Concordamos com a cabeça e começamos a apresentar. Isabela foi a primeira, ela vinha fazendo um ótimo trabalho no Hospital. Os pacientes a adoravam. Logo em sequência, André apresentou. O tom prepotente durante toda a apresentação só demonstrava o quanto ele se achava superior. Por último, apresentei meus cinco casos. Dra. Isabel parecia satisfeita quando terminei.
— Muito bem, pessoal. Vamos às minhas considerações. – ela disse levantando a voz. — Isabela, excelente trabalho com os casos pós traumatismo craniano, continue nesse caminho, precisamos do maior número de dados possíveis. – ela se virou para André. — André, como acordamos na primeira reunião da pesquisa, todos os pacientes precisam realizar a ressonância magnética, não só os que você julga necessário. Peço que, por favor, refaça os relatórios e dessa vez acate às minhas ordens. – senti a mandíbula de André trincar ao meu lado e não pude conter uma sensação de satisfação. — Victor, gostaria de poder pegar estes relatórios e colocar numa moldura. Estão excepcionais, continue assim. –
ela disse e sorriu na minha direção. Senti o olhar de André sobre mim sem nem precisar virar em sua direção. Ele estava com ódio. Bom, a recíproca era verdadeira.
Quando a reunião acabou e saímos da sala, ele se aproximou de mim e falou para que somente eu ouvisse:
— Mande um beijo pra Elisa. – quando me virei e o encarei, ele completou. — Ou melhor, pode deixar que eu mesmo dou em breve.
Eu ia matar esse filho da puta.
***
O resto da semana ou voando. Quando vi, já era sexta-feira, dia da famosa festa de aniversário do Rafael. Todo mundo no Hospital só falava disso. Eu andava meio desanimado, tinha muito trabalho nos últimos dias.
Estava andando distraído pelo corredor do HU, quando avistei Elisa usando um computador na sala de informática. Ela estava lendo um livro, enquanto esperava algumas folhas serem impressas. Resolvi entrar para falar com ela. Assim que ela me viu, abriu um sorriso e fechou o livro que estava lendo. Aquele sorriso me fazia sentir como se todo o meu mundo estivesse finalmente completo.
— Oi, sumida! O que você está fazendo? – perguntei, enquanto puxava uma cadeira para o lado dela. Automaticamente, coloquei meu braço no encosto da
cadeira de Elisa e comecei a acariciar seus cabelos. Ela não reclamou, então continuei.
— Estou sentada aqui há horas esperando esses testes serem impressos. Quero já deixar tudo pronto para segunda-feira. Preciso fazer tudo na maior perfeição para que o André não reclame. – ela me respondeu. Alguma coisa no tom de voz dela quando falava do André me incomodava.
— Elisa, tudo que você faz é perfeito. Não se preocupe com isso. Aliás, seu amigo André perguntou de você hoje… – eu falei tentando averiguar se ela, de fato, tinha algum interesse naquele babaca.
— Não somos amigos. – ela respondeu de forma curta, enquanto revirava os olhos. Ótimo, ela realmente parecia detestar o cara tanto quanto eu. — Animado para a festa mais tarde? Dani já escolheu meu look. Disse que estarei deslumbrante. – ela brincou, imitando o jeito de falar do amigo.
— Estou mais animado sabendo que você vai. Mal posso esperar para ver o que o Dani preparou para você vestir… embora tudo em você fique perfeito. Até uma blusa masculina com alguns números maiores.
— As pessoas no hospital não param de falar sobre isso. Mal cheguei aqui e já sou assunto pelos corredores. – Elisa disse.
— Isso te incomoda? Eles acharem que estamos juntos? – perguntei, mesmo com medo da resposta que eu iria ouvir.
— Na verdade… não. Incomoda você? – respirei aliviado.
— Elisa, eu nunca me incomodaria de ser confundido com seu namorado. – eu disse olhando dentro de seus olhos. Ela ficou vermelha na hora. Será que ela também vinha se sentindo do jeito que eu me sentia?
— Cuidado, Bellini, você vai perder a fama. As pessoas vão começar a achar que você não é mais o mesmo de antes. – ela brincou.
— Mas eu realmente não sou mais o mesmo de antes. Na verdade, eu… – quero você. Era o que eu queria dizer, mas não disse.
A impressora apitou sinalizando que todas as páginas tinham sido impressas. Elisa se levantou e eu me levantei junto. Ela pegou as folhas e, fomos seguindo em direção à porta.
— Victor, tudo bem se eu levar a Helena hoje no aniversário do Rafa? Você acha que ele ficaria chateado? – ela perguntou quando chegamos ao corredor.
— Na verdade, talvez eu tenha adiantado esse assunto com ele um pouco. Ele disse que ou você leva sua nova amiga gostosa, ou a amizade de vocês está terminada.
— Ótimo. Quem sabe eu não consigo dar mais um o rumo ao meu projeto “Helena Fritz” hoje à noite? – ela disse rindo. — Vejo você mais tarde, Victor!
Eu estava contando as horas para que mais tarde chegasse.
Elisa
— Elisa, você tem certeza de que não tem problema? – Helena perguntou pela milésima vez. Eu tinha marcado de encontrar com ela na porta do HU no horário da nossa saída. Iríamos juntas para minha casa nos arrumar, com a ajuda do Dani, é claro.
— Helena, relaxa. As exatas palavras do Victor foram: “Ele disse que ou você leva sua nova amiga gostosa, ou a amizade de vocês está terminada.” – falei dando ênfase ao gostosa. — Talvez essa seja uma oportunidade de você e o Rafa se aproximarem. Quem sabe? Eu acho que vocês dois têm futuro. – ao ouvir minhas palavras, Helena ficou em uns 50 tons diferentes de vermelho.
Quando me olhei no espelho, depois de algumas horas me arrumando, fiquei sem palavras. Eu nunca, na vida, tinha me sentido tão bonita quanto naquele dia. O vestido que Daniel havia escolhido para mim realmente me deixava deslumbrante, evidenciando todas as minhas curvas nos lugares certos. Helena se mostrou uma excelente maquiadora e fez um ótimo trabalho em meu rosto. Eu estava me sentindo uma verdadeira princesa. Não pude deixar de pensar se Victor iria gostar do resultado tanto quanto eu.
***
Foi difícil achar uma vaga para estacionar a Uno. Rafa havia dito que era apenas uma reuniãozinha, mas devia ter, no mínimo, umas 50 pessoas na república. Do meio da rua já conseguíamos ouvir a música alta que vinha da casa.
— Meninas, prestem atenção. – Dani disse parando na calçada. — Hoje eu serei o motorista da rodada. Podem beber o quanto quiserem que eu prometo levar vocês para casa seguras. Quero ver minhas garotas se divertindo nesta festa.
— Obrigada, Dani. Você é demais! – eu disse animada. Segurei no braço de Helena, que parecia um pouco assustada com a quantidade de pessoas que estavam paradas na varanda da frente, e seguimos em direção à casa.
O balcão da cozinha estava repleto de bebida, com e sem álcool. Na sala, algumas pessoas jogavam sinuca, outras dançavam e outras se beijavam encostadas em um canto da parede. Eu estava me sentindo em um filme adolescente, só que sem adolescentes. Dante dormia tranquilamente em sua casinha, em um canto da cozinha, como se nada estivesse acontecendo à sua volta.
— O Rafa deve estar lá fora, perto da churrasqueira. Vamos lá desejar parabéns para ele. – Eu disse arrastando Helena para área externa da república. Ela praticamente se tremia de nervoso ao meu lado.
A área externa estava igualmente lotada de gente. Um palco improvisado tinha sido colocado em um canto do quintal para que o DJ pudesse animar a festa.
Rafael estava de pé ao lado da piscina conversando com uma menina loira e com Thiago. Senti Helena ficar tensa. Ao me aproximar, vi que a menina era Sofia, sua gêmea.
— Relaxa, Helena. É só a irmã dele. – eu disse para implicar com minha amiga que parecia ter perdido a voz.
— Oi, Rafa! Feliz aniversário. – eu disse dando um abraço no homem que tinha virado meu amigo. Não que eu fosse itir isso em voz alta para ele. — Essa é minha amiga Helena.
— Não sabia que você andava tão bem de amizades assim, Elisinha. Helena… a gente já se conhece de algum lugar? – Rafa perguntou pensativo, olhando minha amiga de cima a baixo.
— É… na verdade... na época da graduação eu participei de alguns atendimentos de cirurgia plástica com você no HU. Eu sou enfermeira. – minha amiga respondeu, claramente nervosa. Ela tinha um crush real no Rafa, embora não itisse.
— Quem sabe mais tarde então a gente possa conversar melhor? Eu adoraria saber mais sobre você. – Helena abriu a boca para responder alguma coisa, mas logo alguém veio puxar Rafa pelo braço. — Sinta-se em casa. Aproveitem a festa, meninas. – ele disse sendo puxado para cumprimentar outras pessoas que estavam chegando.
— Oi, Thiago. Oi, Sofia. Que bom te rever aqui. E feliz aniversário! – cumprimentei os dois. – Depois de conversarmos algumas amenidades, pedi licença e fui procurar Victor. Helena tinha encontrado uma velha amiga de turma e estava colocando o papo em dia.
— VICTOR! – gritei quando avistei meu amigo perto do balcão de bebidas.
— Elisa! – ele se virou na direção da minha voz, com os olhos brilhando e um enorme sorriso no rosto. — Uau. Você tá... Eu nem consigo achar um adjetivo. – disse me dando um abraço apertado e um beijo no rosto. Ele estava lindo também, como sempre. Usava uma calça preta e uma camisa branca simples. E cheirava tão bem. Meu Deus, eu sentia que cada dia que ava, mais eu precisava dele. — Quer uma caipirinha?
— Claro! – respondi. Só a bebida poderia me fazer esquecer todos os pensamentos impuros que avam pela minha cabeça e pior ainda, a forma como meu coração estava acelerado desde que eu tinha colocado meus olhos nele. Pelo menos era o que eu achava.
***
Depois de algumas caipirinhas e uma piña colada maravilhosa feita por Gusta, eu já estava bastante alegre. Achei que era o efeito do álcool no meu sangue quando vi André ar pela porta. O que ele estava fazendo aqui? Virei de costas tentando disfarçar a minha existência. Pareceu funcionar, porque ele seguiu reto e foi em direção à área externa. Eu precisava achar Victor ou Helena e contar que o imbecil do André tinha vindo.
Assim que coloquei meu pé no quintal, notei que era tarde demais. Victor e Thiago estavam discutindo alguma coisa com André. Rafa se juntou ao grupo logo em seguida. Fui andando em direção a eles e cheguei a tempo de ouvir Rafael dizer:
— Cara, você pode ficar enquanto não irritar ninguém, beleza? – André deu um sorriso debochado e saiu de perto do trio, esbarrando em mim no caminho. Ele parou, olhou-me de cima a baixo. Mordeu o lábio e deu um sorriso.
— Boa noite, Elisa. Espero esbarrar em você mais vezes durante essa noite. – ele disse com uma voz (e cheiro) de quem já estava meio embriagado. Eu cerrei meus lábios e André continuou andando em direção à casa.
— Ei, tá tudo bem? – perguntei para ninguém em especial.
— Poderia estar melhor se alguém não tivesse deixado o babaca do André ficar na festa. – Victor respondeu irritado.
— Cara, ele já tava meio bêbado. Não era hora de arrumar confusão. Daqui a pouco ele acha alguma menina interessada nele e vai embora com a pobre coitada. Relaxa, vamos curtir. – Thiago respondeu tentando tranquilizar o amigo.
— O que vocês acham de animar um pouco as coisas jogando verdade ou desafio? – Rafa perguntou. Ele claramente queria aliviar o estresse que a visita inesperada tinha causado. Bom, eu jamais recusaria uma rodada de qualquer tipo de brincadeira adolescente que existia.
— SIM! SIM! SIM! – eu respondi super animada. O álcool me deixava mais desinibida que o normal e eu gostava dessa versão minha.
Caminhamos em direção à sala chamando todos que quisessem participar do jogo para formarem uma grande roda. Umas 15 pessoas toparam participar da nossa brincadeira de adolescente. Arrastamos o sofá para encostá-lo na parede a fim de abrirmos espaço para todos se sentarem no chão.
— Helena, você vai participar também. – eu puxei minha amiga e ela se sentou a contragosto do meu lado. Eu tinha planos nada puros para ela nessa brincadeira.
— Elisa, eu não sei… eu não estou bêbada o suficiente pra isso. – Helena, ao contrário de mim, tinha bebido apenas dois copos de piña colada, com mais leite condensado do que rum.
— Que bom que estar bêbada não é um pré-requisito para jogar esse jogo. – Helena sabia que não dava para discutir com minha versão bêbada, então apenas se sentou ao meu lado e esperou o jogo começar. Assim como da outra vez, Rafa explicou as regras.
— EU GIRO A GARRAFA PRIMEIRO. – gritei.
— Mas eu que sou o aniversariante. – Rafael reclamou.
— Por favor, Rafinha, deixa… – eu pedi fazendo um beicinho.
— Tá bom, Elisinha. Eu não sei dizer não para você. Pode começar.
A garrafa girou, girou e parou com a tampa virada na minha direção. Isso significava que eu seria a pessoa que faria a pergunta. Do lado oposto da garrafa estava ninguém mais ninguém menos que a estrela da noite: Dr. Rafael Fritz.
— Qual vai ser, Fritz? Verdade ou Desafio? – perguntei olhando direto para os olhos dele.
— Desafio, minha cara Elisa. – ele respondeu super confiante. Aquele momento era meu. O que eu poderia mandar Rafael fazer? Eu poderia desafiá-lo a pular sem roupa na piscina, mas ele iria adorar mostrar o corpinho sarado pros convidados. A sorte é que eu tinha o melhor dos desafios planejados.
— Eu desafio você a beijar a garota que mais te atrai nessa roda. – eu esperava que o meu feeling estivesse correto. Mas eu era psicóloga sóbria, ou seja, praticamente uma mentalista quando bêbada. Rafa abriu um sorriso na minha direção compreendendo exatamente o que eu estava fazendo. Ele poderia me agradecer depois.
Rafael se levantou e veio em direção a minha amiga. Estendeu a mão pra ela.
— Conceda-me a honra desse beijo? – disse todo galanteador. Até parece que ele era um cavalheiro.
Helena arregalou os olhos. Talvez ela fosse me matar depois por isso. Mas não importava. Eu ia juntar esse casal era hoje.
— Uuuuuuuuuuuuuuu. – os outros participantes começaram a dizer animados.
— Vai que é tua, Rafa! – alguém gritou.
— Aproveita, amiga! Sortuda! – falou uma menina que eu já tinha visto pelos corredores do hospital algumas vezes.
— Elisa, você está doida? – Helena sussurrou para mim. — O que você pensa que está fazendo? – Ela estava vermelha como um pimentão.
— Amiga, eu não fiz nada demais, ele que te escolheu. Agora vai lá e dá um beijo de cinema nesse médico. Meu casal tá vivíssimo!!! – eu sussurrei de volta. Ou pelo menos eu acho que sussurrei. Eu não controlo muito bem meu tom de voz quando o álcool bate.
Mesmo hesitante, Helena segurou a mão de Rafael. Eu percebi que ela estava tremendo um pouco. Eu tinha certeza de que ela nunca iria esquecer esse dia. Eu era uma excelente amiga. Ajudei minha amiga a beijar o crush dela. Os dois estavam de pé, no centro do círculo. Rafa colocou uma parte do cabelo de Helena atrás da orelha e sussurrou alguma coisa no ouvido dela. Nota mental: perguntar a Helena o que ele disse nessa hora. Ele foi se aproximando cada vez mais da sua boca e deu um beijo daqueles. Todos começaram a gritar e a aplaudir. O beijo durou mais minutos do que o necessário. Ele finalizou o beijo com um selinho e voltou a sentar no seu lugar. Helena também se sentou de novo do meu lado, mas agora ela não conseguia tirar um sorrisinho bobo do rosto. Esses dois com certeza ainda vão ter uma história para contar.
Depois de mais alguns bons minutos jogando, pedi para sair do jogo e fui para o bar buscar uma bebida. Victor tinha saído do jogo bem antes de mim, quando Rafa copiou meu desafio e o desafiou a beijar a menina mais bonita da roda. Ele apenas disse que estava cansado dessa palhaçada, levantou e saiu. Ainda bem. Eu não sei se queria ver Victor beijando outra menina na minha frente. Depois de pegar minha bebida, comecei a andar pela casa procurando por ele.
Fui procurar perto da piscina, mas não vi ninguém conhecido ali. Apenas Thiago, sentado numa espreguiçadeira, conversando com Sofia. Decidi voltar para onde o jogo estava acontecendo. Percebi que André tinha entrado na brincadeira. Escorei-me na parede, com meu copo de caipirinha enquanto assistia ao jogo. Em uma rodada, Gustavo precisou dar em cima de alguém imitando o Silvio Santos e eu não consegui controlar minha risada. Percebi Helena se aproximando de mim.
— E aí, Sra. Fritz! – eu disse mais alto do que imaginava, atraindo um olhar curioso do Rafael em nossa direção.
— Elisa, pelo amor de Deus, lembre-me de nunca mais te contar nada. – ela reclamou. — Você é uma péssima amiga.
— Ah, vai dizer que você não gostou do beijo?
— Claro que gostei. – os olhos dela brilharam instantaneamente. — Mas não precisa ficar gritando aos sete ventos sobre a minha… – ela abaixou a voz. — Atração pelo Rafael.
— Relaxa, Helena. Ele também te acha gostosa, tanto é que te escolheu. Dá pra ver pela forma como ele não para de encarar sua bunda desde que você veio pro meu lado. – indiquei Rafa com a cabeça e ela olhou na direção que apontei, confirmando que ele a encarava. Os dois trocaram um rápido olhar e Helena se virou novamente pra mim.
— Você é completamente doida, sabia? – ela disse e eu ri.
— Eu acho que deveríamos ser melhores amigas. – disse enquanto me equilibrava no braço dela. — O que você acha? Quer ser minha melhor amiga? – ela riu e concordou.
— Somos oficialmente novas melhores amigas.
Sentei no sofá encostado na parede, enquanto continuava observando o jogo. Vi quando Rafa se levantou e desapareceu. Coincidentemente Helena também tinha desaparecido do meu lado. Perdida nos pensamentos sobre meu novo casal favorito, Rafalena, quase não ouvi meu nome sendo pronunciado no jogo. Quando virei a cabeça, reparei que a garrafa apontava de André para mim.
— Elisa – André começou. — Eu te desafio a me beijar. – Todos os olhares se voltaram para mim. Ele só podia estar maluco.
— Eu não estou mais jogando, André. – respondi e comecei a me encaminhar para outra direção longe dele.
— É claro que está. Estava jogando até agora. – ele disse se levantando e vindo até mim.
Olhei ao redor procurando meus amigos e não vi ninguém. Estava começando a me sentir acuada e com o álcool no meu sangue não conseguia reagir direito. André colocou um braço de cada lado do meu corpo, prendendo-me no sofá. Tentei empurrá-lo para o lado, mas ele era muito mais forte que eu. Merda.
Victor
Aquela festa estava sendo uma merda. Aquela brincadeira idiota de verdade ou desafio só me fez lembrar do quanto eu queria beijar Elisa. Não só beijar, eu queria tudo com ela. Precisei sair de perto para espairecer. Peguei uma cerveja no balcão e fiquei observando de longe. Ela não tinha ideia do quanto era linda.
Rafael se aproximou de onde eu estava algum tempo depois.
— Cara, preciso agradecer à Elisinha pelo melhor presente de aniversário. – ele disse se referindo à Helena.
— O beijo foi tão bom que quer repetir a dose? – impliquei.
— Quem sabe? – ele respondeu, sorrindo de lado.
Eu me distraí por alguns minutos enquanto conversava com Rafa. Quando voltei meu olhar para onde o jogo acontecia e Elisa estava sentada, percebi uma movimentação estranha. Um homem andava na direção dela no sofá. Mas o que caralhos…?
Senti todo meu sangue sair do corpo quando percebi que era André. Rafael percebeu a direção que eu olhava. Cerrei meus punhos e atravessei a sala assim que vi aquele filho da puta encurralando Elisa no sofá tentando forçar um beijo. ei no meio da roda daquele jogo estúpido chutando a garrafa para longe.
Elisa tentava afastá-lo, empurrando seu peito, mas ele continuava forçando.
Cheguei no sofá e puxei André pela camisa de uma vez só.
— Sai de cima dela, seu desgraçado filho da puta! – preparei minha mão para um soco, mas antes mesmo que eu pudesse atingir a cara do infeliz, outra pessoa fez o serviço por mim. Olhei para o lado e vi que a mão pertencia a Rafael.
André quase caiu no chão com o golpe. Cambaleou e colocou a mão no rosto que começava a inchar na mesma hora.
— Quero você fora da minha festa AGORA! – Rafael gritou.
Naquele momento, uma multidão de curiosos começava a se formar para observar a briga. André aproveitou a distração e conseguiu sair de fininho da festa. Eu queria matar aquele desgraçado. Se Rafael não estivesse ali, eu não sei se teria conseguido parar de socar a cara dele. Eu odiava André desde sempre, mas vê-lo mexer com Elisa, forçar algo que ela claramente não queria… porra, eu me sentia enlouquecendo.
Observei Elisa ainda meio assustada e meio irritada sentada no sofá. Aproximeime dela, ando meus braços ao seu redor.
— Ei, tá tudo bem? Ele te machucou? – perguntei, enquanto analisava os braços e pernas dela à procura de algum sinal de agressividade.
— Não… Eu só… não sei. – ela respondeu enquanto negava com a cabeça. Eu a puxei em direção ao meu peito e abracei.
— Você quer subir?
— Agora não, não quero que aquele idiota estrague minha noite. – ela se levantou do sofá e puxou minha mão. — Vem, vamos tomar caipirinha.
Elisa me puxou até o lugar onde as bebidas estavam sendo preparadas e pegamos dois drinks. Começamos a beber juntos escorados na bancada da cozinha.
— Você precisa sair da equipe dele, Elisa. – disse.
— Não quero mais lembrar dele hoje, Victor. Podemos deixar isso pra amanhã? – ela falou, visivelmente contrariada com o meu comentário. Às vezes eu sentia que ela estava me escondendo alguma coisa, mas não conseguia saber o quê.
— Eu sei, mas é importante que… – tentei explicar, mas ela me interrompeu, sorrindo e me puxando em direção à pista de dança.
— Chega de papo, Bellini. Eu quero dançar.
Uma música mais lenta e sexy começou a tocar. Elisa me puxou pela gola da blusa para mais perto. Puta merda, ela estava muito gostosa. Coloquei a mão na sua cintura, que rebolava de leve de um lado para o outro. Ela segurou no meu
pescoço e olhou no fundo dos meus olhos, enquanto dançava.
Sentia os quadris dela mexerem sob as minhas mãos e eu nunca tinha ficado tão excitado com tão pouco na vida. Essa mulher me levava à loucura. De repente, ela se virou de costas e encaixou o corpo no meu.
Puta
Que
Pariu
Senti a bunda dela rebolando na minha calça jeans. Meu pau ficou duro quase que instantaneamente. Ela pegou minhas mãos e colocou mais uma vez em volta do seu quadril. Eu era capaz de sentir cada movimento da esquerda para direita que ela fazia. Encostei minha cabeça no vão do seu pescoço tentando me recompor de algum jeito. Mas minha tentativa foi fadada ao fracasso, porque Elisa sussurrou meu nome.
— Victor… – sem conseguir me conter, ei meus lábios pelo seu pescoço nu. Ouvi quando ela gemeu e os pelos se arrepiaram. Porra, eu estava perdendo o controle. Mordi de leve a ponta da orelha dela e fui respondido com um gemido ainda mais alto.
— Elisa… Eu acho melhor… – antes que eu terminasse, algum bêbado idiota tropeçou no cabo de som e entornou todo o copo de cerveja em nós dois.
— Que droga! – Elisa xingou, acordando do nosso momento íntimo na pista de dança.
— Porra, cara, olha por onde anda! – reclamei com o bêbado que nem me ouviu e seguiu andando. — Vem, vamos lá em cima pra gente se limpar. – dei a mão a ela e seguimos em direção ao meu quarto.
Assim que entrei, tirei minha camisa encharcada de cerveja. Elisa se sentou na cama enquanto me observava.
— O que foi? – perguntei.
— Nada. – ela deu um risinho. — Só estava observando como você é gostoso.
Eu dei um sorriso convencido na sua direção e entrei no closet pra pegar outra blusa pra mim e alguma roupa que servisse para ela.
— Elisa, não tenho nada muito apropri… – quando voltei ao quarto, perdi a voz. Elisa estava em pé usando nada além de uma lingerie preta rendada. O vestido sujo jogado no chão aos seus pés. Eu nunca tinha tido uma visão tão maravilhosa na vida. E pela segunda vez naquela noite, senti meu pau ficar duro dentro da calça sem que eu tivesse sequer beijado aquela mulher. Caralho, eu a queria tanto. Nunca quis tanto alguém em toda a minha vida.
— Desculpa, Victor. – Elisa disse, ainda alterada por conta da bebida. — Eu só
queria tirar essa coisa melada do meu corpo.
— Elisa, puta merda, não faz isso comigo… – eu disse, balançando a cabeça, tentando afastar todos os pensamentos que circulavam em minha mente de empurrar o corpo dela contra a cama. Eu só conseguia imaginar todas as maneiras que eu queria transar com ela. Na cama, no chão, no meu box, na bancada da cozinha. Ela se aproximou de mim e colocou a mão no meu peito.
— Eu não aguento mais fingir que não te quero. Chega de ser só sua amiga. – eu mal podia acreditar no que estava ouvindo. Eu também estava cansado desse caralho de amizade. Eu queria que ela fosse minha. — Dane-se trabalho, aposta e aquela palhaçada das regras. Eu tô cansada de te querer todo dia.
Elisa se aproximou com os trêmulos, prestes a me beijar. Eu a desejava tanto, queria aquela boca macia na minha de novo. Queria beijar cada parte do corpo dela, a boca, o pescoço, os peitos, a barriga, tudo. Queria estar dentro dela, sentindo todo o seu corpo grudado no meu. Mas dessa vez eu faria tudo certo, pela primeira vez na vida. Segurei Elisa pelo rosto com delicadeza antes que ela conseguisse me beijar.
— Não, Elisa. Eu não quero que seja assim. – disse e ela parecia magoada. — Não quero que você não se lembre amanhã se eu te beijar agora. – Olhei nos olhos dela.
— Você acha mesmo que eu esqueceria se te beijasse? – Mal sabia ela. — Se você não está interessado, Victor, é só dizer. Não precisa inventar desculpa.
Abri a boca, mas nem tive tempo de responder. Elisa colocou o vestido
novamente e saiu do quarto me deixando sozinho com a sensação de que mais uma vez algo não tinha saído como planejado.
Elisa
A festa do Rafa tinha sido uma loucura. Bebi mais do que devia, participei de um jogo idiota de verdade ou desafio e talvez tenha me declarado pro Victor. Merda, eu com certeza me declarei pro Victor. E ele me recusou, como era esperado. As humilhadas sendo humilhadas novamente.
O sentimento de decepção rapidamente me deixou sóbria. As memórias do André tentando me beijar e depois de Victor me afastando me atingiram com força. Tudo que vinha acontecendo tinha me colocado no limite. Engoli em seco e fui para a área externa à procura de Dani ou Helena. Eu precisava ir embora dali rápido. Sentado em uma espreguiçadeira próxima à churrasqueira, Daniel trocava beijos com Gusta. Aproximei-me.
— Dani, será que a gente pode ir embora? – eu pedi, tentando controlar a voz embargada — Por favor.
Assim que Dani colocou os olhos em mim, percebeu que algo estava errado. Ele se levantou de um pulo e pegou minhas mãos. Gusta se levantou ao seu lado, também notando que algo estava errado.
— Elisa, tá tudo bem? O que houve? – Gustavo perguntou preocupado. Concordei com a cabeça e tentei forçar um sorriso.
— Tá tudo bem sim, Gusta. Só estou me sentindo um pouco mal. Acho que bebi demais. – desconversei. É claro que ele não acreditou, mas também não insistiu.
Dani se despediu de Gustavo com um rápido beijo e uma promessa de que avisaria assim que chegasse em casa. Os dois claramente estavam apaixonados. Se eu não estivesse tão desesperada para ir embora, até poderia ter me sentido mal por separá-los tão cedo.
— Vem, vamos procurar Helena e depois quero saber exatamente o que aconteceu. – meu amigo falou me puxando pela mão.
Avistamos Helena e Rafael conversando próximo ao bar. Os dois pareciam estar se dando bem. Eu estava feliz por Helena, mas também com inveja. Que droga, eu não queria sentir inveja. Era meu objetivo juntar os dois. Pena que meu plano fantasioso de quarteto fantástico tinha ido por água abaixo. Quando íamos nos aproximar, vi que Victor saía do quarto. Ele parecia confuso, triste e procurando por alguém.
Eu até acho que esse alguém era eu. Victor era um bom amigo, mas ele não me queria como mais do que isso. Eu sabia desde o início que não deveria ter levado aqueles flertes à sério. Era só parte de quem ele era.
— Dani, vai você chamar a Helena. Eu vou indo pro carro. – ele acompanhou meu olhar e viu que Victor descia as escadas.
Entrei no Uno e fui mais uma vez atingida pelo turbilhão de emoções daquela noite. Onde eu estava com a cabeça? Eu vinha entendendo errado todos os sinais. É claro que Victor não estava interessado em mim. Ele poderia ter todas as mulheres que quisesse, por que iria querer ficar comigo? E eu ainda fui idiota o suficiente para colocar uma lingerie achando que ele pudesse me achar sexy. Que trouxa. Ele foi claro desde o início que seríamos apenas amigos.
E agora, graças a mim, nem mais amigos seríamos.
***
Chegamos em casa por volta das 1h30 da manhã. Assim que entrei, joguei-me no sofá e soltei as lágrimas que estavam contidas. Helena veio para o meu lado e me abraçou. Eu tinha contado durante o trajeto de carro tudo que tinha acontecido. E por enquanto, só ela sabia também de tudo que eu vinha enfrentando com as constantes humilhações de André no Hospital. Eu tinha optado não falar pra mais ninguém, principalmente porque sabia que todos iam querer intervir e eu já tinha sido rechaçada e humilhada o suficiente no dia que tentei fazer alguma coisa.
Dani abriu o congelador e pegou o nosso pote de sorvete de flocos para emergências. Sentou no chão à minha frente e estendeu uma colher para mim e outra para Helena.
— Acho que hoje é oficialmente um SOS Sorvete, né amiga? – eu concordei com a cabeça enquanto as lágrimas escorriam pelo meu rosto. Eu ainda me sentia um pouco bêbada, o que também explicava o excesso de sensibilidade.
— Eu não acredito que tirei minha roupa na frente dele. – eu balancei a cabeça ainda sem digerir tudo que tinha acontecido.
— Elisa, se ele não te quis, quem perde é ele. – Dani começou. — Que homem não ia querer esse mulherão? Olha essas pernas, amiga. Você é uma gostosa! E
tenho certeza de que deve ser boa de cama. – Dani disse e eu quase me engasguei com o sorvete. Só ele para me fazer rir. Helena também caiu na gargalhada ao meu lado.
— Você tem certeza de que entendeu certo, Elisa? – ela questionou. Helena não conseguia acreditar no que tinha acontecido. Mas é claro que eu tinha certeza, eu tinha visto e ouvido quando ele me recusou. — O Victor é doido por você… E não só eu que percebo isso, Rafa também disse…
— Rafa?????? – Eu e Dani dissemos debochando em uníssono com uma voz melodiosa. — Já chegou nesse ponto de intimidade, Heleninha? Vocês são rápidos, hein. – Dani implicou.
— A gente só conversou um pouco. – Helena respondeu revirando os olhos. — O Rafael é muito inteligente, temos muitos interesses em comum.
— Tipo tirar a roupa um do outro? – eu disse brincando.
— Pra me zoar você está ótima né, Elisa? – ela retrucou rindo.
Eu senti mais uma risada escapar da minha garganta e comi mais sorvete. O pote já estava no final e eu me sentia bem melhor depois de muita conversa e desabafo. Nós éramos um trio improvável de pessoas completamente diferentes que por acaso funcionaram muito bem juntas. Daniel, estirado no chão, sugeriu que jogássemos alguma coisa. O que sempre era mais divertido de se fazer estando alcoolizado.
— Elisa, casa, mata ou beija: Rafael, Thiago e Gustavo? – Dani perguntou. Percebi que o nome de Victor foi deixado de fora de propósito. Agradeci mentalmente meu amigo.
— Hum… Essa é fácil, hein Dani. – eu disse decidida. — Mato Gusta porque nunca seria fura olho com você, é claro. Caso com Thiago porque ele é gostoso e responsável. – eles riram e concordaram. — Além do mais, ele cozinha como ninguém. E por último, beijava Rafael. Quem não, né Helena? – ela mais uma vez ruborizou com a menção ao beijo dos dois.
— Rafa tem uma cara de que tem pegada, né? – Dani comentou. — Aposto que ele deve ser um Deus na cama.
— Em breve poderemos averiguar essa hipótese com nossa querida amiga Helena. – eu disse.
— Para gente, claro que não. A gente mal se conhece. E eu não tenho intenção nenhuma de ser mais um nome no checklist dele. – ela comentou.
— E precisa conhecer pra transar, meu amor? – Dani perguntou enquanto dava de ombros.
— É claro que sim. Vocês acham que eu durmo com qualquer pessoa? Ainda mais com um mulherengo como Rafael. – ela disse parecendo desapontada. — Eu só transei com um cara a minha vida inteira. Meu ex-namorado. Ficamos juntos por 7 anos. A gente se conheceu no início da faculdade e tivemos todas as nossas primeiras vezes juntos. Até que depois da formatura ele conseguiu um emprego no Rio e a distância de Itaperuna até lá e alguns outros acontecimentos
foram suficientes pra acabar com tudo.
Helena ainda parecia abalada com o término. Talvez fosse recente e ainda muito doloroso, por isso preferi não insistir no assunto. Só o fato de que ela se sentiu segura o suficiente para se abrir sobre algo tão importante, já mostrava que aquela garota realmente confiava na gente. Sei que perguntei pra Helena se ela queria ser minha melhor amiga quando eu estava completamente bêbada, mas acho que teria feito a mesma pergunta sóbria. Eu e Dani a reconfortamos até que um de nós resolveu mudar de assunto.
— Eu até esqueci de comentar com vocês. Ontem estava no Hospital conversando com duas enfermeiras e descobri um babado fortíssimo. – Dani comentou. — Vocês já ouviram falar do Top Sexo do Hospital? – Eu ergui uma sobrancelha curiosa.
— Ah, todas as enfermeiras, médicas, assistentes sociais e psicólogas falam dessa lista. – Helena disse revirando os olhos. Aparentemente só eu estava por fora. — É uma palhaçada.
— Que droga de Top Sexo é essa? – perguntei.
— Então, parece que cinco enfermeiras um dia saíram bêbadas e resolveram fazer uma lista num guardanapo com todos os homens bons de cama daquele Hospital. – Daniel contou. — Só que uma delas esqueceu no bolso da calça e acabou deixando cair no vestiário. Claro que rapidamente essa história vazou e agora todas as mulheres e alguns homens daquele lugar colaboraram com a lista. Virou meio que uma coisa tradicional por lá.
— E parece que agora tem um Top 10. – Helena disse. Eu ri e fiquei curiosa com aquela fofoca.
— E quem é o gostoso que tá em primeiro lugar? – assim que perguntei, percebi uma troca de olhares tensa entre Dani e Helena. Aquilo não era um bom sinal.
— Bom… parece que decidiram por um empate… – Daniel começou medindo as palavras com cuidado. — Entre Rafael e… Victor.
Eu fechei a cara no mesmo instante. Então ele tinha transado com a maior parte daquele Hospital? Eu sempre soube disso, mas relembrar essa informação logo depois de ser dispensada era terrível. Desviei o olhar e me levantei. Só queria que aquele dia acabasse logo.
— Acho que vou dormir. – anunciei. Helena e Dani não tentaram me impedir.
Entrei no quarto, joguei-me na cama e apaguei.
Victor
Mesmo estando cansado, eu não consegui dormir bem durante a noite toda. Sempre que fechava os olhos, eu me lembrava do olhar de tristeza de Elisa quando eu disse que não queria beijá-la. Pelo menos não daquela forma naquela noite. O que eu mais queria no mundo era beijar Elisa, mas dessa vez eu precisava que ela lembrasse. E eu não queria apenas um beijo. Porra, eu queria mais. Eu me sentia pronto pra mais. Eu tinha me apaixonado por ela.
Depois que ela foi embora, ainda tentei procurar pela sala e em todo canto. Não encontrei nem sinal de Elisa. Tranquei-me no quarto, deitei-me na cama e fiquei imaginando o que poderia ter acontecido se eu tivesse cedido e a beijado.
Quando o sol entrou pela janela, eu já estava acordado. Ouvi uma movimentação no primeiro andar da casa. Desci da cama e fui ver o que era. A casa estava uma verdadeira zona. Móveis fora do lugar, garrafas e copos espalhados pelo chão e comida em lugares que eu nem sabia que era possível ter. Rafael já estava acordado organizando algumas coisas.
— E aí, cara? Quer me ajudar? – Rafa perguntou.
— Não tenho nada mais legal programado para fazer mesmo. – falei. — Cadê o resto do pessoal? Tá todo mundo dormindo ainda? – peguei uma sacola de lixo preta e comecei a catar a bagunça da cozinha, enquanto Rafael estava fazendo o mesmo na sala.
— Gusta está de plantão hoje. Saiu cedo de casa. Entrei no quarto de Thiago
para chamar ele pra fazer nosso café da manhã... – antes dele continuar falando, eu o interrompi.
— Você sabe que Thiago não é nosso cozinheiro, né?
— Eu sei, cara. Mas ele é o que cozinha melhor. Eu queria um café da manhã de aniversário especial. Eu acho que eu mereço, não concorda? Ainda mais depois daquela festa épica de ontem à noite. – eu apenas revirei os olhos. — Mas enfim, quando entrei no quarto dele pela manhã, ele não estava lá. E adivinha só? A cama dele estava arrumada. Como se ele não tivesse dormido em casa.
— Será que nosso menino arrumou uma namoradinha? – eu questionei.
— Depois de todos esses anos com a gente, parece que ele finalmente aprendeu alguma coisa. – Rafa disse sorrindo. Thiago era o mais calmo de nós quatro. Foram pouquíssimas as vezes que eu o vi trazendo alguma menina para casa ou chegando em casa cedo depois de ter saído com alguém. Quem quer que fosse a menina da festa, certamente era alguém que ele julgava valer a pena.
— Sofia já voltou para o Rio? – perguntei mudando de assunto. Eu quase não tive tempo de conversar com a gêmea do Rafa ontem. Quando éramos mais novos, Sofia vivia seguindo nós dois por onde quer que a gente fosse. Com o tempo, acostumei-me com a presença dela. Era como se ela fosse minha irmã mais nova. Uma irmã bem chata às vezes, mas que eu adorava.
— Ela encontrou as antigas colegas de quarto aqui na festa e acabou indo com elas para a antiga república. – Rafael respondeu. — Falando em colegas de quarto, a Helena mora com a Elisinha também? – ele perguntou fingindo não
estar muito interessado. Mas eu conhecia meu amigo o suficiente para saber quando uma mulher mexia com ele.
— Não. Elas ficaram amigas depois que a Elisa começou a trabalhar no hospital. Posso saber por que você está tão interessado nisso, Fritz?
— A gente estava conversando ontem quando o Dani chegou e a chamou para ir embora. Disse algo sobre Elisa já estar no carro esperando por eles e que ela não estava se sentindo bem. Achei que os três morassem juntos. – meu coração doeu ao ouvir as palavras “Elisa” e “não estava bem”. Eu sabia que eu era o culpado por aquilo. — Enfim, lembre-me de retirar os agradecimentos à sua namoradinha depois. Por culpa dela, eu não consegui beijar de novo a enfermeira gostosa.
— Ela não é minha namoradinha. – eu disse de forma seca.
— Calma, Bellini. Eu estava zoando. – eu fiquei quieto, colocando o lixo dentro do saco com mais força que o necessário. — Aconteceu alguma coisa entre vocês dois ontem? – Rafael perguntou. Ele realmente parecia interessado em saber. Foi então que eu decidi contar tudo para ele. Desde o beijo bêbados até a noite de ontem, quando vi Elisa de lingerie no meu quarto e não a beijei.
— Brother, eu sabia que você era incapaz de ser apenas amigo de uma mulher. Ainda mais de uma gostosa como Elisa, com todo respeito. – Rafa disse.
— Vai se foder, Fritz. – eu disse fingindo estar mais irritado do que de fato estava. Eu definitivamente deveria ter contado esse tipo de coisa pro Thiago. Ele teria algum conselho sábio para me dar.
— Se quer a minha opinião…
— Não quero. – respondi rápido.
— Eu acho que você deveria esperar ela parar de sentir raiva de você e depois contar toda a verdade. Porra, Bellini, vocês precisam assumir essa merda logo. Vocês já estão praticamente em um namoro só que sem a parte do sexo, então qual a diferença?
Pela primeira vez, Rafael Fritz tinha razão.
***
Meus dias têm sido uma merda desde sexta-feira. Parecia fazer uma eternidade desde que tudo aquilo tinha acontecido, mas hoje ainda era terça. Eu não sei quantos dias mais eu ia aguentar longe de Elisa. Eu nunca senti falta de uma pessoa como eu sinto a dela. Até o meu celular sente falta das ligações e das mensagens.
Elisa ou a fugir de mim sempre que me vê pelos corredores do hospital. Hoje o dia está especialmente uma catástrofe. Dra. Isabel me colocou para trabalhar com André durante a primeira avaliação neurológica dos pacientes selecionados pro nosso estudo. Eu evitava ao máximo trocar palavras desnecessárias com esse infeliz, então ar horas do meu dia aturando ele é praticamente tortura.
Quando finalmente a hora do meu plantão acabou, encontrei Helena preenchendo alguns prontuários no corredor do Hospital. Eu tinha decidido que daria um tempo pra Elisa pensar e se acalmar, mas não aguentava mais ficar sem saber dela.
— Oi, Helena. Tudo bem? – perguntei, aproximando-me. Ela ergueu os olhos e abriu um leve sorriso quando me viu.
— Oi, Victor. Tudo bem e você?
— É, tudo indo. – dei de ombros e recebi um olhar compreensivo vindo dela. Abaixei a voz. — Como está a Elisa?
— Pra falar a verdade, com a mesma cara de sofrimento que você. – ela disse. — Por que vocês não se sentam pra conversar e se resolvem de uma vez?
— Eu quero dar espaço a ela e esperar que a raiva de mim e. Ela parece me odiar pelo que aconteceu. – comentei triste.
— Claro que ela não te odeia, Victor. – Helena olhou para os dois lados e abaixou a voz para que só eu ouvisse. — Ela acha que você a dispensou. Que está interessado em todas as outras mulheres desse hospital menos nela.
Elisa tinha oficialmente enlouquecido. Eu era louco por ela. Não conseguia mais olhar ou até mesmo pensar em nenhuma outra mulher desde o nosso beijo. Que a
propósito, só eu lembrava.
— Ela tá maluca. Eu não paro de pensar nela desde que… – por pouco não deixei escapar sobre o beijo bêbados. — Desde a festa do Rafa.
Helena deu de ombros e sorriu me reconfortando. Um apito no pager despertou a sua atenção. Ela leu rapidamente antes de me responder.
— Eu preciso ir, Victor. Mas espero que vocês se acertem logo. – ela disse. Concordei com a cabeça e saí em direção ao carro.
Dirigi até a república com a cabeça tomada por pensamentos sobre o que eu deveria fazer. Assim que estacionei o carro, vi Gusta saindo pela porta da frente. Ele veio na minha direção.
— E aí, cara? Vou lá no Rico. Bora? – Rico era a academia em que a gente treinava. Ficava no final da rua, quase em frente ao bar onde eu e Elisa saímos a primeira vez. Meu cérebro sempre buscava qualquer que fosse a referência que ela estivesse incluída, já tinha desistido de controlar.
— Espera eu trocar de roupa? Tô precisando extravasar, esse treino vai vir na hora certa. – Gusta concordou com a cabeça e eu entrei em disparada para me trocar o mais rápido possível.
Chegamos na academia e fomos direto para a esteira. Eu costumo correr habitualmente 20 minutos antes de começar o treino. Em geral, meu
companheiro era sempre Gusta ou Fritz, já que Thiago preferia as corridas ao ar livre.
— Cara, – Gusta começou respirando fundo entre cada o da nossa corrida. — O que tá pegando entre você e Elisa?
— Ah, Gusta… – como eu ia dizer pra ele que nem eu sabia direito o que estava acontecendo entre a gente? — Tivemos um desentendimento. E você e Daniel? Já vão fazer 4 meses juntos, né? – perguntei e observei o olhar do meu amigo brilhar.
— É, no próximo dia 15. Nunca me imaginei ficando com uma pessoa só, brother. Mas agora não consigo mais me imaginar um dia sem ele.
Senti meu peito afundar. Eu sabia exatamente o que ele queria dizer.
— Como você soube que ele era o cara certo pra você? – perguntei. — Que era hora de você sossegar?
— Quando a gente ficou a primeira vez, eu simplesmente não conseguia tirá-lo da cabeça. Deixei meu orgulho de lado e o chamei para sair de novo. E cada vez que a gente saía e ava mais tempo juntos, eu não conseguia mais conceber uma realidade em que eu não estivesse com aquele cara todos os dias. – ele disse. — Ele me entende e me apoia de formas que ninguém nunca tinha me apoiado antes. Quando a gente se olha, é como se não tivesse mais ninguém em volta.
Quando dei por mim, estava concordando levemente com a cabeça com tudo que Gusta dizia. Eu sentia exatamente tudo aquilo com a Elisa. Cada vez que a gente se olhava, o mundo desaparecia. Era como se todo o resto estivesse em preto e branco e só nós dois estivéssemos em cores. Fritz tinha razão. Nosso relacionamento nunca foi só amizade.
— E além do mais – a voz do Gustavo me despertou. — o sexo com ele é incrível.
Com essa parte, eu não teria como concordar.
Elisa
Eu comecei o máximo de trabalhos que poderia só para ocupar minha cabeça. Não aguentava mais pensar no Victor e tentar decidir o que fazer. Eu estava morrendo de saudade, mas não queria dar o braço a torcer. Ele que deveria me procurar se quisesse virar a página e voltar a ser meu amigo. Amigo. Eu infelizmente já tinha aceitado que era só nisso que ele estava interessado.
Entrei na sala de reunião com meus últimos relatórios e laudos dos pacientes da pesquisa. Dentro da sala, encontrei André concentrado no computador. Desde a festa do Rafa, eu evitava ficar sozinha no mesmo ambiente que ele e tinha sido bem sucedida. Até agora. Ele levantou o olhar e me encarou com raiva.
— Bom dia, Elisa. – cumprimentou. Eu apenas balancei a cabeça. — Posso ver os relatórios? – eu estendi a pasta na sua direção.
André pegou as páginas e folheou sem ler, indo direto para a conclusão. Sem dizer uma palavra, levantou-se e veio para a minha frente. Olhou-me profundamente e esticou a mão na direção do meu rosto. Fiquei imediatamente tensa. Ele ou a mão pelo meu cabelo e depois os dedos pela minha boca. Fiquei enojada mais uma vez e tentei dar um o pra trás. Minhas pernas quase não me obedeciam, a tensão me paralisava.
— Você tem certeza de que fez uma boa escolha de carreira, Elisa? – ele disse, descendo a mão pelo meu braço. — Tão linda… talvez você se saísse melhor como blogueira. Ou alguma coisa que você pudesse usar a sua beleza. – eu estava em choque. — Aqui, infelizmente, não está funcionando. – ele disse enquanto jogava todos os meus relatórios no triturador de papel. Senti meus
olhos começarem a arder de raiva. — Bom, mas se você quiser – ele se aproximou, ficando a centímetros do meu rosto. — Eu posso te ajudar. Como já te ofereci uma vez. E você não vai mais precisar reescrever esses relatórios.
Eu senti que ia perder o chão a qualquer momento. Mas me lembrei do que minha mãe sempre dizia: “Filha, homens fracos têm medo de mulheres fortes.” Respirei fundo e consegui reunir voz para responder.
— o a sua ajuda, André. Não se preocupe, irei refazer os relatórios.
Percebi o olhar fulminante de ódio que ele me direcionou. Esse estágio não estava sendo nada como eu planejava. Saí da sala de reuniões e segui para o refeitório. Enquanto ava pelo corredor, avistei Victor. Como eu queria correr até ele só para pedir um abraço. Mas não foi o que fiz. Abaixei a cabeça e segui a minha direção original.
Entrei na fila para pegar meu almoço e logo esbarrei com Helena algumas posições a frente. Assim que saímos, seguimos para uma mesa vazia de canto. Não contei à Helena o que tinha acontecido com André. Não queria que ela se preocue de novo. Eu sabia que a culpa também era minha. Eu, mais uma vez, não o tinha empurrado, afastado, nem nada assim. Mas eu tinha tanto medo de perder a vaga, ainda mais depois de saber que qualquer queixa não daria em nada.
— Ainda chateada com o Victor? – Helena perguntou, notando minha expressão abatida. Preferi fingir que era só isso mesmo.
— É… Acabei de ar por ele no corredor e foi difícil. – eu disse. — Sinto
muita falta dele. Mas pelo visto, ele não está nem aí.
— Que isso, Elisa? Claro que ele também sente sua falta.
— Ele nem me procurou, Helena. Nem uma ligação, nem uma mensagem, nem um oi. Já se aram cinco dias desde a festa do Rafa e nada.
— Ele pode estar tentando te dar espaço, já pensou nisso? – ela comentou. — Por que você não vai até ele?
— E me humilhar de novo? E ser dispensada pela segunda vez? – neguei com a cabeça. — Obrigada, mas eu o.
— Elisa, escuta-me. – Helena apoiou os talheres na mesa, encarando-me. — Você é uma mulher forte. Decidida. Não precisa ficar esperando que ele venha até você. Toma as rédeas da sua vida e vai até ele.
Aquela frase reverberou na minha mente. André vinha me abalando psicologicamente e me tocando sem permissão. Eu tentei me posicionar e fui avidamente silenciada. Mas Helena tinha razão. Dessa vez, eu podia tomar minhas próprias decisões, minhas próprias escolhas. O controle estava na minha mão. E quer saber? Eu sou gostosa. Sou linda e sou uma psicóloga incrível. Se o Victor não me quiser nem como amiga, azar o dele.
— Você tem razão. – eu disse, sentindo uma euforia crescendo dentro de mim.
— É claro que eu tenho. – Helena disse sorrindo.
— Eu vou atrás dele! – disse, já me levantando. Helena segurou minha mão, impedindo-me.
— Calma! Victor acabou de entrar com a Dra. Capovilla para uma reunião. Espera mais um pouco. Ele não vai fugir.
***
Assim que saímos do refeitório, fui até a sala de reuniões onde Helena tinha visto Victor entrar. Pela janela, pude ver que eles ainda estavam lá. Embora minha vontade fosse invadir aquela sala e falar umas verdades para ele, eu não podia fazer isso. Principalmente na frente da doutora Isabel. Suspirei fundo. Eu teria que esperar. Segui em direção à minha sala para continuar os atendimentos do dia. Depois eu procuraria por Victor.
Terminei a sessão do meu último paciente às cinco horas da tarde. Guardei minhas coisas no armário na velocidade da luz e saí procurando por ele. Eu não iria para casa sem conversarmos. Andei pelos corredores do hospital perguntando a todos que eu encontrava se tinham visto Victor. Ninguém sabia dele. Eu sabia que amanhã todos estariam comentando da estagiária de psicologia desesperada à procura do Dr. Victor Bellini. E eu não estava nem aí. Estava caminhando apressadamente em direção à sala de reuniões onde Victor estava mais cedo quando esbarrei em uma pessoa de jaleco que estava distraída mexendo no celular.
— Ei, presta aten… Ah, oi Elisa. Que pressa é essa? Aconteceu algo? – Helena
perguntou focando sua atenção em mim. Ela estava com um sorriso bobo no rosto, mas sua expressão mudou assim que ela notou minha casa de desespero.
— Aconteceu uma tragédia. – talvez eu fosse um pouco dramática demais. Mas era mesmo uma questão de vida ou morte. — Eu não acho Victor em lugar nenhum. Já rodei esse hospital todo atrás dele. Helena, eu não posso ir embora sem falar com ele. – eu disse desesperada.
— Elisa, respira. O plantão do Victor acabou. Ele está no vestiário trocand… – eu não esperei minha amiga terminar de falar e desci as escadas correndo. O vestiário ficava no andar de baixo. Eu não sei como Helena sabia daquela informação, mas ela tinha acabado de salvar minha vida. Cheguei na porta do vestiário ofegante. Era agora ou nunca. Respirei fundo e entrei sem ao menos bater.
— Que porra é essa, Elisinha? – Rafa, que estava apenas usando uma toalha amarrada na cintura, falou assim que me viu. — Se quisesse me ver pelado, era só pedir. Não precisava invadir o vestiário. – Na mesma hora, todos os olhos do local viraram em minha direção. Quase todos. O único que permaneceu congelado no lugar foi o dono do par de olhos castanhos que eu estava morrendo de saudades de ver.
— Victor, a gente precisa conversar. – eu falei usando toda a coragem que ainda restava dentro de mim.
Victor
— Victor, a gente precisa conversar. – eu fiquei paralisado. Porra, que saudade eu tinha sentido de ouvir aquela voz! Virei em direção à Elisa. Ela estava vermelha e com o cabelo todo bagunçado. E ainda assim era a coisa mais linda que eu já tinha visto.
— Todo mundo pra fora agora. – Rafael mandou. Os internos que também estavam se trocando no vestiário saíram depressa. Rafael e Helena, que eu não sei como tinha chegado ali, mas estava tão vermelha quanto Elisa, foram os únicos a permanecerem no local. Além de Elisa e eu, é claro.
— Fritz, vamos esperar eles lá fora. – Helena disse.
— Não posso, estou apenas de toalha, gatinha. Pode não parecer, mas sou uma pessoa tímida. Não quero ficar mostrando meu corpinho no corredor para todos que arem. – Rafael respondeu.
— Então coloca uma roupa e vamos. Não foi você mesmo que mandou todos saírem? – Helena rebateu.
— Mas eu não sou todos, né Heleninha? E eu não vou sair daqui e perder toda a diversão. Fica quieta, deixa eles falarem. – Helena suspirou fundo e puxou Rafael pelo braço em direção à sala ao lado, onde ficavam os chuveiros.
— Deixa de ser sem noção, Rafael. Os dois precisam fazer isso sem plateia. – ela falou enquanto andava e levava meu amigo junto, muito contra a vontade dele. Assim que eles entraram na sala ao lado, eu quebrei o gelo.
— Oi, Elisa.
— Victor… Eu… Eu não sei por onde começar. – ela falou. Eu podia perceber que ela estava tentando encontrar as palavras certas para dizer. Eu conhecia o sentimento. Estava me sentindo da mesma forma. Não podia correr o risco que ela se magoasse de novo.
— Então deixa que eu começo. – tomando muito cuidado com as palavras que iriam sair da minha boca, comecei a falar mais uma vez: — Eu queria dizer que eu sinto muito… – Elisa ameaçou abrir a boca para falar alguma coisa, mas eu fui mais rápido. — Deixa eu terminar de falar, por favor. Eu queria dizer que sinto muito, mas com esse tempo, eu percebi que não estou arrependido. – Elisa me olhou com a boca entreaberta em puro choque pelas minhas palavras. Eu queria abraçá-la e dizer que tudo ia ficar bem, mas eu precisava me explicar primeiro.
— Uau! E eu achei que a humilhação não poderia ser maior. – ela disse, com a voz mais triste do mundo.
— Elisa, só escute o que eu tenho a dizer. Você se lembra do dia em que comemoramos a sua nova vaga de estágio no hospital? – Elisa assentiu com a cabeça. — Naquele dia, antes da gente dormir, você cismou que precisava lavar a louça. Você ligou o Spotify e uma música romântica começou a tocar. Porra, você estava tão linda. Eu não conseguia tirar meus olhos de você, como sempre. Te puxei pela cintura e começamos a dançar. Uma coisa foi levando a outra e… bom, a gente acabou se beijando.
— A GENTE O QUÊ? – Elisa gritou perplexa. — Victor… Eu… Eu não fazia ideia.
— Eu estava bêbado, mas você estava bem mais bêbada que eu. Eu não sei como encontrei forças para parar aquele beijo, mas eu parei. Era o certo a ser feito naquele momento. – continuei falando. — No dia seguinte, quando você acordou e não se lembrou do que havia acontecido, eu fiquei chateado. Meu coração quase afundou por completo dentro do peito. Foi nesse dia que percebi que você podia ser minha amiga, mas também era algo a mais. Eu sou egoísta, Elisa. Eu não queria me magoar de novo, então fiz escolhas ruins que magoaram você. Eu não me arrependo de não ter te beijado enquanto você estava bêbada e eu também. Eu queria beijar você. Mais que tudo. Provavelmente eu teria feito muito mais com você do que simplesmente beijar. Mas eu me arrependo de não ter sido mais claro naquele dia. Desde que você foi embora, eu pensei em um milhão de coisas que eu deveria ter dito e não disse. Então eu vou dizer agora. – falei, aproximando-me ainda mais dela. Coloquei a mão em seu queixo e ergui sua cabeça para que seus olhos olhassem os meus. — Eu estava com medo. Medo de te beijar e, na manhã seguinte, você não se lembrar de novo. Ou pior: se arrepender do que tínhamos feito. Eu não saberia lidar com isso. Eu fiquei nervoso e acabei me expressando mal. E, por isso, eu sinto muito. – eu disse, enquanto acariciava a sua bochecha com meu polegar. — Mas eu não lamento nem por um segundo de ter me apaixonado completamente por você.
— Você… apaixonado.... por mim? Mesmo? – ela gaguejou com um tom desconfiado. Como se ela não acreditasse que isso fosse possível.
— Elisa, eu não tive escolha. Foi meu coração que escolheu você desde o primeiro dia que te vi naquela festa. Eu te queria desde ali. De alguma forma, eu sabia que seria você. Eu sei que isso soa totalmente clichê, mas… – antes de eu terminar de falar, Elisa jogou seus braços ao redor do meu pescoço e me beijou. Era um beijo intenso. Repleto de paixão e desejo. Sem desgrudar nossas bocas, a empurrei contra o armário, colando ainda mais nossos corpos. Envolvi o cabelo
de Elisa em minhas mãos, como tinha tido vontade de fazer desde quando a vi pela primeira vez. Os lábios dela eram tão macios quanto eu me lembrava. Suas mãos eavam pelas minhas costas e ombros. Afastei meus lábios dos dela apenas para poder beijar seu pescoço, descendo até o decote de sua blusa. Minhas mãos eavam por todo o seu corpo e um gemido delicioso saía de seus lábios. Se beijar Elisa era bom assim, imagina transar com ela. Esse era, com absoluta certeza, o melhor beijo da minha vida.
— Ham-ham… parece que alguém perdeu uma aposta. – ouvi a voz irritante do Rafa atravessar o cômodo. Eu já havia me esquecido de que não estávamos sozinhos. Elisa e eu nos afastamos a tempo de ver Helena dar um cutucão com o cotovelo na cintura de Rafael.
— Ai, Helena, pra quê isso? – Rafa reclamou.
— Você às vezes é muito inconveniente, Rafael. – Helena disse, fazendo Elisa e eu gargalharmos.
Terminei de arrumar minhas coisas no armário e fui andando de mãos dadas com Elisa para o estacionamento. Eu sentia como se a última peça de um quebracabeça complexo tivesse acabado de se encaixar. Eu tinha me declarado há menos de 5 minutos e já tinha me apaixonado ainda mais por essa garota.
— O que você acha da gente fazer um programa legal hoje à noite? Para comemorar que estamos bem? – perguntei.
— Tipo um primeiro encontro? – Elisa falou animada.
— Exatamente isso. Topa?
— Mas é claro que eu topo. – ela respondeu, ficando na ponta dos pés e depositando um beijo rápido em meus lábios. — Então me pega lá em casa às 19h?
— Combinado, princesa. – respondi. Elisa entrou no seu carro e foi para casa. Eu já tive vários primeiros encontros, mas esse era diferente de todos. Eu estava ansioso e contando os minutos para vê-la de novo.
Cheguei em casa com o humor claramente melhor do que os outros dias daquela semana. Thiago e Gusta estavam na sala jogando videogame com Dante sentado entre os dois no sofá. Rafael deveria chegar a qualquer minuto. Ele tinha saído do Hospital um pouco depois de mim.
— Boa noite, queridos amigos! – eu disse mais animado e feliz que o normal. Thiago e Gustavo se entreolharam tentando entender o que estava acontecendo.
— Que bom humor é esse, Victor? Por acaso tem a ver com uma certa psicóloga que invadiu o vestiário para declarar seu amor por você, é? – Thiago disse rindo.
— Uuuuuuu. Bellini tá namorando! – Gusta entrou na conversa, implicando.
— Caralho! Como vocês já sabem disso? – eu sabia que as fofocas no hospital não corriam, voavam. Mas ninguém viu o que aconteceu no vestiário… com
exceção do Rafa. Rafael. Eu iria matar o Rafael.
— Talvez o Rafael tenha feito uma live no nosso grupo do WhatsApp contando todos os detalhes do grande evento. – Gusta disse confirmando meus pensamentos. Peguei meu celular na mesma hora e vi que tinham umas 356 mensagens no grupo. Todas do Rafael narrando o que Elisa e eu estávamos dizendo. Ou fazendo. Enquanto eu lia as mensagens, a porta da frente se abriu e ele entrou.
— Você não morre cedo, hein Rafa. A gente estava falando sobre você. – Thiago falou.
— Só não morre cedo porque eu estou atrasado para me arrumar para meu encontro com Elisa. Mas nós conversaremos em breve, Rafinha. Aguarde-me. – segui em direção ao quarto. Enquanto subia as escadas, ouvia as risadas dos meus amigos. E podia jurar que ouvi os três fazendo uma aposta relacionada a como a minha noite com Elisa terminaria.
***
Às 19h em ponto cheguei em frente à casa de Elisa. Desci do carro e fui em direção à porta da frente. Eu estava nervoso. Queria fazer com que essa noite fosse inesquecível para ela. Para nós dois. Apertei a campainha e segundos depois ela abriu a porta toda sorridente.
— Oi, Dr. Bellini. Pronto pro melhor primeiro encontro da sua vida? – Elisa perguntou. Como sempre ela estava radiante. Seus olhos brilhavam de uma forma que eu nunca havia visto.
— Estou sempre pronto pra você, Elisa Lopes. – eu disse, enquanto me abaixava para dar um beijo em sua boca. — Depois de dizer tchau para Daniel, que mandou a gente se comportar e não fazer nada que ele não faria, entramos no carro e partimos.
O restaurante que iríamos, ficava há uns 25 minutos de carro do centro de Itaperuna. Não queria levar Elisa nos lugares onde eu já havia estado com outras garotas. Queria criar novas memórias com ela. Assim que cheguei em casa, fiz uma rápida pesquisa no google e encontrei o local perfeito. O restaurante era pequeno, porém tinha muito charme e era bastante acolhedor. O ambiente com luz baixa tornava tudo ainda mais romântico.
— Victor, esse lugar é lindo! Você já veio aqui antes? – Elisa me perguntou assim que nos sentamos na mesa que havia reservado para nós dois apenas algumas horas antes.
— É a primeira vez que venho aqui também. Eu queria um lugar especial, um lugar que fosse apenas nosso. – eu respondi olhando em seus olhos.
— O que isso significa? –ela perguntou intrigada.
— Significa que, se algum dia eu perder você, eu nunca mais vou voltar a esse restaurante. Porque esse é agora o nosso lugar. E não existe “nosso” sem você. – respondi. E era verdade.
— Victor Bellini, você é tão romântico quando quer. – ela disse se inclinando
para me dar um beijo. — Mas fica tranquilo, se você se comportar e me manter alimentada, você não vai me perder.
Fizemos nosso pedido. Combinamos de não beber nada alcoólico essa noite. Enquanto esperávamos nossos pratos, conversamos sem parar. Elisa e eu sempre tínhamos assunto. Mesmo que esse assunto fosse uma rodada de um jogo que ela chamava de “Beija, casa ou mata”.
A comida estava maravilhosa. O restaurante era tão bom quanto as recomendações do google diziam. Assim que terminamos de comer nossa sobremesa e pagamos a conta, fomos para o estacionamento buscar o carro. Mas antes de entrarmos, a encostei na lateral do veículo e amos alguns minutos nos beijando intensamente. Eu queria muito, mas muito, descobrir o que tinha por baixo do vestido que ela usava. Queria saber que gosto ela tinha em cada parte do corpo.
— Elisa… – eu falei já meio sem ar por causa dos beijos. — A noite não precisa acabar nem aqui e nem agora. Mas eu não quero fazer nada que você não se sinta confortável em fazer. Se você achar que estamos indo rápido demais… – antes de eu terminar ela abriu a porta do carro, olhou nos meus olhos e disse:
— Entra logo nesse carro, Victor. Vamos pra sua casa. Eu não aguento mais esperar. – eu obedeci.
Elisa
A viagem de volta até a república pareceu muito mais demorada. Quando parávamos em algum sinal, Victor puxava meu rosto em sua direção e me beijava como se a vida dele dependesse disso. Eu não me cansava de beijar a sua boca. Cada vez que Victor não precisava usar a mão direita para ar a marcha, ele a deslizava pela minha coxa, subindo de leve a barra do meu vestido. Eu estava a ponto de enlouquecer.
Entramos na república silenciosamente para não acordar Thiago ou Rafael. Eu sabia que Gustavo aria a noite com Dani lá na kitnet. Subimos as escadas para o segundo andar na ponta dos pés, evitando ao máximo qualquer som. Assim que entramos no quarto e Victor fechou a porta atrás de mim, não tive nem tempo de pensar. Ele me puxou pela mão, fazendo-me voar em sua direção. Colocou-me contra a porta e beijou meu pescoço, meu colo… Ai meu Deus…
— Você quer que eu pare? – ele sussurrou no meu ouvido. Neguei com a cabeça, perdendo a voz. Eu não queria que ele parasse de jeito nenhum.
Olhei dentro dos olhos dele e ei a mão pelas suas costas. Sem responder, o empurrei em direção à cama, onde ele caiu sentado me observando com a boca aberta. Meu vestido rosa com zíper lateral caiu sob meus pés revelando a lingerie que eu tinha escolhido especialmente para aquela ocasião. Eu não era uma mulher muito adepta de fio dental, mas naquele momento, eu estava me sentindo deslumbrante no meu conjunto branco. Senti-me ainda mais linda quando percebi a cara que Victor fez assim que me viu.
— Puta que pariu, Elisa… Você quer me matar. – ele disse meio rindo, mas com
o semblante consumido pelo tesão. Victor se levantou e veio na minha direção.
Eu puxei a sua blusa pela cabeça, revelando aquele abdômen que tanto havia me perturbado nos últimos meses. ei a mão pelo seu tórax e senti a mão dele escorregando pelo meu quadril e chegando na minha bunda. Ele deu um leve apertão e deixei escapar um gemido rouco pelos meus lábios.
Beijei o seu pescoço e percorri todo aquele tanquinho maravilhoso, depositando beijos onde eu pudesse. Quando cheguei na costura da calça jeans, senti Victor ficando mais tenso e mais excitado. Abri o botão com seus olhos ardendo e me observando. Desci o zíper devagar só para prolongar um pouquinho meu poder sobre ele. Victor fechou os olhos e sua respiração acelerou. Com as duas mãos, puxei a calça jeans e a cueca boxer de uma vez até o chão. Minha boca salivou de desejo. Era a primeira vez que eu o via completamente nu e eu não poderia ter imaginado melhor. Ele era perfeito em todas as medidas. Peguei seu membro com a mão e coloquei em minha boca, distribuindo beijos por toda a sua extensão. Victor jogou a cabeça pra trás e emitiu um grunhido que eu não consegui distinguir.
Cada vez que ele gemia com o movimento da minha língua, eu ficava mais excitada. Quando Victor estava num nível alto de excitação, afastou minha cabeça e me puxou pra cima. Sem que eu esperasse, agarrou-me pela bunda e me suspendeu no seu colo. Enganchei minhas pernas ao redor dos seus quadris enquanto ele me pressionava contra a parede do quarto. Com uma das mãos, ele me segurava e com a outra abria o fecho do meu sutiã. Preferia não pensar em como ele tinha aperfeiçoado essa técnica. Victor beijava e acariciava meus peitos, e eu gemia cada vez mais.
Eu estava tão extasiada que não sei dizer como fomos parar na cama. Só sei que, de repente, eu estava estirada com as costas no colchão e Victor deslizava minha calcinha para baixo lentamente. Assim que a peça branca rendada ou pelos meus pés, ele a jogou longe e se direcionou para minhas pernas. Beijou, lambeu
e mordeu todo o comprimento das minhas coxas.
— Você não faz ideia do quanto eu sonhei em tocar você, essas suas coxas… – ele disse entre beijos. Minha respiração saiu entrecortada, com gemidos que eu não conseguia mais controlar.
Victor se posicionou entre as minhas pernas e usou a língua de maneira fenomenal. Eu nem sabia que era possível sentir tantas sensações ao mesmo tempo. Ele lambia e chupava fazendo pequenos círculos no meu centro. Quando achei que não poderia ser mais surpreendida, ele deslizou seus dedos para dentro de mim. Um palavrão escapou da minha boca e minhas costas se contorceram de prazer.
— Puta merda, Victor… – eu gemi.
Eu atingi meu primeiro orgasmo naquela noite com a língua e os dedos dele em mim e antes que eu pudesse me recuperar, ele puxou uma camisinha da mesa de cabeceira e subiu sobre meu corpo. A visão de Victor nu, levemente suado e com a cara de mais puro desejo (por mim) me deixou próxima do clímax novamente. Ele me penetrou aos poucos, lentamente, consumindo-me devagar. Eu me senti completa. Nossos corpos se encaixaram numa harmonia perfeita. Victor segurou meus braços acima da cabeça, entrelaçando nossas mãos enquanto aumentava a velocidade, fazendo-me gemer cada vez mais e mais alto. Eu já tinha perdido completamente o controle sobre quem eu era. Quando achei que ia gozar pela segunda vez, ele saiu de mim. Não contive um suspiro de decepção, ao que ele respondeu com um sorriso prepotente.
— Calma, princesa. Estamos só começando. – ele disse, enquanto me puxava para cima e me colocava de quatro na sua cama. — Ainda quero te fazer gemer muito mais.
Pelo amor de…
Meu raciocínio nem foi concluído e ele já estava dentro de mim novamente, dessa vez com mais força e menos delicadeza. Eu queria fazer mais uma das minhas anotações mentais para Elisa do futuro lembrando que essa era a melhor posição sexual que eu já havia experimentado, mas não sei se seria capaz de registrar em detalhes a quantidade de prazer que eu sentia naquele momento. Eu queria xingar, eu queria gritar o nome dele e dizer pra ele ir mais fundo. Mas eu nem precisava falar nada, porque como se lesse meus pensamentos, aumentou a profundidade.
— Porra, Elisa… – Victor me chamou ofegante, gemendo baixo. O corpo dele encostou nas minhas costas e ele mordiscou meu ombro por trás. Eu sabia que ele estava quase gozando.
Eu não precisei falar que também estava, porque, como numa sincronia combinada, nossos gemidos cresceram de intensidade e gozamos praticamente ao mesmo tempo. Ele saiu de mim, deitou ao meu lado na cama e tirou a camisinha, jogando-a no lixo. Aconcheguei-me nos braços dele, do jeito que eu sempre imaginei fazer nos meus sonhos mais loucos. Ainda sem ar, olhamo-nos e trocamos um sorriso cúmplice. Mordi o lábio meio sem saber o que dizer.
— Você é maravilhosa… agora posso garantir que em tudo. – Victor disse afastando minha franja suada da testa. — Fui tudo que você esperava? – ele perguntou e eu fingi pensar.
— Podemos dizer que agora entendo por que você é o número 1 do Top Sexo. – eu disse brincando. Victor ergueu uma sobrancelha sem entender. — Você foi
muito mais do que eu esperava, Victor.
Ele sorriu e me puxou para mais um beijo antes de dormirmos completamente nus e abraçados naquela noite.
***
No dia seguinte, acordei com Victor me abraçando de conchinha na cama. O sorriso brotou em meus lábios ao mesmo tempo que eu era invadida pelas memórias da nossa noite maravilhosa. Eu tinha quebrado absolutamente todas as regras essenciais, em especial a de não se apaixonar. Eu estava perdidamente apaixonada por Victor Bellini.
— Bom dia, princesa. – ele percebeu que eu havia acordado e me deu um beijo rápido nos lábios.
— Bom dia. – eu respondi. — Preparado pra encarar um dia de muita fofoca no Hospital? – hoje o dia seria longo. Todo mundo já estava sabendo da minha pequena invasão ao vestiário dos médicos e quando eu e Victor chegássemos juntos mais uma vez, o circo estaria completo.
— Que fofoca? De que a mulher mais gostosa daquele lugar me deu a noite de sexo mais intensa da minha vida? — Uau. Eu era capaz de tudo isso?
— É sério? – perguntei, ainda incrédula. — Mesmo com todas as antigas aquisições do seu currículo sexual?
— Elisa… – Victor disse, enquanto acariciava meu corpo. — O que nós temos é completamente diferente. Quantas vezes vou precisar te dizer que estou completamente – ele me beijou. — Loucamente – mais um beijo. — E desesperadamente apaixonado por você?
Eu sorri e me deitei em cima dele para que pudéssemos aproveitar um pouco do tempo que ainda nos restava naquela manhã. Victor logo me puxou pela mão para o banheiro. Entramos no box juntos e deixamos a água quente escorrer pelos nossos corpos enquanto nos beijávamos sem parar.
Ele mais uma vez me pegou e me colocou no seu colo, pressionando-me contra a parede do box. Victor me preencheu e me levou ao orgasmo com meus pés enrolados na sua cintura enquanto eu gemia seu nome. Esse poderia facilmente se tornar meu novo ritual matinal sem o menor problema.
Saímos do banho deslumbrados. Nos arrumamos e descemos para comer alguma coisa antes de ir pro hospital. Assim que chegamos na cozinha, encontramos Rafa comendo torrada com manteiga e trocando mensagens com alguém pelo celular.
— Bom dia. – Victor cumprimentou enquanto soltava minha mão para pegar duas xícaras de café.
— Bom dia, pessoal. – Rafael respondeu erguendo os olhos na nossa direção. — Olha só, pombinhos, sei que vocês estão tentando compensar o tempo perdido, mas porra, da próxima vez que vocês forem trepar como loucos, será que podem me avisar antes? Eu providencio um fone de ouvido. – eu acho que se eu me visse no espelho naquele momento, estaria vermelha como um pimentão, mas
Victor não pareceu se abalar.
— Ih, Rafinha… – ele começou debochado. — Já tive que aturar muitos gritos de falsos orgasmos das suas peguetes ao longo desses anos. Então nem se atreva a reclamar.
— Falsos orgasmos é o caralho. – Rafael disse ofendido. — Nenhuma mulher precisaria fingir orgasmos com Rafael Fritz. – eu revirei meus olhos e aceitei a xícara de café que Victor estendia na minha direção.
— Hoje não tem grãomele de tofu? – senti falta das especialidades de Thiago.
— Thiago, mais uma vez, não dormiu em casa. Saiu ontem pouco antes de vocês chegarem. – Rafa contou.
— Parece que nosso menino finalmente cresceu, Rafa. – Victor disse irônico. Rafael riu, mas logo foi fisgado por algo que despertou sua atenção na tela do celular. E pela forma como seu olho brilhou, eu poderia apostar que era alguma mensagem de mulher.
— Alguma gatinha nova, Rafa? – perguntei como quem não quer nada. Eu poderia tentar colher informações e levar pra Helena.
— Hum… Não. – ele respondeu e logo guardou o celular no bolso. — Preciso ir. A gente se vê no HU.
Pelo visto, Thiago não era o único com segredos nessa casa.
Victor
Eu não acredito que transei com Elisa. Quando eu pensei que ela tinha destruído as chances de todas as outras mulheres desde que me beijou, não fazia ideia do que ela ia fazer quando a gente transasse. Foi a melhor noite de sexo da minha vida, e olha que eu já tive muitas. Mas com ela… tudo foi diferente. Era como se pela primeira vez na vida tudo parecesse certo. Encaixado.
Chegamos no Hospital e descemos do carro juntos. Entrelacei minha mão na dela conforme andávamos em direção à entrada. Elisa pareceu surpresa e ergueu os olhos para mim.
— Tem certeza? – ela perguntou, parecendo insegura.
— Tenho. A não ser que você não queira… – naquele momento, o medo de Elisa não querer ser vista comigo me dominou. Mas pouco durou. Ela apertou minha mão com ainda mais força.
— É claro que eu quero. Ainda que pensem que sou só mais uma das suas muitas conquistas. – ela comentou.
— Elisa – comecei — Você era a única tontinha que não percebia o quanto eu estava comendo na palma da sua mão esse tempo todo – ela sorriu e me deu a língua brincando. — Quantas vezes você acha que já entrei de mãos dadas com uma garota naqueles corredores?
— Ah, mas é que… – antes que ela terminasse, a virei de frente pra mim e segurei seu rosto.
— Você não é mais uma das minhas conquistas, Elisa. Você é única. Desde o primeiro dia, lembra? – eu a puxei na minha direção e a beijei.
Algumas pessoas que avam nos olhavam curiosas e trocavam risinhos entre si. Hoje o dia seria inteiro assim. E a verdade é que eu estava pouco me fodendo pra isso. amos juntos pela porta e avistamos Rafael e Helena conversando um pouco próximos demais ao lado dos dormitórios dos plantonistas. Eu precisava ter uma conversa séria com Rafa. Helena era uma garota legal e não merecia ser usada por ele. Assim que os dois nos viram, ficaram inicialmente desconcertados, mas assim que pam os olhos em nossas mãos entrelaçadas, abriram um sorriso.
— E aí, meu casal preferido! – Rafa disse. — Mais demonstração pública de afeto? Já não bastava TODA a demonstração que eu precisei ouvir essa noite?
— Rafael, para de ser intrometido. – Helena falou enquanto empurrava ele de leve. — Que bom ver vocês juntos assim. Eu te mandei umas mensagens ontem à noite Elisa, depois quando puder, dar uma olhadinha. – Elisa concordou com a cabeça.
— Ih, Heleninha, Elisa estava super ocupada ontem à noite. – Rafa debochou. Eu ia responder com um enorme “vai se foder”, mas Elisa foi mais rápida.
— Pelo tanto que você ficou impactado, nunca deve ter tido uma noite como a nossa. – Rafael abriu a boca pra rebater, mas não conseguiu. — Mas não se
preocupa, tenho uma amiga fenomenal que pode te ajudar nisso. – Elisa piscou para Helena e saiu na frente me puxando pela mão. Olhei pra trás a tempo de ver Helena vermelha e Rafa me encarando embasbacado. Eu definitivamente tinha encontrado a mulher da minha vida.
Eu e Elisa nos separamos e cada um seguiu para um corredor diferente do Hospital. Acho que eu nunca tinha trabalhado com tanto ânimo quanto hoje. Cada minuto que ava, eu me lembrava que estávamos juntos e quase morria de felicidade. As lembranças da nossa noite iam e vinham, deixando-me revigorado. Olhei meu relógio e vi que já marcavam duas e meia da tarde. Levantei-me e fui buscar algo pra comer antes de continuar os relatórios da pesquisa. Parei em uma das máquinas de biscoito no corredor do hospital. Enquanto escolhia, avistei Elisa debruçada sobre a bancada das recepcionistas procurando alguma documentação. Ela estava com o jaleco branco obrigatório no hospital e ainda assim eu conseguia enxergar o quanto ela era gostosa. Olhei mais uma vez pro meu relógio e percebi que ainda tinha uns 30 minutos livre antes da reunião do dia com a Dra. Capovilla.
Eu me aproximei ao lado dela. Elisa abriu um sorriso assim que me viu. Coloquei uma mecha do seu cabelo atrás da orelha.
— Por acaso você tem paciente agora? – eu estava consciente de que estávamos sendo observados pelas recepcionistas loucas para espalhar qualquer informação. Elisa consultou o celular.
— Agora não. Só às 15h20. Por quê? – ela perguntou.
— Queria te mostrar um caso de lesão que estou trabalhando. Quer ver comigo rapidinho?
— Claro! – ela parecia realmente animada. Ingênua. Até parece que não me conhecia.
Andamos pelo corredor e ao invés de dobrarmos à esquerda, onde ficava a minha sala, virei à direita, em direção aos dormitórios dos plantonistas. Olhei para os dois lados, certificando-me de que ninguém estivesse prestando atenção na gente. Abri a porta e a puxei para dentro, virando a chave e nos trancando.
— Victor, o que você… – antes que ela terminasse a pergunta, a surpreendi com um beijo. Confesso que não foi um dos mais delicados. Mas Elisa logo me retribuiu na mesma proporção. Mordia meu lábio inferior e deslizava a boca em direção ao meu tórax. Senti quando ela lambeu, mordeu e chupou o meu pescoço, muito provavelmente deixando uma marca.
Senti meu pau ficar cada vez mais duro dentro da minha cueca. Porra, eu parecia um garoto de 13 anos entrando na puberdade que não conseguia se controlar. Era esse o efeito que ela tinha em mim. Elisa tirou o jaleco e voltou a me beijar, arranhando minhas costas e gemendo baixinho no meu ouvido. Se tinha uma coisa que ela fazia que me deixava louco eram esses gemidos.
— Precisamos ser rápidos, Victor… – ela disse. — Antes que alguém tente entrar aqui.
Não precisava nem dizer duas vezes. Elisa usava um vestido cinza na altura do joelho que eu nem me dei ao trabalho de tirar. Alisei as pernas dela subindo o vestido em direção à calcinha. Assim que minhas mãos encontraram a costura, ergui meu olhar e encontrei o seu. Ela me encarava com um sorriso safado que me levou à loucura. Desci a calcinha pelas suas pernas. Coloquei uma camisinha
e a penetrei de uma vez só com uma estocada rápida que quase me fez perder o controle.
Eu meti com mais velocidade enquanto Elisa mordia a própria boca pra conter os gemidos. Eu estava prestes a gozar, mas queria que chegássemos ao orgasmo juntos mais uma vez. Apertei a bunda dela com a mão, do jeito que já tinha aprendido que a fazia se descontrolar. Elisa gemeu e disse meu nome. Sem que eu esperasse, saiu de mim e me jogou em uma das camas, montando no meu pau. Puta que pariu. Ela ficava ainda mais gostosa quando estava no controle. Ela rebolava em cima de mim, alternando entre rápido e devagar, o que só me fazia ficar ainda mais doido. Quando percebi que ela estava quase lá, segurei na sua cintura e voltei a estocar mais fundo e com mais velocidade. Ela gozou primeiro dessa vez, mas minha libertação veio logo depois. Elisa caiu ao meu lado da cama, respirando fundo.
— Porra, Victor. Assim você vai acabar comigo. – ela disse com um tom de riso na voz. Eu me debrucei por cima dela e a beijei.
— Foi só uma surpresinha no meio do expediente. – eu disse enquanto me levantava e a ajudava a fazer o mesmo.
— E que surpresinha! – Elisa colocou a calcinha de volta. Suspendi minha calça e dei a mão a ela para sairmos do dormitório.
Girei a chave e abri a porta, saindo com Elisa trocando sorrisos apaixonados. Meu olhar logo foi atraído para o outro lado do corredor. André conversava com uma enfermeira. Ele colocou os olhos em nós dois e olhou em direção à porta do dormitório atrás de nós. O olhar que recebi provavelmente não era um bom sinal. Mas ele que se fodesse.
Elisa
O resto da semana correu maravilhosamente bem. Meu relacionamento com Victor, seja lá o que fosse nesse momento, estava perfeito. Na prática, não tinha mudado muito de como era antes, tirando as carícias toda hora, os beijos roubados e o sexo fenomenal praticamente toda noite. Eu dormia na república muitas vezes na semana. Comia os banquetes matutinos de Thiago todos os dias e aturava as palhaçadas do Rafa quase toda noite. Eu e Victor ainda não tínhamos conversado sobre qual exatamente era o nome do que estávamos vivendo, se era um namoro, uma ficada ou o quê. Acredito que até eu mesmo vinha evitando esse assunto com medo do que poderia sair dali.
Naquela manhã de segunda-feira, eu tinha chegado no Hospital um pouco mais nervosa do que o habitual. Era o dia em que eu entregaria meus relatórios refeitos pro André na primeira reunião da manhã. Victor já tinha me perguntado o porquê da minha tensão umas três vezes, mas eu queria evitar ao máximo falar sobre André com ele. Sabia como ele iria reagir se soubesse tudo que vinha acontecendo. E sabia, por experiência própria, que nada poderia ser feito.
Encontrei Helena em frente à sala de reuniões e entramos juntas. Queria evitar ao máximo ficar sozinha com aquele babaca. Entreguei meus relatórios logo no início da reunião e ele nem sequer olhou. Conversamos um pouco sobre todos os casos que avaliamos. Sempre que Helena apresentava, André tinha um comentário elogioso a fazer sobre o trabalho. Em todas as vezes que eu falei, ele nem sequer abriu a boca. Na verdade, nem olhou na minha direção. De qualquer modo, eu preferia que fosse assim do que como vinha sendo antes. A reunião acabou exatamente às 12h, horário que eu tinha combinado de encontrar com Victor para almoçarmos. Eu e Helena nos levantamos da mesa, recolhendo nossos materiais quando André nos interrompeu.
— Elisa, será que poderíamos conversar sobre os seus relatórios?
Eu não queria. De jeito nenhum iria ficar sozinha com ele de novo.
— Ahn… Eu tenho compromisso agora, André. – respondi. Helena estava parada me aguardando.
— É importante, Elisa. Dra. Isabel e eu conversamos mais cedo sobre algumas coisas, queria te rear as informações. – merda. Eu não teria como fugir, parecia realmente importante. — Vai ser rápido, 10 minutos, no máximo.
— Tudo bem. – respondi me dando por vencida. Olhei pra Helena e confirmei que ela poderia ir com a cabeça.
— Te espero aqui fora, Elisa. Bem na porta, ok? – ela disse alto o bastante para que André pudesse ouvir. Helena saiu e fechou a porta atrás de si.
Eu permaneci em pé, segurando minha pasta na mesma posição. André se aproximou e começou a falar.
— Elisa, mais uma vez te peço para refazer os relatórios. Parece que você não vem conseguindo evoluir como o esperado. – ele disse e eu senti um nó na minha garganta. — Infelizmente, se daqui a um mês continuarem assim, serei obrigado a pedir um novo colaborador de psicologia para Dra. Isabel.
Eu sabia que ele só estava querendo me atingir, como de todas as outras vezes. Mas era difícil. Doía como um soco no estômago. Continuei calada, sem conseguir dizer uma palavra. André se levantou e andou pela sala, ando por trás de mim.
— Porém, como já te disse várias vezes, se precisar de uma ajudinha especial, você sabe onde me procurar. – senti ele se aproximando por trás e meu coração começou a bater em desespero. — Talvez agora que você já está comentada aqui nesse hospital, fique mais tentada em aceitar minha oferta. – antes que eu pudesse digerir aquela ofensa, senti a mão de André apalpando minha bunda por cima da calça.
Dessa vez foi impossível controlar as lágrimas. Empurrei André com força para longe de mim e saí da sala de reuniões batendo a porta. Não vi nem Helena e nem Victor parados do lado de fora conversando enquanto me esperavam. Só quando eles gritaram meu nome é que percebi que vinham correndo atrás de mim. Parei de andar assim que cheguei no estacionamento. Sentei-me no meio fio com a cabeça entre as pernas e deixei o choro me consumir. Eu me sentia ofendida e abusada em tantos níveis que não conseguia colocar em palavras. Mas eu precisava me recompor.
— Elisa, o que houve? – era Helena chegando do meu lado. Ergui a cabeça e vi Victor se agachando na minha frente e segurando meu queixo com as mãos.
— O que aconteceu naquela sala? – ele me encarava sério e com o olhar profundamente preocupado.
— Tá tudo bem, Helena, não se preocupa. Só fiquei chateada com as críticas que André fez ao meu relatório. – disse tentando convencê-la. Não funcionou. Mas ela resolveu me deixar a sós com Victor.
— Eu vou almoçar no refeitório. O que precisar, liga-me. Tá bom? – ela ofereceu e eu concordei com a cabeça. Victor não tirava os olhos de mim.
— Princesa, pelo amor de Deus, o que aconteceu? – Victor insistiu.
— Não foi nada. André fez umas críticas ao meu relatório e eu recebi mal, só isso. – respondi de forma automática.
— Elisa, por favor, fale a verdade. Eu sei que não foi isso. Ou pelo menos, não só isso. – ele segurou minha mão, fazendo carinho com o polegar. Senti-me desabar. Victor me abraçou e eu chorei de soluçar até quase esgotar as lágrimas que ainda existiam. Quando senti que eu estava mais calma, ajeitei-me, respirei fundo e olhei para ele. Eu não sabia como começar.
— É o André. – senti Victor se enrijecer ao meu lado, mas ele não disse nada e me deu tempo de elaborar. — Ele vem sendo… um pouco antiético. – tentei suavizar. Eu sabia que assim que eu contasse tudo o que vinha acontecendo, Victor ficaria com raiva. E com razão, é claro. Mas eu também sabia que essa raiva e estar com a razão não serviam de nada.
— O que ele fez, Elisa? – eu senti que ele tentava se controlar ao máximo para não deixar transparecer sua tensão.
— Ele jogou fora meus relatórios. Disse que estavam péssimos, mas nem sequer os leu. Ainda ameaçou pedir minha substituição para a Dra. Isabel, caso eu não faça do jeito dele. – despejei.
— E o que mais ele fez? Eu te conheço bem o suficiente para saber que você não se abalaria por um médico prepotente desse tipo.
— Ele… me enoja. – eu senti as lágrimas voltarem a escorrer.
— Por favor, amor, estou desesperado aqui. O que ele fez com você? – Victor perguntou, enquanto secava minhas lágrimas.
— Ele vem me assediando. – falei de uma vez. — Primeiro, enganou-me pra me levar para jantar, depois eram as mãos que ficavam no meu corpo sempre mais tempo do que deveriam e sem a minha permissão. Primeiro na minha cintura, depois na minha coxa e hoje… – senti o turbilhão de lágrimas vindo mais uma vez. — Hoje ele apertou minha bunda. E fica insinuando que se eu transar com ele, ele para de me perturbar. Mas não tem nada que eu possa fazer. Nada. Eu me sinto um lixo, a culpa é toda minha.
A culpa é toda minha.
Eu deveria ter dito alguma coisa.
Eu deveria ter feito alguma coisa.
Victor
Quando vi Elisa sair correndo da sala de reunião chorando, eu gelei. Eu a conhecia suficientemente bem para saber que não choraria por qualquer coisa. Ela era uma das mulheres mais fodas que conhecia. Quando olhei para dentro da sala e vi André sentado na cadeira com cara de deboche, já imaginei o pior. Embora minha vontade fosse entrar na sala e tirar satisfação com ele, consegui me controlar e ir atrás de quem realmente merecia minha atenção naquele momento: Elisa.
Vê-la sentada no meio fio se debulhando em lágrimas partiu meu coração de uma maneira que eu nem sabia que era possível. De uns tempos pra cá, eu vinha descobrindo uma cartela de novos sentimentos graças a essa menina. Infelizmente, nem todos eram bons. Como o que eu estava sentindo agora.
— Por favor, amor, eu estou desesperado aqui. O que ele fez com você? – eu perguntei, mesmo sem ter certeza se queria mesmo ouvir aquela resposta, enquanto secava as lágrimas dela.
— Ele vem me assediando. Primeiro, enganou-me pra me levar pra jantar, depois eram as mãos que ficavam no meu corpo sempre mais tempo do que deveriam e sem a minha permissão. Primeiro na minha cintura, depois na minha coxa e hoje… hoje ele apertou minha bunda. E fica insinuando que se eu transar com ele, ele para de me perturbar. Mas não tem nada que eu possa fazer. Nada. Eu me sinto um lixo, a culpa é toda minha. – Elisa chorou ainda mais. Eu a abracei mais forte. Queria poder tirar toda dor, sofrimento e culpa do coração dela. Mas eu não sabia ao certo o que fazer. Tudo dentro de mim estava confuso. Nunca imaginei que um dia aria por uma situação dessa. Eu queria matar André. Não sem antes fazer ele sofrer bastante.
— Eu vou matar o filho da puta do André. – a raiva que eu sentia claramente venceu e eu ameacei me levantar para ir ao hospital procurar aquele canalha e tirar satisfação com ele. Depois de dar uns bons socos naquela cara debochada, é claro. Mas Elisa agarrou meu braço ainda mais forte.
— Victor, por favor, não. – ela disse em meio às lágrimas. — Eu não quero que você faça nada estúpido. Só fica aqui comigo até eu me acalmar, por favor.
— Elisa, alguém precisa dar uma lição nesse babaca. Não se preocupe comigo. – eu disse. Ele não sairia impune dessa situação. Se ele foi capaz de fazer isso com Elisa, certamente fez também com outras mulheres. Esse cara tinha que ser expulso do hospital. Ter o CRM cassado.
— A culpa foi minha, eu nã… – antes que ela conseguisse falar, eu a interrompi.
— Elisa, a culpa não foi sua. A culpa é totalmente dele. – virei sua cabeça em minha direção para que ela olhasse em meus olhos. — E se for pra gente culpar outra pessoa além dele, o único culpado seria eu. É comigo que ele tem uma rixa desde sempre. Ele nunca aceitou que eu fosse melhor que ele, obviamente não aceitaria que eu estivesse com a mulher mais foda e mais gata do hospital. – respirei fundo tentando controlar minha raiva. — dói muito saber que, talvez, ele fez o que fez por você estar comigo.
— Victor, você não tem culpa de nada. – ela disse, enquanto se recuperava das lágrimas.
— Princesa, então vamos combinar uma coisa: nenhum de nós dois têm culpa, ok? O único culpado é ele. – Elisa assentiu com a cabeça. — De qualquer forma, eu vou lá pra ter uma conversinha com ele. Prometo pra você que só irei falar, não irei fazer nada além disso. – é claro que eu estava mentindo. Eu ia meter a porrada naquele babaca.
— Victor, eu te imploro, não faça isso. Se você se importa comigo como diz se importar, respeita esse meu único pedido. – Elisa me encarava séria. Seu olhar era de desespero. — Não tem provas de que alguma coisa aconteceu. Vai ser a minha palavra contra a dele.
— E sua palavra não é o suficiente? – perguntei.
— Infelizmente não. – Elisa respondeu com um olhar triste e uma feição de pesar. — Eu tentei reportar o assédio assim que tudo começou, Victor. Helena foi comigo no RH. Eles me falaram que provavelmente eu estava interpretando errado porque ainda era nova aqui. E fui recomendada com muita ênfase a deixar ar para não prejudicar minha carreira. Ele é médico e está no hospital há anos. Eu sou apenas uma estagiária que acabou de chegar. Ele é homem e eu… mulher. Eu já ouvi relatos de outras mulheres que foram assediadas e é sempre a mesma coisa. Nunca dá em nada, como não deu comigo. Sempre inventam desculpas como “foi apenas uma brincadeira” ou “você está exagerando”. O assediador sempre sai impune. A mulher sai sempre como a histérica, a louca. Isso pode causar minha demissão. Eu já vi acontecer antes, Victor. Eu não quero correr esse risco. O semestre está quase no fim. Eu posso pedir um remanejamento de equipe no começo do próximo semestre.
— Merda… – eu estava incrédulo. Eu não podia acreditar que Elisa tentou fazer queixa e não acreditaram nela. aram pano pro imbecil do André. — Vamos falar com algum superior então, Elisa. Com o coordenador de setor ou até com a porra do diretor desse hospital.
— Não, Victor. Eu não vou ar por isso de novo pra não dar em nada.
Eu não concordava em nada com a maneira como Elisa queria lidar com aquela situação. Mas também não fazia ideia dessa realidade vivida por tantas mulheres que ela acabou de me contar.
— Tudo bem, princesa. Se é isso que você quer, eu respeito sua decisão. Mas a partir de agora não acho que você deva ficar sozinha na sala com ele, em nenhuma circunstância. A Helena também é da equipe, não é? Ela tem o direito de estar em todas as reuniões. Vamos conversar com ela para que a partir de hoje ela nunca te deixe sozinha, mesmo se o André insistir. – Elisa assentiu ainda agarrada em meu braço.
— Obrigada, Victor. Por tudo. – ela disse.
— Obrigado você por abrir meus olhos para tantas coisas. – eu respondi. E era verdade. Elisa tinha me ajudado a enxergar várias coisas da vida de uma forma diferente. Saindo da minha bolha de médico rico e cheio de privilégios que eu nem enxergava que estava.
Ficamos sentados no meio fio por mais algum tempo até Elisa se acalmar por completo. Assim que as lágrimas cessaram, voltamos para o hospital e terminamos nosso turno. No final do dia, pegamos nossas coisas e fomos para casa. Elisa disse que queria dormir na própria cama hoje. Mandei mensagem pro Gusta sugerindo que ele convidasse Dani para dormir na república. Meu amigo entendeu o recado. Eu não deixaria Elisa sozinha por nada durante aquela noite.
Dormimos abraçados a noite toda. Ela acordou algumas vezes no meio da madrugada assustada. Nessas horas, eu a abraçava ainda mais forte e sussurrava em seu ouvido que tudo iria ficar bem e que ela não estava sozinha. Foi então que me dei conta de que se dependesse de mim, ela nunca mais ficaria sozinha na vida.
***
Na manhã seguinte, Helena foi até a casa de Elisa. Contamos a ela o que tinha acontecido e ela ficou com tanta raiva quanto eu. Ela prometeu que nunca mais iria sair de perto da Elisa naquele hospital. Fiquei mais tranquilo depois disso. Mas eu ainda iria precisar de muito autocontrole todas as vezes que cruzasse com André pelos corredores. Decidimos que, por hora, não iríamos contar para mais ninguém o ocorrido.
Os dias foram ando de forma mais calma. Helena seguia Elisa por todo hospital. As poucas vezes que ela não estava como uma sombra atrás dela, foram os momentos em que Elisa e eu dávamos nossas escapadinhas para dar uns amassos. Helena estava se tornando uma amiga para mim também e eu adorava ver que ela se preocupava com Elisa tanto quanto eu.
Sexta-feira chegou depressa. Já estava quase terminando meu plantão quando meu celular vibrou sinalizando que uma mensagem havia chegado. Era Elisa.
Elisa: Encontro duplo hoje. Você e eu. Dani e Gusta.
Victor: Foi um convite ou uma intimação? :P
Victor: Mas é claro q eu topo. Topo qualquer coisa com vc, linda
Elisa: Me pega às 19h
Victor: Te pego a noite inteira se deus quiser
Elisa me respondeu com uma foto que me deixou ainda mais ansioso para que a noite chegasse.
Eu nunca tinha ido a um encontro duplo. Embora eu não soubesse como isso iria funcionar, eu sabia que não teria como dar errado. Assim que chegamos ao restaurante e fizemos nossos pedidos, Elisa disse:
— Quem diria, Dani, que hoje estaríamos em um encontro duplo com os dois médicos mais gostosos do Hospital Universitário. E os dois ainda são amigos. – Elisa estava sorrindo. Depois do começo de semana difícil que tivemos, era bom ver a minha garota se divertindo e feliz.
— Deixa só o Rafa saber que ele não faz parte do seu top 1 de médicos gostosos do HU – Gusta falou. Elisa deixou uma risada escapar pela garganta. Meu coração se apertou de alívio. Eu não queria nunca mais que ela sofresse daquele jeito.
— Eu proponho um brinde. – Dani disse erguendo um copo. — Aos sonhos clichês adolescentes que se tornam realidade. – levantamos nossos copos e
brindamos.
A noite ou num piscar de olhos. Gusta e Dani nos fizeram rir a noite toda contando várias histórias do começo de namoro deles e das saídas escondidas que quase sempre davam errado. Elisa também aproveitou para contar histórias vergonhosas de Daniel, da época que eram calouros. Ele, para se vingar, contou da vez que ela tentou fugir de uma aula disfarçadamente, mas como é super atrapalhada, acabou tropeçando em uma mesa e, para não cair no chão, apoiouse no interruptor e apagou todas as luzes da sala. Elisa reclamou dizendo que assim eu iria me desapaixonar por ela. Mal sabia que esses pequenos detalhes faziam com que eu me apaixonasse cada vez mais.
Depois de sair do restaurante, deixei Gusta e Dani na kitnet. Elisa e eu fomos para a república. Chegamos e fomos direto para meu quarto aproveitar o resto da noite. Estávamos nos beijando intensamente quando Elisa se afastou de mim.
— Eu preciso te perguntar uma coisa. – ela disse meio sem graça.
— Mas precisa ser agora? – beijei seu pescoço me deliciando com seu cheiro, seu gosto...
— Precisa, antes que eu perca a coragem. – eu ergui meu olhar. — Meu irmão mais velho vai se casar no próximo sábado e eu gostaria que você fosse comigo. Eu não quero que você se sinta pressionado a nada, eu só queria sua companhia mesmo e se você não qui… – ela começou a falar sem parar como fazia sempre que estava muito nervosa.
— Elisa, você já conheceu meus pais. Nada mais justo eu conhecer os seus
também. Vai ser uma honra acompanhar a convidada mais gata do casamento. – eu respondi, interrompendo o discurso dela.
— Eu vou ser madrinha. – ela respondeu rindo.
— Convidada, madrinha, tanto faz. Você vai ser a mais gata. Tenho certeza. Agora vamos continuar de onde paramos. – eu disse puxando-a de volta em minha direção para continuar nossa sessão de beijos. Em pouco tempo, todas as nossas peças de roupa já estavam jogadas no chão.
Elisa
A semana anterior ao casamento do meu irmão ou mais uma vez voando. Perdi as contas de quantas ligações e mensagens desesperadas da minha mãe eu recebi. Era o primeiro de nós que se casava e ela não via a hora de reunir toda a família na cerimônia. Quando contei a ela que levaria alguém comigo, minha mãe tratou de espalhar para toda a família que eu estava namorando. A verdade é que eu estava insegura com o que a minha relação com Victor significava. Será que poderíamos nos intitular como namorados? Como eu ia apresentá-lo para a minha família? Conforme o sábado se aproximava, eu ficava cada vez mais tensa.
Eu e Victor decidimos pegar a estrada na sexta-feira assim que ele saísse do plantão. O casamento do Jonas aconteceria ao meio-dia, então precisaríamos estar lá logo pela manhã. No caminho pegamos um pouco de trânsito, mas conseguimos chegar na casa dos meus pais por volta das nove horas da noite. Assim que estacionamos o carro, vi minha mãe ar correndo pela porta, seguida pelo meu pai e por Dobby, o nosso vira-lata caramelo de 12 anos de idade.
— Dobby, eu estava morrendo de saudades de você. – eu disse, enquanto me abaixava para fazer carinho no meu cachorro.
— Tá vendo, Carlos? A gente carrega 9 meses na barriga, cuida durante anos, mas quando chega em casa depois de meses sem ver os pais, só quer saber do cachorro. – minha mãe disse.
— Mãe, para de ser dramática! Eu também estava com muitas saudades de você,
dona Sônia. – disse, enquanto a abraçava bem forte. Virei para o lado e vi meu pai ansioso para receber o abraço dele. — E de você também, pai. – eu disse abraçando-o em seguida.
— Também sentimos sua falta, filha. A casa não é a mesma sem você aqui. – meu pai disse. — E você deve ser o famoso Victor, correto? – meu pai perguntou. Victor estava ao meu lado apenas observando o que estava acontecendo com um sorriso aberto no rosto. Pergunto-me o que ele deveria estar achando daquela cena toda. Nossas famílias eram completamente diferentes. Nossas casas então, nem se fala.
—Sou eu mesmo, prazer senhor Lopes. – Victor disse apertando a mão do meu pai. Ele parecia um pouco…tenso. Será que ele estava nervoso em conhecer meus pais?
— Minha filha, que namorado lindo você arrumou. – minha mãe disse, enquanto agarrava Victor em um abraço típico de mãe. Ela precisava falar aquela palavra? Victor poderia achar que eu tinha dito que éramos namorados. Eu ia matar minha mãe… se ela não me matasse de vergonha antes.
— Obrigado pelo elogio, dona Sônia. – Victor respondeu abraçando minha mãe de volta. Se ele ficou intrigado com a palavra com que minha mãe falou, não transpareceu. — Já vi de onde Elisa herdou a beleza. – minha mãe enrubesceu com o comentário dele. Victor realmente tinha a capacidade de encantar todas as mulheres ao seu redor, não importava a idade.
— Coloquem as malas de vocês lá em cima e voltem para comer uma coisinha que eu preparei. Vocês devem estar com fome. – minha mãe disse. Subi as escadas com Victor em direção ao meu antigo quarto. Ao contrário da mansão que ele morava, minha casa era bem simples. Victor e eu ficaríamos no mesmo
quarto. Meus outros irmãos, que também viriam para cerimônia, ficariam hospedados na casa dos meus pais também.
— Não vou receber um tour pela casa? – Victor perguntou. Eu tinha feito ele me dar um tour pela casa dele quando fui no aniversário de seu pai.
— Não tem muito o que ver aqui. Não é tão interessante como a sua casa. Nem tem uma vista de tirar o fôlego. – eu disse dando os ombros.
— Tudo relacionado a você é interessante, Elisa. – Victor disse, puxando-me para um beijo rápido.
Mostrei a Victor os cômodos da casa, incluindo nosso pequeno quintal com chão de lajotinha, típico do subúrbio do Rio. Eu cresci andando de patinete com meus irmãos naquele quintal, brincando de pique-esconde e pulando corda. Eu sentia muita falta de todos eles e não via a hora de encontrá-los. Por um outro lado, eles podiam ser bastante protetores em relação a mim, o que me deixava preocupada com a recepção que dariam a Victor. Meu último namorado não teve uma experiência das melhores.
Depois do pequeno tour, voltamos para a cozinha. A coisinha que minha mãe havia preparado era, na verdade, um banquete. Tinha de tudo um pouco: um pote de biscoitos doces e um de salgados, mini pizzas, meu bolo de chocolate preferido, refrigerante, o famoso suco de abacaxi com hortelã do meu pai e, como se não bastasse tudo isso, ainda havia um pote recheado de bem-casados que tinham sobrado.
Ficamos um tempo na cozinha comendo e conversando. Sempre que minha mãe
dizia a palavra namorado, meu coração gelava. Ela precisava parar de fazer aquilo. Victor, por outro lado, parecia indiferente ao termo. Meus pais, como eu já esperava, encheram o menino de perguntas das mais variadas possíveis. Victor respondeu a todas. Por fim, antes de Victor se retirar para tomar banho, ele elogiou o suco do meu pai e o bolo de chocolate da minha mãe. E foi assim que ele conquistou de vez o coração dos dois. Continuei mais um pouco na sala com meus pais. Queria ar todos os minutos possíveis matando a saudade deles.
— Filha, que achado esse seu namorado, hein? Bonito, inteligente, educado. – minha mãe não parava de elogiar Victor.
— Mãe, ele não é meu namorado. Você tem que parar de falar isso. Daqui a pouco você vai assustar o menino e ele nunca mais vai voltar aqui. – eu respondi, aproveitando que Victor não estava.
— Se não é namoro, o que é então, filha? – meu pai questionou.
— Eu… eu também não sei. A gente ainda não teve essa conversa. – respondi.
Minha mãe então começou um discurso sobre como na época dela as coisas eram diferentes. Que primeiro você tinha que ser pedida em namoro e, só depois, os beijos eram permitidos. Segundo dona Sônia, a juventude de hoje estava perdida. Minha mãe era mesmo uma figura. Depois de mais alguns minutos conversando sobre a faculdade e o meu novo estágio com meus pais, subi para ver se Victor já havia terminado o banho. Quando entrei no quarto, ele estava sentado na minha cama, olhando para o teto.
— Você sabia que o quarto de uma pessoa diz muito sobre ela? – Victor me
perguntou.
— O que o meu quarto diz para você então, Dr. Bellini? – perguntei curiosa.
— O teto do seu quarto tem estrelas. – Victor pensou mais um tempo e então completou. — Acho que isso significa que você é uma pessoa muito sonhadora. Certo ou errado?
— Acho que você está meio certo, embora eu nunca tenha pensado por esse lado. – concordei com ele. — O que mais meu quarto diz sobre mim?
— Seus livros na estante além de dizerem o óbvio, que você é uma grande amante da leitura, estão todos em ordem alfabética. Isso significa que você é extremamente organizada. Acertei?
— Na verdade, meu pai é extremamente organizado. Ele ficou entediado um final de semana e me ligou perguntando se podia arrumar meus livros na estante. No final de semana seguinte, quando cheguei aqui para visitá-los, encontrei minha estante assim. Eu gostei, então, nunca mais mudei. – disse sorrindo.
Deitei ao lado de Victor na cama e ficamos uns minutos olhando as estrelas do teto do meu quarto. Eu precisava conversar com Victor sobre o nosso status de relacionamento. Eu sabia que amanhã várias pessoas da família iriam me perguntar quem era meu acompanhante e eu queria saber o que dizer. Namorado? Ficante? Amigo colorido? Aquela dúvida estava me corroendo por dentro. Enquanto eu criava coragem para entrar no assunto, Victor quebrou o silêncio.
— O que seus pais acharam de mim? Eles comentaram alguma coisa? – ele perguntou parecendo um pouco preocupado.
— A minha mãe com certeza vai se tornar a nova presidente do fã-clube do Dr. Victor Bellini. – Victor sorriu. — E você ganhou meu pai quando elogiou o suco dele.
— Ufa! Ainda bem. Eu estava com medo deles não gostarem de mim. – Victor parecia realmente aliviado ao saber daquilo.
— Victor, é óbvio que eles iriam gostar de você. Você sabe conquistar pessoas. – eu disse, enquanto depositava um beijo em seus lábios.
Continuamos nos beijando por algum tempo, mas eu mal conseguia me concentrar. Eu precisava perguntar a Victor o que éramos. Era agora ou nunca. Eu ia aproveitar esse momento para colocar um ponto final no assunto que estava me incomodando desde a hora que eu entrei no carro com ele para vir a esse casamento.
— Victor. – eu disse interrompendo o beijo e me sentando na beirada da cama. — Precisamos conversar sobre uma coisa. – respirei fundo. — O que exatamente nós somos? — perguntei sem enrolar.
— O que nós somos? – ele perguntou de volta confuso.
— É… Você e eu. Começamos isso tudo como apenas amigos, mas agora… o que somos agora? Amigos que transam? Namorados? – antes dele responder, eu continuei falando. — O nome que a gente vai dar a isso não importa muito para mim. Não vai mudar o que eu já sinto por você. Mas amanhã, no casamento, as pessoas vão perguntar. Minha mãe já fez o favor de espalhar para todos que eu viria acompanhada. Você notou hoje que ela não parou de usar a palavra namorado, né? – eu sabia que eu estava fazendo aquilo de novo de falar sem parar porque estava nervosa demais.
— Elisa, desde que eu vi você naquela festa, senti que algo tinha mudado. Eu só não sabia que você iria virar a minha vida de cabeça para baixo, e eu digo isso de uma forma boa. – ele se levantou e me encarou. — Você destruiu todas as outras mulheres do mundo para mim. Só existe você. Na minha cabeça, nós somos mais que amigos, namorados, ficantes ou o que for. Mas eu vou ser o homem mais feliz do mundo se tiver a honra de ser seu namorado.
— Victor... – eu não sabia nem o que dizer. Eu esperava que a gente pudesse definir nosso relacionamento, mas ele tinha acabado de dizer as coisas mais lindas que eu já tinha ouvido. — Eu sou louca por você. Nem sei o que dizer. Você é tudo que eu sempre sonhei, tudo.
Ele sorriu e me puxou pro seu colo. Eu deveria ter interrompido o nosso beijo porque sabia muito bem que não era exatamente respeitoso o que estávamos prestes a fazer dentro da casa dos meus pais. Mas infelizmente, eu não tinha controle algum quando se tratava de Victor Bellini.
Victor
Quando acordei de manhã, ao invés de encontrar Elisa do meu lado, achei um bilhete escrito por ela que dizia: “Bom dia, Victor! Fui para o salão me arrumar com a minha mãe. Nos vemos na hora da cerimônia. Meu pai está em casa, se precisar de qualquer coisa, fale com ele. Beijos da sua namorada”. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para ela:
Victor: Vc sabe q podia ter me mandado uma mensagem ao invés de deixar um bilhete como antigamente, né?
Elisa: Mas mensagens pelo celular não são românticas. Bilhetes são.
Victor: Vc tá certa. Vou guardar esse bilhete pra sempre, namorada
Elisa: Nos vemos mais tarde, namorado
Namorada. Aquela palavra ainda soava diferente para mim. Antes de conhecer Elisa, eu era um solteiro convicto. Eu estava totalmente focado na minha carreira e só queria mulheres para ter noites de diversão. Eu sempre enchi o peito para dizer que nunca iria namorar, muito menos casar. Mas tudo mudou depois de Elisa. Ela me mostrou que compartilhar a vida com alguém não é ruim, como eu imaginava. Ontem, quando disse tudo a ela, eu estava sendo sincero. Elisa fez meu mundo desandar e gostei disso. Eu gosto de quem sou quando estou com ela. Desde que a beijei pela primeira vez, no dia que nós dois estávamos bêbados, não beijei mais nenhuma outra mulher. Não me ou pela cabeça que Elisa estava esperando um pedido especial. Mas se isso era importante para ela,
óbvio que eu faria. Assim como faço tudo que ela me pede. Ela realmente me tem na mão.
Depois de tomar um banho, fui procurar o pai de Elisa para ver se precisavam de ajuda com alguma coisa. Ele estava na sala com mais três rapazes mais novos, com idades próximas a minha. E todos eram parecidos. Altos, pele clara e cabelos pretos.
— Bom dia, pessoal. – eu disse e todos os olhos da sala se viraram para mim. — Vocês precisam de alguma ajuda? – perguntei.
— Bom dia, Victor. – seu Carlos me respondeu com um sorriso. — Meninos, esse aqui é Victor, de quem eu falava. – ele fez uma pequena pausa pensando no que iria dizer. — O acompanhante da irmã de vocês. Victor, esses são Jonas, Rodrigo e Caio, meus outros filhos. – enquanto seu Carlos dizia o nome dos filhos, eu apertava a mão de um por um.
— Prazer conhecê-los. A Elisa fala muito de vocês. – eu disse tentando não parecer nervoso. Ontem à noite, Elisa tinha me alertado que seus irmãos poderiam ser um pouco ciumentos. Eles me analisavam de cima a baixo. — E Jonas, parabéns pelo casamento! Espero que vocês sejam muito felizes. – eu disse.
— Obrigado, cara. – Jonas respondeu. — Mas me conta, como você e Elisa se conheceram? – o interrogatório estava iniciado.
— Foi numa festa, na verdade. A gente conversou por alguns minutos. Depois de uns dias, nos encontramos de novo e então começamos a sair como amigos. O
amigo dela, Daniel, namora um dos meus colegas de quarto também. – eu respondi, omitindo algumas informações para meu próprio bem.
— Ah, você conhece o Dani? Ele é uma pessoa fantástica. Cuida tão bem da nossa Elisa. – seu Carlos disse tentando mudar o foco da conversa. Infelizmente ele não foi bem sucedido.
— Se cuidasse tão bem, Elisa não estaria numa festa conversando com um estranho. – Caio falou. — Sem ofensas. – completou.
— A irmã de vocês já é maior de idade e pode tomar suas próprias decisões. – seu Carlos disse.
— Mas então vocês são apenas amigos? – Rodrigo perguntou. Todos os olhos se voltaram em minha direção. Esperei para ver se seu Carlos iria dizer algo, mas ele também estava bem curioso para saber o que eu ia responder.
— Não. Somos amigos, claro. Mas Elisa é muito mais que isso pra mim. A gente tá namorando. – eu disse a verdade.
— Nunca vi Elisa tão feliz quanto agora, com você. Cuide bem dela. Ela é nosso bem mais precioso. – seu Carlos me disse, dando um sorriso simpático.
— Você me parece um cara decente. O que você faz da vida? – Caio questionou.
— Caio, deixe o menino em paz! – seu Carlos interveio.
— Está tudo bem, seu Carlos. Eu sou médico. Estou terminando minha residência em Neurologia. Trabalho no Hospital Universitário de Itaperuna, onde a Elisa também faz estágio atualmente. – eu não iria deixar os irmãos de Elisa me intimidarem.
Continuei respondendo às perguntas por alguns minutos. De onde eu era, o que meus pais faziam, há quanto tempo exatamente eu saía com Elisa, quais os meus planos pro futuro, entre outras.
— Tá bom, meninos, chega de encher o Victor. Ainda precisamos levar o resto das coisas para o salão onde será a cerimônia. Vocês sabem que a mãe de vocês irá nos matar caso alguma coisa dê errado por nossa culpa. – seu Carlos disse pegando uma caixa e levando-a para fora, até o carro. Jonas e Caio também pegaram uma caixa cada e saíram da casa. Curvei-me para pegar uma caixa, quando senti uma mão em meu braço.
— Se você partir o coração da nossa irmã, terá que lidar com nós três. E acredite, doutor, a gente não tem medo de quebrar a cara de quem merece. – Rodrigo disse, em tom de ameaça.
— Eu acredito que isso não será necessário, Rodrigo. Eu jamais faria qualquer coisa pra machucá-la. Mas valeu pelo aviso. – peguei a caixa e caminhei para o carro. Os irmãos de Elisa conseguiam ser assustadores quando queriam, isso eu não podia negar.
***
Eu estava sentado em um dos bancos do local onde seria a cerimônia. Olhei no relógio e faltavam 20 minutos até o horário marcado para começar. O resto da manhã foi tranquila, apesar de bem corrida. Não recebi mais ameaças dos irmãos da minha namorada. A gente ainda não tinha se visto, desde ontem à noite. E, parece loucura, mas eu já estava com saudades dela. Peguei meu celular que estava guardado no bolso do paletó preto e digitei uma mensagem.
Victor: Conheci seus irmãos, mas continuo vivo
Elisa: Isso já é uma vitória :) eles tentaram te colocar medo?
Victor: O Rodrigo ameaçou quebrar minha cara, se eu quebrasse seu coração
Elisa: Ele sempre foi o mais ciumento… desculpa por isso.
Victor: Eu lutaria com os três se o prêmio fosse ter vc, princesa
Elisa: Amo seus momentos fofos, Bellini
Victor: Eu sei. Guardo todos eles pra vc :)
Elisa: Preciso ir. Tá quase na hora de começar. Eu sou a de vestido azul claro, caso você não me reconheça graças a toda maquiagem que minha mãe me
obrigou a usar
Victor: Eu te reconheceria de qualquer jeito
Assim que apertei “enviar”, a pessoa que estava conduzindo a cerimônia pediu que todos se sentassem porque iria começar o casamento. A música começou a tocar para que Jonas e dona Sônia entrassem. Jonas estava nervoso, dava para perceber na forma como ele não conseguia parar de mexer as mãos. Eu, que nunca tinha imaginado casar, comecei a pensar se eu também me sentiria nervoso se estivesse no lugar dele.
A música mudou para que os padrinhos começassem a entrar. Elisa foi a primeira, acompanhada de Caio. Ela estava linda. Usava um vestido longo da cor azul claro com um decote que eu não conseguia parar de olhar. Que sorte eu tinha de ter aquela mulher pra mim! Quando ela encontrou meus olhos no meio da multidão, abriu um sorriso e eu sorri de volta. Não lembro muito bem o que aconteceu depois porque, desde que vi Elisa entrando naquele salão, não conseguia mais tirar os olhos dela.
Assim que a cerimônia acabou, fomos para a área externa do salão, onde seria o almoço e a festa. Elisa correu em minha direção assim que me viu, jogando seus braços ao redor do meu pescoço e me dando um beijo nos lábios. Minha vontade era de voltar para casa, arrancar o vestido dela e beijar todo aquele corpo. Mas infelizmente isso teria que esperar.
— Estava com saudades de você. – ela disse em meio aos beijos.
— Eu também estava. Acho que estou viciado em você, Elisa.
Procuramos uma mesa vazia para sentar e almoçar. Durante toda a festa, pessoas da família de Elisa vieram nos cumprimentar e perguntar a ela quem eu era. Eu amava o sorriso que ela dava ao dizer que eu era o seu namorado.
— Acho que o fato de você trazer um namorado ofuscou o verdadeiro casal do dia. – eu disse em determinado momento.
Mais ou menos na hora do pôr-do-sol, quando a festa estava chegando ao fim, alguém gritou que o buquê seria jogado. Elisa, e todas as outras mulheres da festa, levantaram animadas e foram até o local onde o evento aconteceria. Eu me levantei e fiquei de longe assistindo aquela cena que mais parecia tirada de um filme de comédia romântica. A noiva contou até três e jogou o buquê que caiu exatamente na mão de Elisa. Ela gritou, comemorou, pulou. Depois de tirar uma foto com a noiva, Elisa veio andando até onde eu estava.
— Você sabe o que diz a tradição, né? Quem pega o buquê é a próxima sortuda a se casar. – Elisa me disse.
— Acabamos de mudar de status para namorando e já vamos mudar de novo para noivos? Assim vai ficar difícil da sua família acompanhar. – eu disse brincando e Elisa me beijou.
Ainda estávamos nos beijando quando alguém convidou todos os presentes para irem até a pista de dança. Os noivos iriam fazer a primeira dança como casal. Elisa e eu assistimos Jonas e Clarisse dançando por um tempo, até que a cerimonialista disse que quem quisesse dançar, estava convidado a se juntar aos noivos na pista de dança.
— Vamos? – perguntei a ela. Elisa pegou na minha mão e começamos a dançar a música lenta e romântica que tocava. As mãos de Elisa estavam nos meus ombros e as minhas mãos estavam na cintura dela. Nossos olhos não se desgrudavam.
— Obrigado por ter me convidado, Elisa. Esse final de semana foi perfeito. – eu disse, sussurrando em seu ouvido.
— Eu nunca vou esquecer esses dias, Victor. Você tornou tudo ainda mais incrível. – Elisa me respondeu. A música romântica tocando, o clima de amor no ar… De repente eu me peguei querendo dizer aquelas 3 palavras que eu nunca pensei em dizer para ninguém.
— Elisa… eu amo você. – eu disse sem pensar muito. Eu apenas deixei sair pela minha boca o que eu estava sentindo no momento. E era totalmente verdade. Ela parou de dançar na mesma hora. Olhou em meus olhos e deu o sorriso mais lindo do mundo.
— Eu também amo você, Victor. Acho que eu tenho amado você desde o dia que me salvou daquele cara bêbado na ItapêFest. – seus olhos brilharam. Abri um sorriso e colei nossas bocas em mais um beijo.
Elisa
Quando Clarisse jogou o buquê e caiu diretamente nas minhas mãos, eu vibrei como nunca. Para falar a verdade, nem sei se faço questão de um casamento desses com igreja, véu e grinalda e tudo mais. Talvez uma cerimônia simples na praia, pés descalços na areia, o vento fazendo meu cabelo voar. Algo mais íntimo. Eu olhei na direção de Victor e ele sorria para mim. Fui até ele e logo depois seguimos para a pista de dança. Dançamos colados por um tempo até que de repente aconteceu o que eu nunca imaginei que aconteceria.
— Elisa… eu amo você. – eu parei de dançar, em choque com aquelas três palavras. Senti meu coração parar por alguns segundos dentro do meu peito. E depois voltou a bater, ainda mais rápido. Eu o encarei nos olhos e sorri.
— Eu também amo você, Victor. – naquele momento, parecia que toda a nossa história ava em flashes pela minha cabeça. — Acho que eu tenho amado você desde o dia que me salvou daquele cara bêbado na ItapêFest.
E então ele me beijou, um beijo completamente apaixonado. Foi doce, delicado e amoroso. Ao som de uma música romântica, num dos melhores finais de semana da minha vida, trocamos o nosso primeiro “eu te amo”. Eu sabia que daquele momento em diante, toda vez que eu ouvisse aquela música, lembrar-me-ia do sorriso de Victor e como os olhos dele brilhavam quando eu retribuí a sua declaração. No momento que o refrão tocou, eu só conseguia desejar do fundo do meu coração que aquele momento durasse pra sempre.
***
Na segunda-feira de manhã quando cheguei ao hospital, ainda estava em êxtase pelo final de semana maravilhoso. Domingo eu tinha ido direto pra kitnet e Victor seguiu para a república. Eu precisava de um dia de fofocas com Dani para atualizá-lo sobre tudo. Enquanto eu andava em direção à minha sala de atendimentos, senti meu celular vibrar.
Victor: Bom dia, princesa! Vou parecer um meloso, mas já to com sdd sua. Não sei mais acordar naquela cama sem vc
Eu sorri, toda boba parada no meio do corredor atrapalhando o caminho. Mas eu estava nem aí.
Elisa: Tbm estou com sdds, amor. Que tal eu ir pra república hj?
Victor: Tava esperando q vc dissesse isso. Não vejo a hr de estar em vc
Victor: com vc*
Victor: Foi mal, corretor :P kkkkkk
Victor: Vou começar a atender aqui
Victor: Te amo
Elisa: Te amo. De noite te mostro o qnt
Victor: Porra Elisa. Agora vou ter q esperar alguns segundos antes de ir atender hahahahaha Vc me faz sentir como um menino excitado de 12 anos
Elisa: Bobo, vai atender logo <3
Eu ainda não estava acostumada com Victor dizendo que me amava. Cada vez que eu ouvia (ou lia) essas palavras, meu coração parecia que ia sair pela boca. Guardei meu celular no bolso e fui atender meus pacientes daquela manhã.
Perto das 13h, saí para encontrar Helena. Ontem à noite, marquei de almoçar com ela e atualizar sobre as novidades do final de semana. Fomos juntas até o restaurante e nos sentamos na nossa mesa de sempre. A garçonete já até sabia quais eram os nossos pedidos.
— Pelo sorriso que não sai do seu rosto desde que chegou ao Hospital, imagino que tudo tenha corrido bem, né? – Helena comentou, enquanto adoçava o suco de morango.
— Ah, Helena… – eu suspirei. — Foi perfeito. Estamos oficialmente namorando. – percebi Helena abrir a boca surpresa.
— Victor Bellini sendo oficialmente um namorado??? – ela falou um pouco mais alto do que deveria. Várias cabeças de outros funcionários do hospital que
almoçavam se viraram na nossa direção. Mais uma vez, não dei a mínima.
— Sim! – comentei empolgada. — E ele ainda disse aquela palavra com A. – Helena quase cuspiu o suco de morango.
— O QUÊ? – ela gritou. Percebendo os olhares que atraiu, abaixou a voz para que só eu ouvisse. — Ele disse “eu te amo”? – eu assenti em resposta. — Nossa, Elisa, que bom pra vocês. Vocês são mesmo perfeitos um pro outro. – ela disse sorrindo, mas notei que era um sorriso triste.
— Aconteceu alguma coisa, Helena? – ela deu de ombros, evitando me responder. — Você não me engana, Heleninha, desembucha.
— Ah… não é nada demais. É o… Rafael. – ela disse e eu ergui uma sobrancelha.
— O que o babaca do Fritz fez com você? Eu juro que se ele tiver te magoado, eu…
— Calma, Elisa. – ela disse, rindo de leve. — Ele não fez nada, eu que fiz. Esse é exatamente o problema.
— Não entendi.
— Na festa, depois do beijo, ele pediu meu telefone. – ela disse sem nem
perceber o que aquilo queria dizer. Eu estava absolutamente chocada. Rafael Fritz pedindo o telefone de uma garota? Eu precisava urgente comentar aquilo com Victor. — Desde então, a gente vem conversando praticamente todos os dias. – eu já não podia mais conter o meu choque. Rafa vinha conversando com a mesma garota todos os dias??????? — Eu comecei a trabalhar num caso com ele e uma coisa foi levando a outra... No último final de semana, a gente saiu. Mas no final da noite, quando as coisas começaram a esquentar, eu fugi. Simplesmente fugi. Ai, Elisa, sinto-me uma idiota.
— Espera. Volta a fita. – eu disse, tentando acompanhar. — Vocês saíram??? Tipo um encontro??? – Helena assentiu, sem olhar nos meus olhos.
— Na verdade, era uma espécie de jantar de agradecimento. Longa história.
— E depois? Vocês conversaram? – Helena negou com a cabeça.
— Como eu disse, fugi. E venho fugindo desde então. – Helena pegou o celular e procurou algo para me mostrar. — Isso é a quantidade de ligações e mensagens que ele me mandou. – eu olhei a tela. 7 ligações perdidas. 16 mensagens no WhatsApp não lidas.
Eu quase não consegui conter o sorriso. Rafael Fritz estava correndo atrás da minha melhor amiga. Por essa eu não esperava. Mas eu me sentia realizada.
— Amiga, você precisa falar com ele. Por que você não procura por ele hoje após o plantão? – sugeri.
— Ele não está de plantão hoje. E ainda assim… não sei se consigo. Eu tô com muita vergonha.
— Não tem por que ficar com vergonha, Helena. Olha a quantidade de vezes que ele te procurou. Tenho certeza de que se vocês conversarem, tudo se resolve.
***
Voltamos do almoço com Helena ainda tentando negar a conversa com Rafael. Ela teria que conversar com o Rafa mais cedo ou mais tarde. Aproximei-me das recepcionistas do segundo andar para pedir um prontuário e notei que elas pararam de conversar assim que cheguei. Que estranho. Elas me entregaram os papéis sem muita simpatia e eu segui meu caminho. Até que aconteceu mais uma vez. Cumprimentei as enfermeiras que eu sempre cumprimentava e elas nem me responderam. O que raios estava acontecendo? Até que uma delas resolveu abrir a boca e se dirigir a mim:
— É verdade o que estão dizendo? Que você e Victor Bellini estão namorando? – a enfermeira disse, dando ênfase na última palavra.
— Hum… Sim. Estamos namorando. – eu respondi sorrindo. A garota me olhou de cima a baixo e me deu as costas sem nem responder nada. Então era isso? Eu estava sendo penalizada porque tinha tirado o número 1 do Top Sexo de circulação?
Elisa: Vc acabou de me tornar a pessoa mais odiada desse hospital
Victor: ?????
Elisa: Parece q a notícia do nosso namoro se espalhou e agora estou sendo ignorada e julgada por todas as mulheres
Elisa: E por alguns homens tbm
Victor: Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Para de palhaçada
Elisa: É verdade, Bellini. Vc é pop por aqui
Victor: Mal sabiam q mesmo antes da nossa oficialização eu só tinha olhos pra vc. Ngm tinha chance
Eu sorri sozinha mais uma vez naquele dia. As pessoas começariam a achar que eu estava ficando maluca.
Victor
Na segunda-feira de manhã, após o final de semana que ei com Elisa, acordei na minha cama da república sentindo falta dela comigo. Levantei-me, tomei um banho demorado e desci para comer alguma coisa. Na cozinha, mais uma vez encontrei Rafael sentado comendo torradas. Nem sinal de Thiago e seus banquetes matinais. Estava começando a achar que íamos precisar aprender a cozinhar.
— Bom dia, Victor. – ele disse, assim que cheguei. Parecia esquisito, meio… cabisbaixo?
— E aí, Fritz? Que cara de enterro é essa? Problemas com alguma mulher? – perguntei. Ele balançou a cabeça.
— Não vou nem te contar, porque você com certeza vai me zoar. – claro que eu ia, não importava o que fosse, mas eu também poderia ajudar de alguma forma.
— Claro que não vou te zoar. A partir de sexta me tornei um novo Victor Bellini. Agora eu namoro. – eu contei. Rafa ergueu os olhos assustado.
— Como é que é? Você e Elisa são agora oficiais, então? – eu assenti. — Ah, cara… É a Helena.
— Helena Helena? Amiga da Elisa? – perguntei. Ele concordou com a cabeça.
— No final de semana a gente saiu para um bar. Estava tudo correndo bem. Maravilhosamente bem até. – Rafa contou. — Mas esse não foi o problema. O problema é que ela FUGIU. – eu precisei conter o riso nessa hora. Rafa devia estar realmente sofrendo, nenhuma garota já tinha fugido dele antes.
— Como assim fugiu? E como assim “a gente saiu para um bar”? Que história é essa?
— Eu… – ele parecia estar medindo as palavras pra me contar. — Peguei o telefone dela no dia da minha festa. E aí começamos a conversar. Aí saímos, ficamos e ela fugiu. Eu já mandei mensagem, liguei e nada. Estou me sentindo igual as garotas que corriam atrás da gente.
Dei um sorriso e bati nas costas do Rafa.
— É, irmão. Parece que agora quem vai ter que esperar é você, né? – ele concordou com a cabeça. — Mas cuidado, cara. A Helena é uma garota gente boa, não vai fazer com ela nada de errado. – ele concordou com a cabeça e mudou de assunto. O resto do café seguiu normal, sem maiores revelações. Saí da república e dirigi meu carro até o hospital, onde teria um longo dia de atendimentos pela frente.
***
Por volta das três da tarde eu já estava exausto. Não tinha nem almoçado. Saí da minha sala mais uma vez com o objetivo de comprar um biscoito numa das
máquinas espalhadas pelo hospital. Antes de dobrar a esquerda, ouvi o nome de Elisa saindo da boca de alguém. Escondi-me para que não me vissem.
— Mas, cara, tão dizendo hoje o dia inteiro que ela e o Bellini estão sérios, tipo namorando mesmo. – uma voz que eu não conhecia falou.
— Que nada. – André. Aquela voz eu reconhecia. Senti meu maxilar trincar imediatamente. — aquela ali come na palma da minha mão. Outro dia até gemeu no meu ouvido quando apertei a bunda dela. Uma delícia. – eu ia quebrar a cara daquele filho da puta. Eu ia socar tanto que quando me tirassem de cima, a cara dele ia estar amassada no asfalto quente.
Respirei fundo e fechei o olho. Eu precisava me acalmar antes que perdesse o controle. Voltei para minha sala e fiquei por uma hora parado tentando decidir o que eu ia fazer.
Ele não podia falar da Elisa assim, espalhando essas mentiras pelo hospital.
É isso.
Eu decidi.
Me levantei e saí da sala.
Se ninguém nessa porra de hospital tomava uma atitude, eu tomaria.
Eu ia atrás do André.
***
Olhei pela janelinha da sala dele e vi que ele estava sozinho lá dentro. Abri a porta e bati com força atrás de mim. Ele deu um pulo na cadeira, assustado com o barulho.
— Mas que porra…? – ele começou, mas assim que colocou os olhos em mim e viu a fúria no meu olhar, parou de falar.
— Eu quero que você preste bastante atenção no que eu vou dizer. – eu disse me aproximando dele. — Você nunca mais vai tocar na minha namorada. Eu não quero que você fale com ela fora do horário, pense nela e muito menos que fique contando mentiras sobre ela pelo corredor. – percebi-o engolindo em seco, enquanto olhava para meus punhos cerrados ao lado do corpo. Covarde do caralho. — Se eu souber que você tocou nela mais uma vez, eu vou acabar com a sua cara, seu abusador filho da puta. – aproximei-me ainda mais dele e o empurrei pra trás fazendo-o cair da cadeira.
Dei as costas e saí da sala antes que eu não conseguisse mais me controlar. Eu sabia que Elisa tinha pedido que eu não me metesse, mas depois do que ouvi no corredor era impossível. Elisa e nenhuma outra mulher merecia ar por isso.
Voltei para minha sala e fiquei por lá o restante do dia. Perto das 19h ouvi batidas na minha porta. Olhei pela janelinha e vi que era Elisa. Fiz sinal com a
cabeça de que ela poderia entrar.
— Oi, amor. – ela disse, seguindo na minha direção e colando os lábios nos meus. Eu amava quando ela me chamava assim.
— Oi, princesa. Pronta para irmos? – perguntei, enquanto pegava minhas coisas espalhadas pela sala. Ela assentiu.
— Prontíssima. Louca pra ficar agarradinha com você. – ela disse sorrindo.
Eu então, estava mais do que pronto.
Elisa
O resto da semana foi bastante corrido, estávamos na época de entrega dos primeiros resultados do experimento de controle inibitório. Incrivelmente, André parecia ter esquecido de mim. Falava comigo estritamente o necessário, o que eu agradecia aos céus. Na tarde de sexta, tivemos uma reunião geral com a Dra. Isabel, na qual ela elogiou bastante o meu trabalho com os testes neuropsicológicos. Foi incrível receber tantas palavras positivas de uma mulher tão maravilhosa quanto Isabel.
Quem não gostou nem um pouco dessa reunião foi André, que levou uma bronca homérica por, mais uma vez, não fazer o que ela tinha pedido. Ele saiu da reunião antes de todos com uma cara de poucos amigos. Hoje Victor tinha conseguido sair mais cedo para treinar com Gusta e eu combinei de encontrar com ele direto na república. Eu estava vivendo o melhor momento da minha vida, sem sombra de dúvida. Distraída, andando até o refeitório para pegar um café antes de ir embora, nem percebi quando André se aproximou de mim, segurando-me pelo braço.
— Você é engraçada, né Elisa. Gosta de bancar a poderosa, forte, feminista, mas não perdeu a oportunidade de mandar seu namoradinho me ameaçar, né? – do que ele estava falando?
— André, você está me machucando. Solta o meu braço. – eu disse tensa. Ele soltou, mas se aproximou mais, causando-me medo só de olhar no seu olho.
— Quer bancar de santinha? Cada vez que eu ava a mão em você, você gostava. Nunca me pediu pra parar. – meus olhos se encheram de lágrimas, mas
dessa vez reuni toda força que eu tinha no meu corpo e dei um tapa na cara dele.
— Eu tenho nojo de você! Sai de perto de mim! – eu o empurrei para trás e saí na direção do final do corredor vazio, mas não sem antes ouvi-lo falar mais uma vez.
— E pode falar pro Bellini que não adianta me ameaçar, eu não tenho medo dele. Inclusive, quase esqueci de te falar, você foi solicitada no RH, Elisa. – ele deu um sorriso irônico.
Paralisei por um segundo. Eu não sabia se o que ele falava era mentira ou verdade. Sobre Victor, sobre o RH, às vezes até questionava os fatos sobre mim mesma.
Dei meia volta e ei por André seguindo em direção ao setor de Recursos Humanos. Bati na porta e fui recebida pelo mesmo Analista da última vez.
— Boa tarde, Elisa, que bom que você recebeu meu recado. – ele me indicou a cadeira à sua frente como num déjà vu daquele primeiro dia que estive aqui. — O motivo do meu chamado hoje infelizmente não é dos melhores, lamento dizer. – Meu coração parou dentro do peito.
— Desculpe, mas o que houve? – perguntei.
— Estive ainda pouco com o Dr. Pimentel e fiquei bastante preocupado com algumas das informações que ele me trouxe. – o Sr. Azevedo parou de falar
como que esperando que eu dissesse algo, mas eu nem sabia o que dizer. — Ele me relatou um episódio recente com outro médico desse Hospital, Dr. Victor Bellini. Segundo ele, vocês são namorados, isso procede?
— Sim, mas eu não sei por que… – tentei argumentar.
— Pois é. O problema é que Dr. Pimentel está se sentindo ameaçado e com razão. Segundo ele, o centro de toda a confusão foi a senhorita. – engoli em seco. — Não me entenda mal, Elisa, não tenho nada a ver com a sua vida pessoal. Eu já tive a sua idade, mas se envolver e dar esperanças a dois homens diferentes que trabalham no mesmo lugar pode ser complicado e problemático em muitos níveis.
Eu não consegui responder. Fiquei em silêncio, chocada, transtornada e querendo ir embora daquele Hospital e nunca mais voltar.
— Conversei com o coordenador istrativo do setor de Neurologia e juntos chegamos à conclusão de que nesse momento a melhor solução seria te afastar por uma semana e em seguida promovermos um retorno gradual. Só enquanto as coisas se acalmam. – ele esperava que eu dissesse alguma coisa. Mas eu continuava tensa, séria, encarando-o. — Preciso da sua nesse documento, por favor.
Peguei a caneta ainda sem dizer uma palavra e fiz o que ele pediu.
— Com licença. – disse levantando-me e caminhando em direção à porta.
— Elisa? – o analista me chamou. Eu me virei, com a mão na maçaneta. — Eu sinto muito.
Não respondi nada. Ele não sabia o que era sentir muito. Ele não sabia o que era ser silenciada, descredibilizada e tratada como uma qualquer no lugar que deveria te acolher. Andei com os rápidos até o estacionamento.
Entrei no carro e saí do estacionamento em disparada. Eu não conseguia pensar direito. Victor tinha ameaçado André? Depois de tudo que eu tinha pedido? Eu disse que não ia adiantar nada, só pioraria a situação. Eu me sentia humilhada e o pior, traída. Dirigi até a república com as lágrimas no meu rosto escorrendo. Estacionei e encontrei Victor sentado do lado de fora com Gusta, ainda suados da academia.
— Por que você fez isso? – perguntei enfurecida pra ele, que me olhou sem entender do que eu falava.
— Do que você tá… – antes que ele terminasse, eu interrompi.
— André. Por que você falou com ele mesmo depois de ter me prometido que não faria nada? – a cara dele mudou na mesma hora. De confuso, agora Victor parecia preocupado e arrependido.
— Elisa, deixa eu te explicar, vamos conversar com calma. – Gusta se levantou e saiu de fininho para nos deixar sozinhos. Eu não queria ouvir o que ele tinha a dizer. Minha vontade era ir embora e não olhar mais para ele. Mas fui forte o suficiente para deixar que ele se explicasse. — Eu o ouvi falando de você no corredor, meu sangue subiu, princesa. Eu não podia deixar que ele falasse de
você daquele jeito. Ele te menosprezou.
As lágrimas no meu rosto continuavam a descer freneticamente.
— Você traiu minha confiança, Victor. Tudo para não perder sua reputação? Não ficar mal pelos corredores do hospital? – eu disse e ele parecia desesperado a minha frente. — Eu te pedi. Eu te implorei para não fazer nada.
— Desculpa-me… – ele tentou segurar minhas mãos e eu me afastei. O olhar de tristeza no rosto dele quase me fez desistir. — Por favor.
— Eu fui suspensa. Uma semana fora do hospital e um retorno gradual depois. – eu disse, mais para mim mesma do que para ele. — Ainda fui acusada de estar me envolvendo com vocês dois ao mesmo tempo. Você tem ideia de como eu me sinto? Eu disse que se você se metesse seria pior.
— O quê? – por um segundo, a tristeza tinha dado espaço ao completo choque no seu rosto. — Perdoe-me, eu… não fiz por mal. Eu não tinha ideia de algo assim podia acontecer. – eu vi as lágrimas começarem a se formar no canto dos olhos dele. Ele sabia como aquilo terminaria e eu também. — Eu te amo.
As lágrimas escorriam ainda com mais força pelo meu rosto. Eu o amava. Muito. Mas ele tinha quebrado minha confiança numa das coisas mais importantes que pedi a ele.
— A gente não tem como continuar assim, Victor. – eu disse e ele deixou as
lágrimas escorrerem pelo rosto. Eu nunca tinha visto Victor chorar. Eu sabia que estava fazendo ele sofrer e não queria. Mas eu estava machucada, traída, não conseguia seguir em frente.
— Elisa… – ele implorou.
— Eu quero ficar sozinha, tudo bem? – eu disse, engolindo um pouco do choro. — Por favor, não me procura. Pelo menos… por um tempo.
Eu dei as costas e saí. O gosto salgado das lágrimas continuava na minha boca. Eu me sentia fraca. Eu queria sumir e só aparecer de novo quando toda essa tempestade tivesse ido embora.
Entrei no carro e dirigi pra kitnet. Eu tinha perdido meu namorado, meu trabalho e o pior de tudo, minha reputação, tudo em um dia. Eu precisava de um pote de 5l de sorvete.
***
Cheguei em casa com o rosto inchado de tanto chorar. Dani logo veio na minha direção preocupado, querendo saber o que houve. Precisei respirar fundo algumas vezes antes de conseguir colocar em palavras.
— Eu terminei com o Victor. – assim que as palavras saíram da minha boca, o sentimento de vazio me preencheu. Contei para Dani tudo que tinha acontecido. Desde os abusos de André, a primeira ida no RH, a promessa que Victor tinha
me feito e a minha atual condição no Hospital.
— Elisa… Eu nem sei o que te dizer. – Dani eava a mão no meu cabelo. — Poxa, vocês estavam tão bem…
— Ele quebrou minha confiança, Dani. Como vou confiar outras coisas a ele desse jeito? – Dani assentiu concordando.
Naquela noite, não consegui dormir. Rolava pela cama de um lado para o outro me lembrando do olhar de Victor quando eu disse para ele não me procurar. Mas eu precisava desse tempo para organizar minha cabeça e, quem sabe, um dia conseguiríamos reestabelecer a nossa confiança.
Eu tive que ir ao Hospital no dia seguinte buscar algumas coisas no vestiário. Mas a minha vontade era não voltar mais. Eu sabia que minha suspensão era temporária, mas eu me sentia tão humilhada… cheguei lá sem falar com ninguém, mas não consegui deixar de procurar por ele em cada canto. Não o vi. Ainda bem. Àquela altura eu sabia que todos já deviam estar sabendo do que tinha acontecido e eu não estava a fim de responder perguntas. Quando saí, ei na mesa das recepcionistas para deixar uns documentos pendentes e ouvi as duas conversando propositalmente mais alto para que eu ouvisse.
— Dr. Bellini faltou hoje, você soube? – uma disse para a outra. — Em todos esses anos, ele nunca tinha faltado um dia sequer. Ouvi dizer que ele e o Dr. Pimentel estão numa disputa.
Antes que eu fizesse algo de que me arrependesse, segui para o meu carro. Sentei-me no banco de motorista e olhei meu celular. Não tinha nenhuma
mensagem dele. Mas um outro nome na tela me chamou atenção.
Rafael: Oi, Elisinha. Bellini me contou o q aconteceu. Como vc tá?
Se alguém me dissesse há um tempo atrás que eu e Rafa teríamos nos tornado amigos, eu duvidaria. Mas ele se preocupava comigo o suficiente pra me mandar mensagem mesmo quando eu tinha terminado com o seu melhor amigo.
Elisa: Oi, Rafa. Péssima, se quer saber a vdd.
Rafael: Victor está péssimo aqui tbm, eu nunca o vi assim, Elisa. Queria q vcs se acertassem logo
Elisa: Eu sei, eu tbm. Mas eu preciso de um tempo p me recuperar desse baque
Rafael: Se vc precisar de alguma coisa, sabe q pode me procurar né?
Elisa: Quem diria q Rafael Fritz pode ser fofo. Isso é efeito Helena Birkman?
Rafael: Vamos deixar Heleninha fora da conversa antes q eu me desconcentre
Consegui rir um pouquinho e tirei um print pra mandar pra Helena, é claro.
Travei uma batalha interna comigo mesma enquanto digitava e apagava seguidas vezes na minha conversa com Victor, tentando decidir se eu deveria mandar alguma mensagem. Eu queria falar com ele mais que tudo. Ao mesmo tempo que eu sabia que pro bem de nós dois, e de quem sabe termos uma chance no futuro, precisávamos ficar separados.
Mas isso não significava que seria fácil.
Victor
— Por favor, não me procura. Pelo menos… por um tempo.
Aquelas tinham sido as palavras mais difíceis que eu já tinha ouvido. Parecia que o meu coração estava sendo arrancado do peito. Era muito pior do que qualquer dor física que eu já tinha sentido. Eu queria segurar o braço dela e implorar que me perdoasse, mas eu a deixei ir. Eu faria o que ela tinha me pedido. Por minha culpa, Elisa tinha sido suspensa e acusada de coisas que não eram verdade. Perdi a confiança dela porque tinha quebrado uma promessa, dessa vez eu ia respeitar.
Entrei em casa e abri a adega pegando a garrafa de whisky mais forte que tínhamos. Rafael que estava sentado no sofá, olhou-me confuso.
— Bellini, o que você… – eu nem ouvi o restante da frase. Abri o whisky e tomei um gole enorme enquanto subia pro meu quarto. Eu não queria falar com ninguém. Tranquei-me e detonei a garrafa inteira. Eu me sentia completamente zonzo e enjoado, mas pelo menos a embriaguez fazia a dor no meu peito ar um pouco.
ei a noite inteira acordado e na manhã seguinte já não restavam mais efeitos do álcool. Só uma das piores ressacas da minha vida. Mas com a sobriedade, toda dor voltou. Eu não conseguiria ir pro Hospital sabendo que Elisa não estaria lá. Por minha culpa. Perdido no meu próprio sentimento, fui despertado com batidas na minha porta.
— Entra.
— Victor, já são 10h30. Eu tô indo pro Hospital. – era Thiago. Ele parecia preocupado. — Quer uma carona? – eu neguei com a cabeça.
— Não, eu não vou hoje.
— Você não vai? Victor, eu acho sinceramente que você…
— Obrigado pela carona, Thiago. Mas eu não vou hoje. – disse cortando. Eu não estava querendo lição de moral. Queria só ficar sozinho. Thiago entendeu o recado, assentiu e saiu.
Alguns minutos depois, a república estava completamente silenciosa. Desci e peguei mais uma garrafa de bebida alcóolica.
***
Cada dia que eu acordava sem Elisa do meu lado me fazia sofrer. Os dias se tornaram semanas e, aos poucos, aprendi a lidar. Eu vi que ela aos poucos retornava aos atendimentos no Hospital, começando poucas vezes por semana. Eu evitava ar por onde sabia que ela estaria, então, poucas vezes, nos esbarrávamos pelos corredores. Eu não conseguia nem cogitar me aproximar porque me sentia tão culpado pelo que tinha causado a ela que só imaginava que estava melhor mesmo sem mim.
O único momento que eu não podia evitar encontrar com ela era durante as reuniões gerais da pesquisa. Na primeira semana, ela faltou. Helena disse a Isabel que Elisa não poderia comparecer pois estava muito doente. Mas no fundo eu sabia que ela não iria porque não ava me ver. Tínhamos brigado há apenas uma semana, era tudo muito recente. Nas duas semanas seguintes, Elisa compareceu à reunião. Éramos profissionais o suficiente para lidar com isso, mas não significava que eu estava bem dividindo a mesma sala com ela por horas. Porque eu não estava. Doía. Doía pra caralho. Ela se sentava o mais longe possível de mim e evitava olhar em minha direção. Há tantas coisas que eu queria dizer a ela. A principal era que eu sentia sua falta em cada minuto da porra dos meus dias.
Aos finais de semana, eu tinha estabelecido uma nova rotina: pegar uma bebida na adega e beber toda a garrafa enquanto assistia qualquer coisa na Netflix. Começava na sexta-feira, assim que eu chegava em casa do plantão e terminava no domingo à noite. Perdi as contas de quantas bebidas alcoólicas tinha ingerido nos últimos finais de semana. As noites eram sempre mais difíceis, e eu acabava bebendo mais de uma garrafa. Mas quando a manhã chegava, tudo que eu tinha conseguido era uma ressaca fodida. Infelizmente, a bebida não iria trazer Elisa de volta para mim. Mas ajudava a anestesiar a dor no meu coração por algum tempo.
Na sexta, quando cheguei em casa, encontrei todos os meninos esperando por mim na sala. Antes de eu seguir meu caminho até a adega, Rafa me chamou.
— Victor, isso é uma intervenção. – ele disse sério. Eu nunca vi Rafael sério.
— Intervenção?
— Porra cara, a gente não aguenta mais te ver assim. Todos nós sentimos falta
dela. – realmente meus amigos tinham se apegado à Elisa, especialmente o Fritz. — Mas sentimos falta de você também. A gente mal se vê. Você chega do plantão e se tranca no quarto. Nos finais de semana é como se você não existisse. Já chega! – Rafael esperou que eu respondesse algo, mas quando eu não abri a boca, Thiago começou a falar.
— Victor, terminar um relacionamento é mesmo um saco...
— A gente não terminou. Ela disse que precisava de um tempo para pensar e para colocar as coisas no lugar. É isso. Um tempo. – eu disse, tentando mais me convencer do que convencer a ele.
— Dar um tempo é mesmo um saco. – Thiago continuou. — Mas ficar trancado no quarto bebendo todas as bebidas alcoólicas que têm nessa casa não vai trazer Elisa de volta. E também não vai fazer nenhum bem para você. Você não tem ido nem à academia. – aquilo era verdade. Eu treinava desde minha adolescência e nunca tinha ado um tempo tão longo sem ir à academia.
— É por isso que a gente resolveu fazer essa intervenção. – Gusta finalmente entrou na conversa. — Você precisa sair de casa um pouco. Ver gente. Distrairse.
— A parada é a seguinte: a gente vai numa festa. Nós quatro. Como nos velhos tempos. – Rafa voltou a falar segurando na mão quatro ingressos.
— Galera, eu não tô a fim de festa. Não quero saber de pegar nenhuma menina ou segurar vela para vocês. Eu só quero beber. E ficar na minha.
— Victor, a gente vai na festa apenas para se divertir entre amigos. Gusta está namorando, não vai pegar ninguém. Thiago nem gosta tanto de festa, mas topou ir por você. – Rafa começou e Thiago assentiu com a cabeça, concordando. — E eu… bom, eu não to muito no clima de pegar nenhuma garota hoje. Então relaxa. Vão ser quatro amigos bebendo e se divertindo.
— Você pode beber o quanto quiser lá, desde que você saia um pouco do seu quarto. – Gustavo adicionou. Eles não iriam desistir daquela ideia. Eu conhecia meus amigos. Se Rafael estava disposto a não ficar com nenhuma garota pra não me abalar, era porque a situação estava realmente feia. Talvez uma mudança de ares fosse realmente bom para mim.
— E aí? Noite dos caras? Vai por bem ou vamos ter que te levar à força? – Thiago perguntou.
— Eu topo. – eu disse, mesmo sem ter certeza de que aquilo seria uma boa ideia.
***
Algumas horas depois estávamos nós quatro, no carro de Gusta, a caminho da festa. Thiago era o motorista da rodada já que ele não ligava muito para beber. Eu, por outro lado, estava indo apenas pela bebida. Os ingressos que Rafael tinha arranjado garantiam open bar a noite toda. Era exatamente isso que eu precisava. Eu já tinha tudo planejado. Eu iria chegar, arrumar um lugar perto do bar e permanecer ali a porra da noite inteira.
Chegamos no local por volta das 22h e já estava bem cheio. Demoramos alguns minutos para achar uma vaga para estacionar e mais alguns para entrar na festa. Assim que entramos, localizei o bar e comecei a caminhar para lá. Enquanto eu atravessava a pista de dança para alcançar o meu objetivo de chegar no bar, várias mulheres sorriam pra mim. Algumas esbarravam em mim “sem querer”. Pela primeira vez na vida, eu fingi não notar que elas estavam dando mole para mim. Eu só estava interessado no prazer que o álcool iria me proporcionar.
— Acho que bebi demais, preciso ir ao banheiro. – Rafael disse em determinado momento da noite, enquanto digitava algo no celular. — Volto daqui a pouco. Não fujam.
— Relaxa, brother. A gente te espera aqui. – respondi de volta.
Já estávamos na festa há algumas horas e meus amigos estavam cumprindo o prometido. Eu fiquei impressionado quando uma loira muito gostosa, e totalmente o tipo do Rafa, chegou nele e ele recusou. Bebemos, conversamos, e eu até consegui rir em alguns momentos. Aquela noite dos caras realmente estava me fazendo bem, embora eu ainda sentisse falta de Elisa pra caralho.
Rafa já tinha saído há meia hora para ir ao banheiro e não tinha aparecido.
— Será que ele finalmente quebrou a promessa de não beijar ninguém essa noite? – Thiago perguntou.
— Eu estou impressionado que ele conseguiu aguentar tantas horas. – Gusta respondeu rindo. Eu também estava.
— Eu acho que preciso ir ao banheiro também. – eu disse me levantando do bar onde tinha estado pelas últimas horas. — Talvez eu encontre com ele no caminho. Prestem atenção no celular de vocês que eu vou mandar mensagem. Comecei a atravessar a pista de dança para chegar ao banheiro, que ficava do outro lado da grande sala. Mais ou menos, no meio da pista, avistei Rafael. Ele obviamente estava dando uns beijos numa loirinha. Eu não culpava meu amigo, ele tinha tentado com muito afinco não beijar ninguém. E aquela menina parecia muito gata. Continuei andando quando algo me chamou atenção. Há poucos metros de distância de Rafael e sua peguete, uma menina baixinha conversava com um cara que a segurou pela cintura. Ela, que estava de costas para mim, virou tentando fugir das mãos dele e eu observei seu rosto. Não podia ser!
Elisa
— Por favor, Elisa! Eu não quero ir sozinha. – Helena dizia, tentando me convencer a ir a uma festa com ela essa noite. Segundo ela, era uma festa que ela não poderia deixar de ir porque uma grande amiga comemoraria o aniversário lá. Eu nunca tinha ouvido falar nessa grande amiga, é claro. O que só poderia significar que Helena estava indo por algum outro motivo. Tipo encontrar um certo médico loiro que ela, claramente, estava apaixonada. Mas por mais que eu amasse minha amiga, eu não iria de jeito nenhum.
— Não, Helena. Não tenho a menor vontade de ir para festa nenhuma, você sabe disso. Só quero ficar em casa, assistindo série e comendo sorvete.
— Mas você já faz isso todo final de semana!
Bom, isso era verdade. Desde que eu tinha sido afastada do Hospital e eu e Victor tínhamos terminado, não conseguia sair de casa para me divertir. Mesmo agora que minha rotina no Hospital tinha se restabelecido e minha reputação estava quase saindo da boca dos fofoqueiros, eu ainda me sentia pra baixo. O máximo de diversão que eu tinha era quando Helena vinha dormir aqui em casa e eu, ela e Dani fazíamos uma de nossas festas do pijama.
Apesar de terem se ado exatamente 3 semanas, 2 dias e 5 horas desde que eu e Victor nos falamos pela última vez, eu ainda sentia falta dele em todos os momentos do meu dia. Mas tudo que aconteceu ainda tinha consequências para mim. André estava muito pior. Realocou vários dos meus pacientes para um psicólogo de outra equipe e continuava reclamando de todos os meus relatórios. Nada nunca era o suficiente. E como se não bastasse, eu ainda ouvia mentiras
sobre mim pelos corredores e era chamada uma vez por semana no RH para atualizações semanais.
— Elisa, para de ser uma velha rabugenta e levanta essa bunda do sofá. Você vai com Helena sim senhora. – era Dani. Ele também queria me tirar um pouco de casa a qualquer custo. — Seu look já está até separado na cama.
Não sei nem exatamente quando eles me convenceram, mas próximo das 22h30 eu estava pronta para sair de casa com Helena. Dani tinha escolhido para mim uma calça jeans básica e uma t-shirt divertida dizendo “não quero amor, quero batata frita”. Parecia que ele conseguia traduzir minha alma através da roupa, porque naquele momento, tudo que eu queria realmente era uma enorme porção de batata frita.
Helena foi dirigindo até o local que já estava cheio de gente. O barulho e as vozes estavam ensurdecedores e eu só queria voltar para o silêncio da minha casa.
— Helena Birkman, fique sabendo que depois de hoje, você me deve um ENORME favor. – fiz questão de lembrar.
— Eu sei, obrigada por vir comigo, Elisa, de verdade. Essa festa é muito importante pra mim. – Helena realmente achava que me enganava com essa história de amiga aniversariante.
Assim que chegamos na festa, Helena me puxou para dançar. Até que não estava sendo tão ruim. Fazia tempo que eu não dançava. Sempre que algum homem se aproximava da gente, Helena e eu deixávamos claro que não estávamos
interessadas. Eu já estava até um pouco cansada quando me apoiei na parede. Ela veio atrás de mim.
— Cansada? – ela perguntou.
— Exausta. – eu ri. Helena parecia ansiosa com alguma coisa, toda hora mexendo no celular. — Esperando alguma mensagem?
— Quê? Eu? Não, não. É só mania mesmo. – controlei meu riso. Eu obviamente não me convenci. Mas naquele momento, um conhecido de Helena se aproximou, cumprimentando-a.
— Helena? Nossa, quanto tempo! Não te vejo desde a faculdade! – era um homem alto, magro, com cabelo preto caindo na testa.
— Guilherme! Caramba, é mesmo! E como você tá? – Helena perguntou.
— Estou ótimo, trabalhando no posto de saúde do centro de Itaperuna. E você? Continua no Hospital?
— Continuo, você sabe que eu amo aquele lugar. Ah, essa é minha amiga Elisa. Elisa, esse é o Guilherme, fizemos faculdade juntos. – eu o cumprimentei.
— Adorei sua blusa. – ele disse para mim, rindo um pouco. Eu olhei pra baixo de modo automático e sorri. — É a mais pura verdade. Batata frita é o único
alimento capaz de selar a paz mundial. – comentei brincando.
Guilherme era divertido. Nós três ficamos conversando por algum tempo sobre Game of Thrones. Eu dizia o quanto era superestimada e Guilherme defendia que era a maior série de todos os tempos. Helena não tinha opinião formada, já que nunca nem se interessou em ver.
— Já volto, pessoal, vou pegar uma bebida. – Helena disse, saindo apressada antes que eu pudesse dizer qualquer coisa pra impedir.
Por mais que Guilherme parecesse legal, eu não queria ficar sozinha com ele. E Helena tinha me prometido que não ia me deixar sozinha naquela festa.
— Mas e você, Elisa? Tem namorado? – ele perguntou, assim que Helena se afastou. Aquela conversa não iria para um bom caminho e eu sabia disso. Precisava dar um jeito de fugir.
— Hum… não exatamente. Eu acho que vou atrás da Helena, com licença. – eu disse tentando ar em direção ao lugar onde Helena tinha ido. Mas Guilherme me segurou pela cintura. Eu virei, tentando me desvencilhar.
— Calma, pra quê a pressa? Vamos aproveitar pra nos conhecer melhor, que tal? – ele perguntou, trazendo-me para mais perto.
— Eu não estou intere… – e de repente, eu ouvi a última voz do mundo que eu imaginava que ouviria naquele lugar.
— Ela está acompanhada, irmão. – Victor. Como eu tinha sentido falta dele. Ergui os olhos e encontrei os seus. A mão de Guilherme imediatamente saiu da minha cintura e a de Victor me puxou para mais perto. — Vaza. – Guilherme saiu da nossa frente no mesmo segundo.
Eu senti a mão de Victor na minha cintura e queria que aquilo durasse para sempre. A falta que eu sentia dele parecia ter aumentado em cem vezes nos últimos minutos, ainda que ele estivesse bem ao meu lado, mais perto do que em qualquer outro momento nessas semanas.
— Desculpe, Elisa. Sei que eu não deveria me meter, mas vi que você parecia incomodada e… não aguentei ver outro cara contigo. – ele parecia com medo, tentando escolher as melhores palavras possíveis. — Atrapalhei você? – Victor engoliu em seco, com medo da minha resposta.
— Claro que não. Não tem nenhum outro cara, Victor. Você sabe disso. – um brilho ou pelo olhar dele e eu nunca quis tanto que ele me beijasse como naquele momento.
— Eu… sinto sua falta. – ele confessou, com a voz triste.
— Eu também sinto. Muita. – eu disse, sincera. — Mas ainda estou machucada, Victor. Ainda preciso de tempo. – ele baixou os olhos, cabisbaixo e concordou de leve com a cabeça. Eu coloquei a mão no rosto dele, fazendo-o me encarar. — Isso não significa que eu não penso em você todos os dias. Vamos tentar nos recuperar aos poucos. Tá bom? – Victor assentiu. Sem que ele esperasse, eu me ergui na ponta dos pés e coloquei um beijo em seus lábios.
Foi um beijo rápido, nada como os que estávamos acostumados a dar. Mas talvez fosse um recomeço. Ele me olhou surpreso, mas com um sorriso leve brincando em seus lábios. Eu sorri de volta e apertei sua mão.
— A gente se vê por aí. – eu disse e me afastei em direção à porta da festa.
Quando cheguei na varanda, senti meu celular vibrar. Peguei, achando que encontraria uma mensagem de Helena, mas na verdade, era de Victor.
Victor: A propósito, tbm quero batata frita
Eu sorri sozinha e olhei mais uma vez para minha própria blusa.
Elisa: Talvez a gente possa comer uma no Bar do Elias um dia desses
Victor: Como nos velhos tempos
Elisa: Como nos velhos tempos
Quem sabe aos poucos as coisas se ajeitassem.
Victor
Encontrar Elisa naquela festa foi inesperado, mas maravilhoso. Aquele beijo rápido que compartilhamos mudou algo dentro de mim. Depois do nosso breve encontro na festa, comecei a me sentir melhor automaticamente. Eu agora estava mais confiante de que as coisas entre nós poderiam voltar ao que eram.
Algumas vezes, ao longo da nossa vida, fazemos umas merdas que não tem volta. É preciso aceitar quando erramos e aprender com nossos erros. Eu errei feio com Elisa quando não respeitei um pedido importante que ela tinha me feito e acabei complicando toda a sua carreira. Eu agi sem pensar e perdi a confiança da pessoa mais importante da minha vida. Mas aquilo me serviu de lição e eu nunca mais iria cometer o mesmo erro com ela. O tempo é realmente o melhor remédio para curar todas as feridas.
Depois de ir ao banheiro, voltei para o bar onde os meninos estavam me esperando. Rafa também havia voltado e os três estavam conversando quando eu cheguei.
— Você tá diferente. O que aconteceu? – Thiago, que sempre foi muito observador, comentou.
— Eu meio que encontrei a Elisa na pista de dança. – Todos ficaram surpresos, com exceção do Fritz. Se ele ficou surpreso, sua fisionomia não demonstrou. Contei a eles sobre o que tinha acontecido e também sobre o beijo.
— Que bom, cara! Eu torço muito para que vocês se acertem logo. – Gusta disse
quando eu terminei de falar.
— Falando em pista de dança, eu te vi, senhor Fritz, agarrado com uma loirinha por lá. Não era você que não estava no clima de pegar nenhuma garota hoje? – perguntei com o humor claramente melhor do que estava antes de sairmos de casa. A essa altura, depois de tudo que aconteceu, eu estava pouco me fodendo se o Rafael tinha ficado com alguém ou não.
— Acontece, meus caros amigos, que não era uma garota qualquer. Era A garota. – quem era aquele e o que tinham feito com meu amigo Rafael?
— E essa garota tem nome? A gente conhece? – Thiago perguntou.
— Rafael Fritz não beija e sai contando. – ele respondeu, deixando todos nós sem acreditar no que estávamos ouvindo.
— Porra, Rafa. Você tá de sacanagem, né? – eu disse rindo. — Você sempre gostou de esfregar na nossa cara suas conquistas e agora vem com essa? Essa mina deve ser muito boa mesmo.
— Essa é a nova versão melhorada do Rafael Fritz. Acostumem-se. – ele deu um gole na sua cerveja e tratou de mudar de assunto.
Ficamos na festa por mais algum tempo, bebemos mais algumas cervejas e conversamos como há muito tempo não fazíamos. Eu realmente me diverti na companhia dos meus amigos. Cheguei em casa com o coração mais leve. Aquela
noite, quando eu dormi, sonhei com Elisa. E, pela primeira vez em três semanas, não acordei triste, mas esperançoso de que muito em breve aquele sonho poderia se tornar realidade.
***
Na segunda-feira, acordei mais cedo que o habitual. Eu pegava no plantão às 10 horas da manhã naquele dia, então resolvi ir à academia antes. Eu precisava urgentemente voltar a treinar. Cada dia que ava sentia meus músculos atrofiando. Troquei de roupa e bati na porta do quarto de Gusta.
— Gusta, partiu academia? – eu entrei no quarto e acendi a luz para acordar meu amigo. Gusta acordou assustado e olhou o relógio que ficava ao lado da sua cama.
— Porra, Victor! São 6 horas da madrugada. Deixe-me dormir.
— Você já dormiu demais. – eu disse, enquanto abria as cortinas para a luz do sol entrar no cômodo. — Vou descer e preparar nosso café da manhã. Você tem 10 minutos. – Saí do quarto e deixei um Gustavo meio sonolento reclamando.
Fui para cozinha e comecei a preparar nossa bebida pré-treino. Alguns minutos depois, Gusta desceu com sua mala da academia pendurada no braço. Pegou o copo que eu havia deixado preparado para ele e começou a beber.
— Não acredito que você me acordou cedo pra ir à academia. Logo hoje que
meu plantão começa às 10. Eu podia dormir até mais tarde! Porra, você esqueceu o caminho depois de ficar tantas semanas sem ir? Foi isso?
— Não, mas fazer academia com um amigo é sempre mais divertido. – Gustavo riu. Ele não conseguia ficar mal-humorado por muito tempo. Essa era uma das suas grandes qualidades. Terminamos nossas bebidas e fomos treinar. Minha animação estava voltando. Era incrível como um simples beijo de Elisa tinha mudado toda a minha semana.
***
Enquanto dirigia para o hospital, depois de ar em casa para tomar um banho rápido pós-treino, fiquei pensando em tudo que Elisa tinha me falado na sextafeira. Mais tarde, quando cheguei ao hospital, eu tinha tomado uma decisão importante: eu não iria mais fugir dela. Não que eu fosse ficar como um louco perseguindo a menina pelo hospital, mas eu também não iria evitar o seu caminho. Chega de mudar de corredores só porque eles am pela sala dela. Se ela quisesse falar comigo, eu iria responder. Mas não iria forçar nada.
A manhã inteira ou sem que eu visse Elisa. Eu sabia que ela estava lá porque mais cedo eu tinha visto seu carro no estacionamento. Depois de almoçar no refeitório, precisei fazer uma parada rápida na sala de informática. Eu precisava imprimir uns formulários que seriam necessários para os atendimentos da parte da tarde. Estava distraído mexendo no celular, quando de repente senti algo bater em mim. Ou será que eu que bati em algo?
— Descul… – eu comecei a dizer, enquanto tirava os olhos do celular.
— Oi, Victor. – Elisa me cumprimentou, antes que eu completasse meu pedido de desculpas.
— Oi, Elisa. Foi mal, eu estava distraído mandando mensagem pro Thiago.
— Tudo bem. – ela respondeu dando um sorriso tímido. Ficamos alguns segundos parados, olhando um pro outro. Aquilo tinha tudo para ser constrangedor ou estranho. Mas não foi. — Eu preciso ir agora… – ela continuou quebrando o clima do momento.
— Bom trabalho para você, Elisa.
— Para você também, Victor.
Meu dia tinha acabado de ficar ainda melhor depois disso.
***
Encontrei com ela mais algumas outras vezes durante a semana. Às vezes ela estava sozinha e às vezes com Helena. A gente sempre conversava durante poucos minutos nessas ocasiões. Encontrar com Elisa e ouvi-la dizendo “oi” eram as partes favoritas do meu dia. Meu humor estava muito melhor. Eu até mesmo tinha ido todos os dias da semana à academia. Minha vida parecia estar voltando aos trilhos.
Já era sexta-feira e meu plantão iria até um pouco mais tarde. Faltando dez minutos para o meu horário de sair, senti meu celular vibrar no bolso do jaleco. Provavelmente era Thiago querendo carona para casa. Peguei para responder e meu coração deu uma batida mais forte quando vi o nome de Elisa na tela do aparelho. Cliquei na mensagem e era uma foto dela, no Bar do Elias, com uma porção de batatas-fritas.
Elisa: As batatinhas parecem mais gostosas qnd vc tá aqui comigo
Eu sorri igual um idiota quando li a mensagem. Meus dedos deslizaram em resposta pela tela rapidamente.
Victor: Tem alguma coisa que eu possa fazer para melhorar sua experiência gastronômica, senhorita Lopes?
Elisa: O que acha de me encontrar aqui? Assim podemos testar a minha teoria de que vc deixa td mais gostoso :)
Victor: Tô saindo do hospital. Chego em 10 min. Guarda algumas batatas pra mim ;)
Troquei de roupa mais rápido que as modelos em dia de desfile de moda, entrei no carro e fui direto para o bar. Eu estava ansioso para ver Elisa, ouvir sua voz, sentir seu cheiro. Eu nem estava acreditando que ela tinha me convidado. Quando cheguei lá, ela estava sentada na mesma mesa em que estivemos juntos na primeira vez que viemos aqui. E, assim como naquele dia, amos horas e horas conversando. Em nenhum momento falamos sobre o que havia acontecido. Aquele era nosso recomeço. Um novo capítulo em nossas vidas. Quando o bar
estava quase fechando, resolvemos ir embora. Acompanhei Elisa até o estacionamento. Quando chegamos no carro dela, segurei a porta para que ela entrasse. Eu precisava fazer uma pergunta, estava me corroendo sem que eu tivesse uma resposta. Tomei coragem e perguntei:
— Amigos?
— Quem você tá querendo enganar, Bellini? Você nunca conseguiria ser apenas amigo de uma garota. – ela entrou no carro e me deixou com um sorriso bobo no rosto mais uma vez.
Elisa
O final de semana seguiu como sempre. Filmes com Dani e Helena e, às vezes, saídas para comer alguma coisa. Mas uma coisa estava diferente. Eu não parava de olhar para o meu celular ansiosa por alguma mensagem de Victor. Na sexta, resolvi que era hora de nos reaproximarmos aos poucos. Comemos batata frita no Bar do Elias e conversamos por horas ininterruptas. Mas sábado não trocamos nenhuma mensagem.
— Elisa, se você olhar para esse celular mais uma vez, eu juro que vou jogar na parede. – Dani disse, enquanto preparava nosso jantar de domingo. — Não consigo entender por que vocês dois não se acertam de uma vez. Todo mundo sabe que vocês se amam.
Dani não conseguia entender. Não era tão simples. É claro que cada vez que eu via Victor, meu coração disparava e eu torcia para que, de alguma maneira, a gente se beijasse. Mas para dar certo, a gente precisava fazer tudo com calma. Construir de novo a confiança um no outro. Só assim conseguiríamos seguir em frente.
— Não é tão simples. – respondi, olhando mais uma vez meu celular.
— Por que então a senhorita não manda a porra da mensagem? Aposto que ele vai urrar de alegria.
Eu olhei para o celular por alguns segundos, pensando se deveria realmente fazer o que Dani sugeriu. Desbloqueei a tela, abri a conversa com Victor e resolvi
minhas próprias vontades.
Elisa: E aí, Bellini? Domingo agitado?
Victor não estava online, o que só me fez morrer mais ainda de ansiedade. Bloqueei o celular e coloquei de lado na mesa quase na mesma hora que Dani vinha trazendo o jantar. O cheiro de feijão fresquinho preencheu minhas narinas e eu quase salivei. Comemos juntos enquanto ele me contava sobre as dificuldades com um paciente que vinha atendendo. Amanhã seria a reunião geral da pesquisa de controle inibitório, onde a Dra. Isabel daria uma avaliação final do desempenho de cada equipe e traçaria as metas para o próximo semestre. Meu último semestre. Eu nem acreditava que seria oficialmente psicóloga.
Assim que acabamos de jantar, ouvi meu celular vibrar. Peguei correndo sob um olhar irônico de Daniel.
Victor: Só se vc chamar de agitado ficar o dia inteiro revisando os protocolos pra reunião geral de amanhã hahaha E vc?
Elisa: Não fiz nd. Só fiquei em casa com Dani mesmo… Tô preocupada com essa reunião amanhã
Victor: Eu tbm, trabalhei igual um condenado… Esse último semestre foi uma loucura
Elisa: Foi…, Mas foi uma loucura boa na maior parte do tempo
Victor: Foi uma loucura excelente
Eu sorri sozinha para a tela do celular. Dani já tinha se levantado para lavar a louça.
— Ei, deixa que eu lavo. Você cozinha e eu lavo, lembra? – Eu disse, apoiando o celular na mesa e me levantando.
— Relaxa, Elisa. Pode continuar seu papo apaixonado com Sr. Victor Bellini. – ele abriu a torneira. Eu sorri em agradecimento. — Mas você fica me devendo uma.
Quando olhei pro celular novamente, vi que tinha mais uma mensagem de Victor.
Victor: Elisa, o q vc acha de irmos juntos amanhã? Eu posso ar aí e te pegar umas 9h
Elisa: Que tal 8h30? Podemos parar em algum lugar e tomar um café antes, o q acha?
Victor: Seria perfeito
Guardei meu celular e segui para o banheiro. Tomei um banho quente relaxante antes de deitar. Naquela noite, dormi como um bebê. Mas ainda ansiosa com a manhã seguinte. Especialmente depois de tudo que tinha acontecido comigo.
***
Acordei com calor no dia seguinte. Ainda não era oficialmente verão, mas a temperatura no Rio de Janeiro já deveria estar por volta dos 30° às 7:30 da manhã. Tomei um banho rápido e arrumei meu material para levar à reunião. Quando o relógio mostrou 8h15 eu já estava perfeitamente arrumada com uma saia midi e uma blusa de alça. Às 8h30 em ponto, Victor me mandou uma mensagem dizendo que já tinha chegado. Despedi-me de Dani e saí do apartamento.
— Bom dia! – eu disse dando um beijo no seu rosto. Victor abriu um sorriso daqueles que faziam meu coração derreter no peito.
— Bom dia, princesa. – ele respondeu e eu quase infartei de saudade desse apelido. Mas não disse nada. Entrei no carona e seguimos em direção ao Hospital. Estacionamos numa cafeteria pequena no final da rua e conversamos principalmente sobre a reunião que aconteceria em poucos minutos.
— Não se preocupe, Victor. Tenho certeza de que Dra. Isabel vai estar encantada com os seus relatórios. – eu o confortei. Victor estava muito ansioso com a reunião. Com o final da residência se aproximando, cada vez mais ele se sentia pressionado pelo próprio sobrenome. — Você é bom em tudo que faz.
— Quer dizer então que eu sou bom em tudo que faço? – Victor perguntou
malicioso. Eu fiquei vermelha na mesma hora e ri. Nunca soube lidar muito bem com piadinhas sexuais.
— Na verdade, eu diria que você é excelente em tudo que faz. – eu disse, retribuindo aquele joguinho. Victor sorriu convencido e se aproximou do meu ouvido.
— Guardo cada uma das minhas habilidades pra você. – senti cada pelinho do meu pescoço ficar arrepiado. Mais ainda depois que ele, sem que eu me preparasse, depositou um beijo leve no meu pescoço. Eu ainda estava estarrecida com a nossa proximidade, quando ele olhou o relógio. — Elisa, sem querer cortar o clima, mas temos mesmo que ir. – eu concordei com a cabeça e seguimos juntos até o Hospital para começarmos o nosso turno da manhã antes da reunião geral.
A reunião começou pontualmente às 15h30. Helena se sentou ao meu lado e me lançou um olhar nada discreto quando viu Victor sentado comigo. Dra. Isabel começou inicialmente parabenizando a todos de uma maneira geral pelo trabalho naquele semestre.
— Bom dia, pessoal. Gostaria de agradecer a participação de cada um de vocês nesse projeto. Sei que nem todos os dias são fáceis, mas eu pude ver a dedicação e o empenho que vocês colocaram em nossa pesquisa.
Ela seguiu contando sobre a repercussão do nosso trabalho no meio acadêmico e pontuando cada um dos efeitos que já podíamos concluir a partir dos dados que coletamos. Os trinta minutos finais da reunião, Dra. Isabel reservou para alguns s individuais. De uma maneira geral, todos vinham sendo elogiados, incluindo eu e Helena. Um enfermeiro chamado Heitor, recebeu algumas críticas e sugestões de remanejamento, mas pareceu ter levado numa boa.
— Dr. André Pimentel. Ao longo do semestre, debatemos sobre o uso de alguns exames de imagem cerebral. Imagino que tenha sido difícil seguir ordens de uma mulher relativamente jovem como eu. – senti meus olhos brilharem de orgulho da Dra. Isabel. Ela era incrível. — Entretanto, a medicina e especialmente a neurologia, funciona sob a ótica do conhecimento. Quem detém a maior parte do conhecimento, faz a maior parte das escolhas. E o senhor, como meu residente, deveria ter acatado minhas recomendações. Não na terceira vez, não na segunda. Deveria ter feito o que pedi na primeira vez, sem pestanejar. – o clima na sala de reuniões estava pesado. Todo mundo sabia do gênio de André. — Não tenho dúvidas do seu potencial e acredito que possa se tornar um bom neurologista. Mas infelizmente não será na minha equipe. O senhor, assim como o Heitor, iniciarão o próximo semestre sob supervisão do Dr. Cassiano.
Troquei um breve olhar com Helena que também parecia mortificada com tudo que Isabel tinha acabado de falar. André permanecia calado, com um semblante de choque misturado com fúria. Eu que não gostaria de estar no caminho dele hoje.
— Por último, mas não menos importante, queria oferecer um destaque especial ao Dr. Victor Bellini. Nesses 6 meses trabalhando juntos, deparei-me com tudo que um excelente médico e neurologista precisa ter para se destacar na área. Victor, queria te parabenizar pessoalmente não só pelo brilhantismo das suas pesquisas e relatórios, mas também pelo tratamento e atendimento excepcional com que lida com os pacientes. Recebi de inúmeros participantes da pesquisa um pedido especial para que fossem atendidos pelo famoso doutor bonito e sorridente que sempre tratava todo mundo bem. – meu coração estava cheio de orgulho e senti Victor se emocionar sentado ao meu lado. — Esse é talvez o aprendizado mais importante de um médico. Nós, todos nós nesta sala, lidamos com pessoas que aram muitas vezes por um enorme sofrimento. Não há remédio que substitua a empatia. – a sala inteira aplaudiu o discurso da Dra. Isabel. Exceto André, que permanecia exatamente na mesma posição. Com o cessar das palmas, Isabel voltou a falar. — E é pelo seu destaque no nosso projeto, que conversei com o Dr. Ricardo Fernandes, neurocirurgião aqui do
hospital, e resolvemos te oferecer um estágio paralelo na equipe de neurocirurgia durante o seu último semestre como residente em neurologia. É claro, se isso for do seu agrado.
Victor mal conseguia conter a cara de bobo alegre do meu lado. Se tinha alguém no mundo inteiro que merecia aqueles elogios, era ele. Victor era um médico incrível, seria um neurologista melhor ainda e, quem sabe agora, um neurocirurgião fantástico.
— Sim! É claro que sim, Dra. Isabel. Agradeço muito pela oportunidade. Aprendi muito com a senhora todos os dias desse semestre. – Victor respondeu. Isabel sorriu em resposta e finalizou a nossa reunião, declarando que nos veríamos no ano que vem, após as festas de final de ano.
Assim que levantamos, virei-me para Victor e me agarrei no seu pescoço, dando um abraço apertado.
— Eu estou muito orgulhosa de você. – eu disse. Ele me abraçava forte junto ao seu corpo. — Você vai ser o melhor neurocirurgião que esse país já viu, tenho certeza. País não, mundo.
— Calma, princesa. Não é pra tanto. – ele disse sorrindo pra mim. — Eu agradeço a você por tudo nesse semestre. Não teria sido o mesmo sem você, Elisa.
Meu coração estava disparado dentro do peito. Eu e Victor estávamos olhando profundamente no olho um do outro. Naquele momento, eu tomei uma decisão. Era isso, chega de ficar longe dele. Eu me aproximei, ficando na ponta dos pés,
pronta para um beijo. Ele também vinha na minha direção. Quando estávamos prestes a nos beijar, Helena interrompeu.
— Oi, casal. Desculpe interromper. – Nós nos afastamos com um sorrisinho cúmplice. Olhei em volta e vi que não tinha mais ninguém na sala. — Elisa, parece que tem um paciente seu pedindo para falar com você urgente. Ele está te esperando no seu consultório, pelo que me informaram. – eu assenti com a cabeça e Helena saiu, deixando eu e Victor novamente a sós.
— A gente se fala mais tarde? – ele perguntou ansioso.
— A gente se vê mais tarde. – eu corrigi e dei uma piscadinha. Ele sorriu e ou a mão pelo cabelo. Eu amava esse homem.
Saí da sala me sentindo nas nuvens. Finalmente as coisas estavam se ajeitando. Andei distraída pelo corredor até chegar na minha sala. Eu já até imaginava que paciente seria. Seu José. Ele tinha sofrido um traumatismo craniano como resultado de um acidente de carro. Além da lesão e da dificuldade no controle inibitório, seu José tinha desenvolvido um problemático Transtorno de Ansiedade. Para minha surpresa, quando entrei no consultório, não vi ninguém. Atravessei a sala para pegar meu material enquanto esperava Seu José, mas fui surpreendida por um barulho de porta sendo trancada. Virei-me automaticamente e o homem que vi definitivamente não era Seu José.
André estava com o olhar mais assustador que eu já tinha visto. Começou a andar na minha direção enquanto falava.
— Você deve ter adorado, né? Me ver sendo humilhado por aquela puta mal
comida. – ele disse. Eu andava para trás tentando me afastar e ficando cada vez mais encurralada. — É por isso que vocês mulheres não deveriam ter saído da porra da pia da cozinha. Não sabem reconhecer um homem merecedor. – ele deu mais três os e já estava a menos de um metro de mim. Eu sentia meu desespero crescer. Queria gritar, mas não conseguia. Parecia um daqueles pesadelos que você sabe que precisa acordar, mas não consegue. — Mas não se preocupa, Elisa. Pra sua sorte, eu consegui entender todos os seus sinais e vi nos seus olhos o quanto você sempre me quis. Então agora é a hora de te mostrar que eu também te quero.
E, de repente, como que num filme de terror, André estava em cima de mim. Eu tentava me desvencilhar, mas ele forçou a boca contra a minha, impedindo-me de gritar. Os sons de socorro que eu tentava fazer saíam abafados. Eu tentava gritar e manter meus lábios fechados, mas a força que ele fazia era muito maior. Senti com nojo, a língua dele entrar na minha boca. Com as minhas mãos, tentei afastá-lo pelo tórax, mas eu estava presa, encurralada entre o armário e o corpo dele. Usei meus joelhos pra tentar atingir qualquer parte dele que eu encontrasse, meus cotovelos tentando me desvencilhar da sua pegada. Mas eu estava sucumbindo. Eu me sentia ainda menor, ainda mais fraca.
As suas mãos começaram a levantar minha saia e tudo que ava pela minha cabeça era que eu não deveria ter usado saia hoje. São estranhas as coisas que am pela nossa mente quando nos sentimos em perigo. Quando a mão dele roçou na costura da minha calcinha, eu senti meu corpo parar de responder aos meus comandos. Achei que eu fosse desmaiar.
Victor
Quando comecei a cursar medicina, tudo que eu mais queria era alcançar sucesso por conta própria e não por causa do meu sobrenome e a fama que ele carregava. Apaixonei-me pela Neurologia na primeira disciplina que tive sobre o assunto. A maneira como é preciso de um raciocínio clínico para alcançar o diagnóstico me encantou. O cérebro, a mente humana, era como um quebra-cabeça que eu sentia a necessidade de tentar montar.
Durante a faculdade, sempre me questionavam se eu não queria ser neurocirurgião, como meu pai. É claro que sempre achei a neurocirurgia fascinante, mas a verdade é que eu não queria as pessoas achando que meu sobrenome iria me ajudar no que quer que fosse. Eu queria ter o prazer de realizar minhas próprias conquistas. Por isso, todas as vezes que me faziam essa pergunta eu respondia não. Eu fazia isso para tentar me convencer de que eu não queria seguir os os do meu pai, mas no fundo, eu sempre soube que parte de mim iria amar estar num centro cirúrgico operando um cérebro.
Quando Isabel disse que haviam me oferecido uma vaga para estagiar na equipe de neurocirurgia, eu pirei. Eu queria gritar de tanta alegria. Acho que, até aquele momento, eu não sabia o quanto sonhava com isso. E saber que eu consegui essa vaga por causa do meu trabalho e não pelo sobrenome que eu carregava, deixoume ainda mais animado e feliz. Minha alegria ficou ainda mais completa quando Elisa veio em minha direção e me deu um abraço apertado. Puta que pariu, que saudade eu sentia do toque dela. Trocamos algumas palavras e alguns olhares, mas infelizmente ela teve que sair para um atendimento de emergência. Antes de deixar a sala, ela prometeu que a gente se veria mais tarde. Eu estava contando os segundos. Acho que Elisa finalmente tinha conseguido me perdoar.
ei mais algum tempo cumprimentando a galera da equipe que veio me
parabenizar pela conquista. Todos disseram que eu seria um grande neurocirurgião. Nenhum deles mencionou o meu pai. Isso me fez acreditar ainda mais nos elogios. Depois de falar com todo mundo, mandei mensagem para Elisa perguntando se ela queria uma carona para casa. Ela não visualizou a mensagem, então supus que ainda estaria no atendimento. Antes de ir para o armário e pegar minhas coisas para ir embora, resolvi ar pela sua sala e verificar se ela ainda estava lá. Eu poderia esperar por ela. Eu não tinha pressa.
Todas as portas do hospital possuem uma pequena janela de vidro que permite que quem está de fora veja dentro da sala. Olhei pela pequena janela da porta da sala de Elisa e meu sangue ferveu na hora. Que porra era aquela? André estava encurralando Elisa entre o corpo dele e o armário. Ela tentava se debater, mas parecia sem forças. As mãos dele estavam levantando a saia dela. Eu ia matar aquele filho da puta. Eu tentei abrir a porta, mas estava trancada. Então fiz a única coisa possível numa situação daquelas: eu arrombei aquela porra.
— TIRA AS MÃOS DELA, SEU FILHO DA PUTA. – berrei. Meus olhos eram puro ódio. Puxei André pelo jaleco e o joguei no chão. Caí por cima dele e fiz o que queria fazer há muito tempo: enchi a cara dele de porrada. — Agora você não é tão machão, né seu merda? – eu disparava socos e mais socos no rosto dele. André tentava revidar, mas eu era mais forte e mais rápido que ele. Meus olhos rapidamente vagaram para Elisa, em choque sentada no chão. Ao redor da perna dela, eu vi o tecido rendado da calcinha que ela nem tinha forças para puxar. Essa visão me enfureceu ainda mais. Eu acho que teria ficado ali o resto do dia socando André, se um par de mãos não tivesse me puxado.
— Victor, calma. Assim você vai matar o cara. Ele merece, mas você não precisa das consequências de matar alguém. – Thiago me puxou para cima.
— Deixa que eu assumo daqui. Eu vou arrebentar esse cuzão na porrada. – Rafael apareceu e estava pronto para dar um soco na cara de André, quando Helena gritou.
— JÁ CHEGA! – voltei para a realidade e observei a cena. Helena estava no chão, abraçando Elisa. Algumas lágrimas começaram a se formar no rosto dela. Thiago ainda me segurava. Rafa estava em cima de André, no chão, com o rosto ensanguentado e o nariz provavelmente quebrado. — Não vou deixar vocês arruinarem o futuro de vocês por causa de um machista, imbecil e abusador como ele. – Helena estava certa. Se a gente batesse mais um pouco em André, as consequências poderiam ser irreversíveis.
Eu me soltei das mãos de Thiago e fui até onde Elisa estava e a abracei bem forte e sussurrei em seu ouvido:
— Está tudo bem, princesa. Eu estou aqui. Você vai ficar bem. Esse babaca nunca mais vai tocar um dedo em você.
Elisa me abraçava forte. As lágrimas começaram a escorrer continuamente de seus olhos.
— Tire-me daqui, Victor. Por favor. – ela disse baixinho. Eu me levantei do chão, trazendo-a comigo no colo.
— Pode ir, cara. A gente ajuda a limpar a bagunça aqui. – Rafa ofereceu. Helena e Thiago concordaram com ele.
Abracei Elisa e fui com ela para o estacionamento.
— Para onde você quer ir? – perguntei.
— Pra minha casa.
Liguei o carro e fomos em silêncio para a kitnet que ela dividia com Daniel. Ao invés das músicas dançantes e das conversas animadas que sempre estavam presentes quando estávamos junto no carro, o único som daquela noite era do choro baixinho de Elisa. Aquilo partia meu coração.
Assim que chegamos, fui com ela até a porta da casa. Estava tudo apagado. Daniel provavelmente ainda estava de plantão no hospital, mas aposto que àquela altura já sabia dos últimos acontecimentos. Elisa abriu a porta de casa e acendeu a luz da sala. Eu fiquei parado na porta, sem saber o que fazer. Deveria entrar? Deveria ir embora? Eu estava pisando em ovos. Fiz menção de ir embora quando ela me segurou pelo pulso. Virei imediatamente na sua direção.
— Não vai. Por favor, Victor. Fica aqui comigo. Eu não quero ficar sozinha. – a sua voz estava carregada de tristeza. Eu queria poder arrancar aquela dor de dentro dela. Eu não sabia o que dizer, então apenas entrei na casa e abracei Elisa bem forte. Após alguns minutos em pé na sala, apenas nos abraçando, ela quebrou o silêncio. — Eu preciso tomar um banho. Estou me sentindo suja.
— Vai lá. Prometo estar aqui quando você voltar. Quer que eu prepare algo para você comer? – Elisa deu de ombros.
Assim que ela foi para o banheiro, segui para cozinha e procurei algo para preparar. Achei um saco de batatas congeladas e prontas para fritar no congelador. Era isso. Ela amava batata frita. Enquanto as batatas estavam sendo
preparadas pela air fryer, achei um abacaxi na fruteira. Abri a geladeira e após alguns segundos achei o que estava procurando: hortelã. Preparei um suco com as duas coisas. Eu sabia que ela amava o suco do pai, talvez ela aprovasse o meu também. Quando Elisa saiu do banho, a mesa já estava pronta. Uma grande travessa de batata frita e uma jarra de suco de abacaxi com hortelã. Eu me levantei assim que ela entrou na cozinha.
— Eu fiz um lanchinho pra gente. – disse apontando para mesa. — Por que você não tenta comer um pouquinho? É tudo que você gosta. Eu tentei até fazer o suco especial do seu pai.
— Obrigada, Victor. – Elisa sorriu, mas seus olhos ainda estavam repletos de tristeza. Ela encheu um copo com o suco e provou. — Está uma delícia. Talvez meu pai perca o posto de melhor suco a qualquer momento.
Eu sorri. Sentamos a mesa e começamos a comer. Elisa tomou todo o copo de suco, mas não pude deixar de notar que só comeu algumas batatinhas. Ela não parecia estar com fome, mas já era tarde e ela precisava comer algo.
— Eu acho que vou me deitar. Eu estou morrendo de dor de cabeça. Na verdade, todo meu corpo dói. – Elisa brincava com algumas batatas que estavam no seu prato. Ela se levantou e olhou pra mim. — Você pode deitar comigo até eu pegar no sono?
— Claro que sim, Elisa.
Elisa deitou e eu me deitei junto. Ela virou para o lado e me abraçou, de forma que sua cabeça ficasse repousada em meu peito. Beijei a sua têmpora e acariciei
seus cabelos até que ela pegasse no sono. Não sei quanto tempo ficamos nessa posição antes de ouvir a porta da sala abrir. Levantei da cama com cuidado para não acordar Elisa e fui até a sala, onde Daniel estava.
— Oi, Victor. Eu soube o que aconteceu. Vim para casa o mais rápido que pude. Como ela está? – ele perguntou preocupado.
— Ela está bem abalada, Dani. Foi horrível. Acho que nunca vou conseguir tirar a cena do André em cima dela da minha cabeça. Ela tá dormindo agora. Disse que todo o corpo dói. Se ao menos eu pudesse fazer algo...
— Você fez tudo que pôde. Eu também soube da surra que você deu no André. Eu teria feito o mesmo se estivesse lá. – Dani se aproximou e me abraçou. — Obrigado por cuidar dela, Victor. – afastando de mim, ele continuou. — Pode ir para casa agora. Eu assumo daqui.
Eu não queria sair dali. Eu queria ficar com Elisa o resto da noite. Porra, eu ficaria com ela o resto da minha vida e talvez ainda fosse pouco. Mas eu sabia que sufocá-la com minha presença não iria ajudar em nada. As coisas entre nós ainda estavam se ajeitando. Eu sabia que Daniel iria cuidar tão bem dela quanto eu. Fui embora, mas não sem antes fazer Dani me prometer de todas as formas que me manteria informado e que me ligaria se precisasse de qualquer coisa.
Cheguei em casa e encontrei o lugar vazio, com exceção de Dante.
— Oi, amigão! Espero que seu dia tenha sido melhor que o meu. – eu enchi seu pote de comida e água. Enquanto meu cachorro comia, subi para o quarto. Eu precisava tomar um banho. Precisava tentar relaxar. Depois de um banho
demorado, deitei-me na cama. Olhei meu celular para ver se Daniel tinha mandado algo, mas tudo que encontrei foi uma notificação de que eu havia recebido um novo email do hospital. Cliquei para ler.
Para: Victor Bellini
De: Sérgio Geisel
Assunto: Reunião Urgente
Caro Dr. Bellini,
O senhor foi requisitado a comparecer amanhã, às 9 horas da manhã, para uma reunião de cunho urgente comigo. Encontre-me no horário marcado na minha sala.
Att,
Dr. Sérgio Geisel
Chefe Geral do Hospital Universitário
Membro do Conselho
Porra, isso não era nada bom!
***
Na manhã seguinte, quando cheguei em frente à porta da sala do Dr. Geisel, dei de cara com Rafa, Thiago, Gusta e Dani sentados na pequena recepção do lugar.
— Você achou mesmo que ia ar por isso sozinho, irmão? Estamos junto com você nos bons e maus momentos. – Rafa disse, abraçando-me.
— Obrigado, pessoal. Eu nem sei como agradecer.
Dr. Geisel abriu a porta e me chamou. Entrei, deixando meus amigos do lado de fora apreensivos.
— Dr. Bellini, sente-se, por favor. – Sentei. — O senhor foi chamado aqui devido a uma queixa prestada pelo Dr. André Pimentel. – enquanto o chefe falava, eu permanecia quieto. Congelado no meu lugar. Ele respirou fundo e continuou:
— Victor, eu venho recebendo vários elogios referentes a você. Vindos desde pacientes, ando pela equipe de limpeza, de enfermagem até chegar em chefes de departamento. Todos te elogiam quanto ao ser humano e profissional.
— Obrigado, senhor. – respondi.
— No entanto, há uma coisa que eu considero inaceitável nesse hospital: violência. Isso atrapalha o bom funcionamento e o atendimento aos pacientes. Infelizmente já havia um relato de ameaça registrado no nosso Departamento de Recursos Humanos do Dr. Pimentel contra você há um mês. Fiquei muito surpreso quando soube que o caso havia piorado ainda mais. Ouvi ontem à noite que você o havia agredido fisicamente. Eu não esperava isso de um jovem tão talentoso e especial quanto o senhor. Há alguma coisa que você queira dizer em sua defesa?
Eu queria poder dizer ao chefe que eu fiz aquilo porque André era um abusador da pior espécie e que essa porra de Recursos Humanos não tinha ajudado Elisa quando ela mais precisava. Mas o motivo daquela briga e de tudo que tinha acontecido não era meu para contar. Eu já tinha falhado com Elisa e eu não iria falhar de novo. Eu não iria trair sua confiança mais uma vez. Mesmo que isso significasse o fim da minha carreira. Eu amava trabalhar aqui, mas eu amava Elisa muito mais. Viver fora do HU era fácil, mas viver sem Elisa na minha vida era assustador e impossível.
— Na verdade, senhor, não tenho defesa. Eu realmente bati no Dr. Pimentel. – Dr. Geisel suspirou fundo. Ele certamente não estava gostando do que teria que fazer.
— Dr. Bellini, as regras do hospital são claras. Infelizmente, o senhor será suspenso por tempo indeterminado. Na próxima reunião do conselho, iremos discutir o seu caso. Por hora, é isso. O senhor está suspenso de todas as atividades do hospital até segunda ordem.
Levantei para ir embora quando ouvi batidas na porta. Antes do Dr. Geisel responder, a porta se abriu e meus amigos, um a um, entraram na sala.
— Bom dia, Dr. Sérgio. Eu vim dizer que, na verdade, eu fui o responsável por socar a cara do André. – Rafael disse. Eu estava olhando para ele, sem entender nada quando Gusta abriu a boca:
— Na verdade, eu que bati nele.
— Eu acho que eu sou o único culpado aqui. Eu bati nele. – Thiago se pronunciou.
— Dr. Geisel, eu que não consegui controlar meus impulsos e bati nele. – Dani falou. Esses moleques eram malucos! E eu amava cada um deles por isso.
— Senhores. – o chefe começou a dizer, enquanto tirava os óculos do rosto e apoiava na mesa. — Eu iro a fraternidade de vocês. No entanto, o Dr. Pimentel possui testemunhas oculares do ocorrido. Não há nada que possa ser feito.
Aquele filho da puta do André certamente comprou algum amiguinho dele para servir de testemunha. Eu queria bater de novo naquele desgraçado. O sangue começou a subir à cabeça e eu saí da sala às pressas. Entrei no meu carro e fui direto para casa antes de fazer uma merda que piorasse a minha situação.
Elisa
Acordei um pouco mais calma pela manhã. Embora algumas lágrimas ainda escorressem dos meus olhos sempre que eu lembrava do que havia acontecido. Se Victor não tivesse arrombado aquela porta, entrado na sala e tirado André de cima de mim… eu nem gosto de imaginar o que poderia ter acontecido.
— Bom dia, amiga. Como você está? – Dani me perguntou. Ele estava sentado na mesa da cozinha, tomando café da manhã.
— Eu vou ficar bem. Isso que importa. – eu respondi. — Ontem eu saí às pressas do hospital e deixei minhas coisas lá: minha bolsa, carteira, celular. Preciso voltar para buscar tudo, mas não quero ir sozinha. Eu não quero correr o risco de encontrar com o André.
— Relaxa, gata. A Helena está de plantão hoje e já averiguou se o babaca do André está por lá. Ela disse que ele está de licença devido a situação em que seu rosto se encontra. – Dani disse, deixando escapar um leve sorriso de satisfação ao lembrar do estrago que Victor causou no rosto dele. — De qualquer forma, eu estou indo pra lá agora resolver uma… situação. Nada demais. Quer carona? Eu espero você se trocar.
Aceitei a carona de Daniel e fui pro quarto me arrumar. Entramos no nosso carro e usei o celular do meu amigo para mandar mensagem para Helena avisando que eu estava indo ao hospital. Ela me assegurou que iria me fazer companhia durante todo o tempo. Quando chegamos em frente ao bloco B, minha amiga já estava lá esperando por mim. Dani estacionou e se virou para mim:
— Eu preciso ir até o bloco A hoje. Quando pegar suas coisas, manda-me mensagem. – agradeci meu amigo pela carona e desci do veículo. Helena me deu um abraço forte assim que me viu.
— Eu não vou perguntar como você está porque isso seria muito idiota. – ela disse. — Vamos falar sobre outra coisa: o cardápio do restaurante do HU de hoje. – eu ri. Ela sabia como deixar as coisas mais leves. Enquanto andávamos até minha sala, conversamos sobre a deliciosa sobremesa que seria servida no dia: doce de amendoim.
Entrar na sala me causava arrepios. Eu sabia que o processo de cura daquela situação demoraria um pouco. Ainda bem que eu tinha amigos fantásticos que me ajudariam da melhor forma possível a lidar com aquilo. Amigos. Quem diria que eu estaria hoje repleta de amigos médicos. E amigos de verdade. Que eu poderia contar para tudo. Liguei meu celular para mandar uma mensagem para Daniel.
Elisa: Já peguei minhas coisas aqui. Vai demorar mto ainda?
Daniel: Acho q não. Vc pode me encontrar no Bloco A? To perto da sala 109.
Elisa: Tudo bem. Te encontro em alguns minutos.
— O Dani ainda está no bloco A resolvendo alguma situação. – eu disse à Helena. — Ele me pediu pra encontrar com ele lá.
— Eu vou com você. – Helena se prontificou na mesma hora.
— Não precisa. Vai atrapalhar seu plantão. Eu posso ir sozinha. Juro.
— Não tem problema, Elisa. Eu posso me ausentar por um tempinho. As coisas estão tranquilas aqui hoje. – Ela disse já saindo da minha sala.
— Vamos?
— Vamos. – mas antes de continuar andando, virei-me para minha amiga. — Obrigada, Helena. Você é uma amigona.
— Somos melhores amigas, lembra? – ela disse sorrindo.
— Sim. As melhores do mundo. – eu disse a abraçando.
Estávamos subindo as escadas que davam o à grande porta principal do prédio quando um Victor muito irritado saiu correndo sem olhar para os lados. O que será que tinha acontecido? Helena e eu nos encaramos e começamos a andar mais depressa até a sala 109. Assim que chegamos lá, encontramos Rafa, Gusta, Thiago e Dani na recepção da porta, discutindo algo.
— Pessoal, o que está acontecendo aqui? – perguntei para ninguém em especial.
Eles se entreolharam e Dani começou a dizer.
— Amiga, ontem o Victor recebeu um e-mail do chefe do hospital pedindo que ele viesse aqui hoje. O André prestou queixa contra ele, por causa da briga. – aquilo não podia ser real. André não cansava de estragar as nossas vidas?
— O diretor suspendeu o Victor por tempo indeterminado devido à queixa e ao fato de ser um evento reincidente, já que André já havia denunciado ameaças antes de tudo isso acontecer. Nós tentamos levar a culpa pelo Bellini, mas André tem uma testemunha que comprova que foi o Victor que bateu mesmo nele. – Rafa disse. Ele estava desolado. Helena segurou sua mão de leve, achando que ninguém iria notar. Mas eu notei.
— Amiga, você preci…. – Daniel começou a falar, mas não dei tempo dele terminar. Eu sabia o que precisava ser feito. Reunindo toda coragem que eu não tinha, e o medo de ser calada mais uma vez, bati na porta da sala 109.
— Bom dia, Dr. Geisel. Eu sou a Elisa Lopes, estagiária de Psicologia do departamento de Neurologia. – eu disse depressa. Pela expressão de confusão no rosto do médico, ele não estava entendendo nada.
— Em que posso ajudar, senhorita Lopes? A senhora tem hora marcada comigo hoje? – ele disse, olhando a agenda apoiada em sua mesa.
— Não tenho, doutor. Mas o senhor precisa me ouvir. – respirei fundo. — Eu vim aqui para explicar o ocorrido entre o Dr. Bellini e o Dr. Pimentel.
— Querida, eu conversei com o Dr. Bellini minutos antes de você entrar aqui e ele itiu que bateu no Dr. Pimentel. Eu sei que ele é um excelente médico, mas as normas da instituição precisam ser seguidas.
— Doutor, com todo respeito, há mais nessa história que o senhor precisa saber antes de tomar uma decisão. – senti as lágrimas se formarem novamente nos meus olhos, com o turbilhão de emoções à flor da pele. Mas me contive. — Tudo começou quando eu fui aprovada na seleção de estágio e fui designada para trabalhar na equipe do Dr. Pimentel. – comecei a contar minha história. Contei ao doutor Sérgio tudo: as ameaças, os abusos psicológicos, as adas de mão em lugares impróprios do meu corpo, minha queixa ignorada pelo RH, minha suspensão injusta até chegar no ocorrido do dia de ontem. Quando terminei, senti um peso saindo do meu peito. — E é por isso, Dr. Geisel, que Victor precisou usar força física. Ele estava apenas tentando me proteger. E, honestamente, eu não sei o que poderia ter acontecido se ele não tivesse aparecido naquele momento para me ajudar. – o chefe do hospital ouviu tudo o que eu tinha a dizer em silêncio. Sem me interromper e prestando bastante atenção em tudo que saía da minha boca.
— Elisa, eu sinto muito pelo que te aconteceu. Ninguém deveria ar por isso em um local de trabalho. Ninguém deveria sentir medo de ir trabalhar. Eu não posso itir que uma situação como essa tenha sido ignorada pelo nosso departamento pessoal. Te peço perdão em nome do Hospital Universitário por tudo isso. Não quero que se sinta silenciada ou menosprezada nunca mais aqui dentro. Pode ter certeza de que providências serão tomadas, não só com relação ao comportamento criminoso do Dr. Pimentel, mas quanto à negligência do setor de Recursos Humanos. É de extrema importância que os nossos empregados saibam que eles podem contar com a diretoria e os membros do conselho em casos como esses.
— Obrigada, Dr. Sérgio. – eu respirei aliviada.
— Eu que agradeço por compartilhar isso comigo. Saiba que se você quiser prestar queixas na delegacia contra o Dr. Pimentel, nós do HU estaremos ao seu lado para o que precisar, podemos, inclusive, te fornecer um advogado caso a senhorita precise. – uau, eu definitivamente não esperava aquilo. — Eu entrarei em contato pessoalmente com o Dr. Pimentel ainda hoje para comunicá-lo que a partir de agora ele não faz mais parte da equipe médica do meu hospital. – do lado de fora, ouvi gritos de comemoração dos meus amigos que me aguardavam. — Quanto ao Dr. Bellini, acho que você e seus amigos podem dar a boa notícia de que ele não está mais suspenso. – Dr. Geisel anunciou dando um sorriso e uma piscadinha.
— Obrigada, senhor! Muito obrigada.
Saí da sala 109 com o coração mais leve. Quando cheguei na recepção, meus amigos estavam vibrando de alegria.
— Eu tenho muito orgulho de você, amiga. – Helena veio na minha direção e me abraçou. Seguida por todos os outros.
— Todos nós temos orgulho de você, Elisinha. – Rafa disse, enquanto me abraçava. — Obrigado por ajudar nosso amigo. Eu sei que foi difícil pra você ter que se expor assim de novo.
— Difícil seria ver o Victor com o futuro destruído por causa do André. Vocês contaram a ele a novidade?
— Eu acho que ele vai gostar mais de ouvir isso de você. Ele está na república. Quer uma carona? – Thiago ofereceu. Minutos depois, Thiago, Rafa, Helena e eu
estávamos no carro indo para República. Dani e Gusta estavam no carro de trás, nos seguindo. Por sorte, o Hospital estava numa manhã tranquila e todos deram um jeito de trocar o plantão do dia. Assim que estacionamos na garagem da casa, meu coração começou a acelerar.
Eu iria começar um novo capítulo da minha vida a partir de agora.
Victor
Ouvi alguém bater na porta do meu quarto.
— VAI EMBORA. NÃO QUERO VER NINGUÉM. – gritei. A pessoa tentou girar a maçaneta, mas a porta estava trancada com a chave. Não ia adiantar de nada. Mais batidas na porta. Ignorei. As batidas começaram a ficar mais fortes.
— Porra, eu já disse que não quero… – abri a porta para expulsar quem quer que fosse, mas minha voz sumiu quando reparei quem estava lá. Com os olhos brilhando e o rosto um pouco menos abatido do que no dia anterior, Elisa estava na minha frente. Olhando para mim. Ela era linda mesmo depois do dia infernal de ontem.
— Oi, Victor. – ela disse baixinho. — Será que a gente pode conversar?
— Elisa, eu tive um péssimo dia e eu queria ficar sozinho. – comecei a dizer. Eu não queria ficar sozinho, mas não estava preparado para contar a ela o que tinha acontecido. Ela poderia se sentir culpada pela minha suspensão e eu não queria isso. Parte de mim também estava envergonhado por ter sido expulso. Ela estava tão orgulhosa de mim no dia anterior quando consegui a vaga em neurocirurgia. E agora… eu era uma total decepção.
— Victor, eu já sei de tudo. – ela entrou no meu quarto e fechou a porta atrás de si. Eu não acredito que os fofoqueiros dos meus amigos contaram a ela. Porra. Eu ia descobrir quem fez isso e ia matar. Mas antes que eu dissesse qualquer coisa, ela continuou. — Eu estava entrando no Bloco A para encontrar o Dani
quando vi você sair correndo. Você não me viu. E agora eu entendo o porquê. Quando cheguei onde Dani estava, eles não tiveram outra opção a não ser me contar o que havia acontecido.
— Princesa, eu não queria que você soubesse desse jeito. – comecei, mas ela me interrompeu.
— Você não precisa dizer nada. Só ouvir. Depois que eles me contaram que você tinha sido suspenso por agressão, senti-me na obrigação de contar a minha versão dos fatos para o Dr. Sérgio. E ele me mandou aqui para te dar um recado. – ela abriu um sorrisinho. — Você não está mais suspenso, Victor.
— Como assim, Elisa? – meu coração disparava dentro do peito.
— O Dr. Sérgio, depois de ouvir toda a história, entendeu o motivo da briga e retirou a sua suspensão. Você continua fazendo parte da equipe de Neurologia e, óbvio, de Neurocirurgia. – eu abracei Elisa e a girei pelo quarto. Porra, eu estava muito feliz.
— Obrigado, princesa. Você não precisava se expor mais uma vez para salvar minha pele. Eu sei que contar isso para as pessoas te machuca. Eu odeio ver você sofrendo. Eu iria dar um jeito. – disse, com ela ainda em meus braços.
— Victor, eu iria sofrer muito mais sabendo que você desistiu da sua carreira no HU por mim. – ela disse olhando em meus olhos.
— Eu desistiria de qualquer coisa por você, Elisa. Eu amo você. E nada mais importa. Enquanto eu tiver você do meu lado, sei que tudo ficará bem.
— Eu amo você também, Victor. – ela disse com lágrimas nos olhos. Mas dessa vez, sabia que eram lágrimas de alegria.
— Quer voltar a ser minha namorada? – perguntei com um sorriso.
— Achei que você nunca ia perguntar. – ela sorriu e me deu um beijo nos lábios.
O beijo começou lento e suave e foi se intensificando aos poucos. As mãos de Elisa eavam pelo meu corpo, indicando que ela sentia tanta saudade de me tocar quanto eu sentia de tocá-la. Um gemido escapou da sua boca e fez todos os pelos do meu corpo se arrepiarem. Eu a peguei em meu colo e a coloquei na cama, deitando por cima do seu corpo. Beijei sua boca, seu rosto, seu pescoço e fui descendo até alcançar seus peitos. Fiquei ali alguns minutos, chupando seus mamilos, do jeito que eu sabia que ela gostava. O gosto de Elisa era meu sabor preferido. Eu estava ficando cada vez mais duro. Aos poucos, fomos tirando as nossas peças de roupa, uma a uma, sem pressa. Quando não havia mais nada separando nossos corpos, abri as pernas de Elisa e me enterrei nela com vontade. Alcançamos o orgasmo juntos, olhando nos olhos um do outro. Eu queria guardar aquele momento na minha memória para sempre.
***
Duas semanas tinham se ado desde que eu e Elisa reatamos o namoro. amos todos os dias juntos desde então, ou dormíamos na república ou na kitnet, sempre agarrados um no outro. A última segunda-feira do semestre letivo
era muito importante para Elisa e Daniel. Os dois iam apresentar o trabalho da última disciplina da graduação. No próximo semestre iam focar somente no estágio e na monografia.
O tema do trabalho de Elisa foi um dos grandes motivos da nossa aproximação seis meses atrás e, por isso, mesmo eu não poderia deixar de prestigiá-la. Mas ela não sabia do resto da surpresa. Rafa, Thiago e Helena também iam assistir. Gusta já estaria lá com Daniel. Ela ia ficar muito feliz.
Elisa tinha ido na frente com Dani. Eu tinha conseguido convencê-la de que precisava ar na república dizendo que tinha esquecido o documento do carro. Eu e Thiago fomos no meu carro e Rafael e Helena nos seguiam no Cruize dele. Nenhum de nós sabia o que exatamente estava rolando entre aqueles dois, mas Rafa parecia realmente estar envolvido com Helena.
Entramos juntos na sala de aula onde as apresentações estavam acontecendo. Nos sentamos no fundo, escondidos, esperando o momento da apresentação de Elisa. Assistimos 4 apresentações inteiras antes do professor chamar o nome dela. Ela seguiu para a frente da sala com o projetor estampando na tela “Amizade entre homens e mulheres heterossexuais é possível”. Percebi os olhos dela varrerem a sala à minha procura. Quando me encontrou, observou também todos os nossos amigos ao meu lado. O seu olhar logo se iluminou e ela abriu um sorriso feliz.
Durante toda a apresentação, Elisa apresentava estudos e falava de forma confiante sobre tudo que tinha pesquisado. Minha garota era incrível. Inteligente, esforçada e linda. Eu tinha tirado a sorte grande. Na parte final da apresentação, ela ia apresentar o experimento no qual foi cobaia e que falhou terrivelmente. Era impossível eu ser apenas amigo daquela mulher, cada vez que estava com ela, sempre queria mais.
— O experimento que eu iniciei envolvia minha amizade com um homem heterossexual. No meio do caminho, além de só amizade, acabamos desenvolvendo algo mais. – ela disse e olhou na minha direção. — Amor. – eu sorri para ela, orgulhoso. — Alguns de vocês podem dizer então, que meu experimento fracassou, mas não é verdade. – Elisa ou para o slide seguinte e a tela se encheu com uma foto que tiramos recentemente, onde estávamos todos juntos e felizes. Eu dando um beijo no rosto de Elisa, Gusta, Dani e Thiago abraçados e Rafa com os braços ao redor do ombro de Helena. — Pode ser que uma amizade evolua para um amor, um relacionamento, uma paixão. Contudo, diversos estudos apontam que os casamentos e relacionamentos mais bem sucedidos são aqueles em que o casal vê um ao outro como, além de parceiro, um grande amigo. A amizade entre os dois vai muito além de uma questão sexual. Não importa se você é hétero, gay ou bi. Amizade é pautada na confiança, em saber quem vai estar do seu lado comemorando suas conquistas, e, principalmente, quando tudo parecer desmoronar. – dessa vez, ela percorreu os olhos por todos nós, num agradecimento silencioso. — Obrigada. – ela disse, ao mesmo tempo em que agradecia ao público e também a gente.
Epílogo
Elisa
Quatro meses depois…
Victor parecia ansioso com alguma coisa naquele dia. Não posso negar que parte disso era culpa minha. Eu vinha agindo estranha desde o início da semana. Mas como eu conseguiria dizer o que eu precisava dizer? Eu estava surtando! Ele tinha me mandado mensagem várias vezes durante o dia confirmando o horário que aria para me buscar. Eu também estava tensa. Nós dois precisávamos ter uma conversa séria hoje. A mais séria das nossas vidas, provavelmente.
Ontem tinha sido minha formatura, com dois meses de antecedência. Consegui terminar a monografia em tempo recorde sob orientação da Dra. Isabel. Victor já tinha terminado a residência em neurologia há algumas semanas e agora se dedicava inteiramente à neurocirurgia. Ele estava mais feliz do que nunca. Eu, felizmente, havia sido convidada para ter um emprego permanente no Hospital. O salário maior viria a calhar com os últimos acontecimentos da minha vida. Victor e eu tínhamos combinado de jantar juntos no nosso restaurante especial. O mesmo que tínhamos ido no nosso primeiro encontro romântico oficial. Eu me arrumei com um vestido confortável e ei uma maquiagem mais leve. Ouvi a buzina do carro dele e peguei as chaves para sair.
— Dani, estou indo! Devo dormir na república! – saí de casa e ei a chave. Entrei no carro e, como sempre, meu namorado estava lindo. Ele usava uma blusa social preta e uma calça jeans escura.
— Oi, amor! Pronto para nosso dia especial? – perguntei, colando um selinho nos lábios dele.
— Mais do que pronto, princesa. – ele sorriu e ligou o carro, saindo da minha rua.
No meio do caminho, percebi o trajeto um pouco diferente do que costumávamos fazer.
— Esqueceu como chegar lá, Bellini? – perguntei irônica.
— Não, não… – ele parecia nervoso. O que estava acontecendo? Eu é que deveria estar nervosa. — Vi no Waze antes de sair que por aqui tinha um caminho mais perto.
Victor seguiu dirigindo por um caminho louco por mais uns 10 minutos. Aquele trajeto decididamente não era mais curto.
— Victor, esse caminho não está indo para restaurante nenhum. – eu disse. — O que você tá fazendo?
— Espera só um pouco que já estamos chegando. É logo ali. – eu olhei a minha volta e tinha certeza de que não estávamos nem perto do restaurante. Victor estacionou numa rua cheia de prédios chiques e modernos, os poucos que existiam em Itaperuna.
— Amor, o que estamos fazendo aqui? – eu perguntei confusa.
— Eu aluguei um apartamento aqui. Vou sair da república. – ele anunciou, nervoso. Fiquei chocada por alguns segundos, sem saber o que responder. — Vem, quero te mostrar.
Victor me guiou pela mão até a entrada do prédio. Ele cumprimentou o porteiro e seguimos para o elevador. Tudo naquele lugar era lindo. Moderno, do jeito que eu gostava. Entramos no elevador e vi quando Victor apertou o botão referente à cobertura. Eu arregalei os olhos e brinquei:
— O salário de neurologista e futuro neurocirurgião deve ser bom mesmo, hein, Dr. Bellini. – o som da sua risada preencheu o ambiente. Ele me puxou para um beijo intenso dentro do elevador. Nos separamos quando ouvimos o barulho das portas se abrindo.
Victor pegou a chave no bolso e me guiou para a cobertura. Quando entrei, fiquei deslumbrada. Era linda. Toda a sala era cercada em vidro, com uma vista linda da cidade e das montanhas ao redor. A cozinha já tinha móveis planejados e uma ilha central tipicamente americana.
— Victor, esse lugar é lindo! – eu comentei impressionada.
— Vem ver os quartos. – ele me puxou pela mão e me levou para um cômodo amplo, com uma varanda, suíte com banheira e um closet enorme. Aquele, com certeza, devia ser o quarto principal. O próximo quarto era menor, mas também
contava com uma suíte e um pequeno closet. Além dos quartos, ainda tinha um escritório, onde já estavam algumas caixas de mudança.
— Esse apartamento é maravilhoso. E enorme. – eu ri.
— Não sei como vou dar conta de viver nesse espaço todo sozinho. – ele entrou na brincadeira.
— Nem eu… – eu olhava ao redor, ainda encantada com tudo.
— Por isso pensei de talvez não morar nele sozinho. – ele disse, enquanto tirava do bolso uma outra chave. — O que acha? Que tal começarmos um novo pedaço da nossa história juntos aqui? – eu abri um sorriso que não cabia no meu rosto e pulei no colo dele gritando um sim tão alto que, provavelmente, tinha sido ouvido do térreo.
Eu mal podia acreditar que ia acordar todos os dias e encontrar essas montanhas lindas pela janela. Seria um sonho. Mas… eu ainda precisava conversar uma coisa com ele. Assim que Victor me colocou no chão, eu o encarei.
— Victor, eu tenho uma coisa que preciso te contar… – falei séria e ele pareceu preocupado na mesma hora. — É claro que eu vou amar morar nesse apartamento com você, vai ser incrível, mas…
— Mas…? – ele perguntou ansioso.
— Eu agora sou um pacote completo. – ele me olhou confuso, sem entender. Eu coloquei minha mão na barriga e olhei bem nos olhos dele. — Eu estou grávida, Victor. De 5 semanas. Sei que não foi planejado, que talvez não seja o melhor…
Antes que eu pudesse dizer mais qualquer outra coisa, Victor me tirou do chão num abraço apertado.
— Quê? Eu vou ser pai? – ele perguntou, com os olhos brilhando numa mistura de incredulidade e alegria. Eu sorri em resposta e fiz que sim com a cabeça, sentindo que as lágrimas começavam a se formar nos meus olhos. — Eu vou ser pai!
Eu esperava uma reação de apoio, mas estava tão tensa por talvez deixá-lo desapontado de alguma forma que me surpreendi mais uma vez, pois Victor tinha me dado o momento perfeito. Ele me girou pela sala e me beijou com todo carinho e amor que sentíamos um pelo outro. Quando me colocou no chão, eu corri para pegar meu celular.
— Eu estava louca pra te contar. Agora quero contar para todo mundo.
— Espera! Vem cá. – Victor me puxou. — Eu vou mandar uma foto nossa pros meus pais. Eles vão surtar. – ele pegou o próprio celular, apoiou na ilha da cozinha e programou a câmera com timer. Ajoelhou-se na minha frente e beijou minha barriga, poucos segundos depois o flash disparou. Eu estava nas nuvens, aquele era com certeza o dia mais feliz da minha vida.
Peguei meu celular e procurei o grupo que eu tinha com Dani e Helena. Os dois já sabiam da novidade. Inclusive Helena estava comigo no momento em que
descobri. Mas queria compartilhar que finalmente tinha contado pro Victor. Naquela noite, não fomos a nenhum restaurante. Pedimos batata frita e comemos juntos no chão da nossa futura casa. Dessa vez sem nenhuma cerveja, é claro. Fizemos amor em cima de alguns colchonetes e dormi com a mão de Victor fazendo carinho na minha barriga. Eu nunca o tinha visto tão feliz. Aquele seria só o início da nossa história.
Fim
Sumário
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Elisa
Victor
Epílogo
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