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Arnoldo Wald Advogado e Professor Catedrático de Direito Civil da UERJ.
2 20.ª edição com a colaboração dos Professores SEMY GLANZ ANA ELIZABETH LAPA WANDERLEY CAVALCANTI e LILIANA MINARDI PAESANI
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ISBN 978-85-02-07000-4 obra completa volume 2 ISBN 978-85-02-13234-4 Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César — São Paulo — SP CEP 05413-909 PABX: (11) 3613 3000 SACJUR: 0800 055 7688 De 2ª a 6ª, das 8:30 às 19:30
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Wald, Arnoldo, 1932Direito civil : direito das obrigações e teoria geral dos contratos, 2 / Arnoldo Wald ; com a colaboração dos professores Semy Glanz, Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti e Liliana Minardi Paesani. – 20. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011.
AMAZONAS/RONDÔNIA/RORAIMA/ACRE Rua Costa Azevedo, 56 – Centro Fone: (92) 3633-4227 – Fax: (92) 3633-4782 – Manaus
1. Contratos - Brasil 2. Obrigações (Direito) - Brasil I. Glanz, Semy. II. Cavalcanti, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. III. Paesani, Liliana Minardi. IV. Título.
BAHIA/SERGIPE Rua Agripino Dórea, 23 – Brotas Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 Fax: (71) 3381-0959 – Salvador
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1. Brasil : Direito das obrigações : Direito civil 347.4(81) 2. Brasil : Obrigações e contratos : Direito civil 347.4(81)
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Data de fechamento da edição: 20-4-2011 Dúvidas? e www.saraivajur.com.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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PRINCIPAIS TRABALHOS JURÍDICOS DO AUTOR
Rui Barbosa e a istração Pública, monografia classificada em concurso do DASP, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1950. A evolução do direito e a absorção da istração privada pela istração Pública, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1953. A influência do direito francês sobre o direito brasileiro no domínio da responsabi lidade civil, obra premiada pelo governo francês, com carta-prefácio do Prof. J. P. Niboyet, Rio de Janeiro, 1953. O mandado de segurança, publicação do DASP, com prefácio do Min. Cunha Vasconcelos, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1955. La evolución de la teoría de los derechos de vecindad, Cuadernos de Derecho Fran cés, 1955. La responsabilidad civil del patrón por actos de sus dependientes en el derecho brasileño y en el derecho comparado, Boletín del Instituto de Derecho Compa rado de México, maio 1956. A adoção e as suas transformações no direito civil contemporâneo, Rio de Janeiro, 1957. A cláusula de escala móvel, São Paulo: Max Limonad, 1956; 2. ed., Rio de Janeiro: Ed. Nacional de Direito, 1959. Aplicação da teoria das dívidas de valor às pensões, decorrentes de atos ilícitos, Rio de Janeiro: Ed. Nacional de Direito, 1959. Do desquite, Rio de Janeiro: Ed. Nacional de Direito, 1959. Desenvolvimento, revolução e democracia, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1966. Imposto de Circulação de Mercadorias, Rio de Janeiro: Forense, 1967. O mandado de segurança na prática judiciária, 2. ed., Rio de Janeiro: Ed. Nacional de Direito, 1958; 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1968; 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003. Correção monetária, em colaboração com Mário Henrique Simonsen e Julien Chacel, Rio de Janeiro: APEC, 1970. Estudos e pareceres de direito comercial, 1.ª série, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972; 2.ª série, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. A OAB e o Projeto de Código Civil no Senado Federal, publicação do Conselho Federal da OAB, 1984. A proteção jurídica do “software”, em colaboração com Orlando Gomes e outros, Rio de Janeiro: Forense, 1985.
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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
Questões de responsabilidade civil, Belém: Cejup, 1990. 1.º Ciclo de Direito Econômico, vários estudos em colaboração com Ives Gandra Martins e outros, publicação do IBCB, 1993. A atividade de crédito imobiliário e poupança: aspectos jurídicos, publicação da ABECIP, 1994. Il diritto dell’economia e il diritto dello sviluppo in Brasile, in Il diritto dei nuovi mondi, Milão: CEDAM, 1994. O direito de parceria e a nova lei de concessões, com prefácio do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996; 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2004. O novo direito monetário, Belo Horizonte: Ciência Jurídica, 1996; 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2002. Neutralidade dos planos econômicos para os agentes financeiros, in Aspectos Jurí dicos e Econômicos do Crédito Imobiliário e da Poupança (Seminário), Escola Nacional da Magistratura, 1997. O Plano Collor e a evolução da jurisprudência, publicação da ABECIP, 1999. Direito civil: introdução e parte geral, 12. ed., São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. Direito civil: direito das obrigações e teoria geral dos contratos, 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2. Direito civil: contratos em espécie, 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2010. v. 3. Direito civil: direito das coisas, 13. ed., São Paulo: Saraiva, 2010. v. 4. Direito civil: direito de família, 18. ed., São Paulo: Saraiva, 2010. v. 5. Direito civil: direito das sucessões, 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2010. v. 6.
Aspectos polêmicos da ação civil pública, coordenação do Autor, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2007. Direito das concessões, São Paulo: América Jurídica, 2004, 3 v. (Série Grandes Pareceristas). A empresa no terceiro milênio: aspectos jurídicos, São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2005. Comentários ao novo Código Civil: do direito de empresa, Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 14. Le droit brésilien d’hier, d’aujourd’hui et de demain, em colaboração com Camille Jauffret-Spinosi (dir.), Paris: Société de Législation Comparée, 2005, 538p. L’arbitrage en et en Amérique Latine à l’aube du XXIe. siècle: aspects de droit comparé, em coautoria com Bénédicte Fauvarque-Cosson, Paris: Société de Législation Comparée, 2008. Mandado de segurança e ações constitucionais, em coautoria com Hely Lopes Meirelles e Gilmar Ferreira Mendes, 33. ed., São Paulo: Malheiros, 2010.
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Dedico este curso, que há meio século ou a fazer parte integrante da minha vida, à memória dos meus pais, MARC e BELA WALD, que me transmitiram o amor pela justiça e me ensinaram a lutar pelo Direito. À minha mulher, HELOISA, presença constante, carinhosa e construtiva, sem a qual este livro não teria sido escrito. Aos meus filhos, para os quais redigi e atualizei o Curso e que me deram a alegria e satisfação de lê-lo e de aplicar as suas lições na vida e na militância forense, ALEXANDRE ARNOLDO FILHO MARIA AMÉLIA HELOISA e aos meus netos, que espero, um dia, possam vir a lê-lo, JÚLIA CARLOS JOÃO PEDRO ARNOLDO RAFAEL JOSÉ ANTONIO JOSÉ LUIZ ALEXANDRE DANIEL RAUL Aos meus colegas, professores, advogados, magistrados, estudantes e leitores em geral, que fizeram com que este livro chegasse à sua 20.ª edição.
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CARTA-PREFÁCIO DE PONTES DE MIRANDA
Para os estudantes, o livro do professor há de ser preciso, claro, despretensioso. Por outro lado, há de atender a que os que vão ler não podem dispensar informes que seriam supérfluos em obras para discussão de doutrina em aprofundantes monografias. O Curso há de ser breve, mas uniforme para que a exposição ocorra. Os cinco volumes do Curso de Direito Civil Brasileiro, de Arnoldo Wald, são obra útil e eficiente para todos os leitores, estudantes ou não, porque é obra simples, com ressalvante logicidade e convicção. Tem as qualidades de que falamos acima, sem a mecânica repetição dos textos legais e sem exibição de fundo erudito. Além disso, leva os alunos ao exame de acórdãos, para que, com os livros, não se afastem da vida. O Direito serve à vida: é regramento da vida. É criado por ela e, de certo modo, a cria. Pontes de Miranda
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NOTA À 20.ª EDIÇÃO
Esta edição do nosso Curso está reformulada. Além da atualização legislativa, doutrinária e jurisprudencial, fizemos algumas alterações de forma e metodologia, visando tornar a obra mais eficiente para a consulta de profissionais e de o mais fácil aos estudantes de direito. Um exemplo dessas alterações foi a inclusão de um quadro-resumo ao final de cada capítulo. Realizamos essa atualização e reformulação com a colaboração de jovens professores cuja boa experiência prática e didática muito contribuiu para o resultado final. Dois volumes adicionais estão sendo elaborados: um sobre a Responsabilidade Civil, que entendemos merecer uma obra à parte, dada sua importância, e outro sobre o Direito de Empresa, uma vez que a matéria foi incluída no Código Civil e, portanto, nossa coleção, se não tratasse dela, não estaria completa. O presente volume é específico sobre a Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos, tendo sido dividido o antigo volume de Obrigações e Contratos. Essa cisão teve como escopo a melhor adequação do volume à prática acadêmica de separação das matérias, por semestre, bem como facilitar o manuseio da obra por estudantes e profissionais. Nesta 20.ª edição aprofundamos o estudo das linhas gerais do direito obrigacional e contratual, atualizando a obra e sedimentando a doutrina já existente na matéria, ados mais de cinco anos de vigência do Código Civil. Não poderíamos ter realizado este trabalho sem a colaboração que já tínhamos e continuaremos a ter do Professor e Desembargador Semy Glanz, e, mais recentemente, das Professoras Liliana Minardi Paesani e Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti da FMU, que
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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
nos apresentaram os quadros sinóticos e sugestões interessantes, às quais devemos, em grande parte, a atualização construtiva da obra. Na reorganização da coleção, tivemos o apoio decisivo do Professor Paulo Hamilton Siqueira Jr., Diretor da Faculdade de Direito da FMU. Na revisão das provas, contamos com o apoio constante e construtivo da equipe da Saraiva.
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SUMÁRIO
Principais trabalhos jurídicos do autor . ................................. Carta-Prefácio de Pontes de Miranda ..................................... Nota à 20.ª edição ....................................................................
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Teoria Geral das Obrigações Capítulo 1 CONCEITO DE OBRIGAÇÃO
1. Acepções da obrigação....................................................... 2. Conceito e elementos.......................................................... 3. Evolução histórica............................................................... 4. Crédito e débito................................................................... 5. Vínculo obrigacional........................................................... 6. Débito e responsabilidade................................................... 7. Obrigações naturais............................................................
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Capítulo 2 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
1. Posição do direito das obrigações na sistemática do di reito privado........................................................................ 2. Importância e características. Unificação do direito das obrigações pelo novo Código Civil..................................... 2.1. Unificação.................................................................. 2.2. Características...........................................................
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Capítulo 3 CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES PELO OBJETO
1. Características da prestação................................................ 2. Obrigações positivas e negativas........................................ 3. Obrigações de dar coisa certa e coisa incerta..................... 4. Obrigações de dar e de fazer............................................... 5. Obrigações de não fazer...................................................... 6. Obrigações conjuntivas e alternativas................................. 7. Obrigações com faculdade de substituição......................... 8. Obrigações divisíveis e indivisíveis.................................... 9. Obrigações em dinheiro e dívidas de valor......................... 9.1. Dívidas de valor......................................................... 9.2. Cobrança de débitos em juízo................................... 9.3. O combate à inflação e os planos monetários........... 9.4. O “Plano Real” .........................................................
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Capítulo 4 CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES PELOS SUJEITOS
1. Sujeitos da obrigação: credor e devedor............................. 1.1. Obrigações ambulatórias. Obrigações propter rem ou reais........................................................................... 2. Pluralidade de credores e devedores................................... 3. Obrigações conjuntas.......................................................... 4. Obrigações solidárias.......................................................... 5. Solidariedade ativa.............................................................. 6. Solidariedade iva..........................................................
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Capítulo 5 FONTES DAS OBRIGAÇÕES
1. Importância do estudo das fontes ou causas das obrigações. 2. Fontes ou causas das obrigações no direito romano e no direito estrangeiro...............................................................
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SUMÁRIO
3. Fontes das obrigações no direito brasileiro .......................
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Capítulo 6 EXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO: PAGAMENTO
1. Execução da obrigação....................................................... 2. Pagamento total e parcial.................................................... 3. Capacidade para pagar e receber........................................ 3.1. Capacidade para pagar................................................. 3.2. Capacidade para receber.............................................. 4. Objeto do pagamento e sua prova. Moeda.......................... 5. Lugar e tempo do pagamento............................................. 5.1. Lugar do pagamento.................................................... 5.2. Tempo do pagamento................................................... 5.3. Vencimento antecipado................................................ 6. Inadimplemento e mora...................................................... 6.1. Mora do devedor.......................................................... 6.2. Mora do credor............................................................ 6.3. Purgação da mora......................................................... 6.4. Casos especiais............................................................
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Capítulo 7 MODALIDADES DE PAGAMENTO E OUTROS MEIOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
1. Pagamento em consignação (arts. 334 a 345 do CC e 890 a 900 do C)..................................................................... 1.1. Conceito..................................................................... 1.1.1. Casos de consignação..................................... 1.1.2. Consignação de coisa certa ou corpo certo.... 1.1.3. Regras sobre levantamento............................. 1.1.4. Escolha de coisa indeterminada pelo credor.. 1.1.5. Consignar é faculdade, não dever.................. 1.1.6. Consignações de prestações periódicas.......... 1.1.7. Dúvida quanto ao credor................................
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1.1.8. Revelia ou recebimento pelo credor............... 1.2. Mora intercorrente na consignação em pagamento... 2. Pagamento com sub-rogação (arts. 346 a 351 do CC) . ..... 2.1. Conceito..................................................................... 2.2. Espécies..................................................................... 2.2.1. Sub-rogação pessoal....................................... 2.2.2. Sub-rogação real............................................. 2.3. Efeitos........................................................................ 2.4. Limites....................................................................... 2.5. Preferência................................................................. 3. Imputação do pagamento (arts. 352 a 355)......................... 3.1. Conceito..................................................................... 4. Dação em pagamento (arts. 356 a 359).............................. 4.1. Conceito..................................................................... 5. Sucedâneos de pagamento.................................................. 5.1. Noções gerais............................................................ 5.2. Novação. Conceito (arts. 360 a 367)......................... 5.3. Elementos.................................................................. 5.4. Espécies..................................................................... 6. Compensação. Conceito (arts. 368 a 380).......................... 7. Confusão (arts. 381 a 384).................................................. 8. Remissão de dívida (arts. 385 a 388).................................. 9. Transação (arts. 840 a 850)................................................. 10. Da convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral .........................................................
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Capítulo 8 DA INEXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
1. Da inexecução das obrigações. Responsabilidade contra tual...................................................................................... 1.1. Responsabilidade civil............................................... 2. Caso fortuito e força maior................................................. 2.1. Casos de culpa presumida.........................................
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SUMÁRIO
2.2. Responsabilidade objetiva......................................... 3. Perdas e danos..................................................................... 4. Dano patrimonial e moral. Constituição de 1988............... 5. Juros.................................................................................... 5.1. História...................................................................... 5.2. Conceito..................................................................... 5.3. Espécies..................................................................... 5.4. Evolução legislativa . ................................................
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Capítulo 9 GARANTIAS DO CRÉDITO
1. Tutela do crédito: medidas preventivas, conservatórias e meios de execução.............................................................. 2. Cláusula penal..................................................................... 2.1. Distinções.................................................................. 2.2. Espécies: moratória e compensatória (art. 409)........ 2.3. Efeitos e limites......................................................... 2.4. Casos especiais.......................................................... 3. Direito de retenção.............................................................. 4. Arras ou sinal (arts. 417 e s.).............................................. 5. Privilégios........................................................................... 6. Revogação dos atos praticados em fraude contra credores. 6.1. Caso especial de proteção do crédito .......................
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Capítulo 10 TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES
1. Cessão de crédito................................................................ 2. Classificação....................................................................... 3. Bens intransmissíveis.......................................................... 4. Formas e efeitos da cessão.................................................. 5. Responsabilidade do cedente.............................................. 6. Natureza jurídica da cessão de crédito e da assunção de dívida..................................................................................
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6.1. Assunção de dívida ou cessão de débito .................. 219 Teoria Geral dos Contratos Capítulo 11 O CONTRATO — GENERALIDADES
1. Noção de contrato e evolução histórica.............................. 2. Princípios básicos do direito contratual: autonomia da vontade, supremacia da ordem pública, obrigatoriedade dos contratos e a boa-fé...................................................... 2.1. O princípio da boa-fé................................................. 2.2. Concepção clássica do contrato................................. 3. Interferência do Estado nos contratos................................. 4. A internacionalização do contrato...................................... 5. A evolução do contrato e o Código Civil ..........................
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Capítulo 12 ELEMENTOS DO CONTRATO
1. Elementos essenciais: capacidade, objeto e consentimento. 2. Formação do contrato: proposta e aceitação....................... 2.1. Policitação e efeitos................................................... 2.2. Contratos entre ausentes. Teorias.............................. 2.3. Do lugar da formação dos contratos.......................... 3. Forma e prova dos contratos............................................... 4. Interpretação dos contratos................................................. 4.1. Interpretação e direito do consumidor . ....................
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Capítulo 13 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS
1. Diversidade de critérios para a classificação dos contratos. 271 2. Contratos unilaterais, bilaterais e plurilaterais.................... 272 3. Contratos gratuitos e onerosos............................................ 275
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SUMÁRIO
4. Contratos típicos, atípicos e mistos.................................... 5. Contratos individuais e coletivos........................................ 6. Contratos instantâneos, continuados e diferidos................. 7. Contratos reais, formais e consensuais............................... 8. Contratos de adesão............................................................ 8.1. Contratos de massa.................................................... 9. Contratos por tempo determinado e indeterminado............ 10. Contratos civis e comerciais e a unificação do direito das obrigações........................................................................... 11. Contratos conexos, grupos de contratos e contrato quadro... 12. Contratos preliminares........................................................ 12.1. Contrato obrigatório.................................................. 12.2. Contrato consigo mesmo ou autocontrato................. 12.3. Contratos evolutivos.................................................. 12.4. Contratos de consumo............................................... 12.5. Subcontrato................................................................ 12.6. Contratos eletrônicos ................................................
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Capítulo 14 EFEITOS DOS CONTRATOS
1. 2. 3. 4.
Efeitos dos contratos quanto a terceiros............................. Promessa pelo fato de terceiro............................................ Estipulação em favor de terceiro......................................... Contratos concluídos por terceiros..................................... 4.1. Contrato com pessoa a declarar . ..............................
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Capítulo 15 A TEORIA DA IMPREVISÃO E A REVISÃO CONTRATUAL
1. Evolução doutrinária do contrato........................................ 2. A cláusula rebus sic stantibus no direito estrangeiro.......... 3. A teoria da imprevisão no direito brasileiro....................... 4. Teoria da imprevisão e dívidas de valor..............................
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5. As modificações da estrutura do contrato . ........................ 339 Capítulo 16 DOS VÍCIOS REDIBITÓRIOS
1. Conceito e histórico............................................................ 2. Regulamentação no direito civil brasileiro......................... 3. Problemas processuais........................................................ 3.1. Prazos do Código Civil.............................................. 3.2. A proteção do consumidor........................................ 3.3. Prazos de decadência e prescrição no Código de Defesa do Consumidor .............................................
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Capítulo 17 DA EVICÇÃO
1. Conceito.............................................................................. 2. Classificação....................................................................... 3. Responsabilidade pela evicção........................................... 3.1. Jurisprudência . .........................................................
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Capítulo 18 ALTERAÇÃO, INEFICÁCIA E EXTINÇÃO DOS CONTRATOS
1. 2. 3. 4. 5.
Alteração............................................................................. Ineficácia............................................................................. Ineficácia em sentido amplo............................................... Ineficácia em sentido estrito............................................... Extinção dos contratos........................................................
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Capítulo 1 CONCEITO DE OBRIGAÇÃO Sumário: 1. Acepções da obrigação. 2. Conceito e elementos. 3. Evolução histórica. 4. Crédito e débito. 5. Vínculo obrigacional. 6. Débito e responsabilidade. 7. Obrigações naturais.
1. Acepções da obrigação Em sentido lato, a obrigação se identifica com qualquer espécie de dever moral, social, religioso ou jurídico. Mesmo no campo do direito, os juristas utilizam, algumas vezes, a palavra “obrigação” como sinônimo de dever jurídico, olvidando a sua significação técnica e dogmática. Data do direito romano a distinção das ações em pessoais e reais, da qual decorreu a correspondente divisão dos direitos até hoje itida. Os direitos podem ser exercidos sobre a própria pessoa do titular (direitos da personalidade) ou sobre um bem exterior de valor econômico (direitos patrimoniais). Estes últimos, por sua vez, podem importar numa relação jurídica em que o sujeito ativo exerce um poder de sujeição sobre uma coisa, exigindo o respeito de todos os outros membros da coletividade (direitos reais), ou podem conceder ao sujeito ativo o direito de exigir de determinada pessoa ou de certo grupo de pessoas a prática de um ato ou uma abstenção (direitos obrigacionais).
2. Conceito e elementos O conceito de obrigação surge, assim, por oposição ao direito real. São direitos obrigacionais, ou direitos de crédito, os direitos relativos de caráter patrimonial.
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Já o direito romano definia a obrigação como vínculo jurídico em virtude do qual alguém devia fazer uma prestação em favor de outrem, e o direito moderno construiu o conceito de obrigação atendendo à natureza relativa do direito e ao conteúdo econômico da prestação. Temos assim o seguinte quadro:
DIREITOS
Direitos absolutos (sujeito ivo indeterminado) Direitos relativos (sujeito ivo determinado)
Direitos da personalidade (sobre a pessoa do titular) Direitos reais (sobre bens exteriores)
Direitos obrigacionais
Observação: os direitos de família e das sucessões, que são regulados no Código Civil e em outras leis, abrangem situações complexas, que incluem os direitos da personalidade, os direitos reais e os direitos obrigacionais. Obrigação é a relação jurídica em virtude da qual uma ou mais pessoas determinadas devem, em favor de outra ou de outras, uma prestação de caráter patrimonial. Por outras palavras: Obrigação é o vínculo jurídico temporário pelo qual a parte credora (uma ou mais pessoas) pode exigir da parte devedora (uma ou mais pessoas) uma prestação patrimonial e agir judicialmente ou mediante instauração de juízo arbitral sobre o seu patrimônio, se não for satisfeita espontaneamente. Elementos — São os sujeitos, o objeto e o vínculo jurídico. Os sujeitos são a parte credora (uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas) e a parte devedora (uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas). O objeto é a prestação (dar, fazer ou não fazer alguma coisa). A prestação deve ter conteúdo patrimonial e ser lícita, possível e determinada ou determinável.
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Exemplos — O dever jurídico do comprador de pagar o preço constitui uma obrigação, pelo fato de recair em pessoa determinada e apresentar um conteúdo econômico. O direito do vendedor de receber o preço e o direito do comprador de receber a coisa são também obrigações. Sentido global — A palavra “obrigação” é utilizada tanto para englobar toda a relação jurídica obrigacional como para indicar o seu aspecto ativo ou crédito (obrigação ativa) ou o ivo ou débito (obrigação iva), sendo mais generalizada a identificação da obrigação com o aspecto ivo. Sentido figurado — Usa-se obrigação significando o próprio instrumento ou documento comprovador do direito ou título de crédito. Exemplos — Obrigação de guerra; obrigação nominativa de sociedade anônima (debênture); obrigações do tesouro etc. Conteúdo — Discutiu-se muito na doutrina a necessidade do conteúdo econômico da prestação, havendo autores que entendiam ser suficiente, por parte do sujeito ativo, o interesse moral, tal sendo o ponto de vista de Jhering, Windscheid e Saleilles. Não há dúvida de que qualquer espécie de interesse justifica a existência da obrigação; apenas para poder merecer tal conceituação técnica, o dever jurídico de caráter obrigacional, quando não cumprido, deve ser suscetível de transformar-se num valor econômico que o sujeito ativo exige do sujeito ivo. Se o dever jurídico não pode ser convertido numa indenização, por não ter valor econômico, não é obrigação. Nada impede, todavia, que as partes, criando uma multa ou pena convencional, deem conteúdo econômico a um dever que normalmente não tem. O que caracteriza, pois, a obrigação é a sua conversibilidade num valor patrimonial.
3. Evolução histórica No direito romano primitivo, não se confundiam os conceitos de obrigação e de débito. A obligatio surgia em virtude de um contrato especial, o nexum, que submetia a pessoa do devedor ao credor, no caso de não ser feito o pagamento na forma estipulada. Havia, assim, uma sujeição pessoal, penhorando-se a liberdade do devedor a fim
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de garantir o pagamento do seu débito. Nas convenções que não tinham as características de contratos, como os pactos, e em certos contratos em que não ocorria o nexum, criava-se um débito, sem que houvesse obligatio, pois inexistia a ameaça de constrangimento pessoal do devedor. O obligatus era aquele que, com sua própria pessoa, garantia o pagamento da dívida, podendo ser tanto o devedor como o fiador. A execução, no caso de inadimplemento, era pessoal, realizando-se pela manus injectio, em virtude da qual o credor podia vender o devedor como escravo, ou utilizar diretamente a sua força de trabalho. Foram o nexum, como empréstimo, e a fiança, na forma da sponsio, os primeiros casos de obrigação no campo civil no direito romano, surgindo também a obrigação, no plano penal, em virtude do furto, da rapina, do dano e da injúria. Com a Lex Poetelia, a execução perdeu o seu caráter pessoal, substituindo-se a manus injectio pela pignoris capio e executando-se não mais a pessoa do devedor, mas os seus bens1. A garantia na obrigação tendo deixado de ser pessoal para se tornar essencialmente patrimonial, estabeleceu-se no direito romano a perfeita identidade entre o débito e a obrigação. As fontes das obrigações só podiam ser legais, devendo derivar da lei. Nada impedia, todavia, o pretor, na sua obra de criação da jurisprudência, de reconhecer novas causas para os débitos, e, finalmente, débitos e obrigações se confundiram no direito da época de Justiniano.
4. Crédito e débito Em toda obrigação há um lado positivo — o crédito — e um lado negativo — o débito. O crédito é o direito visto sob o prisma do sujeito ativo da relação jurídica. O débito é o dever jurídico de pagar, que recai sobre o sujeito ivo da relação jurídica. O direito alemão conserva expressões distintas para indicar a relação de débito — Schuldverhältnis — e os direitos de crédito — Forderungsrechte.
Pedro Bonfante, Instituciones de derecho romano, tradução da 8. ed. it., 2. ed. esp., Madrid: Reus, 1951, p. 465 e 375 e s.
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5. Vínculo obrigacional Um vínculo obrigacional pode criar uma ou diversas obrigações, para uma ou para as diferentes partes interessadas. Assim, num mútuo sem juros, a relação jurídica existente cria apenas uma obrigação para o mutuário, que é a de devolver a quantia emprestada, na forma estabelecida pelas cláusulas contratuais. Já, ao contrário, num contrato de compra e venda, existem várias obrigações de ambas as partes. O comprador deve pagar o preço. O vendedor deve entregar a coisa e responder no caso de evicção. Há, assim, vínculos obrigacionais que se limitam a criar uma obrigação e outros que criam diversas obrigações derivadas do mesmo negócio jurídico. Podemos, pois, afirmar que a unidade da relação jurídica ou do vínculo jurídico não implica necessariamente a unidade das obrigações decorrentes para as partes, itindo-se também que da relação jurídica unitária provenha uma pluralidade de obrigações, como galhos e ramos de um mesmo tronco, na feliz imagem de San Tiago Dantas. Ademais, o nosso ordenamento jurídico expressamente exige que as partes, independentemente de disposição contratual, observem a função social do contrato e atuem conforme a regra da boa-fé. Do princípio da boa-fé objetiva emanam deveres órios para os contratantes, existentes desde as tratativas até momento posterior à extinção da obrigação. Como exemplo, citam-se o dever de sigilo das partes que negociam um contrato e os deveres de lealdade e de sigilo do funcionário de uma empresa, que persistem mesmo após o término da relação empregatícia. Sob essa perspectiva, esclarecedora é a expressão de Clóvis Couto e Silva, que vê a “obrigação como processo”.
6. Débito e responsabilidade A obrigação tem um fim primário: a prestação; e um fim secundário: sujeitar o patrimônio do devedor que não a satisfaz. O dever de prestar surge do débito; a ação judicial sobre o patrimônio surge da responsabilidade ou da garantia.
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O inadimplemento da obrigação, constituindo a violação ou o descumprimento de um dever jurídico, implica a criação de uma relação jurídica secundária ou derivada, com as mesmas características da obrigação, por ser dever jurídico, recaindo sobre pessoa determinada (direito relativo) e de caráter patrimonial, que denominamos responsabilidade. Não ocorrendo o pagamento voluntário, surge a responsabilidade, e o credor pode ir a juízo, ou recorrer à máquina judiciária do Estado, para obter a condenação do devedor ao pagamento; e se, após a condenação, não pagar ou já tendo o credor um título, pode pedir ao juiz que execute tantos bens do devedor quantos forem necessários para a satisfação do seu débito. Ademais, desde que estabelecida cláusula compromissória entre as partes, a questão poderá ser resolvida por arbitragem. Enquanto a obrigação é originária e depende de ato do devedor para a sua extinção, a responsabilidade é derivada do inadimplemento de dever jurídico e autoriza a ação do credor, por intermédio do Estado ou mediante instauração de juízo arbitral, sobre os bens do devedor. A distinção entre obrigação e responsabilidade foi feita por Brinz na Alemanha, que discriminou, na relação obrigacional, dois momentos distintos: o do débito (Schuld), consistindo na obrigação de realizar a prestação e dependente de ação ou omissão do devedor, e o da responsabilidade (Haftung), na qual se faculta ao credor atacar e executar o patrimônio do devedor a fim de obter o pagamento devido ou uma quantia equivalente acrescida das perdas e danos, ou seja, da indenização pelos prejuízos causados em virtude do inadimplemento da obrigação originária na forma previamente estabelecida. Os autores alemães que se dedicaram ao estudo da matéria reconhecem que, embora os dois conceitos — obrigação e responsabilidade — estejam normalmente ligados, nada impede que haja uma obrigação sem responsabilidade ou uma responsabilidade sem obrigação. Como exemplo do primeiro caso, costumam-se citar as obrigações naturais, que não são exigíveis judicialmente, mas que, uma vez pagas, não dão margem à repetição do indébito, como ocorre em relação às dívidas de jogo e aos débitos prescritos pagos após o decurso do prazo prescricional. Há, ao contrário, responsabilidade sem
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obrigação no caso de fiança, em que o fiador é responsável, sem ter dívida, surgindo o seu dever jurídico, com o inadimplemento do afiançado em relação à obrigação originária por ele assumida.
7. Obrigações naturais Conceito — São as que não podem ser reclamadas em juízo, embora lícitas. Exemplos: dívida de jogo não regulado; dívida prescrita; alimentos prestados por alguém não obrigado; e pagamento de gorjeta. No direito brasileiro, o art. 970 do Código Civil de 1916 determinava que “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação natural”. O anteprojeto de Clóvis Beviláqua, seguindo a orientação alemã e suíça, referia-se ao dever moral e não à obrigação natural, mas a comissão revisora preferiu voltar à expressão tradicional, embora lhe dando o mesmo sentido que Clóvis atribuíra ao dever moral2. No atual Código Civil as obrigações naturais são tratadas principalmente no art. 882. A rigor, a chamada dívida prescrita é também judicialmente inexigível. Convém esclarecer que dívida prescrita é expressão elíptica, porque a dívida (débito = debitum) permanece; apenas a pretensão ou a exigibilidade prescreve. Por isso, embora declarada a prescrição por sentença ada em julgado, se o devedor quiser pagar, o credor pode receber e dar quitação; o pagamento não poderá ser recobrado. O Ministro Moreira Alves, ao decidir caso que envolvia prescrição de créditos trabalhistas aposta no art. 7.º, XXIX, da CF, afirma que não são os créditos que prescrevem, sendo que estes “persistem como direitos subjetivos enfraquecidos a que correspondem a obrigações naturais”3.
2 Em sentido diferente, o Des. Tito Fulgêncio considerava as obrigações naturais como constituindo uma categoria intermediária entre as obrigações civis e os deveres morais, esclarecendo que “o cumprimento da obrigação natural é assim pelo Código um pagamento verdadeiro irrepetível, e ninguém dirá que quem cumpre um dever moral efetua um pagamento” (Do direito das obrigações, in Manual de Paulo de Lacerda, Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1928, v. 10, p. 24). 3 STF, AI 357.729, AgRg/RS, 1.ª T., Rel. Min. Moreira Alves, DJ, 5 abr. 2002.
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O direito romano conheceu, ao lado das obrigações civis, outras que tinham eficácia mais reduzida, não podendo ser exigidas judicialmente, e que denominou obrigações naturais. Estas tinham características próprias, porque, uma vez cumprida a obrigação natural, o devedor não podia exigir a devolução do pagamento, pois a lei autorizava o credor à soluti retentio (retenção do pagamento). A explicação das obrigações naturais, no direito romano, está vinculada à existência de diversos planos jurídicos paralelos, havendo relações jurídicas sujeitas ao ius civile e outras ao ius gentium. Alguns romanistas definem a obrigação natural como aquela baseada no ius gentium e não reprovada pelo ius civile. Da mesma maneira que existiam, no direito romano, um modo civil e um modo natural de adquirir a propriedade, uma família civil e uma família natural, também se justificava a existência da obrigação natural, baseada na equitas e na naturalis ratio, ao lado da obrigação civil, oriunda do ius civile. Constituíam casos indiscutíveis de obrigações naturais, no direito romano, as contraídas pelo escravo em relação ao seu patrão, a outro escravo ou a uma pessoa livre, atendendo-se à incapacidade do contratante, e as contraídas por pessoas sujeitas ao pátrio poder (poder familiar), discutindo a doutrina se se enquadravam ou não nas obrigações naturais as obrigações civis prescritas pelo não uso da ação em tempo oportuno e as obrigações oriundas de pactos ou convenções realizadas sem as solenidades exigidas por lei4. Embora privadas da ação, as obrigações naturais ensejavam para o credor o direito de reter o pagamento feito (soluti retentio), permitindo ainda que, em virtude de obrigação natural, se fizesse a compensação como débito civil, podendo haver novação e ser dada garantia válida para o cumprimento da obrigação, como, por exemplo, fiança ou hipoteca.
4 Roberto de Ruggiero, Instituciones de derecho civil, tradução da 4. ed. it., Madrid: Reus, 1944, t. 2, v. 1, p. 21; Bernhard Windscheid, tradução anotada das Pandectas feita por Fadda e Bensa, Torino, 1930, v. 2, p. 124 e s.; Pedro Bonfante, Instituciones, cit., p. 397 e s.
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O direito moderno não mais conhece as razões históricas que deram origem às obrigações naturais em Roma, mas o instituto perdurou, ando a exercer outras funções. Os positivistas entendem que as obrigações naturais são aquelas que, em virtude de lei, não podem ser judicialmente exigidas, mas, uma vez cumpridas, não item, por parte do devedor, a possibilidade de reaver o que pagou em virtude de um dever por ele reconhecido. O Código Civil francês não deu o conceito de obrigações naturais, limitando-se a estabelecer o princípio geral de que não é issível a repetição do pagamento em relação às obrigações naturais voluntariamente cumpridas. Coube, assim, à doutrina e à jurisprudência elaborar o conceito atual de obrigação natural a fim de interpretar o art. 1.235 do Código Napoleão. A única consequência jurídica que o direito moderno reconhece às obrigações naturais é a impossibilidade para o devedor de reaver o pagamento feito, enquadrando-se nessas obrigações não mais aquelas específicas do direito romano, mas todos os deveres morais ou de consciência, que, não contrariando a lei, não merecem, todavia, a sua proteção a ponto de serem judicialmente exigíveis. Do mesmo modo que, no direito romano, a obrigação natural surgiu, no ius gentium, para atenuar o rigorismo do ius civile e proteger a boa-fé das partes, no direito moderno, constitui a obrigação natural um dos conceitos amortecedores, conceitos-válvula ou órgãos de adequação, na feliz expressão de Del Vecchio, em virtude dos quais é mantido o necessário equilíbrio dinâmico entre o sistema jurídico e os imperativos morais e sociais5. A tendência moderna dominante na doutrina, na jurisprudência e na legislação é no sentido da equiparação da obrigação natural ao dever de consciência. Assim, a jurisprudência sa tem entendido que os gastos de assistência médica feitos em favor da concubina constituem obrigação natural, como também os pagamentos feitos
5 V. Giorgi Del Vecchio, Sulle obbligazioni naturali in iustitia, n. 1, jan./mar. 1959. V. ainda interessante estudo feito sob os auspícios da Faculdade de Direito de Buenos Aires sob a direção do Prof. Torino, Obligaciones naturales, Buenos Aires, 1927.
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pelos herdeiros aos legatários em virtude de testamento nulo por vício de forma. Mas, na França, foi editada, em 15-11-1999, a Lei n. 99.944, relativa ao “pacto civil de solidariedade”, cuja sigla é “Pacs”, o qual pode ser celebrado entre companheiros (ou parceiros) vivendo juntos, qualquer que seja o sexo, alterando o Código Civil. Havendo o pacto, os companheiros ficam obrigados a uma “ajuda mútua e material”, conforme nele fixada (art. 515-4 do Código). Eis o texto: “Art. 515-4. Les partenaires liés par un pacte civil de solidarité s’apportent une aide mutuelle et matérielle. Les modalités de cette aide sont fixées par le pacte”. No Brasil, ante o art. 226, § 3.º, da Constituição, foram editadas duas leis: a Lei n. 8.971, de 29-12-1994, que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, e a Lei n. 9.278, de 10-5-1996, que regula esse artigo. O novo Código Civil, em seu art. 1.694, também previu o direito dos companheiros de pedir alimentos. Sendo os alimentos e a assistência moral e material recíproca garantidos expressamente pelo nosso sistema jurídico, não mais se pode, no Brasil, classificar tais obrigações como naturais, se for o caso de “união estável”, como na França, no caso do “Pacs”. O Código Civil alemão (BGB), que entrou em vigor em 1900, além de fazer referência a alguns casos específicos de obrigação natural (dívida prescrita, § 222; corretagem matrimonial, § 656; e jogo ou aposta, § 767), firma, no capítulo sobre enriquecimento sem causa, o princípio geral em virtude do qual não pode ser repetido o pagamento feito, quando a prestação corresponde a um dever moral ou a um motivo de conveniência. O mesmo princípio é encontrado no art. 63 do Código suíço das Obrigações. O Código Civil português, em seu art. 402, conceitua a obrigação natural da seguinte forma: “A obrigação diz-se natural, quando se funda em mero dever de ordem moral e social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça”. A ideia de obrigação imperfeita ou natural também é válida para as dívidas de jogo e de aposta, agora tratadas no art. 814 do CC de 2002, correspondente ao art. 1.477 do Código Civil de 1916, estendendo-se também aos contratos que reconheçam tal dívida ou repre-
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sentem a sua novação ou fiança (§ 1.º do art. 814). O legislador ressalvou, entretanto, a existência da obrigação de pagar dívidas decorrentes de jogos e apostas legalmente permitidos e de prêmios devidos em virtude de competição de natureza desportiva, intelectual ou artística (§§ 2.º e 3.º do art. 814)6. A obrigação natural confere hoje juridicidade à obrigação moral e ao dever de consciência reconhecidos e cumpridos pelo devedor, que, posteriormente, não pode reaver o pagamento feito conscientemente7. Essa orientação é a dominante no direito contemporâneo e explica a fecundidade e a importância da noção de obrigação natural em nossos tempos. Caso mais raro foi o do contrato entre companheiros, para prestação de alimentos, após cessado o convívio. A ação pretendia o pagamento das pensões convencionadas, mas foi julgada improcedente em 1.º grau. Reformada a sentença, por maioria da 4.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, essa orientação não foi mantida pelo 3.º Grupo de Câmaras, que, adotando o voto vencido, entendeu ser obrigação natural. Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal não conheceu do recurso extraordinário (RTJ, 72/310). Digno de nota o acórdão unânime da 4.ª Câmara Cível do TJRJ, na Ap. 19.967, de 16-3-1982, relator o Des. Osny Duarte. Tratava-se de rifa por empresa organizadora de formatura de estudantes, na qual se prometia sortear um automóvel. Entendeu a Câmara que, embora sendo contravenção da empresa, pois a rifa não fora autorizada, na forma da Lei n. 5.768/71, o participante de boa-fé tinha direito ao prêmio8.
A jurisprudência já vinha reconhecendo a obrigação de pagar dívida de jogos autorizados. V. TAMG, Ap. 0306860, 7.ª Câm. Cív., Rel. Juiz Lauro Bracarense, j. 11-5-2000. 7 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria consta na RTJ, 49/206, 49/352, 50/403 e 59/482. Ademais, a noção de obrigação natural e moral pode ser percebida em decisão do TJRJ, que considerou regra moral e não obrigação jurídica a concessão de cestas básicas aos funcionários (TJRJ, Ac. 6.832/1999, 10.ª Câm. Cív., Rel. Des. Luiz Fux, j. 16-9-2000). 8 V. acórdão na íntegra em Semy Glanz, Suplemento X do Código Civil brasileiro interpretado, atualização da obra de Carvalho Santos, Freitas Bastos, 1984, v. 35, p. 208. 6
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SÍNTESE 1 — CONCEITO DE OBRIGAÇÃO 1. Acepções da obriga- Em sentido lato, a obrigação se identifica com ção qualquer espécie de dever moral, social, religioso ou jurídico. No campo jurídico, é muito comum os juristas utilizarem a palavra “obrigação” como sinônimo de dever jurídico. 2. Conceito e elemen- Obrigação é a relação jurídica em virtude da qual tos uma ou mais pessoas determinadas devem, em favor de outra ou de outras, uma prestação de caráter patrimonial. Elementos da obrigação: sujeitos (ativo e ivo), objeto (prestação) e vínculo jurídico. 3. Evolução histórica
No direito romano primitivo, não se confundia o conceito de obrigação e de débito. A obligatio surgia em virtude de um contrato especial, o nexum, que submetia a pessoa do devedor ao credor, no caso de não ser feito o pagamento na forma estipulada. Havia uma sujeição pessoal penhorando-se a liberdade do devedor a fim de garantir o pagamento do seu débito. Nas convenções que não tinham as características de contratos, como os pactos, e em certos contratos em que não ocorria o nexum, criava-se um débito, sem que houvesse obligatio, pois inexistia a ameaça de constrangimento pessoal do devedor.
4. Crédito e débito
Em toda obrigação há um lado positivo (ativo) — crédito — e um lado negativo (ivo) — débito. O crédito é o direito visto sob o prisma do sujeito ativo (credor) da relação jurídica. O débito é o dever jurídico de pagar, que recai sobre o sujeito ivo (devedor).
5. Vínculo obrigacio- O vínculo obrigacional faz criar uma ou diversas nal obrigações para uma ou para as diferentes partes interessadas.
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6. Débito e responsabi- A obrigação tem um fim primário — a prestação lidade — e um fim secundário — sujeitar o patrimônio do devedor que não a satisfaz. O dever de prestar surge do débito; a ação judicial sobre o patrimônio surge da responsabilidade ou da garantia. Enquanto a obrigação é originária e depende de ato do devedor para a sua extinção, a responsabilidade é derivada do inadimplemento de dever jurídico e autoriza a ação do credor, por intermédio do Estado ou mediante instauração de juízo arbitral, sobre os bens do devedor. 7. Obrigações naturais São as que não podem ser reclamadas em juízo, embora lícitas. Exemplos: dívida de jogo não regulado; dívida prescrita; alimentos prestados por alguém não obrigado; pagamento de gorjeta.
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Capítulo 2 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Sumário: 1. Posição do direito das obrigações na sistemática do direito privado. 2. Importância e características. Unificação do direito das obrigações pelo novo Código Civil. 2.1. Unificação. 2.2. Características.
1. Posição do direito das obrigações na sistemática do direito privado O direito das obrigações trata dos direitos relativos de caráter patrimonial e, no Código Civil, constitui a matéria do primeiro livro da parte especial. O legislador do atual Código seguiu a sistematização de outras legislações, como a alemã, nas quais as obrigações são objeto de regulamentação logo após a parte geral, pois o conhecimento e o manejo de sua técnica é essencial e imprescindível para a compreensão tanto do direito das coisas como do direito sucessório e do direito de família.
2. Importância e características. Unificação do direito das obrigações pelo novo Código Civil 2.1. Unificação O direito das obrigações, impregnado da autonomia da vontade, constitui a parte mais teórica, racional e abstrata dos Códigos Civis, apresentando-se como campo fecundo para os esforços de uniformização e de unificação legislativa, como o anteprojeto franco-italiano
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de Código das Obrigações. É um direito menos influenciado pelos fatores locais, caracterizando-se por grande capacidade de adaptação e evoluindo rapidamente em virtude de alterações sofridas pelas condições econômicas e sociais. É no campo das obrigações que mais facilmente se realiza a unificação do direito civil com o direito comercial, tendo diversos países elaborado uma legislação única na matéria, como ocorre com a Suíça, a Itália, a Polônia e, com o advento do Código Civil de 2002, o Brasil. A ideia de unificação do direito obrigacional brasileiro vem de longa data. Tivemos a respeito interessante Anteprojeto de Código das Obrigações, de autoria dos Ministros Philadelpho Azevedo, Orosimbo Nonato e Hahnemann Guimarães. Na reformulação legislativa de 1964, cogitou-se, também, de elaborar um Código das Obrigações destacado do Código Civil. Aliás, Sylvio Marcondes, na Exposição de Motivos Complementar ao Anteprojeto que desembocou no texto final do Código Civil de 2002, antes de descrever a evolução dos projetos legislativos desde o de Teixeira de Freitas em 1867 até o Projeto de Código das Obrigações de 1965 da Comissão constituída por Orosimbo Nonato, Caio Mário da Silva Pereira, Theophilo de Azeredo Santos, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes e Nehemias Gueiros, assim afirmou: “Essa unidade tradicional, do direito escrito, constitui verdadeira vocação da doutrina pátria, na busca incansável e ininterrupta de aperfeiçoamento, através do instrumento da codificação”1. Mesmo com a existência de dois sistemas diversos, um mercantil e outro civil, as ideias, o desenvolvimento, as questões e os estudos do direito comercial sempre trouxeram importantes subsídios na evolução da teoria geral das obrigações, permitindo a sua melhor adequação às necessidades práticas. Ressalta-se que, em muitos casos, a não unidade da disciplina das obrigações mercantis e civis antes dispostas, respectivamente, no Código Comercial de 1850 e no Có-
Sylvio Marcondes, Exposição de Motivos complementar do Prof. Sylvio Marcondes; parte especial, Livro II do Atividade Negocial, in Anteprojeto do Código Civil, 2. ed., 1973. 1
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digo Civil de 1916 decorria simplesmente das épocas diversas em que ambos os diplomas foram elaborados. Apenas agora, com o atual Código Civil, unificou-se o direito das obrigações, atendendo à necessidade de aplicação indiscriminada de iguais regras a todas as relações obrigacionais, e ao interesse da própria segurança nas relações jurídicas. Sobre o Código unificado e a intenção de tal obra, vale transcrever os esclarecimentos de Sylvio Marcondes, na Exposição Complementar de Motivos do Anteprojeto: “A discutida dicotomia daquele ramo do direito não constitui embaraço a fórmulas de unificação. As razões da famosa retratação de Vivante continuam válidas, como substrato metodológico e econômico da especialização técnica e científica do direito comercial, mas nem por isso excluem a coordenação unitária de atos jurídicos concernentes ao fenômeno econômico. Fonte sistemática de institutos adequados ao desenvolvimento deste, o direito comercial pode conviver com o direito civil, num código unificado, tal como convive com o direito penal, nas leis de repressão aos delitos comerciais, com o direito judiciário, nos processos peculiares à atividade mercantil, com o direito istrativo, na fortuna do mar. Um código não necessita ser polêmico para regular, na unidade de um direito objetivo, as diversificações de faculdades subjetivas. O propósito unificador, que ora se manifesta na elaboração legislativa brasileira, é coerente com a tradição evolutiva do nosso direito positivo, no campo das relações privadas. (...)”2. 2.2. Características O direito das obrigações, na sua estrutura básica, ainda mantém os princípios da Pandectas, tendo sofrido mais diretamente a influência exercida pelo direito romano sobre as leis atuais. Tanto o Código Civil alemão, que diretamente inspirou o nosso, como o Código Civil francês, baseado nas lições de Pothier, acataram os
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Sylvio Marcondes, Anteprojeto do Código Civil, cit.
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ensinamentos dos romanistas, embora tivessem liberado o direito moderno do formalismo rígido dos tempos primitivos. O caráter universal e abstrato do direito das obrigações explica a permanência da influência romanista até os nossos dias, embora algumas legislações tenham dado à vontade individual um poder que o direito romano não lhe reconhecia. Assim, por exemplo, os romanistas distinguiam os atos geradores de obrigações e os constitutivos de direitos reais, não bastando o simples acordo de vontade para transferir a propriedade. Também no direito feudal, ao lado do contrato propriamente dito, havia necessidade da vestidura para transferir a propriedade. Os autores alemães estudaram a cessão judiciária, ou Auflassung, como solenidade pública necessária para a concretização da alienação; atualmente, enquanto certos sistemas, como o nosso e o alemão, só item a transferência da propriedade pela tradição, quanto aos móveis, e pela transcrição no registro competente, para os imóveis, outras legislações, como a sa e a italiana, reconhecem no contrato um meio hábil de transferir a propriedade, ao menos entre as partes. Por outro lado, o aspecto personalíssimo e intransferível da obrigação romana foi ultraado, regulando o direito moderno a transferência das obrigações e tendo, finalmente, a socialização do direito modificado completamente a função de numerosos institutos do direito das obrigações3. BIBLIOGRAFIA: No direito brasileiro, a teoria geral das obrigações foi estudada por Lacerda de Almeida (Obrigações, 2. ed., Rio de Janeiro, 1916), Clóvis Beviláqua (Direito das obrigações, 1986), Manuel Inácio Carvalho de Mendonça (Doutrina e prática das obrigações ou tratado geral dos direitos de créditos, 4. ed., Rio de Janeiro, 1956) e Orosimbo Nonato (Curso das obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 1); existindo ainda os estudos, em obras gerais sobre direito civil, da parte de obrigações,
V. Lacerda de Almeida, Obrigações, 2. ed., Rio de Janeiro, 1916, p. XVII a XXIX; Orozimbo Nonato, Curso das obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 1, p. 55 e s.; Saleilles, Étude sur la théorie générale de l’obligation, 3. ed., 1914, p. 1 e s.; San Tiago Dantas, RF, 139/5. 3
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como as de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, 2. ed., Borsoi, 1958, v. 22 e s.) e os v. 10 e 16/1 a 16/4 referentes às modalidades das obrigações, às declarações unilaterais de vontade e às obrigações decorrentes de atos ilícitos do Manual do Código Civil brasileiro dirigido por Paulo de Lacerda (Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos 1921/1928), além de numerosas monografias. No exterior, além dos tratados e instituições de Planiol-Ripert, Enneccerus, Kipp e Wolff, Baudry-Lacantinerie, De Page, Pacifici-Mazzoni, Louis Josserand, Ruggiero, Messineo e Bernhard Windscheid, destacamse os estudos especialmente feitos sobre as obrigações por René Demogue (Traité des obligations en général), Raymond Saleilles (Étude sur la théorie générale de l’obligation, 3. ed., 1914), E. Gaudemet (Théorie générale des obligations), René Savatier (La théorie des obligations) e Jean Carbonnier (Théorie des obligations). Mais recentemente, na França, foram editadas obras de Jacques Ghestin (coordenador de Traité de droit civil, que escreveu os volumes “Le contrat” e “Les effets du contrat”, atualizados por Christophe Jamin e Marc Billiau); na mesma coleção, três volumes sobre responsabilidade civil são de Geneviève Viney, Philippe le Tourneau e Loïc Cadiet (Droit de la responsabilité, que corresponde à modernização do antigo tratado de Henri Lalou — Dalloz, 1998). Temos ainda Giorgio Giorgi (Delle obbligazioni) e Vittorio Polacco (Obbligazione), na Itália, Von Tuhr (Obrigações), na Suíça, Karl Larenz, na Alemanha, Boffi Boggero e Marcelo Urbano Salerno, na Argentina, e Antunes Varela, em Portugal e no Brasil. Quanto aos contratos e à responsabilidade civil, também existe ampla bibliografia nacional e estrangeira, destacando-se sobre o assunto os trabalhos clássicos de Manuel Inácio Carvalho de Mendonça (Contratos no direito civil brasileiro), José de Aguiar Dias (Da responsabilidade civil), Antonio Chaves (Responsabilidade precontratual) e Agostinho Alvim (Da inexecução das obrigações). No tocante aos contratos especiais, merecem ser mencionados os trabalhos de Darcy Bessone de Oliveira Andrade (Da compra e venda e da troca, Rio de Janeiro: Forense, 1961), Sebastião de Souza (Da compra e venda, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1956), Agostinho Alvim (Da doação, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963), E. V. de Miranda Carvalho (Contrato de empreitada, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953) e Alfredo de Almeida Paiva (Aspectos dos contratos de empreitada, Rio de Janeiro: Forense, 1955).
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SÍNTESE 2 — Direito das obrigações 1. Posição do direito das O direito das obrigações trata dos direitos obrigações na sistemática relativos de caráter patrimonial. do direito privado 2. Importância e características. Unificação do direito das obrigações pelo novo Código Civil
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É no campo das obrigações que mais facilmente se realiza a unificação do direito civil com o direito comercial, tendo diversos países elaborado uma legislação única na matéria, como ocorre com a Suíça, a Itália, a Polônia e, com o advento do Código Civil, o Brasil.
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Capítulo 3 CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES PELO OBJETO Sumário: 1. Características da prestação. 2. Obrigações positivas e negativas. 3. Obrigações de dar coisa certa e coisa incerta. 4. Obrigações de dar e de fazer. 5. Obrigações de não fazer. 6. Obrigações conjuntivas e alternativas. 7. Obrigações com faculdade de substituição. 8. Obrigações divisíveis e indivisíveis. 9. Obrigações em dinheiro e dívidas de valor. 9.1. Dívidas de valor. 9.2. Cobrança de débitos em juízo. 9.3. O combate à inflação e os planos monetários. 9.4. O “Plano Real”.
1. Características da prestação Definida a obrigação em sentido técnico como um vínculo jurídico de caráter patrimonial que recai sobre uma pessoa em benefício de outra relativamente a um bem (coisa ou serviço) que se encontra no patrimônio do devedor, podemos afirmar que o conteúdo da obrigação deve ser uma prestação possível, lícita, determinada ou determinável e possuindo expressão econômica. A prestação é o comportamento do devedor que aproveita ao credor e por este pode ser exigida. Deve ela ser possível, física e legalmente, pois já afirmavam os romanos que ad impossibilia nemo tenetur1. A impossibilidade pode ser física ou jurídica, absoluta e objetiva ou relativa e subjetiva, originária ou superveniente. 1
Ninguém é obrigado a fazer coisas impossíveis.
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É objetiva e absoluta quando existe para todos os membros da coletividade, por motivos físicos ou em virtude de lei. Tal impossibilidade importa em nulidade da obrigação. Ao contrário, a impossibilidade relativa e subjetiva é a que só ocorre para o sujeito ivo da relação jurídica, e não para todas as pessoas. Importa o dever, para o inadimplente, de ressarcir os danos decorrentes do não cumprimento da obrigação assumida. Quando a impossibilidade objetiva é superveniente ou posterior à relação jurídica, é preciso destacar o caso em que houve mora do devedor, hipótese na qual ele responde pelas perdas e danos, e os casos fortuitos ou de força maior em que, sem culpa dele, a obrigação se tornou impossível ou ilícita, excluindo-se pois a sua responsabilidade. A prestação deve ser determinada ou determinável, não podendo ficar ao exclusivo arbítrio do devedor. Não se considera, assim, como obrigação, na acepção jurídica, o dever de entregar pão ou vinho sem que se estabeleça um mínimo quantitativo, ou um critério para fixar o quantum devido, pois a prestação poderia ser irrisória, entregando-se, por exemplo, algumas gotas de vinho2. ite-se, todavia, que a quantia fique a critério de terceiro, ou seja, condicionada por certas necessidades (v. g., os tijolos necessários para a construção de um prédio de tantos andares, tendo cada um a metragem quadrada de...). Nada impede, por outro lado, que o preço de uma mercadoria fique sujeito às flutuações da Bolsa, ao preço do dia em determinada praça ou ao arbitramento de terceiro. Embora a doutrina entenda imprescindível o conteúdo econômico, uma vez que não se considera obrigação o dever jurídico que, no caso de inadimplemento, não se possa resolver em perdas e danos, fixados em dinheiro, cabe notar que, atualmente, com a aceitação do dano material ou moral, qualquer lesão de direito pode ser avaliada em dinheiro3.
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Tito Fulgêncio, Manual de Paulo de Lacerda, cit., p. 36. V. Capítulo 8, n. 4.
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2. Obrigações positivas e negativas As obrigações são positivas quando a prestação do devedor implica dar ou fazer alguma coisa e negativas quando importam numa abstenção. É tradicional a distinção entre obrigações de dar, fazer e não fazer, que ainda é feita pelo atual Código Civil brasileiro. A obrigação de dar consiste em transferir a posse ou transmitir a propriedade de um objeto ao credor, enquanto a obrigação de fazer importa na realização de atos ou serviços no interesse do credor. Embora, à primeira vista, os contornos de cada uma sejam perfeitamente definidos, em muitos casos surgem dúvidas quanto à natureza da obrigação, havendo autores que condenam a distinção. Indaga-se, assim, se são obrigações de dar ou de fazer a de lavrar escritura definitiva de um imóvel e a de justificar o pagamento de certos impostos que, em virtude de contrato, são da responsabilidade do locatário4. A importância prática da classificação decorre da regulamentação legal tradicionalmente diferente com referência às obrigações de fazer e às obrigações de dar5. A obrigação negativa importa numa abstenção, ou seja, em não praticar algum ato, v. g., não construir além de certo gabarito.
3. Obrigações de dar coisa certa e coisa incerta A obrigação de dar pode abranger coisa certa ou coisa incerta. A obrigação de dar coisa certa surge quando a prestação é de objeto específico e individualizado, v. g., obrigação de restituir um livro autografado, ou que fora dado em comodato. O Código Civil esclarece que o credor de coisa certa não pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa (art. 313) ou
Tito Fulgêncio, Manual de Paulo de Lacerda, cit., p. 34, e Orosimbo Nonato, Curso das obrigações, cit., v. 1, p. 209. Para a distinção entre obrigações de dar e de fazer, consulte-se RTJ, 43/263. 5 RTJ, 61/247, e Súmula 500 do STF. 4
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mesmo de valor inferior. É o princípio romano que encontramos em sentença de Paulo, de acordo com o qual aliud pro alio invito creditore solvi non potest6. A entrega de objeto diverso do prometido importa em modificação da obrigação, denominada novação objetiva (do objeto), que só ocorre havendo consentimento de ambas as partes. Por outro lado, a modalidade do pagamento não pode ser alterada sem o consentimento das partes. A coisa deve ser entregue com os seus órios, salvo convenção em contrário das partes (art. 233)7. Se a coisa certa devida se perder, antes da tradição e sem culpa do devedor, a obrigação se resolve para os interessados, extinguindo-se todos os seus efeitos. Até a tradição, todos os riscos correm por conta do tradens8 que tem a propriedade do bem. Se a perda ou destruição da coisa for oriunda de culpa do devedor, o credor dele poderá exigir o valor em dinheiro do objeto acrescido das perdas e danos (arts. 234 do CC, parte final, e 627 do C). A responsabilidade visa colocar o credor na posição em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida, abrangendo, pois, o ressarcimento do dano causado (damnum emergens) e do lucro cessante (lucrum cessans). No campo contratual, o lucro cessante representa o montante que a parte razoavelmente deixou de lucrar, e as perdas e danos só incluem os prejuízos e lucros resultantes, direta e imediatamente, da inexecução da obrigação (arts. 402 e 403 do CC). Em caso de deterioração do objeto, sem culpa do devedor, tem o credor uma opção entre solver a obrigação ou aceitar a coisa, abatendo do seu preço o valor que perdeu. Havendo culpa do devedor, o credor pode exigir o equivalente em dinheiro ou aceitar o objeto com abatimento do preço, com direito a reclamar, em ambos os casos, indenização pelas perdas e danos (art. 236). Nada impede que as partes convencionem a obrigação do devedor de ressarcir os danos, mesmo na hipótese de destruição ou perda do objeto em virtude de caso fortuito ou força maior.
Não se pode pagar uma coisa por outra, contra a vontade do credor. V. a Parte Geral e em particular os artigos do Código Civil de 2002 referentes aos órios, frutos e benfeitorias (arts. 92 a 97, 1.214 a 1.222 e 1.253 a 1.257). 8 Transmitente. 6 7
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No silêncio das partes, o princípio básico aplicável é o da responsabilidade decorrente de culpa, devendo o inadimplente provar que não houve culpa de sua parte, pois o inadimplemento da obrigação implica presunção de culpa do devedor. A responsabilidade do devedor permanece até a tradição, que transfere a propriedade da coisa móvel ou a transcrição, a qual transmite a do imóvel. Como diziam os antigos, res perit domino (a coisa perece para o dono). Havendo mora do devedor, responderá ele, mesmo na hipótese de força maior ou caso fortuito, salvo se provar que a destruição ou deterioração ocorreria mesmo se não estivesse em mora (art. 399). Também há responsabilidade independentemente de culpa específica quando, correndo risco o objeto do comodato (empréstimo da coisa infungível) juntamente com outros do comodatário, antep este a salvação dos seus, abandonando o do comodante. A responsabilidade surge, no caso, por não ter havido a diligência especial a que está obrigado o comodatário, embora o dano tenha sido causado por força maior ou caso fortuito (art. 583). As perdas e danos podem ser liquidadas mediante cláusula penal, por avaliação antecipada das partes, ou ainda em virtude de disposições legais, tratando-se de obrigação de pagamento em dinheiro (art. 404) ou judicialmente, cabendo ao magistrado apreciar os prejuízos e lucros cessantes decorrentes do inadimplemento9. Se a coisa sofrer melhoramentos ou ar a ter acrescidos até a tradição, o devedor poderá exigir um aumento do preço, resolvendo a obrigação se o credor não anuir (art. 237). Dando a coisa frutos antes da tradição, cabem estes ao devedor, ando os frutos pendentes à propriedade do credor (art. 237, parágrafo único). Entre as obrigações de dar coisa certa, o Código Civil de 2002, seguindo a sistemática do Código de 1916, trata da obrigação de restituir (arts. 238 e s.), embora haja diferença na situação do credor nos dois casos. Na obrigação de dar, a propriedade do bem pertence, até a tradição ou a transcrição, ao devedor, enquanto, na obrigação
Quanto aos débitos reclamados em juízo, v. o n. 9.2 deste Capítulo. Quanto à cláusula penal, v. o n. 2 do Capítulo 9.
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de restituir, o credor tem direito real sobre o bem que está legalmente em poder do devedor. A aplicação do princípio res perit domino, em virtude do qual a deterioração e também os acréscimos ou melhoramentos sofridos pela coisa fortuitamente, sem culpa alheia, prejudicam ou beneficiam o proprietário, implica, no caso, soluções diferentes daquelas aceitas nas obrigações de dar coisa certa. Efetivamente, se a coisa for deteriorada ou destruída sem culpa do devedor, antes da tradição, cabe o prejuízo ao credor em virtude do direito real que sobre a coisa exercia e resolve-se a obrigação (art. 238). Se antes da tradição houver aumento fortuito da coisa, o benefício também será do credor, sem que surja o dever de indenizar pelos melhoramentos ou acréscimos (art. 241). Se, todavia, o melhoramento ou aumento for devido à atividade do devedor, terá este direito a uma indenização, de acordo com os princípios aplicáveis em matéria de benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias (arts. 242, c/c os arts. 1.219 a 1.222), salvo no caso excepcional de ato gratuito, como o comodato, no qual o devedor não pode exigir tal indenização (art. 584). O direito à indenização é garantido pela retenção, em virtude da qual o devedor pode sustar a entrega do bem até o recebimento do pagamento devido (art. 1.219) (v. Cap. 9, n. 3). A obrigação de dar coisa incerta consiste em fornecer certa quantidade de unidades de determinado gênero e não uma coisa especificada. A incerteza da coisa não significa indeterminação, mas determinação genericamente feita. Quem se compromete a entregar cem quilos de arroz, cem mil reais (art. 85) (v. n. 4) ou dez mil metros de certo tipo de tecido assume uma obrigação de dar coisa incerta ou fungível. Nas obrigações de dar coisa incerta, o primeiro problema que surge é o referente à escolha das unidades a serem entregues. As partes têm a mais ampla liberdade de atribuir, seja a um dos contratantes, seja a terceiro, a escolha dos exemplares que deverão ser fornecidos. O próprio contrato pode, aliás, dar indicações quanto ao tipo ou qualidade da mercadoria, de acordo com a terminologia aceita no mercado local. Na falta de cláusula contratual, existe uma norma supletiva, em virtude da qual a escolha caberá ao devedor, não lhe sendo lícito, todavia, escolher a pior qualidade, nem sendo obrigado a dar as melhores unidades (art. 244). A razão pela qual a lei
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atribuiu, no silêncio das partes, a competência ao devedor para individualizar os bens ou mercadorias prometidas explica-se pelo princípio jurídico de acordo com o qual toda obrigação deve ser interpretada em favor do devedor, não devendo ser agravada quando, no acordo de vontade, as partes deixarem sem solução o modo de proceder ao pagamento. Por outro lado, atendendo à equidade, exigiu-se que a mercadoria fosse de tipo médio, não podendo o devedor fraudar os seus compromissos entregando o pior e não sendo obrigado, na falta de cláusula contratual, a entregar a melhor mercadoria. Enquanto a obrigação de dar coisa certa consiste em entregar coisa infungível (a casa da rua tal, o cavalo que ganhou o primeiro prêmio na última corrida do ano), na obrigação de dar coisa incerta o devedor se compromete a fornecer coisa fungível (um cavalo de raça tal, tantos metros de fazenda etc.). A importância básica da distinção é devida ao fato de ser imperecível o gênero. Enquanto a coisa certa pode ser destruída ou deteriorada sem culpa do devedor, resolvendo-se a obrigação, a coisa incerta, sendo determinada quantidade de unidades de certa espécie, jamais pode perecer, só se itindo a impossibilidade quando inexistir a coisa no mercado. Genus nunquam perit, já afirmavam os juristas romanos10. Enquanto na obrigação de dar coisa certa a obrigação pode ser cumprida desde logo, na coisa incerta existe um ato preparatório individualizante do objeto que precede o pagamento. Essa escolha é denominada concentração, e é em virtude dela que a coisa incerta se transforma em coisa certa, ficando sujeita às normas legais já indicadas. O art. 246 do CC esclarece que, “Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito”. Esse artigo deve ser entendido em termos, pois a escolha a que a lei se refere não é apenas o ato subjetivo de separação, ou de destinação de certos bens para serem utilizados na efetuação do pagamento; é o ato pelo qual as unidades saem do patrimônio do devedor e são postas à disposição do credor, com ciência
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O gênero nunca perece.
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e conhecimento deste. A disciplina do atual Código Civil veio consagrar esse entendimento, na medida em que o seu art. 245 determina a aplicação das regras sobre obrigação de dar coisa certa, após o credor ter sido cientificado da escolha dos bens. Como bem afirmou Agostinho Alvim, na Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código Civil, “a obrigação de dar coisa incerta a por uma metamorfose, após a escolha, transformando-se em obrigação de dar coisa certa”11. Não basta, pois, que o devedor, em seu armazém, faça a escolha das sacas de café que pretende mandar ao credor para que se apliquem ao caso as normas sobre obrigações de dar coisa certa. Se, na hipótese, as sacas de café forem deterioradas por uma inundação ou destruídas por um incêndio, o devedor continuará com a obrigação de fornecer as sacas prometidas. Se, todavia, a convenção entre as partes estabeleceu que o devedor devia deixar, em determinado armazém-geral, as sacas à disposição do credor e em nome e por conta deste, a obrigação será considerada cumprida com o depósito no local determinado, e, a partir do referido momento, os riscos corridos pela mercadoria afetarão não mais o devedor, mas o credor. Em virtude do estabelecido pelo art. 492, § 1.º, do CC, os casos fortuitos ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar coisas que comumente se recebem contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste. Em sentido contrário, se ainda não tiverem sido postas à disposição do comprador, os riscos correrão por conta do vendedor. Pode surgir uma impossibilidade objetiva de entregar coisa incerta. Seria o caso da obrigação de entregar um número elevado de exemplares de um livro esgotado, ou uma quantia de determinado minério superior à existente na Terra. Se, em tese, o inadimplemento importa sempre em responsabilidade, tal princípio sofre atenuação pela aplicação da teoria dos vícios da vontade, podendo ser alegado o erro de um dos contratantes ou a ocorrência de caso fortuito. Por outro lado, não tendo havido culpa do devedor, normalmente não estará sujeito ao pagamento de uma indenização.
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Agostinho Alvim, Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código Civil.
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Nas obrigações genéricas delimitadas, ou seja, nas obrigações de entregar coisa oriunda de determinada origem (entregar cem quilos de batatas de minha fazenda, cem cabeças de gado do meu rebanho), ite-se a extinção do gênero como impossibilidade absoluta que, não havendo culpa do devedor, resolve a obrigação sem criar qualquer espécie de responsabilidade. Caso, pelo contrato, caiba ao credor a escolha das unidades da coisa indeterminada, e não seja exercido o seu direito no prazo estabelecido, o devedor poderá citá-lo para fazer a escolha no prazo de cinco dias ou no contratualmente fixado, sob pena de ar ao devedor o direito de escolha, depositando-se a coisa judicialmente na forma do art. 894 do C.
4. Obrigações de dar e de fazer A própria distinção entre obrigações de dar e de fazer sofre restrições na doutrina contemporânea, tendo sido abandonada por diversos códigos. Na realidade, dar não deixa de ser fazer alguma coisa. A razão tradicional da diferença de tratamento entre as obrigações de dar e de fazer é que, na primeira, visa-se geralmente a entrega de uma coisa, enquanto na segunda o credor pretende obter a realização de um serviço. Na realidade, a distinção entre dar e fazer nem sempre é fácil. Por exemplo, na compra e venda, a obrigação de lavrar a escritura definitiva por instrumento público é obrigação de fazer, embora por intermédio dela pretenda o adquirente obter o recebimento do bem comprado. Na empreitada de mão de obra e de materiais existem duas obrigações distintas: a de dar o material e a de fazer o serviço. Por outro lado, algumas das obrigações de fazer dependem de uma atuação personalíssima do devedor, que é insubstituível, em virtude das suas qualidades pessoais. Nessas hipóteses, enquanto na obrigação de dar o juiz pode condenar o devedor a entregar a coisa certa ou incerta, na de fazer com caráter personalíssimo, a liberdade individual, como garantia constitucional e projeção da personalidade, limita a autoridade do magistrado. Como ninguém pode ser obrigado a fazer alguma coisa contra a sua vontade, o inadimplemento nas
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obrigações personalíssimas de fazer se resolve em perdas e danos (art. 389 do CC, c/c os arts. 461, § 1.º, 633 e 638, parágrafo único, do C). Ao contrário, na execução da obrigação de dar coisa certa, citado o réu para, no prazo de dez dias, fazer a entrega da coisa, se não obedecer, bem como não assegurar o juízo e oferecer embargos, expedir-se-á mandado para a imissão do exequente na posse, tratando-se de imóvel, ou mandado de busca e apreensão, se o bem for móvel (arts. 621 e 625 do C). Ademais, nos casos em que o cumprimento da obrigação de fazer não depende necessariamente de atuação pessoal do devedor, o credor pode pleitear em juízo tutela específica para que sejam assegurados resultados equivalentes ao do adimplemento (art. 461 do C). A lei processual garante que a obrigação de fazer apenas se converterá em perdas e danos se o credor assim pretender ou se for impossível a substituição da vontade do devedor e a obtenção do resultado prático correspondente for inviável (art. 461, § 1.º, do C). Nesse sentido dispõe o Código Civil ao determinar que o devedor obriga-se a indenizar o credor quando se recusar a cumprir obrigação somente por ele exequível (art. 247). Por essas razões, a caracterização da obrigação como sendo de dar ou de fazer só adquire importância na fase de execução, para saber se ite a execução específica ou se, necessariamente, se resolve em perdas e danos. Além disso, para melhor compreender o sistema jurídico, entendemos ser mais ilustrativo fazer a distinção das obrigações em dois grupos: a) as obrigações de dar e de fazer que não são personalíssimas (obrigações fungíveis), que constituiriam um primeiro grupo; e b) as obrigações personalíssimas de fazer, criadas com a finalidade de realização por pessoa certa do serviço contratado, formando um segundo grupo (obrigações infungíveis). Para as primeiras, teríamos a possibilidade de execução específica; para as segundas, o inadimplemento do devedor importaria necessariamente em resolver a obrigação em perdas e danos, pois nemo praecise cogi potest ad factum (ninguém pode ser coagido a praticar um ato). Enquanto as obrigações de dar e as de fazer que não são personalíssimas se transmitem por sucessão hereditária, as obrigações de fazer personalíssimas extinguem-se de pleno direito com a morte do devedor.
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Podemos, assim, distinguir as prestações contratadas com caráter personalíssimo, a que denominamos prestações infungíveis, pois nelas o devedor não pode ser substituído por outrem, das prestações de dar ou de fazer de caráter fungível, nas quais o importante é o recebimento do objeto ou a realização do serviço de acordo com as especificações, pouco importando a pessoa que dê a coisa ou preste o serviço. A obrigação pode ser personalíssima ou infungível em virtude de convenção das partes ou pela própria natureza do negócio realizado. Desse modo, quem contrata a pintura de um quadro com renomado artista tem o direito de exigir que o quadro seja da autoria do artista, não itindo uma pintura feita por outrem. Podemos assinalar outro exemplo num contrato de prestação de serviços por advogado em que o causídico, numa das cláusulas contratuais, tenha-se comprometido a fazer pessoalmente a defesa oral do constituinte na audiência de instrução e julgamento. Algumas vezes pode haver dúvida quanto à natureza fungível ou infungível da obrigação; nesse caso o magistrado deve examinar as circunstâncias peculiares da hipótese. A fim de evitar possíveis confusões, é aconselhável nos contratos de prestação de serviços que conste cláusula em que o locador de serviços ou o empreiteiro se obrigue a realizar o trabalho por si ou por terceiros, permitindo assim que seja utilizada a colaboração de outra pessoa para a realização do serviço. O Código Civil de 1916 bem esclarecia que: “Na obrigação de fazer, o credor não é obrigado a aceitar de terceiro a prestação, quando for convencionado que o devedor a faça pessoalmente” (art. 878). O atual Código Civil não repete essa redação, mas traz a mesma ideia ao determinar o dever de indenizar ao devedor que não cumpre obrigação só a ele imposta ou apenas por ele exequível (art. 247). Como já vimos, a convenção pode ser explícita ou tácita, como ocorre quando resulta da situação particular das partes ou dos usos e costumes locais. Tratando-se de obrigação personalíssima ou infungível e havendo impossibilidade do seu cumprimento, por culpa do devedor, resolve-se a obrigação em perdas e danos (art. 248, final). Se a impossibilidade decorre de caso fortuito, extingue-se a obrigação (art. 248, primeira parte).
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Se o fato for executável por terceiro e o devedor não cumprir a prestação estabelecida, se recusar a prestá-la ou atrasar na realização do serviço, o credor tem a opção de resolver a obrigação em perdas e danos ou de mandar fazer o serviço por terceiro, cobrando o preço da execução do devedor inadimplente, sem prejuízo da indenização cabível (art. 249). Além disso, o Código Civil, em seu art. 249, parágrafo único, especificou que, em casos de urgência, é permitido ao credor executar ou mandar executar o fato, independentemente de autorização judicial. Nessa hipótese, posteriormente, ele será ressarcido dos gastos. Eventualmente, se não ficar configurada a urgência e optando o credor pela realização de obra ou serviço por terceiro, poderá, em execução de sentença, requerer ao juiz a avaliação da obra ou serviço, para que seja feita à custa do executado mediante concorrência pública, na forma do art. 634 do C. Preferindo o credor exigir perdas e danos, far-se-á a liquidação, prosseguindo-se como na execução por quantia certa (art. 633 do C). Tratando-se de obrigação personalíssima ou infungível, o credor pode requerer ao juiz que ordene ao devedor executar o serviço dentro de determinado prazo, sob pena de cominação pecuniária, que pode revestir a forma de multa diária ou mensal (arts. 638, 644 e 645 do C), se o credor não preferir desistir desde logo da prestação exigível e pedir, em ação ordinária, as perdas e danos decorrentes do inadimplemento). Consistindo a obrigação de fazer em emitir uma declaração de vontade, ocorrem duas hipóteses: ou o contrato preliminar preenche as condições de validade do contrato definitivo, e o juiz poderá substituir-se ao devedor, enunciando-a na sentença12, ou, ao contrário, a promessa de contratar não preenche tais requisitos, e o credor tem a alternativa de exigir a complementação ou formalização do contrato pelo devedor ou uma quantia em dinheiro como indenização. No
Código de Processo Civil, arts. 639 a 641. Ver ainda Sydney Sanches, Execução específica de obrigações de contratar e de prestar declaração de vontade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. 12
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primeiro caso, a condenação será de pagamento de multa periódica enquanto não for cumprida a obrigação. No segundo, a sentença comporá o dano, obrigando o devedor a pagar o prejuízo causado e o lucro cessante.
5. Obrigações de não fazer As obrigações ainda podem ser omissivas, importando numa abstenção, num non facere. Em certos casos, em virtude de cláusulas contratuais, ou de condições impostas em ato unilateral, uma pessoa, restringindo a sua própria liberdade e os direitos que a lei lhe assegura, obriga-se a deixar de praticar algum ato. Por exemplo, os condôminos renunciam a dividir a coisa comum por um prazo inferior a cinco anos, o sócio que se retira de determinada empresa se obriga a não continuar no mesmo ramo de negócio ou o proprietário de um imóvel se obriga a não vendê-lo durante determinado prazo. São obrigações de não fazer que a lei reconhece como válidas e lícitas. Somente contrariam o direito as obrigações de não fazer que cerceiam a liberdade individual de tal modo que venham a infringir a ordem pública. Assim, por contrariarem a mais elementar liberdade do homem e os princípios morais dominantes em nossa sociedade, são inválidos os atos em virtude dos quais uma pessoa se obriga a não trabalhar ou a não casar, embora nada impeça o cerceamento parcial da atividade, sendo válida a obrigação de não trabalhar em determinado ramo de negócio durante certo tempo13. Se, sem culpa do devedor, a abstenção se torna impossível, extingue-se a obrigação (art. 250). Se o devedor, culposamente, infringe a obrigação de não fazer e pratica o ato vedado, deve ressarcir o dano causado ao credor, podendo ainda este exigir que o devedor desfaça à sua custa o ato praticado, se a sua natureza permitir (art. 251). Uma inovação do atual Código é permitir ao credor, em casos de urgência, desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, devendo ser posteriormente ressarcido do devi-
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Arnoldo Wald e outro, Pacto de não concorrência, parecer, RT, 552/32.
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do (art. 251, parágrafo único). Assim, tratando-se de obrigações de não construir além de certo gabarito, em virtude de cláusulas contratuais, o credor pode exigir do devedor que desfaça a construção levantada além do mencionado gabarito e pague as perdas e danos. Se o devedor se recusar, o credor pode mandar destruir a obra, por conta do devedor. Se a obrigação consiste em não vender determinados artigos, o credor não pode desfazer as vendas realizadas, mas pode pedir uma indenização e, mediante ação própria, fixar uma multa que o devedor será obrigado a pagar enquanto infringir a obrigação por ele assumida (arts. 642 a 645 do C). A ação própria para impedir a violação continuada da obrigação de não fazer era a ação cominatória14. As perdas e danos podem ser apurados em ação ordinária, que também é a ação própria para exigir o desfazimento do ato praticado em violação da obrigação assumida. Discute-se a possibilidade de acumular numa ação única o pedido cominatório e o de indenização pelos prejuízos já sofridos. Tal medida importaria certamente numa grande economia de ordem processual. O antigo Código da Propriedade Industrial já itia a cumulação de dois pedidos de modo explícito, no caput e parágrafo único do art. 189. Na execução de sentença, o réu, condenado a abster-se da prática de qualquer ato, será citado, sob as cominações da sentença, para não praticá-lo. Contravindo o executado à proibição, a pena lhe será imposta.
6. Obrigações conjuntivas e alternativas A obrigação pode ter um ou vários objetos. Quando a obrigação abrange uma única prestação, é considerada simples — v. g., o vendedor se obriga a entregar ao comprador o livro vendido. Quando, ao contrário, a obrigação contém mais de uma prestação, é denominada composta ou complexa.
Cominar é ameaçar. Cominação é ameaça. O autor pleiteia que o juiz fixe certa multa, caso o réu não atenda ao dever ou à ordem judicial. Ex.: cesse a construção ilegal, sob pena de pagar a multa de R$ 200,00 por dia. 14
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Nas obrigações compostas, existe pluralidade de pretensões, cabendo ao devedor cumpri-las conjuntamente (obrigações conjuntivas ou cumulativas) ou alternativamente (obrigações alternativas). Nas primeiras, todas as prestações abrangidas pela obrigação devem ser executadas, enquanto nas segundas a pluralidade das prestações existentes na obrigação é substituída, na execução, por uma prestação única escolhida na forma do contrato ou da lei (plures res sunt in obligatione, una autem in solutione). Aquelas (conjuntivas) se acrescentam umas às outras, vinculadas pela conjunção aproximativa e (entregarei um livro e mil reais), enquanto nestas (alternativas) uma exclui a outra e as prestações são ligadas pela conjunção alternativa ou (darei o livro ou mil reais). Nas obrigações alternativas, existem duas ou mais formas pelas quais a obrigação pode ser satisfeita, e o cumprimento de uma única prestação extingue a obrigação. O negócio jurídico indica normalmente, no caso de obrigações alternativas, a quem cabe escolher a prestação a ser executada (in solutione) entre as diversas possíveis (in obligatione). No silêncio das partes, aplica-se a norma supletiva existente no Código Civil, art. 252, que concede o direito de escolha ao devedor. O devedor não pode, todavia, obrigar o credor a receber parte de uma prestação e parte de outra (art. 252, § 1.º). A sua opção deve ser total, salvo se se tratar de prestações periódicas nas quais se ite a renovação da opção para cada período (entrega mensal alternativa de determinados alimentos ou de certa quantia em dinheiro), nos termos do art. 252, § 2.º. A finalidade da prestação alternativa é dar maior liberdade de escolha ao devedor, aumentando as garantias e as perspectivas de cumprimento da obrigação para o credor15. A escolha da prestação que será cumprida, ou seja, a concentração, deve ser realizada no prazo estabelecido pela convenção. Não existindo prazo, o credor ou o devedor a quem couber a escolha deverá ser notificado a fim de incorrer em mora pela ausência de esco-
15 Consulte-se a respeito a tese de Ricardo César Pereira Lira, A obrigação alternativa, Rio de Janeiro, 1970.
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lha. Conforme o Código Civil, se houver a pluralidade de optantes, mas não o consenso entre eles sobre a escolha dentro de determinado prazo, o juiz deverá decidir o ime (art. 252, § 3.º). A alternatividade da obrigação não decorre apenas da vontade individual, resultando em alguns casos das próprias disposições legais. É o que ocorre no caso, por exemplo, de incorporação de uma sociedade por outra, na qual os acionistas dissidentes têm o direito de retirar-se da companhia mediante pagamento do reembolso ou então de receber ações da incorporadora. Cabendo a opção ao credor, que, citado, não exerceu o direito de escolha no prazo de cinco dias ou no prazo estabelecido no contrato, a aquela ao devedor, que poderá consignar judicialmente a prestação por ele escolhida (art. 894 do C), por ter havido mora do credor (v. Cap. 6, n. 6.2). Se a mora em escolher for do devedor, o credor poderá propor ação judicial própria, exigindo, alternativamente, uma ou outra prestação à escolha do devedor. Nada impede que a escolha da prestação fique ao arbítrio de terceiro, indicado pelas partes, ou dependa da realização de alguma condição. Se a opção couber a terceiro e este não a fizer, as partes deverão chegar a um acordo, e, não sendo isso possível, caberá ao juiz a referida escolha (art. 252, § 4.º, do CC). Discute-se na doutrina nacional e estrangeira o momento em que a concentração se torna irrevogável. A maioria dos autores considera que a escolha feita por quem de direito se torna irrevogável quando comunicada à outra parte contratante. Se, todavia, a prestação escolhida se tornar impossível, depois da opção, e antes do seu cumprimento, em virtude de caso fortuito, entendemos que o devedor, pela lei brasileira, é obrigado a cumprir a prestação remanescente. Assim sendo, por uma questão de coerência, consideramos que a opção se torna irreversível depois do cumprimento da prestação, mas a escolha anterior à execução do dever jurídico, quando comunicada à outra parte contratante, vincula o optante, que, se modificar a escolha, responderá por perdas e danos. Se uma das prestações contratadas é impossível física ou juridicamente, a obrigação, de alternativa que era, transforma-se em obri-
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gação simples. Se a impossibilidade de uma prestação for superveniente ou posterior ao contrato, subsistirá a outra (art. 253). Se, por culpa do devedor, uma das obrigações se tornar inexequível, cabendo-lhe a escolha, este prestará a remanescente. Sendo a opção do credor, este terá direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra com perdas e danos (art. 255). Se, por culpa do devedor, ambas as prestações se tornarem inexequíveis e couber a escolha ao devedor, este pagará o valor da prestação que por último se impossibilitou, acrescida das perdas e danos (art. 254). Se a opção for do credor, poderá pedir o valor de qualquer das duas prestações, acrescida da indenização pelas perdas e danos (art. 255). Se um dos objetos perecer por culpa e o outro sem culpa, responderá o devedor, se lhe couber a escolha, pelo valor da que por último se impossibilitou com perdas e danos. Caso todas as obrigações se tornem impossíveis de ser cumpridas e inexistindo culpa do devedor, extingue-se a obrigação (art. 256).
7. Obrigações com faculdade de substituição Têm uma estrutura parecida com as obrigações alternativas as obrigações com faculdade de solução ou com faculdade de substituição, erradamente chamadas obrigações facultativas. Não poderia haver obrigações facultativas, pois o que é facultativo não é obrigatório e o que é obrigatório não é facultativo. Existem obrigações com uma prestação única, nas quais a lei ou o ato jurídico autoriza o devedor a substituir a prestação exigível por outra. O credor só pode exigir a prestação obrigatória, mas o devedor se desonera cumprindo a prestação facultativa. A distinção com as obrigações alternativas se faz atendendo ao fato de nestas haver diversas prestações na obrigação, enquanto na obrigação com faculdade de solução ou de substituição a obrigação é de prestar determinado fato ou entregar certa coisa, havendo uma possibilidade de substituição para o devedor. Na obrigação alternativa, a impossibilidade em relação a uma das prestações importa em obrigação de cumprir a outra. Na obrigação com faculdade de solução, a impossibilidade em
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relação à prestação principal extingue o vínculo jurídico, não podendo o credor exigir a prestação facultativa. É possível que, num contrato se convencione que o devedor faça certo pagamento em época determinada, possibilitando, todavia, a oportunidade de, se preferir, entregar um objeto a fim de se exonerar da obrigação. A própria lei apresenta casos de obrigações com faculdade de solução. Assim, o art. 1.234 estabelece, para o proprietário da coisa perdida, a obrigação de pagar, a quem a achou, uma recompensa mínima de cinco por cento e indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa. É a prestação que o descobridor da coisa pode exigir. O mesmo artigo ite, todavia, o abandono da coisa perdida, e, assim, o proprietário pode, em vez de pagar o que deve, abandonar16 o objeto. É a faculdade de solução ou substituição. O Código Civil de 1916 não tratava especificamente das obrigações com faculdade de solução, embora tenha feito referência ao instituto em diversos dos seus artigos. O Anteprojeto de Código das Obrigações regulamentou-as, mas tal ideia foi excluída do Código Civil, que não prevê expressamente o tema. Ocorre que a ausência de normas legais sobre a matéria no direito vigente não significa, de modo algum, que as partes não possam pactuar tais obrigações, pois não infringem a ordem pública e, muitas vezes, atendem a importantes necessidades práticas.
8. Obrigações divisíveis e indivisíveis As obrigações são divisíveis ou indivisíveis, conforme possam ou não ser fracionadas em prestações parciais homogêneas. A importância dessa distinção está vinculada à possibilidade de pagamentos divididos no tempo em prestações sucessivas e à pluralidade de credores ou devedores. Embora a lei diga “abandonar”, o certo é dizer “renunciar”, porque o abandono resulta de um comportamento indicativo (é tácito), e a renúncia deve ser declarada (é sempre expressa). 16
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O art. 314 estabelece uma presunção de indivisibilidade da prestação no tempo quando afirma: “Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou”. Por outro lado, havendo pluralidade de credores ou de devedores, a lei presume a divisão da obrigação, desde que o objeto seja divisível (art. 257). A indivisibilidade pode decorrer da natureza da prestação, da vontade das partes, de determinações legais, de motivos de ordem econômica ou dada a razão determinante do negócio jurídico (art. 258). Existem coisas e direitos indivisíveis. Uma casa, um animal, um livro são indivisíveis, como também o são os direitos de servidão e de hipoteca. Num negócio jurídico, as partes podem, mediante acordo de vontades, transformar um objeto divisível em indivisível. Uma área de terra, naturalmente divisível, pode, por convenção, tornar-se indivisível por certo prazo não superior a cinco anos. Do mesmo modo, dois devedores de uma quantia global podem convencionar com o credor a indivisibilidade do seu débito. A própria lei pode considerar um bem indivisível, como ocorre com relação à ação das sociedades anônimas, que para a companhia é considerada indivisível ex vi do art. 28 da Lei n. 6.404, de 15-121976 (Lei das Sociedades Anônimas). O problema da divisibilidade das prestações reveste maior importância quando há pluralidade de credores ou de devedores. Se a prestação não for divisível e houver pluralidade de devedores, cada um deles será obrigado pela dívida total, sub-rogando-se nos direitos do credor, em relação aos outros, o que tiver pago a dívida (art. 259). Se a pluralidade for de credores, cada um destes pode exigir a dívida inteira, mas o devedor ou os devedores só se desobrigam pagando a todos conjuntamente ou a um dos credores, dando este caução de ratificação dos outros (art. 260). Se um dos credores receber a prestação inteira, os outros exigirão dele, em dinheiro, a parte que lhes couber (art. 261). Nos casos de remissão, transação,
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novação, confusão ou compensação da dívida por parte de um dos credores, a obrigação não fica extinta em relação aos outros credores, que poderão exigir a prestação, descontada a quota do credor que perdoou a dívida ou em relação ao qual ocorreu a transação, confusão etc. (art. 262). Se a coisa for divisível e houver pluralidade de devedores e unidade de credor, cada devedor paga a sua quota. Se na mesma hipótese de coisa divisível houver unidade de devedor e pluralidade de credores, o devedor paga a cada um dos credores a sua quota. Havendo pluralidade de credores e de devedores, cada um destes paga a sua quota em parcelas iguais a cada um daqueles, salvo se outro modo de divisão tiver sido estabelecido. Assim, cinco pessoas devem dez mil reais a dois credores. Cada um dos devedores pagará mil reais a cada um dos credores. Não constando a fração de crédito ou débito dos interessados, entende-se ser a divisão igualitária. Não cumprida a obrigação, surge a responsabilidade que reveste a forma de indenização em dinheiro, sendo cada um dos devedores responsável apenas pela sua quota. Sendo a culpa de um só, este responderá pelas perdas e danos (art. 263, § 2.º). Em geral, as obrigações de dar são consideradas divisíveis, seja por ser divisível o seu objeto, seja por itir a divisão deste em quotas ideais, salvo quando em virtude de lei ou de convenção houver indivisibilidade. As obrigações de fazer, quando fungíveis (bater à máquina cem cópias de um trabalho), são divisíveis. Desde o direito romano, atendendo-se a critérios práticos, existia certa confusão entre as obrigações indivisíveis e as obrigações solidárias. Na solidariedade existe um vínculo jurídico unitário, uma ligação entre os sujeitos ativos ou ivos da relação jurídica, enquanto na indivisibilidade a unidade é do objeto da relação jurídica, tanto assim que na solidariedade as partes continuam conjuntamente vinculadas no caso de inadimplemento da obrigação e de surgimento da responsabilidade, enquanto, no caso de indivisibilidade, deixando a prestação de ser indivisível por se ter transformado no valor monetário da indenização, cada um dos devedores só responde pela sua quota e cada um dos credores só tem direito a receber a fração do montante
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total que lhe cabe. O fim da indivisibilidade em virtude da resolução da obrigação em perdas e danos está expressamente previsto no caput do art. 263. Imaginemos dois devedores que se obrigam a entregar um animal específico ao credor. Trata-se de obrigação indivisível. O credor pode exigir o animal de qualquer dos devedores. Se perecer, todavia, por culpa dos devedores, surgirá a responsabilidade, e cada um dos devedores só será responsável pela metade da indenização. No entanto, se a obrigação fosse solidária, cada um responderia pela totalidade da indenização, sem prejuízo da ação regressiva contra o codevedor.
9. Obrigações em dinheiro e dívidas de valor As obrigações finalmente podem ser obrigações pecuniárias (ou obrigações em dinheiro) e obrigações de valor. Em relação às obrigações pecuniárias em geral, nada impedia, na sistemática do Código Civil de 1916, que se estipulasse o pagamento em moeda estrangeira ou em certa espécie de moeda (moedas de ouro, de prata etc.), embora, na falta de estipulação, o pagamento devesse ser feito em moeda corrente no lugar do cumprimento da obrigação, independentemente de qualquer referência ao valor do ouro ou do câmbio (arts. 947 e 1.258 do CC de 1916 e 431 do CCom de 1850). A inflação e o desequilíbrio cambial obrigaram o Governo Provisório de 1930 a, seguindo o exemplo de outros países, vedar, nos contratos internos, as estipulações de pagamento em ouro ou em determinada espécie de moeda (Dec. n. 23.501, de 27-11-1933). Posteriormente, a Lei n. 28, de 15-2-1935, e o Decreto-Lei n. 6.650, de 29-6-1944, permitiram que fossem convencionadas em moeda estrangeira as importações de mercadoria do estrangeiro e as obrigações contraídas no exterior para serem executadas no Brasil. Atualmente, a matéria se rege pelo Decreto-Lei n. 857, de 119-1969, que ite a cláusula de pagamento em moeda estrangeira em todos os contratos internacionais, e ainda nos casos de contratos internos, decorrentes ou vinculados a contratos internacionais, como,
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por exemplo, os casos de ree de empréstimo externo em moeda estrangeira. O aspecto internacional do contrato decorre, nos termos desse decreto-lei, de ser o devedor ou o credor da obrigação pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior. O art. 2.º do Decreto-Lei n. 857/69 abre várias exceções, isto é, considera válidos os pagamentos em moeda estrangeira no País em casos de: I — contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias; II — contratos de financiamento ou de prestação de garantias, na exportação de produtos nacionais vendidos a crédito; III — contratos de câmbio; IV — empréstimos e outras obrigações, em que uma das partes tenha domicílio no exterior, exceto locação de imóveis situados no Brasil; V — contratos em que se transfiram as obrigações do item IV, mesmo que ambas as partes sejam domiciliadas no Brasil17. A ressalva do referido art. 2.º foi mantida tanto no art. 27 da Lei n. 9.069/95 quanto no art. 1.º, parágrafo único, I, da Lei n. 10.192/2001. Os outros índices de revalorização dos débitos, em virtude da diminuição do poder aquisitivo da moeda, são todavia itidos pelo nosso direito, que não os proibiu explicitamente e, em muitos casos, reconheceu ostensivamente a validade das cláusulas de reajustamento, também denominadas cláusulas de escala móvel, como ocorreu em relação aos aluguéis, às Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional e aos BTNs emitidos pela União Federal e às vendas de imóveis a prestações dentro do sistema nacional de habitação (acabaram os BTNs e as ORTNs). A posição do direito brasileiro era, pois, no sentido de itir as cláusulas de reajustamento nos débitos de dinheiro, desde que o índice escolhido não fosse o valor do ouro ou das moedas estrangeiras, tendo aliás a Lei n. 2.973, de 26-11-1956, afastado a aplicação do Decreto n. 23.501 nas operações realizadas pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE).
Sobre as obrigações em moeda estrangeira, RTJ 59/89, 57/883, 61/104, 65/157, 65/446, 67/769 e 69/736, e Mauro Brandão Lopes, Cambial em moeda estrangeira, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. 17
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Independentemente de qualquer cláusula, os débitos também podem sofrer reajustamento por decisão judicial, sempre que se modifiquem as condições básicas do mercado de modo imprevisível para as partes, impossibilitando a execução do contrato nos termos em que tinha sido inicialmente aceito (art. 317 do CC). Aplica-se a teoria da imprevisão, desenvolvimento da cláusula rebus sic stantibus18, em virtude da qual os juízes têm reajustado as prestações dos contratantes, especialmente no caso de empreitada. A partir de 1975, várias medidas legislativas restringiram a liberdade de escolha de índice de reajustamento pelas partes. Inicialmente, a Lei n. 6.205, de 29-4-1975, proibiu que se fizesse a correção monetária de acordo com as variações do salário mínimo, a não ser nos contratos de trabalho. A Lei n. 6.423, de 17-6-1977, só permitiu que a indexação se fizesse de acordo com as ORTNs (posteriormente substituídas pelos BTN e hoje pela TR), excluindo dessa proibição os reajustamentos salariais, as operações realizadas por instituições financeiras e os contratos de fornecimento futuro de bens ou serviços19, princípios que também encontramos na legislação posterior, com algumas modificações das quais tratamos no fim deste capítulo (n. 9.4). 9.1. Dívidas de valor 20 Diferem das obrigações pecuniárias ou obrigações de dinheiro as chamadas dívidas de dinheiro em que o débito não é de certo número de unidades monetárias, mas do pagamento de uma soma correspondente a certo valor. A moeda, nesse caso, não constitui o
V. Capítulo 15, n. 2 a 4. V. a respeito nosso parecer na Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, 32/81. 20 Sobre a jurisprudência no tocante às dívidas de valor, ver os acórdãos do Supremo Tribunal Federal publicados na RTJ, 53/378, 69/266, 82/284 e 431 e 84/1038, e as Súmulas 475, 490, 561 e 562. Consulte-se Arnoldo Wald, A cláusula da escala móvel, 2. ed., 1959, e Aplicação da teoria das dívidas de valor, Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1959, assim como Chacel, Simonsen e Wald (Correção monetária, 3. tir., Rio de Janeiro: Apec, 1976). 18 19
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objeto da dívida, mas simples medida de valor. A dívida é de um quid e não de um quantum, representando valor correspondente a um bem determinado e não certo número de unidades monetárias. Na obrigação de reparar o dano causado ou de fornecer alimentos, por exemplo, o credor tem direito a uma quantia igual ao valor da coisa destruída ou ao valor necessário para que o beneficiário da pensão alimentar possa levar certo tipo de vida de acordo com as suas necessidades e as possibilidades do devedor. A evolução da jurisprudência brasileira e da nossa doutrina é no sentido de reconhecer as dívidas de valor. A própria lei determina a revisão das pensões alimentares. Nos casos de indenização por desapropriação ou por dano causado em virtude de ato ilícito, os julgados já item a atualização da avaliação daquela, quando, desde o início do processo até o momento do pagamento, o seu valor se modificou em virtude da inflação, que diminuiu o poder aquisitivo da moeda. Os julgados, indo mais longe na tendência de proteger o credor contra a inflação, concedem aos dependentes da vítima de acidente uma pensão variável com o salário mínimo, ou outro índice, a fim de permitir que a indenização, por meio de pensão, represente, para a família da vítima, um valor econômico igual à contribuição que a vítima daria aos seus familiares se não tivesse sofrido acidente. 9.2. Cobrança de débitos em juízo Não obstante aceita pela jurisprudência a correção monetária das dívidas de valor, dúvidas persistiam sobre a correção das dívidas pecuniárias. Em 9-4-1981, foi publicada a Lei n. 6.899, que disciplina a aplicação da correção monetária nos débitos oriundos de decisão judicial e foi regulamentada pelo Decreto n. 86.649, de 25-11-1981. A lei manda corrigir “qualquer débito resultante de decisão judicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios” (art. 1.º). Com relação ao termo inicial para o cálculo da correção monetária, a lei estabelece dois critérios: a) “nas execuções de títulos de dívida líquida e certa, a correção será calculada a contar do respectivo vencimento” (art. 1.º, § 1.º); e b) “nos demais casos, o cálculo far-se-á a partir do ajuizamento da ação” (art. 1.º, § 2.º). A palavra decisão tem sentido amplo: abarca decisões interlocutórias, despachos e sentenças
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condenatórias. Dizendo a lei “qualquer débito”, não excetuou os de falências e concordatas, embora houvesse regras específicas do Decreto-Lei n. 858/69, e depois complementado pela Lei n. 7.274, de 10-12-1984, que alterou o art. 17521 e seus parágrafos da antiga Lei de Falências22. Aliás, o Supremo Tribunal ou a itir a correção monetária em concordatas, como se vê nas RTJ, 109/768, 114/855, 120/815 e 850 e 125/1334, e até em falências, mesmo após a decretação, em caso de garantia real (RTJ, 121/803). Idêntica é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça23.
O art. 175 não encontra correspondência na nova Lei de Falências (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 22 Sobre o assunto, ver Jorge Lobo, Correção monetária dos créditos quirografários na concordata preventiva, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1990. 23 O STJ vem uniformizando a jurisprudência sobre correção monetária em sucessivas Súmulas, que amos a transcrever: a) Súmula 8. “Aplica-se a correção monetária aos créditos habilitados em concordata preventiva, salvo durante o período compreendido entre as datas de vigência da Lei 7.274, de 10.12.84, e do Dec.-lei 2.283, de 27.2.86”; b) Súmula 14. “Arbitrados os honorários advocatícios em percentual sobre o valor da causa, a correção monetária incide a partir do respectivo ajuizamento”; c) Súmula 16. “A legislação ordinária sobre crédito rural não veda a incidência da correção monetária”; d) Súmula 29. “No pagamento em juízo para elidir falência, são devidos correção monetária, juros e honorários de advogado”; e) Súmula 30. “A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis”; f) Súmula 35. “Incide correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua restituição, em virtude da retirada ou exclusão do participante de plano de consórcio”; g) Súmula 36. “A correção monetária integra o valor da restituição, em caso de adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência”; h) Súmula 43. “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”; i) Súmula 67. “Na desapropriação, cabe a atualização monetária, ainda que por mais de uma vez, independente do decurso de prazo superior a um ano entre o cálculo e o efetivo pagamento da indenização”; j) Súmula 141. “Os honorários de advogado em desapropriação direta são calculados sobre a diferença entre a indenização e a oferta, corrigidas monetariamente”; 21
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A Lei n. 6.899/81 menciona a dívida líquida e certa, fazendo incidir a correção a contar do vencimento. Aduz, porém, sem clareza, que, nos demais casos, a correção incide a partir do ajuizamento. O ajuizamento pode ser entendido como propositura, vale dizer, com o despacho da petição inicial ou com a distribuição, havendo mais de uma vara (art. 263 do C), ou até com o protocolo da entrega da inicial, não havendo juiz ou distribuição no dia. É preciso distinguir, ainda, as indenizações e os alimentos, em que a dívida não é líquida e o ajuizamento é sempre posterior ao início do débito. Lembre-se o ato ilícito, no qual o devedor incorre em mora no momento em que o pratica (art. 398 do CC — v. Cap. 6). Pode haver produção antecipada de prova, para fixar a dívida antes da cobrança (arts. 846 e s. do C), dependendo a correção do momento indicado no laudo: este pode fixar o débito na data do fato (quando ocorreu) ou fixá-lo na data do laudo (quando se apura o valor). Em ambos os casos, não é certo incidir a correção a partir do ajuizamento. Se assim for, a dívida de dinheiro, como a de um empréstimo com nota promissória, será mais bem corrigida que a de alimentos ou indenização, o que é absurdo. O Supremo Tribunal Federal ite correção em liquidação de sentença (art. 603 do C), conforme acórdãos na RTJ, 81/232, 81/315, 83/604, 84/564 e 100/773.
k) Súmula 148. “Os débitos relativos a benefício previdenciário, vencidos e cobrados em juízo após a vigência da Lei n. 6.899/81, devem ser corrigidos monetariamente na forma prevista nesse diploma legal”; l) Súmula 162. “Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide a partir do pagamento indevido”; m) Súmula 179. “O estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos”; n) Súmula 252. “Os saldos das contas do FGTS, pela legislação infracons titucional, são corrigidos em 42,72% (IPC) quanto às perdas de janeiro de 1989 e 44,80% (IPC) quanto às de abril de 1990, acolhidos pelo STJ os índices de 18,02% (LBC) quanto as perdas de junho de 1987, de 5,38% (BTN) para maio de 1990 e 7,00% (TR) para fevereiro de 1991, de acordo com o entendimento do STF (RE 226.855-7-RS)”.
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A lei faz incidir a correção nas causas pendentes de julgamento, mas o regulamento restringiu-a a partir da vigência da lei (9-4-1981), embora não se deva entender a lei como retroativa. A correção não aumenta o débito; apenas procura evitar que ele diminua demais, tenta recompô-lo, pagando o devedor o que devia e recebendo o credor o que lhe cabia. A lei só não pode retroagir se fere direito adquirido; o devedor só tem direito adquirido se pagar quando deve, salvo culpa do credor. O credor é que tem direito adquirido de não receber menos do que lhe cabia, ante a inflação acentuada. Já as custas se corrigem desde o pagamento, e os créditos da Fazenda têm regras próprias. Conclusão: a lei só abrange as dívidas de dinheiro (não as de valor, já aceitas no atual Código Civil). Quanto às dívidas de valor, entretanto, a correção se fará a partir da lesão de direito, a fim de restabelecer a situação em que o lesado estaria se não tivesse ocorrido a violação do seu direito (restitutio in integrum), conforme jurisprudência mansa e pacífica24. 9.3. O combate à inflação e os planos monetários O Decreto-Lei n. 2.283, de 27-2-1986, instituiu nova moeda — o cruzado, em lugar do cruzeiro. Foi o chamado “Plano Cruzado”. Como já ocorrera com o cruzeiro velho, em 1967, a nova moeda ou a valer mil vezes mais que o cruzeiro, ou seja, um cruzado igual a mil cruzeiros (Cz$ 1,00 = Cr$ 1.000,00) de 1986. O mesmo decreto-lei instituiu a Obrigação do Tesouro Nacional (OTN) em lugar da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN). As dívidas em cruzeiros, com vencimentos posteriores ao decreto-lei, aram a sofrer correções diárias (dividem-se por um fator progressivo de 1,0045), consoante tabelas que foram publicadas (as “Tablitas”).
24 V. acórdão do STF em RTJ, 126/436; no STJ, acórdão do REsp 9.605/SP, Rel. Min. Cláudio Santos: “A indenização pelo prejuízo causado pela prática de ato ilícito deve ser completa, sendo seus valores corrigidos monetariamente a partir do evento danoso, ainda que anterior à vigência da Lei 6.899/81” (DJ, Seção I, 4 nov. 1991, p. 15682, e Súmula 43 do STJ, transcrita na nota anterior).
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O decreto-lei itiu que os saldos de cadernetas de poupança, Fundo de Garantia de Tempo de Serviço e o chamado PIS/PASEP sofressem reajustes pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor), fixou novo salário mínimo e reajustes anuais para vencimentos, soldos, salários e proventos. Criou o seguro-desemprego e fixou o prazo de trinta dias para a sua regulamentação. Dez dias após era editado o Decreto-Lei n. 2.284, de 10-3-1986, com correções e aperfeiçoamentos do anterior. Foi mantida a vedação de escala móvel em contratos de prazo menor de um ano (art. 7.º). Já as obrigações e contratos de prazo igual ou superior a doze meses poderiam ter cláusula de reajuste. Cuidou ainda de juros, aluguéis, mercado de capitais, imposto de renda e editou tabelas para conversão e reajustes. Em 10-9-1986 foi publicado o Decreto-Lei n. 2.289, de 9-9-1986, republicado em 15-9-1986, o qual, além de abrir vários créditos, reformulou o art. 7.º do decreto-lei anterior. Vedou-se o reajuste até 1.º3-1987, mas, para obrigações com mais de doze meses, itiu-se o reajuste com vinculação a índices setoriais de custos ou à OTN, conforme fosse regulamentado. Após as eleições de 15-11-1986, editaram-se novos decretos-leis, pelos quais se alterou o sistema, com o que se chamou de “Plano Cruzado II”. Pelo Decreto-Lei n. 2.290, de 21-11-1986, alterou-se o art. 6.º do Decreto-Lei n. 2.284, cujo texto manteve o valor da OTN até 282-1987, mas o parágrafo único diz que o valor nominal da OTN, a partir de 1.º-3-1987, será reajustado, computando-se as variações do IPC até 30-11-1986 e o rendimento das Letras do Banco Central, entre 1.º-12-1986 e 1.º-3-1987. Desde 1.º-3-1987 a inflação foi agravada. Novo choque foi tentado com o Decreto-Lei n. 2.335, de 12-6-1987, congelando-se os preços por 90 dias. Sucessivos decretos-leis introduziram alterações, sem controlar os preços. Surgiram questões de direito intertemporal, como a diferença de cálculo de aluguéis residenciais e não residenciais, especialmente após a regulamentação do Decreto n. 92.592, de 25-4-1986, o qual regulou a atualização pro rata (proporcional) e o modo de converter em cruzados várias obrigações previstas no De-
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creto-Lei n. 2.284, de 10-3-1986, especialmente o seu art. 9.º. É que os aluguéis residenciais foram expressamente regulados no art. 10 do Decreto-Lei n. 2.284/86, concluindo-se que os aluguéis não residenciais seriam incluídos no art. 9.º. Mas o decreto regulamentador não fez distinção e os tribunais tiveram de resolver, surgindo divergência de julgados. Outros problemas também ocuparam a atenção dos tribunais. Assim, obrigações indexadas (aluguéis em ORTN; notas promissórias em ORTN, substituídas por OTN), pois os devedores pretendiam que se lhes aplicasse o fator de depreciação (a chamada “tablita”, pela qual se deflacionavam os débitos supostamente contendo ágio ou inflação embutida). Com a exacerbação da inflação no final de 1988, novamente o governo, através da Medida Provisória n. 32, de 15-1-1989, posteriormente convertida na Lei n. 7.730, de 31-1-1989, repetiu o choque na economia (o chamado “Plano Verão”). Por ela instituiu o “cruzado novo”, congelou preços e salários por tempo indeterminado, extinguiu a OTN, proibindo qualquer tipo de correção nos contratos por prazo inferior a noventa dias, regulou os aluguéis residenciais, permitindo a indexação pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) depois do término do congelamento, voltou a instituir o “deflator” (“tablita”) para as obrigações assumidas antes do choque sem cláusula de correção monetária e instituindo várias outras medidas, tentando desmantelar a “indexação” da economia. A Lei n. 7.730/89 extinguiu a OTN e, em alguns casos, mandou aplicar a variação da Letra Financeira do Tesouro (LFT). Em 8-3-1989, a Medida Provisória n. 40 mandou aplicar o IPC em lugar da extinta OTN. A Medida Provisória n. 57, de 22-5-1989 (depois convertida na Lei n. 7.777, de 19-6-1989, criou o BTN (Bônus do Tesouro Nacional), cujo valor nominal, em fevereiro/89, foi de NCz$ 1,00. Tal valor ou a ser corrigido mensalmente. Acelerou-se a inflação, e a Medida Provisória n. 68, de 14-61989 (depois Lei n. 7.799/89), instituiu o BTN fiscal “como referencial de indexação de tributos e contribuições de competência da União”.
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A Lei n. 7.843, de 18-10-1989, fixou regras para os contratos em curso, celebrados ainda pelas OTNs, e substituiu o salário mínimo de referência pelo equivalente a 40 BTNs; enfim, fixou regras de conver são dos antigos reajustes para os novos índices e modificou a fórmula matemática antes indicada pela Lei n. 7.774, de 8-6-1989, para as obrigações com cláusula de correção monetária vinculada à OTN fiscal, além de várias regras de direito intertemporal, para adaptação ao novo índice. Em 15-3-1990, assumindo a Presidência da República Fernando Collor, foram baixadas as medidas provisórias que constituem o “Plano Brasil Novo”, abrangendo a reforma monetária, o combate à inflação, a reforma fiscal e istrativa e as medidas de desestatização da economia. No tocante à moeda, o cruzado novo foi substituído pelo cruzeiro, continuando em curso as duas moedas por um curto período e estabelecendo-se medidas temporárias de congelamento e de reajuste com a finalidade de assegurar a manutenção do poder aquisitivo da nova moeda. A partir de 1.º-2-1991, ficaram extintos os BTNs, que foram, indiretamente, substituídos pela TR (Taxa Referencial de Juros) e pela TRD (Taxa Referencial Diária), cuja aplicação foi regulada pela Lei n. 8.177, de 1.º-3-1991. A mesma medida extinguiu também o MVR (Maior Valor de Referência) e demais unidades de conta assemelhadas. Fixou-se o último BTN em Cr$ 126,8621, e ou-se a atualizar tal valor pela TR, aplicável também às demais unidades extintas. O Supremo Tribunal Federal, em Ação de Inconstitucionalidade, considerou que a Taxa Referencial, pela sua origem e estrutura, não podia funcionar como indexador (ADIn 493 DF). Por sua vez, a Lei n. 8.660, de 28-5-1993, extinguiu a TRD e fixou novos critérios para o cálculo da TR. 9.4. O “Plano Real” A Medida Provisória n. 434, de 27-2-1994, referente ao Programa de Estabilização Econômica e ao Sistema Monetário Nacional, criou a URV (Unidade Real de Valor), que, após reeditada duas vezes,
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foi convertida na Lei n. 8.880, de 27-5-1994. A moeda continuou sendo o cruzeiro, mas a Medida Provisória n. 542, de 30-6-1994, dispôs sobre o chamado “Plano Real”, introduzindo a nova moeda, chamada REAL. Várias vezes reeditada, em relação a contratos anteriores, a medida foi convertida na Lei n. 9.069, de 29-6-1995. Durante vários meses ficaram quase estáveis os preços e salários, oscilando a inflação entre 1% e 3% ao mês, o que, em relação à moeda anterior, representou notável progresso. SÍNTESE 3 — Classificação das obrigações pelo objeto 1. Características da presta- A prestação é o comportamento do devedor ção que aproveita ao credor e por este pode ser exigido. A prestação deve ser possível, lícita, determinada ou determinável e possuir expressão econômica. 2. Obrigações positivas e As obrigações são positivas quando a presnegativas tação do devedor implica dar ou fazer alguma coisa e negativas quando importam numa abstenção. 3. Obrigações de dar coisa A obrigação de dar pode abranger coisa certa e coisa incerta certa ou coisa incerta. A obrigação de dar coisa certa surge quando a prestação é de objeto específico e individualizado. Já a obrigação de dar coisa incerta consiste em fornecer certa quantidade de unidades de determinado gênero e não uma coisa especificada. A incerteza da coisa, entretanto, não significa indeterminação, mas determinação genericamente feita. 4. Obrigações de dar e de Na obrigação de dar visa-se geralmente a fazer entrega de uma coisa, enquanto na de fazer o credor pretende obter a realização de um serviço.
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5. Obrigações de não fazer
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As obrigações de não fazer envolvem uma abstenção, um non facere, ou seja, a pessoa deve deixar de praticar algum ato. Contudo, só se aceitam as obrigações que são consideradas lícitas, que não contrariam a liberdade individual de tal modo que venham a infringir a ordem pública.
6. Obrigações conjuntivas e A obrigação pode ter um ou vários objetos. Quando a obrigação abrange uma única alternativas prestação, é considerada simples; quando, ao contrário, a obrigação contém mais de uma prestação, é denominada composta ou complexa. Nas obrigações alternativas, existem duas ou mais formas pelas quais a obrigação pode ser satisfeita e o cumprimento de uma única prestação extingue a obrigação. Nas obrigações conjuntivas o devedor deve cumprir todas as prestações e não apenas uma delas. 7. Obrigações com faculda- São semelhantes às obrigações alternativas, mas existe apenas uma única prestação que de de substituição autoriza o devedor a substituir a prestação devida por outra. Assim, o credor só pode exigir a prestação obrigatória, mas o devedor se desonera cumprindo a prestação facultativa. 8. Obrigações divisíveis e As obrigações são divisíveis ou indivisíveis conforme possam ou não ser fracionadas indivisíveis em prestações parciais homogêneas. Portanto, está relacionada à divisibilidade do objeto da obrigação e à pluralidade de credores ou devedores. 9. Obrigações em dinheiro e As obrigações podem ser pecuniárias ou de valor. As obrigações pecuniárias ou de didívidas de valor nheiro são aquelas que possuem como objeto da prestação a própria moeda. Nas obrigações de valor a moeda apenas representa o valor da prestação.
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9.1. Dívidas de valor
Nas dívidas de valor, a moeda não é o objeto da dívida, mas simples medida de valor.
9.2. Cobrança de débitos em A correção monetária sobre débitos resuljuízo tante de decisão judicial é fundamentada na Lei n. 6.899/81, posteriormente regulamentada pelo Decreto n. 86.649/81. A correção monetária nas dívidas de valor se fará a partir da lesão de direito, a fim de restabelecer a situação em que o lesado estaria se não tivesse ocorrido a violação do seu direito. 9.3. O combate à inflação e Dentre as principais alterações na moeda e os planos monetários inflação brasileira, podemos citar a instituição do cruzado em lugar do cruzeiro pelo Decreto-Lei n. 2.283/86 (“Plano Cruzado”); a instituição do cruzado novo em lugar do cruzado, por meio do “Plano Verão” (Lei n. 7.730/89), e o “Plano Brasil Novo” em 1990, que abrangeu a reforma monetária, o combate à inflação, a reforma fiscal e istrativa e as medidas de desestatização da economia. Na mesma época a moeda foi novamente alterada de cruzado novo para cruzeiro. 9.4. O “Plano Real”
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Medida Provisória n. 434/94 (Lei n. 8.880/94); Medida Provisória n. 542/94 (Lei n. 9.069/95).
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Capítulo 4 CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES PELOS SUJEITOS Sumário: 1. Sujeitos da obrigação: credor e devedor. 1.1. Obrigações ambulatórias. Obrigações propter rem ou reais. 2. Pluralidade de credores e devedores. 3. Obrigações conjuntas. 4. Obrigações solidárias. 5. Solidariedade ativa. 6. Solidariedade iva.
1. Sujeitos da obrigação: credor e devedor Em toda obrigação temos um ou vários sujeitos ativos (credores), titulares dos direitos, e um ou vários sujeitos ivos (devedores), sobre os quais recai o débito. Pode ocorrer que haja uma única obrigação, ou, ao contrário, que sejam múltiplas e recíprocas as obrigações. No contrato de mútuo gratuito, só existe a obrigação, que incumbe ao mutuário, de devolver a quantia que lhe foi emprestada. É ele o devedor, e o mutuante é o credor. Num contrato de compra e venda surgem diversas obrigações: a de entregar a coisa (devedor: o vendedor; credor: o comprador), a de pagar o preço (devedor: o comprador; credor: o vendedor) e outras, variando a posição do comprador e do vendedor, que, conforme o caso, têm a situação seja de credor, seja de devedor. Os credores e devedores são considerados partes na obrigação, enquanto os estranhos a esta são denominados terceiros. Terceiro em relação a determinada obrigação é quem não é parte nela, embora possa ter um interesse indireto em seu cumprimento.
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Nas obrigações, o sujeito ivo é determinado ou determinável, ao contrário do que ocorre nos direitos absolutos, cujo sujeito ivo é indeterminado, opondo-se o direito contra todos (erga omnes). Na relação jurídica obrigacional, nem sempre o crédito e o débito surgem no mesmo momento. Quando alguém promete uma recompensa ou oferece um produto à venda, assume uma obrigação (de pagar o prêmio ou de entregar a mercadoria de acordo com uma tabela de preços), podendo, todavia, decorrer certo prazo até que se apresente o credor da obrigação. Há assim uma vacatio, ou seja, um período durante o qual um dos sujeitos de relação jurídica é determinável, mas ainda não é determinado. O sujeito ivo é relativamente indeterminado nas chamadas obrigações ambulatórias e nas obrigações propter rem, que estão vinculadas a quem esteja em certo momento na posse ou no exercício da propriedade de certo objeto. São obrigações desse tipo a de pagar os impostos referentes a certo imóvel, a de reparar o muro limítrofe etc. A indeterminação relativa também pode ocorrer em relação ao sujeito ativo da obrigação, como acontece nos títulos ao portador e nas ofertas ao público por meio de anúncios nos quais se conhece desde logo o devedor, mas só decorrida a vacatio é que haverá determinação do credor da obrigação. 1.1. Obrigações ambulatórias. Obrigações “propter rem” ou reais Chamam-se obrigações ambulatórias (de ambulare = andar) aquelas que podem ser transferidas sem formalidades, ando de um titular a outro. São exemplos os títulos ao portador, os títulos de legitimação (bilhetes de cinema, teatro, trem, fichas de bar etc.). Assim, quem se apresenta com uma letra de câmbio ao portador tem o direito de receber, sendo o credor. Verdade é que os títulos ao portador podem ser, eventualmente, anulados ou reivindicados, se forem perdidos ou subtraídos. Mas tais obrigações “andam” de um a outro titular. Assim, o sujeito ativo, ou titular do crédito, só aparece no momento em que exerce o seu direito.
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Já as obrigações reais (de res = coisa, em latim) são as que derivam da vinculação de alguém a certos bens, sobre os quais incidem ônus reais (imposto imobiliário, seguro obrigatório, foro etc.), bem como deveres decorrentes da necessidade de manter a coisa (despesas de condomínio, conservação de divisas etc.). Chamam-se também obrigações propter rem ou ob rem. As obrigações reais, ou propter rem, am a pesar sobre quem se torne titular da coisa. Logo, sabendo-se quem é o titular, sabe-se quem é o devedor. Alguns autores, por isso, distinguem as obrigações reais das ambulatórias, porque nestas só se descobre o titular quando este se apresenta. Já na obrigação real basta saber quem é o titular do direito sobre a coisa.
2. Pluralidade de credores e devedores Quando há mais de um credor ou devedor numa relação jurídica, costumamos dizer que há pluralidade de sujeitos. Tal pluralidade resulta algumas vezes da vontade dos contratantes, como quando uma pessoa, não tendo um patrimônio suficiente para adquirir certo bem, compra-o conjuntamente com outras pessoas. A pluralidade também resulta de fato natural involuntário, como a morte, em virtude da qual os diversos herdeiros se substituem ao falecido nos seus direitos e nas suas obrigações. Pode a pluralidade ser originária, quando surge no momento da constituição da relação jurídica, ou subsequente, quando posterior à criação da obrigação, decorrendo de ato inter vivos ou de sucessão mortis causa. Os efeitos da pluralidade de sujeitos nem sempre são os mesmos. Em certos casos, a obrigação é simplesmente conjunta ou fracionária; em outros é indivisível, em virtude da natureza da prestação ou de convenção entre as partes; em outras ainda é solidária. Já estudamos a obrigação indivisível (n. 8), de modo que trataremos agora das obrigações conjuntas e das obrigações solidárias. Nas obrigações conjuntas ou fracionárias, cada um dos devedores responde por uma parte do débito, e cada um dos credores só pode exigir a sua quota no crédito. Nas obrigações indivisíveis, a natureza
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do objeto impede a divisão, aplicando-se princípios especiais que já foram indicados (n. 8). Perecendo o objeto indivisível e transformando-se a obrigação em responsabilidade, aplicam-se as normas sobre obrigações conjuntas. Nas obrigações solidárias, existe uma pluralidade de devedores, respondendo cada qual pela dívida inteira, ou uma pluralidade de credores, podendo qualquer deles exigir a totalidade do crédito, ensejando, respectivamente, a solidariedade iva e a solidariedade ativa.
3. Obrigações conjuntas Quando uma obrigação é contraída, iva ou ativamente, por diversas pessoas, ela se decompõe em tantas obrigações autônomas quantos forem os sujeitos. É o que esclarece o art. 257 do Código Civil de 2002 (que manteve a redação do art. 890 do CC de 1916): “Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores”. Na obrigação conjunta ou fracionária, cada credor tem direito a uma fração do crédito, e todo devedor é obrigado a pagar uma quota do débito. Quando o título não estabelece o modo de divisão, presume-se juris tantum, até prova em contrário, que os créditos e débitos se dividam igualmente entre os sujeitos ativos ou ivos, conforme o caso. A obrigação conjunta resulta do ato de vontade entre vivos ou de sucessão hereditária. Nessa obrigação, cada credor só pode exigir do devedor a parte que lhe couber, e o sujeito ivo da relação jurídica é autorizado a alegar, em seu favor, o benefício da divisão. O inadimplemento, a nulidade ou a anulabilidade de uma das obrigações nenhum efeito têm sobre a outra. A obrigação conjunta é aquela em que cada um dos titulares tem um direito ou um dever autônomo em relação à parte determinada do crédito ou do débito.
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4. Obrigações solidárias Obrigações solidárias são aquelas com pluralidade de credores ou devedores, cada um com um direito ou obrigado ao total, como se houvesse um só credor ou devedor. Sendo a pluralidade de credores, a solidariedade é ativa; sendo de devedores, é iva. Sendo de credores e devedores, é mista. No direito civil brasileiro, a solidariedade nunca se presume (art. 265), resultando da lei ou da vontade das partes, ao contrário do que acontece em outras legislações que item a presunção de solidariedade (v. direito alemão, BGB, art. 427; e direito italiano, art. 1.294 do Código Civil vigente). Alguns autores tentam distinguir entre a solidariedade perfeita, decorrente da vontade das partes, e a solidariedade imperfeita, resultante da letra da lei, sem que tal distinção apresente qualquer utilidade prática. Discutiu-se também a natureza unitária ou plural das obrigações solidárias, entendendo alguns que havia um vínculo único, enquanto outros defendiam a tese da pluralidade das obrigações ligadas umas às outras. O problema data do direito romano, pois alguns juristas, examinando os textos da época de Justiniano, chegaram à conclusão de que, enquanto certas obrigações solidárias perdiam esse caráter, em virtude da contestatio litis, ou seja, da ação movida contra um dos devedores, outras obrigações solidárias só se extinguiam para todos os devedores com o pagamento efetivo do débito por um deles. Houve, assim, uma tentativa de distinguir entre obrigações solidárias unitárias e obrigações solidárias plurais, tendo a doutrina, todavia, esclarecido que tais deduções se baseiam em textos interpolados, pois Justiniano aboliu o efeito extintivo da contestatio litis em relação às obrigações solidárias, determinando que só fosse extinta a obrigação solidária, para todos os devedores, em virtude do pagamento efetivo (perceptio). Alguns textos foram atualizados de acordo com a norma modificativa de Justiniano, enquanto outros mantiveram a redação antiga, ensejando, assim, a confusão na matéria. A doutrina sa, italiana e brasileira se manifesta favorável à unidade do vínculo, embora reconhecendo que a obrigação solidá-
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ria única possa revestir-se de características próprias em relação aos diversos sujeitos. A doutrina alemã, ao contrário, inclina-se pela teoria da pluralidade das obrigações solidárias. Na realidade, não vemos qual a diferença entre afirmar a pluralidade ou a unidade da relação, desde que se reconheça que para cada sujeito podem apresentar aspectos e características peculiares, podendo extinguir-se em relação a um dos sujeitos e continuar em vigor para os outros. O atual Código Civil brasileiro, confirmando a disciplina já adotada pelo Código de 1916, no art. 266, ite a unidade da obrigação solidária, ressalvando que ela: “pode ser pura e simples para um dos cocredores ou codevedores, e condicional, ou a prazo, ou pagável em lugar diferente, para o outro”. Natureza — A natureza da solidariedade também tem sido objeto de várias teorias que explicam a vinculação entre os devedores ou credores solidários, seja pela representação recíproca, seja pelo mandato ou pela sociedade, seja em virtude do fim comum almejado pelas partes. Na realidade é difícil encontrar um fundamento único para todos os casos de solidariedade convencional e legal, pois, funcionando com a mesma estrutura, respondem a necessidades sociais diversas. Relação externa e interna — Nos casos de solidariedade existe uma relação jurídica externa entre o grupo devedor e o grupo credor e uma relação jurídica interna entre os diversos membros do mesmo grupo (cocredores ou coobrigados). Na relação externa, qualquer credor pode exigir o pagamento total de qualquer devedor. Na relação interna, aquele que pagou o débito tem a faculdade de exigir o reembolso das quotas devidas pelos coobrigados, e o credor que recebeu o pagamento total tem o dever de pagar aos seus cocredores as quotas que lhes cabem. Origem — A solidariedade caracteriza-se pela multiplicidade dos sujeitos ativos ou ivos da relação jurídica, pela unidade da prestação e pela corresponsabilidade existente entre os interessados. Pode surgir com a obrigação ou posteriormente, no mesmo texto ou em documento diverso. Assim, se algumas pessoas fazem uma confissão de dívida a um credor, pode, posteriormente, em aditamento, estabelecer-se entre elas um vínculo de solidariedade em relação
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ao débito reconhecido. Emitida uma nota promissória, nada impede que, tempos depois, alguém avalize o título, tornando-se, assim, solidário em relação ao emitente do título.
5. Solidariedade ativa Solidariedade ativa é a de vários credores. Tem importância diminuta, pois visa permitir a representação recíproca dos credores, que é alcançada, com maiores garantias, pelo mandato que um credor pode outorgar a outro. Acresce que a solidariedade ativa, com o pagamento integral do débito a um dos credores, pode prejudicar os outros, caso o que recebeu não tenha patrimônio suficiente para responder pelas quotas alheias. Instituto decadente, mantém-se atualmente com a finalidade de permitir o não pagamento do tributo de transmissão mortis causa por ocasião do falecimento de um dos credores. São exemplos de solidariedade ativa as contas bancárias conjuntas e os depósitos conjuntos em caixas-fortes, podendo qualquer dos credores movimentar a conta ou utilizar a caixa-forte. O problema criado para a jurisprudência consiste em saber se, falecendo um dos credores, os seus haveres na conta conjunta ou na caixa-forte conjunta devem ou não ser computados no inventário, tendo havido oscilações nas decisões da Justiça brasileira1, discutindo-se, ainda, a respeito da existência de presunção de acordo com a qual caberia a cada um dos credores ou titulares um valor idêntico. Ainda em relação aos titulares conjuntos de conta-corrente, a jurisprudência é controvertida em relação ao limite das obrigações de cada um2. O Superior Tribunal de Justiça, sobre a questão, já se
O antigo TACrimSP decidiu que, na hipótese de falecimento de um dos correntistas, é lícito ao outro sacar o valor constante na conta, em virtude da existência de solidariedade ativa (ex-TACrimSP, ACrim 118.778, Câmara de Férias, Rel. Silva Franco, j. 6-1-1983, RT, 572/331). 2 Há decisões nas quais se entende persistir a relação de solidariedade em relação a terceiros portadores dos cheques emitidos por um dos correntistas (TRT, 3.ª Reg., Ap. 1.944/2002, 4.ª T., Rel. Des. Luiz Otávio Linhares Renault, DJMG, 7 jun. 2002, p. 12; TJSP, AC 214.846-4/0, 9.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Marco César, 1
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posicionou da seguinte forma: “A solidariedade decorrente da abertura de conta bancária conjunta é solidariedade ativa, pois cada um dos titulares está autorizado a movimentar livremente a conta; são, pois, credores solidários perante o banco. Todavia, ainda que marido e mulher, os cotitulares não são devedores solidários perante o portador de cheque emitido por qualquer um deles sem suficiente provisão de fundos”3. Também se configura como solidariedade ativa quando mais de um advogado são constituídos em um mesmo mandato4. Cada um dos credores solidários tem o direito de exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro, independentemente de autorização dos outros credores ou de caução (art. 267), podendo promover as medidas assecuratórias do seu direito, constituir o devedor em mora e interromper a prescrição. O pagamento total do débito a um dos credores extingue a obrigação (art. 269). No caso da confusão só se extingue a parte do crédito ou do débito pertencente ao credor ou devedor solidário (art. 383). A incapacidade de um dos cocredores não prejudica os direitos dos outros. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor comum, a qualquer daqueles poderá este pagar (art. 268). Em relação ao aspecto processual sob a perspectiva dos credores solidários, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, quando existir solidariedade ativa, basta a citação de apenas um dos credores em ação consignatória5.
j. 4-12-2001) e outras que entendem que a solidariedade é perante o banco, mas não existe a responsabilidade solidária por cheques sem fundos emitidos por um dos correntistas (TJPR, AC 0100255-7, 5.ª Câm. Cív., Rel. Des. Fleury Fernandes, DJPR, 26 mar. 2001; ex-TAMG, Ap. 0299280-5, 4.ª Câm. Cív., Rel. Juiz Paulo César Dias, j. 16-2-2000). Sobre essa matéria ver ainda decisões publicadas na RT, 631/203, 770/260, 617/102, 765/223. 3 LEXSTJ, 42/165 (REsp 13.680/SP, 4.ª T., Rel. Min. Athos Carneiro, j. 15-9-1992). 4 Sobre a existência de solidariedade ativa para a cobrança dos honorários quando há um único mandato, ver ex-1.º TASP, AI 438.079-4, 4.ª Câm., Rel. Juiz Octaviano Lobo, j. 7-3-1990. 5 STJ, REsp 2.536/SP, 4.ª T., Rel. Min. Fontes de Alencar, RSTJ, 81/270.
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O direito de escolha que cabe ao devedor se mantém até o momento em que se inicia o processo de cobrança, quando, em virtude de uma espécie de prevenção, o pagamento tem de ser feito ao autor da ação. O Código estabeleceu, entretanto, que o julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; mas todos são beneficiados da decisão judicial favorável, desde que não se fundamente em exceção pessoal ao credor que a obteve (art. 274). A mora accipiendi por parte de um dos credores prejudica a todos os outros, ressalvando o direito à ação regressiva. Falecendo um dos credores solidários, cada um dos seus herdeiros só terá direito a exigir a quota do crédito correspondente ao seu quinhão hereditário, salvo sendo indivisível a prestação (art. 270). Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste a solidariedade para todos os efeitos, inclusive para fins do pagamento de juros de mora e demais encargos dela decorrentes (art. 271). O credor que recebe o pagamento ou faz a remissão da dívida ou que a extingue em virtude de novação, compensação ou transação responde, perante os outros, pela parte que lhes cabe (art. 272). Há assim o direito de regresso em virtude do qual cada um dos credores recebe a sua quota, presumindo-se juris tantum, na falta de disposições diversas no título, que a divisão seja igual, impondo-se o rateio quando recebido o montante do total do débito ou uma parte dele. Na nova disciplina aposta no Código Civil, o legislador advertiu, ainda, que o devedor não pode opor a todos os credores as exceções pessoais referentes a um deles (art. 273).
6. Solidariedade iva6 Ocorre solidariedade iva quando, havendo multiplicidade de devedores, o credor pode exigir de qualquer destes o pagamento integral do débito. Se a finalidade da solidariedade ativa consiste em permitir a representação dos credores uns pelos outros, a solidarie-
6 V. RTJ, 46/605, 51/111, 56/348, 64/260 e 70/270. Sobre o tema, ver ainda RSTJ, 142/346, 138/313 e 128/355.
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dade iva, multiplicando o número de patrimônios que respondem pela dívida, aumenta a segurança do credor, sendo os coobrigados, numa imagem já consagrada pela doutrina, “bois atrelados ao mesmo carro”. Na relação externa, cada devedor é obrigado pela totalidade da dívida, e, na relação interna, a lei lhe assegura o direito ao reembolso das quotas alheias pagas, mediante o exercício da ação regressiva. A solidariedade iva resulta de disposições legais ou de declaração de vontade das partes interessadas. Inúmeros são os casos de solidariedade iva oriunda da lei. Assim, por exemplo, quando um terceiro, com ciência da parte contratante, exerce coação, respondem solidariamente o contratante e o terceiro coator pelas perdas e danos (art. 154); no caso de venda de obra impressa de modo fraudulento, são responsáveis solidariamente o editor e o vendedor (art. 104 da Lei n. 9.610, de 19-2-1998); ocorre, ainda, a responsabilidade solidária entre os comodatários da mesma coisa em relação ao comodante (art. 585 do CC); entre os coautores e os que respondem por fato de outrem, no caso de prática de ato ilícito (arts. 942, parágrafo único, e 932). Na obrigação solidária, o credor tem o direito de exigir e receber de um ou alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum. Sendo o pagamento parcial, poderá exigir dos demais devedores o saldo. O devedor acionado não pode alegar o benefício da divisão, nem limitar o seu pagamento à quota do débito total que lhe cabe, nem mesmo exigir que sejam acionados, no mesmo processo ou em outro, os demais coobrigados. Uma vez feito o pagamento por um dos devedores, o crédito se extingue na relação externa, sendo feito o rateio na relação jurídica interna. Se o credor, tendo executado os bens de alguns devedores, não recebeu o débito total, subsiste a solidariedade, e, portanto, pode acionar os outros a fim de receber o saldo. Essa noção está bem clara no Código Civil, ao prever que “não importará em renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores” (art. 275, parágrafo único). Falecendo um dos devedores solidários, deixando herdeiros, a obrigação entre os herdeiros é conjunta, mas não solidária. Cada um deles não será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao
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seu quinhão hereditário, salvo sendo indivisível a obrigação. Em relação aos demais devedores, os herdeiros serão considerados como um devedor solidário (art. 276). A remissão concedida a um dos coobrigados extingue a dívida na parte a ele correspondente, de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros, já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida (art. 388). Sendo liberalidade a remissão, é interpretada restritivamente, aplicando-se tão somente à quota do devedor, mantido o dever solidário dos coobrigados pelo total do montante do débito, descontada a parte do devedor que obteve remissão. Qualquer dos devedores solidários pode estipular condições especiais para o pagamento do seu débito, não podendo, todavia, agravar a posição dos coobrigados sem consentimento destes (art. 278). A interrupção da prescrição efetuada contra o devedor solidário ou o reconhecimento da dívida por este envolve os demais coobrigados e seus herdeiros. A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis (art. 204, §§ 1.º e 2.º). No caso de impossibilidade de cumprir a obrigação decorrente de força maior, a obrigação se extingue. Se houver culpa de um dos devedores, cada um dos coobrigados deve pagar o valor da coisa ou da prestação (aestimatio rei), respondendo pelas perdas e danos o devedor culpado (art. 280). Se um dos devedores já estava em mora quando a impossibilidade se verificou, responde pelos danos dela decorrentes, mesmo na hipótese de força maior ou de caso fortuito, salvo se provar a isenção de culpa ou que o dano sobreviria ainda se a obrigação fosse oportunamente executada (art. 399). Quanto ao credor, na relação jurídica externa, todos os devedores respondem pelos juros de mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um, mas o culpado responde perante os outros, na relação interna, pela obrigação acrescida (art. 280). Os princípios aplicados em relação às perdas e danos e aos juros não são os mesmos. Quanto à indenização pelas perdas e danos, o
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credor só pode cobrá-la do devedor culpado. Quanto aos juros, são exigíveis de qualquer coobrigado, embora este tenha ação regressiva contra o culpado. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores (art. 282). Pode, assim, transformar a obrigação solidária em obrigação conjunta ou fracionária, na qual, em vez de responder, na relação externa, pelo total do débito, só responde cada devedor pela sua quota. Se, todavia, o credor renunciar à solidariedade em relação a um ou alguns dos credores, ele não pode agravar a situação dos outros, e os que continuarem como coobrigados solidários só responderão pelo total da dívida, deduzidas as quotas referentes àqueles em relação aos quais o credor renunciou à solidariedade. É princípio idêntico ao aplicável em matéria de remissão de dívida de um dos coobrigados. Essa regra se mantém no Código Civil, ainda que ele simplesmente especifique: “Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores, subsistirá a dos demais” (art. 282, parágrafo único). Partindo-se da premissa de que o credor não pode agravar a situação dos devedores solidários, a exclusão ou renúncia à solidariedade em relação a um ou vários devedores, além de implicar a dedução de suas quotas do montante global exigível dos devedores remanescentes solidários, não afasta o devedor, excluído da solidariedade pelo credor, da obrigação de contribuir no rateio do débito entre codevedores, se um deles for insolvente (art. 284). O devedor demandado pelo credor pode opor as exceções7 comuns a todos os devedores e as exceções que lhe forem pessoais, não lhe aproveitando porém as pessoais de outro codevedor. Assim, qualquer devedor pode alegar a ilicitude do objeto, a extinção da dívida por pagamento já feito, ou seja, as defesas ou exceções comuns a todos os devedores. São consideradas exceções pessoais as que só podem ser alegadas pelo interessado, por exemplo, os vícios de con-
Exceção é uma defesa indireta. Pode ser material (prescrição, novação, compensação, transação e outras) ou processual (incompetência do juízo, impedimento ou suspeição – art. 304 do C). 7
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sentimento e as causas de anulabilidade dos negócios jurídicos em geral (arts. 171 e 177). Assim, o devedor pode alegar o vício de sua vontade, mas não o erro em que incidiu um dos coobrigados. A ação julgada em relação a um dos coobrigados não vincula os outros, pois a coisa julgada só alcança as partes no processo, sendo o litisconsórcio8, no caso, meramente facultativo, podendo o codevedor que foi demandado chamar ao processo os demais devedores solidários, a fim de que o juiz declare, na mesma sentença, as responsabilidades dos obrigados (arts. 77 e 78 do C). A novação entre um dos devedores e o credor, modificando o conteúdo da obrigação originária, exonera os devedores solidários de qualquer responsabilidade (art. 365 do CC). A transação não aproveita nem prejudica as partes que nela não intervieram, pois, para elas, é res inter alios acta. Todavia, a transação entre um devedor solidário e seu credor extingue a dívida em relação aos coobrigados (art. 844, § 3.º). Quanto à confusão da qualidade de credor e devedor na mesma pessoa, ela só extingue a obrigação até a concorrência da respectiva parte na dívida, subsistindo quanto ao mais a solidariedade (art. 383). A, B e C são devedores solidários de R$ 3.000,00 de E. Este falece, deixando por testamento toda a sua fortuna a A. Com a morte do credor e a confusão entre o patrimônio de E e o de A, os devedores solidários B e C am a dever a A, como sucessor de E, o montante total, deduzida a parcela de A em relação à qual houve confusão. B e C devem, pois, R$ 2.000,00 a A. Havendo cessão do crédito, todos os devedores solidários devem ser notificados (art. 290)9. Na relação interna, assegura-se ao devedor que pagou o débito o direito regressivo contra os coobrigados, presumindo-se juris tantum a igualdade das partes dos codevedores (art. 283). Ocorre, no caso, a
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Litisconsórcio é pluralidade de litigantes (arts. 46 a 49 do C). RTJ, 70/816.
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sub-rogação legal, assumindo o devedor, em relação à quota do coobrigado que pagou, a situação do credor. A sub-rogação se realiza de pleno direito, na forma do art. 346, III. Têm entendido alguns acórdãos que essa ação regressiva pode ser movida nos autos do processo em que os devedores foram condenados, intentando o devedor que pagou a execução de sentença a fim de receber as quotas dos coobrigados. Se um dos devedores for insolvente, a sua quota será dividida entre os outros, até mesmo entre aqueles que o credor tenha excluído unilateralmente da solidariedade. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar (art. 285 do CC). A presunção, até prova contrária, é no sentido de interessar o cumprimento da obrigação a todos os obrigados solidários. Mas é issível prova em contrário, baseada no título ou até nas próprias circunstâncias do negócio (v. g., pagamentos dos aluguéis pelo fiador, no interesse exclusivo do locatário). Na solidariedade mista, ou seja, quando há simultaneamente solidariedade entre credores e devedores, aplicam-se os princípios da solidariedade ativa e da solidariedade iva. SÍNTESE 4 — Classificação das obrigações pelos sujeitos 1. Sujeitos da obrigação: Em toda obrigação temos um ou vários sucredor e devedor jeitos ativos (credores) titulares dos direitos e um ou vários sujeitos ivos (devedores) sobre os quais recai o débito. Nas obrigações, o sujeito ivo é determinado ou determinável, ao contrário do que ocorre nos direitos absolutos, cujo sujeito ivo é indeterminado, opondo-se o direito contra todos (erga omnes). O sujeito ivo é relativamente indeterminado nas chamadas obrigações ambulatórias e nas obrigações propter rem, que estão vinculadas a quem esteja em certo momento na posse ou no exercício da propriedade de determinado objeto.
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1.1. Obrigações ambulató- Chamam-se obrigações ambulatórias aquerias. Obrigações prop- las que podem ser transferidas sem formater rem ou reais lidades, ando de um titular a outro. São exemplos os títulos ao portador. Obrigações propter rem ou reais são as que derivam da vinculação de alguém a certos bens, sobre os quais incidem ônus reais, bem como deveres decorrentes da necessidade de manter a coisa. 2. Pluralidade de credores e Quando há mais de um credor ou devedor devedores numa relação jurídica, costumamos dizer que há pluralidade de sujeitos. Tal pluralidade pode resultar da vontade dos contratantes ou de fato natural involuntário. Assim, a pluralidade pode ser originária ou subsequente (decorrente de ato inter vivos ou mortis causa). 3. Obrigações conjuntas
Quando uma obrigação é contraída, iva ou ativamente, por diversas pessoas e o objeto é divisível, ela se decompõe, em regra, em tantas obrigações autônomas quantos forem os sujeitos. Na obrigação conjunta fracionária, cada credor tem direito a uma fração do crédito, e todo devedor é obrigado a pagar uma quota do débito.
4. Obrigações solidárias
Obrigações solidárias são aquelas com pluralidade de credores ou devedores, cada um com um direito ou obrigado ao total, como se houvesse um só credor ou devedor. Sendo a pluralidade de credores, a solidariedade é ativa; sendo de devedores, é iva. Sendo de credores e devedores, é mista. No direito civil brasileiro, a solidariedade nunca se presume, resultando da lei ou da vontade das partes.
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5. Solidariedade ativa
Solidariedade ativa é a de vários credores. Tem importância diminuta, pois visa permitir a representação recíproca dos credores. Na solidariedade ativa, com o pagamento integral do débito a um dos credores, a obrigação se extingue para o devedor.
6. Solidariedade iva
Ocorre solidariedade iva quando, havendo multiplicidade de devedores, o credor pode exigir de qualquer destes o pagamento integral do débito. Se a finalidade da solidariedade ativa consiste em permitir a representação dos credores uns pelos outros, a solidariedade iva, multiplicando o número de patrimônios que respondem pela dívida, aumenta a segurança do credor, sendo todos os devedores coobrigados entre si. Assim, na obrigação solidária iva, o credor tem o direito de exigir e receber de um ou alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum. Sendo o pagamento parcial, pode exigir dos demais devedores o saldo.
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Capítulo 5 FONTES DAS OBRIGAÇÕES Sumário: 1. Importância do estudo das fontes ou causas das obrigações. 2. Fontes ou causas das obrigações no direito romano e no direito estrangeiro. 3. Fontes das obrigações no direito brasileiro.
1. Importância do estudo das fontes ou causas das obrigações Fonte ou causa da obrigação é o elemento gerador da relação obrigacional, que tem variado na história do direito, sofrendo modificações sucessivas nas diversas legislações. Os autores discutem sobre a importância do estudo das fontes das obrigações, sendo certo que a matéria apresenta interesse histórico, pois houve tempo em que os direitos se enquadravam no campo obrigacional de acordo com a sua origem. Já atualmente caracterizamos a obrigação não mais por decorrer de certos fatos, mas pela sua estrutura própria que o direito hodierno define. Por esse motivo, as polêmicas travadas a esse respeito perderam grande parte do seu interesse prático, embora mantivessem importância para fins doutrinários.
2. Fontes ou causas das obrigações no direito romano e no direito estrangeiro No direito romano, a responsabilidade penal dos delitos foi a primeira a surgir, seguindo-se-lhe o dever de indenizar o dano cau-
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sado por quem violou a lei civil. A primeira figura que aparece, pois, como fonte das obrigações é o delito. Conhece o direito romano, ao lado dos delitos públicos, cuja pena é imposta em favor da coletividade, os denominados delitos privados, como o furto, o roubo, a injúria e o dano, em que a pena é imposta em favor da vítima, respondendo o causador do prejuízo pela sua culpa, mesmo quando levíssima, nos termos da Lex Aquilia. Posteriormente, reconhece-se a criação das obrigações pelos contratos. Encontramos, assim, a primeira afirmação de Gaio de acordo com a qual a obrigação surge do contrato ou do eleito. Torna-se necessário esclarecer que, numa primeira fase do direito romano, o contrato não significa o acordo bilateral de vontade, podendo ocorrer independentemente de qualquer declaração das partes interessadas. Esse fato é demonstrado pela existência na época, ao lado dos contratos reais (mútuo, comodato, depósito, penhor e fidúcia), dos contratos consensuais (compra e venda, locação, sociedade e mandato). Havia, ainda, em Roma, o contrato inominado, abrangendo quatro espécies de figuras classificadas segundo as obrigações assumidas pelas partes em do ut des, do ut facias, facio ut des e facio ut facias. Os contratos também podiam ser verbais (verbis contrahitur obligatio) como a promessa de dote. Os romanistas esclarecem que, muitas vezes, não se encontrava nos chamados contratos dos romanos qualquer manifestação de consentimento. Certos direitos reais, como a enfiteuse, eram incluídos entre os contratos, e, mesmo na época de Justiniano, o legado era chamado de contrato, embora os grandes juristas clássicos do século II já tivessem assinalado que o consenso das partes era um dos elementos básicos do contrato. Ainda no direito romano, todavia, verificou-se que os delitos e os contratos não abrangiam todas as fontes das obrigações, podendo surgir em virtude da gestão de negócios alheios não previamente convencionada, da tutela e de outras causas. Uma vez estabelecido que não podia haver contrato sem consenso, os romanos estudaram as outras fontes das obrigações. E é o próprio Gaio que ensina também: Obligaciones aut ex contractu nascuntur aut ex maleficits aut proprio
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quodam juris ex variis causarum figuris1. As várias figuras são as fontes das obrigações que não são enquadradas nem nos delitos, nem nos contratos. A primeira, destacada pelos romanistas, foi a gestão de negócios, na qual alguém istra, sem procuração, os bens alheios, surgindo obrigações entre o proprietário dos bens istrados e o gestor de negócios. A tutela, por sua vez, embora mais diretamente ligada ao direito da família, importava numa gestão de negócios, o mesmo ocorrendo com a curatela. A communio incidens ou comunhão incidente entre os vários condôminos de um mesmo bem cria obrigações entre as partes, sem constituir um contrato, quando não tem origem voluntária (v. g., comunhão entre herdeiros de uma mesma pessoa). Finalmente, as obrigações podem surgir no caso do enriquecimento injusto, dando margem às condictiones sine causa, quando alguém, sem motivo, aumenta o seu patrimônio, locupletando-se com o trabalho ou os bens alheios. Conheceu o direito romano a condictio indebiti, no caso de pagamento indevido, a condictio ob turpem vel iniustam causam, quando o pagamento é exigido para evitar que seja praticado um ato imoral ou ilegal, a condictio sine causa, quando o pagamento é feito atendendo a uma relação jurídica qualquer inexistente ou que já tenha cassado, e a condictio ob causam datorum, quando o beneficiário não cumpriu a sua obrigação em virtude de culpa e recebeu a contraprestação. As várias causas de obrigações, não enquadradas nos delitos e nos contratos, foram reunidas sob o título de quase contratos. É nas Institutas que encontramos (3, 27) a regulamentação dos quase contratos, salientando o legislador que assim se denominam por não haver, no caso, o consenso entre as partes, peculiar aos contratos, nem a violação da lei, característica dos delitos. Coube à escola bizantina definir uma quarta fonte das obrigações: os quase delitos. A valorização do elemento moral é uma constante no desenvolvimento do direito primitivo. A própria Lei de Talião, limitando a responsabilidade do dano causado, já constituiu uma primeira barreira às vinganças e lutas internas nos grupos.
1 Tradução livre: “As obrigações nascem ou do contrato ou do ato ilícito ou de várias figuras (espécies) de causas”.
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Posteriormente, impõe-se o princípio da responsabilidade individual baseada na culpa. O delito assumiu, assim, uma feição moral própria. Ocorria, porém, que certas figuras vinculadas aos delitos não tinham como pressuposto a vontade de causar o dano, implicando, ao contrário, uma responsabilidade que, hoje, denominaríamos objetiva. Era o caso da actio de positis et suspensis, em virtude da qual o ocupante do imóvel era responsável pelos danos causados pelos objetos colocados ou suspensos no imóvel que caíssem na via pública, como também o caso da actio de effusis et dejectis, que estabelecia igual responsabilidade em relação às coisas atiradas do imóvel na via pública (art. 938). Situações relativamente análogas, catalogadas no direito romano, sob o título de quase delitos, eram oriundas de sentença errônea do juiz ou de responsabilidade do comitente ou patrão por atos do seu preposto praticados em hotéis, hospedarias ou navios (art. 932, IV). Chegamos assim à quadripartição das fontes das obrigações dominante na época de Justiniano, e que serviu de base para os estudos e as codificações posteriores. Quatro am a ser as fontes das obrigações: contratos, quase contratos, delitos e quase delitos. E é ainda Gaio que num texto, interpolado ou não, afirma serem as obrigações originárias aut ex contractu aut quasi ex contractu aut ex maleficio aut quasi ex maleficio. Mais recentemente os juristas apontaram determinadas fontes das obrigações que não constituem contratos, delitos, quase contratos nem quase delitos. Certas obrigações, em virtude da lei, decorrem do parentesco (obrigação alimentar entre descendentes e ascendentes) ou da relação de vizinhança (direitos de vizinhança). Ficou, pois, completado o quadro das fontes das obrigações com a inclusão da lei como fonte suplementar. As cinco fontes das obrigações já são encontradas em Pothier e no Código Napoleão, que seguiu a sua orientação, como também no Código Civil italiano de 1865. Como se vê, o critério da distinção é a existência ou não de vontade. O consenso caracteriza o contrato; a atividade lícita, sem consenso prévio, importa na criação de um quase contrato; o dano causado a outrem voluntariamente é delito, e o provocado de modo involuntário é quase delito.
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Os estudos feitos pelos romanistas alemães do século XIX modificaram, todavia, o panorama já aceito mansa e pacificamente pela doutrina anterior. Por um lado, separando os critérios dominantes no direito civil e no direito penal, desprezou-se a distinção entre delitos e quase delitos no direito privado. Todo homem que, culposa ou dolosamente, causa dano a outrem e viola a lei tem o dever de ressarcir os danos causados. Aos delitos e quase delitos substituiu-se o conceito genérico de ato ilícito, que encontramos no art. 186 do Código Civil de 2002; anteriormente estava no art. 159 do Código Civil de 1916. Aliás, os conceitos de delito e quase delito deram margem a confusões. Para alguns, o quase delito era o ato culposo, enquanto o delito era doloso. Para outros, havia delito quando a culpa era própria e direta e quase delito quando a responsabilidade decorria de culpa alheia, como quando o comitente respondia pelo ato do preposto. A própria doutrina sa tem criticado a distinção oriunda do direito romano, que hoje não tem mais qualquer justificação. O Código Civil alemão, no qual se inspirou o nosso, preferiu, pois, tratar, como fontes das obrigações, dos atos jurídicos e dos atos ilícitos, referindo-se ainda a outras causas, às quais não deu designação específica (v. g., enriquecimento sem causa). Por outro lado, o Código Civil alemão (BGB), como o brasileiro, não considerou o contrato como único ato jurídico gerador de obrigações. Também a declaração unilateral da vontade foi classificada, em determinadas condições, como fonte das obrigações. Os autores assinalaram, no velho direito germânico, e até no direito romano, alguns exemplos de declarações unilaterais da vontade gerando obrigações. Assim, o votum, voto condicional feito em favor de certas divindades, e as pollicitationes (ofertas) em benefício das cidades, regulamentadas pelo direito sacro e pelo direito público, foram encaradas como declarações de vontade geradoras de obrigações ainda no direito romano.
3. Fontes das obrigações no direito brasileiro O Código Civil brasileiro intitula “Dos atos unilaterais” o Título VII do Livro Primeiro da Parte Especial, tratando da promessa de
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recompensa, da gestão de negócios, do pagamento indevido e do enriquecimento sem causa. Ademais, dispõe sobre títulos ao portador quando disciplina os títulos de crédito. Um pouco diversa era a sistemática do Código de 1916, que disciplinava apenas os títulos ao portador e a promessa de recompensa na parte denominada “Das obrigações por declaração unilateral da vontade”. Por outro lado, veremos como a proposta feita por tempo certo, ou de acordo com os usos e costumes locais, vincula o proponente (arts. 427 e s. do CC de 2002). A seguir, o Código abre um novo título — Título VIII — para cuidar dos títulos de crédito, cujo primeiro capítulo contém as disposições gerais, o segundo regula os títulos ao portador, o terceiro o título à ordem e o último trata do título nominativo. Efetivamente, o primeiro a tratar da declaração unilateral como fonte de obrigação foi o Código Civil alemão, cujo entendimento foi adotado pelo nosso Código Civil de 1916. Determinados atos são considerados unilaterais2, pois a declaração de vontade de uma só pessoa é suficiente para torná-los válidos. É preciso ressaltar que também existem outros negócios unilaterais que não são tratados no direito das obrigações, como, por exemplo, o testamento, regulado pelo direito das sucessões. Por outro lado, alterando o Código de 1916, por orientação da Comissão Elaboradora e Revisora, em especial pela influência de um dos seus integrantes, o Ministro José Carlos Moreira Alves, o Código, na Parte Geral, “substituiu a expressão genérica ato jurídico, que se encontra no Código antigo, pela designação específica negócio jurídico, pois é a este, e não necessariamente àquele, que se aplicam todos os conceitos ali constantes. E, no tocante aos atos lícitos que não são negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único, em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras do negócio jurídico”3.
V. capítulo sobre “atos unilaterais” em outro volume deste Curso. José Carlos Moreira Alves, A Parte Geral do Projeto do Código Civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 97 e s. 2 3
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Temos, pois, atualmente, como fonte das obrigações, no direito civil brasileiro, os negócios jurídicos (unilaterais e bilaterais), os atos jurídicos lícitos, os atos ilícitos, que abrangem o ato ilícito propriamente dito que gera a responsabilidade civil e o abuso de direito, e a lei. Negócio jurídico “é o ato pelo qual o indivíduo regula, por si, os seus interesses nas relações com outros (ato de autonomia privada)”4. Os exemplos mais comuns são os contratos relacionados com o cotidiano (compra e venda, locação e outros) e os negócios jurídicos unilaterais (testamento etc.). O negócio jurídico é a declaração de vontade que pode revestir a forma unilateral (título ao portador, proposta com tempo certo, promessa de recompensa), bilateral ou plurilateral (contratos em geral). Há, porém, atos que não são negócios jurídicos, e o Código de 2002 abre um Título II, com a rubrica “Dos atos jurídicos lícitos”, com um só artigo (art. 185). São exemplos: a construção feita por alguém em seu terreno, a posse de uma coisa, a pesca. Há quem os denomine “ato jurídico em sentido estrito”5. O ato ilícito que substituiu os delitos e quase delitos é a violação, culposa ou dolosa, da lei, que causa dano e impõe o dever de ressarcir o prejuízo. Pouco importa que haja culpa ou dolo, que a atividade do responsável tenha sido direta ou indireta. Ademais, o Código Civil expressamente prevê a figura do abuso de direito como o exercício de um direito de forma a exceder “manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (art. 187). A lei, finalmente, gera obrigações entre parentes, entre vizinhos e entre pessoas de algum modo relacionadas. Assim, entre parentes em linha reta (ascendentes e descendentes) e entre irmãos há o dever de alimentos. A relação de vizinhança produz deveres de abstenção (não incomodar o vizinho pelo uso nocivo da propriedade, pela po-
4 Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, Coimbra: Coimbra Ed., 1969, t. 1, Cap. 1, n. 3, p. 107. 5 Luigi Cariota Ferrara, El negocio jurídico, Madrid: Aguilar, 1956, Cap. III, n. 11.
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luição sonora, atmosférica, química e outras, pelas construções que prejudicam o imóvel vizinho etc.). Antigas leis impunham ao empregador o dever de responder objetivamente pelos acidentes de trabalho sofridos pelo empregado, fundando-se na teoria do risco profissional, pela qual, se o patrão tem as vantagens, deve ar os ônus. Mas desde a Lei n. 5.316/67, substituída pela Lei n. 6.367, de 19-10-1976, evoluiu-se para a teoria do risco social, agora já consagrada pela Constituição de 1988, a qual impõe ao empregador o dever de manter seguro contra acidentes de trabalho, “sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” (art. 7.º, XXVIII). Assim, certos autores acrescentam às fontes das obrigações o risco profissional. Entendemos que se trata de obrigação estabelecida pela lei, como faz o art. 927, parágrafo único, do CC, em que o risco profissional é apenas o fundamento sociológico da obrigação alimentar, e a solidariedade familiar é o fundamento metajurídico do dever, sendo, em ambos os casos, a lei a fonte formal, embora jamais possamos dissociar a norma legal das razões sociais, econômicas e políticas que a inspiram. Em resumo, o direito brasileiro vigente conhece como fontes das obrigações os negócios jurídicos, os atos jurídicos lícitos, os atos ilícitos e a lei. SÍNTESE 5 — Fontes das obrigações 1. Importância do estudo das Fonte ou causa da obrigação é o elemento fontes ou causas das obri- gerador da relação obrigacional. gações 2. Fontes ou causas das obri- No direito romano a primeira figura que gações no direito romano aparece como fonte das obrigações é o delito. Posteriormente reconhece-se a e no direito estrangeiro criação das obrigações pelos contratos. Os romanos também consideraram como fonte das obrigações os quase contratos e finalmente os quase delitos.
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O critério da distinção é a existência ou não de vontade. O consenso caracteriza o contrato; a atividade lícita, sem consenso prévio, importa na criação de um quase contrato; o dano causado a outrem voluntariamente é delito, e o provocado de modo involuntário é quase delito. 3. Fontes das obrigações no Temos, atualmente, como fonte das obridireito brasileiro gações, no direito civil brasileiro, os negócios jurídicos (unilaterais e bilaterais), os atos jurídicos lícitos; os atos ilícitos, que abrangem o ato ilícito propriamente dito que gera a responsabilidade civil e o abuso de direito; e a lei.
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Capítulo 6 EXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO: PAGAMENTO Sumário: 1. Execução da obrigação. 2. Pagamento total e parcial. 3. Capacidade para pagar e receber. 3.1. Capacidade para pagar. 3.2. Capacidade para receber. 4. Objeto do pagamento e sua prova. Moeda. 5. Lugar e tempo do pagamento. 5.1. Lugar do pagamento. 5.2. Tempo do pagamento. 5.3. Vencimento antecipado. 6. Inadimplemento e mora. 6.1. Mora do devedor. 6.2. Mora do credor. 6.3. Purgação da mora. 6.4. Casos especiais.
1. Execução da obrigação O dever jurídico imposto ao devedor, em favor do credor, na relação obrigacional pode ser cumprido direta ou indiretamente, voluntária ou involuntariamente. O estudo da execução das obrigações abrange a análise das formas de cumprimento do dever jurídico, das consequências do inadimplemento (responsabilidade) e das garantias concedidas ao sujeito ativo da relação jurídica para a defesa dos seus interesses (garantias e tutela do crédito). O cumprimento da obrigação, também denominado pagamento ou solução do débito, é a execução da prestação pelo devedor na forma estabelecida no ato jurídico ou na lei, de acordo com as normas fixadas quanto ao modo, tempo e lugar de sua realização1.
Pagamento é termo genérico. Usa-se também adimplemento, que Orlando Gomes entendeu expressar a execução satisfatória, mas que o Código Civil italiano usa como gênero (em italiano adempimento). O termo “cumprimento” é também usado como 1
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O pagamento pressupõe a existência de uma dívida e a vontade de extingui-la (animus solvendi), devendo em tese ser feito pelo devedor ao credor. Na falta de uma relação jurídica, o pagamento configura-se como indevido, dando margem a uma ação do devedor para reaver o que pagou sem justo motivo (arts. 876 e s. do CC de 2002; arts. 964 e s. do CC de 1916). O pagamento é direto quando ocorre a execução voluntária da obrigação e indireto quando a obrigação não se extingue pela forma previamente estabelecida, mas por dação em pagamento (entrega de objeto diferente do prometido), novação (modificação objetiva ou subjetiva da relação jurídica originária), compensação (extinção do débito do devedor em favor do credor em virtude da existência de outro do credor em favor do devedor), transação (acordo entre as partes para a liquidação das obrigações), confusão (quando as situações de credor e de devedor se confundem na mesma pessoa) ou pela remissão ou perdão da dívida. A obrigação se extingue independentemente de pagamento no caso de realização de condição resolutiva ou advento de termo extintivo. A impossibilidade de cumprimento do dever jurídico em virtude de caso fortuito ou força maior constitui outra hipótese de extinção da obrigação. No caso de inadimplemento injustificado, o credor pode recorrer ao procedimento judicial ou arbitral para exigir a execução forçada da obrigação. A sentença garante ao credor o que lhe era devido (idem), acrescido das perdas e danos pelo atraso, ou o equivalente (id quod interest), abrangendo o ressarcimento do dano causado e do lucro não auferido (damnum emergens e lucrum cessans). Estudaremos, pois, sucessivamente: 1.º) o pagamento; 2.º) os meios indiretos de pagamento; e 3.º) o inadimplemento. A natureza jurídica do pagamento é muito discutida pela doutrina, entendendo a lei e os autores que se trata, na realidade, de negó-
gênero, especialmente em Portugal. Entre nós também se usam os termos “execução e solução” (em latim solutio = pagamento). O não cumprimento é chamado, em geral, de inadimplemento. Por uma adaptação do termo, surge a palavra “inadimplência”. O não pagador é chamado de inadimplente. V., adiante, o n. 6 deste Capítulo.
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cio jurídico para o qual se exige a capacidade de direito e de fato, assim como a livre manifestação de vontade por parte dos interessados. O aspecto unilateral ou bilateral do pagamento depende do modo de ser executada a obrigação. Se esta consiste em não fazer alguma coisa, contendo um dever de abstenção, o pagamento ou cumprimento certamente independerá de qualquer interferência do credor (v. g., dever de não construir além de certo gabarito). Se, ao contrário, o dever jurídico for de dar alguma coisa, a interveniência do credor poderá ser necessária para a aceitação da coisa prometida e a decorrente extinção da obrigação assumida.
2. Pagamento total e parcial Conceito de pagamento: embora, na terminologia comum, o pagamento implique a entrega de certa quantia em dinheiro, juridicamente falando, é pagamento todo cumprimento de obrigação, importando em dar, fazer ou não fazer. O pagamento é feito na forma estipulada, não podendo o credor ser obrigado a receber parcialmente o débito, salvo em casos especiais previstos pela lei, como na substituição do devedor por seus herdeiros, que só são responsáveis pelo débito na proporção dos seus quinhões (art. 1.997). O dever de cumprir a obrigação incumbe ao devedor e aos seus herdeiros, se o débito não for personalíssimo. Os sucessores se substituem ao falecido em todas as vantagens e deveres de caráter patrimonial que tenha, salvo se existir um vínculo de intuito pessoal. Assim, por exemplo, os herdeiros de eminente pintor que se comprometera a fazer determinado quadro não estão sujeitos ao cumprimento dessa obrigação, que foi contraída atendendo-se às condições especiais do falecido. De acordo com o princípio citado, a lei estabelece limites a certas responsabilidades. Desse modo, a responsabilidade pela fiança limita-se ao tempo, decorrido até a morte do fiador (art. 836). O conceito de obrigação personalíssima foi estruturado pela jurisprudência, considerando-se que a morte de uma das partes extingue as obrigações de um contrato de corretagem ou de mediação, em virtude de se tratar, na realidade, de caso de locação de serviços. Discutiu-se qual o valor da cláusula incluída em contrato dessa espé-
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cie que obriga as partes, seus herdeiros e sucessores, alegando-se que os contratos feitos pelo falecido não podiam tolher a liberdade de disposição por parte dos herdeiros. A parte que promete fato de terceiro, no caso de inadimplemento, responde pelas perdas e danos (art. 439). Alguém pode prometer vender bem alheio, desde que mencione, no instrumento de promessa de venda, que o bem em questão pertence a outrem. Se o terceiro não cumprir a obrigação assumida, quem se comprometeu pelo seu ato deve indenizar os prejuízos decorrentes do inadimplemento. A promessa de venda de objeto alheio como sendo próprio do promitente é crime e constitui ato ilícito, ensejando também o direito, para a outra parte contratante, de obter a indenização das perdas e danos.
3. Capacidade para pagar e receber 3.1. Capacidade para pagar Qualquer pessoa pode pagar uma dívida, sua ou de outrem. Mas o atual Código Civil, seguindo a posição do Código de 1916, distingue: o pagamento pode ser feito por terceiro interessado ou por terceiro não interessado. O termo interessado aí tem sentido técnico: é aquele que pode ser responsabilizado pelo débito, como, por exemplo, o avalista ou um terceiro garantidor da dívida. No entanto, se alguém é parente ou amigo do devedor e deseja auxiliá-lo, também pode pagar, mas os efeitos são diversos. A obrigação extingue-se pelo pagamento da dívida por qualquer interessado (devedor, coobrigado, fiador, herdeiro do devedor, adquirente do imóvel hipotecado) a quem é lícito fazê-lo em nome próprio, sub-rogando-se no direito do credor. Em virtude do estabelecido no art. 346 do CC, ocorre a sub-rogação de pleno direito em favor: “I — do credor que paga a dívida do devedor comum; II — do adquirente do imóvel hipotecado que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel; III — do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte”.
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O pagamento também pode ser feito por terceiro não interessado. Se fizer em nome próprio, o terceiro pode tão somente obter o reembolso do que pagou, mas não se sub-roga nos direitos do credor (art. 305). Havendo oposição do devedor ao pagamento do seu débito por outrem ou não tendo conhecimento da ação de terceiro, este não terá direito ao reembolso do que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação (art. 306). O princípio básico do nosso direito é, pois, que qualquer pessoa pode pagar, desde que o faça em nome do devedor (art. 304 e seu parágrafo único), sendo facultado ao terceiro interessado o pagamento em seu próprio nome, com sub-rogação nos direitos do credor contra o devedor. O devedor não se pode opor ao pagamento por terceiros, ou melhor, a sua oposição não invalida ou impede o pagamento, importando apenas em restringir os direitos do pagador contra ele. Não pode, todavia, o terceiro, piorar a posição do devedor. Assim, se pagar o débito antes do vencimento, somente após este poderá exigir do devedor o reembolso da quantia despendida (art. 305, parágrafo único). Se o devedor tinha a possibilidade de compensar débito e crédito com o credor, o terceiro não interessado, que pagou, só poderá exigir do devedor o pagamento da quantia não sujeita à compensação. A diferença de tratamento no caso de pagamento por terceiro interessado ou não interessado explica-se pela situação do pagador no tocante à relação jurídica. O terceiro interessado que paga está defendendo direta ou indiretamente o seu patrimônio, e é justo que a lei lhe assegure a ação regressiva contra o devedor. O terceiro não interessado, ao contrário, interfere em relação jurídica que não tem incidência alguma sobre o seu patrimônio. Pratica um ato imiscuindose na vida alheia, movido por razões ou sentimentos que variam desde a filantropia e a solidariedade até, eventualmente, a política e a vontade de tirar vantagem de dificuldades alheias. O terceiro não interessado pagou porque quis, sabendo que a dívida não lhe podia ser cobrada. Não lhe é, pois, lícito exigir qualquer vantagem do devedor. O fundamento da sua ação contra o sujeito ivo da relação jurídica deve ser o enriquecimento sem causa. O devedor deve indenizar o pagador não interessado dentro dos limites do proveito próprio
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decorrente do pagamento e até no máximo o valor deste, pois não se ite que o terceiro não interessado venha a auferir lucro pagando dívida alheia e sub-rogando-se nos direitos do credor para exigir do devedor mais do que o credor estava pedindo. Se o terceiro não interessado tem possibilidade de pagar em nome do devedor, não poderá, todavia, por falta de legitimação ativa, usar dos meios conducentes à exoneração do devedor no caso de recusa do credor em receber o pagamento (ação de consignação em pagamento), embora ao terceiro interessado seja dado usar tal ação. O pagador deve ter capacidade de fato e ser proprietário da coisa com a qual faz o pagamento. Só terá eficácia o pagamento que importar em transmissão de propriedade quando feito por quem possa alienar o objeto vendido (art. 307), pois, feita por quem não é proprietário, a tradição não transfere a propriedade (art. 1.268). Se, todavia, o adquirente estiver de boa-fé e o alienante vier a adquirir depois o domínio da coisa, a transferência será considerada revalidada, desde o momento em que ocorreu a tradição (art. 1.268, § 1.º). Se o pagamento for de coisa fungível, havendo boa-fé do credor, o terceiro proprietário da coisa não poderá reavê-la se o credor a consumiu (art. 307, parágrafo único). São restrições que a lei estabelece ao princípio geral segundo o qual o pagador deve ser proprietário da coisa entregue em pagamento, atendendo à boa-fé do credor e visando evitar fraudes após a realização do pagamento. O credor não pode recusar o pagamento realizado nas condições fixadas pela lei ou pelo negócio jurídico, quer seja feito diretamente pelo devedor, quer seja por terceiro interessado ou não, salvo tratando-se de obrigação de fazer na qual se tenha atendido às condições pessoais do devedor. Se o negócio jurídico não contiver disposições a esse respeito, recorrer-se-á aos usos e costumes locais. A obrigação de fazer tem caráter personalíssimo quando se incumbe um artista de realizar determinada obra, um advogado de defender certo processo, um cirurgião de proceder a uma operação. Existe uma situação distinta quando o contrato de prestação de serviços é feito não com uma pessoa física, mas, por exemplo, com um escritório de advocacia, podendo na hipótese a defesa ser feita por qualquer dos componentes do escritório, não devendo, salvo consentimento do cliente, haver
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substabelecimento para outro escritório de nível diferente, pois, na obrigação de fazer, o credor não é obrigado a aceitar a prestação de terceiro quando for convencionado que o devedor o faça pessoalmente. Tal noção se aplica mesmo na falta de convenção explícita, desde que, correntemente, em virtude da natureza da relação jurídica, entenda-se que a obrigação de fazer tem caráter personalíssimo, decorrendo das qualidades pessoais do devedor. 3.2. Capacidade para receber O pagamento deve ser feito ao credor, aos seus sucessores ou ao seu representante legal, judicial ou convencional. Nos casos de incapacidade do credor, o pagamento deverá ser feito a quem de direito. A incapacidade pode ser geral, como ocorre quando se trata de incapacidade absoluta ou relativa, em que o pagamento deverá ser feito respectivamente ao representante do credor ou a este último devidamente assistido; e de incapacidade para o fim específico de receber o crédito, quando este está penhorado, arrestado ou sequestrado, devendo o pagamento ser feito ao depositário judicial. Para que a penhora, o arresto, ou o sequestro recaiam em dinheiro existente em mão de terceiro, notificar-se-á este para que não pague ao executado, ando o devedor a ser considerado como depositário para todos os efeitos legais, só se exonerando da obrigação depois de depositada a quantia devida (arts. 671 e s. do C). Feita a penhora em dinheiro e ação do devedor, o exequente será havido como sub-rogado até a concorrência do seu crédito no direito do executado (art. 673 do C), se não preferir requerer a alienação judicial do direito penhorado. Havendo dúvida de quem pode receber, incumbe ao devedor consignar judicialmente o pagamento, cabendo ao juiz finalmente decidir a quem deverá ser feito (art. 895 do C). O falido não pode receber pagamento, pois a massa é representada pelo síndico, existindo, no caso, incapacidade específica em virtude da qual ao falido não é lícito dar quitação dos créditos existentes em seu favor. A representação do credor, como já vimos, pode ser legal, judicial ou convencional.
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Representação legal é a decorrente da própria lei, em virtude da qual os absolutamente incapazes são representados na vida civil pelos seus pais, tutores ou curadores. O instituto correspondente, para os relativamente incapazes, é a assistência. Se o credor for absolutamente incapaz, o pagamento deverá ser feito ao representante legal; se for relativamente incapaz, será feito ao credor devidamente assistido. Alguns autores entendem que o representante legal do incapaz necessita de autorização do juiz para receber o capital pertencente ao interdito. Entendemos que inexiste tal necessidade, desde que não haja transação. Para transigir, torna-se indispensável a autorização judicial, mas não para receber créditos do incapaz. A representação judicial é fruto de nomeação pelo magistrado. O inventariante, representante do espólio, o síndico, representante da massa falida, o depositário judicial são nomeados, na forma da lei, pelo juiz para praticar certos atos, tendo capacidade para receber e dar quitação, embora necessitando, em certos casos especiais, de autorização do juiz. Função simétrica à do síndico, mas com poderes muito mais limitados, exerce o comissário na concordata, devendo zelar pela proteção dos interesses dos credores. A representação convencional advém do mandato, pelo qual o mandatário a a representar o mandante. O mandato pode ser explícito quando o mandatário se apresenta com procuração do mandante para receber os seus créditos. Pode ser tácito quando é portador da quitação ou quando se encontra na situação aparente de representante ou preposto do credor, como, por exemplo, o caixa de um banco ou de uma loja. A lei, protegendo as aparências e a boa-fé do credor, no art. 309 do CC, considera válido o pagamento feito ao credor putativo, ou seja, àquele que tem todas as características de credor, embora não o seja. É credor putativo aquele que se apresenta com um título aparentemente válido, embora posteriormente seja o mesmo julgado nulo. Assim, o síndico de um edifício que foi eleito, conforme ata da assembleia geral, está autorizado a receber as contribuições do condomínio, sendo considerado tal pagamento válido, mesmo se depois vier a ser anulada a assembleia por qualquer vício de forma.
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Se o pagamento é feito ao credor incapaz de quitar, tendo o devedor ciência dessa incapacidade, só valerá nos limites em que reverteu em favor do beneficiado (art. 310). Em resumo, o pagamento deve ser feito ao credor ou aos seus representantes, só valendo o pagamento feito ao incapaz quando ratificado pelo credor após a recuperação da sua capacidade ou dentro dos limites em que ele realmente se beneficiou com o pagamento ou em que este reverteu em seu proveito, considerando-se válido e bem feito o pagamento ao credor putativo, havendo boa-fé do devedor. O pagamento feito indevidamente obriga o devedor a pagar novamente. Quem paga mal paga duas vezes. O devedor poderá, todavia, reaver daquele a quem pagou indevidamente o montante pago, fundamentando-se nas regras sobre pagamento indevido (arts. 876 e s.) e da vedação do enriquecimento sem causa, agora expressamente previsto no art. 884.
4. Objeto do pagamento e sua prova. Moeda O devedor que paga tem direito à quitação regular, ou seja, à prova do pagamento feito, podendo reter o pagamento, sem incorrer em mora, enquanto lhe for recusada a quitação (art. 319). O pagamento é feito na forma estabelecida pela lei ou pelo negócio jurídico e, tratando-se de obrigações pecuniárias, far-se-á em moeda corrente no lugar do cumprimento da obrigação (art. 315). O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que é devida, ainda que mais valiosa. Assim, também não está obrigado o credor a receber pagamento que não seja em moeda corrente, ficando ao seu exclusivo critério aceitar ou não ordem de pagamento ou cheques, visados ou não. A quitação ite qualquer forma, devendo ser escrita desde que o montante da dívida seja superior ao décuplo do maior salário mínimo (art. 401 do C). A redação do art. 320 do CC expressamente ressalta que a quitação pode ser dada por instrumento particular, devendo conter o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor ou de quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento e a do credor ou de seu representante. Ademais, o parágrafo
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único do referido art. 320 estabelece: “Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida”. Mesmo assim, é aconselhável que a quitação esclareça qual o documento ou o fato que originou a dívida, mencionando ainda se houve ou não a cobrança de juros ou de qualquer espécie de despesas. Se o credor se recusar a dar quitação, cabe ao devedor consignar judicialmente o pagamento, valendo como quitação a sentença judicial que julgar procedente a ação. Nos débitos, cuja quitação consiste na devolução do título (v. g., nota promissória), perdido este, pode o devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize o título desaparecido (art. 321). A posse do título pelo credor implica presunção juris tantum (itindo prova em contrário) de que o título não foi pago. A prova em contrário pode ser feita mediante apresentação de depósito bancário ou de fotocópia de cheque pelo qual foi feito o pagamento. Em casos especiais, o credor pode reter o título. Assim ocorre quando o mesmo título cria obrigações para diversos devedores em favor do credor, não podendo dele abrir mão o credor antes do pagamento de todos os débitos pelos devedores. Perdido o título ao portador, o processo de recuperação é feito na forma dos arts. 907 e s. do C. Havendo pagamentos periódicos, presume-se juris tantum que o recebimento do pagamento da prestação posterior implique a quitação das prestações anteriores. É o que se dá na hipótese de pagamento de aluguéis na locação e das duplicatas sucessivas na venda de um objeto em prestações. ite-se, todavia, a prova contrária, que pode consistir na ressalva existente no próprio recibo ou em outros documentos ou mesmo na correspondência entre as partes (art. 322 do CC). A quitação do capital, sem ressalva, faz presumir o pagamento dos juros (art. 323). A entrega do título ao devedor firma a presunção juris tantum de pagamento, podendo, todavia, a quitação ser impugnada, desde que o credor prove, no prazo de sessenta dias, que não ocorreu o pagamento, tendo a quitação sido obtida pelo devedor fraudulentamente (art. 324). Salvo convenção em contrário, presume-se que corram por conta do devedor as despesas com o pagamento e a quitação. Tal presun-
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ção extingue-se, todavia, se ocorrer aumento por fato do credor, caso em que a despesa acrescida será por conta do credor (art. 325). A estipulação de pagamento em certa espécie de moeda ou em moeda estrangeira, permitida pelo Código Civil de 1916, foi vedada pela legislação subsequente (Dec. n. 23.501/33, substituído pelo Dec.-Lei n. 857/69; Lei n. 9.069/95; e Lei n. 10.192/2001)2, ressalvados os casos de contratos internacionais, nos quais é garantida ao devedor a opção entre o pagamento na espécie designada e o seu equivalente em moeda nacional corrente, no lugar da prestação, ao câmbio do dia. Nessas hipóteses, havendo mora do devedor e tendo o ágio variado entre o dia do vencimento e o do pagamento, o credor pode optar por um deles não se havendo estipulado câmbio fixo. O Código Civil de 2002, em seu art. 318, reafirma a vedação de convenção de pagamento em moeda estrangeira, fazendo ressalva, todavia, às permissões previstas na legislação especial. Se o pagamento se fizer por medida ou peso, entender-se-á que as partes aceitaram as medidas do lugar da execução, desde que outra coisa não tivessem estipulado (art. 326). Assim, a referência à saca de café ou ao alqueire de terra deverá ser entendida de acordo com os usos e costumes dominantes no local da execução.
5. Lugar e tempo do pagamento 5.1. Lugar do pagamento As dívidas são portables ou portáveis (de ir, diz Pontes de Miranda) quando devem ser pagas no domicílio do credor ou onde ele indicar. São quérables ou quesíveis (de ir buscar, diz Pontes de Miranda) quando pagáveis no domicílio do devedor. Em relação às primeiras, a mora surge em virtude de omissão do devedor, por não ter mandado o pagamento ao lugar estabelecido, enquanto nas segundas a mora depende de recusa do devedor em pagar o débito quando o credor manda recebê-lo. A consequência prática da disSobre a possibilidade de utilização de moeda estrangeira como indexador, ver acórdãos do STJ proferidos nos REsps 164.765 e 239.238, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 10, p. 151 e 161. 2
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tinção é que, para evitar a mora, aconselha-se ao devedor de débito portável a consigná-lo, enquanto tal providência não é básica se a dívida for quesível, pois o credor terá de fazer a prova de que mandou receber e de que o devedor se recusou a efetuar o pagamento. A norma geral, estabelecida no art. 327 do CC de 2002, que seguiu o disposto no art. 950 do Código de 1916, considera, salvo convenção em contrário, que o pagamento deve ser feito no domicílio do devedor, no momento do vencimento da obrigação. Havendo pluralidade de domicílios ou mais de um lugar indicado para o pagamento, cabe a opção ao credor. Existem várias exceções ao princípio fixado no referido art. 327, decorrentes da própria lei, da natureza das obrigações, das circunstâncias ou de convenção entre as partes. Se o objeto do pagamento for a transferência de um imóvel ou abranger prestações relativas a ele, far-se-á o pagamento no lugar onde está situado o bem (art. 328)3. Pode a natureza da obrigação implicar o pagamento do débito em determinado lugar, que não seja o domicílio do devedor. Se uma das partes se obriga a fazer a construção de um prédio, é evidente que esta deve ser feita no terreno que as partes indicaram para tal fim. Se um professor se obriga a dar aulas numa faculdade, no imóvel desta é que as aulas deverão ser ministradas. O Código Civil de 2002 introduziu ainda duas novas regras referentes ao lugar do pagamento. A primeira está prevista em seu art. 329 e estabelece que, se houver motivo grave que impeça a realização do pagamento no lugar acordado, o devedor poderá fazê-lo em outro local, desde que não haja prejuízo para o credor. A segunda inovação está aposta em seu art. 330 ao prever que, com o pagamento reiterado em outro local, presume-se que o credor renunciou ao lugar previamente acordado no contrato.
A palavra “prestações” significa algo que deva ser feito no imóvel: consertos, benfeitorias etc. O aluguel, por exemplo, pode ser pago noutro lugar.
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5.2. Tempo do pagamento Normalmente, o negócio jurídico criador da obrigação estabelece a época do pagamento. No caso de silêncio das partes e desde que não exista disposição legal em sentido contrário, o credor pode exigir o pagamento imediatamente (art. 331), salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso (mandar para o exterior certa mercadoria), ou exigir tempo (construir um edifício) (art. 134), casos em que o prazo será fixado de acordo com os usos e costumes locais, dependendo de notificação prévia feita pelo credor ao devedor. No caso do mútuo, não se tendo convencionado prazo, estabelece a lei que, sendo de dinheiro, o vencimento não ocorrerá antes de trinta dias (art. 592). No contrato de depósito, o depositário é obrigado a devolver a coisa depositada logo que exigida (art. 629). No caso de comodato sem prazo, o comodatário tem obrigação idêntica desde que tenha sido ultraado o tempo necessário para atender ao uso ao qual o objeto se destinava (art. 581). Em cada caso concreto, na falta de estipulação das partes, caberá ao juiz fixar o prazo razoável para o cumprimento da obrigação, o mesmo ocorrendo quando tal prazo ficou ao arbítrio exclusivo do devedor. As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova de que o devedor teve ciência do advento da mesma (art. 332). O prazo numa obrigação pode ser essencial ou acidental. É essencial quando a prestação só apresenta interesse econômico para o credor desde que cumprida em determinado momento. Assim, quem necessita tomar um trem em determinado horário, para assistir numa outra cidade a uma conferência, e por esse motivo contrata, com um chofer de táxi, o seu transporte até a estação em certa hora, só tem interesse na condução no momento fixado, e de nada lhe serve que o carro venha buscá-lo um dia depois ou um dia antes. O prazo no caso é essencial. Ao contrário, o mutuante que exige a devolução da quantia mutuada pode, em tese, recebê-la tanto num dia como no outro, desde que acrescida dos juros combinados (ver, adiante, Mora). Os prazos visam beneficiar, conforme a hipótese, o devedor ou o credor. O beneficiado com o prazo a ele pode renunciar. Se, por
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exemplo, foi dado o prazo de seis meses ao devedor para pagar uma dívida pecuniária, nada impede que faça o pagamento anteriormente. Se, ao contrário, o prazo foi estabelecido em favor do credor, que só será obrigado a armazenar determinada quantia de sacas de café, no próximo dia 1.º de janeiro, o devedor só pode entregar a mercadoria prometida na data marcada, salvo acordo em contrário entre as partes, pois o devedor não pode piorar a situação do credor, onerando-o com despesas de armazenagem por um prazo não previsto na relação contratual. Algumas vezes não se sabe em favor de quem o prazo foi estabelecido, presumindo-se então, até prova em contrário, que existe em favor do devedor4. 5.3. Vencimento antecipado A lei concede ao credor o direito de cobrar a dívida antes do seu vencimento em algumas hipóteses especiais, que revelam a insolvência do devedor, como as mencionadas no art. 333: “I — no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores; II — se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor; III — se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las”. Neste caso, se houver solidariedade iva entre os devedores, a antecipação de vencimento relativa a um dos devedores não importa em vencimento do débito dos coobrigados solidários (art. 333, parágrafo único). Também são causas de vencimento antecipado dos débitos as hipóteses elencadas no art. 1.425 do Código Civil vigente, que são, por exemplo, a deterioração e o perecimento da coisa dada em garantia (incisos I e IV, §§ 1.º e 2.º).
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Ressalta-se que o disposto no art. 77 da Lei n. 11.101, de 9-22005 (Lei Falimentar) estipula que, com a decretação da falência da empresa, as dívidas terão seu vencimento antecipado. Além disso, de acordo com a Lei n. 6.024, de 13-3-1974, a decretação da liquidação extrajudicial de instituições financeiras e seguradoras tem como um dos seus efeitos o vencimento antecipado das obrigações da liquidanda (art. 18, b).
6. Inadimplemento e mora O inadimplemento ou não cumprimento da obrigação na maneira estipulada pode revestir formas diversas. A destruição da coisa e a ilicitude do negócio jurídico, em virtude de lei nova, importam em impedir de modo definitivo o cumprimento da obrigação. O inadimplemento total, cabal e definitivo pode ser fortuito ou culposo, ensejando, na última hipótese, a responsabilidade do inadimplente. Pode, diversamente, ter havido um simples atraso no adimplemento da obrigação, que não foi cumprida no tempo fixado, mas o foi posteriormente. Esse atraso ou retardamento importa num inadimplemento temporário, quer por parte do devedor (mora debitoris ou mora solvendi), quer por parte do credor (mora creditoris ou mora accipiendi). Torna-se, pois, necessário distinguir o inadimplemento propriamente dito da simples mora, por serem diferentes os efeitos de ambas as situações. Em certo tipo de obrigações, como, por exemplo, as de não fazer, não se ite a mora, pois qualquer violação de dever de abstenção importa necessariamente no inadimplemento. Do mesmo modo, quando o prazo é essencial à relação jurídica, o atraso torna a prestação inútil ao credor, que pode exigir a satisfação das perdas e danos. A distinção entre mora e inadimplemento foi feita entre nós, com rara felicidade, por Agostinho Alvim5, salientando o professor paulista que, na mora, ainda há possibilidade de ser cumprida a prestação, enquanto no inadimplemento absoluto o devedor está na
Agostinho Alvim, Da inexecução das obrigações e suas consequências, 4. ed., São Paulo, 1972, p. 51 e s. 5
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impossibilidade de cumprir a obrigação porque esta se tornou inútil para o credor6. O Código Civil, no parágrafo único do art. 395, dispõe que: “Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”. Ocorre que não é devido à mora, mas ao atraso, que se torna inútil a prestação. Assim, nos casos em que o ator ou cantor comparece ao teatro após o horário e os espectadores foram dispensados; o costureiro entrega uma fantasia para o carnaval depois do carnaval; a fábrica entrega produtos de Natal depois da época; não há mora, mas inadimplemento absoluto. Mora é o retardamento culposo no cumprimento da obrigação, quando a prestação ainda é útil para o credor. Mas o Código Civil não se contenta com o elemento tempo, e adita ao tempo o lugar e a forma convencionados ou estabelecidos em lei (art. 394 do CC). O antigo Código apenas mencionava a mora quando não fosse observado o convencionado. A nova disciplina traz configuração da mora quando não for respeitado o tempo, o lugar ou a forma que a lei ou a convenção estabelecer. Dessa forma, entendemos que a pequena modificação configura-se como uma correção, pois nem sempre há convenção, e a mora surge também de ato ilícito. Em vista disso, Agostinho Alvim bem defendeu a substituição do termo convencionados por devidos. 6.1. Mora do devedor A mora debitoris pressupõe uma dívida líquida e certa, vencida e não paga em virtude de culpa do devedor. No campo dos negócios jurídicos, não há mora se a dívida não for líquida, ou seja, certa quanto à sua existência, e ao seu valor, ou se não for vencida, dependendo de termo ou de condição. O elemento culpa para caracterizar a mora está explícito no capítulo do Código Civil que regula a maté-
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Ex.: a entrega do vestido de noiva após o casamento.
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ria: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora” (art. 396 do Código Civil). Uma vez que haja mora, o devedor responde também pela impossibilidade da prestação resultante de caso fortuito ou força maior, salvo se provar a isenção de culpa ou que o dano ainda sobreviria se a obrigação fosse oportunamente desempenhada. É a perpetuação da obrigação, havendo culpa do devedor pela mora (art. 399 do Código Civil). A constituição em mora se realiza, na legislação civil brasileira, de pleno direito, ou seja, pelo simples advento do termo ou decurso do prazo, sem necessidade de qualquer interpelação judicial7. É o princípio dies interpellat pro homine (art. 397). Com a unificação do direito obrigacional, não há mais diferença de regime jurídico para as obrigações comerciais e civis, deixando de existir, portanto, o tratamento diferenciado com relação à mora. Anteriormente, para a constituição do devedor em mora, o Código Comercial exigia a notificação do devedor, mesmo vencendo-se a obrigação em data, termo ou prazos certos (art. 138 do CCom.). Não havendo vencimento para a obrigação, torna-se imprescindível a notificação, judicial ou extrajudicial, para que o devedor esteja em mora (art. 397, parágrafo único, do CC). Nas obrigações oriundas de delito, ou seja, nos casos de responsabilidade por ato ilícito, o devedor é considerado em mora desde o momento em que foi cometido o ato ilícito (art. 398 do Código Civil), embora sendo ainda a responsabilidade ilíquida, pois o seu montante só se torna certo com a sentença transitada em julgado, o que fixa o seu valor. É efeito da mora a responsabilidade do devedor pelas perdas e danos. Se o credor provar que a prestação, em virtude do atraso, se
7 Chama-se mora ex re (éks ré), ou imediata, decorrente do fato que lhe dá origem (vencimento, ato ilícito, descumprimento de obrigação de não fazer). Se a obrigação não é positiva (de dar ou fazer) e ao mesmo tempo líquida (certa quanto à existência e determinada quanto ao objeto – art. 1.533 do Código de 1916, que não tem correspondente na nova disciplina), depende de interpelação e chama-se mora ex persona.
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tornou inútil para ele, a mora ará a ser equiparada ao inadim plemento. Já vimos que, em caso de mora, o devedor responde até pelos danos decorrentes de caso fortuito, salvo provando que tais danos também ocorreriam se não tivesse havido mora. A ocorrência de mora enseja também a incidência de juros mais correção monetária do débito, para garantir a plena restituição do credor à situação anterior à lesão de direito, e honorários de advogado, se for o caso (art. 395 do CC). 6.2. Mora do credor Há mora do credor quando este se recusa a receber o que lhe é devido, na forma contratual ou legal (art. 394). A doutrina brasileira discute se a mora do credor necessita ou não, para a sua configuração, de culpa deste, entendendo a maioria dos autores que a simples recusa não justificada implica mora, independentemente da prova de culpa do credor. Os efeitos da mora creditoris importam em transferir a responsabilidade pela conservação da coisa ao credor, como se tradição tivesse havido, devendo o credor ressarcir o devedor pelas despesas que teve, depois da mora, pela conservação do bem e sujeitando-se ainda a recebê-lo pelo seu maior valor, se este oscilar entre o tempo do vencimento e o do pagamento, interrompendo, outrossim, o curso dos juros (art. 400). O devedor tem a faculdade de consignar ou depositar judicialmente a coisa no caso de mora do credor. Não há, todavia, obrigação de consignar, pois, embora seja a dívida portable, isto é, pagável no domicílio do credor, é aconselhável fazer a consignação em pagamento ou uma justificação comprobatória da recusa do credor em receber o que lhe era devido, a fim de evitar a posterior alegação da infração contratual por não ter sido o pagamento feito na forma e prazo estabelecidos. 6.3. Purgação da mora O termo purgar significa purificar, limpar. Diz-se também emendar a mora. O devedor purga a mora oferecendo a prestação acrescida da importância dos prejuízos até a data da oferta (art. 401, I). Se se
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tratar de dívida em dinheiro, os prejuízos abrangerão os juros fixados, a correção monetária e, havendo ação judicial, as custas do processo e os honorários de advogado. Se a mora for do credor, este receberá o pagamento sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data (art. 401, II). As leis civis conhecem alguns casos especiais de aplicação da purgação de mora, como a de locação de imóveis (Lei n. 8.245, de 18-10-1991). Trata-se de um instituto genérico de direito civil, aplicável a todos os institutos desde que a prestação não se tenha tornado inútil para o credor. 6.4. Casos especiais Em determinados casos surgiram dúvidas quanto ao momento em que ocorre a mora. Assim, determinando o Decreto-Lei n. 58, de 10-12-1937, que a mora depende de notificação do devedor pelo oficial do registro de imóveis, mesmo havendo data certa para o cumprimento da prestação (art. 14, § 1.º), discutiu-se a aplicação analógica do mesmo princípio às promessas de compra e venda de imóveis não loteados, sendo a jurisprudência dominante favorável à aplicação do texto especial contido na Lei dos Loteamentos. Na realidade, o Decreto-Lei n. 58 firmou, no caso, um princípio de exceção insuscetível de aplicação analógica ou extensiva a outras hipóteses, mas os tribunais e, posteriormente, a própria lei entenderam que devia haver notificação prévia para que se pudesse aplicar a cláusula resolutória expressa (v. Cap. 18, n. 101). SÍNTESE 6 — EXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO: PAGAMENTO 1. Execução da obrigação
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O dever jurídico imposto ao devedor em favor do credor na relação obrigacional pode ser cumprido direta ou indiretamente, voluntária ou involuntariamente. Também denominado pagamento, o cumprimento
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da obrigação é a execução da prestação pelo devedor na forma estabelecida no ato jurídico ou lei e de acordo com as normas fixadas quanto ao modo, tempo e lugar de sua realização. Pagamento pressupõe a existência de uma dívida e a vontade de extingui-la, devendo, em tese, ser feito pelo devedor ao credor. 2. Pagamento total e parcial
Pagamento é todo cumprimento de obrigação, importando em um dar, fazer ou não fazer. O credor não é obrigado a receber de forma diferente do que foi estipulado, nem mesmo de forma parcial, salvo nos casos previstos em lei.
3. Capacidade para pagar e Qualquer pessoa pode pagar uma dívida receber sua ou de outrem. Mas é sempre necessário verificar se esse terceiro é interessado ou não. Terceiro interessado é aquele que pode ser responsabilizado pelo débito. 3.1. Capacidade para pagar
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A obrigação extingue-se pelo pagamento da dívida por qualquer interessado, sendo que o terceiro interessado que cumpre a obrigação se sub-roga nos direitos do credor (art. 346). Por outro lado, quando quem paga a obrigação é um terceiro não interessado, se fizer em nome próprio, pode tão somente obter o reembolso do que pagou, mas não se sub-roga nos direitos do credor. Havendo oposição do devedor ao pagamento do seu débito por terceiro não interessado, este não terá direito ao reembolso do que pagou, caso o devedor demonstre que tinha meios para ilidir a ação. A diferença de tratamento no caso de pagamento por terceiro interessado ou não interessado explica-se pela situação do pagador no tocante à relação jurídica.
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O terceiro interessado que paga está defendendo direta ou indiretamente o seu patrimônio, e é justo que a lei lhe assegure a ação regressiva contra o devedor. O terceiro não interessado, ao contrário, interfere em relação jurídica que não tem incidência alguma sobre o seu patrimônio. Pratica um ato imiscuindo-se na vida alheia. 3.2. Capacidade para rece- O pagamento deve ser feito ao credor, aos ber seus sucessores ou ao seu representante legal, judicial ou convencional. Nos casos de incapacidade do credor, o pagamento deverá ser feito a quem de direito. Havendo dúvida de quem pode receber, incumbe ao devedor consignar judicialmente o pagamento. Contudo, a lei protege a boa-fé do credor, considerando válido o pagamento feito a credor putativo (art. 309). O pagamento feito indevidamente obriga o devedor a pagar novamente. Quem paga mal paga duas vezes. 4. Objeto do pagamento e O devedor que paga tem direito à quitação sua prova. Moeda. regular, ou seja, à prova do pagamento feito, podendo reter o pagamento sem incorrer em mora, enquanto lhe for recusada a quitação. O pagamento deve ser feito na forma convencionada ou conforme determina a lei. Quando em dinheiro, deve ser feito em moeda corrente no lugar do cumprimento da obrigação. O credor não é obrigado a receber coisa diversa da devida, ainda que mais valiosa. A prova da quitação se faz preferencialmente pela forma escrita, devendo conter informações sobre o valor, a espécie de dívida, o nome do devedor ou de quem está por ele pagando, o tempo e o lugar do pagamento, além da do credor
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ou seu representante. Nos débitos cuja quitação consiste na devolução do título, perdido este, pode o devedor exigir declaração do credor de que recebeu o pagamento. Contudo, presume-se o pagamento (presunção juris tantum) nas seguintes situações: a) na posse do título pelo credor; b) no pagamento da prestação posterior em dívidas periódicas implicando a presunção do pagamento das anteriores; c) na quitação do principal sem ressalvas, fazendo presumir o pagamento dos juros. Salvo convenção em contrário, presumese que corram por conta do devedor as despesas com o pagamento e a quitação (art. 325). 5. Lugar e tempo do paga- Quanto ao lugar do pagamento as dívidas mento podem ser portables (portáveis — pagas 5.1. Lugar do pagamento no domicílio do credor ou onde ele indicar) ou quérables (quesíveis — pagas no domicílio do devedor). A regra geral do Código Civil é a dívida quérable. Contudo, podem haver exceções ao princípio da lei (art. 327) permitindo-se o pagamento em lugares diversos, por indicação legal, da natureza da obrigação e por vontade das partes. 5.2. Tempo do pagamento
Normalmente o negócio jurídico criador da obrigação estabelece a época do pagamento. No silêncio das partes e desde que não exista disposição legal em contrário, o credor pode exigir o pagamento imediatamente, observando-se os limites da lei (art. 331).
5.3. Vencimento antecipado A lei concede ao credor o direito de cobrar a dívida antes do seu vencimento em algumas hipóteses especiais que revelam a insolvência do devedor (art. 333). Nesse
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caso, se houver solidariedade iva entre os devedores, a antecipação de vencimento relativa a um devedor não importa no vencimento do débito dos coobrigados solidários. 6. Inadimplemento e mora
O não cumprimento da obrigação pode ser total ou temporário. Quando é total, temos o inadimplemento da obrigação, e quando é temporário, temos a mora (atraso ou retardamento no cumprimento). Porém, estabelece o art. 395 do Código que se a prestação, devido à mora, tornar-se inútil ao credor, este poderá enjeitá-la e exigir satisfação das perdas e danos. Assim, podemos conceituar a mora como o retardamento culposo no cumprimento da obrigação (tempo, lugar e forma) quando a prestação ainda for útil para o credor.
6.1. Mora do devedor
A mora do devedor, também conhecida como mora debitoris, pressupõe uma dívida líquida e certa, vencida e não paga em virtude de culpa do devedor. É efeito da mora a responsabilidade do devedor pelas perdas e danos.
6.2. Mora do credor
A mora do credor, também conhecida como mora creditoris, ocorre quando o credor se recusa a receber o que lhe é devido. Os efeitos da mora do credor importam em transferir a responsabilidade pela conservação da coisa ao credor, como se houvesse a tradição. Nesses casos, o devedor poderá consignar em juízo o pagamento da obrigação.
6.3. Purgação da mora
O termo “purgar” significa purificar, limpar ou mesmo emendar a mora. O devedor pode purgar a mora oferecendo a prestação acrescida da importância correspondente
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ao prejuízo causado. Por outro lado, se a mora for do credor, este receberá o pagamento sujeitando-se aos efeitos daquela. 6.4. Casos especiais
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O Decreto-Lei n. 58/37, convalidou, tanto pelas decisões dos tribunais como pela lei, que serão aplicadas às promessas de compra e venda de imóveis (loteados ou não) a notificação prévia da mora.
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Capítulo 7 MODALIDADES DE PAGAMENTO E OUTROS MEIOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES Sumário: 1. Pagamento em consignação (arts. 334 a 345 do CC e 890 a 900 do C). 1.1. Conceito. 1.1.1. Casos de consignação. 1.1.2. Consignação de coisa certa ou corpo certo. 1.1.3. Regras sobre levantamento. 1.1.4. Escolha de coisa indeterminada pelo credor. 1.1.5. Consignar é faculdade, não dever. 1.1.6. Consignações de prestações periódicas. 1.1.7. Dúvida quanto ao credor. 1.1.8. Revelia ou recebimento pelo credor. 1.2. Mora intercorrente na consignação em pagamento. 2. Pagamento com sub-rogação (arts. 346 a 351 do CC). 2.1. Conceito. 2.2. Espécies. 2.2.1. Sub-rogação pessoal. 2.2.2. Sub-rogação real. 2.3. Efeitos. 2.4. Limites. 2.5. Preferência. 3. Imputação do pagamento (arts. 352 a 355). 3.1. Conceito. 4. Dação em pagamento (arts. 356 a 359). 4.1. Conceito. 5. Sucedâneos de pagamento. 5.1. Noções gerais. 5.2. Novação. Conceito (arts. 360 a 367). 5.3. Elementos. 5.4. Espécies. 6. Compensação. Conceito (arts. 368 a 380). 7. Confusão (arts. 381 a 384). 8. Remissão de dívida (arts. 385 a 388). 9. Transação (arts. 840 a 850). 10. Da convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral.
1. Pagamento em consignação (arts. 334 a 345 do CC e 890 a 900 do C) 1.1. Conceito Pagamento em consignação é o depósito judicial da coisa devida ou depósito em estabelecimento bancário, se for débito em dinheiro, para liberar o devedor, nos casos legais (art. 334).
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O conceito de consignação ilude à primeira vista. Não basta o depósito da coisa. É preciso fazê-lo de acordo com a lei, e mesmo assim só se terá pagamento se houver sentença favorável ada em julgado. É preciso não só depositar, mas provar que o devedor não consegue pagar ou obter a quitação e o julgamento favorável. A prova não é o depósito, mas deve existir antes de ser movida a ação. Geralmente é testemunhal. Se ocorrer a recusa, o devedor deve voltar com testemunha e tentar pagar. Só depois poderá mover a consignação. Normalmente a obrigação se extingue pelo seu cumprimento, constituindo, na palavra de um dos nossos autores, o pagamento, a morte natural da obrigação. Ocorrendo, todavia, dúvida quanto à pessoa do credor ou recusa deste em receber o pagamento na forma convencionada, o devedor tem a faculdade de depositar, judicialmente ou em estabelecimento bancário (se for dinheiro), a coisa devida, liberando-se assim da obrigação. A consignação em pagamento se aplica a todos os casos de obrigação de dar coisa certa ou incerta, móvel ou imóvel, só não cabendo tal ação na hipótese de obrigação de fazer ou de não fazer, e considerando-se pagamento o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais (art. 334 do CC). A consignação é regulada pelo atual Código Civil nos arts. 334 a 345 e no Código de Processo Civil nos arts. 890 a 900. 1.1.1. Casos de consignação O Código Civil prevê os seguintes casos de pagamento em consignação: 1) se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; este é o caso das chamadas dívidas portáveis, ou pagáveis no endereço do credor; a recusa de dar quitação (recibo) é o mesmo que recusar o pagamento; 2) se o credor não for nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; este é o caso das dívidas quesíveis, ou seja, que o credor deve ir buscar ou mandar receber;
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3) se o credor for incapaz de receber — situação muito rara, porque, além da incapacidade, é preciso que não tenha quem o represente ou quem o assista (se for relativamente incapaz, por exemplo); pode haver incapacidade superveniente em virtude de doença. Quanto a ser incapaz, cabe dizer que deve ser menor ou doente mental e sem ter alguém que o represente ou assista; se tiver pai, tutor ou curador, o incapaz poderá receber; 4) se o credor for desconhecido, isto é, não é sabido o sucessor do credor originário (o primitivo pode ter cedido o crédito a terceiro, cujo nome não indicou, ou pode ter falecido, não se sabendo quem é o herdeiro); 5) se o credor estiver ausente; o Código diz “estiver declarado ausente”, mas com razão observa Carvalho Santos que não é o caso, porque, se declarado ausente em juízo, o juiz nomeia curador aos seus bens e interesses e o curador pode e deverá receber; se o curador recusa, sem justa causa, tem-se o primeiro caso acima; 6) se o credor residir em lugar incerto ou de o perigoso ou difícil; em lugar incerto é claro que não poderá o devedor mandar pagar, cabendo ao credor vir receber; lugar de o perigoso, por exemplo; temos hoje certos morros ou bairros longínquos, como ocorre nas favelas dominadas por criminosos, que impedem a aproximação de estranhos; 7) se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; é o caso de sucessão no crédito, quando aparece alguém estranho que se diz herdeiro, cessionário etc.; 8) se pender litígio sobre o objeto do pagamento. Ex.: duas pessoas se apresentam como sendo credoras do mesmo devedor e ambas pretendem receber; para não correr o risco de pagar mal, pode o devedor pagar por consignação. O Código de Processo Civil, que regula a matéria nos arts. 890 a 900, foi alterado, nesta parte, pela Lei n. 8.951, de 13-12-1994. O art. 890 teve aditados os seguintes parágrafos: “§ 1.º Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em
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conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de dez dias para a manifestação de recusa. § 2.º Decorrido o prazo referido no parágrafo anterior, sem a manifestação de recusa, reputar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depositada. § 3.º Ocorrendo a recusa, manifestada por escrito ao estabelecimento bancário, o devedor ou terceiro poderá propor, dentro de trinta dias, a ação de consignação, instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa. § 4.º Não proposta a ação no prazo do parágrafo anterior, ficará sem efeito o depósito, podendo levantá-lo o depositante”. Nos termos do art. 893 do C, o autor, na petição inicial, requererá: “I — o depósito da quantia ou da coisa devida, a ser efetivado no prazo de cinco dias contados do deferimento, ressalvada a hipótese do § 3.º do art. 890; II — a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer resposta”. A redação do art. 893 do C resolve a questão da chicana e dos depósitos maliciosos. Antes, o autor pedia que o juiz marcasse dia e hora para que o réu viesse receber em juízo a quantia em dinheiro ou a coisa (fato mais raro, salvo a recusa de receber imóvel, de que falaremos ainda). Mas, em geral, o juiz não designava diretamente; o despacho dizia: designe o cartório dia e hora, e, como isso dependia de citação por oficial de justiça (agora se faz pelo correio, de preferência), o cartório designava um dia longínquo (por exemplo, para um ou dois meses após). Ora, em período de alta inflação, o autor ficava especulando com o dinheiro, em evidente prejuízo para o credor. Com a atual disciplina do Código de Processo Civil, ou o devedor deposita em banco oficial e, havendo recusa, move a ação, continuando já depositado o dinheiro, ou ajuíza logo a consignatória, devendo depositar em cinco dias após o deferimento. Não se designa mais dia e hora para receber; faz-se o depósito e o prazo de cinco dias parece até longo, se for considerado que o autor já tem o dinheiro ou
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coisa devida. Só se não houver funcionamento do banco é que se ite depósito posterior. O art. 896 do C, que regula os casos de contestação, não diz o prazo, devendo incidir o prazo comum de quinze dias, que só pode ser contado após o depósito. Não havendo depósito, falta um dos pressupostos do processo (a ação é de depósito com força de pagamento; faltando o depósito, extingue-se o processo sem exame do mérito, conforme o art. 267, IV, do C). O Código de Processo Civil indica as seguintes matérias que poderão ser alegadas na contestação: I — inexistência de recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida; II — foi justa a recusa; III — o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento; IV — o depósito não é integral, devendo o réu indicar o montante que entende devido, e, a nosso ver, que justifique, pois não pode ser indicado outro valor por mero capricho do réu. A consignação não é simples depósito. Depende de ser aceita pelo credor ou das provas trazidas pelo autor, se o pedido for contestado. Mas se o réu diz que não há mora, deve dizer por quê; também se disser que foi justa a recusa significa que não incorreu em mora (mora do credor, dita mora accipiendi, ou mora em aceitar), como o caso de não ser feito no prazo ou no lugar do pagamento ou não ser integral. Tudo isso cabe ao autor justificar, pena de ser atribuída a ele a mora (mora do devedor). O art. 899 do C permite que se complete o depósito quando se alega a insuficiência: “(...) é lícito ao autor completá-lo, dentro em dez dias, salvo se corresponder a prestação, cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato” (ver Inadimplemento e mora no n. 6 do Cap. 6). Essa situação é frequente nos casos de inflação, em que a dívida deve ser corrigida, mas os índices variam. Assim, obtida a guia num dia e demorando o devedor alguns dias para depositar, já está depositando menos que o devido (o banco só começa a corrigir a partir do depósito). O prazo de dez dias é contado da intimação da contestação, porque antes não pode ter conhecimento.
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Ademais, os parágrafos do referido art. 899 dispõem: “§ 1.º Alegada a insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a consequente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida. § 2.º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos”. Assim, é possível o levantamento da parte não controversa e a fixação da parte devida, com a execução nos mesmos autos. Lembrese que a ação foi movida pelo devedor; a rigor, a execução deveria ser movida pelo credor, em processo diverso. Mas como já se discutiu o valor, ando em julgado a sentença, desde que o credor pague as custas e as taxas devidas, pode mover a execução nos mesmos autos, o que representa economia processual. 1.1.2. Consignação de coisa certa ou corpo certo O Código de Processo Civil, em seu art. 891, dispõe: “Art. 891. Requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, tanto que se efetue o depósito, os juros e os riscos, salvo se for julgada improcedente. Parágrafo único. Quando a coisa devida for corpo que deva ser entregue no lugar em que está, poderá o devedor requerer a consignação no foro em que ela se encontra”. O texto está de acordo com os arts. 328 e 341 do CC, valendo recordar o primeiro: “Art. 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem”. Realmente, como transportar um imóvel? Ou mercadorias depositadas em armazém-geral e outros bens localizados? O art. 328, que repete o disposto no art. 951 do antigo Código, com simples aperfeiçoamento da redação, é claro: far-se-á no lugar onde o
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imóvel se acha. Os advogados costumam contornar a situação, valendo-se de expressão figurada, para consignar um imóvel: entrega das chaves. Isto não é possível. Chave é instrumento para abrir fechadura de porta. No sentido figurado, temos a expressão “entrega das chaves”, que significa entrega simbólica de um imóvel. Mas isso só é possível se o credor confia no devedor, aceitando as chaves sem examinar o imóvel. A verdadeira entrega deve ser do imóvel (ou da coisa). Assim, para consignar, cabe marcar dia e hora para que o credor compareça ao local onde está, ali examine a coisa e a receba, se estiver de acordo com o débito. Houve caso em que alguém consignou um carro, entregando as chaves ao advogado do réu, o qual, depois, não mais encontrou o carro. Assim, em lugar de entregar um símbolo (os romanos pesavam um saquinho com terra para simbolizar a entrega de um terreno), deve ser entregue a própria coisa. Evidente que não pode ser feita tal entrega em cartório. Menos ainda a juntada, num envelope, de pequenas chaves, como fazem certos advogados. Temos ainda no Código a transmissão da posse pelo constituto possessório, mas, como qualquer cláusula contratual, deve ser acordada. 1.1.3. Regras sobre levantamento O Código Civil contém algumas regras sobre levantamento do depósito. Assim, pelo art. 338, “enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as consequências de direito”. Mas, nos termos do art. 339, “julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores”. Como diz Carvalho Santos, a sentença vale como quitação, e o depósito não mais pertence ao devedor. Se o credor consente no levantamento, haveria novação, por algum outro motivo, e, havendo outros devedores ou garantidores, que poderiam ser atingidos, devem ser ouvidos. O art. 340 do CC prevê caso raro: o do credor que, após contestar, autoriza o devedor a levantar; perde o credor a preferência e a garantia e desobriga os codevedores e fiadores (se houver).
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1.1.4. Escolha de coisa indeterminada pelo credor Pelo art. 244 do CC, “nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação”. O art. 342 desse mesmo Código manda em tal caso citar o credor para escolher, sob pena de ser depositada a coisa escolhida pelo devedor. Falta indicar o prazo, caso não conste do contrato. Já o art. 894 do C diz que o credor será citado para escolher em “cinco dias, se outro prazo não constar de lei ou do contrato, ou para aceitar que o devedor o faça, devendo o juiz, ao despachar a petição inicial, fixar lugar, dia e hora em que se fará a entrega, sob pena de depósito”. 1.1.5. Consignar é faculdade, não dever Tratando-se de dívida que o credor se recusou a receber ou não mandou receber, não há obrigação do devedor de consignar judicialmente, embora seja esta uma medida de cautela. Se a consignação for feita depois do vencimento do prazo do débito, sendo a dívida quesível, caberá ao credor fazer a prova de que mandou receber e que o devedor não pagou. Sendo portável, ou seja, pagável no domicílio ou lugar indicado pelo credor, o devedor fará a prova de que mandou tempestivamente fazer o pagamento e que este não foi aceito. Desde que se comprove a mora do credor, não importa que a consignação tenha sido intentada após o vencimento do débito, pois ocorre, no caso, uma simples faculdade e não um dever jurídico por parte do devedor. É, todavia, recomendável que se faça na data do vencimento do débito ou no dia seguinte. A consignação deve ser efetiva, completa e incondicional, somente podendo depender de prova da qualidade do credor por parte de quem pretende receber o pagamento. Havendo divergência entre credor e devedor sobre o valor do débito, muitas vezes o credor intenta uma ação ordinária ou uma ação de despejo (tratando-se de aluguéis) e o devedor, por dependência, ingressa com uma ação de consignação em pagamento, correndo, todavia, o autor o risco da improcedência se o valor depositado for julgado insuficiente.
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1.1.6. Consignações de prestações periódicas Pelo art. 892 do C, “tratando-se de prestações periódicas, uma vez consignada a primeira, pode o devedor continuar a consignar, no mesmo processo e sem mais formalidades, as que se forem vencendo, desde que os depósitos sejam efetuados até cinco dias, contados da data do vencimento”. Isto está de acordo com o art. 290 desse Código, que manda incluir as prestações seguintes. Note-se que o texto diz: “sem mais formalidades”, significando que os depósitos podem ser feitos sem novo pedido. Mas a burocracia exige que os advogados requeiram ao juiz a expedição de guia, o que é desnecessário e só serve para retardar e aumentar o trabalho do juiz. O texto ainda diz: “no mesmo processo”, significando que, enquanto estiver em andamento o processo, deve o cartório ou a secretaria do tribunal expedir a guia, que, aliás, deveria ser simplificada e entregue ao interessado pelo banco oficial, para ser preenchida pelo advogado. A entrega pelo cartório só serve para pagar custas e outras despesas aos cartórios. Ora, se o advogado preenche outras guias, pode também preencher as do depósito. Se o preenchimento for errado, o problema será dele ou da parte que nele confia. Por outro lado, quando se diz “no mesmo processo” significa que, enquanto o processo aguarda o julgamento do recurso, pode a guia ser extraída, e devem os depósitos ser feitos. Dizer que o juiz já proferiu a sentença e não se refere esta aos depósitos posteriores é esquecer da regra. Assim, aluguéis, despesas de condomínio, prestações imobiliárias sucessivas, débitos bancários em parcelas, podem ser consignados em continuação. Ver, no n. 1.2, Mora intercorrente na consignação em pagamento. 1.1.7. Dúvida quanto ao credor O Código Civil prevê a hipótese de dúvida sobre quem seja o verdadeiro credor. Isto pode ocorrer em caso de ausência ou falecimento do credor. No primeiro caso, se for declarada a ausência, o juiz nomeia curador, que pode receber. No segundo, embora possa haver abertura de inventário, às vezes este se retarda, ou não se nomeia logo um inventariante, ou ainda assim os herdeiros discutem. Para não arriscar pagar mal, deve ser feita a consignação. Mas, nes-
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te caso, não há recusa. O Código de Processo Civil prevê o caso no art. 898: o credor deve logo depositar a coisa ou a quantia, citandose os interessados. Surgem três situações: ninguém comparece (isso raramente ocorre, salvo quando se faz a citação por edital); converte-se o depósito em arrecadação de bens de ausentes; comparecendo apenas um, o juiz decide de plano (naturalmente, se tiver elementos para decidir); poderá pedir que o réu justifique o seu crédito ou sua qualidade; comparecendo mais de um, o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação (do autor), continuando o processo a correr entre os credores, caso em que se observará o procedimento ordinário. ite-se nova contestação entre os réus, de um contra o outro, como se houvesse ação e reconvenção. 1.1.8. Revelia ou recebimento pelo credor O Código de Processo Civil é expresso: não havendo contestação no prazo (revelia), o juiz julga procedente o pedido, declara extinta a obrigação e condena o réu no pagamento das custas e honorários (art. 897). Proceder-se-á do mesmo modo se o réu comparecer e der quitação (parágrafo único). 1.2. Mora intercorrente na consignação em pagamento Movendo a ação consignatória, deve o autor depositar as prestações sucessivas (quando devidas) até cinco dias após o vencimento (art. 892 do C). Ocorre que, por vezes, tais depósitos são efetuados com atraso, acarretando a improcedência do pedido, com fundamento na chamada mora intercorrente (no curso do processo). Certos autores, com razão, entendem que a mora que dá origem à consignação é a do credor, e, se provada a razão do autor, não pode eventual atraso nos depósitos gerar a improcedência de todo o pedido. Foi esta a conclusão dos juízes reunidos no V Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado no Rio de Janeiro, em 1982, aprovando a seguinte proposição:
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“Consignação em pagamento. Prestações periódicas. Intempes tividade de um depósito. A falta de depósito oportuno das prestações subsequentes não afeta os depósitos feitos em tempo. Relativamente às prestações que o autor da consignatória deixa de depositar no curso do processo e no prazo legal, não incide ele em mora” (Juízes Adroaldo Furtado Fabrício — RS e Narciso Pinto — RJ).
2. Pagamento com sub-rogação (arts. 346 a 351 do CC) 2.1. Conceito A sub-rogação é a substituição de uma pessoa ou de uma coisa por outra pessoa ou coisa numa relação jurídica. É pessoal quando há substituição de pessoas e real quando a substituição é de coisas. A sub-rogação pessoal visa garantir o terceiro que pagou a dívida alheia, transferindo-lhe os direitos do credor. Embora apresente certa analogia com o beneficium cedendarum actionum dos romanos, pelo qual quem pagava tornava-se cessionário da ação do credor contra o devedor, a sub-rogação na sua atual estrutura tem as raízes no direito intermediário e no direito canônico. Mantendo certos traços da cessão de crédito, a sub-rogação não é a simples transferência dos direitos decorrentes de uma relação obrigacional, pois surge em virtude do pagamento do débito por um terceiro que se substituiu ao devedor. Distingue-se, assim, também da novação, em que surge uma nova relação obrigacional, para substituir a antiga, enquanto no caso da sub-rogação mantém-se a relação jurídica obrigacional originária, transferindo-se a quem pagou todos os direitos e garantias anteriormente pertencentes ao credor, não ocorrendo a extinção da obrigação nem a liberação do devedor, mas simplesmente uma substituição de credor. 2.2. Espécies 2.2.1. Sub-rogação pessoal Sub-rogação pessoal pode ser: a) por força de lei, a transferência do crédito ao pagador de dívida alheia (casos do art. 346 do CC); b) por força de contrato ou de recibo com tal fim, a transferência do
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crédito próprio ou alheio, pelo pagamento (art. 347). Se alguém adquire um imóvel hipotecado à Caixa Econômica e paga a esta a dívida hipotecária, sub-roga-se, ou seja, fica sendo credor do anterior devedor em lugar da Caixa Econômica. Por outras palavras, salvo se o primitivo devedor já pagou antes (em geral os contratos de financiamento são cedidos com desconto do débito hipotecário), ele continua devendo, não mais à Caixa, mas ao terceiro que pagou a ela. Distingue-se da cessão de crédito, porque esta se faz antes do pagamento e a sub-rogação se faz por causa do pagamento. A sub-rogação pode ser legal (de pleno direito) ou convencional. É legal quando independe do consentimento do devedor ou do credor, e convencional quando ocorre explicitamente a transferência dos direitos de devedor ou do credor ao terceiro, que efetua o pagamento ou empresta o dinheiro necessário para tal fim. a) Os casos de sub-rogação legal são aqueles em que o pagamento é feito por um terceiro interessado na relação jurídica. É a hipótese do credor quirografário1, que paga a dívida do devedor comum ao credor privilegiado, a fim de conservar o patrimônio do devedor como garantia dos seus débitos; do adquirente do imóvel hipotecado, que paga ao credor hipotecário, e, em geral, do terceiro interessado que paga dívida pela qual podia ser obrigado, em parte ou no todo. Assim o coobrigado que paga, sendo a prestação indivisível, sub-roga-se nos direitos do credor contra os outros devedores, o mesmo ocorrendo no caso de prestação divisível, no caso de dívida solidária. Ocorre, também, a sub-rogação legal em favor do terceiro que paga letra de câmbio ou do segurador que indeniza o dano causado à pessoa ou coisa segurada2. Se o terceiro que paga não for pessoa interessada na relação jurídica, não se dá a sub-rogação legal. O terceiro não interessado pode pagar em nome e por conta do devedor ou em seu próprio nome,
V. Capítulo 6, n. 6.1. O novo Código Civil, em seu art. 786, dispõe: “Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”. 1 2
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tendo direito ao reembolso do que gastou, mas não se sub-roga. Somente o interessado se pode enquadrar, pelo pagamento, na situação legal do credor, em virtude do interesse que tem na relação jurídica. O terceiro sem vinculação com a relação jurídica não é beneficiado pela sua intervenção, só tendo direito ao reembolso em virtude dos princípios gerais referentes ao enriquecimento sem causa. b) A sub-rogação convencional se dá por cessão do credor ou do devedor. O terceiro se sub-roga nos direitos do credor quando paga o débito, mediante transferência dos direitos que o credor tinha contra o devedor. A sub-rogação por acordo com o devedor ocorre quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia necessária para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito. No primeiro caso, há uma verdadeira cessão do crédito, enquanto no segundo uma pessoa se coloca em situação idêntica à do credor, sem o consentimento e muitas vezes sem o conhecimento deste, para quem a relação jurídica se extinguiu com o pagamento do débito. 2.2.2. Sub-rogação real Sub-rogação real é a substituição de uma coisa gravada por outra, que fica em lugar daquela. Exemplo: um bem da herança gravada com cláusula de inalienabilidade não pode ser vendido. Mas se o herdeiro indicar outro bem, de valor semelhante, ou títulos da dívida pública, ou mantiver depósito em poupança vinculada, de valor equivalente, poderá vender o imóvel, que é substituído pelo outro ou pelos títulos ou pela caderneta vinculada (art. 1.911, parágrafo único — ando a ser exigida autorização judicial —, e Dec.-Lei n. 6.777, de 8-8-1944). 2.3. Efeitos A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo em relação à dívida contra o devedor principal e os fiadores (art. 349). O sub-rogado assume assim a posição do sub-rogante, com todas as suas características e atributos.
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2.4. Limites Na sub-rogação legal, o sub-rogado só pode exercer os direitos e ações do credor até a soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor, a fim de evitar o enriquecimento sem causa (art. 350). A contrario sensu, na sub-rogação convencional, pouco importa a quantia desembolsada, substituindo-se o sub-rogado ao sub-rogante em todos os seus direitos. 2.5. Preferência No caso de haver sub-rogação parcial, a lei estabelece preferência do credor originário sobre o sub-rogado para receber o pagamento do devedor (art. 351). Essa preferência, que já estava prevista no art. 990 do CC de 1916, tem merecido críticas severas por parte da doutrina, que não vê justificativa para a diversidade de tratamento entre o credor originário e o sub-rogado.
3. Imputação do pagamento (arts. 352 a 355) 3.1. Conceito Imputação é a escolha da parcela a ser quitada num pagamento parcial do devedor que tem vários débitos em relação a um só credor. Quando o devedor tem vários débitos em relação ao mesmo credor e paga quantia insuficiente para a liquidação de todos, o problema que surge é o de saber quais os débitos que devem ser considerados pagos, ou seja, com relação a que débitos o pagamento deve ser imputado. A imputação pode decorrer de acordo entre os interessados ou de determinações legais. Havendo diversos débitos, todos líquidos e vencidos, garante a lei ao devedor o direito de indicar quais os débitos que pretende pagar (art. 352). Não declarando o devedor qual das dívidas pretende pagar e aceitando a quitação de uma delas, não mais poderá apresentar recla-
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mação posterior contra a imputação, salvo provando a existência de dolo ou violência (art. 353). Assim sendo, na falta de declaração do devedor, fica ao arbítrio do credor imputar o pagamento da maneira que preferir. Supletivamente, ou seja, na falta de declaração de vontade dos interessados, o legislador estabeleceu um sistema de preferência considerando que, havendo capital e juros, o pagamento, no silêncio das partes, deve ser imputado primeiramente nos juros e depois no capital (art. 354). Do mesmo modo, havendo dívidas líquidas e vencidas e outras que não sejam, a imputação será feita primeiramente naquelas. Se todas as dívidas forem líquidas e vencidas, a imputação será feita em primeiro lugar nas mais onerosas (art. 355), assim entendidas aquelas que rendem juros maiores ou que oferecem maiores garantias reais ou fidejussórias para o credor. Se forem igualmente onerosas as dívidas, a imputação será feita na mais antiga, assim entendida aquela que em primeiro lugar, ou há mais tempo, se venceu.
4. Dação em pagamento (arts. 356 a 359) 4.1. Conceito Embora o credor não possa ser obrigado a receber em pagamento coisa diferente da prestação devida, mesmo quando mais valiosa (art. 313), nada impede que credor e devedor cheguem a um acordo para que o pagamento seja feito mediante prestação diversa, em substituição à prestação devida (art. 356). Quando o credor consente em receber coisa diversa da que lhe é devida, ocorre a datio in solutum ou dação em pagamento. Trata-se de modalidade indireta ou supletiva de pagamento em que o credor não recebe o que lhe era devido, satisfazendo-se todavia com uma prestação diferente. Os elementos necessários da dação em pagamento são, pois, a existência de uma dívida e o pagamento desta pela entrega de uma coisa diferente da prometida, com assentimento do credor e visando à extinção da obrigação. A dação em pagamento extingue a obrigação, pouco importando que a coisa dada tenha valor maior ou menor do que a prestação originariamente devida. A entrega da coisa trans-
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fere a sua propriedade, ando o credor a ser o seu proprietário. Por esse motivo, esclarece a lei que, “determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda” (art. 357). Se a coisa dada em pagamento for um título de crédito, haverá cessão deste ao credor (art. 358). Havendo evicção, ou seja, reintegrando-se terceiro na propriedade da coisa dada em pagamento ao credor, determina o Código que se restabelece a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros (art. 359). Em sentido diverso, o antigo anteprojeto do Código das Obrigações, no seu art. 303, entendia que, “Salvo convenção em contrário, a evicção da coisa recebida em pagamento não importa restabelecer-se a obrigação primitiva”. Aplicando os princípios referentes à compra e venda, os autores brasileiros lembram que a nossa jurisprudência tem considerado como sendo nula a dação em pagamento de todos os bens do devedor, a feita por ascendentes e descendentes, sem o consentimento dos outros descendentes, e realizada em período suspeito de falência ou em fraude contra credores.
5. Sucedâneos de pagamento 5.1. Noções gerais As obrigações extinguem-se pelo pagamento feito diretamente ao credor e por este aceito e ainda pela consignação em pagamento, pelo pagamento com sub-rogação e pela dação em pagamento. Existem outras causas de extinção das obrigações denominadas satisfatórias, pois atendem aos interesses do credor, como a compensação e a confusão, e outras não satisfatórias, pois desobrigam o devedor sem recebimento da prestação pelo credor, como a remissão, a novação, a prescrição e a impossibilidade superveniente fortuita. Também se extinguem certas obrigações com a morte do devedor ou do credor (obrigação alimentar, prestação de serviços personalíssima) ou em virtude de realização de condição resolutória ou do advento do termo extintivo (prazo de trinta dias, se for bem móvel, e
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de um ano, se for bem imóvel, contado da entrega efetiva do bem, para exercício da actio quanti minoris em relação ao bem entregue com vício redibitório — art. 445)3. Quanto a prazos, ver n. 3.3 do Capítulo 16. 5.2. Novação. Conceito (arts. 360 a 367) A novação é a transformação de uma obrigação em outra, ou melhor, a extinção de uma obrigação mediante a constituição de uma obrigação nova que se substitui à anterior, distinguindo-se a prestação antiga da nova, seja pelo valor ou natureza da prestação, seja por modificação do credor ou do devedor. No direito romano, quando a transmissão do débito ou do crédito era difícil, a novatio exerceu importante função, permitindo a cessão e a sub-rogação dos direitos obrigacionais. 5.3. Elementos Para que haja novação, são elementos necessários: a) uma obrigação anterior, embora possa ser simples obrigação natural, condicional ou anulável; b) uma obrigação nova que extingue a anterior; c) a vontade de realizar novação (animus novandi) extinguindo a obrigação anterior em virtude da criação da obrigação nova; e d) capacidade das partes para novar e para dispor. O art. 360 do CC define a novação como a substituição de dívida anterior por dívida nova, havendo modificação seja da prestação, seja do credor ou do devedor. A lei não presume a novação, entendendo que, não havendo ânimo de novar, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira (art. 361). O legislador tornou claro que a intenção de novar pode ser tanto expressa como tácita, mas sempre deverá ser inequívoca.
Aqui houve extensão do prazo pelo atual Código Civil, pois o art. 178, § 2.º, do Código de 1916 estabelecia o prazo de quinze dias para os bens móveis e de seis meses para os bens imóveis. 3
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Salvo estipulação em contrário, a novação extingue os órios e garantias da dívida primitiva, desonerando os coobrigados que nela não intervieram (arts. 364 a 366). 5.4. Espécies A novação é objetiva ou real quando há modificação da prestação e subjetiva quando ocorre mudança do credor ou do devedor. Não caracteriza a novação a simples modificação das modalidades (condições, termo ou encargo) ou das garantias dadas ao credor, sendo necessária uma substituição do objeto da obrigação (prestação) ou da causa debendi. Assim, não constitui novação a divisão do débito em parcelas ou a garantia hipotecária concedida ao credor. Ocorre, ao contrário, novação quando a prestação se modifica na sua natureza ou no seu valor ou quando a causa jurídica do negócio se transforma. Se a obrigação era de construir uma casa e, por vontade das partes, transforma-se em dever de pagar determinada quantia, ou se o devedor da quantia mutuada se torna depositário dela, ocorre novação; por essa razão, diversas legislações regulam a novação no capítulo referente à dação em pagamento, que não deixa de ser uma espécie de novação. A novação é subjetiva quando o antigo devedor é substituído por um devedor novo, ficando exonerado da responsabilidade o antigo, ou quando o credor primitivo é substituído por outro, extinguindo-se a dívida do devedor para com o primeiro e mantendo-se para com o novo credor. A novação decorre da extinção do débito para o devedor substituído ou do crédito para o credor substituído4. A novação deriva de delegação quando há consentimento de todos os interessados e extinção do débito para o substituído, ou da expromissão, quando a novação se realiza independentemente do consentimento do devedor originário, por acordo entre o credor e um novo devedor, que assume a obrigação do anterior (art. 362). Já vimos que pode haver novação de obrigações anuláveis e de obrigações condicionais, entendendo também que não são suscetíveis
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de novação as obrigações naturais, embora haja opiniões em contrário na doutrina nacional e estrangeira5. A novação extingue a obrigação primitiva, que não poderá ressuscitar se a obrigação nova não for cumprida. Assim sendo, se o novo devedor for insolvente, não tem o credor que o aceitou ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição (art. 363). É de ressaltar que a simples emissão de título de crédito não é considerada novação, salvo convenção em contrário das partes. Entende-se que tais títulos têm valor meramente confirmatório da primeira obrigação, valendo pro solvendo e não pro soluto (art. 361). Se a nova obrigação for nula, anulável ou condicional e a condição para sua realização não for cumprida, perdura a obrigação anterior, por não se concretizar a novação. Nas obrigações solidárias ivas, a novação do credor com um dos coobrigados extingue a dívida. Nas obrigações solidárias ativas, a novação entre um credor e o devedor extingue a obrigação, respondendo, todavia, o credor que fez a novação aos outros pela parte que lhes caiba (art. 272). Se a obrigação for indivisível, a novação realizada por um dos credores não extingue a dívida para com os outros, mas estes só a poderão exigir descontada a quota do credor que novou (art. 262). Se forem vários os devedores e houver novação do credor comum com um deles, extingue-se a dívida.
6. Compensação. Conceito (arts. 368 a 380) A compensação é meio de extinguir as dívidas de pessoas que, ao mesmo tempo, são credora e devedora uma da outra até o limite da existência do crédito recíproco (art. 368). É um instituto baseado na equidade e que se reveste de especial importância econômica em nossos dias, especialmente no campo do
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V. Capítulo 1, n. 7.
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direito bancário, pela compensação realizada entre os estabelecimentos de crédito por intermédio das clearing houses. No direito romano, a compensação era itida como exceção que o devedor podia alegar contra o credor em alguns casos específicos, os quais foram depois generalizados na época de Justiniano, quando a compensação ou a operar de pleno direito, independentemente de qualquer alegação das partes. A compensação pode ser automática ou de pleno direito, judicial, quando depende de decisão do magistrado, ou convencional, quando decorre de declaração de vontade das partes interessadas, podendo ainda ser total, com a extinção de ambas as dívidas, ou parcial, quando os créditos são de valor diverso, extinguindo-se um e mantendo-se o outro na parte excedente ao crédito compensado. A compensação só se efetua entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis (art. 369), havendo reciprocidade entre os créditos e débitos. Mesmo as coisas fungíveis só se compensam quando forem da mesma qualidade. O terceiro não interessado no débito pode pagar em nome e por conta do devedor, mas não pode compensar o débito com um crédito que tenha contra o credor. O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe deve; mas o fiador pode compensar a sua dívida com aquela que o credor tem em relação ao afiançado (art. 371). Não se ite, finalmente, a compensação em prejuízo de terceiros (art. 380). Somente as dívidas líquidas, ou seja, certas quanto à sua existência e ao seu montante, é que são suscetíveis de compensação, desde que estejam vencidas. Não se ite, pois, em sentido contrário, a compensação quando um dos créditos é condicional ou dependente de termo ou encargo. Não impede a compensação a diferença de causa nas dívidas, salvo se um dos créditos decorrer de esbulho, furto ou roubo, comodato, depósito ou alimentos ou se uma dívida for de coisa insuscetível de penhora (art. 373). Também não se ite a compensação nas dívidas fiscais, a não ser em virtude de lei específica (art. 170 da Lei n. 5.172, de 25-10-
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1966 — CTN). É vedada ainda a compensação, mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito ivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial, nos termos do art. 170-A dessa lei, com a redação dada pela Lei Complementar n. 104, de 11-1-2001. O Código Civil, em seu art. 374, determinava que a compensação relacionada com dívidas fiscais ou parafiscais era regida pela disciplina nele aposta. Ocorre que tal artigo foi revogado pela Lei n. 10.677/2003. As partes podem renunciar à compensação ou excluí-la por mútuo acordo (art. 375). Quando as duas dívidas não são pagáveis no mesmo lugar, não se podem compensar sem dedução das despesas necessárias à operação (art. 378). Havendo compensação e sendo um dos devedores responsável pelo pagamento de diversos débitos sem que haja indicação da vontade das partes em relação ao crédito compensado, aplicamse os princípios referentes à imputação em pagamento (art. 379). A compensação pode ser alegada tanto na contestação quanto na reconvenção, itindo a lei processual que seja apresentada mesmo em execução. A compensação é voluntária quando as partes a realizam em virtude de convenção, sem que existam os requisitos estabelecidos pela lei para a compensação de pleno direito. É também denominada compensação facultativa. A compensação judicial é aquela realizada pelo juiz em virtude da liquidação judicial de um crédito anteriormente ilíquido.
7. Confusão (arts. 381 a 384) A confusão é a extinção da obrigação decorrente da identificação numa mesma pessoa das qualidades de credor e devedor (art. 381). Surge em virtude de herança ou de legado quando o herdeiro ou legatário era, por exemplo, credor do de cujus. A era devedor de B, mas, em virtude da morte deste, se torna herdeiro universal de todos os bens de B e até mesmo do crédito que B tinha contra A. Ocorre, então, a confusão, pois A se torna credor de si mesmo, extinguindo-se assim a obrigação.
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Assim como a compensação, a confusão só pode ser alegada entre credor e devedor. Assim, se A é devedor, a título individual, de determinada soma à sociedade B e se torna diretor dessa sociedade, tal fato não importa em confusão, pois a pessoa física de A não se pode identificar com a pessoa jurídica da sociedade B, sendo apenas um de seus órgãos. A confusão pode ser parcial ou total (art. 382). É total quando importa na extinção da obrigação. É parcial quando tão somente uma parte do crédito se extingue pela confusão. Se B é herdeiro universal do seu credor A, em virtude da morte deste, há confusão total. Se houver, no caso, dois herdeiros B e C, a confusão será parcial, pois B terá de pagar a metade do seu débito ao herdeiro C. No caso de solidariedade, a confusão operada na pessoa do credor ou do devedor solidário só extingue a obrigação até a concorrência da respectiva quota no crédito ou no débito, subsistindo, quanto ao excedente, a solidariedade (art. 383). A confusão extingue a obrigação principal e as obrigações órias; mas a confusão na obrigação ória (confusão do fiador e do credor) não importa em extinção da obrigação principal (art. 384).
8. Remissão de dívida6 (arts. 385 a 388) Remissão das dívidas é a renúncia do credor ao crédito que existe em seu favor, necessitando, para se tornar irrevogável, o acordo de vontades do credor e do devedor. A simples declaração do credor importa em extinção da dívida, mas pode ser revogada até o momento em que o devedor aceita a remissão. Alguns autores brasileiros entendem que há necessidade de convenção entre as partes para que possa haver a remissão, pois, caso contrário, o devedor poderia consignar judicialmente o pagamento, devendo a ação ser julgada procedente.
Não confundir com remição (com ç), que vem de remir = resgatar; remissão corresponde a remitir = perdoar.
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O Código Civil, para dirimir a dúvida e seguindo orientação jurisprudencial, esclarece que: “Art. 385. A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro”. Assim, de acordo com a nova disciplina, para que se perfaça a remissão deve esta ser proposta pelo credor e aceita pelo devedor. Por outro lado, o legislador demonstrou preocupação com a proteção de terceiros credores do devedor que pretende remir a dívida, porquanto previu que tal ato não pode prejudicar os direitos daqueles. Geralmente a remissão é gratuita, pois, quando se torna onerosa para o devedor, que concede ao credor uma outra vantagem para que desista do crédito, ocorre não propriamente a remissão, mas uma verdadeira transação. A remissão pode ser expressa ou tácita, podendo ser um ato inter vivos ou mortis causa. É tácita quando o credor devolve ao devedor o título comprobatório do débito, fazendo presumir juris tantum a renúncia ao crédito. A remissão pode ser feita em testamento, apresentando então a forma de legado. A remissão, extinguindo a dívida, implica a renúncia ao principal, aos órios e às garantias do crédito. É, todavia, possível a renúncia à garantia sem remissão do crédito. Assim esclarece a lei que a restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, mas não a extinção da dívida (art. 387). Se a dívida for solidária, a remissão feita a um dos devedores extingue a dívida na parte a ele correspondente, só podendo o credor cobrar dos coobrigados solidários o débito remanescente, descontando a quota que for objeto da remissão (art. 388). Se a obrigação for indivisível e um dos credores fizer a remissão da dívida, a obrigação não se extingue para os outros, que, todavia, só poderão exigi-la descontada a parte correspondente ao credor que perdoou a dívida (art. 262).
9. Transação (arts. 840 a 850) A palavra “transação” é utilizada em sentidos diversos. Na acepção mais ampla e menos técnica, significa qualquer espécie de negócio. Em sentido , é o negócio jurídico bilateral pelo qual os
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interessados, por concessões mútuas, evitam ou terminam um litígio (art. 840). Cabe dizer que o Código Civil de 1916 regulava a transação na parte geral das obrigações, sob o título “Dos Efeitos das Obrigações”, mas o Código Civil de 2002 incluiu a transação entre os contratos, vindo após o contrato de fiança. Pela transação, as partes extinguem obrigações, não as substituindo normalmente por outras, como ocorre na novação. A transação também se distingue do ato de liberalidade em que uma das partes quer beneficiar a outra, seja lhe trazendo uma doação, seja perdoando uma dívida. Quando se transige, há sempre uma dúvida ou um litígio que as partes pretendem eliminar a fim de obter maior segurança nas suas relações jurídicas. Pode ser judicial ou extrajudicial, conforme vise a terminar um processo ou evitar o seu início. No primeiro caso, poderá ser feita por termo nos autos, assinado pelos transigentes e devidamente homologado pelo juiz ou por escritura pública. O Código Civil não permite mais que a transação seja realizada por instrumento particular, quando o seu objeto estiver sendo discutido em juízo. Não estando a questão em juízo, o acordo pode ser feito por escritura pública, nas obrigações nas quais a lei exige, ou por instrumento particular (art. 842). Discutia-se a natureza contratual da transação, alegando-se que ela não cria necessariamente obrigações, limitando-se em alguns casos a extingui-las. Mas, atualmente, o Código Civil a enquadra como contrato, aplicando-se-lhe todas as normas que incidem na relação contratual, inclusive as referentes à rescisão. A transação exige a capacidade geral necessária à prática dos negócios jurídicos, havendo ainda restrições especiais em virtude das quais se limita o poder do representante e do assistente para transigir. Assim, os tutores e curadores necessitam de autorização judicial para transigir em nome dos tutelados e curatelados (art. 1.748, III, c/c os arts. 1.774 e 1.781), tendo a jurisprudência aplicado princípio idêntico aos pais em relação aos interesses dos seus filhos menores. O pródigo não pode transigir (art. 1.782), o marido e a mulher também não podem transigir, um sem a autorização do outro, quando a tran-
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sação importa na alienação ou oneração de imóveis, como também o sócio que não tiver a istração da sociedade, o judicial da massa falida sem autorização do juiz e após ouvidos o Comitê e o devedor (art. 22, § 3.º, da nova Lei de Falências — Lei n. 11.101, de 9-2-2005), os mandatários sem poderes especiais (arts. 661, § 1.º, do CC e 38 do C) e os representantes do Ministério Público7. Em tese, a transação se limita às relações de caráter puramente patrimonial, não podendo abranger por exemplo o estado da pessoa e o direito de família. Não pode haver transação para que alguém reconheça um filho, ou adote uma criança. Nada impede, todavia, a existência de transação sobre elementos patrimoniais decorrentes de uma situação de direito de família. ite-se, assim, a transação para partilhar os bens no desquite. Os direitos irrenunciáveis não podem estar sujeitos à transação quanto à sua existência (por exemplo, os alimentos baseados na relação de parentesco), embora possa haver transação no tocante ao quantum dos alimentos e ao modo de pagamento destes. A própria lei esclarece a esse respeito que “só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação” (art. 841 do CC), salientando-se que a transação referente à liquidação das perdas e danos decorrentes de débito não é causa de extinção da ação penal, pois existe independência entre o processo civil e o penal, somente não podendo ser discutido num deles os fatos que foram provados no outro (art. 846, c/c o art. 935 do CC). No entanto, cabe observar que a Lei n. 9.099, de 26-9-1995, introduziu nova forma de transação (arts. 72 a 89), permitindo discutir a composição do dano em processo penal. Nos termos do art. 842 do CC, a transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o ite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz.
V. M. I. Carvalho de Mendonça, Doutrina e prática das obrigações, 4. ed., Forense, 1959, p. 646. 7
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Homologada a transação ou lavrada a respectiva escritura pública e junta aos autos, extingue-se o processo (art. 269, III, do C), a menos que a transação não tenha abrangido todas as questões suscitadas, caso em que continua em relação aos problemas ainda não resolvidos. Com a transação referente à ação judicial, termina esta, não podendo ser renovada a instância no mesmo processo no caso de não cumprimento das cláusulas da transação por uma das partes. Na hipótese há necessidade de ser intentada nova ação, que é processo de execução da sentença homologatória (art. 584, III, do C). Da sentença que homologa a transação cabe recurso de apelação. O Código Civil de 1916 dava à transação o efeito de coisa julgada, permitindo a anulação por vício da vontade, mas utilizando o verbo “rescindir”. O atual Código Civil não alude mais à força de coisa julgada, usando o verbo “anular” e aditando um parágrafo para excluir o erro de direito como base de anulação. Eis o texto: “Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes”. O inadimplemento das obrigações constantes da transação importa em renascimento das obrigações anteriores. É, todavia, aconselhável que as partes explicitem no contrato que o inadimplemento importará de pleno direito em reconstituição da relação jurídica anterior à transação. Tal cláusula apresenta, algumas vezes, grande utilidade para que as concessões feitas por um dos transigentes não levem o outro contratante a se aproveitar da situação, não cumprindo o acordo feito. Nada impede também a introdução na transação de cláusulas penais, nas quais os interessados fixam de antemão as perdas e danos exigíveis no caso de mora ou de inadimplemento, permitindo a cobrança executiva de multa a fim de evitar a demora de uma liquidação judicial. A transação se interpreta restritivamente, reconhecendo ou declarando as partes direitos que pretendiam ter anteriormente (art. 843).
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A nulidade de qualquer das cláusulas da transação importa em nulidade de todo o acordo feito, salvo se a transação versar sobre direitos diversos e independentes entre si, podendo então não prevalecer em relação a algum deles e ser válida quanto aos outros (art. 848). A transação concluída entre o credor e o devedor desobriga o fiador, como aliás ocorre em matéria de novação (art. 844, § 1.º). Se houver transação entre um dos devedores solidários e o credor, a dívida se extingue para os codevedores solidários (art. 844, § 3.º). O Superior Tribunal de Justiça decidiu caso no qual houve pagamento por um dos devedores solidários, com quitação parcial, concluindo-se: “a transação celebrada entre o credor e um dos devedores solidários, quitando explicitamente apenas metade do débito, e não a sua totalidade, permite ao credor cobrar o restante do seu crédito dos demais devedores solidários”8. Se a coisa renunciada por um dos transigentes ou por ele atribuída ao outro sofrer evicção, em virtude de pertencer a terceiro, não ressuscita a obrigação extinta pela transação, mas o evicto pode reclamar, do outro transigente, perdas e danos em virtude do prejuízo causado (art. 845). É nula a transação a respeito de litígio decidido por sentença ada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, verificar-se que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação (art. 850). Esse princípio é um corolário do artigo que ite a anulação da transação em caso de erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa.
10. Da convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral Convenção de arbitragem é o pacto mediante o qual as partes submetem a solução de seus litígios ao juízo arbitral, podendo ser de duas espécies: cláusula compromissória ou compromisso arbitral.
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STJ, 4.ª T., REsp 140.150/SC, Rel. Min. Barros Monteiro, RSTJ, 128/355.
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Cláusula compromissória — É a convenção pela qual as partes se obrigam a submeter à decisão de um juízo arbitral todas as divergências que entre elas possam surgir em relação a determinado negócio. A cláusula compromissória é promessa de sujeição ao juízo arbitral. Na realidade, ela é um compromisso condicional em que as partes podem ou não indicar, desde logo, os árbitros que vão funcionar no caso e o modo pelo qual poderão dirimir o litígio. Só podem firmá-la as pessoas que tenham capacidade geral e especial para transigir, pois o compromisso não deixa de ser uma renúncia à justiça comum para aceitar a decisão de árbitros. “A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ela se refira” (Lei n. 9.307, de 23-9-1996 — Lei de Arbitragem — art. 4.º, § 1.º). Objetivando proteger o aderente, a Lei de Arbitragem previu, no § 2.º de seu art. 4.º, que a cláusula compromissória, nos contratos de adesão, “só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a ou visto especialmente para essa cláusula”. As partes poderão, ainda, reportar-se, na cláusula compromis sória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada9. Nesse caso, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer, na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a sua instituição (art. 5.º da Lei n. 9.307/96). Entendia a jurisprudência que a simples cláusula compromissória não impedia o recurso à justiça comum, salvo se existisse, no acordo das partes, cláusula nesse sentido. Mesmo assim, havia dúvi-
Por exemplo, o Tribunal Arbitral da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, a American Arbitration Association (AAA), a Câmara de Comércio Internacional de Paris (CCI), a London Court of Arbitration etc. 9
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da quanto à legalidade de tal cláusula, entendendo parte da doutrina que, se as partes estabeleceram uma multa no caso de recurso ao Poder Judiciário, tal multa poderia ser cobrada, mas o juiz poderia conhecer do conflito, não obstante a cláusula excludente de sua competência no caso concreto. A partir da promulgação da Lei n. 9.307/96, decorrente de projeto do então Deputado Marco Maciel, a cláusula compromissória, juntamente com o compromisso arbitral, ou a ser causa de extinção do processo judicial sem julgamento do mérito (art. 267, VII, do C, c/c o art. 3.º da Lei n. 9.307/96), impedindo, em princípio, o recurso à justiça comum10. Além disso, a obrigação de celebrar o compromisso arbitral, contida na cláusula compromissória, poderá ser exigida e cumprida judicialmente, através do procedimento previsto no art. 7.º da Lei n. 9.307/96, valendo a sentença que julgar procedente o pedido como compromisso arbitral. Foi suscitada a inconstitucionalidade do art. 7.º da Lei de Arbitragem, que permite, no caso das chamadas cláusulas compromissórias vazias, ou em branco, que não contêm previsão do modo de so-
O fato de a convenção de arbitragem impedir o recurso à justiça comum não implica violação ao art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, como defendem alguns autores (Antônio Souza Prudente, Inconstitucionalidade da justiça privada na nova Lei de Arbitragem, Revista de Informação Legislativa, 132/49, dentre outros). Na realidade, a Lei n. 9.307/96 não institui arbitragem compulsória, facultando às partes a escolha entre o juízo arbitral e a justiça comum. Além disso, a Lei de Arbitragem possibilita a decretação da nulidade da sentença arbitral pelo Poder Judiciário nos casos nela previstos, tanto em ação própria como nos embargos do devedor (art. 33 e parágrafos). Assim, parece-nos que a Lei n. 9.307/96 é constitucional, tal como têm entendido os seguintes doutrinadores: Luiz Felipe Azevedo Gomes, A intervenção do Estado na arbitragem, Ajuris 69/369; Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 1295; Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, A constitucionalidade da nova Lei de Arbitragem, Revista Dialética de Direito Tributário, 17/44; Pedro Antonio Batista Martins, A arbitragem e o art. 5.º, XXXV, da Constituição de 1988, Revista de Direito Renovar, 4/65; Sálvio de Figueiredo Teixeira, A arbitragem no sistema jurídico brasileiro, Revista de Direito Renovar, 6/1, entre outros, e a Procuradoria-Geral da República em parecer [SE n. 5.206-Espanha (AgRg)], que consta na parte final do presente volume. 10
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lução do conflito pela via arbitral, a intervenção judicial para determinar qual o regime que deveria ser aplicável, podendo até mesmo o juiz nomear o árbitro ou o presidente do tribunal. O fundamento para discutir a validade do mencionado artigo é a falta de manifestação clara da vontade das partes quanto ao modo de realização da arbitragem, que, no entender de alguns magistrados, não poderia ser suprida pelo juiz por se tratar de cláusulas essenciais do negócio jurídico. Recentemente, no entanto, os questionamentos acerca da constitu cionalidade da Lei de Arbitragem foram resolvidos pelo Supremo Tribunal Federal, que, conforme voto do Ministro Nelson Jobim, acompanhado pela maioria dos integrantes do Excelso Pretório, decidiu pela sua constitucionalidade11. A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória, cabendo ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória (art. 8.º da Lei n. 9.307/96). Compromisso arbitral — Devemos distinguir a cláusula compromissória, pela qual as partes se obrigam a submeter-se à decisão de um juízo arbitral, do compromisso arbitral, pelo qual as partes nomeiam árbitros para resolver as divergências. Discute-se qual o ramo do direito que deve regular o compromisso, entendendo algumas legislações e parte da doutrina que constitui matéria processual, enquanto outras tratam do compromisso arbitral no quadro do direito material. No Brasil, o compromisso foi por longo tempo questão processual, tendo todavia o juízo arbitral sido regulado pelo Código Comercial (arts. 411 e s.), sendo a introdução da matéria no direito civil devida a Coelho Rodrigues e a Clóvis Beviláqua.
O voto do Min. Nelson Jobim está publicado na Revista de Direito Bancário, de Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, n. 11, p. 361-74. Também está publicado o voto da Min. Ellen Gracie, Revista de Direito Bancário, de Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, n. 13, p. 391-394. 11
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Até a edição da Lei n. 9.307/96, o compromisso era regulado pelo Código Civil (arts. 1.037 a 1.048), e o juízo arbitral, pelo Código de Processo Civil (arts. 1.072 a 1.102). Hoje, tanto o compromisso arbitral como o juízo arbitral são disciplinados pela Lei n. 9.307/96. O Código Civil introduz o Capítulo XX, na parte que trata das espécies de contrato, com a rubrica “Do compromisso” (arts. 851 a 853). Nesses artigos, é itido o compromisso judicial ou extrajudicial para resolver litígios entre pessoas que podem contratar e a cláusula compromissória, na forma prevista na lei especial. O Código, entretanto, traz um limite para a utilização desse instrumento em seu art. 852, ao estabelecer que: “É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial”. No direito romano, confundiu-se o compromisso com o pacto, inicialmente, e, em seguida, com o próprio contrato. Do mesmo modo que a transação, o compromisso é um meio de extinguir obrigações, exigindo a capacidade das partes e o acordo de vontades, a forma estabelecida pela lei e um objeto lícito. Os autores modernos preferem não enquadrar o compromisso na categoria dos contratos, pois visa a dirimir controvérsias mediante a instituição de juízo arbitral, não sendo necessariamente os direitos em litígio de natureza obrigacional. Como já vimos, só são contratos os atos jurídicos bilaterais que criam, modificam ou extinguem obrigações. Como é possível que, na transação ou no compromisso, a decisão das partes ou dos árbitros alcance direitos não obrigacionais, opinamos no sentido de excluir tais atos jurídicos bilaterais da categoria dos contratos. Embora o Código Civil brasileiro e a doutrina dominante entendam que o compromisso e a transação são meios de extinguir obrigações e, na maioria dos casos, assim ocorre, entendemos que são institutos que podem extinguir obrigações e determinados direitos não obrigacionais. O valor prático da arbitragem tem sido apreciado de modo diferente. Para alguns, corresponde o juízo arbitral a uma fase já superada da solução facultativa dos conflitos de interesses entre os indivíduos por árbitros escolhidos pelas partes. Para outros, é um instituto
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fecundo em virtude do qual as partes podem resolver rapidamente os litígios, sem a demora e a onerosidade da justiça. Devemos salientar que no direito brasileiro não tem funcionado com muita frequência. Espera-se, todavia, que, com a edição da Lei n. 9.307/96, que introduziu importantes inovações na legislação brasileira, solucionando grande parte dos problemas que desestimulavam a adoção da arbitragem como meio extrajudicial de solução de conflitos, a utilização da arbitragem seja disseminada, tal como ocorre em outros países, em que a instituição de juízo arbitral é frequente, especialmente nos litígios comerciais, e em particular nos conflitos decorrentes de contratos internacionais. Existem assim juízos arbitrais internacionais, e em diversas câmaras de comércio há árbitros designados para julgar conflitos, podendo as partes, nos seus contratos, submeter qualquer conflito ao arbitramento dessas câmaras. A matéria é também regulada por convenções internacionais, como o Protocolo e a Convenção de Genebra e outros tratados internacionais mais recentes. Foram firmados, em Genebra, em 1923, o “Protocolo relativo às cláusulas de arbitragem”, ratificado pelo Brasil e promulgado pelo Decreto n. 21.287/32, e, em 1927, a “Convenção para a execução de sentenças arbitrais estrangeiras”. Em 1958 foi aprovada a “Convenção de Nova York para o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras”, revogando os Tratados anteriores de Genebra. A Convenção de Nova York, que tem grande aceitação internacional, tendo o Brasil inclusive a aderido recentemente12, foi originária de um anteprojeto apresentado à ONU pela Câmara de Comércio Internacional de Paris (CCI), entidade ativa que mantém, inclusive, uma respeitada Corte de Arbitragem. Vale ainda mencionar a “Convenção Interamericana sobre arbitragem comercial internacional” (Panamá, 1975), ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n. 1.902, de 9-5-1996, e a “Convenção interamericana sobre eficácia extraterritorial das sentenças e laudos arbitrais estrangeiros” (Montevidéu, 1979), cujo texto foi
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aprovado pelo Decreto Legislativo n. 93, de 1995, e promulgado pelo Decreto n. 2.411, de 2-12-199713 e 14. Assim como a transação, o compromisso arbitral pode ser judicial ou extrajudicial, instituindo-se o primeiro por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, por onde corre a demanda, e o segundo por escritura pública ou instrumento particular, assinado pelas partes e por duas testemunhas. Constarão, obrigatoriamente, do compromisso arbitral o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; a matéria que será objeto da arbitragem; e o lugar em que será proferida a sentença arbitral, podendo, ainda, o compromisso arbitral conter local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem; a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por equidade, se assim for convencionado pelas partes; o prazo para apresentação da sentença arbitral; a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes; a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; e a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros. Fixando as partes os honorários do árbitro, ou dos árbitros, no compromisso arbitral, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar, originariamente, a causa, que os fixe por sentença (Lei n. 9.307/96, arts. 10 e 11). Extingue-se o compromisso arbitral escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto; falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não aceitar substituto; e tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, III, da lei, desde que a parte
V. jurisprudência sobre arbitragem em RTJ, 52/172 e 68/411. V., a respeito, RTJ, 60/28, 68/382, 54/714, e ainda Luiz Gastão Paes de Barros Leães, Ensaio sobre arbitragens comerciais, São Paulo, 1966, e Frédéric Edouard Klein, Considérations sur l’arbitrage en droit international privé, Bale, 1955. 13 14
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interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral (Lei n. 9.307/96, art. 12). Arbitragem ou juízo arbitral — Arbitragem ou juízo arbitral é um meio extrajudicial de solução de conflitos, pelo qual árbitros resolvem divergências relativas a direitos patrimoniais disponíveis, com base em convenção de arbitragem pactuada entre as partes. Segundo o art. 2.º da Lei n. 9.307/96, a arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, podendo as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. Se preferirem, as partes poderão convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. Atualmente distinguimos a convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral), pela qual as partes podem nomear árbitros por instrumento escrito a fim de resolver as suas pendências judiciais ou extrajudiciais, que é matéria de direito substantivo, da arbitragem ou juízo arbitral, decorrência da convenção, em que se estabelece o modo de funcionamento do procedimento arbitral, que é considerada matéria processual. A convenção de arbitragem é, pois, um pressuposto e uma condição da existência da arbitragem, embora possa haver uma convenção sem que o juízo arbitral chegue a funcionar, por não surgir o litígio que as partes nela pretendiam dirimir. A arbitragem considera-se instituída a partir do momento em que é aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários. Qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes poderá ser árbitro, com exceção daquelas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, previstos nos arts. 134 e 135 do C. Segundo o art. 18 da Lei n. 9.307/96, o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário, o que constitui uma das mais importantes inovações introduzidas pela lei.
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A arguição de questões relativas a competência, suspeição ou impedimento dos árbitros, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá ser feita na primeira oportunidade que a parte tiver de se manifestar, após a instituição do juízo arbitral. Se a arguição de suspeição ou impedimento for acolhida, o árbitro será substituído nos termos do art. 16 da Lei de Arbitragem. Por sua vez, se for reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, as partes serão remetidas à Justiça comum. Caso contrário, não sendo acolhida nenhuma das arguições, a arbitragem terá prosseguimento normal. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento. Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo, sendo, em qualquer caso, respeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral, competindo ao árbitro ou ao tribunal arbitral, ainda, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes (art. 21 e parágrafos da Lei n. 9.307/96). Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício (art. 22, caput, da Lei n. 9.307/96). A sentença arbitral deverá ser proferida no prazo estipulado pelas partes, ou em seis meses, se nada tiver sido convencionado. O prazo poderá ser prorrogado pelas partes e pelos árbitros, de comum acordo. A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em documento escrito. Quando forem vários os árbitros, a decisão será tomada por maioria, prevalecendo o voto do presidente do tribunal arbitral se
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não houver acordo majoritário. O árbitro que divergir da maioria poderá, querendo, declarar seu voto em separado (art. 24 e parágrafos da Lei n. 9.307/96). Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral. Resolvida a questão prejudicial e juntada aos autos a sentença ou acórdão transitado em julgado, terá normal seguimento a arbitragem (art. 25 da Lei n. 9.307/96)15. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; os fundamentos da decisão, em que serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e a data e o lugar em que foi proferida. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros, cabendo ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns não poder ou não querer a sentença, certificar tal fato (art. 26 da Lei n. 9.307/96). A responsabilidade pelas custas e despesas com a arbitragem e pela verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, será decidida pela sentença arbitral, observando-se as disposições da convenção de arbitragem, se houver. Se, no decurso da arbitragem, as partes chegarem a um acordo quanto ao litígio, o árbitro ou o tribunal arbitral poderá, a pedido das partes, declarar tal fato mediante sentença arbitral, que conterá os requisitos do art. 26 da lei (relatório, fundamentos da decisão, dispositivo, data e lugar em que foi proferida e dos árbitros) (art. 28 da Lei n. 9.307/96).
Sobre a interpretação do art. 25 da Lei n. 9.307/96, ver estudo do Prof. Edoardo F. Ricci em Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 10, p. 366. 15
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Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem, devendo o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, enviar cópia da decisão às partes. No prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar a correção de qualquer erro material da sentença arbitral, o esclarecimento de alguma obscuridade, dúvida ou contradição, ou o pronunciamento sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá, no prazo de dez dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes (arts. 29 e 30 da Lei n. 9.307/96). A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, e, sendo condenatória, constitui título executivo (art. 31 da Lei n. 9.307/96), na forma do art. 584, III, do C. Nula é a sentença proferida na arbitragem quando o compromisso arbitral for nulo; emanar de quem não podia ser árbitro; não contiver o relatório, os fundamentos da decisão, o dispositivo, a data e o lugar em que foi proferida e a dos árbitros; extrapolar os limites da convenção de arbitragem; não decidir todo o litígio submetido ao juízo arbitral; for proferida por prevaricação, concussão ou corrupção iva; for proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, III, da lei; e forem desrespeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. A parte interessada poderá pleitear judicialmente a decretação da nulidade da sentença arbitral nos casos previstos na Lei n. 9.307/96, dentro do prazo de noventa dias, contado a partir de sua notificação ou de seu aditamento, por meio de ação que seguirá o procedimento comum previsto no Código de Processo Civil. Nas hipóteses dos incisos I, II, VI, VII e VIII do art. 32 da Lei de Arbitragem (nulidade do compromisso arbitral; sentença arbitral emanada de quem não podia ser árbitro ou proferida por prevaricação, concussão ou corrupção iva, fora do prazo ou em desrespeito aos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento), a sentença judicial que julgar procedente o pedido decretará a nulidade da sentença arbitral.
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Nos demais casos (sentença arbitral que não contém o relatório, os fundamentos da decisão, o dispositivo, a data e o lugar em que foi proferida e a dos árbitros, que extrapola os limites da convenção de arbitragem e que não decide todo o litígio submetido ao juízo arbitral), a sentença determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo. A nova lei possibilita, ainda, a decretação da nulidade da sentença arbitral na ação de embargos do devedor, na forma dos arts. 741 e s. do C, se for executada judicialmente. Quanto às sentenças arbitrais estrangeiras, ou seja, as proferidas fora do território nacional, dispõe o art. 34 da Lei n. 9.307/96 que elas serão reconhecidas ou executadas no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos dessa lei. Não existe, na grande maioria dos países, a homologação de sentenças arbitrais pelo Poder Judiciário local. Esse fato praticamente impossibilitava o reconhecimento ou a execução de laudos arbitrais estrangeiros, já que, para tanto, o sistema anterior exigia a prévia homologação judicial no país de origem16. Nesse sentido, a Lei de Arbitragem, em seu art. 35, introduz outra importante inovação, estabelecendo que a sentença arbitral estrangeira, para ser reconhecida ou executada no Brasil, está sujeita, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida por meio de petição inicial, a qual deverá conter os requisitos do art. 282 do C e ser instruída, necessariamente, com o original da sentença arbitral e da convenção de arbitragem ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial, nos termos do Decreto n. 13.609/4317.
Sentença Estrangeira Contestada n. 4.724, acórdão do STF de 27-4-1994, RTJ, 160/161. 17 Sobre a desnecessidade de caução, ver acórdão do STF nas Sentenças Estrangeiras Contestadas n. 5.847-1, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 7, p. 354, e 5.378-1, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 8, p. 391. 16
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Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira quando o réu demonstrar que as partes na convenção de arbitragem eram incapazes; a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida; não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa; a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem; a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória; a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira se o Supremo Tribunal Federal constatar que o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem segundo a lei brasileira e a decisão ofende a ordem pública (arts. 38 e 39 da Lei n. 9.307/96). A denegação da homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira por vícios formais não obsta a que a parte interessada renove o pedido, uma vez sanados os vícios apresentados (art. 40 da Lei n. 9.307/96). Aplica-se à homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, no que couber, o disposto nos arts. 483 e 484 do C (art. 36 da Lei n. 9.307/96). BIBLIOGRAFIA: Maristela Basso, Lei nova revitaliza a arbitragem no Brasil como método alternativo-extrajudicial de solução de conflitos de interesses, RT, São Paulo, ano 85, v. 733, p. 11-23, nov. 1996; Paulo Borba Casella (coord.), Arbitragem: a nova lei brasileira (9.307/96) e a praxe internacional, São Paulo: LTr, 1997; René David, L’arbitrage dans le commerce international, Paris: Economica, 1982; Paulo Furtado, Juízo arbitral, Salvador: Nova Alvorada Edições, 1995; José Maria Rossani Garcez, Constitucionalidade da Lei 9.307/96, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, ano 3, v. 10, p. 348; José Carlos de Magalhães, Arbitragem internacional entre Estado e particular, São Paulo:
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s. ed., 1983 (tese); José Carlos de Magalhães & Luiz Olavo Baptista, Arbitragem comercial, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986; Gide Loyrette Nouel, Le droit français de l’arbitrage, Paris: Juridictionnaires Joly, 1983; Francisco Cláudio de Almeida Santos, Considerações gerais sobre a arbitragem e seu reordenamento, RP, São Paulo, ano 22, v. 85, p. 200-11, jan./mar. 1997; João Carlos Pestana de Aguiar Silva, A arbitragem, Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 31, p. 15 e s., 1997; José Alexandre Tavares Guerreiro, Fundamentos da arbitragem do comércio internacional, São Paulo: Saraiva, 1993; Sálvio de Figueiredo Teixeira, Arbitragem no sistema jurídico brasileiro, Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, ano 2, v. 6, p. 1-13, set./dez. 1996; Arnoldo Wald, Da constitucionalidade da Lei 9.307/96, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, ano 3, v. 7, p. 323-34.
SÍNTESE 7 — MODALIDADES DE PAGAMENTO E OUTROS MEIOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES 1. Pagamento em consignação (arts. 334 a 345 do CC e 890 a 900 do C) 1.1. Conceito
Pagamento em consignação é o depósito judicial da coisa devida ou depósito em estabelecimento bancário, se for débito em dinheiro, para liberar o devedor, nos casos legais (art. 334 do CC). Ocorrendo dúvida quanto à pessoa do credor ou recusa deste em receber o pagamento na forma convencionada, o devedor tem a faculdade de depositar, judicialmente ou em estabelecimento bancário (se for dinheiro), a coisa devida.
1.1.1. Casos de consigna- O Código Civil prevê os casos de consigção nação no art. 335 e o procedimento da ação de consignação em pagamento nos arts. 890 a 900 do C. 1.1.2. Consignação de coisa Se o pagamento consistir na tradição de um certa ou corpo certo imóvel, ou em prestações relativas a este, far-se-á no lugar onde situado o bem (art. 328 do CC).
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1.1.3. Regras sobre levanta- Pelo art. 338 do CC, “enquanto o credor não mento declarar que aceita o depósito, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as consequências de direito”. Mas, nos termos do art. 339, “julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores”. 1.1.4. Escolha de coisa inde- Pelo art. 244 do CC, “nas coisas determiterminada pelo cre- nadas pelo gênero e pela quantidade, a esdor colha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação”. 1.1.5. Consignar é faculda- Tratando-se de dívida que o credor se recude, não dever sou a receber ou não mandou receber, não há obrigação do devedor de consignar judicialmente, embora seja esta uma medida de cautela. Desde que se comprove a mora do credor, não importa que a consignação tenha sido intentada após o vencimento do débito, mas é recomendável que se faça na data do vencimento do débito ou no dia seguinte. 1.1.6. Consignações de Pelo art. 892 do C, “tratando-se de prestações periódicas prestações periódicas, uma vez consignada a primeira, pode o devedor continuar a consignar, no mesmo processo e sem mais formalidades, as que se forem vencendo, desde que os depósitos sejam efetuados até cinco dias, contados da data do vencimento”. 1.1.7. Dúvida quanto ao credor
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O Código Civil prevê a hipótese de dúvida sobre quem seja o verdadeiro credor. Isso pode ocorrer em caso de ausência ou falecimento do credor. Nessas hipóteses, apesar de não haver recusa no recebimento, também caberá a consignação em pagamento.
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1.1.8. Revelia ou recebi- O Código de Processo Civil é expresso: não mento pelo credor havendo contestação no prazo, o juiz julga procedente o pedido, declara extinta a obrigação e condena o réu no pagamento das custas e honorários (art. 897). 1.2. Mora intercorrente na Movendo a ação consignatória, deve o autor consignação em paga- depositar as prestações sucessivas, até cinmento co dias após o vencimento (art. 892 do C). Ocorre que, por vezes, tais depósitos são efetuados com atraso, acarretando a improcedência do pedido, com fundamento na chamada mora intercorrente (no curso do processo). 2. Pagamento com sub-rogação (arts. 346 a 351 do CC) 2.1. Conceito
A sub-rogação é a substituição de uma pessoa ou de uma coisa por outra pessoa ou coisa, numa relação jurídica. É pessoal quando há substituição de pessoas e real quando a substituição é de coisas. Mantém-se a relação jurídica obrigacional originária, transferindo-se a quem pagou todos os direitos e garantias anteriormente pertencentes ao credor, não ocorrendo a extinção da obrigação nem a liberação do devedor, mas simplesmente uma substituição de credor.
2.2. Espécies 2.2.1. Sub-rogação pessoal
A sub-rogação pode ser legal (independe do consentimento do devedor ou do credor — casos do art. 346 do CC) ou convencional (ocorre explicitamente a transferência dos direitos de devedor ou do credor ao terceiro, que efetua o pagamento ou empresta o dinheiro necessário para tal fim — art. 347).
2.2.2. Sub-rogação real
Sub-rogação real é a substituição de uma coisa gravada por outra, que fica em lugar daquela.
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2.3. Efeitos
A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo em relação à dívida contra o devedor principal e os fiadores.
2.4. Limites
Na sub-rogação legal, o sub-rogado só pode exercer os direitos e ações do credor até a soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor. Na sub-rogação convencional pouco importa a quantia desembolsada, substituindo-se o sub-rogado ao sub-rogante em todos os seus direitos.
2.5. Preferência
No caso de haver sub-rogação parcial, a lei estabelece preferência do credor originário sobre o sub-rogado para receber o pagamento do devedor (art. 351).
3. Imputação do pagamento Imputação é a escolha da parcela a ser (arts. 352 a 355) quitada num pagamento parcial do devedor 3.1. Conceito que tem vários débitos em relação a um só credor. 4. Dação em pagamento (arts. 356 a 359) 4.1. Conceito
Quando o credor consente em receber coisa diversa da que lhe é devida, ocorre a datio in solutum ou dação em pagamento. Trata-se de modalidade indireta ou supletiva de pagamento em que o credor não recebe o que lhe era devido, satisfazendo-se, todavia. com uma prestação diferente.
5. Sucedâneos de pagamen- Existem causas de extinção das obrigato ções denominadas satisfatórias, pois 5.1. Noções gerais atendem aos interesses do credor, como a compensação e a confusão, e outras não satisfatórias, pois desobrigam o devedor sem recebimento da prestação pelo credor, como a remissão, a novação, a prescrição e a impossibilidade superveniente fortuita.
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Também se extinguem certas obrigações com a morte do devedor ou do credor ou em virtude de realização de condição resolutória ou do advento do termo extintivo. 5.2. Novação. Conceito (arts. 360 a 367)
A novação é a transformação de uma obrigação em outra, ou melhor, a extinção de uma obrigação mediante a constituição de uma obrigação nova que se substitui à anterior.
5.3. Elementos
Elementos necessários: uma obrigação anterior; uma obrigação nova que extingue a anterior; a vontade de realizar novação; a capacidade das partes para novar e para dispor.
5.4. Espécies
A novação é objetiva ou real (modificação da prestação) e subjetiva (mudança do credor ou do devedor). A novação deriva de delegação ou da expromissão (art. 362).
6. Compensação. Conceito A compensação é meio de extinguir as (arts. 368 a 380) dívidas de pessoas que, ao mesmo tempo, são credora e devedora uma da outra até o limite da existência do crédito recíproco (art. 368). 7. Confusão (arts. 381 a 384)
A confusão é a extinção da obrigação decorrente da identificação numa mesma pessoa das qualidades de credor e devedor (art. 381).
8. Remissão de dívida (arts. Remissão da dívida é a renúncia do credor 385 a 388) ao crédito que existe em seu favor, necessitando, para se tornar irrevogável, o acordo de vontades do credor e do devedor. 9. Transação (arts. 840 a Na acepção mais ampla e menos técnica, 850) significa qualquer espécie de negócio. Em sentido , é o negócio jurídico bilateral pelo qual os interessados, por concessões mútuas, evitam ou terminam um litígio (art. 840).
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Discute-se a natureza contratual da transação, alegando-se que ela não cria necessariamente obrigações, limitando-se em alguns casos a extingui-las. Forte corrente doutrinária prefere assim enquadrar a transação entre os meios de extinção das obrigações, sem atribuir-lhe natureza contratual. 10. Da convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral
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Convenção de arbitragem é o pacto mediante o qual as partes submetem a solução de seus litígios ao juízo arbitral, podendo ser de duas espécies: cláusula compromissória (as partes se obrigam a submeter-se à decisão de um juízo arbitral) ou compromisso arbitral (as partes nomeiam árbitros para resolver as divergências).
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Capítulo 8 DA INEXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES Sumário: 1. Da inexecução das obrigações. Responsabilidade contratual. 1.1. Responsabilidade civil. 2. Caso fortuito e força maior. 2.1. Casos de culpa presumida. 2.2. Responsabilidade objetiva. 3. Perdas e danos. 4. Dano patrimonial e moral. Constituição de 1988. 5. Juros. 5.1. História. 5.2. Conceito. 5.3. Espécies. 5.4. Evolução legislativa.
1. Da inexecução das obrigações. Responsabilidade contratual A obrigação se extingue pelos meios diretos ou indiretos de pagamento, por decadência e por impossibilidade absoluta super veniente. O não cumprimento da obrigação, quando injustificado, importa em lesão de direito, determinando o ressarcimento do dano causado pelo inadimplente. Quanto à terminologia: v. Capítulo 6, n. 1 e 6. O não cumprimento da obrigação na forma, modo e tempo estabelecidos pela lei, ou pelo contrato, pode, conforme o caso, apresentar-se sob a forma de simples atraso (mora) ou de inadimplemento parcial ou total. O inadimplemento culposo ou doloso é fonte de responsabilidade, enquanto a inexecução justificada por força maior ou caso fortuito implica a extinção da obrigação, sem dever de ressarcir as eventuais perdas e danos. É esse o princípio geral que domina o direito pátrio, embora itindo exceções decorrentes de situações especiais em que se agrava ou se atenua o dever jurídico.
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A obrigação violada pode ser legal ou contratual, fazendo surgir uma responsabilidade legal, extracontratual, delitual ou aquiliana, no primeiro caso, e contratual, no segundo. A distinção se baseia na origem do dever jurídico e tem alcance prático no direito pátrio. Assim é que, no campo contratual, há um dever determinado aceito pelas partes e a quebra do contrato implica, por si só, a culpa presumida em virtude do inadimplemento (culpa in contrahendo), enquanto em relação à responsabilidade legal cabe ao autor provar não apenas o dano e a sua causa, mas ainda a culpa do réu, salvo nos casos em que a própria lei presume juris tantum (até prova em contrário) ou juris et de jure (não itindo prova em contrário) a ocorrência de culpa. A capacidade do agente também é definida pela lei. Enquanto para a responsabilidade contratual só se ite como válido o ato do maior ou do menor assistido ou representado, o incapaz responde pelos prejuízos a que der causa em decorrência da prática de atos ilícitos (art. 928 do CC). A essa regra, no entanto, o legislador previu três exceções, eximindo a responsabilidade do incapaz quando: a) os responsáveis por ele tiverem a obrigação de arcar com os danos causados; b) os responsáveis por ele dispem de meios para tanto; ou c) a indenização resultar na privação do necessário ao incapaz. Vale lembrar que, no regime anterior, a responsabilidade delitual começava aos dezesseis anos, nos termos do art. 156 do CC de 1916. Na realidade, a doutrina moderna tende a unificar as duas responsabilidades (contratual ou extracontratual), e a própria jurisprudência brasileira, em matéria de transporte e nas relações profissionais, tem recorrido ora aos princípios da responsabilidade contratual, ora às normas reguladoras da responsabilidade delitual. O importante papel histórico desempenhado pela responsabilidade contratual explica-se pela inclusão, nos contratos, de obrigações implícitas, como, por exemplo, no transporte, a obrigação de incolumidade, ou seja, a de levar a mercadoria ou o ageiro ao lugar do seu destino nas mesmas condições e no mesmo estado em que foram recebidos pelo transportador ou iniciaram a viagem. A responsabilidade contratual permitiu, assim, o desenvolvimento das presunções de culpa do contratante inadimplente e fez com que se itisse progressivamente a responsabilidade decorrente do risco assumido.
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A própria responsabilidade profissional tem, conforme os diversos sistemas jurídicos, sido compreendida como de ordem contratual ou delitual. 1.1. Responsabilidade civil A responsabilidade conceitua-se como sendo a obrigação que incumbe a alguém de ressarcir o dano causado a outrem, em virtude da inexecução de um dever jurídico de natureza legal ou contratual que o agente devia conhecer e observar, na definição de René Savatier. Os elementos da responsabilidade são normalmente a lesão do direito alheio, em virtude do não cumprimento do dever jurídico, e a imputabilidade do agente, abrangendo o dolo (vontade de causar o dano) e a culpa (erro, ignorância, imprudência, negligência ou imperícia)1. O Código Civil esclarece que o inadimplemento importa no pagamento de perdas e danos, mais juros e atualização e honorários de advogados (art. 389). Distingue, todavia, os contratos que denomina benéficos (anteriormente chamados de unilaterais, no Código de 1916), nos quais só há obrigações para uma das partes (v. g., doação), dos onerosos (chamados de bilaterais no Código de 1916), com obrigações para ambos os contratantes (locação, compra e venda). Nos primeiros, não responde por simples culpa, mas tão somente por dolo, o contratante a quem o contrato não favorece (doador), enquanto o contratante favorecido responderá tanto por culpa quanto em virtude de dolo. Nos contratos onerosos, ao contrário, cada uma das partes responde por culpa em sentido amplo, ou seja, tanto por culpa propriamente dita (negligência, imperícia e imprudência) como por dolo (vontade de causar o dano), salvo as exceções previstas em lei (art. 392 do CC). Quanto à classificação dos contratos (unilaterais, bilaterais, benéficos), v. Capítulo 13. Tal distinção se explica pelas vantagens que decorrem do contrato para as partes interessadas, não se justificando que quem pre-
Quanto aos demais conceitos, ver sobre a responsabilidade civil em outro volume deste curso. 1
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tende beneficiar outrem seja tratado com o mesmo rigor que o beneficiado pelo contrato. Na primeira hipótese, só há responsabilidade no caso de dolo; na segunda, tanto implica responsabilidade a atitude culposa como a dolosa. Nas disposições gerais sobre o inadimplemento das obrigações, o atual Código Civil explicitou uma regra já aposta no Código de Processo Civil, pela qual o devedor responde com todos os seus bens pelo não cumprimento das obrigações (art. 391 do CC; art. 591 do C).
2. Caso fortuito e força maior Salvo convenção em contrário ou determinação específica da lei, o devedor não responde pelos prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior (art. 393 do CC). Já estando, todavia, em mora, o inadimplente responderá pelos danos decorrentes de caso fortuito ou força maior, salvo se puder provar que estes ocorreriam mesmo não tendo havido mora ou culpa de sua parte (art. 399). O Código Civil conceitua o caso fortuito ou força maior como “fato necessário2, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir” (parágrafo único do art. 393). Tal definição abrange tanto os fatos naturais (incêndio, inundação) como os fatos de terceiros ou do Poder Público (guerra, ato do governo), desde que caracterizados pela inevitabilidade e irresistibilidade. No direito brasileiro, o caso fortuito e a força maior necessitam, para a sua prova, que deve ser feita por quem o alega, da existência de dois elementos: um objetivo — a inevitabilidade do evento — e o outro subjetivo — a ausência de culpa. Alguns autores confundem o caso fortuito e a força maior com a ausência de culpa, quando na realidade são critérios distintos para a exoneração de responsabilidade. A ausência de culpa prova-se
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O termo “necessário” significa inevitável.
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pela diligência normal do causador do dano, enquanto o caso fortuito, ou a força maior, deve apresentar-se como fato irresistível, podendo afirmar-se que tal ausência é gênero do qual o caso fortuito é espécie. Assim, toda hipótese de caso fortuito ou força maior pressupõe necessariamente a ausência de culpa, podendo, todavia, esta ocorrer sem que haja caso fortuito ou força maior. O problema é de densidade maior ou menor no controle exercido pelo juiz por ocasião da apreciação do critério para exonerar alguém de uma responsabilidade. Também se discutiu a distinção entre caso fortuito e força maior, caracterizando os autores o primeiro pela sua imprevisibilidade e a segunda pela sua inevitabilidade, o primeiro como fato humano e a segunda como fato natural. Pode realmente haver, entre ambos, uma diferença de grau, apresentando-se a força maior com traços de irresistibilidade mais ostensivos que o caso fortuito, mas a matéria, que tem interesse em legislações estrangeiras, que dão tratamento jurídico distinto aos dois institutos, é, para nós, meramente acadêmica. O direito brasileiro, que confunde, para os seus efeitos e consequências, ambas as situações, dá-lhes tratamento idêntico. Assim, a doutrina brasileira dominante considera como sinônimos perfeitos o caso fortuito e a força maior, que, aliás, são equiparados pela lei. É preciso salientar que a imprevisibilidade não é requisito necessário da força maior e do caso fortuito, podendo um fato ser previsível mas irresistível e ser, por esse motivo, considerado como caso fortuito ou força maior (v. g., uma inundação ou até a completa falta de chuvas, que levou ao racionamento da eletricidade). 2.1. Casos de culpa presumida Há determinados casos, no direito brasileiro, em que, sendo presumida a culpa, a sua ausência não exonera de responsabilidade, salvo se for feita a prova da ocorrência do caso fortuito ou força maior. É o que acontece com a responsabilidade do hospedeiro ou estalajadeiro em relação às bagagens dos viajantes (art. 650), e com a do
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ocupante de uma casa pelos danos provenientes de coisas que delas caíram ou foram lançadas em lugar indevido (art. 938). 2.2. Responsabilidade objetiva Em outras hipóteses, ainda, a lei ite a responsabilidade independentemente da ocorrência de culpa. Tal responsabilidade pode decorrer de lei (art. 927, parágrafo único), surgir em virtude de convenção das partes ou mesmo pela natureza da atividade, determinando, por exemplo, o contrato em que um dos contratantes responde mesmo na hipótese de força maior e de caso fortuito (art. 393). Por outro lado, o Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei n. 7.565, de 19-12-1986) estabelece a responsabilidade da empresa aérea por qualquer dano causado pela aeronave a pessoas ou bens que se encontrem na superfície do solo, desde que não haja culpa da vítima, não exonerando, o agente, a prova do caso fortuito ou da força maior. No mesmo sentido, uma responsabilidade objetiva foi consagrada nos arts. 34, XV, do antigo Código de Minas (Dec.-Lei n. 1.985, de 29-1-1940, substituído pelo Decreto-Lei n. 227, de 28-2-1967, art. 47, VIII) e 26 do Decreto n. 2.681, de 7-12-1912, para os danos causados, respectivamente, pelo minerador a terceiros e pelas companhias de estradas de ferro aos proprietários marginais, respectivamente. A responsabilidade civil independentemente da culpa do agente é também consagrada pelo Código Civil nos seus arts. 927, parágrafo único, 931, 932, 933, 937 e 938. Devemos reconhecer que na antiga Lei de Acidentes do Trabalho (Dec.-Lei n. 7.036/44) já havia uma distinção entre a responsabilidade pela força maior e pelo caso fortuito, pois, enquanto a primeira exonerava de responsabilidade o empregador quando não agravada pelas instalações do estabelecimento ou pela natureza do serviço, o caso fortuito sob a forma de atos de terceiros não exonerava o empregador da responsabilidade pelos danos sofridos pelo empregado (arts. 7.º e 5.º dessa lei). A Lei n. 6.367, de 19-10-1976, regulava o seguro obrigatório de acidentes do trabalho, sem considerar culpa e dolo, consagrando que
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a responsabilidade seja objetiva3 e 4. Hoje, a matéria é disciplinada pela Lei n. 8.213, de 24-7-1991, arts. 19 e s. Podemos, assim, afirmar que no direito brasileiro, ao lado da responsabilidade baseada na culpa, temos casos de responsabilidade por culpa presumida nos quais o agente se exonera provando a ausência de culpa, outros em que necessita provar a existência de caso fortuito ou de força maior e outros, enfim, em que nenhum fato pode excluir a sua responsabilidade, que permanece mesmo quando decorre de caso fortuito ou força maior5.
3. Perdas e danos Conceituamos como perdas e danos o valor do prejuízo sofrido e do lucro cessante, em virtude da inexecução da obrigação. O inadimplemento obriga o contratante ou aquele que não executou as suas obrigações a indenizar a outra parte, repondo-a na situação econômica em que se encontraria se a prestação tivesse sido tempestivamente cumprida. A inexecução determina, pois, o pagamento das perdas e danos que visam colocar o credor no statu quo ante, na situação jurídica que existiria se não tivesse havido a lesão de direito. A indenização é compensatória, no caso de inadimplemento ou mora (simples atraso), sendo representada sempre por um valor em dinheiro, denominado id quod interest. Antigamente, só ocorria responsabilidade na lesão do direito exclusivamente patrimonial, não se itindo a possibilidade de
3 O Supremo Tribunal Federal também considera objetiva e baseada no risco a responsabilidade civil do proprietário de automóvel (RTJ, 59/575 e 78/810). 4 Ver, na Revista ATA – Arquivos dos Tribunais de Alçada-RJ, n. 5, p. 33, proposição aprovada unanimemente no VII Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, do Juiz Caetano José da Fonseca Costa: “provada a culpa do empregador, cabe indenização suplementar, superada a Súmula do STF, aplicando-se o princípio consagrado pelo art. 7.º, XXVIII da Constituição de 1988”. 5 Sobre o assunto, v. Arnoldo Medeiros da Fonseca, Caso fortuito e teoria da imprevisão, 3. ed., Rio de Janeiro, 1959.
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ressarcimento de violação da integridade física, da saúde ou da honra da vítima. No direito romano, os direitos da personalidade só mereciam a proteção do direito público e em particular do direito penal, mas não a do direito privado. Só mais recentemente, com a criação da categoria especial de direitos da personalidade (arts. 11 a 21 do CC), é que surgiu, paralelamente à proteção do direito penal, a do direito civil, visando ressarcir o dano causado, nos termos os mais amplos possíveis, repondo a parte na situação em que se encontraria se lesão não tivesse havido. As perdas e danos abrangem o que efetivamente foi perdido pela parte lesada e o que ela deixou de ganhar de acordo com o curso ordinário dos acontecimentos, atendendo-se, pois, não somente ao dano emergente, mas também ao lucro cessante. Assim sendo e não havendo cláusula penal em virtude da qual antecipadamente as partes tenham fixado o montante da indenização, o seu valor será fixado de acordo com os prejuízos e os lucros cessantes comprovados pela vítima ou pela parte lesada, na forma do art. 402 do Código. O dano deve ser real e efetivo, objetivamente calculado, sem atender, salvo nos casos especialmente previstos por lei, ao valor afetivo dos bens perdidos. O lucro cessante, por sua vez, deve ser comprovado pelos dados anteriores, plausível, verossímil, não se indenizando o prejuízo ou o lucro cessante eventual, hipotético ou apenas provável. Evidentemente, a aplicação do critério objetivo é mais fácil no cálculo do dano emergente do que no lucro cessante, devendo ser concedida certa liberdade ao juiz para atender a todas as circunstâncias de fato no cálculo da indenização, podendo ainda recorrer ao auxílio de peritos. Na ação de responsabilidade, o autor deve provar a violação da obrigação legal ou contratual, o dano ou lucro cessante decorrente e, conforme o caso, a existência de culpa ou dolo do réu, podendo este, na sua defesa, alegar a ausência de dano ou de relação de causalidade, a inexistência de violação de dever jurídico ou de culpa ou dolo, ou, finalmente, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior. Nas obrigações contratuais, o inadimplemento faz presumir a culpa do devedor, que assim não deve ser necessariamente provada pelo autor.
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O inadimplemento em determinadas obrigações de caráter personalíssimo (escrever um livro, fazer um quadro) resolve-se sempre em perdas e danos, enquanto, em outras obrigações, há uma opção do credor entre a execução compulsória ou específica da obrigação e a rescisão com o pagamento de perdas e danos pelo inadimplente. Tratando-se de obrigação de fazer em que o contrato não foi realizado com o intuito pessoal, o credor pode optar entre mandar fazer a obra por terceiro e cobrar o preço do devedor ou rescindir o contrato, desde logo exigindo perdas e danos. Quando a obrigação consiste em emitir uma declaração, o juiz pode substituir-se ao devedor, valendo, então, a sentença proferida como manifestação de vontade (que, normalmente, caberia ao réu) (v. n. 4 do Cap. 3). A liquidação das perdas e danos é feita, conforme o caso, pelas próprias partes ou pelo juiz, de acordo com a lei. As perdas podem fixar previamente o valor da indenização, no caso de inadimplemento ou de mora, mediante a inclusão, no ato jurídico, de uma cláusula penal compensatória ou moratória. Na falta de cláusula penal, cabe ao juiz fazer o arbitramento, liquidando as perdas e danos de acordo com as provas apresentadas pelas partes. A lei fixa o modo de liquidação da indenização em determinados casos específicos. Tratando-se de dívida de dinheiro, determina o art. 404 da Lei Civil: “As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogados, sem prejuízo da pena convencional”. Na reprodução fraudulenta de obra literária, artística ou científica, diz a Lei n. 9.610, de 19-12-1998 (Lei dos Direitos Autorais), no art. 103, parágrafo único: “Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos”. Do mesmo modo, quem demanda por dívida já paga total ou parcialmente, sem ressalva das quantias anteriormente recebidas, é obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado (art. 940 do CC).
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Finalmente, o segurador que recebe prêmio de seguro, sabendo que a coisa segurada não mais corre perigo, deve pagar em dobro o valor do prêmio estipulado (art. 773). São sanções previstas pela lei a fim de evitar que o prejudicado tenha de fazer a prova do quantum do dano, havendo assim presunção do seu valor. A avaliação do dano e do lucro cessante deve ser feita não no momento em que o dano foi causado, mas no momento do julgamento, com correção monetária até o dia do efetivo pagamento (Súmulas 314 e 562 do STF).
4. Dano patrimonial e moral. Constituição de 1988 A indenização, para ser completa, deve abranger tanto o dano material como o dano moral. No ado, levantaram-se objeções quanto à possibilidade de avaliar, em dinheiro, dores e sofrimentos, que, no entanto, não procedem. O direito moderno ampliou a proteção civil a fim de mandar indenizar não apenas as lesões de caráter material, mas também as violações de direitos da personalidade. O ressarcimento era, todavia, normalmente limitado ao valor do dano material ou dos reflexos econômicos do dano moral. Parte da doutrina entendia que não há como reduzir o sofrimento a um valor pecuniário, o que seria “extravagância do espírito” (Lafayette). Reconheceu-se, todavia, amplamente a possibilidade e a necessidade de indenizar as consequências patrimoniais do dano moral que ocorrem quando alguém, em virtude de um abalo moral (morte de um filho, protesto indevido de um título, injúria ou calúnia), sofre uma diminuição de sua capacidade de trabalho ou necessita fazer uma viagem ou tirar férias para se refazer completamente. A ideia de que a dor humana não pode ser traduzida em algarismos matemáticos, ou seja, em valor monetário, não mais prevalece numa época como a nossa, onde o seguro de vida funciona exatamente como uma compensação econômica pela morte ou pelo acidente sofrido, beneficiando dependentes econômicos ou familiares da vítima, no primeiro caso, e a própria vítima, na segunda hipótese.
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As legislações estrangeiras têm itido a ressarcibilidade do dano moral, embora com certas reservas, estabelecendo casos específicos em que a indenização deve abranger o dano moral (Código Civil alemão, Código Civil italiano de 1942) ou limitando o número de pessoas que possam pedir tal ressarcimento ou ainda estabelecendo um gabarito máximo para o valor da indenização. O direito brasileiro anterior à codificação de 1916 não se preocupou com o problema, embora a lei e a doutrina acentuassem a necessidade de ser a indenização a mais ampla possível (Código Criminal de 1830, Consolidação das Leis de Teixeira de Freitas), divergindo a doutrina quanto ao ressarcimento do dano moral, excluído por Lafayette e Lacerda de Almeida e defendido por Manuel Inácio Carvalho de Mendonça. O Código Civil de 1916 consagrou como condição para o exercício da ação a existência de um interesse material ou moral (art. 76), vendo parte da doutrina, no mencionado artigo, o princípio geral da ressarcibilidade do dano moral. A jurisprudência e alguns autores assinalam, todavia, não ser possível confundir o interesse que legitima a ação com a lesão de direito suscetível de indenização. Na Parte Especial do antigo Código havia referência a casos especiais nos quais o legislador contempla de modo explícito a indenização do dano moral. Eram casos de lesão ou deformação, que poderiam impedir o casamento de mulher solteira ou viúva (art. 1.538, § 2.º), de injúria ou calúnia (art. 1.547), de sedução de mulher virgem ou honesta (art. 1.548), de indenização de objetos usurpados, pelo seu valor afetivo (art. 1.543) e de constrangimento ilegal (art. 1.550). O Código Civil de 2002 aditou a difamação (art. 953), indenização de objetos usurpados pelo seu valor afetivo (art. 952) e de constrangimento ilegal (art. 954). Aditou também um artigo sobre indenização por atividade profissional (art. 951). Na realidade, nos casos mencionados ocorre a indenização do reflexo econômico do dano moral ou até de dano material presumido, como veremos na análise de cada caso concreto, no estudo da responsabilidade civil. Acresce que a Constituição de 1988, no art. 5.º, V e X, ite e garante expressamente o ressarcimento do dano moral.
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Uma parte da doutrina considera, sem justo fundamento, que não pode haver cumulação da indenização pelo dano moral com o ressarcimento do dano material. Entendemos que, itido o ressarcimento do primeiro, não há como condicioná-lo à ausência do segundo, e nesse sentido é a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A doutrina moderna dominante tem defendido a ampla e completa ressarcibilidade do dano moral em todos os casos (Philadelpho Azevedo, Pontes de Miranda, Orosimbo Nonato), mas a jurisprudência opunha reservas à tese, tendo o Supremo Tribunal Federal contemplado poucos casos em que se pleiteava tal ressarcimento, embora houvesse uma tendência de lege ferenda no sentido de permitir tal indenização6 e 7. O antigo Anteprojeto do Código das Obrigações de 10-2-1941, seguindo a orientação do direito suíço, que fixa o princípio geral da responsabilidade pelo dano moral, determinou no seu art. 181 que, “Além do que for devido pelo prejuízo patrimonial, cabe a reparação pelo dano moral, moderadamente arbitrada”. Entendemos que foi feliz a redação do mencionado anteprojeto, evitando as dúvidas existentes na legislação atual e permitindo expressamente a indenização cumulativa dos dois danos (material e moral), determinando, outrossim, que haja moderação no arbitra mento, pois não deve servir o texto de lei para abusos e fraudes, cabendo ao prudente critério jurisprudencial fixar as bases e os limites da indenização em cada caso concreto, como, aliás, tem entendido o Superior Tribunal de Justiça.
6 O Supremo Tribunal Federal tem determinado a indenização do dano moral nos casos de homicídio (RTJ, 62/102), de lesão à saúde (RTJ, 62/255) e de usurpação de nome de autor de fotografia (RTJ, 67/837). Quanto às dúvidas que existiam no ado, sobre a possibilidade de cumular a indenização do dano material e moral em certos casos, v. RTJ, 65/555, 108/646, 108/912, 115/1383 e 116/861. 7 O STF ite a cumulação do dano moral quando postulado pela vítima direta do dano (RTJ, 108/646), e o STJ consagra em todas as hipóteses, como se vê de vários acórdãos: REsp 4.236/RJ, DJ, Seção 1, 1.º jul. 1991, p. 9190, REsp 3.229/RJ, DJ, Seção 1, 5 ago. 1991, p. 9995, e REsp 11.177/SP, DJ, Seção 1, 4 nov. 1991, p. 15691. A matéria tornou-se pacífica com a edição da Súmula 37 do STJ.
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O Código Civil, em seu art. 186, expressamente estabelece a obrigação de indenizar os danos causados a outrem, “ainda que exclusivamente moral”. A finalidade da indenização do dano moral já é hoje encarada como visando não apenas a compensação da vítima ou dos seus parentes, mas constituindo, também, uma expiação para o culpado, ou seja, uma pena privada, no entender da doutrina8 e da jurisprudência norte-americana. BIBLIOGRAFIA: Sobre a matéria, v. Arnoldo Medeiros da Fonseca, Dano moral, in Repertório enciclopédico do direito brasileiro, de Carvalho Santos et. al., Rio de Janeiro, v. 14, p. 241; Wilson Melo da Silva, O dano moral e sua reparação; Agostinho Alvim, Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 193 e s.; Alcino de Paula Salazar, Reparação do dano moral; Ávio Brasil, O dano moral no direito brasileiro; Antonio Chaves, Tratado de direito civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3; José de Aguiar Dias, Responsabilidade civil em debate, Rio de Janeiro: Forense; Antônio Lindbergh Montenegro, Ressarcimento de danos; Teresa Ancona Lopes de Magalhães, O dano estético, São Paulo: Revista dos Tribunais; Antonio Jeová Santos, Dano moral na Internet e Dano moral indenizável; Patrícia Guerrieri Barbosa Viana, Dano moral à pessoa jurídica; Luiz Roldão de Freitas Gomes, Elementos de responsabilidade civil; Regis Fichtner Pereira, A responsabilidade civil pré-contratual; Ivo Waisberg, Responsabilidade civil dos es de bancos comerciais; Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil; Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo; Guilherme Couto de Castro, A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro.
5. Juros 5.1. História Os juros surgiram entre os povos da Antiguidade, como compensação pelo uso do capital alheio. A cobrança dos juros, condenada pelos concílios de acordo com a doutrina da Igreja, não foi itida na maioria das legislações europeias anteriores à Revolução sa.
8 Starck, Essai d’une théorie générale de la responsabilité civile considerée en sa double fonction de garantie et de peine privée, Paris: L. Rodstein Éditeur, 1947.
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Em reação, inspirando-se na lição de Calvino, os autores protestantes, de um lado, e os economistas e filósofos ses do século XVIII, liderados por Montesquieu, de outro, consideraram cabível a compensação pela utilização do capital alheio, desde que estabelecida em bases moderadas e não configurando a usura. Os fisiocratas entendiam que o Estado não devia interferir nas relações comerciais entre os indivíduos, fixando o princípio do laissez-faire, laissez-er, ne pas trop gouverner, e, assim, numerosas legislações do século XIX e algumas do início do século XX não fixaram limites máximos para os juros. O Estado Moderno, na sua feição social inspirada na Constituição de Weimar, afirmou, todavia, sua intervenção ampla, tanto no plano econômico como no campo social, só itindo a cobrança de juros até determinado limite e combatendo a agiotagem e a usura, considerando-as até como figuras típicas de direito penal. 5.2. Conceito O juro é conceituado como rendimento do capital, preço do seu uso, preço locativo ou aluguel do dinheiro, prêmio pelo risco corrido decorrente do empréstimo, cabendo aos economistas o estudo de sua incidência, da taxa normal em determinada situação e de suas repercussões na vida do País. Para o jurista, trata-se de um fruto civil, considerado o juro como coisa ória em relação ao capital (art. 95). 5.3. Espécies Os juros podem ser devidos no empréstimo de coisas fungíveis, constituindo certa percentagem do capital mutuado. Denominamos mútuo feneratício o empréstimo com juros, distinguindo do mútuo gratuito, pois foenus em latim significa juro. Classificamos os juros em convencionais, quando decorrem de convenção, legais, quando se originam na própria lei, compensatórios, quando visam a compensação pela utilização do capital, e moratórios,
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quando constituem uma indenização pelo atraso no cumprimento das obrigações (mora). 5.4. Evolução legislativa Na sistemática do Código Civil de 1916, ainda inspirada pelo liberalismo do século XIX, não havia limite máximo estabelecido para os juros convencionais, assegurando-se a mais ampla liberdade das partes contratantes. Foi a legislação subsequente, consubstanciada na Lei de Usura (Dec. n. 22.626/33), modificada pelo Decreto-Lei n. 182/38, que fixou o máximo legal de juros no dobro da taxa legal, ou seja, em 12% ao ano, tendo sido revogada pelo Código Civil de 2002. A Constituição vigente, de 1988, limitava no seu art. 192 os juros reais a 12% ao ano, que deveriam ser regulamentados por lei complementar. Pela Emenda Constitucional n. 40/2003 foi dada nova redação ao art. 192, que, assim, deixou de tratar do assunto, ando a ser de natureza infraconstitucional9. Ocorrendo a mora de uma das partes, estará esta sujeita ao pagamento de juros moratórios, se outra sanção não for prevista. Sobre os juros moratórios, o art. 406 do Código Civil dispõe: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Além disso, o art. 591 determina: “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”. Ficou, assim, revogada a Lei de Usura.
9 V. no tocante à interpretação da norma constitucional, outro volume deste curso, esclarecendo-se que o art. 192, § 3.º, da Constituição de 1988 foi considerado como não sendo autoexecutável na ADIn 4 julgada pelo STF (DJ, Seção 1, de 12 mar. 1991, p. 2441-2, e de 25 jun. 1993, p. 12637), tendo sido revogado pela Emenda Constitucional n. 40, de 29-5-2003 (DOU, 30 maio 2003). V. a respeito Arnoldo Wald, A Emenda Constitucional n. 40, artigo publicado no jornal Valor Econômico, 26 jun. 2003.
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Assim, o legislador não fixou o percentual da taxa de juros no Código de 2002, e as operações que não forem bancárias se vinculam ao índice utilizado para a mora dos tributos, que funcionou como máximo legal. Em relação às instituições financeiras, cabe ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao Banco Central a fixação dos limites dos juros, em virtude do que dispõem a Lei n. 4.595 e a Súmula 596 do STF. Em princípio, sobre os tributos devidos à Fazenda Nacional incide a taxa SELIC, nos termos da Lei n. 9.065/95, sendo calculada a partir da taxa de financiamento diário dos títulos federais. Ocorre que houve divergência doutrinária, a qual, todavia, nos parece descabida, sobre a legalidade e, até mesmo, a constitucionalidade da aplicação da taxa SELIC. Desse modo, quando há mora referente à obrigação de débito pecuniário, ou seja, de débito pagável em dinheiro, o devedor paga os juros moratórios legais ou convencionais, conforme o caso, independentemente da prova de qualquer prejuízo por parte do credor. Na forma do art. 407 do CC, são devidos os juros desde que a mora se refira à obrigação em dinheiro ou a obrigação de outra natureza cujo valor foi fixado pecuniariamente, sendo a obrigação líquida. Se for ilíquida, mas a sua liquidação não se efetuou por culpa do devedor, também são devidos os juros moratórios, a partir da mora, sobre a quantia finalmente apurada. Os juros moratórios são exigíveis, independentemente e sem prejuízo da cláusula penal convencionada e da correção monetária (se já não estiver embutida nos juros — art. 404 do CC)10, e fixados livremente pelas partes, mas, no silêncio destas ou quando decorrentes da lei, aplica-se o art. 406. No caso de responsabilidade por ato ilícito, os juros correm a partir do momento em que foi praticado (art. 398) (Súmula 54 do STJ), sendo calculados sobre a quantia apurada judicialmente, por entender que a falta de indenização importa em mora do devedor (art. 398). Na desapropriação indireta, a jurisprudência do Supremo Tri-
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V. nota 6.
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bunal Federal entendia que os juros compensatórios eram devidos a partir da perícia, considerando-se o valor atual nela atribuído ao imóvel (Súmula 345 do STF). Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu a matéria, que foi objeto das Súmulas 69 e 70, a primeira tratando dos juros compensatórios e a segunda dos juros moratórios, nos seguintes termos: Súmula 69: “Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel”; e Súmula 70: “Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença”. Nas obrigações ilíquidas, embora certas, contam-se os juros desde a citação inicial. A legislação e a jurisprudência têm itido a possibilidade de acumular os juros com a correção monetária. Nesse sentido é o disposto no art. 404 do CC, ao estabelecer que as perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro devem ser pagas com atualização monetária, abrangendo juros, custas e honorários de advogados. Acrescenta-se, ainda, que, se os juros de mora não cobrirem os prejuízos e não havendo pena convencional, a lei a a dar poderes para o juiz conceder ao credor indenização suplementar (parágrafo único do art. 404). Os tribunais reconhecem a licitude das comissões bancárias sobre empréstimos cobrados simultaneamente com os juros dentro dos limites eventualmente fixados pelo Banco Central, que também pode manter a liberdade contratual das partes11. Alguns problemas processuais surgiram com referência à possibilidade de conceder ao credor juros não pedidos na inicial, tendo o Código de Processo Civil dirimido tal dúvida, no seu art. 293, com o seguinte teor: “Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais”. Se, todavia, a sentença for omissa quanto aos juros, o interessado deve entrar com embargos de declaração a fim de obter uma
11 Ver ainda, a respeito, Arnoldo Wald, Do regime jurídico dos encargos monetários no sistema financeiro, Revista de Informação Legislativa, n. 93, p. 295 e s.
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complementação da decisão, sob pena de não serem incluídos os juros no cálculo final do débito (Súmula 254). A issibilidade de juros convencionais e moratórios nos títulos de crédito suscitou divergências doutrinárias e jurisprudenciais. Proibindo o art. 44, I, da Lei n. 2.004, de 31-12-1908 — sobre letra de câmbio e notas promissórias —, a cláusula de juro, entendeu-se que devia ser considerada como não escrita a cláusula de juros compensatórios, permitindo todavia alguns acórdãos e parte da doutrina a inclusão de cláusula referente aos juros moratórios, que é encontradiça nas promissórias de determinados bancos. Aliás, a própria lei cambial ite a cobrança de juros moratórios na hipótese de ressaque (art. 38, I, da lei citada), correndo eles a partir do dia do vencimento do título. O art. 591 do CC permite expressamente a capitalização anual dos juros. Assim, esse Código confirmou o especificado na Súmula 121, que veda a capitalização de juros em período inferior ao anual, ainda que convencionado. Ademais, há outras hipóteses no nosso sistema jurídico nas quais já é permitida a capitalização dos juros: a) Súmula 93 do STJ. Permissão da capitalização nas Cédulas de Crédito Rural, Comercial e Industrial; b) Decreto-Lei n. 167/67, art. 5.º (Cédula de Crédito Rural); c) Decreto-lei n. 413/69, art. 11, § 2.º (Cédula de Crédito Industrial); d) Lei n. 6.313/75, art. 3.º (Crédito à Exportação), e e) Lei n. 6.840/80, art. 5.º (Cédula de Crédito Comercial e Produto Rural). SÍNTESE 8 — DA INEXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES 1. Da inexecução das obri- A obrigação extingue-se pelos meios diretos gações. Responsabilidade ou indiretos de pagamento, por decadência e por impossibilidade absoluta superveniencontratual te. O não cumprimento da obrigação, quando injustificado, importa em lesão de direito, determinando o ressarcimento do dano causado pelo inadimplente. O não cumprimento da obrigação na forma, modo
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e tempo estabelecido pela lei, ou pelo contrato, pode, conforme o caso, apresentar-se sob a forma de simples atraso (mora) ou de inadimplemento parcial ou total. Em regra, o inadimplemento culposo ou doloso é fonte de responsabilidade, enquanto a inexecução justificada por força maior ou caso fortuito implica a extinção da obrigação, sem dever de ressarcir as eventuais perdas e danos. 1.1. Responsabilidade civil Conceitua-se como sendo a obrigação que incumbe a alguém de ressarcir o dano causado a outrem, em virtude da inexecução de um dever jurídico de natureza legal ou contratual que o agente devia conhecer e observar. 2. Caso fortuito e força maior
Salvo convenção em contrário ou determinação específica da lei, o devedor não responde pelos prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior (art. 393). O caso fortuito e a força maior necessitam, para a sua prova, de dois elementos: um objetivo (a inevitabilidade do evento) e outro subjetivo (a ausência de culpa).
2.1. Casos de culpa presu- Há determinados casos, no direito brasileiro, em que, sendo presumida a culpa, a sua mida ausência não exonera de responsabilidade, salvo se for feita a prova da ocorrência do caso fortuito ou força maior. 2.2. Responsabilidade obje- A lei ite a responsabilidade independentemente da ocorrência de culpa. Tal respontiva sabilidade pode decorrer de lei em virtude de convenção das partes e pela natureza da atividade (art. 927, parágrafo único). 3. Perdas e danos
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Conceitua-se como valor do prejuízo sofrido e do lucro cessante, em virtude da inexecução da obrigação.
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As perdas e danos abrangem o que efetivamente foi perdido pela parte lesada (dano emergente) e o que ela deixou de ganhar (lucro cessante). O dano deve ser real e efetivo. 4. Dano patrimonial e moral. O direito moderno ampliou a proteção civil a fim de mandar indenizar não apeConstituição de 1988 nas as lesões de caráter material, mas também as violações de direitos da personalidade. O Código Civil, em seu art. 186, expressamente estabelece a obrigação de indenizar os danos causados a outrem, “ainda que exclusivamente moral”. A finalidade da indenização do dano moral já é hoje encarada não apenas como uma compensação da vítima, mas também como uma pena privada. 5. Juros
Legislação: arts. 406 e 407 do CC; Decreto n. 22.626/33 (Lei de Usura) e Decreto-Lei n. 182/38; Lei n. 1.521/51, art. 26 (Lei sobre Crimes contra a Economia Popular); Lei n. 11.101/2005 (Lei Falimentar); Lei n. 4.595/64; Constituição de 1988, art. 192, § 3.º; Medida Provisória n. 2.172/2001; e Emenda Constitucional n. 40/2003.
5.1. História
Os juros surgiram entre os povos da Antiguidade como compensação pelo uso do capital alheio. O Estado Moderno afirmou, todavia, sua intervenção ampla, tanto no plano econômico como no campo social, só itindo a cobrança de juros até determinado limite e combatendo a agiotagem e a usura, considerando-as até como figuras típicas de direito penal.
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5.2. Conceito
Rendimento do capital, preço do seu uso, preço locativo ou aluguel do dinheiro, prêmio pelo risco corrido decorrente do empréstimo. Trata-se de um fruto civil, considerado o juro como coisa ória em relação ao capital.
5.3. Espécies
Classificamos os juros em convencionais, legais, compensatórios e moratórios. Os juros podem ser também devidos no empréstimo de coisas fungíveis (mútuo feneratício), constituindo certa percentagem do capital mutuado, diferindo-se do mútuo gratuito.
5.4. Evolução legislativa
A Constituição vigente limitava no seu art. 192 os juros reais a 12% ao ano, que deveriam ser regulamentados por lei complementar. A Emenda Constitucional n. 40/2003 deu nova redação a esse artigo e o assunto ou a ser de natureza infraconstitucional. Ocorrendo a mora de uma das partes, estará ela sujeita ao pagamento dos juros moratórios do art. 406 do CC, se outra sanção não for prevista. Além disso, o art 591 do CC, ao permitir expressamente a capitalização anual, revoga a Lei de Usura (Dec. n. 22.626/33). O legislador não fixou o percentual da taxa de juros no Código Civil de 2002, e as operações que não forem bancárias vinculam-se ao índice utilizado para a mora dos tributos, que funciona como máximo legal. Em relação às instituições financeiras, cabe ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central a fixação dos limites dos juros (Lei n. 4.595/64 e Súmula 596 do STF).
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Sobre os tributos devidos à Fazenda Nacional incide a taxa SELIC (Lei n. 9.065/95). O Código de 2002 confirmou o especificado na Súmula 121, que veda a capitalização de juros em período inferior ao anual, ainda que pactuado pelas partes.
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Capítulo 9 GARANTIAS DO CRÉDITO Sumário: 1. Tutela do crédito: medidas preventivas, conservatórias e meios de execução. 2. Cláusula penal. 2.1. Distinções. 2.2. Espécies: moratória e compensatória (art. 409). 2.3. Efeitos e limites. 2.4. Casos especiais. 3. Direito de retenção. 4. Arras ou sinal (arts. 417 e s.). 5. Privilégios. 6. Revogação dos atos praticados em fraude contra credores. 6.1. Caso especial de proteção do crédito.
1. Tutela do crédito: medidas preventivas, conservatórias e meios de execução Embora o problema da proteção judicial do credor seja de natureza judiciária e assim do âmbito do direito processual, cabe ao civilista examinar o esquema geral das medidas acautelatórias que o direito oferece na hipótese de inadimplemento do devedor ou desfalque do seu patrimônio. As garantias podem ser agrupadas, conforme a finalidade visada, em medidas que reforçam o vínculo obrigacional, medidas simplesmente conservatórias e medidas de execução. Em virtude das primeiras, o devedor concede ao credor, no momento da convenção, um reforço de garantia, voluntariamente ou de acordo com as determinações legais, permitindo assim que a execução futura e eventual venha a recair sobre determinados bens específicos ou sobre o patrimônio de outra pessoa, que se torna corresponsável pelo débito, ou itindo desde logo multa contratual no caso de inadimplemento (cláusula penal). As medidas de garantia podem,
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pois, ser pessoais (fiança, aval) ou reais (hipoteca, anticrese, penhor). As medidas conservatórias visam evitar o desaparecimento ou o desvio de certos bens encontrados no patrimônio do devedor e são reguladas pelo Código de Processo Civil, como medidas preparatórias, pois se destinam a garantir a possibilidade futura de execução da condenação numa ação principal. São medidas conservatórias o sequestro da coisa litigiosa, o arresto dos bens do devedor, a busca e apreensão da coisa vendida com reserva de domínio, ocorrendo a rescisão pelo inadimplemento do comprador etc. As medidas pelas quais a lei garante a execução da sentença e a satisfação do credor podem apresentar-se sob a forma iva (direito de retenção, exceptio non adimpleti contractus — exceção de contrato não cumprido, hoje regulado pelo art. 476 do CC) e sob a forma ativa (falência, concurso de credores, anulação dos atos praticados em fraude contra credores pela ação pauliana). As medidas ivas são as meramente defensivas, que autorizam o credor a não devolver certo bem (retenção) ou a deixar de cumprir determinada prestação (exceptio non adimpleti contractus) enquanto o devedor não pagar o débito. As ativas são aquelas pelas quais o credor investe contra o patrimônio do devedor, por intermédio do Estado, provocando a venda em leilão dos bens do réu para a sua satisfação, surgindo a dificuldade quando os bens existentes não bastam para o pagamento do crédito, obrigando então o juiz a estabelecer um critério para o rateio entre os diversos credores, decretando a falência quando o devedor é empresário ou instaurando o concurso de credores quando não empresário, e ensejando a anulação das alienações anteriores do devedor feitas fraudulentamente, recorrendo-se para esse fim à ação pauliana.
2. Cláusula penal A cláusula penal é um pacto ório, regulamentado pela lei civil (arts. 408 a 416), pelo qual as partes, por convenção expressa, submetem o devedor que descumprir a obrigação a uma pena ou multa no caso de mora (cláusula penal moratória) ou de inadimplemento (cláusula penal compensatória).
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Embora mais comum nos contratos, a cláusula penal também pode ser introduzida nos tratos unilaterais (testamentos, v. g.), o que importa numa prefixação convencional das perdas e danos e evita, assim, a sua liquidação judicial, que muitas vezes implica demora, exigindo a prova pelo lesado dos prejuízos por ele sofridos. A cláusula penal apresenta-se geralmente sob a forma de pagamento de determinada quantia em dinheiro, itindo-se todavia a cláusula cujo conteúdo seja a prática de ato ou mesmo uma abstenção por parte do inadimplente (v. g., enquanto não entregar a mercadoria não poderá ausentar-se do País; se não construir a casa dentro do prazo convencionado o empreiteiro deverá fazer mais um quarto). A multa é convencionada no momento da realização do ato jurídico ou posteriormente, revertendo em favor da parte inocente ou de terceiro (v. g., obra beneficente). O valor da multa deve ser determinável, recorrendo-se eventualmente a vários fatores para a fixação definitiva do seu montante (v. g., a multa será de 10% dos prejuízos verificados em virtude da infração contratual). 2.1. Distinções A cláusula penal constitui medida coercitiva ou intimidativa, funcionando também como prefixação dos prejuízos independentemente da prova que deles for apresentada. Distingue-se assim a cláusula penal das perdas e danos, pois a primeira é prefixada, presumida juris et de jure, excluindo prova em contrário (art. 416), enquanto as perdas e danos devem ser provadas. A cláusula também não se confunde com as arras ou sinal. Este é pago antecipadamente, enquanto a multa contratual só se torna exigível na hipótese de inadimplemento ou de mora. É, todavia, lícito afirmar que as arras penitenciais funcionam como verdadeira cláusula penal paga por antecipação. Algumas vezes, os prejuízos decorrentes do inadimplemento ou da infração contratual são superiores ao montante estabelecido pela cláusula penal. Para essa hipótese, o Código Civil, em seu art. 416, parágrafo único, estabeleceu que, salvo estipulação em contrário, se o prejuízo decorrente do inadimplemento ou da mora exceder o mon-
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tante da cláusula penal, o credor não poderá exigir a indenização suplementar. Nesse caso, a pena constitui um limite máximo ou teto para a indenização. Por outro lado, se prevista a possibilidade de o credor optar pela solução que lhe for mais favorável — cláusula penal ou apuração das perdas e danos —, a pena vale como um mínimo indenizável, competindo ao credor demonstrar o prejuízo que supera o previamente estipulado (art. 416, parágrafo único, parte final). 2.2. Espécies: moratória e compensatória (art. 409) A cláusula penal é moratória quando se aplica em virtude de mora do devedor e sem prejuízo da exigência da prestação principal. Por exemplo, num contrato de locação, existe cláusula penal determinando que o locatário, atrasado no pagamento dos aluguéis, seja obrigado a pagar, além do débito, a título de multa, 10% sobre ele. Outras vezes, a cláusula penal se aplica no caso de infração do contrato, podendo então substituir-se às perdas e danos, funcionando como verdadeira cláusula compensatória, ou acrescer-se a elas, como complemento pela infração contratual. No silêncio do contrato, entende-se que no caso de inadimplemento, e não de mora, a cláusula penal é compensatória e não representa um acréscimo às perdas e danos. Assim, num contrato de locação por tempo determinado, o locatário abandona o prédio antes do termo fixado e existe no contrato uma multa na hipótese de infração contratual. O locatário pode pagar a multa, não devendo mais nada (art. 4.º da Lei n. 8.245/91). 2.3. Efeitos e limites Em certas hipóteses, a existência de cláusula penal faz suscitar dúvida quanto à possibilidade de considerar o contrato rescindido em virtude de infração contratual. Discute-se, assim, se o credor pode optar pela cláusula resolutiva tácita quando o contrato impõe, para determinada infração, multa convencionalmente fixada. O Código Civil tem dois artigos que impõem limites para a estipulação da cláusula penal. O primeiro é o art. 412, que, seguindo o diploma anterior (art. 920), veda ter a cláusula penal valor superior
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ao da obrigação principal. Por outro lado, o legislador atribui ao juiz o dever de reduzir a cláusula equitativamente, quando a obrigação tiver sido parcialmente cumprida ou na hipótese de a penalidade ser manifestamente excessiva, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio (art. 413). Ressalta-se ainda que a Lei de Usura (Dec. n. 22.626/33), que foi revogada pelo atual Código Civil, fixava um limite máximo de 10% para a cláusula penal nos contratos, reputando a multa estabelecida para atender a despesas judiciais e honorários de advogado, não podendo ser cobrada sem que tenha havido procedimento judicial (arts. 8.º e 9.º dessa lei). A cláusula penal moratória torna-se exigível a partir da mora do devedor, ocorrendo, ex re, pelo simples decurso do prazo, havendo data marcada para a realização da prestação, ou ex persona, dependente de intimação do devedor, na forma estabelecida pelo direito comercial e mesmo no direito civil, na hipótese de inexistir data ou prazo para a realização da prestação devida. 2.4. Casos especiais É entendimento da jurisprudência majoritária que a cobrança de cláusula penal não exclui a de honorários de advogado1. O Código Civil deixa claro que, resolvida a obrigação principal sem culpa, não há como cobrar a cláusula penal, que pressupõe mora ou inadimplemento culposo (art. 408). A nulidade da obrigação principal importa, outrossim, em nulidade de cláusula penal. Quando a obrigação é indivisível, só havendo culpa de um dos devedores, a pena pode ser exigida integralmente deste ou ser cobrada de todos de acordo com as respectivas quotas, resguardada a ação regressiva que os não culpados terão contra o culpado (art. 414). Se a obrigação for divisível, cada um responderá pela sua parte, cabendo o pagamento da multa proporcionalmente à sua obrigação, se estiver em mora (art. 415).
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RTJ, 70/567, e Súmula 616 do STF.
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3. Direito de retenção O direito de retenção assegura ao credor, que possui determinado bem do devedor, a possibilidade legal de retê-lo até o pagamento do débito, nos casos previstos por lei ou pela convenção entre as partes. As origens do direito de retenção remontam à exceptio doli do direito pretoriano, em que se concedia ao credor uma proteção baseada na equidade e na boa-fé, em casos especiais, em que não o favorecia o direito estrito. As Ordenações Filipinas (Livro IV, Título 54, § 1.º) mantiveram o caráter excepcional do direito de retenção, garantindo-o tão somente àqueles que tivessem a qualidade de depositário ou de mandatário em relação aos créditos devidos em virtude de mandato ou de depósito. O Código Comercial brasileiro de 1850 não firmava o princípio geral, mas, em artigos esparsos, garantia a retenção pelo dono do armazém-geral das mercadorias depositadas (art. 96), permitindo ao comissário que retivesse os bens do comitente etc. (v. arts. 156, 116, 216, 632 e 189 do CCom). O Código Civil estruturou uma norma geral que encontramos no art. 1.219, de acordo com a qual todo possuidor de boa-fé pode reter a coisa até o pagamento da indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, aplicando-se princípio idêntico nas obrigações de restituir coisa certa (art. 242 do CC). A ideia básica é, pois, evitar o enriquecimento sem causa e conceder uma garantia ao credor em relação ao objeto no qual investiu o seu dinheiro. Ao lado da norma genérica, conhece o nosso direito casos específicos contemplados pelo Código Civil e pelas leis especiais em que se consagra o direito de retenção. Assim, o credor pignoratício retém a coisa até o pagamento das despesas feitas com o objeto empenhado (art. 1.433, II), o depositário retém o objeto depositado até o pagamento do valor líquido das despesas ou dos prejuízos que teve (arts. 644 e 708), o mandatário retém o objeto do mandato até o reembolso das despesas (art. 681), cabendo direito igual ao côn-
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juge que possuir bens particulares do outro (art. 1.652), ao locatário em relação ao valor das benfeitorias realizadas com o consentimento do locador (art. 578), e enquanto não for ressarcido das perdas e danos resultantes do término do contrato antes do prazo (art. 571, parágrafo único). A nova Lei Falimentar (Lei n. 11.101/2005), no seu art. 83, IV, c, consagra, em termos gerais, o direito de retenção, afirmando que têm privilégio especial “aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; (...)”. Vemos, assim, que são elementos básicos para o exercício do direito de retenção a posse pelo credor de um bem do devedor e a existência de um débito ainda não pago, devendo ocorrer conexão entre o débito e a posse do objeto. A jurisprudência, mesmo no campo civil, tem construído, ainda baseada no art. 516 do Código de 1916, que ou a ser o art. 1.219 do Código de 2002, uma estrutura nova do direito de retenção, itindo-o no caso do arrendatário de imóveis rurais, do comprador evicto que construiu no imóvel do qual era possuidor de boa-fé, e consagrando ainda, por extensão, a retenção por honorários devidos no mandato, a dos fabricantes, mecânicos ou artistas até o pagamento do trabalho por eles realizado na fabricação ou no conserto e até a retenção do empreiteiro quando fornece mão de obra e material e não recebe o pagamento. A retenção pode decorrer das disposições legais ou de cláusulas contratuais. Quanto à sua natureza jurídica, entendem alguns que se trata de direito real, por valer erga omnes, enquanto outros preferem dar-lhe natureza pessoal2. Torna-se necessário distinguir o direito de retenção de certas outras medidas com as quais tem afinidade, como o penhor legal ou convencional, o privilégio, a compensação e a exceção de não cumprimento de prestação do outro contratante.
2 Sobre o problema da natureza jurídica, v. Arnoldo Medeiros da Fonseca, Direito de retenção, 3. ed., 1957, p. 249 e 274.
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O que caracteriza o direito de retenção é o seu aspecto ório e ivo, garantindo um direito de crédito não mediante uma ação que possa ser praticada pelo credor, mas por uma defesa ou exceção que ele pode opor ao devedor, recusando-se a devolver um bem que a este pertence. No caso do penhor convencional ou legal, há uma garantia pignoratícia dada desde o momento em que o débito surge, enquanto no direito de retenção é preciso que o devedor não tenha pago débito já vencido, seja pelo decurso do prazo, seja pela antecipação de sua exigibilidade em virtude da decretação da falência ou pela ocorrência de um outro motivo para tanto previsto pelo Código Civil. Por outro lado, o penhor apresenta um indiscutível aspecto ativo, permitindo que o credor execute o débito, pedindo a alienação pelo Estado do bem empenhado, enquanto o direito de retenção tem apenas um aspecto ivo, sendo, pois, institutos de finalidades análogas, mas de densidade diferente, podendo a lei e as partes, conforme cada caso concreto, dar uma garantia maior ou menor ao credor, seja mediante um direito de penhor ou um direito de retenção. O privilégio, por sua vez, não exige detenção prévia e se exerce não sobre a coisa em si, mas sobre o seu valor venal, o mesmo ocorrendo com a hipoteca em virtude da qual o bem dado em garantia continua nas mãos do devedor. A compensação só ocorre quando há débitos líquidos, fungíveis, da mesma espécie e vencidos, exigindo-se, assim, não apenas um débito, mas a correlação entre dois débitos, funcionando ambas as partes, ao mesmo tempo, como credoras e devedoras. Finalmente, não se confunde o direito de retenção com a exceção do contrato não cumprido3, embora o princípio que rege ambos os institutos seja o mesmo e se possa explicar o direito de retenção como aplicação de exceptio non adimpleti no caso de possuir uma das partes bem pertencente à outra. Não há, todavia, identificação entre os dois institutos, pois pode ocorrer a exceção, sem que um dos contratantes possua bem alheio, não sendo, pois, o caso de direito de retenção.
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V., adiante, Capítulo 13, n. 2.
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4. Arras ou sinal (arts. 417 e s.) As arras constituem quantia ou coisa móvel dada por uma das partes à outra, em garantia da conclusão de um contrato. As arras (ou sinal) surgiram no direito romano como ato pelo qual as partes demonstravam a sua intenção firme e inabalável de cumprir o contrato, entregando uma parte à outra um anel e, posteriormente, certa quantia em dinheiro. Tinham as arras inicialmente função confirmatória, constituindo verdadeira prova da existência do contrato. Posteriormente, aram a funcionar como fixação de um quantum em virtude do qual a parte inadimplente podia desistir de executar a sua prestação. Assim sendo, o contrato com arras tornou-se fonte de uma obrigação alternativa: cumprimento da prestação principal ou perda do valor das arras. A escolha entre as duas prestações que, inicialmente, cabia ao credor tornou-se, em seguida, apanágio do devedor, permitindo-se a este que não cumprisse a prestação principal, desde que devolvesse as arras em dobro, se as recebeu, ou as perdesse, se foi quem as deu. Essa orientação aceita pelo Código Napoleão foi a do nosso direito anterior ao Código Civil, que, salvo estipulação em contrário, transformou a obrigação com arras em obrigação alternativa, com escolha de prestação pelo devedor. Vemos, pois, que, através da história, as arras exerceram funções diferentes, constituindo ora uma simples prova do contrato, ora um início de pagamento da quantia contratualmente fixada e ainda uma avaliação à forfait, ou seja, prefixada, das perdas e danos, na hipótese de inadimplemento. As legislações deram maior ou menor importância aos dois aspectos das arras, distinguindo-se as arras confirmatórias, probatórias da realização do negócio e valendo como início de pagamento, das penitenciais, pagamento inicial de uma quantia cujo abandono autoriza a parte pagadora a não prosseguir no contrato. O nosso Código Civil de 1916, inspirando-se no Código Civil alemão, rompeu com a tradição que presumia o caráter penitencial das arras, considerando-as ao contrário como confirmatórias, salvo estipulação em contrário. Em geral, o simples fato de terem sido dadas arras não tornava revogável o negócio nem autorizava o arrependimento das partes, salvo se houvesse cláusula expressa nesse
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sentido. O Código de 2002, todavia, não faz mais menção a essa presunção do sinal como a realização do acordo final, tornando obrigatório o contrato. A nova disciplina apenas trata da possível retenção ou devolução do sinal na hipótese de não ocorrer o negócio. As arras podem ser em dinheiro ou em outros bens fungíveis. Se houver a execução do contrato, o sinal poderá ser restituído ou computado como parte do pagamento do devido (art. 417 do CC). O Código Civil de 1916, em seu art. 1.096, referia-se à devolução das arras no momento da conclusão do contrato. Assim também faz o Código de 2002, em seu art. 417. A melhor interpretação é no sentido de conceituar a “conclusão do contrato” como simples acordo de vontades e não propriamente como concretização ou execução do contrato, pois, caso contrário, as arras seriam devolvidas no mesmo momento em que fossem dadas. Nos termos do art. 420 do Código Civil, se as partes convencionam a possibilidade de arrependimento, as arras são consideradas penitenciais e terão função unicamente indenizatórias. Nessa hipótese, não haverá a restituição do sinal para aquele que o deu ou, se o arrependimento for da outra parte, haverá restituição do equivalente ao valor dado como arras. O legislador determinou, ainda, que não poderá ser exigida indenização suplementar. Ressalta-se que, se as arras não constituem início do pagamento, devem ser devolvidas quando o contrato é executado ou desfeito independentemente de culpa. As arras se distinguem da cláusula penal pois, nesta, há promessa de pagamento, enquanto naquela o pagamento é feito desde logo, no momento da celebração do contrato, independentemente de qualquer infração. Funcionando ambos os institutos como limitações da indenização na hipótese de inadimplemento, nas arras penitenciais o pagamento é prévio, por antecipação mediante entrega real da quantia, enquanto na cláusula penal a parte inadimplente se compromete condicionalmente (na hipótese de inadimplemento ou de mora) a pagar certa quantia previamente fixada. As arras também não se confundem com as obrigações alternativas, embora a estrutura de ambas seja semelhante. Nas últimas, existem duas prestações principais, enquanto nas arras penitenciais
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uma prestação é a principal e a outra é ória; nas confirmatórias as arras constituem o início do pagamento da prestação principal. Sendo as arras penitenciais, sob a égide do Código de 1916, era possível cobrar simultaneamente perdas e danos, desde que as partes explicitamente assim tivessem convencionado4. O legislador do Código de 2002 estabeleceu consequências diversas para duas hipóteses: a) quando há cláusula de arrependimento; e b) quando a inexecução se dá em virtude do comportamento de uma das partes e o contrato não dispõe sobre a possibilidade de arrepender-se. Quando for estipulado o direito de arrependimento, as arras terão função indenizatória e não haverá direito à indenização suplementar (art. 420). Já o art. 418 desse Código disciplina a questão quando há inexecução do contrato. Se a não execução se der por vontade ou culpa de quem as deu, a outra parte poderá retê-las; se a não realização do contrato for imputável à parte que recebeu as arras, o outro contratante poderá entender o contrato como desfeito e exigir a devolução do equivalente devidamente corrigido, mais juros e honorários de advogado. Nesse caso, a parte inocente tem direito a pleitear indenização suplementar ou a execução do contrato, com pagamento das perdas e danos. Assim, as arras tornam-se um valor mínimo a receber, pois há o dever de pagar diferença com relação ao dano a maior que for demonstrado. Ocorre a dissolução simples do negócio, com a devolução das arras a quem as deu sem nenhuma espécie de penalidade, quando o distrato decorre de acordo entre as partes, de caso fortuito ou força maior, de condição resolutória ou de culpa de ambas as partes, havendo compensação das culpas. Embora geralmente entregues no momento da conclusão do contrato, as arras também podem ser pagas antes, sendo então denominadas arras assecuratórias, pois asseguram a realização do negócio.
4 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que, havendo cláusula de arrependimento, as arras presumem-se penitenciais (Súmula 412).
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5. Privilégios Com esse título o Código Civil disciplina os casos em que diversos credores disputam o crédito contra um devedor tornado insolvente. A preferência significa a vantagem de alguns credores de receber antes de outros, e tal vantagem decorre dos privilégios e direitos reais (art. 958). A insolvência leva ao exame da situação do devedor em relação aos seus diversos credores, problema que é simultaneamente da alçada do direito civil (arts. 955 a 965), do direito empresarial (Lei Falimentar — Lei n. 11.101/2005) e do direito judiciário civil (arts. 748 e s. do C). Na realidade, a insolvência apresenta-se sob formas diferentes no direito civil e no direito empresarial. A insolvência civil — do não empresário —resolve-se pelo concurso de credores, em que a totalidade dos bens do devedor é penhorada e vendida em leilão para satisfação plena ou parcial dos credores, não se extinguindo pelo concurso e pelo pagamento parcial a existência do saldo remanescente do débito5. O Código Civil, no entanto, deixou de se reportar ao concurso de credores, chamando a hipótese apenas de insolvência. Já a insolvência no direito empresário é regulada pela Lei n. 11.101/2005, que revogou a antiga Lei de Falências, o Decreto-Lei n. 7.661/45. A nova Lei Falimentar disciplina a recuperação judicial e extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. A tese genérica em matéria de situação dos credores é a da igualdade, que deve ocorrer não entre todos os credores, mas entre os pertencentes à mesma classe, levando assim o juiz ao exame dos chamados “títulos legais de preferência”, que são os privilégios e os direitos reais. Nesta matéria, o atual Código segue quase que completamente a disciplina já adotada no Código de 1916, abandonando, entretanto, a denominação “Do concurso de credores” para chamar “Das preferências e privilégios creditórios”.
5
Art. 774 do Código de Processo Civil.
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Numa síntese, podemos afirmar, em tese, que, na sistemática do atual Código Civil: a) o crédito real (penhor, hipoteca, anticrese) prefere ao crédito pessoal (dívida contratual etc.), salvo em relação à remuneração devida ao trabalhador rural; b) o crédito privilegiado especial prefere ao crédito privilegiado geral; c) o crédito privilegiado prefere ao crédito simples (art. 961). Privilégio especial é o que recai sobre determinado bem específico; privilégio geral é o que recai sobre todos os bens do devedor. Constituem privilégios especiais os mencionados no art. 964 e os têm os credores de despesas e custas judiciais, de despesas de beneficiamento da coisa, de despesas de materiais, ou serviços, referentes a reconstrução ou edificação. Gozam de privilégio geral os créditos mencionados no art. 965, ou seja, os decorrentes de despesa com funeral e com luto, as custas judiciais com a arrecadação ou liquidação da massa, os créditos da Fazenda etc. Cada série prefere à outra; havendo débitos da mesma série sem possibilidade de pagamento total, entre os diversos créditos haverá rateio. Havendo, ao contrário, débitos de séries diferentes, só se paga o crédito da série posterior após o pagamento integral dos créditos da série anterior. O crédito quirografário é o crédito pessoal não privilegiado (do latim chirographus = escrito a mão e do grego cheir, cheiros = mão + grafos = escrever). Entre os encargos da massa, a sua posição também evoluiu no sentido de preferir os demais encargos, respeitada tão somente a prioridade do credor trabalhista (Lei n. 4.829, de 18-11-1965). Posteriormente, o Código Tributário Nacional modificou a situação do crédito fiscal, esclarecendo que “a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento” (art. 187, caput, da Lei n. 5.172, de 25-10-1966) e que “são encargos da massa falida, pagáveis preferencialmente a quaisquer outros e às dívidas da massa,
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os créditos tributários vencidos e vincendos, exigíveis no decurso do processo de falência” (art. 188 do CTN). Após a promulgação do Código Tributário, em 1966, a posição dos credores ou a ser a seguinte: a) credores trabalhistas; b) credores tributários; c) demais encargos da massa; d) credores com garantias reais e privilégios especiais e gerais; e) credores quirografários. O Decreto-Lei n. 192, de 24-2-1967, reduziu as dimensões dadas ao privilégio dos credores trabalhistas, mantendo seus direitos quanto aos salários, mas limitando a preferência absoluta a 1/3 da indenização devida, mas a Lei n. 6.449, de 14-10-1977, que revogou o referido decreto-lei e deu nova redação ao art. 449, § 1.º, da Consolidação das Leis do Trabalho, estendeu o privilégio à totalidade da indenização. O Decreto-Lei n. 474, de 19-2-1969, ampliou o conceito de crédito fiscal, incluindo na dívida ativa os créditos das pessoas jurídicas de direito público ou de suas agências financeiras decorrentes de contratos e operações de financiamento ou de sub-rogação de garantia, hipoteca, fiança ou aval. Prevalecia o critério do art. 2.º da Lei n. 3.726, de 11-2-1960, com as modificações posteriores, implicando a solução apresentada no § 3.º do art. 124 da antiga Lei de Falências (Dec.-Lei n. 7.661/45) pelo diploma legislativo acima citado, que tinha a seguinte redação: “Não bastando os bens da massa para o pagamento de todos os seus credores, serão pagos os encargos antes das dívidas, fazendo-se rateio, em cada classe, se necessário, sem prejuízo, porém, dos créditos de natureza trabalhista (e fiscais)”. Atualmente, a Lei Complementar n. 118/2005 alterou a redação dos arts. 187 e 188 do CTN. Sendo assim, de acordo com a sua nova redação, o art. 187, caput, diz que “A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento”, e o art. 188 ou a estabelecer que “São extraconcursais os créditos
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tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso do processo de falência”. Ressalta-se que os arts. 83 e 84 da atual Lei Falimentar (Lei n. 11.101/2005) estabelece nova classificação dos créditos na falência. Além disso, o § 3.º do art. 124 do Decreto-Lei n. 7.661/45 (revogado) foi substituído pelo art. 150 da nova Lei de Falências, que diz: “As despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à istração da falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades previstas no inciso XI do caput do art. 99 desta lei, serão pagas pelo judicial com os recursos disponíveis no caixa”. Destaca-se que as sociedades não empresárias não estão sujeitas ao regime da nova Lei de Falências.
6. Revogação dos atos praticados em fraude contra credores Na hipótese de insolvência, muitas vezes os credores são obrigados a anular atos praticados pelo devedor, os quais visam desfalcar o seu patrimônio e frustrar o pagamento devido. A ação própria para obter tal revogação de atos fraudulentos é a ação pauliana, cujas origens remontam a um edito do Pretor Paulo encontrado no Digesto, também modernamente denominada ação revocatória6. Seguindo a sistemática do Código de 1916, a fraude contra credores é regulada no atual Código Civil no capítulo intitulado “Dos Defeitos do Negócio Jurídico” (Parte Geral, Livro III, Título I, Capítulo IV), o que fez com que alguns autores incluíssem a fraude contra credores entre os vícios da vontade, equiparando-a assim ao erro, ao dolo e à coação. Na realidade, a fraude contra credores é um defeito do negócio jurídico, conforme a técnica feliz do Código Civil, mas não constitui um vício da vontade. Não se pode alegar que quem fez uma liberalidade a um parente para evitar que seus credores encontrem bens no seu patrimônio tenha praticado um ato em que a sua vontade tives-
Ver adiante o capítulo sobre alteração, ineficácia e extinção dos contratos (Cap. 18). Os atos fraudulentos são ineficazes quanto aos credores (ou inoponíveis a eles).
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se sido viciada. Ao contrário, o ato praticado foi desejado, pensado e firmemente realizado, correspondendo à vontade do agente. Não há, pois, no caso, vício da vontade e apenas um ato defeituoso, não na constituição do acordo, mas na finalidade almejada pelo agente, sendo assim anulável em virtude do fim fraudulento visado pela parte. Nos arts. 158 e seguintes (correspondentes aos arts. 106 e seguintes do Código de 1916), o Código Civil considera anulável o negócio de transmissão gratuita feito por quem era insolvente ou por quem, em virtude da transmissão, insolvente se tornou, sendo também anuláveis os negócios de transmissão onerosa realizados quando a insolvência do alienante for objetivamente notória (títulos protestados, ações executivas ajuizadas) ou quando tal situação, por motivos especiais que deverão ser provados pelos credores, era do conhecimento do adquirente, havendo assim uma presunção de consilium fraudis ou de animus fraudandi7. Se o adquirente ainda não pagou o preço dos bens na hipótese referida e esse preço é o corrente na praça, exonera-se ele de qualquer responsabilidade e transforma o negócio de venda em negócio perfeitamente válido, depositando o valor que deve ao alienante insolvente e citando os interessados. O Código Civil acrescentou nova regra, especificando que, se o valor for inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real (art. 160, parágrafo único). A lei também considera como sendo fraudatório dos interesses dos demais credores o pagamento antecipado feito a um dos quirografários, ou a garantia que lhe foi dada em detrimento dos outros credores. A ação pauliana ou revocatória é intentada contra o terceiro adquirente a fim de que restitua a coisa, com seus órios e frutos, ao patrimônio do devedor alienante, para garantir o pagamento dos créditos existentes contra ele. São requisitos para a ação pauliana a anterioridade do crédito em relação à alienação feita pelo devedor, a insolvência e o consi-
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O conluio da fraude ou a intenção de fraudar.
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lium fraudis, real ou presumido, decorrente da natureza da operação (quando é gratuita) ou do conhecimento objetivo e geral ou subjetivo e particular da situação de insolvência do alienante que tinha ou devia ter o adquirente, sendo a aquisição a título oneroso; cabe ao autor da ação, que pode ser qualquer credor quirografário, provar a existência dos três elementos indispensáveis para a procedência do pedido. O benefício obtido com a anulação não é em favor do credor que intentou a ação, mas aumenta a massa dos bens do devedor com a qual os credores poderão obter o pagamento dos débitos existentes. 6.1. Caso especial de proteção do crédito Pelo art. 1.813 do CC “Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante”. No § 2.º diz o mesmo artigo: “Pagas as dívidas do renunciante, prevalece a renúncia quanto ao remanescente, que será devolvido aos demais herdeiros”. Além disso, o Código de 2002 estabeleceu nova regra com prazo para a manifestação dos credores: “A habilitação dos credores se fará no prazo de trinta dias seguintes ao conhecimento do fato” (art. 1.813, § 1.º). Embora tido como um caso especial de proteção ao crédito e até de fraude contra credores, não se exige que o herdeiro proceda com dolo: basta que a renúncia o mantenha insolvente, prejudicando os credores. Também não se exige a ação pauliana. Provado o prejuízo dos credores, estes exercem perante o juiz do inventário a faculdade de aceitar a herança renunciada, com o que se torna ineficaz a renúncia. Mas a ineficácia nem sempre é total: pagas as dívidas e havendo sobras, estas am aos outros herdeiros. A ineficácia limita-se ao direito dos credores, valendo e produzindo efeitos jurídicos para o excesso, caso haja. Tal faculdade, no caso específico do herdeiro insolvente, que prejudica os credores com a renúncia, não impede a ação pauliana, se já não for possível a aceitação prevista no artigo acima.
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SÍNTESE 9 — GARANTIAS DO CRÉDITO 1. Tutela do crédito: medidas preventivas, conservatórias e meios de execução
As garantias na hipótese de inadimplemento do devedor podem ser agrupadas, conforme a finalidade visada, em medidas que reforçam o vínculo obrigacional, medidas simplesmente conservatórias e medidas de execução. As medidas pelas preventivas são apresentadas pelo devedor ao credor no momento da convenção. As medidas conservatórias visam evitar o desaparecimento ou o desvio de certos bens encontrados no patrimônio do devedor. As medidas de execução são aquelas em que a lei garante a execução da sentença e a satisfação do credor e podem apresentar-se sob a forma iva e ativa.
2. Cláusula penal
Cláusula penal é um pacto ório, pelo qual as partes, por convenção expressa, submetem o devedor que descumprir a obrigação a uma pena ou multa no caso de mora (cláusula penal moratória) ou de inadimplemento (cláusula penal compensatória).
2.1. Distinções
A cláusula penal constitui medida coercitiva ou intimidativa. Distingue-se das perdas e danos, pois a primeira é prefixada, excluindo prova em contrário (art. 416 do CC), enquanto as perdas e danos devem ser provadas. Também não se confunde com as arras ou sinal. Este é pago antecipadamente, enquanto a multa contratual só se torna exigível na hipótese de inadimplemento ou de mora.
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2.2. Espécies: moratória e A cláusula penal é moratória quando se compensatória (art. 409) aplica em virtude de mora do devedor e sem prejuízo da exigência da prestação principal. A cláusula compensatória ocorre com o inadimplemento da obrigação, podendo substituir as perdas e danos. 2.3. Efeitos e limites
O art. 412 veda ter a cláusula penal valor superior ao da obrigação principal. O legislador atribui ao juiz o dever de reduzir a cláusula equitativamente, quando a obrigação tiver sido parcialmente cumprida ou na hipótese de a penalidade ser manifestamente excessiva (art. 413). A cláusula penal moratória torna-se exigível a partir da mora do devedor, ocorrendo, ex re, pelo simples decurso do prazo, havendo data marcada para a realização da prestação, ou ex persona, dependente de intimação do devedor, na hipótese de inexistir data ou prazo para a realização da prestação devida.
2.4. Casos especiais
Resolvida a obrigação principal sem culpa, não há como cobrar a cláusula penal que pressupõe mora ou inadimplemento culposo (art. 408). A nulidade da obrigação principal importa em nulidade da cláusula penal. Quando a obrigação é indivisível, só havendo culpa de um dos devedores, a pena poderá ser exigida integralmente deste ou ser cobrada de todos de acordo com as respectivas quotas (art. 414). Se a obrigação for divisível, cada um responderá pela sua parte, cabendo o pagamento da multa proporcionalmente à sua obrigação, se estiver em mora (art. 415).
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3. Direito de retenção
O direito de retenção assegura ao credor, que possui determinado bem do devedor, a possibilidade legal de retê-lo até o pagamento do débito, nos casos previstos por lei ou pela convenção entre as partes. A retenção pode decorrer das disposições legais ou de cláusulas contratuais. Distingue-se, o direito de retenção, de outras medidas com as quais tem afinidade, como o penhor legal ou convencional, o privilégio, a compensação e a exceção de não cumprimento de prestação do outro contratante. O que o caracteriza é o seu aspecto ório e ivo.
4. Arras ou sinal (arts. 417 e s.)
As arras constituem quantia ou coisa móvel dada por uma das partes à outra em garantia da conclusão de um contrato. Podem ser elas em dinheiro ou em outros bens fungíveis. Se houver a execução do contrato, o sinal poderá ser restituído ou computado como parte do pagamento do devido (art. 417, parte final). Se as partes convencionarem a possibilidade de arrependimento, as arras serão consideradas penitenciais e terão função unicamente indenizatória (art. 420). Embora geralmente entregues no momento da conclusão do contrato, as arras também podem ser pagas antes (arras assecuratórias).
5. Privilégios
A preferência significa a vantagem de alguns credores de receber antes de outros, e tal vantagem decorre dos privilégios e direitos reais (art. 958). Privilégio especial é o que recai sobre determinado bem específico; privilégio geral é o que recai sobre todos os bens do devedor.
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6. Revogação dos atos prati- A fraude contra credores é um defeito do cados em fraude contra negócio jurídico, mas não constitui vício da vontade. credores A ação pauliana ou revocatória é intentada contra o terceiro adquirente a fim de que restitua a coisa, com seus órios e frutos, ao patrimônio do devedor alienante, para garantir o pagamento dos créditos existentes contra ele. São requisitos para a ação pauliana: a anterioridade do crédito em relação à alienação feita pelo devedor, a insolvência e o consilium fraudis, real ou presumido. 6.1. Caso especial de prote- De acordo com o art. 1.813 do Código Civil, “Quando o herdeiro prejudicar os ção do crédito seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitála em nome do renunciante”. Provado o prejuízo dos credores, estes exercem perante o juiz do inventário a faculdade de aceitar a herança renunciada, com o que se torna ineficaz a renúncia (pagas as dívidas e havendo sobras, estas am aos outros herdeiros).
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Capítulo 10 TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES Sumário: 1. Cessão de crédito. 2. Classificação. 3. Bens intransmissíveis. 4. Formas e efeitos da cessão. 5. Responsabilidade do cedente. 6. Natureza jurídica da cessão de crédito e da assunção de dívida. 6.1. Assunção de dívida ou cessão de débito.
1. Cessão de crédito A cessão de crédito é o ato pelo qual um credor transmite seu crédito a outrem, abrindo mão de um direito seu, que se transfere ao novo credor gratuita ou onerosamente. A transmissão das obrigações pode apresentar-se sob a forma ativa (cessão de crédito) ou iva (assunção de dívida ou cessão de débito), entre pessoas vivas (inter vivos) ou em virtude de falecimento (mortis causa), podendo ser a título universal, quando abrange todos ou uma fração da totalidade dos bens do cedente (como ocorre em relação ao herdeiro), ou a título singular, quando só se refere a um crédito específico (v. g., um crédito contratual, que foi cedido). Ela só foi consagrada no direito em virtude de necessidades práticas. O direito romano primitivo considerava o vínculo obrigacional tão pessoal e ligado às pessoas do credor e do devedor que não itia a transmissão de obrigações a não ser mortis causa. A transmissão se realizou, inicialmente, mediante a representação em causa própria, pela qual o cedente dava ao cessionário um mandato para receber um crédito, sem necessidade de prestar contas deste, itindo-se posteriormente não a cessão do direito, mas a da ação própria
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para cobrar a dívida. A doutrina salienta que, até o Código Civil francês, a ideia de cessão de crédito estava contida na representação, revestindo a forma de um mandato sui generis, em causa própria. O Código Civil brasileiro dedicou o Título II — “Da Transmissão das Obrigações” — do Livro I — “Do Direito das Obrigações” à transmissão das obrigações, disciplinando no Capítulo I a cessão de crédito (arts. 286 a 298). No Capítulo II trouxe novas regras sobre a assunção de dívida que não encontram correspondência no Código de 1916 (arts. 299 a 303).
2. Classificação A transmissão das obrigações, além de ser ativa (cessão de crédito) ou iva (cessão de débito), gratuita (representando uma liberalidade), ou onerosa (feita mediante o pagamento de um preço), constituindo verdadeira compra e venda, a título universal ou singular, inter vivos ou mortis causa, ainda ite classificação quanto à sua forma e à responsabilidade do cedente pela boa ou má liquidação do crédito. No tocante à forma, a cessão de crédito é convencional, quando decorrente de acordo de vontades entre o cedente e o cessionário (v. g., cessão contratual de um crédito), legal, quando surge em virtude de lei (no caso de sub-rogação estabelecida pelo art. 346), e judicial, quando se apresenta como consequência necessária de uma sentença judicial, que pode ter sido homologatória de uma partilha (atribuindo a herdeiro ou legatário determinado crédito do falecido) ou adjudicatória ao autor de um crédito existente em favor do réu. A cessão é pro soluto quando o cedente, embora garantindo a existência do crédito, não se obriga pela sua boa ou má liquidação, correndo os riscos desta por conta do cessionário, que, em qualquer hipótese, nada mais terá a reclamar do cedente. E pro solvendo quando, na hipótese de não pagamento do crédito, o cessionário pode exigi-lo do cedente, que se torna assim corresponsável pelo débito, ao menos até o limite do que recebeu do cessionário. A natureza jurídica de cessão pro solvendo é objeto da análise de juristas, podendo ver-se nela uma espécie de mandato com
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direito do cessionário a compensar o crédito recebido com o débito que o cedente tem para com ele. Na hipótese de não pagamento pelo devedor, o cessionário exige o pagamento devido, obrigando o cedente a pagá-lo. No silêncio das partes, entende-se que o cedente não responde pela solvência do devedor (art. 296), e, mesmo que de modo expresso assuma tal responsabilidade, a lei determina que só deve devolver ao cessionário o que dele recebeu, acrescido de juros e custas ou despesas referentes à cobrança (art. 297). Para evitar dúvidas, é aconselhável que as partes mencionem sempre na cessão se há ou não responsabilidade do cedente pela solvência do devedor, ou seja, pela boa ou má liquidação do crédito.
3. Bens intransmissíveis Em tese, todos os créditos ou direitos obrigacionais são transmissíveis. Acontece, todavia, que, em relação a alguns deles, a própria natureza da obrigação, as determinações legais ou a convenção existente entre as partes excluem a transmissão. São intransmissíveis, por sua natureza, os direitos que não têm conteúdo exclusivamente patrimonial e por esse motivo não criam obrigações (v. g., o poder familiar) e as obrigações que existem intuitu personae (direito aos alimentos, que está na zona limítrofe entre o direito obrigacional e o de família). É a lei que proíbe, salvo convenção em contrário, a cessão de locação imobiliária (art. 13 da Lei n. 8.245/91) e a do mandato (art. 682, II, do CC). Também são intransmissíveis o direito de preferência (art. 520) e as obrigações infungíveis, ou seja, aquelas que devem ser prestadas pelo devedor e não podem ser delegadas a terceiros (art. 247). Nem aquele a quem os serviços são prestados pode transferir a outrem o direito aos serviços ajustados, nem o prestador de serviços, sem aprazimento de outra parte, dar substituto que os preste (art. 605). Discute-se na doutrina a possibilidade de tornar as obrigações indisponíveis em virtude de convenção. Assim, Carvalho de Mendonça considera que somente a natureza da obrigação ou a lei pode ser
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causa de intransmissibilidade, jamais a vontade das partes1. O problema deixou de ter maior interesse diante do texto explícito do art. 286 do CC, que se refere expressamente à possibilidade de exclusão pelo contrato de transmissibilidade das obrigações. Efetivamente, diz o referido artigo: “O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se op a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor (...)”. A redação do atual Código, tendo em vista a proteção da boa-fé, acrescenta ainda: “(...) a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”. Algumas vezes, as relações pessoais entre devedor e credor e a possibilidade de compensação de débitos entre ambos ou de apresentação de exceções pessoais só oponíveis ao credor originário levam as partes contratantes a afirmar, na própria convenção, a intransmissibilidade da obrigação sem prévio acordo do devedor, o que é perfeitamente lícito diante do texto do Código Civil, como também era na vigência do antigo Código, em especial com a redação do art. 286 já citado.
4. Formas e efeitos da cessão A cessão é consensual, dependendo tão somente do acordo de vontades entre cedente e cessionário, sem exigir para a sua validade entre as partes qualquer espécie de solenidade. Para ter eficácia perante terceiros, todavia, a cessão exige a de um instrumento público ou particular (arts. 221 e 288 do CC e 129, § 9.º, da Lei n. 6.015/73). Conforme a regra do Código Civil, no caso de a transmissão dar-se por instrumento particular, o ato deve revestir-se das formalidades exigidas para o mandato apostas no art. 654, § 1.º, isto é, o instrumento deve indicar o lugar, a qualificação das partes, a data e especificar o seu objeto. A cessão, como qualquer contrato, exige pessoas capazes (cedente e cessionário), consenso e objeto lícito. A capacidade deve ser 1 Carvalho de Mendonça, Doutrina e prática das obrigações, 4. ed. atual., 1956, t. 2, p. 103.
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ampla, abrangendo a de alienar e ultraando os poderes de simples istração, não podendo, assim, realizar cessão de direito sem autorização judicial expressa para tanto o curador no tocante a crédito do curatelado. Na cessão de crédito não se exige o consentimento do devedor, mas contra este somente a a ter eficácia depois de ter sido ele notificado (art. 290). Embora a notificação não seja indispensável para a realização da cessão, importa ela em impedir que o devedor venha a fazer o pagamento ao cedente. Após a notificação, se o devedor fizer o pagamento do débito ao cedente, terá pago mal, e assim pagará uma segunda vez ao cessionário, por ser evidente a sua má-fé. A notificação pode ser judicial ou extrajudicial, itindo-se que seja feita por carta endereçada ao devedor por intermédio do oficial do Registro de Títulos e Documentos. A declaração particular ou por instrumento público do devedor de que tem ciência da cessão dispensa a notificação (art. 290). Se houver várias cessões sucessivas feitas pelo mesmo cedente a diversos cessionários, entende-se que prevalece, quando o crédito é representado por título, aquela em que houve tradição do título representativo do crédito (art. 291 do CC). Se isso não ocorrer, não se tratando de título de crédito, as opiniões divergem, havendo autores que dão preferência a quem em primeiro lugar notificou o devedor. Tratando-se de dívida com garantia hipotecária, a lei garante o direito daquele que em primeiro lugar inscreveu a cessão no Registro de Imóveis (art. 289 do CC). Ademais, o art. 292 estabelece que, no caso de ter sido notificada mais de uma cessão, o devedor fica desobrigado quando “paga ao cessionário que lhe apresenta, com título de cessão, o da obrigação cedida”. Quando a cessão é legal ou judicial, independe da de instrumento público ou particular. Determinados direitos exigem para a sua transferência formas especiais. Assim, em relação ao crédito hipotecário, a sua cessão deve sempre ser por instrumento público, ressalvadas as exceções previstas pelo Plano Nacional de Habitação.
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A cessão do título ao portador, como o cheque de pequeno valor, realiza-se mediante simples tradição; a de títulos nominativos (cheque nominativo, nota promissória) exige o endosso, ou seja, a do cedente no verso do título, e, em certos casos, assim como o das ações nominativas, a de termo em livro próprio da sociedade anônima. A cessão de crédito abrange, salvo convenção em contrário, os seus órios e as suas garantias (art. 287). O devedor que, notificado da cessão, nenhuma oposição apresenta, não pode em seguida alegar compensação com o cedente com a finalidade de não pagar o cessionário. O devedor pode opor ao cessionário todas as exceções2 que lhe competirem. Pode, também, apresentar as exceções, em relação ao cedente, que tinha no momento em que veio a ter conhecimento da cessão (art. 294). O cessionário se substitui ao cedente em todos os seus direitos contra o devedor, e, nos termos do art. 293, independentemente de o devedor ter conhecimento da cessão, o cessionário pode exercer todos os atos conservatórios do direito cedido.
5. Responsabilidade do cedente Salvo convenção em contrário, em que as partes manifestem desde logo o conhecimento do caráter litigioso do crédito, o cedente é responsável perante o cessionário pela existência real do crédito, o que abrange não apenas o fato de haver crédito como também o de ser o cedente titular dele, não tendo havido entre este e o devedor compensação ou pagamento anteriormente à cessão. Há a responsabilidade pela existência do crédito em toda cessão onerosa, e na cessão gratuita estando o cedente de má-fé (art. 295). Ao contrário, salvo convenção expressa das partes, não responde o cedente pela solvência do devedor (art. 296). Mesmo na hipó-
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Exceção corresponde à defesa indireta, que pode ser material ou processual.
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tese de ser o devedor insolvente, o cedente não será obrigado a pagar ao cessionário o valor nominal do crédito, mas somente o que este gastou para obter a cessão do crédito e tentar cobrá-lo do devedor, assim como os juros do capital investido (art. 297). Não impede, todavia, a disposição legal existente na matéria que as partes convencionem de modo diferente, funcionando, por exemplo, num título de crédito, o cedente (endossante) ao mesmo tempo como avalista do devedor, caso em que o cessionário (endossatário) poderá exigir o pagamento do valor do título, pouco importando o que tenha pago anteriormente ao cedente e as despesas de cobrança que tenha tido (art. 298). As garantias quanto à existência do crédito e sua solvência só existem evidentemente na hipótese de cessão convencional, não se aplicando aos casos de cessão legal ou judicial. O crédito penhorado não pode ser transferido pelo credor ciente da penhora. Se assim mesmo for feita a cessão e o devedor pagar ao cessionário, antes de notificado da penhora, o credor pignoratício só poderá agir contra o cedente.
6. Natureza jurídica da cessão de crédito e da assunção de dívida A cessão de crédito tem certa analogia com a novação, na qual se substitui uma obrigação antiga por uma nova. Poder-se-ia caracterizar a cessão de crédito como uma novação subjetiva ativa, ou seja, uma modificação da pessoa do credor, na relação jurídica, na forma do art. 360, III. Há diferença, todavia, entre os dois institutos, pois a novação supõe acordo entre as partes contratantes, entre o credor e o devedor com a quitação do antigo credor ao devedor e a criação de novo crédito em favor de um novo credor. Não é o que ocorre na cessão de crédito, em que, ao contrário, a modificação da pessoa do credor pode ser realizada, contra a vontade do devedor, independentemente de qualquer interferência deste, que, como vimos, poderá pagar ao cedente após a cessão, desde que dela não tenha sido notificado.
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Podemos, assim, afirmar a semelhança entre as duas estruturas, que têm funções análogas, mas estruturas distintas, mantendo-se na cessão todos os órios e as garantias do direito cedido, enquanto na novação o direito inicial desaparece, surgindo outro com total independência e traços novos. Também na sub-rogação ocorre a extinção do direito de crédito e a criação de um direito novo, com regulamentação própria no novo Código Civil, distinta da existente em relação à cessão. Na sub-rogação, o credor só tem direito à quantia que desembolsou (art. 350), enquanto na cessão, na hipótese de não ser pago o crédito, o cessionário pode exigir ainda os juros e as despesas que teve para a cobrança. 6.1. Assunção de dívida ou cessão de débito3 O Código Civil trouxe a disciplina sobre a assunção de dívida no Capítulo II do Título que trata da transmissão das obrigações, especificamente em seus arts. 299 a 303. Espécies — A assunção de dívida é um negócio jurídico pelo qual um terceiro assume a dívida em lugar do devedor, com ou sem aceite deste. Em geral, o negócio é feito com o credor, mas pode ser feito com o devedor, avisando-se o credor, que poderá concordar ou não. A assunção de dívida pode revestir a forma de expromissão e de delegação. Na primeira, há um acordo entre o credor e o novo devedor, não havendo necessidade de comparecimento do devedor antigo, pois o credor aceita a responsabilidade do novo devedor pelo pagamento da dívida. Na delegação, ocorre um acordo entre o devedor originário e a pessoa que vai substituí-lo na relação jurídica,
3 V. estudo exaustivo de Luiz Roldão de Freitas Gomes, A assunção de dívida e sua estrutura negocial, Rio de Janeiro: Liber Juris, 1982. Sobre decisões do STJ a respeito de assunção de dívida, anteriores ao novo Código Civil, ver: ROMS 9.830/BA, 1.ª T., Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ, 13 dez. 1999; REsp 118.611/AM, 4.ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, DJ, 12 abr. 1999; REsp 160.998, 4.ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ, 29 jun. 1998.
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assumindo a sua obrigação; só valerá, todavia, o acordo em relação ao credor se este não se op à substituição. A diferença entre os dois institutos é a ausência, na expromissão, de interferência do devedor originário, enquanto na delegação há necessidade do seu comparecimento, ficando o acordo dependente da aceitação por parte do credor. No direito romano, a expromissão se equiparava à novação, por haver modificação da pessoa do devedor. No direito vigente, entende-se que, no caso, não ocorre novação, pois a obrigação que surge não é nova e independe da anterior. Na novação, necessária se tornaria a presença do devedor originário. A segunda hipótese lembra a delegatio do direito romano, embora alguns autores indiquem distinções entre ambos os institutos. Quando o devedor originário transfere o seu débito a terceiro que o assume, ocorre uma espécie de estipulação em favor de terceiro na qual o cessionário se compromete com o cedente a pagar determinado montante ao credor. O devedor originário só pode, todavia, exonerar-se de sua responsabilidade pelo pagamento de débito na hipótese de concordar, expressa ou tacitamente, o credor com a substituição realizada. Somente com a confirmação do credor é que a cessão de débito se torna perfeita e válida. Sem ela, é simples obrigação entre as partes que não obriga terceiro, e assim não obriga o credor, por ser, para ele, res inter alios acta4. Também nessa situação não ocorre propriamente novação, porque continua o débito antigo, embora seja outro o devedor, não havendo extinção de uma obrigação e criação de obrigação nova, o que caracteriza a novação. O novo devedor tem a possibilidade de alegar contra o credor todas as exceções do devedor antigo, menos as que lhe forem personalíssimas. O Código Civil, regulando a matéria, ite expressamente a assunção de dívida nos arts. 299 e seguintes tornando inequívoco que “É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primi-
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Coisa entre outros feita.
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tivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava” (art. 299). Além disso, o parágrafo único do art. 299 trata da manifestação do credor sobre o negócio realizado e determina que pode ficar estipulado um prazo para que ele consinta na assunção da dívida, e, caso não faça, o silêncio será interpretado como a reprovação da respectiva cessão de débito. De acordo com a disciplina do Código Civil, a permanência das garantias do crédito dadas pelo devedor primitivo depende da manifestação expressa da sua vontade (art. 300), não podendo o novo devedor opor ao credor as exceções personalíssimas que competiam ao devedor primitivo (art. 302). A anulação da assunção de dívida importa em restaurar o débito do devedor originário com todas as suas garantias, salvo as prestadas por terceiros que não tinham conhecimento do respectivo vício (art. 301). Como aplicações específicas da assunção de dívida, o Código Civil se refere ao caso do adquirente do imóvel hipotecado que se responsabiliza pelo pagamento do débito hipotecário. Nesse caso, o banco não é obrigado a aceitar qualquer devedor, pois concede crédito a alguém que, em princípio, poderá pagar, dependendo dos rendimentos, emprego e outros fatores. O Código diz que o credor, sendo notificado, deve impugnar a transferência em trinta dias; se não o faz, “entender-se-á dado o assentimento”, conforme o seu art. 303. O instituto da assunção de dívida apresenta assim aspectos práticos da mais alta relevância, sendo que foi apropriada a sua regulamentação expressa pelo estatuto civil. SÍNTESE 10 — TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES 1. Cessão de crédito
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A cessão de crédito é o ato pelo qual um credor transmite seu crédito a outrem, abrindo mão de um direito seu, que se transfere ao novo credor gratuita ou onerosamente (arts. 286 a 298)
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2. Classificação
A transmissão das obrigações pode apresentar-se sob a seguinte forma: ativa ou iva; gratuita ou onerosa; a título universal ou a título singular; inter vivos ou mortis causa. No tocante à forma: convencional, legal e judicial. A cessão é pro soluto quando o cedente, embora garantindo a existência do crédito, não se obriga pela sua boa ou má liquidação; e pro solvendo, quando, na hipótese de não pagamento do crédito, o cessionário poderá exigi-lo do cedente.
3. Bens intransmissíveis
São intransmissíveis, por sua natureza, os direitos que não têm conteúdo exclusivamente patrimonial e por esse motivo não criam obrigações e as obrigações que existem intuitu personae. O credor pode ceder o seu crédito se a isso não se op a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor (art. 286).
4. Formas e efeitos da ces- A cessão é consensual, dependendo tão são somente do acordo de vontades entre cedente e cessionário. Para ter eficácia perante terceiros, todavia, a cessão exige a de um instrumento público ou de instrumento particular (arts. 221 e 288 do CC e 129, § 9.º, da Lei n. 6.015/73). A cessão exige pessoas capazes, consenso e objeto lícito. Na cessão de crédito não se exige o consentimento do devedor, mas contra este somente a a ter eficácia depois de ter sido ele notificado (art. 290). Quando a cessão é legal ou judicial, independe da de instrumento público ou particular.
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A cessão de crédito abrange, salvo convenção em contrário, os seus órios e as suas garantias (art. 287). 5. Responsabilidade do ce- Salvo convenção em contrário em que as dente partes manifestem desde logo o conhecimento do caráter litigioso do crédito, o cedente é responsável perante o cessionário pela existência real do crédito. Há a responsabilidade pela existência do crédito em toda cessão onerosa e na cessão gratuita estando o cedente de má-fé (art. 295). Não responde o cedente, salvo convenção expressa das partes, pela solvência do devedor. As garantias quanto à existência do crédito e sua solvência só existem na hipótese de cessão convencional, não se aplicando aos casos de cessão legal ou judicial. 6. Natureza jurídica da ces- Pode-se caracterizar a cessão de crédito são de crédito e da assun- como uma novação subjetiva ativa, ou seja, ção de dívida uma modificação da pessoa do credor, na relação jurídica, na forma do art. 360, III. Na cessão, todos os órios e as garantias do direito cedido são mantidos, enquanto na novação o direito inicial desaparece, surgindo outro com total independência e traços novos. 6.1. Assunção de dívida ou A assunção de dívida é um negócio jurídicessão de débito co pelo qual um terceiro assume a dívida em lugar do devedor, com ou sem aceite deste. Ela pode revestir a forma de expromissão e de delegação. O Código Civil ite expressamente a assunção de dívida nos arts. 299 e seguintes.
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Capítulo 11 O CONTRATO — GENERALIDADES Sumário: 1. Noção de contrato e evolução histórica. 2. Princípios básicos do direito contratual: autonomia da vontade, supremacia da ordem pública, obrigatoriedade dos contratos e a boa-fé. 2.1. O princípio da boa-fé. 2.2. Concepção clássica do contrato. 3. Interferência do Estado nos contratos. 4. A internacionalização do contrato. 5. A evolução do contrato e o Código Civil.
1. Noção de contrato e evolução histórica O Código Civil de 1916 seguiu o modelo francês, também chamado unitário, não distinguindo ato jurídico de negócio jurídico. Já o Código de 2002, com base no sistema germânico, adotou a corrente que diferencia o ato jurídico lícito do negócio jurídico. De fato, na sua Parte Geral, o Código de 2002 cuida, no Livro III, dos fatos jurídicos, falando, no Título I, do negócio jurídico (arts. 104 e s.), e no Título II, dos atos jurídicos lícitos, com um só artigo, que diz: “Art. 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”. Finalmente, o Título III, com três artigos, trata dos atos ilícitos (arts. 186 a 188), seguindo, nesse ponto, o Código Civil português de 1967 (arts. 217 e 295). Ao contrário do velho, o Código Civil de 2002 não conceitua o negócio jurídico. Ademais, sobre a definição de negócio jurídico há duas correntes: a voluntarista e a objetivista. A primeira defende que o negócio jurídico é um “ato de vontade autorizado pelo ordenamen-
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to a perseguir um fim seu”1 ou “negócio jurídico é manifestação da vontade dirigida a um fim prático que a ordem jurídica tutela, tendo em conta a responsabilidade do ou dos sujeitos e a confiança dos demais”2. A corrente objetivista entende que o direito reconhece a autonomia privada, e “A manifestação precípua desta autonomia é o negócio jurídico, o qual, precisamente, é concebido como um acto de autonomia privada, a que o direito liga o nascimento, a modificação ou a extinção de relações jurídicas entre particulares”. É o que afirma Emilio Betti3. Seja a manifestação da vontade, seja a da autonomia privada, o negócio pode ser unilateral, quando basta a de uma só pessoa (testamento), ou pode ser classificado como bilateral, quando se forma por manifestação de duas pessoas (o casamento), ou de várias delas, chamado de plurilateral (contrato de sociedade). O contrato é um negócio jurídico bilateral, pois depende de no mínimo duas declarações de vontade, visando criar, modificar ou extinguir obrigações (direitos relativos de conteúdo patrimonial). Surgido no direito romano, num clima de formalismo, de inspiração religiosa, o contrato se firmou, no direito canônico, assegurando à vontade humana a possibilidade de criar direitos e obrigações. Oriunda dos canonistas, a teoria da autonomia da vontade foi desenvolvida pelos enciclopedistas filósofos e juristas que precederam a Revolução sa e afirmaram a obrigatoriedade das convenções, equiparando-as, para as partes contratantes, à própria lei. Surge assim o princípio pacta sunt servanda4. São os jusnaturalistas que levam o contratualismo ao seu apogeu, baseando num contrato a própria estrutura estatal5 e fazendo com que, em determinadas legislações, o
sco Santoro-arelli, Dottrine generali del diritto civile, 9. ed., Napoli, 1981, n. 26. 2 Luigi Cariota Ferrara, El negocio jurídico, tradução espanhola, Madrid, 1956, n. 20, p. 58. 3 Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, tradução portuguesa de Fernando Miranda, Coimbra, 1969, t. 1, Cap. 1, n. 2, p. 98. 4 Os pactos devem ser observados. 5 Jean Jacques Rousseau, Do contrato social, São Paulo: Nova Cultura, 1999. 1
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contrato não mais se limite a criar obrigações, podendo criar, modificar ou extinguir qualquer direito, inclusive os direitos reais. No sistema jurídico franco-italiano, o contrato opera a transferência dos direitos reais, enquanto na tradição romanista mantida pelo direito alemão e pelo direito brasileiro, ao contrário, o contrato só cria obrigações, transferindo-se a propriedade em virtude da tradição para os móveis e do registro imobiliário para os imóveis. O individualismo do século XIX, do qual o Código Napoleão foi o maior monumento legislativo, inspirou-se na fórmula liberal dos fisiocratas, que reduziram ao mínimo a interferência estatal, abrindo amplas perspectivas de liberdade à vontade humana, que só por si mesma, em virtude das obrigações contraídas, poderia sofrer restrições ou limitações. Constituiu, assim, o contrato o instrumento eficaz da economia capitalista na sua primeira fase, permitindo, em seguida, a estrutura das sociedades anônimas as grandes concentrações de capitais necessárias para o desenvolvimento da nossa economia em virtude do progresso técnico, que exige a criação de grandes unidades financeiras, industriais e comerciais.
2. Princípios básicos do direito contratual: autonomia da vontade, supremacia da ordem pública, obrigatoriedade dos contratos e a boa-fé A autonomia da vontade inspirou o art. 1.134 do Código Civil francês, de acordo com o qual “as convenções têm valor de lei entre as partes”. A reação do liberalismo individualista do século XIX contra as limitações impostas pelo Estado, durante a Idade Média, consagrou, assim, o postulado da liberdade dos homens no plano contratual. Dentro do espírito dominante, itia-se a onipotência do cidadão na istração e na disponibilidade de todos os bens, garantindo amplamente o direito de propriedade e a faculdade de contratar com todas as pessoas nas condições e de acordo com as cláusulas que as partes determinassem. Houve, na realidade, uma mística contratual, deixando-se ao arbítrio de cada um a decisão de todas as questões econômicas, sem qualquer interferência por parte da sociedade.
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A autonomia da vontade apresenta-se sob duas formas distintas, na lição dos dogmatistas modernos, podendo revestir o aspecto de liberdade de contratar e da liberdade contratual. Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A primeira se refere à possibilidade de realizar ou não um negócio, enquanto a segunda importa na fixação das modalidades de sua realização. A liberdade contratual permite a criação de contratos atípicos6, ou seja, não especificamente regulamentados pelo direito vigente, importando na possibilidade para as partes contratantes de derrogar as normas supletivas ou dispositivas, dando um conteúdo próprio e autônomo ao instrumento lavrado. A liberdade, no plano contratual, tem sofrido amplas restrições, especialmente no tocante à faculdade de fixar o conteúdo do contrato (liberdade contratual), pois muitos deles são hoje verdadeiros contratos de adesão, cujo texto depende de aprovação prévia de organismos governamentais. Quanto à liberdade de contratar, tem sido mantida em termos gerais, embora, em determinados casos, possa constituir infração à lei a pessoa deixar de vender determinado artigo, por considerar o sistema legislativo vigente tais omissões como contrárias à ordem econômica e social estabelecida. Em tese, a liberdade contratual só sofre restrições em virtude da ordem pública, que representa a projeção do interesse social nas relações interindividuais. O ius cogens7, o direito imperativo, defende os bons costumes e a estrutura social, econômica e política da comunidade. Em determinada fase, a ingerência da ordem pública em relação aos contratos se fazia sentir pelo combate à usura, proibindo as leis medievais as diversas formas de agiotagem. Quanto aos outros contratos, não havia maiores limitações, até o século XIX. As ideias solidaristas e socialistas e a hipertrofia do Estado levaram, todavia, o direito ao dirigismo contratual, expandindo-se a
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V. Capítulo 13, n. 4. Direito cogente, ou de norma imperativa.
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área das normas de ordem pública destinadas a proteger os elementos economicamente fracos, favorecendo o empregado, pela criação do direito do trabalho, o inquilino, com a legislação de emergência sobre locações, e o consumidor, por uma legislação específica em seu favor. O dirigismo contratual diminuiu e restringiu a autonomia da vontade, em virtude da elaboração de uma série de normas legislativas, fixando princípios mínimos que os contratos não podem afastar (salário mínimo, tabelamento de gênero, fixação de percentagens de juros). O contrato ou assim a ter um conteúdo de direito público, decorrente da lei, podendo alcançar até pessoas que nele não foram partes, como ocorre na convenção coletiva de trabalho. Temos então uma convenção-lei, definida por Georges Ripert como “um ato legislativo, elaborado por via convencional”. A obrigatoriedade dos contratos constitui, por sua vez, uma projeção no tempo da liberdade contratual. As partes são obrigadas a realizar as prestações decorrentes do contrato. O direito contemporâneo limitou, todavia, também tal obrigatoriedade, interpretando-a rebus sic stantibus8, ou seja, enquanto as situações das partes não sofrerem modificações substanciais, e permitiu, no caso de haver tais transformações, uma revisão ou um reajustamento dos termos do contrato (v. Cap. 15). 2.1. O princípio da boa-fé Em matéria contratual, uma das importantes alterações trazidas pelo Código Civil foi a menção, em seu art. 422, da obrigatoriedade de os contratantes atuarem conforme a cláusula geral de boa-fé, também denominada pela doutrina boa-fé objetiva, tanto na conclusão do contrato quanto na sua execução. Introduziu-se expressamente no Código Civil um dos princípios norteadores de todas as relações obrigacionais e relevantes para a leitura dos negócios jurídicos, en-
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V. pronúncia e tradução no Capítulo 15.
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volvendo a valoração dos usos do tráfego ao considerar a ética e a boa conduta das partes desde as tratativas até a execução completa das obrigações. Constata-se que esta é a tendência no direito comparado. De fato, o Código francês diz que as convenções devem ser executadas de boa-fé. O Código italiano, de 1942, prescreve, em seu art. 1.337, que as partes, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato, devem comportar-se conforme a boa-fé. Já no Código alemão, o § 157 cuida da interpretação dos contratos, estabelecendo que se deve fazer com lealdade e confiança, observados os usos de relacionamento. Da mesma forma, o § 242 do BGB manda cumprir a prestação com “lealdade e confiança” (no original Treu und Glauben), entendida como boa-fé. A regra da boa-fé objetiva configura-se como cláusula geral e, portanto, corresponde a uma técnica legislativa que busca garantir a relação entre o direito e a realidade social, possibilitando a existência de um sistema jurídico aberto com constantes adaptações das normas legais às exigências do mundo de relações e da alteração dos seus valores com o tempo. Assim, a cláusula geral fornece um ponto de partida para alcançar resultados justos e adequados. De fato, a cláusula geral da boa-fé presta-se a atingir o fim de flexibilização do direito privado. Pretendeu-se afastar a rigidez do conteúdo das normas que impossibilita a sua adaptação às necessidades das situações concretas, acarretando sua não aplicação diante do dinamismo e das mudanças sociais. A cláusula geral de boa-fé configura-se como técnica legislativa que dá flexibilidade ao ordenamento jurídico, na medida em que permite a participação da jurisprudência no preenchimento do conteúdo dos conceitos apostos nas normas, conforme o caso concreto, e também no estabelecimento das consequências nas hipóteses de violação caso a caso. A cláusula geral de boa-fé exige não apenas que a lei seja interpretada, mas também completada e, ocasionalmente, corrigida com base na interpretação contínua da jurisprudência. O conteúdo dessa norma é preenchido por valores que não estão afirmados na lei, sendo extralegais os critérios utilizados. A decisão do caso concreto está no empirismo, e o controle do seu conteúdo é feito pelos próprios tribunais.
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É preciso ressaltar, ainda, que não se iguala ao sentido dado à boa-fé subjetiva, que implica um estado de conhecimento do sujeito, isto é, representa algo psicológico que presume a ignorância da real situação jurídica. Na boa-fé subjetiva, analisa-se o conhecimento ou a ignorância de determinada situação, levando em conta os deveres de diligência que se espera de um homem mediano. Relaciona-se com fatores do sujeito e com os cuidados que deve ter nas suas relações com terceiros. É o caso do art. 1.201 do CC, correspondente ao art. 490 do Código de 1916: “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. É chamado ainda de conceito negativo. O conceito ético da boa-fé subjetiva, entretanto, não se limita à ignorância, de modo que, agindo com culpa ou falta de cuidado grave, a pessoa age mal, não podendo alegar boa-fé. Em vários casos, os tribunais consideram a boa-fé como importante, mas não para eximir alguém dos cuidados necessários, se deve fazê-lo. Assim, o Supremo Tribunal Federal entendeu: “Não basta a alegação de boa-fé do comprador para afastar o direito real do financiador sobre a garantia” (RTJ, 74/872). Em outro caso, o mesmo Tribunal Supremo entendeu oponível a boa-fé do terceiro, que adquiriu coisa livre, embora não o fosse, pois não havia registro, que só foi feito depois (RTJ, 76/862). Tratava-se de venda de automóvel que o vendedor adquirira com reserva de domínio, ocultando a cláusula que não tinha sido registrada. Foi protegido o terceiro de boa-fé. Já na boa-fé objetiva busca-se a proteção da confiança, exigindo-se que as partes atuem de acordo com os padrões usuais. Representa, por um lado, o dever de lealdade, e, por outro, a correlativa proteção da expectativa que nasce em uma pessoa. Nesse sentido é o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul: “O imperativo da boa-fé exigia da demandada conduta que respeitasse a parceria, não tentando se apropriar, em lance de esperteza, do patrimônio desta, iludindo sua confiança e assim tornando inviável a continuação do contrato”9.
9 TJRS, AC 701.059.641, 6.ª Câm. Cív., Rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, j. 25-4-2001.
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A partir da regra da boa-fé nascem deveres órios de proteção (informação e lealdade) que não derivam da vontade das partes contratantes. Nesse sentido, a boa-fé tem natureza supletiva e função instrumental, reduz a margem de autonomia privada, uma vez que a sua observância independe da vontade das partes. Exige-se a concretização dos escopos visados pelos contratantes, que devem observar os deveres secundários, para não frustrar o fim do contrato e agravar a vinculação do devedor. Dessa forma, além dos direitos e das obrigações principais estabelecidos nos contratos, existem deveres secundários (Nebenpflicht) para ambos os contratantes que decorrem da regra geral da boa-fé, denominada na doutrina italiana dever de corretezza e na alemã Treu und Glauben. Exige-se que a atuação de uma parte não cause danos à esfera jurídica da outra, e a intensidade desses deveres secundários é verificada de acordo com o fim do negócio jurídico. Aliás, antes mesmo da entrada em vigor do atual Código Civil, o Supremo Tribunal Federal já afirmou que a boa-fé deve presidir o comportamento das partes nos contratos e justifica a existência da correção monetária, aplicando-se no direito brasileiro, como princípio geral, a norma do § 242 do Código Civil alemão, que, por sua vez, obriga os contratantes a agir de boa-fé e com lealdade uns em relação aos outros. Por outro lado, recentes decisões arbitrais entendem que a boa-fé obriga as partes a encontrar soluções equitativas, de comum acordo, no caso de situações imprevistas que venham a ocorrer, especialmente nos contratos de longo prazo. Ressalta-se, todavia, que o significado da cláusula geral da boafé é vago, devendo o seu conteúdo ser preenchido em conformidade com as práticas do mercado e com os usos do tráfico. Com a cláusula geral, abandona-se a concepção do juiz como mero aplicador da lei e o seu dever de agir no limite da estrita legalidade, ganhando o julgador um papel mais ativo. Ademais, é difícil conceituar e explicar a boa-fé. Probidade é termo que o dicionário explica como integridade de caráter e honradez, como se vê no Novo dicionário Aurélio10. Já o mesmo dicionário traz 10 Aurélio Buarque de Holanda, Novo dicionário Aurélio, 2. ed. Curitiba: Positivo, 2004.
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“boa-fé” (com traço de união) com sentido de “Certeza de agir com o amparo da lei, ou sem ofensa a ela. Ausência de intenção dolosa. Sinceridade, lisura”. É o sentido mais corrente. No direito angloamericano, o conceito deriva da equidade, e, segundo o Prof. Sherman L. Cohn, “é um estado de espírito caracterizado pela honestidade de propósito, falta de intenção de ser injusto ou de fraudar, honesta intenção de abster-se de obter vantagem inconsciente de outrem, sendo fiel ao dever ou obrigação”11. Para Ripert, “a boa-fé é um dos meios utilizados pelo legislador e pelos tribunais para fazer penetrar a regra moral no Direito Positivo”12. E para o Prof. Jacques Ghestin, da Universidade de Paris I, a boa-fé é uma noção jurídica enquanto princípio geral de direito, que consagra uma exigência geral de lealdade nas relações contratuais, fazendo presumir que o contrato, concluído por indivíduos livres e responsáveis, está conforme à justiça13. 2.2. Concepção clássica do contrato Funda-se o contrato clássico na autonomia da vontade, expressão que parece cunhada por Charles du Moulin (1500-1566), no século XVI. Baseia-se na prevalência da vontade livre, que se supõe possa ser exercida por qualquer pessoa, estando as partes em igualdade jurídica. Assim, se alguém precisa de combustível para o inverno e pode obtê-lo de um comerciante, fará um contrato de compra e venda, em que uma das partes se obriga a entregar a mercadoria e a outra a pagar o preço acertado em dinheiro, preço este que as partes acordam livremente, ou seja, uma dizendo quanto quer receber e outra dizendo quanto quer ou pode pagar. Igualmente, se um camponês aceitava trabalhar para um senhor feudal em troca de alimentação, ando a ser servo da gleba com sua família, tal direito dizia que ele contratou porque quis; logo, devia sujeitar-se. Todos citam o famoso art. 1.134 do Código Civil francês: “As convenções legalmen-
11 Sherman L. Cohn, Good faith and legal ethics, conferência num congresso internacional sobre a boa-fé, Jerusalém, 1984. 12 Ripert, A regra moral nas obrigações civis, São Paulo: Saraiva, 1937, n. 157. 13 Jacques Ghestin, Traité de droit civil, Paris, 1980, v. 2, n. 184 a 187.
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te formadas têm força de lei para aqueles que as fizeram. Não podem ser revogadas senão por mútuo consenso ou por causas que a lei autorize. Devem ser executadas de boa-fé”. Esta a chamada “força obrigatória do contrato”.
3. Interferência do Estado nos contratos O estudo da evolução do direito constitucional nos revela uma profunda transformação na função estatal. Se as Constituições sas de 1791 e 1793 se limitaram a assegurar os direitos políticos do homem, a partir de 1848 surgem novas pretensões que posteriormente se apresentariam sob a forma de direitos econômicos e sociais, merecedores da proteção estatal. As ideias do governo provisório francês de 1848 repercutiram profundamente na política social de Bismarck na Alemanha com o socialismo de Estado, e de Napoleão III na França. A intervenção estatal ou a ser considerada como a melhor técnica de combate às ideias socialistas. A propriedade privada já sofre restrições na Constituição mexicana, que também combate os monopólios. Tais princípios impregnam todas as constituições posteriores à Guerra de 1914. A Constituição de Weimar assegura a intervenção estatal na família, para proteger a juventude e fiscalizar-lhe a educação, e na empresa para harmonizar as relações entre empregados e empregadores. Nos Estados Unidos o New Deal de Roosevelt e na França a política do Front Populaire tendem a aumentar a intervenção do Estado na vida econômica e social do país. O corporativismo italiano e português garantiu, por sua vez, a representação política das diversas profissões, num sistema que em parte adotamos na Constituição de 1934. As Constituições brasileiras de 1934, 1946, 1967, 1969 e 1988 contêm referências especiais à função do Estado na ordem econômica e social, fixando os princípios básicos da legislação trabalhista e adotando uma política nacionalista no tocante às minas, à energia hidráulica e aos bancos. Depois da Guerra Mundial de 1939-1945, o intervencionismo alcançou os últimos redutos do liberalismo tradicional. A Inglaterra começou as suas nacionalizações; a Espanha e a Argentina pretenderam integrar no sistema estatal as grandes forças econômicas nacio-
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nais; os países balcânicos sofreram uma socialização crescente. Nos Estados Unidos, o Fair Deal de Truman pretendia intensificar a legislação trabalhista, aumentar o controle da economia nacional e das medidas contra os trustes e monopólios, revogando a legislação restritiva da liberdade sindical. Na França, ocorreram numerosas nacio nalizações de grandes empresas, destacando-se a função industrial e comercial do Estado por intermédio de sociedades de economia mista e de empresas públicas. Pelo equacionamento nacional dos problemas, a economia foi sendo planificada, constatando-se de modo inequívoco a falência do liberalismo econômico e procurando-se uma conciliação do liberalismo político com o dirigismo econômico. A necessidade de maiores recursos para o Estado, a fim de atender às suas novas responsabilidades, a defesa da moeda, pela instauração de seu curso legal e de seu curso forçado, a defesa nacional no plano econômico, a proteção dos elementos fracos, a necessidade de impedir o aparecimento de interesses privados que pudessem entrar em choque com o interesse público exigiram do Estado uma interferência cada vez maior na vida nacional, fazendo surgir o contrato publicidade, o contrato dirigido, o contrato forçado, os contratos de adesão e o contrato evolutivo. A intervenção do Estado tornou-se assim, na realidade, um meio de assegurar a manutenção do regime democrático, pois, na palavra autorizada de Harold Laski, “ou a democracia política deve dominar o monopólio econômico, ou o monopólio econômico dominará a democracia política”14. Uma superestrutura ideológica veio justificar a nova atitude assumida pelo Estado, que encontra base de apoio na melhor doutrina da Igreja, expressa nos textos das Encíclicas Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Mater et Magistra, Pacem in Terris, Populorum Progressio.
Harold J. Lasky, Reflexões sobre a revolução de nossa época, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946, p. 367-368. 14
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O desafio da nossa geração consiste, basicamente, em conciliar a democracia política com as aspirações sociais, a concentração econômica e o desenvolvimento tecnológico. Trata-se de transformar o dirigismo num planejamento dialogado que deve decorrer dos entendimentos entre a iniciativa privada e a istração, consagrando-se, assim, a democracia tanto no plano econômico como no político e garantindo-se os direitos individuais e sociais, que constituem a condição indispensável do desenvolvimento de qualquer sociedade. A meta a ser alcançada não é o simples processo econômico de caráter quantitativo, representado pelo aumento do produto nacional bruto, ou da renda per capita, mas uma modificação de caráter qualitativo que assegure a todos melhores condições de vida15. A estatização crescente refletiu, a partir de 1930, na criação de autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista, com atuação nos setores mais variados desde a previdência social até a vida bancária (Banco Central, Banco do Brasil, BNDES, bancos públicos estaduais e regionais), abrangendo a interferência dos órgãos públicos nas importações e exportações, no tabelamento de preços, na indústria (Companhia Siderúrgica Nacional, Petrobras), na geração da energia (Eletrobrás e subsidiárias, Nuclebrás), na organização da produção, nos contratos de seguros (IRB e SUSEP), no mercado de capitais (Comissão de Valores Mobiliários), na área habitacional e no desenvolvimento de regiões (SUDENE). A partir de 1980 consolidou-se, no mundo inteiro, um movimento no sentido da privatização da economia, redefinindo-se a posição do Estado e atribuindo-lhe tão somente as funções que não podem ser exercidas pela iniciativa privada. Na realidade, houve, nas décadas anteriores, um superdimensionamento ou uma hipertrofia do Estado, que ou a atuar em todos os campos da economia, não somente como regulador, mas também como operador, onerando os cofres públicos com uma gestão que nem sempre foi a mais econômica.
15 Arnoldo Wald, O direito do desenvolvimento, Jurídica, Rio de Janeiro, 103/669687, out./dez. 1968.
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Assim, inicialmente em países como a França, a Inglaterra, a Alemanha e o Japão, as grandes empresas estatais foram privatizadas, generalizando-se esse movimento após a queda do Muro de Berlim e alcançado os antigos países comunistas. No Brasil, o movimento de privatização, embora já discutido anteriormente, desenvolveu-se nos dois últimos governos, ensejando a transferência para o setor privado de importantes empresas que, anteriormente, eram controladas pelo Estado. Em algumas delas o Poder Público manteve um direito de veto em matérias específicas, em virtude de uma ação especial que foi criada pela legislação referente à desestatização.
4. A internacionalização do contrato O extraordinário desenvolvimento dos transportes e das comunicações, que ocorreu após a última Guerra Mundial, ensejou um substancial aumento do comércio internacional de bens, serviços e tecnologias e uma progressão geométrica dos investimentos realizados no exterior, implicando a importância crescente atribuída aos contratos internacionais, que veio a ensejar a criação de um direito próprio, que alguns autores chegaram a denominar lex mercatoria. Por outro lado, o progresso tecnológico e a necessidade de maio res recursos para os grandes empreendimentos, inclusive no campo da pesquisa, fizeram com que houvesse, em todos os países, maior concentração empresarial, constituindo-se verdadeiras megaempresas de caráter e atuação multinacional. Essas sociedades aram a ter a estrutura e as dimensões de verdadeiros Estados, exercendo um papel cada vez mais importante na economia mundial, com reflexos no direito. Desde 1970, o Governo brasileiro, nos seus Planos Nacionais de Desenvolvimento, tentou consagrar um sistema de associações (t venture) entre o capital público (empresas públicas e sociedades de economia mista) e a iniciativa privada nacional, de um lado, e as sociedades multinacionais, de outro, concebendo-se, assim, o que se denominou o modelo tripartite, que chegou a predominar na indústria petroquímica e está, agora, a sofrer modificação em virtude da política de privatização.
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Mais recentemente, o Governo Federal decidiu alterar a política nacionalista que imperava no País desde o Estado Novo, e abriu a economia para permitir amplamente os investimentos estrangeiros, liberando-os das restrições istrativas e fiscais que existiram até agora. As empresas brasileiras aram também a exportar mais e a investir no exterior, multiplicando-se, assim, os problemas de direito internacional decorrentes dessas atividades. Os tratados especiais com a Argentina e demais países do Mercosul ensejaram a criação das binacionais, que, no ado, somente existiam no plano público, como ocorreu em relação a Itaipu, mas que, atualmente, podem ser criadas no campo do direito privado, aguardando regulamentação específica.
5. A evolução do contrato e o Código Civil Poucos institutos sobreviveram por tanto tempo e se desenvolveram sob formas tão diversas quanto o contrato, que se adaptou a sociedades com estruturas e escalas de valores tão distintas quanto as que existiam na Antiguidade, na Idade Média, no mundo capitalista e no próprio regime comunista16. O contrato nasceu formalista e típico, no direito romano, para transformar-se num instrumento cuja validade e eficácia decorria do fato de ser uma manifestação de vontade do indivíduo e, em consequência, um instrumento vinculatório, que fazia o papel da lei entre as partes, na concepção dos enciclopedistas que inspiraram a Revolução sa e o Código Napoleão. Por longo tempo entendeu-se que os pactos deviam ser respeitados religiosamente (pacta sunt servanda), pois refletiam um ato de liberdade individual. O contrato, pela sua própria natureza, por decorrer de um acordo de vontades, devia ser considerado justo e,
F. C. de San Tiago Dantas, Evolução contemporânea do direito contratual, RF, 139/5-13, e René David, Traité élémentaire de droit comparé, Paris: LGDJ, 1950, p. 328. 16
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consequentemente, era intangível, devendo ser executado, custasse o que custasse, de acordo com a intenção das partes, ressalvada tão somente a ocorrência da força maior e do caso fortuito. Podendo transferir a propriedade no sistema franco-italiano, ou não podendo fazê-lo no direito alemão e na legislação brasileira, o contrato foi, certamente, o grande instrumento jurídico do capitalismo incipiente que dominou o mundo até o fim da Primeira Guerra Mundial. Com o advento do comunismo, na Rússia, e da Constituição de Weimar, na Alemanha, o sopro do socialismo, sob as suas diversas formas e com densidades distintas, abalou, em parte, a mística contratual sedimentada pelo Código Napoleão, sem que, todavia, o contrato perdesse a sua função e utilidade. Surgiram, aos poucos, as limitações tanto à liberdade de contratar, ou de não contratar, quanto à liberdade contratual, ou seja, à fixação do conteúdo do contrato. Embora se mantivesse, como regra geral, a onipotência da vontade individual, com a possibilidade de criação dos mais variados contratos inominados, atípicos e mistos, o legislador, ampliando a área da ordem pública econômica, foi restringindo o conteúdo da autonomia da vontade. Durante muito tempo considerou-se que, na maioria dos casos, o contrato compunha interesses divergentes, que nele encontravam uma forma de solução, como acontece nos casos da compra e venda, da locação, da empreitada etc. Os contratos que constituem liberalidades são relativamente menos importantes, e só recentemente é que a doutrina foi itindo a importância crescente dos chamados contratos de colaboração, de cooperação e de organização, que existem tanto no direito privado quanto no direito público. Nos últimos anos, deixou-se de conceber o contrato como decorrente ou representativo de interesses antagônicos, chegando os autores e a própria jurisprudência a itir, inicialmente nos contratos de longo prazo, e, em seguida, em todos eles, a existência de uma affectio — a affectio contractus, com alguma semelhança com outras formas de colaboração, como a affectio societatis ou o próprio vínculo conjugal. Em vez de adversários, os contratantes aram a ser
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caracterizados como parceiros17, que pretendem ter, um com o outro, uma relação equilibrada e igualitária, tendo em vista uma maior fraternidade e justiça. Já no início do século XX, alguns autores, como René Demogue, referiam-se ao contrato como sendo “uma união de interesses equilibrados, um instrumento de cooperação leal, uma obra de confiança mútua”. Mais recentemente outros autores ses desenvolveram a tese da equação contratual, inspirada no direito istrativo, para vislumbrar no contrato um ponto de equilíbrio necessário, um instrumento de colaboração entre os contratantes, no interesse de ambos e da própria sociedade. Há, pois, uma evolução na qual, após termos abandonado a conceituação do contrato como manifestação ilimitada da liberdade individual, damos-lhe uma nova conceituação em que prepondera, ou deve preponderar, sobre a vontade individual de cada um dos contratantes, o consenso que entre eles se formou, sem que seja lícito a qualquer deles tirar uma vantagem maior do que a racionalmente aceitável, no momento tanto da celebração do contrato como da sua execução. No ado, o contrato permitia às partes evitar todos os riscos futuros, garantindo-lhes a imutabilidade das prestações convenci onadas e a sobrevivência da convenção diante de fatos imprevistos, mesmo quando alteravam substancialmente a equação contratual. Hoje, o contrato perdeu essa perenidade, mas ganhou em flexibilidade, sacrificando-se alguns eventuais benefícios ao interesse social e ao interesse comum das partes. Em recente estudo, pretendeu-se que o contrato, no ado, era uma espécie de bolha ou uma ilha, independente, alheia aos acontecimentos e prevalecendo sobre as eventuais modificações fáticas e legislativas. Atualmente, o contrato se transformou num bloco de direitos e obrigações de ambas as partes, que devem manter o seu
Sobre uma nova visão do direito na qual os conflitos de interesses de ontem são substituídos pelo novo direito de parceria, ver Arnoldo Wald, Luiza Rangel de Moraes e Alexandre de Mendonça Wald, O direito de parceria e a nova lei das concessões, São Paulo: Saraiva, 2004. 17
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equilíbrio inicial, num vínculo ou até numa entidade. Vínculo entre as partes, por ser obra comum destas, e entidade, constituída por um conjunto dinâmico de direitos, faculdades, obrigações e outros deveres, que evolui como a vida, de acordo com as circunstâncias que condicionam a atividade dos contratantes18. Assim, em vez do contrato irrevogável, fixo, cristalizado de ontem, conhecemos um contrato dinâmico e flexível, que as partes querem e devem adaptar para que ele possa sobreviver, superando, pelo eventual sacrifício de alguns dos interesses das partes, as dificuldades encontradas no decorrer da sua existência. A plasticidade do contrato transforma a sua própria natureza, fazendo com que os interesses divergentes do ado sejam agora convertidos numa verdadeira parceria, na qual todos os esforços são válidos e necessários para fazer subsistir o vínculo entre os contratantes, respeitados, evidentemente, os direitos individuais. Dentro desse conceito de parceria, ite-se a anulação do contrato por lesão, a sua resolução ou a sua revisão em virtude da excessiva onerosidade, a cessão do contrato e a assunção da posição contratual, a oponibilidade das cláusulas contratuais a terceiros não contratantes, a relação que se estabelece entre contratos conexos e subordinados uns aos outros, inclusive com a eventual substituição de cláusulas e a mitigação das sanções. O Supremo Tribunal Federal chegou a itir que determinados contratos estavam tão ligados uns com os outros que poderiam ser considerados como verdadeiros “irmãos siameses”19. Trata-se de uma verdadeira nova concepção do contrato, já agora como ente vivo, como vínculo que pode ter um conteúdo variável, complementado pelas partes, por árbitros ou até pelo Poder Judiciário, e no qual, ao contrário do que acontecia no ado, a eventual nulidade ou substituição de uma cláusula não põe necessariamente em perigo toda a estrutura da relação jurídica. Essas modificações
Arnoldo Wald, Um novo direito para a nova economia: a evolução dos contratos e o Código Civil, Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro, 14/23-40, jul./dez. 2001. 19 RTJ, 76/618 e 77/884. 18
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surgiram, em parte, na jurisprudência e, em parte, em virtude do trabalho doutrinário realizado pela extensão do conceito de boa-fé e pelas obrigações implícitas de leal execução do contrato, significando um dever, imposto às partes, de encontrar uma solução para os eventuais imes que possam surgir. Por outro lado, também exerceram importante influência sobre a nova conceituação do contrato as normas extravagantes e as chamadas leis de emergência, assim como a inspiração de certos ramos mais recentes da ciência jurídica, como o direito do consumidor e o desenvolvimento que ou a ter a equação contratual no direito istrativo. Num mundo em que nada mais é absoluto, o contrato, para subsistir, aderiu ao relativismo, que se tornou condição sine qua non da sua sobrevivência no tempo, em virtude da incerteza generalizada, da globalização da economia e da imprevisão institucionalizada. A indeterminação das prestações contratuais, que era inconcebível no ado, também está vinculada à inflação e às rápidas mudanças tecnológicas, fazendo com que as partes adotem determinados critérios para definir os seus direitos, aceitando prestações indeterminadas no momento da celebração do contrato, mas determináveis no momento de sua execução. Por outro lado, a eventual necessidade de substituir certas cláusulas contratuais sem afetar as bases da equação contratual obrigou os contratantes e os juristas a realizarem uma verdadeira sintonia para distinguir as cláusulas principais ou essenciais das demais, destacando aquelas sem a presença das quais o contrato não teria sido assinado das que foram consideradas inicialmente como meramente complementares ou órias. Por outro lado, cabe-lhes verificar se as eventuais mutações sofridas pelas cláusulas principais permitem manter a equação contratual inicial ou se, ao contrário, as modificações surgidas no contexto tornam imperativas a sua resolução. O contrato, realidade viva, forma de parceria, com direitos e obrigações relativas, constitui uma verdadeira novidade para os juristas clássicos, mas decorre de um imperativo categórico do mundo de hoje, caracterizado pelos economistas como sendo o da descon tinuidade, da incerteza e da mudança. Assim, autores recentes puderam afirmar que as regras do direito dos contratos se tornaram rela-
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tivas, pois “o contrato é mais ou menos obrigatório, mais ou menos oponível, mais ou menos sinalagmático ou mais ou menos aleatório e uma nulidade ou uma resolução é mais ou menos extensa”20. Por longo tempo, manteve-se a estrutura tradicional do contrato, considerando como exceções as regras que, aos poucos, estavam alterando a escala de valores em que se fundamentou. A generalização das exceções está exigindo uma reformulação do regime jurídico do contrato, pois não houve tão somente modificações técnicas, mas uma verdadeira mudança de concepção, que exige uma reformulação dogmática. Trata-se de ar do absoluto para o relativo, sem perder um mínimo de segurança, que é indispensável ao desenvolvimento da sociedade. Se, há meio século, uma parte dessa evolução já tinha ocorrido, os juristas da época ainda podiam itir que as modificações e os remendos necessários eram de pequena monta, itindo soluções cosméticas. Já no início do terceiro milênio, é preciso reconhecer que o contrato, para sobreviver, exige que se lhe dê uma função social e uma nova estrutura, dela extraindo as consequências necessárias. Efetivamente, o número de exceções à aplicação dos princípios gerais do contrato clássico já alcança um nível que não mais permite fazer com que prevaleçam as regras gerais, sob pena de ensejar o predomínio da ficção sobre a realidade. De fato, a Constituição, as leis, a doutrina e a jurisprudência reconhecem que o contrato, do mesmo modo que a propriedade, exerce importante função social e, nessa linha, dotando de maior relevância o conceito de boa-fé, fazem com que se exija dos contratantes um dever de lealdade na execução do contrato. Em certo sentido, foi essa revolução dogmática que encontramos em vários dos artigos do Código Civil de 2002. Assim, por exemplo, o legislador, inspirado no texto constitucional, atribui expressamente ao contrato uma função social (art. 421), limitando a liberdade de contratar em razão desta, ao mesmo tempo em que considera a lesão
P. Malaurie e L. Aynes, citados por Cathérine Ghibierge-Guelfucci, Libres propos sur la transformation du droit des contrats. Revue Trimestrielle de Droit Civil, n. 2, p. 357-385 (nota 45), 1997. 20
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como causa de anulação dos negócios jurídicos e ite a resolução ou a revisão do contrato por excessiva onerosidade, seguindo o exemplo do Codice Civile italiano. Quanto à atribuição de uma função social do contrato, trata-se de decisão oportuna do legislador, que, entretanto, por si mesma, em nada altera o respectivo regime jurídico, que já repelia o abuso de direito, com base na construção jurisprudencial e na norma constitucional. Efetivamente, a partir do momento em que o direito constitucional brasileiro considerou que a propriedade tinha uma função social (art. 5.º, XXIII), tendo a palavra “propriedade” uma conceituação ampla, o mesmo princípio haveria de ser aplicado aos contratos. Assim, à primeira vista, em termos gerais, pode-se considerar que o Código Civil explicitou uma norma constitucional e ratificou tanto a legislação anterior quanto a construção jurisprudencial. Deve-se, entretanto, ponderar que a função social do contrato não deve afastar a sua função individual, cabendo conciliar os interesses das partes e da sociedade. Assim, os direitos contratuais, embora exercendo uma função social, constituem direitos adquiridos (art. 5.º, XXXVI) e gozam, nos termos da Constituição, do devido processo legal substantivo (art. 5.º, LIV), em virtude do qual ninguém pode ser privado dos seus bens — e dos seus direitos, que também se incluem entre os bens — sem o devido processo legal. Com essa interpretação, que é a única aceitável em nosso regime constitucional, a inovação do Código de 2002 não põe em risco a sobrevivência do contrato, como manifestação da vontade individual e acordo entre partes interessadas para alcançar determinado objetivo, por elas definido em todos os seus aspectos. É preciso salientar que a função social do contrato não deve ser interpretada como proteção especial do legislador em relação à parte economicamente mais fraca. Significa a manutenção do equilíbrio contratual e o atendimento dos interesses superiores da sociedade, que, em determinados casos, podem não coincidir com a do contratante que aderiu ao contrato e que, assim, não pode exercer plenamente a sua liberdade contratual. Em recente decisão, o Poder Judiciário reconheceu que também o aderente a um contrato de adesão do qual participam numerosas outras pessoas deve aceitar certos
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sacrifícios para que os demais interessados não tenham um prejuízo maior. A ideia básica é assim o entendimento dos interesses, seja da própria sociedade, seja de um maior grupo de interessados, seja de um dos contratantes, que não pode sofrer as consequências de um comportamento abusivo do outro. Por outro lado, o Código ite a anulação do negócio jurídico em virtude da lesão. Trata-se de determinação legal que já constava do direito brasileiro anterior ao Código Civil de 1916, e ela se refere à legislação de economia popular. O Código Civil de 2002 caracteriza a lesão como um dos vícios da vontade que enseja a anulação dos atos jurídicos em geral e dos contratos em particular. Finalmente, o dinamismo dos contratos fez com que o legislador itisse a resolução dos contratos por excessiva onerosidade e a revisão dos contratos unilaterais pelo mesmo motivo. É preciso lembrar que, seguindo o modelo italiano, o Código Civil de 2002 considera que só se justifica a resolução por onerosidade excessiva, que incide sobre um dos contratantes, quando também ocorre uma extrema vantagem para o outro (art. 478), itindo que haja revisão do contrato, se o réu, na ação de resolução, modificar equitativamente as condições do contrato (art. 479). Nos contratos nos quais as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá esta pleitear a redução de sua prestação ou a alteração do modo de execução, a fim de evitar a onerosidade excessiva (art. 480). Nesta última disposição, não há referência à extrema vantagem do outro contratante, cabendo, todavia, ao intérprete considerar que é uma condição necessária da revisão, pois os dois artigos que tratam da matéria devem ser interpretados construtiva e sistematicamente. Na realidade, diante de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, melhor seria itir simplesmente que se mantivesse a equação contratual, ou seja, a relação inicialmente estabelecida entre as partes, permitindo, outrossim, que, especialmente nos contratos aleatórios, pudesse convencionar-se o afastamento da teoria da imprevisão, pela própria natureza e finalidade do negócio jurídico. Também em relação à imprevisão, o Código Civil não chega a inovar radicalmente, por já existir a revisão legalmente prevista em deter-
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minados contratos, como os de locação comercial, e ter sido ela generalizada pela jurisprudência no tocante ao contrato de empreitada, tanto no campo do direito privado como na área do direito istrativo. Houve, no caso, a transformação de uma norma, que já foi considerada excepcional, em verdadeiro princípio geral do direito, que, no fundo, deflui da própria vedação do enriquecimento sem causa. Os arts. 478 a 480 regulam a resolução de contratos de execução continuada ou diferida quando acarretam extrema vantagem para a outra parte. No entanto, com o intuito de evitar a resolução em virtude da onerosidade excessiva, abre-se a possibilidade de operar alteração contratual de maneira equitativa. As referências à boa-fé na celebração e execução do contrato (art. 422) e o regime de favorecimento do contratante mais fraco no caso dos contratos de adesão (arts. 423 e 424) complementam um quadro de renovação do contrato, dando-lhe o caráter dinâmico ao qual já aludimos. Na realidade, a evolução realizada pelo Código Civil corresponde a um movimento de caráter internacional que se reflete na maioria das legislações elaboradas recentemente. Assim, entre outros, o novo Código Civil holandês, o Código Civil de Quebec e a reforma do Código Civil alemão também dão maior ênfase à boa-fé e apresentam uma nova visão do contrato. Os princípios básicos que orientaram a nova legislação brasileira, que são, na palavra do Professor Miguel Reale, o aprimoramento técnico, a eticidade e a sociabilidade21, refletem-se no regime legal do contrato, que é tecnicamente mais perfeito, inspirado na ética e desempenhando importante função social. Verificamos que a transformação do contrato se realiza nos seus mais diversos aspectos, quer em relação às suas categorias básicas, quer no tocante ao seu conteúdo, quer no tocante à sua forma, seu e e suas dimensões. Efetivamente, enquanto se falava, há algum tempo, da publicização do contrato de direito privado, já se ite hoje um movimen-
21 Miguel Reale, O sentido do novo Código Civil, Um projeto especial da Editora Brasil 21 e da revista IstoÉ, set. 2001, p. 8.
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to pela privatização do contrato de direito istrativo, despojando-se, em certos casos, o Poder Público da sua soberania para atuar como se fosse um particular. A doutrina mais recente ite a importância crescente de alguns princípios de direito privado, que se aplicam aos contratos públicos, nas várias formas de parceria, que se multiplicam no plano interno e internacional. Cabe salientar que, nas relações internacionais, a liberdade contratual está sendo ampliada, e a Lex Mercatoria nos indica a presença de um contrato no qual as partes escolhem a lei aplicável e o foro competente, eventualmente substituído pelo juízo arbitral, reduzindo-se, cada vez mais, o âmbito de aplicação da ordem pública internacional. A aplicação do direito uniforme, por sua vez, tem ensejado grandes transformações que mereceriam ser analisadas em profundidade. A utilização crescente dos contratos eletrônicos, nos quais se abandona o e de papel que, durante tantos anos, caracterizou a estrutura contratual, também modifica alguns dos aspectos da manifestação de vontade das partes, provocando novas regras de interpretação que decorrem das peculiaridades dos novos meios de transmissão. Diante de todas essas modificações, alguns autores chegam a reconhecer a morte do contrato22 ou, ao menos, o fim da liberdade contratual23, do mesmo modo que, há cerca de meio século, alguns eminentes juristas diagnosticavam “o declínio do direito”24. É, todavia, interessante que mesmo aqueles que dão ao contrato o atestado de óbito reconhecem que poderá ressuscitar das suas próprias cinzas25. Também não cabe ver no contrato um instrumento ultraado, que perdeu a sua importância na sociedade de massa. Ao contrário,
Grant Gilmore, The death of contract, 2. ed., Ohio State University, 1995. P. S. Atiyah, The rise and fall of freedom of contract, Oxford: Clarendon Press, 1979. 24 Georges Ripert, Le déclin du droit, Paris: LGDJ, 1949. 25 Grant Gilmore, The death of contract, cit., p. 112. 22 23
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trata-se de instrumento cada vez mais importante na sociedade contemporânea, na medida em que ela se torna mais complexa e sofisticada, exigindo a construção de novos modelos jurídicos. Assim sendo, mais adequado nos parece itir, como fazia René Savatier, logo após a Segunda Guerra Mundial, que o conceito tradicional de contrato tenha estourado ou explodido, adquirindo novas dimensões e referindo-se ao éclatement do contrato, a justificar a elaboração de uma nova estrutura que a dogmática teria de lhe dar26. A polivalência do contrato e a sua vinculação à importância que a civilização ocidental reconhece à palavra dada e ao consenso ao qual chegaram as partes justificam tanto a sobrevivência quanto a adaptação ao contexto existente no terceiro milênio desse instrumento tão rico e flexível, que tem permitido o desenvolvimento racional e pacífico das relações entre os homens. É o que fez o Código Civil de 2002. BIBLIOGRAFIA: Sobre contratos em geral: Pacchioni, Dei contratti in generale; Ferrara, Teoria dei contratti; Messineo, Dottrina generale del contratto; Galvão Telles, Dos contratos em geral; Manuel Inácio Carvalho de Mendonça, Contratos no direito civil brasileiro; Clóvis Paulo da Rocha, Aspectos do conceito dogmático do contrato; Darcy Bessone de Oliveira Andrade, Do contrato. Sobre a evolução do contrato, v. Arnoldo Wald, A evolução do direito e absorção da istração privada pela istração Pública; San Tiago Dantas, Evolução contemporânea do direito contratual, Revista Forense, v. 139; René Savatier, Du droit privé au public e Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil d’aujourd’hui; Georges Ripert, Aspects juridiques du capitalisme moderne, Le régime démocratique et le droit moderne, Le déclin du droit; Gaston Morin, La révolte du droit contre le code; Pierre de Harven, Mouvements généraux du droit belge contemporain; Marcel Waline, L’individualisme et le droit. V. ainda os estudos de Paul Esmein, René Morel, Maurice Picard, André Tunc, André Trasbot e André
26 René Savatier, Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil d’aujourd’hui, 2. ed., Paris: Dalloz, 1952, p. 19 e s.
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Besson no 2.º volume da obra em homenagem a Georges Ripert, Le droit privé français au milieu du XXe siècle, e Milton Fernandes, Problemas e limites do dirigismo contratual. No tocante à função do contrato na economia socialista, consulte-se René David, Traité élémentaire de droit comparé; René David e John N. Hazard, Le droit soviétique e Samuel Pisar, Transactions entre l’est et l’ouest, le cadre commercial et juridique. A respeito da internacionalização dos contratos, consulte-se Irineu Strenger, Contratos internacionais de comércio, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986; Luiz Olavo Baptista, A vida dos contratos internacionais, São Paulo, 1992; Hilário de Oliveira, Direito e negócios internacionais, Del Rey, 2001. Síntese 11 — O CONTRATO — GENERALIDADES 1. Noção de contrato e evo- O contrato é um negócio jurídico bilateral, lução histórica pois depende de no mínimo duas declarações de vontade, visando criar, modificar ou extinguir obrigações (direitos relativos de conteúdo patrimonial). Surgido no direito romano, firmou-se no direito canônico, assegurando à vontade humana a possibilidade de criar direitos e obrigações. Filósofos e juristas que precederam a Revolução sa afirmaram a obrigatoriedade das convenções, equiparando-as à própria lei. Surge assim o princípio pacta sunt servanda. O individualismo do século XIX, do qual o Código de Napoleão foi o maior monumento legislativo, reduziu ao mínimo a interferência estatal e abriu amplas perspectivas de liberdade à vontade humana. O Código Civil de 1916 seguiu o modelo francês ou unitário não distinguindo ato jurídico de negócio jurídico.
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O Código de 2002, com base no sistema germânico, adotou a corrente que diferencia o ato jurídico lícito do negócio jurídico. 2. Princípios básicos do direito contratual: autonomia da vontade, supremacia da ordem pública, obrigatoriedade dos contratos e a boa-fé.
A autonomia da vontade que inspirou o art. 1.134 do Código Civil francês determina que “as convenções têm valor de lei entre as partes”. Na lição dos dogmatistas modernos, a autonomia da vontade se apresenta sob duas formas distintas: a liberdade de contratar (faculdade de realizar ou não determinado contrato) e a liberdade contratual (possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato). A liberdade contratual permite a criação de contratos atípicos mas tem sofrido amplas restrições em virtude da ordem pública que representa a projeção do interesse social nas relações interindividuais. O dirigismo contratual restringiu a autonomia da vontade em virtude da elaboração de normas legislativas que fixam princípios mínimos que os contratos não podem afastar. O direto contemporâneo limitou a obrigatoriedade do contrato permitindo a sua revisão no caso de onerosidade excessiva e nos termos do art. 478 do CC.
2.1. O princípio da boa-fé
Introduziu-se expressamente no Código Civil, em seu art. 422, um dos princípios norteadores de todas as relações obrigacionais e relevante para a leitura dos negócios jurídicos, envolvendo a valoração dos usos do tráfego ao considerar a ética e a boa conduta das partes desde as tratativas até a execução completa das obrigações.
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2.2. Concepção clássica do Funda-se o contrato clássico na autonomia contrato da vontade. Baseia-se na prevalência da vontade livre, que se supõe possa ser exercida por qualquer pessoa, estando as partes em igualdade jurídica. 3. Interferência do Estado A interferência do Estado nos contratos se nos contratos apresenta como um desafio para a nossa geração que procura transformar o dirigismo num planejamento dialogado que deve decorrer dos entendimentos entre a iniciativa privada e a istração, consagrando-se, assim, a democracia no plano econômico e político e garantindo-se os direitos individuais e sociais como condição do desenvolvimento da sociedade. 4. A internacionalização do O desenvolvimento dos transportes e das contrato comunicações propiciou um aumento do comércio internacional de bens, serviços e tecnologias, implicando uma importância crescente aos contratos internacionais e ensejando a criação de um direito próprio, denominado lex mercatoria. 5. A evolução do contrato e O contrato nasceu formalista e típico, no o Código Civil. direito romano, para transformar-se num instrumento vinculatório, que fazia lei entre as partes (pacta sunt servanda). Foi o grande instrumento jurídico do capitalismo incipiente que dominou o mundo até o fim da Primeira Guerra Mundial. O sopro do socialismo abalou, em parte, a mística contratual sedimentada pelo Código Napoleão, sem perder, todavia, sua função e utilidade. O legislador foi restringindo o conteúdo da autonomia da vontade e ampliando a área da ordem pública econômica (dirigismo contratual) como projeção do interesse social nas relações interindividuais.
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Assim, em vez do contrato irrevogável, fixo, surge um contrato dinâmico e flexível, em que se ite a anulação do contrato por lesão, a sua resolução ou revisão em virtude da excessiva onerosidade. Trata-se de uma nova concepção do contrato que corresponde a um movimento de caráter internacional e que se reflete na maioria das legislações recentes.
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Capítulo 12 ELEMENTOS DO CONTRATO Sumário: 1. Elementos essenciais: capacidade, objeto e consentimento. 2. Formação do contrato: proposta e aceitação. 2.1. Policitação e efeitos. 2.2. Contratos entre ausentes. Teorias. 2.3. Do lugar da formação dos contratos. 3. Forma e prova dos contratos. 4. Interpretação dos contratos. 4.1. Interpretação e direito do consumidor.
1. Elementos essenciais: capacidade, objeto e consentimento O contrato, sendo um negócio jurídico bilateral, exige agentes capazes; objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e consentimento válido, além da forma prescrita ou não vedada em lei (art. 104). A capacidade de fato dos contratantes é condição imprescindível para a validade do contrato, importando a incapacidade relativa em anulabilidade do negócio e a incapacidade absoluta em nulidade deste. Para determinados contratos específicos, como a compra e venda, além da capacidade genérica, é exigida uma legitimação, reconhecendo a lei que será anulável ou poderá padecer de nulidade o contrato diante da existência de determinadas relações jurídicas entre os contratantes. Assim, por exemplo, é anulável a venda de ascendente a descendente, a menos que os outros descendentes e o cônjuge do alienante tenham consentido expressamente; tutores, curadores, testamenteiros e es não podem comprar, ainda que em hasta pública, os bens confiados à sua guarda ou istração (arts. 496 e 497).
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O objeto do contrato deve ser lícito, possível, determinado ou determinável e suscetível de apreciação econômica. A ilicitude do objeto ou a impossibilidade absoluta de realização da prestação no momento em que é convencionada importam em nulidade do contrato. A lei veda os pactos sucessórios (art. 426) e a venda do bem de família (art. 1.717). A inalienabilidade decorrente de convenção ou de testamento também implica nulidade do contrato de venda dos bens inalienáveis. O contrato em que se promete transferir coisa alheia, declarando que pertence a outrem, é válido, resolvendo-se, todavia, na hipótese de inadimplemento, no pagamento das perdas e danos, não podendo haver exigência de execução específica; o mesmo ocorre quando alguém promete prestação de terceiro. Forma — Embora o direito contemporâneo tenha abandonado, especialmente no campo obrigacional, o formalismo, certos contratos exigem forma especial, consoante dispõe o art. 108 do CC. Assim, desde que a lei não disponha em contrário, para a validade dos negócios jurídicos que visem constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis acima de certo valor (30 vezes o maior salário mínimo vigente no País), a escritura pública é essencial, ressalvadas as alienações feitas dentro das normas do Decreto-Lei n. 58, de 1937 (terrenos loteados), e do Sistema Nacional da Habitação, que independem de escritura pública (art. 61, § 5.º, da Lei n. 4.380, de 21-8-1964, com a redação que lhe deu o art. 1.º da Lei n. 5.049, de 29-6-1966). Por sua vez, a doação, quando não é de pequeno valor, deve ser feita por documento escrito, público ou particular (art. 541 do CC). O consenso é o acordo de vontades entre os contratantes, podendo ser expresso (escrito ou verbal) ou tácito, decorrendo de palavras ou do silêncio da parte, de um gesto, como o lance feito em leilão, ou de uma atitude pela qual o contratante dá início à execução do contrato, provando assim a sua intenção de cumpri-lo. O art. 1.079 do CC de 1916 esclarecia que a manifestação de vontade pode ser tácita quando a lei não exigir que seja expressa, mas o atual não repete a norma, mantendo-se a mesma regra dos chamados contratos a distância (art. 432), indicada a seguir. No entanto, cuidando do ne-
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gócio jurídico, o Código de 2002 contém nos arts. 110 e 111 as seguintes regras: “Art. 110. A manifestação de vontade subiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”; e “Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”. A interpretação do silêncio como manifestação de vontade decorre do texto legal ou de costumes ou praxes comerciais ou finalmente da própria convenção existente entre as partes. Nos termos do art. 111, “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”. Desse modo, nos negócios em que não seja costume haver aceitação expressa ou quando o proponente a tiver dispensado, o contrato se reputa concluído, salvo manifestação de vontade contrária por parte daquele a quem a proposta foi feita (art. 432). Em certos casos a lei dispensa a aceitação expressa, presumindo a concordância do outro contratante com a proposta que lhe foi feita. É o que ocorre no tocante ao mandato e à doação em determinadas situações especiais. Assim, a lei considera o mandato tacitamente aceito quando o mandatário inicia a execução do contrato, após proposta do mandante (art. 659). Por sua vez, a doação, quando não sujeita a encargo, dispensa aceitação expressa (art. 539). Os vícios da vontade autorizam a anulação dos contratos nos casos em que são anuláveis os negócios jurídicos em geral. O falso motivo só vicia o contrato quando expresso como razão determinante do negócio (art. 140). Para eficácia contra terceiros, os contratos devem ser transcritos no Registro de Títulos e Documentos, sendo tal providência exigida para os contratos por instrumento particular de parceria agrícola ou pecuária, os contratos de locação e de fiança feitos na mesma forma, os contratos de compra e venda em prestações, com ou sem reserva de domínio, os contratos de venda de automóveis e as alienações fiduciárias (arts. 127 a 131 da Lei n. 6.015/73). Os contratos de locação com cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada e de promessa de compra e venda de imó-
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veis devem ser registrados no Registro de Imóveis (art. 167 da Lei de Registros Públicos). O contrato necessita da intervenção de no mínimo duas pessoas, não se itindo entre nós o chamado contrato consigo mesmo (autocontrato ou Selbstvertrag), a não ser na hipótese em que uma pessoa contrate figurando uma vez em nome próprio e outra como representante, procurador de pessoa física distinta ou , diretor de pessoa jurídica. Nessas hipóteses, ite-se a existência do contrato por haver duas vontades distintas, embora estivessem ambas manifestadas pelo mesmo agente. É preciso a esse respeito salientar a hipótese de determinada pessoa figurar como mandatária em causa própria. Ocorre que o vendedor, tendo recebido o preço de um imóvel, não pode, por motivos fiscais ou por falta das certidões negativas, lavrar a escritura definitiva, e, não tendo mais nada a receber, prefere nomear o próprio comprador como procurador seu para, em qualquer tempo, lavrar o documento necessário para a transferência dos direitos. Em relação ao contrato consigo mesmo, existem, todavia, importantes restrições na legislação em vigor (arts. 497 do CC e 154, § 2.º, 155, I, e 156 da Lei das Sociedades Anônimas). O problema da conclusão do contrato suscita o da culpa in contrahendo, ou seja, da responsabilidade na hipótese de anulação do contrato por vício de vontade (dolo, coação) ou de danos decorrentes da não conclusão do contrato. Discute-se a natureza contratual ou legal dessa responsabilidade, pois o vício de vontade importa em anulação do contrato, que pode causar prejuízos ao contratante não culpado. Existe uma literatura jurídica de monografias que abordam o assunto, salientando as suas dificuldades e apresentando as soluções oferecidas pela jurisprudência1.
2. Formação do contrato: proposta e aceitação O contrato, como acordo de vontades, pressupõe uma proposta, denominada policitação, feita por uma das partes — o policitante ou
V. Antonio Chaves, Responsabilidade pré-contratual, Rio de Janeiro: Forense, 1959.
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proponente — à outra — o oblato ou solicitado. Quando há aceitação, o oblato torna-se aceitante. Os dois elementos imprescindíveis para a formação do contrato são a solicitação ou proposta e a aceitação. Negociações preliminares — Antes de aceitar, uma das partes pode pretender apenas obter informações, para saber se interessa ou não o contrato. Assim, indagações, apontamentos, minutas, visitas, contas, troca de cartas para esclarecimentos não vinculam as partes. O contrato poderá ou não se realizar. Responsabilidade pré-contratual é a que surge eventualmente das negociações preliminares, se uma das partes age culposamente (a culpa in contrahendo acima referida), causando prejuízo à outra parte. Essa responsabilidade está relacionada com o dever dos contratantes de atuar conforme o princípio da boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do CC. Isto significa dizer que, se uma parte agiu de forma a fazer acreditar que o contrato seria efetivamente realizado, em análise às peculiaridades do caso concreto, pode responder pelos danos provenientes da quebra na formação da relação contratual. 2.1. Policitação e efeitos A proposta de contrato obriga o proponente, como toda declaração unilateral de vontade, se o contrário não resultar dos seus termos, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso, deixando, todavia, a policitação de ser vinculatória se feita sem prazo a pessoa presente, não for aceita imediatamente ou, se feita a pessoa ausente, esta não responder dentro do prazo estipulado ou de prazo razoável. Deixa também de obrigar o proponente a policitação quando, antes ou simultaneamente com ela, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação daquele (arts. 427 e 428). Discute-se qual a situação criada se, após a proposta e antes da aceitação, o proponente falecer ou se tornar incapaz, entendendo a doutrina dominante que perdura a proposta perfeitamente válida, vinculando a parte e seus sucessores, não obstante existir pensamento divergente2. 2 V., a respeito, Serpa Lopes, Curso de direito civil, v. 3, p. 79, e Darcy Bessone de Oliveira Andrade, Do contrato, Rio de Janeiro, 1960, p. 176 e s.
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A doutrina distingue entre a obrigatoriedade da proposta e a sua irrevogabilidade, permitindo ao proponente que, salvo manifestação de vontade em contrário, revogue a proposta, respondendo, todavia, por perdas e danos se tiver causado algum prejuízo ao outro contratante. O Código Civil estabeleceu regra específica para a oferta destinada ao público em geral. De acordo com o seu art. 429, a oferta ao público equivale à proposta, se contiver todos os requisitos essenciais do contrato e desde que as circunstâncias e os usos não estabeleçam o contrário. Entretanto, ela pode ser revogada pela mesma via da sua divulgação, desde que a própria oferta mencione essa faculdade (parágrafo único do art. 429). Quanto às demais formas de contratar, para verificar o momento exato da formação do contrato é preciso distinguir os contratos entre presentes e entre ausentes. Nos primeiros, não há maior dificuldade para fixar o momento da criação do vínculo contratual, porque normalmente a aceitação segue imediatamente a proposta e a falta de aceitação imediata desvincula o policitante, salvo quando a proposta é apresentada como válida para determinado prazo. Como contrato entre presentes, entende-se não apenas o realizado por pessoas que estejam juntas como também os realizados por representantes ou procuradores ou mediante acordo telefônico ou por meio de comunicação semelhante. 2.2. Contratos entre ausentes. Teorias Nos contratos entre ausentes, também denominados contratos por correspondência (efetuados por cartas, telegramas, fax, mensageiros, recados telefônicos orais ou escritos ou Internet), enfrentamse os partidários das teorias da informação, da declaração, da expedição e da recepção. Conforme a teoria da informação, o acordo só se torna perfeito quando o proponente toma conhecimento da aceitação por parte do outro contratante. Para os adeptos da teoria da declaração, o contrato se realiza quando o aceitante declara aceitar a proposta. O antigo Código Civil
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dizia que se considera presente a pessoa que contrata por telefone; o novo, ante o progresso eletrônico e a Internet, aditou: contrata por telefone ou por meio de comunicações semelhantes (art. 428, I). Ambas as teorias são subjetivas, pois dependem de fatos de prova difícil, como a ciência da aceitação ou a decisão de aceitar. De modo mais objetivo, a teoria da expedição situa o contrato no momento em que o aceitante expede a sua declaração confirmando a aceitação da proposta, e a teoria da recepção exige o recebimento pelo proponente da comunicação do aceitante. Já se afirmou ser a teoria da informação a mais lógica, por não ser issível que um dos contratantes possa ficar vinculado por um contrato sem saber da aceitação da outra parte, como pode ocorrer na aplicação das teorias da expedição e da recepção. Na realidade, a recepção da notícia é a projeção objetiva da teoria da informação e a teoria da expedição é a objetivação da teoria declaratória. A objetivação crescente do direito e a vontade do legislador de evitar litígios fez com que se adotasse no direito brasileiro, como princípio geral, o da fixação do vínculo contratual no momento da expedição da aceitação, salvo algumas exceções em relação às quais se aplica a teoria da recepção. Assim, o art. 434 do Código de 2002 afirma que os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, salvo se antes dele vier retratação do aceitante (teoria da recepção) ou se as partes convencionarem prazo para o recebimento da resposta pelo proponente, não chegando esta tempestivamente (teoria da recepção) (v. arts. 433 e 434 do CC). Vemos, pois, que o legislador brasileiro itiu a tese da expedição, corrigindo-a, em casos excepcionais, com a aplicação da teoria da recepção. Se a resposta vier fora do prazo convencionado, o solicitante deverá comunicar o atraso no recebimento ao aceitante (art. 430), valendo como proposta nova a aceitação intempestiva ou aquela que for apresentada com emendas, adições, restrições ou modificações (art. 431). O prazo normal para a resposta é fixado pelo juiz, atendendo às circunstâncias locais e às peculiaridades de cada caso concreto, assim como à praxe existente entre as partes.
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2.3. Do lugar da formação dos contratos Quanto ao lugar, reputa-se celebrado o contrato onde foi proposto (art. 435). O problema se reveste da maior importância em direito privado, pois, “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”, e “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente” (art. 9.º e § 2.º da LICC — Dec.-Lei n. 4.657, de 4-9-1942). Havendo contraproposta, será considerado o lugar em que foi feita, equiparando-se-lhe a aceitação condicional, que, no fundo, constitui nova proposta.
3. Forma e prova dos contratos Já vimos que, embora geralmente os contratos não tenham formas solenes, algumas vezes há necessidade de escritura pública (venda de imóvel de valor superior a certa quantia), ando a ser o instrumento público essencial para a validade do negócio jurídico (art. 109), ou de documento escrito (doação que não seja de pequeno valor; autorização para sublocar na sistemática da Lei do Inquilinato). Quando, todavia, não há exigência legal quanto à forma, pode o contrato tanto ser verbal como escrito, realizando-se por documento particular ou público. Aplica-se à prova dos contratos o disposto em relação aos negócios jurídicos em geral. Assim, a prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráter legal, itindo-se a prova de contratos não sujeitos a forma especial, mediante confissão, documento, testemunha, presunção, na forma dos arts. 212 e 221 do CC. Mesmo tratando-se de um contrato verbal, nada impede que a prova seja feita mediante a apresentação de um documento que denominamos “começo de prova por escrito”. Assim, um contrato verbal de locação pode ser provado pelo recibo dado pelo locador ao locatário (documento escrito), pelo qual se completa a prova testemunhal. Embora no nosso direito o valor da prova testemunhal seja limitado aos contratos cujo valor não ultrae o décuplo do maior valor de referência do salário mínimo (art. 401 do C e Lei n. 6.205, de 29-4-1975), é issível a prova testemunhal em ne-
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gócios jurídicos de maior valor, existindo começo de prova por escrito, ou seja, havendo certos indícios ou provas complementares que façam presumir a existência do contrato ou do pagamento alegado. Num contrato de locação, por exemplo, a prova da existência da relação jurídica decorre da prova do pagamento dos aluguéis (art. 402 do C). Se o locatário faz mensalmente o pagamento do aluguel, mediante cheque nominal em favor do locador, e prova, mediante fotocópias dos cheques fornecidas pelo banco contra os quais foram emitidos, que os pagamentos foram recebidos, ocorre uma inversão do ônus da prova, cabendo ao locador provar que as quantias recebidas correspondem a qualquer outro negócio existente entre as partes. Há assim uma complementação da prova testemunhal pelo começo de prova por escrito.
4. Interpretação dos contratos3 Toda manifestação de vontade necessita de interpretação para que se saiba o seu significado e o seu alcance, as situações que previu e os efeitos que pretende ter. Do mesmo modo que a lei, ato de vontade do Estado, exige interpretação do juiz para que seja aplicada, a vontade contratual, para ter efeitos concretos, não prescinde do trabalho de hermenêutica realizado pelas próprias partes, nas suas relações jurídicas, e pelo magistrado, na hipótese de conflito de interesse. O problema assume ampla importância prática pelo número de pleitos que se originam de divergências na interpretação contratual, o que ocorre ainda com mais frequência atendendo-se à falta de técnica com a qual são feitos os contratos, apresentando contradições ou deixando pontos essenciais sem a regulamentação adequada.
3 Sobre os princípios gerais da interpretação em matéria contratual, v. Arnoldo Wald, parecer intitulado ITBI – Sisa – Não incidência do imposto sobre transmissão de bens imóveis na operação de sale-sale back (Revista de Direito Tributário, 29-30/85).
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Uma bibliografia especializada já trata do assunto, destacando-se as obras de E. Danz4 e de Emilio Betti5. Os princípios gerais da interpretação da lei são aplicáveis aos negócios jurídicos, havendo, todavia, normas próprias de herme nêutica, cuja existência se explica pelo caráter concreto e pela finalidade distinta da manifestação de vontade dos particulares, nos negócios jurídicos e de modo específico nos contratos. Os processos e as técnicas de fixação do sentido da lei, como os processos literal, histórico, sociológico, sistemático e lógico, são utilizados, além de outros, na interpretação contratual, em que também se atende à finalidade econômica da operação, à boa-fé presumida e ao comportamento ado das partes, ao conteúdo real do ato, independentemente da terminologia utilizada, às circunstâncias peculiares do caso, aos usos sociais e locais e à equidade. Os Códigos mais modernos não dedicam um grande número de artigos a essa matéria, não obstante a complexidade crescente dos contratos decorrentes do desenvolvimento da técnica moderna, preferindo deixar os juízes decidirem os conflitos que vierem a surgir em cada caso, de acordo com os princípios gerais. O problema preocupa, todavia, a doutrina, que, desde os grandes jurisconsultos anteriores ao Código Napoleão, como Domat e Pothier, fixou alguns princípios de hermenêutica contratual que os Códigos do século XIX, especialmente o francês e o italiano, incorporaram aos seus textos. As doze regras de Pothier constituem hoje um documento clássico, no qual o mestre francês aconselha que se atenda mais à vontade das partes do que às palavras por elas empregadas, procurando-se uma interpretação das cláusulas que permita dar sentido ao contrato assegurando a sua execução, interpretando as cláusulas de acordo com os usos do país, esclarecendo-se as ambiguidades do contrato pelas cláusulas mais claras; não deve a interpretação ser, na dúvida, contrária aos interesses daquele que se obrigou.
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La interpretación de los negocios jurídicos, trad. esp., Madrid, 1931. Interpretazione della legge e degli atti giuridici, Milano, 1949.
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Embora somente alguns deles se encontrem explicitamente na lei pátria, tais princípios podem ser aplicados pelos juristas, pois constituem verdadeiros princípios gerais do direito. As regras de hermenêutica não têm conteúdo imperativo, podendo ser afastadas pela vontade das partes, destinando-se tanto aos contratantes quanto aos magistrados. No direito brasileiro, o Código Civil fixa princípios de hermenêutica contratual em seus arts. 112, 113, 114 e 819, bem como nos princípios da função social do contrato, da probidade e da boa-fé, previstos expressamente em seus arts. 421 e 422. Os textos determinam que se atenda à vontade real das partes, à sua vontade comum, ao que objetivamente pretenderam fazer, devendo o contrato ser interpretado de acordo com o próprio comportamento das partes, numa espécie de interpretação autêntica, na qual o juiz examina a conduta das partes na execução do contrato até o momento do litígio. Tal conduta é a melhor manifestação do modo pelo qual os contratantes entenderam as suas obrigações e o modo de cumpri-las. Divergindo as palavras da realidade do negócio, a esta deverá atender o juiz. Assim, se as partes denominam um contrato “comodato”, mas estabelecem uma remuneração para o comodante, é evidente que deverá ser desprezada a terminologia adotada, por ser necessariamente o comodato um contrato gratuito, apreciando-se o contrato em questão como locação de coisas. Se durante a vigência do contrato, embora, por lei, a dívida fosse quérable, pagável no endereço do devedor, criou-se a praxe de esta ser paga no domicílio do credor (portable), não pode, em seguida, uma das partes alterar a interpretação que ela própria deu ao texto contratual. No Código Civil de 1916, encontrávamos tão somente o princípio do respeito à intenção das partes (art. 85) e da interpretação restritiva dos contratos benéficos em geral (art. 1.090) e da fiança em particular (art. 1.483). Já o Código Comercial mandava atender aos costumes locais (art. 130), estabelecendo que se obedecesse aos princípios da boa-fé e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato (art. 131, I), que deveriam prevalecer sobre a rigorosa e restrita significação das palavras.
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Devido à sua amplitude, entendia-se a aplicação analógica das regras do Código Comercial aos contratos de direito civil, com base no art. 4.º da Lei de Introdução ao Código Civil. O Código Civil, além de estabelecer a busca da intenção das partes (art. 112) e a interpretação conforme a boa-fé e os usos e costumes (art. 113) e determinar que os negócios jurídicos benéficos (unilaterais, na denominação do Código Civil de 1916) e a renúncia devem ser interpretados restritivamente (art. 114), acrescentou dois princípios que devem ser considerados pelo intérprete: a) função social do contrato; e b) princípio da boa-fé objetiva. O fim econômico, ou seja, a causa do contrato, que se revela pelo estudo das circunstâncias especiais em que foi realizado, correspondendo à occasio legis na interpretação da lei, é fator de grande importância na determinação do sentido das manifestações de vontade das partes. Havendo modificação ou aditamento contratual e pretendendo o juiz esclarecer quais as disposições do contrato original que continuaram ou não em vigor, deverá analisar as razões e os fatos que levaram os contratantes a o aditamento. Assim, na hipótese de uma infração contratual — por exemplo, uma sublocação proibida —, se o locatário pagou multa, é preciso saber se o pagamento importou em modificação do contrato, ando o locador a autorizar ou não a sublocação, que ensejou tal multa. A interpretação não deve agravar a situação do devedor, impondo-se uma interpretação restritiva das cláusulas que criam obrigações, pois, na dúvida, a cláusula deve ser entendida no sentido que for menos oneroso para o devedor. Quando determinada interpretação leva ao absurdo, isto é, impossibilita a execução do contrato, deve ele ser interpretado de tal modo que possa prevalecer e ser exequível. É uma aplicação jurídica da teoria matemática da prova pelo absurdo. Havendo dúvida quanto à natureza de um peso ou de uma medida, como ocorre em relação aos alqueires, que têm dimensões distintas em Minas Gerais e em São Paulo, o Código Civil de 2002, seguindo a ideia do Código Civil de 1916, manda atender aos usos e costumes no lugar da celebração do contrato (art. 113). Assim, se a fazenda vendida está localizada em Minas, entender-se-á que os al-
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queires são mineiros, e, se situada em São Paulo, as dimensões serão compreendidas como alqueires paulistas6. Faltando cláusulas necessárias para a complementação do sentido do contrato, o juiz poderá suprir as falhas existentes recorrendo à prática existente no comércio. Se, numa escritura de venda de quota de terreno e de construção de apartamento, o vendedor estabelece que determinado pagamento será financiado sem mencionar a data a partir da qual deverão ser pagas as prestações financiadas, entende-se que correrão elas, conforme o caso e as cláusulas contratuais, a partir da intimação do comprador ou da entrega do apartamento com “habite-se”. Essa interpretação complementar do contrato é denominada por alguns autores interpretação integrativa, pois integra novos elementos no contrato. Na sua função de completar o contrato, o juiz atenderá aos princípios de equidade, aplicando normas supletivas ou, na falta destas, a norma que estabeleceria se fosse legislador (arts. 126 e 127 do C vigente), desde que compatível com o espírito e as demais cláusulas do contrato. A interpretação integrativa só pode ocorrer em relação aos elementos secundários (não essenciais) do contrato. 4.1. Interpretação e direito do consumidor Com a edição do Código de Defesa do Consumidor, novas regras foram incorporadas ao nosso direito, embora já houvesse a base doutrinária acima indicada. Assim, a Lei n. 8.078, de 11-9-1990 (Código de Defesa do Consumidor), contém no Capítulo VI, cuja rubrica é “Da proteção contratual”, três seções: a primeira contendo regras sobre interpretação, com a rubrica “Disposições gerais”; a segunda intitulada “Das cláusulas abusivas”; e a terceira cuidando “Dos contratos de adesão”. O art. 46 do Código de Defesa do Consumidor impõe a ineficácia para os contratos não comunicados previamente ao consumidor
1 alqueire paulista = 24.200 m2; os demais valem o dobro (Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás).
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ou redigidos de modo obscuro. É o que se vê da redação do artigo: “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”. Segundo Eduardo Arruda Alvim, “É uma regra que excepciona o sistema do Código Civil [de 1916], que consagra incondicionalmente a força obrigatória dos contratos, independentemente dos requisitos deste art. 46, caput (arts. 1.079 a 1.091), segundo a qual, somente havendo vício de vontade, são aqueles anuláveis (serão nulos, se houver coação física ou vis absoluta)”7. Mas o artigo seguinte é mais incisivo: “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Aí temos a regra consagrada do que já vinha sendo aplicado aos chamados contratos de adesão (v. n. 8 do Cap. 13). SÍNTESE 12 — ELEMENTOS DO CONTRATO 1. Elementos essenciais: ca- O contrato, como negócio jurídico bilatepacidade, objeto e consen- ral, exige agentes capazes; objeto lícito, timento possível, determinado ou determinável, e consentimento válido, além de forma prescrita ou não defesa em lei (art.104). 2. Formação do contrato: O contrato, como acordo de vontades, proposta e aceitação pressupõe dois elementos essenciais para a sua formação: uma proposta ou policitação (feita pelo proponente ou policitante) e uma aceitação (feita pelo oblato ou solicitado). Momento da formação do contrato: no contrato entre presentes a aceitação segue
7 Arruda Alvim et al., Código do Consumidor comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 106.
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imediatamente a proposta feita pessoalmente, por telefone ou outro meio de comunicação semelhante (art. 428, I). Os contratos entre ausentes são aqueles realizados por correspondência. 2.1. Policitação e efeitos
A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos seus termos, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso (arts. 427 e 428). De acordo com o art. 429, a oferta ao público equivale à proposta.
2.2. Contratos entre ausen- Nos contratos entre ausentes ou por correspondência (cartas, telegramas, fax tes. Teorias e meios informáticos), enfrentam-se os partidários das teorias da informação, da declaração, da expedição e da recepção. O Código Civil, no art. 434, adota, como regra geral, a teoria da expedição e, excepcionalmente, a teoria da recepção ou cognição nos arts. 433 e 434. 2.3. Do lugar da formação Quanto ao lugar, reputa-se celebrado o contrato onde foi proposto (art. 435). dos contratos 3. Forma e prova dos contra- O contrato, como todo negócio jurídico, tos não depende de forma especial, senão quando a lei expressamente o exigir. Aplica-se à prova dos contratos o disposto em relação aos negócios jurídicos em geral (arts. 212 e 221). 4. Interpretação dos contra- O Código Civil, no art. 112, determina tos que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem e fixa princípios de hermenêutica contratual nos seguintes artigos: 113, 114 e 819 e outros.
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4.1. Interpretação e direito O Código Civil incorporou os princípios do Código de Defesa do Consumidor nos do consumidor arts. 423 e 424, estabelecendo que nos contratos de adesão as cláusulas ambíguas ou contraditórias serão interpretadas a favor do aderente e serão nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
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Capítulo 13 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS Sumário: 1. Diversidade de critérios para a classificação dos contratos. 2. Contratos unilaterais, bilaterais e plurilaterais. 3. Contratos gratuitos e onerosos. 4. Contratos típicos, atípicos e mistos. 5. Contratos individuais e coletivos. 6. Contratos instantâneos, continuados e diferidos. 7. Contratos reais, formais e consensuais. 8. Contratos de adesão. 8.1. Contratos de massa. 9. Contratos por tempo determinado e indeterminado. 10. Contratos civis e comerciais e a unificação do direito das obrigações. 11. Contratos conexos, grupos de contratos e contrato quadro. 12. Contratos preliminares. 12.1. Contrato obrigatório. 12.2. Contrato consigo mesmo ou autocontrato. 12.3. Contratos evolutivos. 12.4. Contratos de consumo. 12.5. Subcontrato. 12.6. Contratos eletrônicos.
1. Diversidade de critérios para a classificação dos contratos Embora apresentando-se, à primeira vista, como questão essencialmente teórica, a classificação dos contratos se reveste de importância prática pelas consequências legais próprias a cada tipo de contrato. No direito romano, a classificação obedeceu a fatores formais, distinguindo-se então, como vimos oportunamente, os contratos reais, verbais, literais e consensuais e conhecendo-se regime jurídico distinto para os contratos propriamente ditos e para os pactos. No direito moderno, atende-se a vários critérios para classificar os contratos, seja de acordo com o número de partes sobre as quais recaem as obrigações, seja com base na existência ou não de libe-
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ralidade, seja atendendo à transferência da posse de bens, à forma solene, à regulamentação específica contida na lei, à maior ou menor liberdade que têm as partes de discutir e fixar o conteúdo do contrato. Algumas distinções são clássicas, vindo do direito romano ou dos autores medievais. Outras são mais modernas e algumas simplesmente de caráter acadêmico, pois a matéria é em grande parte subjetiva e cada autor pode enunciar uma classificação própria dos contratos, atendendo a critérios por ele fixados.
2. Contratos unilaterais, bilaterais e plurilaterais Os contratos são bilaterais quando criam deveres jurídicos para ambos os contratantes e são unilaterais quando impõem deveres tão somente a uma das partes. Entre os contratos bilaterais, ou ao lado deles, conhecem-se os contratos plurilaterais, que se caracterizam não só pela multiplicidade das partes (mais de dois contratantes) como também pela identidade das obrigações e das finalidades almejadas por todos os contratantes (v. g., o contrato de sociedade). Não devemos confundir o ato jurídico unilateral com o contrato unilateral. Ato jurídico unilateral é, assim, aquele em que só há uma única declaração de vontade (v. g., o testamento, a promessa de recompensa). Quando ocorre mais de uma declaração de vontade o ato é bilateral, podendo ou não ter natureza contratual. O negócio jurídico bilateral é contrato quando cria, extingue ou modifica obrigações (de conteúdo exclusivamente patrimonial), como acontece na locação, na compra e venda, no mandato. Ao contrário, não é contrato quando cria, modifica ou extingue direitos ou deveres sem natureza obrigacional. O casamento e a adoção criam deveres jurídicos sem conteúdo patrimonial, ao lado de outros de caráter obrigacional, não se enquadrando entre os contratos, pois o dever de fidelidade decorrente do matrimônio e o dever de assistência moral e de educação oriundo da adoção não são obrigações no sentido técnico-jurídico da palavra, por faltar-lhes conteúdo exclusivamente econômico. Enquanto a classificação em unilaterais e bilaterais atende ao número de declarações de vontade, a classificação correspondente
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dos contratos, que sempre são negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais, baseia-se no número de partes contratantes sobre as quais recai o dever jurídico. Se somente um dos contratantes tiver dever jurídico em virtude do contrato, este será unilateral. Se ambas as partes tiverem deveres jurídicos, o contrato será bilateral. Se, havendo mais de duas partes no contrato, sobre todas elas recaírem as obrigações, o contrato será plurilateral. É unilateral o contrato de doação, pois nele somente o doador se obriga, devendo entregar ao donatário a coisa doada, inexistindo qualquer obrigação por parte do donatário. É também unilateral o contrato de mútuo, pois só se realiza no momento da tradição dos bens fungíveis, de modo que, tendo recebido quantia determinada do mutuante, o mutuário é a única parte no contrato que tem obrigações, não havendo mais, após a realização do contrato, qualquer obrigação do mutuante. A unilateralidade do contrato não significa que só possa existir uma obrigação, mas que somente uma das partes é sujeito ivo de obrigação. Pode ocorrer que o mutuário, além do dever de devolver a quantia recebida ao mutuante, tenha de pagar juros ou despesas referentes ao mútuo. O contrato continuará sendo unilateral, pois somente está obrigado o mutuário e não o mutuante. A obrigação do mutuante — de entregar as coisas fungíveis — coincide com a realização do contrato, é condição legal de sua existência. Uma vez celebrado o contrato, só o mutuário é que tem obrigações. São contratos bilaterais o de compra e venda (o comprador deve pagar o preço e o vendedor deve entregar a coisa), o de locação de coisas (o locador entrega a posse do objeto e o locatário paga o aluguel), o de prestação de serviços (o prestador realiza determinado trabalho e a outra parte, o locatário, paga os seus salários, vencimentos ou honorários) e muitos outros. É contrato plurilateral o de sociedade com mais de dois só1 cios .
A respeito dos contratos plurilaterais, v. Arnoldo Wald, Do descabimento de denúncia unilateral de pacto parassocial que estrutura o grupo societário, RDM, São Paulo, 81/15-21, jan./mar. 1991. 1
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Alguns autores se referem ainda aos contratos unilaterais imperfeitos, constituindo uma categoria intermediária entre os unilaterais e os bilaterais. São contratos unilaterais imperfeitos aqueles que, sendo naturalmente unilaterais, tornam-se bilaterais em virtude de modalidade ou cláusula contratual introduzida pelas partes. Assim, no contrato de doação — contrato unilateral por excelência — a criação de um encargo para o donatário, obrigando-o a escrever um livro, fazer uma estátua, construir um monumento etc., importa na transformação do contrato em bilateral. O exemplo fundamenta a possibilidade de converter o contrato normalmente unilateral em bilateral. A distinção entre as duas espécies de contratos tem grande alcance prático, pois, nos contratos bilaterais, ite-se a exceptio non adimpleti contractus e a condição resolutiva tácita. A exceção de inadimplemento (exceptio non adimpleti contractus), consagrada no art. 476 do CC e que anteriormente estava prevista no art. 1.092 do Código de 1916, permite, nos contratos bilaterais, que uma das partes não cumpra a sua obrigação enquanto a outra não tiver cumprido os seus deveres, quando o contrato estabelecer prestações contemporâneas (trait pour trait). Numa venda a vista, o comprador não pode exigir a entrega da coisa sem oferta real do pagamento do preço, pois o vendedor não é obrigado a cumprir a sua obrigação enquanto o comprador não apresentar o pagamento. Essa defesa decorre da correlação e da reciprocidade das prestações. A exceção apresenta também outra modalidade, que é a exceptio non rite adimpleti contractus, que pode ser alegada quando o outro contratante cumpriu as suas obrigações, mas não nas modalidades previstas ou na forma contratualmente estabelecida. A exceptio tem como corolário a possibilidade para um dos contratantes de pedir novas garantias quando a situação econômica do outro se alterou substancialmente (art. 477). A condição resolutória tácita consagrada no art. 475 do CC (anteriormente constante do art. 1.092 do Código de 1916) autoriza a parte lesada pelo inadimplemento do outro contratante a pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. Tratando-
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-se de cláusula resolutiva tácita, é necessário que haja interpelação do outro contratante, na forma do art. 474, ao contrário do que ocorre com a cláusula resolutiva expressa, que opera de pleno direito, ou seja, independentemente de qualquer atuação da parte contratante. Também em relação à responsabilidade nos contratantes, é diferente o tratamento existente nas duas espécies de contrato. Enquanto no contrato unilateral responde por simples culpa o contratante favore cido e só por dolo aquele a quem o contrato não favorece, nos contratos bilaterais, cada uma das partes responde tanto por culpa como por dolo. Essa matéria ou a ser disciplinada no art. 392, no qual se fez alteração da denominação, ando a chamar os contratos aqui denominados unilaterais de contratos benéficos, e contratos bilaterais, de contratos onerosos.
3. Contratos gratuitos e onerosos O contrato gratuito é o que encerra uma liberalidade, importando na redução do patrimônio de um dos contratantes em benefício do outro. O contrato oneroso é aquele no qual as partes transferem certos direitos, serviços ou vantagens uma à outra, mediante determinada compensação. São contratos gratuitos a doação e o comodato. São contratos onerosos a empreitada, a compra e venda, a locação de coisas, a locação de serviços. Podem ser, conforme a convenção das partes, onerosos ou gratuitos o mútuo e o mandato. Algumas vezes somente uma das partes tem prestações a cumprir, mas, faltando o espírito de liberalidade, o contrato não é considerado gratuito. Desse modo, num contrato de seguro, não ocorrendo o evento danoso dentro do prazo contratual, somente o segurado terá feito pagamentos, sendo aparentemente gratuito o contrato para a companhia seguradora. De fato, o caso não é de gratuidade, pois a companhia seguradora assumiu um risco, e o pagamento do segurado visou compensar o risco assumido. Ato gratuito é aquele pelo qual alguém transfere um bem ou presta um serviço sem qualquer espécie de compensação, sem nenhuma possibilidade ou intenção de conseguir algum benefício e sem assumir qualquer risco.
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Alguns autores pretendem identificar o contrato bilateral com o contrato oneroso e o unilateral com o gratuito. Se realmente todo contrato bilateral tem natureza onerosa (v. g., compra e venda, locação), ao contrário, o contrato unilateral pode ser, conforme o caso e a convenção existente entre as partes, gratuito (doação) ou oneroso (mútuo com pagamento de juros pelo mutuário ao mutuante). O mútuo com pagamento de juros é considerado contrato oneroso, pois importa numa cessão do uso e gozo de coisa fungível por determinado tempo ou por tempo indeterminado, mediante compensação dada pelo mutuário ao mutuante, que é o pagamento dos juros. Assim sendo, a operação não se reveste do caráter de liberalidade, apresentando-se como contrato oneroso. Os contratos onerosos se subdividem em comutativos e aleatórios. O contrato comutativo caracteriza-se pela equivalência presumida das prestações dos contratantes. As prestações de ambos os contratantes devem ser certas e compensar-se umas com as outras. É o caso da compra e venda, em que o preço deve corresponder em tese ao valor da coisa vendida. Na locação, o aluguel representa o valor locativo de um bem ou de um serviço. O contrato aleatório é o contrato oneroso, em que uma ou ambas as prestações são incertas2. A incerteza pode referir-se seja à própria existência da prestação, seja ao seu valor. Contrato aleatório, por excelência, é o de seguro, em que a prestação do segurado é certa e a do segurador é incerta, dependendo da realização de uma condição que denominamos “sinistro”. Como vimos, o contrato de seguro não é gratuito, mesmo quando, não se realizando o sinistro, nenhuma obrigação surge para o segurador, pois o negócio jurídico tem como fundamento a constituição para o segurado de uma garantia contra o infortúnio, não sendo o pagamento do prêmio um ato de liberalidade, por haver uma contraprestação hipotética ou eventual, mas existente. No contrato de seguro, o risco se refere à exigibilidade ou não da prestação. Em outros contratos aleatórios, a dúvida surge em re-
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Ex.: jogo de loteria e aposta.
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lação ao valor da prestação. Quando uma pessoa vende a safra futura de uma das suas fazendas, ignora-se qual possa ser o seu valor real, presumindo a existência da safra, mas não podendo avaliá-la. A venda de coisa futura se apresenta sob dois aspectos: emptio spei3, ou seja, a venda de objeto futuro, devendo ser pago o preço venha ou não a existir o objeto, e a emptio rei speratae4, em que a realização da venda depende de existência do objeto, embora possa variar o seu valor. Na primeira hipótese, referente à emptio spei (compra da esperança), o vendedor recebe o preço independentemente da existência ou não do objeto vendido. Na segunda, torna-se necessário para a emptio rei speratae (compra da coisa esperada) que haja objeto, embora possam variar o seu conteúdo e o seu valor. Num caso, o risco assumido pelo comprador é quanto à própria existência do objeto; no outro, o risco só se refere ao valor ou quantitativo, pressupondo-se para a realização do negócio a necessidade de existência do objeto. Quando alguém vende a sua safra declarando que “a venda ficará perfeita e acabada haja ou não safra, não cabendo ao comprador o direito de reaver o preço pago, se por razões de força maior (geada etc.) não houver safra”, o caso é de emptio spei. Se a venda é condicionada à existência da safra, mas independe do valor desta, a venda é emptio rei speratae, não itindo reajustamento do preço em virtude de ser maior ou menor a produção alienada, pois os riscos do seu valor correm por conta do comprador, mas não os decorrentes de sua própria existência. No plano prático, precisamos salientar que os vícios redibitórios só autorizam o exercício da ação rescisória ou estimatória (de redução de preço) nos contratos comutativos e nas doações onerosas (art. 441). Os contratos aleatórios encontram regulamentação própria nos arts. 458 a 461 do CC, referindo-se o primeiro dos mencionados artigos à emptio spei, o art. 459 à emptio rei speratae e os arts. 460 e 461 à venda de coisas sujeitas a riscos, sem que as partes soubes-
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Tradução linhas adiante. Tradução linhas adiante.
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sem no momento do contrato se ainda existiam ou não. Na hipótese de saber o alienante que a coisa já desapareceu, o contrato alienatório perde as suas características, sendo anulável por dolo do vendedor. Alguns contratos são relativamente aleatórios, havendo uma parcela de uma das prestações cujo valor depende de condição. Tais contratos se regulam pelos princípios gerais dos contratos comutativos quando o princípio básico do negócio é a equivalência das prestações. Numa venda de estabelecimento, é possível que o comprador pague uma prestação fixa e, durante determinado período, uma quota-parte dos lucros do negócio. Tal situação não altera a comutatividade essencial no negócio, que prevalece sobre a álea.
4. Contratos típicos, atípicos e mistos Os contratos típicos ou nominados são aqueles que têm uma estrutura legalmente definida. São regulamentados nos seus principais aspectos por textos legais. Ao contrário, os contratos atípicos ou inominados não têm estrutura fixada pela lei e dependem exclusivamente da convenção das partes para assentar os direitos e as obrigações deles decorrentes. O direito primitivo em geral e o direito romano em particular não itiam, com amplitude, a autonomia da vontade das partes, entendendo que somente a vontade das partes não podia obrigá-las, sendo necessário recorrer a fórmulas sacramentais que encontramos na stipulatio, no nexum e em outros contratos da época. À medida que o liberalismo foi impondo suas ideias, as normas legais referentes aos contratos aram a ter função geralmente supletiva, a não ser quando defendendo alguns princípios básicos de ordem pública, entendendo-se que, do mesmo modo que os contratantes podiam afastar a aplicação das normas dispositivas, nada impedia que criassem novas figuras contratuais, sem regulamentação legal prévia. Conhecemos, pois, hoje, no nosso direito, duas espécies de contratos: os contratos nominados ou típicos, que têm nomen iuris, ou seja, definição e estrutura provenientes da lei, e os contratos inominados ou atípicos, sem regulamentação legal apropriada.
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A tendência do direito se manifesta no sentido de permitir às partes a criação de número ilimitado de contratos atípicos ou inominados que somente se regulam pelos princípios gerais referentes aos contratos e, supletivamente, por normas jurídicas referentes a algum contrato típico análogo. Tanto assim que o art. 425 do CC expressamente declara que é lícito às partes estipular contrato atípico, mas sempre observando as regras gerais nele estabelecidas. Mesmo em relação ao contrato nominado, nada impede que as partes afastem a aplicação das normas supletivas existentes na legislação pátria ou incluam cláusulas ou condições não previstas pela lei brasileira, pois tudo que não for proibido e não atentar contra a nossa ordem pública e os nossos bons costumes é lícito. O Código conhece e regulamenta vinte contratos nominados, como a compra e venda, a locação, a empreitada, a doação, o mútuo, o comodato etc. As partes podem, todavia, mesmo nesses contratos típicos ou nominados, excluir ou agravar responsabilidade, exigir reforço de garantia, transformando os institutos de acordo com os seus interesses e com a finalidade econômica do negócio que pretendem fazer. Existem no direito brasileiro inúmeros contratos atípicos, ou inominados, entre os quais podemos citar a cessão de clientela e a abertura de crédito, por não encontrarem regulamentação específica na legislação brasileira. Até 1964, os contratos de incorporação, de promessa de cessão e de promessa de compra e venda também eram atípicos. Vinculada ao critério de distinção entre contratos típicos e atípicos, surge a classe dos contratos mistos, criados pelas partes com a utilização simultânea de elementos de diversos contratos nominados. O contrato misto distingue-se do atípico, pois utiliza a regulamentação e a estrutura de contratos nominados, mas realiza uma fusão de diversos figurinos ou moldes num contrato só5. Assim, o contrato de locação de caixas-fortes não se limita a ser um contrato de locação, mas apresenta elementos do depósito, pois o banco que os aluga tem
V., a respeito do contrato misto, RTJ, 76/618, 77/884 e 77/997, e Arnoldo Wald, Da invalidade da cláusula penal destinada a impedir a entrada no mercado de empresa concorrente, Digesto Econômico, São Paulo, v. 240, nov./dez. 1974. 5
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função de guarda em relação aos objetos depositados. Trata-se, pois, de um contrato misto em que há elementos da locação e outros do depósito voluntário, ambos contratos nominados, mas que pela fusão dos seus elementos dão margem a um contrato misto6. Do mesmo modo, na venda com reserva de domínio (contrato nominado com cláusula prevista em lei), as partes podem convencionar que, até o pagamento total do preço, o comprador, além de simples candidato a proprietário do objeto vendido, funcione também como depositário deste, com as responsabilidades agravadas que a lei civil e penal estabelece na hipótese de depósito. Surge assim um contrato misto, decorrente da fusão da compra e venda com reserva de domínio com o depósito. Na falta de tal cláusula, a jurisprudência vacila quanto à situação jurídica exata do comprador com cláusula de reserva de domínio, entendendo alguns julgados que a sua posição é de possuidor de boa-fé, enquanto outros o equiparam ao comodatário, pois, importando a reserva de domínio em conservar o vendedor a propriedade do objeto alienado até pagamento final, não é fácil esclarecer o enquadramento jurídico do comprador antes do pagamento total. Se o contrato misto de reserva de domínio com depósito é perfeitamente lícito, o mesmo não ocorre com o contrato de locação com opção para a compra, sistema engenhoso pelo qual os vendedores quiseram evitar a proteção ao comprador assegurada no caso da venda com reserva de domínio. Essa modalidade de contrato que surgiu no Brasil em relação às máquinas de costura importava numa locação simulada em que as prestações da venda eram consideradas como aluguel e, após a locação por determinado prazo, o locatário tinha uma opção para adquirir por preço irrisório o objeto que realmente já tinha pago. A fraude no caso consistia em não haver qualquer ressarcimento para o comprador se deixasse de pagar alguma das prestações e independentemente de tudo já tivesse anteriormente pago ao vendedor simulado em locador. Atualmente já se ite o arrendamento mercantil, também denominado leasing, que tem, todavia, finalidade diversa.
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Sobre o assunto, ver outro volume deste Curso.
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A atual tendência do direito para maior interferência nos contratos visa a ampla proteção para o elemento economicamente fraco, não pretendendo, todavia, reduzir ou limitar o número de contratos inominados e a liberdade que os contratantes têm de criar novos tipos de contratos. Tal liberdade só encontra limitações quando a finalidade real das partes consiste em burlar a lei ou em locupletamento à custa de outrem. O que a lei pretende estabelecer são condições mínimas de ordem pública em relação a todos os contratos a fim de evitar o enriquecimento sem causa, a usura, a coação econômica. O problema do legislador não consiste em proteger os contratos nominados, mas em evitar os abusos e as fraudes. Por essa razão é que o legislador interveio, regulamentando, no Código de Processo Civil e nas leis de economia popular, a venda com reserva de domínio. Por essa mesma razão é que se estabeleceu a legislação especial sobre vendas de imóveis, constantes no Decreto-Lei n. 58, de 10-12-1937, na Lei n. 649, de 11-3-1949, e na estruturação do Plano Habitacional (Lei n. 4.380, de 21-8-1964, e posteriores alterações), complementada pela Lei de Incorporações (Lei n. 4.591, 16-12-1964, e posteriores alterações), que foi fruto de um movimento para uma regulamentação mais severa e rígida das operações imobiliárias, pois assistíamos a uma série de irregularidades, fraudes, abusos e verdadeiros casos de usura decorrentes de contratos leoninos, operações não denominadas e atípicas, não previstas por lei e que muitas vezes deixavam o adquirente sem qualquer espécie de proteção jurídica. Com o decorrer do tempo contratos atípicos se transformam em contratos típicos. É o que aconteceu com a promessa de compra e venda e com o arrendamento mercantil. No Código Civil encontramos novos contratos típicos, que até agora não eram previstos pela nossa legislação, como os de agência e distribuição (arts. 710 a 712), corretagem (arts. 722 a 729) e contrato estimatório (arts. 534 a 537)7.
7 Sobre o assunto, v. Álvaro Villaça Azevedo, Contratos inominados ou atípicos, São Paulo, 1975. V. neste volume os citados contratos.
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5. Contratos individuais e coletivos O contrato é individual quando estabelece uma relação entre pessoas, como acontece na compra e venda, na locação de coisas ou de serviços, no mandato e no depósito. Ao lado do contrato individual, surgiu, no fim do século XIX e início do século XX, o chamado contrato coletivo ou convenção coletiva, com importância crescente, especialmente no campo do direito do trabalho. Diante da desigualdade econômica existente entre empregado e empregador, os operários pretenderam substituir as relações interindividuais por relações sociais ou de grupos entre sindicatos patronais e sindicatos de empregados. O contrato coletivo apresenta-se assim como um acordo não de indivíduos isolados na defesa dos seus interesses, mas de sindicatos ou grupos econômicos. Para facilitar a aceitação das reivindicações operárias, organizou-se um sistema sindical para a discussão das condições de trabalho com os empregadores. Hoje, tais conversações muitas vezes são feitas entre sindicatos patronais e operários. A convenção coletiva de trabalho e o dissídio coletivo, regulamentado pelo direito do trabalho, fizeram com que um acordo de vontades pudesse ser aplicado a pessoas que nele não tivessem sido partes, em virtude de extensão a todos os membros de determinada categoria profissional das vantagens pleiteadas por um sindicato. Podemos assim afirmar que, no direito do trabalho, o princípio de acordo com o qual o contrato é res inter alios acta para os terceiros já está superado. Trata-se de importante conquista humana do direito do trabalho, que revolucionou o esquema tradicional do contrato, mudando a própria substância e transformando-o num ato-regra para uma categoria econômica. Não é, todavia, apenas nas relações entre empregados e empregadores que surgem os contratos coletivos. Muitas vezes ocorrem entendimentos entre diversas indústrias ou diferentes firmas comerciais, para a produção, a compra ou a venda de determinados artigos, fixando-se princípios para evitar a concorrência desleal ou a luta de preços, que poderia levar à ruína os produtores e os comerciantes. Não é só o fim ilícito de organizar que leva os interessados ao con-
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trato coletivo. Muitas vezes, é um acordo que se torna necessário para atender a determinado mercado, a certas modalidades de vendas, à realização de determinadas pesquisas, fixando-se as bases da cooperação de diversos grupos econômicos para fabricar ou comercializar o produto8. Muitas vezes o fabricante faz um contrato coletivo com os diversos revendedores, a fim de evitar a concorrência entre eles, fixando modalidades gerais de trabalho e zona de atividade de cada um num documento de caráter mais estatutário do que contratual. Estabelecemse assim as quotas de cada um, a possibilidade ou não de transferi-las e o modo de operar em geral etc. Situação análoga surge nos chamados contratos grupais, como, por exemplo, o seguro de grupo, a compra e venda por consórcios e a oferta pública de ações. O problema da importância dos contratos coletivos no direito contemporâneo tem provocado estudos monográficos de autores que procuram enquadrá-los dentro do âmbito contratual, não obstante as divergências existentes entre a nova figura e o contrato clássico.
6. Contratos instantâneos, continuados e diferidos Os contratos instantâneos são aqueles que se realizam e executam num único momento, não apresentando maior duração. A compra e venda de um objeto com pagamento a vista é evidentemente um contrato instantâneo em que uma das partes entrega a coisa e a outra paga o preço. Os contratos continuados ou continuativos, também denominados de execução continuada ou de trato sucessivo, são os que demoram certo tempo, perdurando as obrigações das partes contratantes. São também denominados contratos sucessivos. Importam na realização de prestações periódicas e contínuas, como acontece em matéria de locação de coisa ou de certos serviços, no contrato de seguro, nos contratos de fornecimento em geral.
Arnoldo Wald, Os acordos de comercialização no direito brasileiro, RDM, v. 47, jul./set. 1982. 8
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A distinção apresenta importância prática no campo da aplicação da exceptio non adimpleti contractus, da resolução do contrato e ainda nos casos de força maior, de falência ou de imprevisão, e finalmente quanto aos prazos prescricionais. Caracterizam-se os contratos sucessivos ou continuados pelo fato de não ser executada a prestação de uma vez só, mas de modo contínuo ou periódico, não se confundindo, necessariamente, com os contratos de execução diferida, que podem ser tanto instantâneos como de trato sucessivo.
7. Contratos reais, formais e consensuais Essa distinção continua tendo importância prática, pois caracteriza a existência do contrato e o momento no qual este se formou e ou a produzir efeitos jurídicos. Contrato real é, de acordo ainda com a lição dos romanistas, aquele cuja realização depende da entrega de certo objeto, como ocorre no mútuo, no comodato e no depósito. Sem a entrega da coisa mutuada, dada em comodato ou depositada, não se torna perfeito e acabado o contrato. Poderá valer quando muito como promessa de mútuo (abertura de crédito) ou de comodato ou de depósito. O contrato definitivo depende, todavia, da entrega do objeto, que é assim imprescindível, justificando o caráter real do contrato. Contratos formais ou solenes são os que exigem forma especial para a sua celebração, como os negócios jurídicos, que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a certa quantia, e o pacto antenupcial, que, na forma dos arts. 108 e 1.653 do CC, só são válidos quando realizados por escritura pública9. Se a lei exige contrato escrito, este é formal, mesmo por instrumento particular. O contrato não solene é, ao contrário, aquele que não necessita de forma especial para a sua validade. O contrato solene, quando realizado sem a forma estabelecida por lei, poderá valer com outra
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V. Capítulo 12, n. 1.
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finalidade, mas não atenderá à sua função precípua. Assim, a venda de imóvel por instrumento particular não constitui título hábil para ser apresentado no Registro de Imóveis para obter a transferência da propriedade, ressalvadas as situações especiais enquadradas no sistema nacional de habilitação ou as hipóteses de imóveis loteados e sem prejuízo de justificar a ação judicial própria para obtenção de sentença suscetível de registro. O contrato consensual necessita tão somente do consenso, ou seja, do mútuo acordo das partes, independendo, pois, de forma especial ou da entrega de certos bens. São contratos consensuais os de locação, empreitada, doação de objetos de pequeno valor etc.
8. Contratos de adesão É aquele em que um dos contratantes ou ambos não têm a liberdade contratual para discutir os seus termos, podendo apenas aceitá-lo ou recusá-lo, atendendo-se à sua própria natureza ou a determinações legais que fixam as condições dos contratos de certo tipo. As agens aéreas e as apólices de seguro constituem exemplos de contratos em que o ageiro ou o segurado pode viajar ou não, realizar ou não o seguro, mas não tem a faculdade de discutir as condições contratuais. O contrato de adesão decorre seja da técnica amplamente desenvolvida do nosso tempo em que as grandes empresas fixam modelos de contratos que apresentam ao público, seja da interferência do Estado na economia nacional determinando que certos modelos de contratos só possam ser utilizados após a aprovação governamental, que deverá ser dada pelos órgãos competentes. Trata-se de uma estandardização do contrato, na qual uma das partes impõe o conteúdo do contrato à outra, geralmente com a prévia aprovação das autoridades competentes, não havendo entre os contratantes a igualdade jurídica, mas devendo um deles aderir à proposta feita pelo outro, sem que tal policitação ita qualquer aditamento, modificação ou contraproposta. A doutrina tem discutido o caráter contratual do contrato de adesão, não havendo dúvida de que se trata de um contrato sui gene-
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ris, de um contrato original, mas que nem por isso perdeu a sua natureza contratual. A importância do contrato de adesão, em nossa época, decorre das situações respectivas entre os contratantes, quando um deles exerce um monopólio de fato ou de direito em relação a serviços essenciais existentes na sociedade, estando o outro contratante praticamente obrigado a contratar nas condições fixadas pela empresa dominante em determinada área de atividade (seguros, transportes, fornecimento de telefone, luz e gás, financiamento ao consumidor etc.). O Código Civil de 1916 não tinha dado a necessária atenção aos contratos de adesão, pleiteando a doutrina uma regulamentação mais minuciosa da matéria para assegurar a proteção legal do contratante que deve aderir à minuta que lhe é apresentada. Geralmente, o Poder Público controla os contratos de adesão, fixando ou fiscalizando as suas cláusulas, mas a introdução de normas especiais referentes à interpretação daqueles nos Códigos é interessante e oportuna. Seguindo essa linha, o atual Código Civil, nas disposições gerais dos contratos, dedicou dois artigos à interpretação dos contratos de adesão: (i) um estabelecendo que a interpretação das cláusulas ambíguas sempre será de forma mais favorável ao aderente (art. 423) e (ii) outro determinando a nulidade da cláusula que estipule a renúncia do aderente a direito próprio da natureza do negócio (art. 424). A doutrina e a jurisprudência têm, aliás, fixado princípios próprios de interpretação para os contratos de adesão, dando preferência às cláusulas manuscritas ou datilografadas sobre as impressas e interpretando o contrato em geral em favor daquele que se obrigou por adesão. O Código do Consumidor (Lei n. 8.078/90) trata do contrato de adesão no seu art. 54, definindo-o como aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor do produto ou do serviço, sem que o consumidor possa discutir ou modificar, substancialmente, o seu con teúdo. Determina o legislador que as cláusulas que limitam direito sejam redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão, itindo-se a cláusula resolutória quando alternativa,
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cabendo a escolha ao devedor, e garantindo, dentro de certos limites, que normalmente não perderá tudo que pagou. Trata-se de uma primeira regulamentação dos contratos de adesão, quanto à sua formulação e efeitos, que ensejará uma construção pretoriana, embora só se aplicando aos contratos de consumo10. 8.1. Contratos de massa A indústria moderna, fabricando produtos em série, e os serviços públicos ou particulares, prestando serviços homogêneos a grande número de pessoas, aram a redigir contratos impostos à generalidade das pessoas, que se limitam a aderir. Mas, além de cuidar-se de contratos de adesão, recebem o nome de contratos de massa, no sentido de multidão de contratantes. Os casos de energia elétrica, do gás, do telefone, do transporte urbano etc. são exemplos, como outros celebrados com grande número de consumidores. Contratos de massa são os destinados a um número elevado ou indeterminado de contratantes, contendo cláusulas gerais ou padronizadas e celebrados com a simples adesão da outra parte. O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) ou a itir a defesa dos interesses, individualmente ou a título coletivo (art. 81). Em consequência de tal modo de defesa, limitada em parágrafo do art. 81 desse Código, concebem-se também os contratos preparados de modo uniforme para os consumidores. São exemplos os casos de seguro obrigatório de responsabilidade civil dos proprietários de veículos e outros seguros obrigatórios, de certo modo aceitos pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP); nesse caso, em qualquer seguradora, o seguro tem as mesmas bases e cláusulas; os contratos de cartão de crédito, cujas condições gerais são registradas em Cartório de Títulos e Documentos, aplicando-se a todos os contratos celebrados com
V., ainda, em outro volume sobre a responsabilidade civil do produtor, em que se faz referência à proteção contratual, agora expressamente enfocada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11-9-1990, em vigor a partir de 11-3-1991). 10
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os usuários. Atualmente, os contratos de consumo, quando celebrados de modo uniforme, como alguns contratos de prestação de serviços bancários e os de seguro-saúde, são outros exemplos de contratos de massa. Conforme o caso, os contratos de massa podem ser considerados, ou não, sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor. Assim, por exemplo, os depósitos e os empréstimos bancários são contratos de adesão, mas não se caracterizam como “operações de consumo”. Dissertando a respeito, Roberto Senise Lisboa indica as “características marcantes: a) a predisposição unilateral; b) a generalidade; c) a uniformidade; d) a abstração; e) a inalterabilidade; f) a eficácia concreta dependente de integração; e g) a adesão, enfim, por parte do indivíduo”11. Outros contratos, aplicáveis a uma coletividade, são também controlados pelo Poder Público, como pela chamada Lei Antitruste (Lei n. 8.884, de 11-6-1994), que dispõe sobre o controle de contratos no art. 54. Igualmente pela Lei n. 7.347, de 24-7-1985, chamada Lei da Ação Civil Pública, cujo art. 1.º diz: “Art. 1.º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei n. 8.884, de 11-6-1994). I — ao meio ambiente; II — ao consumidor; III — a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV — a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; (Acrescido pela Lei n. 8.078, de 11-9-1990.) V — por infração da ordem econômica e da economia popular; (Redação dada pela MP n. 2.180-35, de 24-8-2001.) VI — à ordem urbanística. (Acrescido pela MP n. 2.180-35, de 24-8-2001.)”
11 Contratos difusos e coletivos, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, Cap. 2, p. 157.
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Temos aí dois itens de nosso interesse: item II, referente ao consumidor, e item IV, referente a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
9. Contratos por tempo determinado e indeterminado Os contratos podem ser de execução imediata, de execução futura ou de execução sucessiva. Os dois últimos se projetam para o futuro, e o momento da realização da prestação neles depende de uma modalidade, ou seja, de um elemento acidental do contrato que se apresenta sob a forma de condição ou termo. A condição — evento futuro e incerto — pode ser suspensiva, quando dela depende o início do contrato, ou resolutiva, quando importa em cessação do contrato, ocorrendo distinção simétrica entre o termo inicial e o termo final, mas distinguindo-se o termo da condição, por ser evento futuro e certo quanto à sua realização, embora possa não sê-lo quanto ao momento em que deve ocorrer. Contrato por tempo determinado é aquele que está a vigorar por prazo certo, até o advento de um termo certus an e certus quando. Contrato por prazo indeterminado é aquele que não tem duração certa, podendo depender seja de uma condição, seja de um termo certus an, mas incertos quando. Um contrato válido pelo prazo de dois anos é realizado por tempo determinado, enquanto um contrato válido até o casamento de Caio (condição) ou até o falecimento de Tício (termo certus an mas incertos quando) é por tempo indeterminado. A distinção básica entre as duas espécies de contrato consiste na possibilidade de denúncia do contrato por qualquer das partes interessadas em qualquer tempo, na hipótese do contrato por tempo indeterminado, costumando as partes estabelecer, todavia, um aviso prévio, enquanto, ao contrário, nos contratos por tempo determinado, as partes só se podem desvincular na hipótese de infração contratual do outro contratante, de justa causa, de força maior ou caso fortuito, ou então indenizando os prejuízos que, em virtude da rescisão intempestiva, causarem à outra parte. A lei estabelece certos prazos máximos para determinados tipos de contratos. Assim, em relação à prestação de serviços, não se ad-
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mite prazo contratual superior a quatro anos, em virtude do disposto no art. 598 do CC. O contrato pode ser prorrogado pela vontade das partes ou em virtude de lei. A prorrogação convencional pode ser expressa, prevista no contrato anterior, salvo o caso de denúncia de um dos contratantes, ou realizada mediante termo aditivo a ele, ou tácita, quando, findo o contrato, as partes continuam a comportar-se como se estivesse ainda em vigor. A prorrogação legal decorre de textos especiais, como o art. 47 da Lei n. 8.245, de 18-10-1991, que prorroga por tempo indeterminado os contratos de locação residencial com prazo inferior a trinta meses. Nas locações residenciais com o mínimo de trinta meses, o contrato fica extinto ao fim do prazo; porém, se, após, o locatário continuar no imóvel, sem oposição do locador, prorroga-se a locação por tempo indeterminado (art. 46, § 1.º, da mesma Lei de Locações).
10. Contratos civis e comerciais e a unificação do direito das obrigações O Código Civil unificou o direito das obrigações, deixando de existir, no direito brasileiro, disciplina diferenciada para os contratos civis e os empresariais ou comerciais. Em vista dos difíceis conflitos existentes no regime anterior para a configuração de um contrato como civil ou mercantil e a aplicação, respectivamente, da disciplina aposta no Código Civil ou no Código Comercial, ou outras regras específicas, merece louvor a escolha pela unificação, no direito brasileiro, do direito das obrigações, assim como é no direito italiano. Ainda assim, por razões históricas, amos a diferenciar quais seriam os critérios para a identificação do contrato comercial e do civil. Os contratos eram tidos como comerciais quando, realizados entre comerciantes, se apresentassem como atos de comércio definidos pelo Regulamento n. 737, de 1850, e tivessem finalidade lucrativa. Os contratos eram considerados civis quando não regulados pelo direito comercial, praticados entre não comerciantes ou não visando fim lucrativo.
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A dificuldade da distinção entre as duas espécies de contratos foi salientada pelos comercialistas liderados por J. X. Carvalho de Mendonça12, que lamentou a falta de critério seguro na matéria. Alguns contratos eram caracterizados necessariamente como comerciais, como a abertura de crédito, a conta-corrente e a comissão, e outros exclusivamente como civis, como o contrato antenupcial, a compra e venda de imóveis, a edição, a parceria rural e a representação dramática. Muitos contratos podiam, todavia, conforme o caso, ser civis ou comerciais, como ocorria com a compra e venda de móveis, a troca, a empreitada, o mandato, o mútuo, a locação e o depósito. Somente numa análise minuciosa das circunstâncias especiais de cada caso o juiz encontrava os elementos necessários para a caracterização civil ou comercial do contrato, em vista da aplicação da disciplina legal própria. Com a unificação do direito obrigacional, perde a importância tal distinção, na medida em que o regime jurídico é uniforme e aplicável a todas as relações obrigacionais.
11. Contratos conexos, grupos de contratos e contrato quadro A conexidade no plano contratual corresponde à ão nas relações entre os bens. Do mesmo modo que certos bens são órios em relação a outros, determinados contratos são dependentes, subordinados ou conexos com outros. A conexão surge entre dois contratos independentes ou entre um contrato principal e outro ório. Desse modo, há conexão entre o contrato de locação (principal) e o contrato de fiança (ório) ou numa venda de imóvel na planta, em que as partes distinguiram a venda da quota do terreno e a construção das ões, entre os contratos de venda do solo e de empreitada (em relação ao apartamento ou casa a ser construída). A aplicação geral dos princípios que regulam os órios sofre todavia algumas limitações no campo dos contratos. Se for verdade
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Tratado de direito comercial, 2. ed., 1930, v. 1, p. 492, § 302.
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que a nulidade, a rescisão ou a caducidade do contrato principal importa em ineficácia do ório (terminando o contrato de locação, termina o de fiança), não é menos certo que as partes podem convencionar a extinção do contrato principal em virtude do desaparecimento do ório. É comum nos contratos locativos uma cláusula resolutória baseada no falecimento, na falência ou na interdição do fiador, salvo se o locatário dentro de certo prazo apresentar outro fiador idôneo a critério do locador. A importância de conexidade dos contratos consiste no fato de que o inadimplemento da parte num deles tem reflexo no outro, em razão da unidade econômica ou da simbiose entre ambos existente. O problema tem sido discutido na jurisprudência em relação aos contratos legalmente prorrogados em virtude de legislação de emergência, divergindo julgados e doutrina quanto ao alcance da fiança quando dada em contrato por tempo determinado. A tese dominante em relação aos contratos com fiança concedida por certo período é no sentido de extinguir-se a garantia por ocasião da prorrogação legal do contrato, por não itir a mesma interpretação extensiva. Ao contrário, sendo a fiança dada até a efetiva entrega das chaves, o fato de o locatário não entregar a chave, qualquer que seja o motivo, mesmo em virtude de prorrogação legal, implica continuação da garantia fidejussória, por ter o fiador assumido o risco da locação até a entrega das chaves. Assim, o ato de liberalidade e, em particular, a fiança não item ampliação ou interpretação extensiva (art. 819), mas, se o seu prazo depende de condição resolutiva, até a realização desta, continua necessariamente a existência da garantia, pois a solução contrária implicaria prejuízo para o locador. Também existem contratos conexos sem que entre eles haja a relação de ório e principal. Algumas vezes um negócio global pode ser desmembrado para fins técnicos, realizando-se sob duas formas distintas e complementares. Assim a venda de uma loja com o seu fundo de comércio, atualmente denominado estabelecimento no atual Código Civil, e o seu estoque de mercadoria revestem a forma de cessão do contrato de locação e de venda de mercadorias. São dois negócios distintos, mas complementares e interdependentes ou conexos, pois o vendedor não pretende desfazer-se da loja sem
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entregar também a mercadoria. O mesmo acontece quando, numa mesma operação econômica de venda imobiliária, o vendedor transfere a propriedade de um imóvel e financia a venda sob a forma de hipoteca sobre o prédio alienado. Destacando-o, dentro da moderna teoria dos grupos de contratos e distinguindo-o dos contratos conexos propriamente ditos, o direito comercial, nas suas análises mais recentes, tem definido o chamado contrato quadro ou contrato básico. Trata-se de acordo entre as partes que se caracteriza por dominar e condicionar os contratos de aplicação, ou de execução, também chamados contratos específicos, em oposição ao aspecto geral e mais amplo do contrato quadro, que fixa a estrutura e estabelece as condições dos demais. Na realidade, o contrato básico se distingue tanto dos pré-contratos como dos contratos preliminares, assim como das promessas de contratar e dos contratos continuados ou de execução diferida ou sucessiva, embora tenha elementos de vários deles. Duas são as características principais do contrato quadro ou básico. Em primeiro lugar, há a necessidade de um duplo consenso, exigindo-se o consentimento das partes contratantes tanto no contrato básico como em cada um dos contratos dele decorrentes. Por outro lado, nele devem existir tanto a affectio cooperandi quanto a affectio modulus. A affectio cooperandi significa a intenção das partes de cooperar em vários negócios, dentro de um condicionamento previamente estabelecido, havendo um certo sentido de parceria para alcançar objetivos comuns, que temos assinalado como sendo uma característica do direito mais recente13. A affectio modulus consiste na vontade das partes de padronizar os contratos futuros, estabelecendo um standard, uma minuta padrão, como se os contratos específicos fossem meros termos aditivos de especificação, que todavia têm a natureza de contratos porque neles existem algumas condições e cláusulas essenciais de especificação, que lhes dão uma certa autonomia, embora estejam vinculados à matriz.
13 Arnoldo Wald e outros, O direito de parceria e a nova Lei de Concessões, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2004.
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Se formos aplicar a terminologia do direito processual, podemos dizer que se a conexão caracteriza determinados contratos ligados uns aos outros sem que um incorpore o conteúdo do outro, a continência é a característica básica do contrato quadro, dentro dos limites em que nele estão contidos os pactos decorrentes. O contrato quadro, também chamado contrato básico, contrato guarda-chuva ou contrato comercial, é, de acordo com a melhor doutrina, um contrato flexível utilizado no caso de situações contratuais complexas, nas quais todos os elementos podem ser estimados, mas ainda não definidos. Sua originalidade decorre do fato de deixar a outros contratos a preocupação de realizar finalmente, ou seja, de detalhar o objetivo dos contratantes. Esses contratos futuros são chamados contratos de aplicação, na medida em que confirmam a tendência dos negócios estabelecida pelo acordo inicial de vontades. Trata-se, na verdade, de um instrumento que consegue conciliar adequadamente a necessidade de permanência nas regras aplicáveis, nas relações entre as partes, especialmente nos contratos de longo prazo, e a imperativa adaptação do contrato à evolução econômica e tecnológica. Essas modificações do contexto implicam na autonomia relativa que devem ter os contratos específicos, que, de um lado, não se limitam a simples medidas de aplicação mas, de outro, devem obedecer às regras da matriz. Na realidade, a causa e o objeto são os mesmos no contrato quadro e nos contratos de aplicação. A consequência é a criação da chamada affectio modulus, à qual já fizemos referência e que corresponde à affectio societatis nas relações entre os sócios. Trata-se da vontade das partes de criar um molde ou padrão único, submetendo as suas relações a um regime que consta no contrato quadro. Ocorre no caso a voluntas de creare unus unicus modulus. Alguns autores têm salientado que existe um certo paradoxo no contrato quadro que vincula as partes, mas, ao mesmo tempo, as deixa livres. Trata-se de superar uma das dificuldades do mundo contemporâneo, no qual o jurista deve manter a segurança nas relações entre as partes, mas evitar a rigidez, ou seja, a arterioesclerose. Em monografia sobre a matéria, dois professores ses enfatizaram a originalidade da concepção do contrato quadro, que flexibiliza o
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direito das obrigações, sem fazer com que perca a sua segurança, permitindo que o direito seja ao mesmo tempo revolucionário na concepção e conservador nos efeitos obtidos14. Na realidade, o contrato básico mantém a liberdade das partes de contratar ou de não contratar, facultando-lhes discutir condições específicas de cada operação, mas lhes retira, em parte, a liberdade contratual, ou seja, a de fixar o regime jurídico aplicável a cada contrato específico, pois o mesmo já consta no contrato quadro, que vincula as partes.
12. Contratos preliminares O contrato preliminar, pré-contrato ou promessa de contrato, também denominado impropriamente compromisso, é um contrato autônomo pelo qual uma das partes ou ambas se obrigam a, oportunamente, realizar um contrato definitivo. É o pactum de contrahendo, pelo qual assume a obrigação de contratar em certo momento e em determinadas condições, criando o contrato preliminar uma ou várias obrigações de fazer, mesmo quando o contrato definitivo origina obrigações de dar. O que incumbe ao pré-contratante é o contrato definitivo, quaisquer que sejam os deveres e direitos deste decorrentes. O direito romano reconhecia uma eficácia jurídica mais ampla aos contratos, que obedeciam às formalidades legais, relegando para um plano secundário os pactos, que só criavam obrigações naturais. itiu-se, todavia, que o pacto pudesse obrigar as partes, sob pena de aplicação de sanções específicas, e surgiu assim o pactum de contrahendo, pacto pelo qual as partes se obrigavam a firmar um contrato. Posteriormente, consagrada a teoria da autonomia da vontade, a liberdade de contratar importou na possibilidade de realizar todas as espécies de contratos, tanto os definitivos como os preliminares.
Frédéric Pollaud-Dulian e Alain Ronzano, Le contrat-cadre par Delà les Paradoxes, Paris: Revue Trimestrelle de Droit Commercial, n. 2, p. 179-210, avr./juin 1996.
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A doutrina e a legislação negaram, todavia, autonomia ao contrato preliminar, afirmando o Código Napoleão que promessa de venda que tivesse todos os elementos necessários valia como venda. “La promesse de vente vaut vente, lorsqu’il y a consentiment réciproque des deux parties sur la chose et sur le prix” (art. 1.589). A convenção abrangendo o consensus sobre res e pretium tornava-se assim necessariamente definitiva. A doutrina, por sua vez, apresentou o seguinte dilema: ou o contrato preliminar atende a todas as condições do definitivo e com este se confunde, ou não apresenta os elementos imprescindíveis e então não pode obrigar as partes à do contrato definitivo, por falta de dados essenciais, que ficam sujeitos a novo acordo de vontade entre os contratantes. Alegou-se também não haver necessidade de considerar o contrato preliminar como figura autônoma, pois os seus efeitos podem ser conseguidos pelo contrato condicional, o que, todavia, não é razão para excluir o primeiro, pois nada impede a existência simultânea de técnicas distintas para alcançar fins análogos. O Código Civil ou a disciplinar de maneira expressa o contrato preliminar em seus arts. 462 a 466. A nova disciplina claramente exige que o contrato preliminar contenha todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado, isto é, todos os elementos necessários para formação do contrato definitivo, com exceção da forma. O problema da forma já vinha sendo discutido, tendo sido apresentadas soluções diferentes. Parte da doutrina entende que a forma do contrato preliminar deveria ser a mesma do definitivo, mas predomina o ponto de vista contrário, que defende a validade do précontrato mesmo quando não se observou a forma exigida para o contrato definitivo, pois, caso contrário, limitar-se-ia muito a própria utilidade do contrato preliminar. A matéria tem sido especialmente discutida em relação à promessa de compra e venda de imóveis de valor superior a certa quantia, tendo dado margem a uma ampla bibliografia de artigos e arrazoados. A recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem itido a adjudicação compulsória mesmo em favor do promitente comprador cujo título, ainda que por
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instrumento particular, não esteja registrado no Ofício do Registro de Imóveis. Assim, o Código Civil adotou a posição da doutrina majoritária e da jurisprudência desse tribunal ao permitir que a forma do contrato preliminar não seja necessariamente a mesma da exigida para o contrato definitivo (art. 462). Na realidade, existem, sob o nome de contratos preliminares, figuras distintas, tendo cada uma a sua estrutura própria. Quando o contrato preliminar não autoriza a execução específica, coativa e compulsória, funciona como um contrato, com cláusula de arrependimento, em que um dos contratantes tem uma opção entre cumprir a obrigação ou indenizar as perdas e danos. itindo, ao contrário, a execução específica, justifica-se apenas pela comodidade das partes, evitando a necessidade desde logo de obedecer a certas formalidades demoradas (como, v. g., o pagamento do imposto de transmissão inter vivos exigido na compra e venda). De fato, o Código Civil, em seu art. 463, concede a qualquer das partes o direito de exigir da outra a realização do contrato definitivo, desde que o acordo preliminar contenha todos os elementos essenciais e não tenha sido prevista cláusula de arrependimento. Para tanto, a parte interessada deverá estabelecer um prazo para que seja fechado o negócio final. Mesmo antes do Código Civil, a proteção dos interesses econômicos das partes levou inicialmente a jurisprudência e, em seguida, a própria legislação a itirem a execução específica dos contratos preliminares e das obrigações de fazer em geral, afastando a aplicação do princípio nemo precise cogi potest ad factum, de acordo com o qual a obrigação de fazer resolvia-se necessariamente em perdas e danos, na hipótese de inadimplemento. Já o Decreto-Lei n. 58/37, referente a vendas de lotes, e o Código de Processo Civil de 1939, nos arts. 345 a 349 e, em termos amplos, no art. 1.006, renovaram o nosso direito nessa matéria, permitindo ao magistrado que, na sua sentença, se substituísse ao réu, pronunciando em seu nome a declaração de vontade à qual se obrigara, desde que o outro contratante tenha cumprido as suas obrigações e o contrato preliminar preencha as condições de validade do contrato definitivo, ou seja, contenha os elementos essenciais deste.
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O Código de Processo Civil vigente assegura a execução específica das obrigações de fazer que consistem em proferir declaração de vontade nos arts. 639 a 641, substituindo-se o juiz ao devedor e equivalendo, no caso, a sentença à declaração de vontade não proferida pelo devedor. Esse mecanismo processual é reforçado com o instituto da tutela específica assecuratória da obrigação de fazer, que poderá ser concedida liminarmente, na hipótese de haver fundado receio de ineficácia da decisão final (art. 461 do C). Trata-se de importante conquista legislativa, cujas consequências amplas nem sempre foram reconhecidas pela jurisprudência e pela doutrina. A execução específica foi reforçada na nova disciplina do Código Civil. De fato, o art. 464 prevê que, se, transcorrido o prazo para a realização do negócio definitivo, não houver manifestação da outra parte, o interessado poderá pedir ao juiz que supra a vontade do contratante inadimplente, transformando o contrato preliminar em definitivo, desde que a própria natureza da obrigação não impeça essa substituição da vontade. Ademais, se houver recusa da execução do contrato preliminar, a outra parte poderá tê-lo como desfeito, com direito a pleitear perdas e danos (art. 465). A capacidade exigida para o contrato preliminar é a mesma necessária para o contrato definitivo: na promessa de compra e venda de imóvel deve necessariamente intervir a mulher do vendedor, sendo este casado. A promessa de contratar pode ser unilateral (quando só cria obrigações para uma das partes: v. g., promessa de fazer doação) ou bilateral (criando obrigações para ambos os contratantes: promessa de compra e venda, promessa de mútuo com juros ou abertura de crédito). A promessa de venda pode ser unilateral, assumindo a forma de opção, em que o vendedor se compromete a vender ao comprador determinado bem em certas condições, dependendo exclusivamente o negócio da vontade do comprador. Em tal promessa, o caráter unilateral se afirma por inexistir qualquer obrigação por parte do comprador, sendo o contrato vinculatório tão somente para o vendedor. Nessa hipótese, o Código Civil estabelece que o credor deverá manifestar-se no prazo estipulado ou em prazo razoavelmente estabelecido pelo devedor; pelo contrário, é considerado sem efeito o contrato preliminar (art. 466).
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A promessa pode ser revogável ou irrevogável, onerosa ou gratuita, sem modalidade ou dependendo de condição ou termo. A promessa irretratável e irrevogável de compra e venda de imóvel loteado ou não, quando devidamente inscrita no Registro de Imóveis, constitui direito real na legislação brasileira, em virtude das disposições do Decreto-Lei n. 58/37, da Lei n. 649, de 11-3-1949, e do atual Código Civil, arts. 1.417 e 1.418. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem itido a adjudicação compulsória em favor do promitente comprador, mesmo no caso de título representado por instrumento particular que ainda não esteja transcrito no Ofício do Registro de Imóveis15. A resolução do contrato preliminar pode decorrer de inadimplemento de uma das partes, preferindo a outra pedir as perdas e danos ou sendo a isso obrigada pela existência de arras penitenciais, de decurso de prazo ou realização de condição, de perecimento do objeto ou de distrato. 12.1. Contrato obrigatório Como vimos, um dos princípios clássicos é a liberdade de contratar, a faculdade de realizar ou não um contrato. Mas a intervenção estatal é tão acentuada que já há quem classifique alguns contratos como obrigatórios. Exemplo, entre nós, é o seguro obrigatório, instituído pelo art. 20 do Decreto-Lei n. 73, de 21-11-1966. Assim, basta ser proprietário de qualquer veículo, ou de unidade autônoma de edifícios em condomínio, ou mutuário de empréstimos com bens dados em garantia e nos demais casos (são onze) previstos no indicado artigo, que haverá seguro obrigatório. A única liberdade (e às vezes nem isso, porque é a parte mais forte quem o indica no contrato de adesão) é a de escolher a companhia seguradora. Outro caso de contrato obrigatório, mas aí decorrente de vontade anterior, é o devido a um contrato preliminar, em que as partes assumem o dever de contratar (v. item anterior). 15 REsp 30-DF, RSTJ, p. 1043-1056, nov./1989, e REsp 810/SP, DJ, Seção I, 21 out. 1991, p. 14748.
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12.2. Contrato consigo mesmo ou autocontrato V. n. 1 do Capítulo 12. 12.3. Contratos evolutivos Nos contratos de direito público e nos de direito privado a eles vinculados ou equiparados, uma parte das cláusulas rege-se pela vontade das partes e outra obedece a normas legais que evoluem no tempo e cujas alterações modificam o contrato, embora mantida a equação contratual, ou seja, a relação entre deveres e obrigações dos contratantes. Em tais hipóteses, a intangibilidade do contrato não significa a imutabilidade de suas cláusulas, mas tão somente a manutenção da chamada equação econômico-financeira do contrato que representa o relacionamento entre os direitos e obrigações de um dos contratantes e os do outro. Assim, ite-se que, se consideramos como sendo os valores a e b correspondentes inicialmente aos direitos contratuais respectivamente do primeiro e do segundo contratante, podemos afirmar que a equação contratual é a/b. Se o valor de a for modificado para a’, o de b deve sofrer alteração idêntica, ando a ser b’, de tal modo que a equação inicial seja mantida, ou seja, a/b seja igual a a’/b’. São evolutivos os contratos istrativos em geral como também alguns contratos mistos, como, por exemplo, os do Sistema Financeiro de Habitação, que abrangem simultaneamente um relacionamento entre o mutuário e o mutuante e, por outro lado, a assunção de uma parte do débito por um fundo istrado pela Caixa Econômica. O que caracteriza, pois, o contrato evolutivo é a existência de cláusulas propriamente contratuais, que são estáticas, e de cláusulas legais, que são dinâmicas, compensando-se as eventuais modificações sofridas pelo contrato em virtude da manutenção da relação entre direitos e deveres de cada uma das partes. 12.4. Contratos de consumo Com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), aram a existir, no campo do direito privado, contratos específicos, que podemos denominar contratos de consumo, que têm uma disci-
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plina legal própria. A lei, no seu art. 2.º, define o consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Os contratos de consumo são, pois, aqueles dos quais participa o destinatário final que adquire ou utiliza produtos ou serviços, ando a incidir sobre eles, ao lado das normas de direito civil, as que decorrem da legislação de proteção ao consumidor. 12.5. Subcontrato O subcontrato é um contrato derivado de outro, cuja existência dele depende e pelo qual o usuário de um bem ou o fornecedor de um serviço pode permitir a sua utilização ou atribuir uma parte do fornecimento a terceiro, obedecidas as cláusulas do contrato principal. Entre os principais subcontratos destacam-se a sublocação, a subempreitada e a subconcessão. Embora o subcontrato tenha normas próprias, devem ser compatíveis com as do contrato principal, e a extinção deste enseja normalmente a do contrato dele derivado, embora, em certas hipóteses, se ita, excepcionalmente, que o sublocatário possa substituir-se ao locatário. Em princípio, não há direito do sublocatário ou do subempreiteiro em relação ao locador ou ao dono da obra, mas, em determinadas situações especiais, pode haver repercussões do subcontrato sobre o contratante principal que não participar da subcontratação, questões que serão examinadas na ocasião do estudo dos contratos específicos. 12.6. Contratos eletrônicos Quando alguém utiliza o computador e se conecta à Internet ou qualquer outra rede de computadores, quase que instantaneamente recebe diversas informações sobre produtos ou serviços que estão à sua disposição. Basta pesquisar o assunto que lhe interessa e, se concordar com as condições estabelecidas, poderá adquiri-lo. Há ofertas de produtos pela Internet, bastando que se indique um deles com o mouse para que seja selecionado. Indicado o preço, é só escolher a forma de pagamento e aguardar a remessa. O Código Civil adotou redação mais ampla quanto à prova dos negócios jurídicos,
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falando expressamente em reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas. Tal preceito está no art. 225, com a seguinte redação: “As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão”. Verificou-se no trâmite acima a realização de um contrato eletrônico. Assim como os contratos tradicionais, os eletrônicos nada mais são do que a realização de um acordo de vontades com a intenção de obter um efeito jurídico, portanto obrigando as partes, o que ficou perfeitamente identificável, ressalvando algumas características peculiares dessa espécie de contrato, tais como meio e lugar de sua efetivação, as quais não o inutilizam. Ademais, já existem algumas definições que buscam adequar-se ao seu caráter, e, dentre elas, a do Desembargador Semy Glanz16, que entende como “aquele contrato celebrado por meio de programas de computador ou aparelhos com tais programas”. Dizem Jean Calais-Auloy e Frank Steinmetz: “Por muito tempo, a única forma de venda a distância foi a venda por correspondência: o vendedor faz suas ofertas por meio de catálogos, prospectos ou anúncios, e o comprador encomenda por via postal. A venda por correspondência existe desde o século 19, e continua sendo usada, mas não é mais a única forma de venda a distância. Desde os anos 1980, processos de telecomunicação são utilizados para contatar os clientes: telefones, telecópia, televisão notadamente”17. Existem, de longa data, vendas por meio de máquinas, algumas operadas por processos eletrônicos. Eram chamadas de máquinas vendedoras (vending-machines ou vendors). Mas, em verdade, a venda é feita pela empresa, através da máquina, sendo comuns as máquinas de refrigerantes, biscoitos, selos, fichas de telefone etc. Tais vendas são feitas diretamente ao adquirente. Cuida-se, no caso, de
Semy Glanz, Internet e contrato eletrônico, RT, 757/70-5, nov. 1998, especialmente p. 72. 17 Droit de la consommation, 4. ed., Paris: Dalloz, 1996, n. 88, p. 82. 16
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simples contrato de compra e venda de mercadorias ou de prestação de serviços. No entanto, recentemente, desenvolveu-se novo ramo do chamado comércio eletrônico, estimulado pela Internet. Segundo Thierry Piette-Coudol e André Bertrand, os americanos tentaram definir o chamado comércio eletrônico duas vezes. A primeira, num documento oficial de 22-2-1993, intitulado Technology for America’s Economic Growth — A New Direction to Build Economic Strength, preparado pelo Vice-Presidente Al Gore e assinado pelo Presidente Bill Clinton, diz que as vias de informação constituem instrumento essencial para o futuro do comércio e da sociedade americana. O segundo documento, preparado pelo Federal Electronic Commerce Acquisition Team, de 29-4-1994, intitulado Streamlining Procurement Through Electronic Commerce, relaciona as autovias de informação ao comércio eletrônico, que é definido como “utilização combinada e otimizada de todas as tecnologias de comunicação disponíveis para desenvolver o comércio de empresa”. As tecnologias são várias: “Troca de Dados Informatizada, o núcleo central, mensageiro eletrônico, repertório ou anuário eletrônico X 500, bancos de dados, transferência eletrônica de pagamento (TEP) etc.”18. Observam os autores que há distinções a fazer. Assim, há pesquisa de informações num banco de dados, e os contatos iniciais se fazem por mensagem eletrônica; aceita a proposta, o contrato prossegue pela troca de dados eletrônicos; o pagamento é feito por sistemas eletrônicos. Ainda há que distinguir o uso da Internet para a promoção de produtos ou serviços, que são entregues ou postos à disposição pela entrega ou serviço tradicional, e a oferta de bens culturais (filmes pagos — pay per view —, músicas ou livros que são teledescarregados etc.). No primeiro caso, assemelha-se à venda a distância, mas no segundo, aos serviços telemáticos ou telefônicos. No plano jurídico, o comércio eletrônico se distingue da venda a distância tradicional (por correspondência, por telecompra ou telemarketing), porque na maioria das vezes não há solicitação ativa dos clientes potenciais; da troca de dados informatizada, que se refere aos negócios entre sistemas de informações de profissio18
Internet et la loi, Paris: Dalloz, 1997, p. 178.
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nais. Cabe lembrar que o Code de la Consommation francês (consolidado pela Lei n. 93.949, de 26-7-1993) contém uma seção com cinco artigos (arts. 121-16 a 121-20) regulando as “Vendas a distância”. Segundo Alain Bensoussan, incluem-se entre as técnicas de comunicação a distância, entre outros, “a telemática, o telefone, a videotransmissão, a via postal ou a distribuição de impressos”. Os pontos interativos multimídia, assim como os catálogos eletrônicos em e do tipo disco óptico compacto ou difundidos em rede, constituem tais técnicas, diz o mesmo autor19. Mas observa o Professor Jerôme Huet que os contratos não são apenas entre o comerciante e o consumidor, porque também há contratos entre comerciantes, já se tendo formado verdadeiros “centros comerciais virtuais”, aos quais aderem cada vez mais pequenos comerciantes, que buscam colocar os seus produtos ou serviços, com a vantagem de que tais vias funcionam 24 horas por dia20. É o que já lembrava o jurista americano Lance Rose, descrevendo “O sistema on-line como centro comercial”21 Também Olivier Iteanu22 já havia observado que estava formada “uma economia eletrônica mundializada”, que antes fora regulada por tratados, como o caso do GATT (Convenção Geral sobre Tarifas e Comércio), e que mais recentemente chegou à Organização Mundial do Comércio (tratado assinado em Marrakech em 15-4-1994). Surgem, com toda essa evolução, problemas dos mais diversos, como o da evasão fiscal, pois há comerciantes que se centralizam nos chamados “paraísos fiscais” e outros que am a emitir sua propaganda de países mais tolerantes, fugindo não só aos impostos devidos, mas às vedações de transmissão de pornografia ou de programas impróprios para menores. Tudo isso lembra que haverá, no caso de contratos internacionais, aplicação de regras de direito internacional privado (ou de normas sobre conflitos de leis), mas que dependem da adesão de cada país. Internet – Aspects juridiques, Hermes, 1997, Cap. 4, p. 61. Commerce électronique: contrats et responsabilités, in Internet saisi par le droit, Paris: Editions des Parques, 1997, p. 51 e s. 21 The on-line system as a shopping mall, in Netlaw, Osborne McGraw-Hill, 1995, p. 58. 22 Internet et le droit, Paris: Eyrolles, 1996. 19 20
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Prova do contrato eletrônico — Para certos contratos do dia a dia, nem sempre se exige a prova, mas o simples recibo ou nota de venda, geralmente fornecido pelas máquinas. Hoje, tais máquinas são ligadas ao computador da empresa, que registra a operação, até mesmo pela leitura ótica das mercadorias, que trazem um código de barras ou de tinta magnética. Mas, no caso da Internet, há elementos que facilitam a prova, se não houver fraude. Assim, cada parte deve ter elementos de identificação ou endereço eletrônico (e-mail), conhecido pela sigla URL (Uniform Resource Locator) para os casos da Web (World Wide Web ou “www”, que significa teia mundial). O provedor (a empresa que é autorizada a funcionar no país para fornecer o serviço aos consumidores) tem o seu código, que inicia com “http://www”. Logo após vem o nome ou sigla do provedor ou inscrito e o país, este expresso por duas letras. Por sua vez, o consumidor deve ter endereço semelhante, que pode ser ado por outros. Note-se que devem ser evitados endereços que possam induzir em erro ou que sejam semelhantes a outros existentes. Negócios bancários — Os bancos item hoje o eletrônico, por computador, por meio de modem (modulador-demodulador, placa que converte dados transmitidos por linha telefônica e Internet). Há também senhas usadas em determinados negócios. No caso do banco, o cliente deve ter uma senha, que só ele deve conhecer. Mesmo assim, tem sido noticiado que há falsificações (indivíduos conhecidos como hackers descobrem meios de violar sigilos e transferem fundos de contas bancárias, mas agora o sistema vem sendo aperfeiçoado de modo a garantir a inviolabilidade desses os). No Brasil, existem fraudes em que se emitem duplicatas de cartões bancá rios e os fraudadores descobrem a senha da vítima, sacando fundos em contas correntes e até em investimentos. Contratos “on-line” — De todo modo, ite-se que se pague por cartões eletrônicos, como o caso de supermercados e postos de gasolina, em que o cartão bancário permite seja transferido eletronicamente o débito do cliente para a conta do comerciante. Nem sempre, aí, se pede a do cliente, valendo, portanto, a chamada eletrônica (senha da conta). Também os saques feitos em máquinas, pelo chamado “banco 24 horas” ou máquinas automáticas, são operações bancárias, sempre, porém, dependendo de senha. Mas há saques até em
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outros países, com os chamados cartões de crédito, em que nem sempre se atribui senha ao usuário. Assim, nos casos de perda ou furto dos cartões, cabe ao usuário comunicar à empresa emissora. Combate à fraude — Para evitar fraudes foi criada e já está sendo usada uma codificada, que é constituída por um conjunto de caracteres alfanuméricos, resultante de operações matemáticas de criptografia, a qual, segundo a lei sa de 29-12-1990 (que regula as telecomunicações), é a transformação de informações claras por meio de convenções secretas, já que é garantidora da integridade da mensagem. Segundo Lance Rose, tal sistema é mais confiável que pena e tinta, porque se criou um sistema de verificação pública, em que a outra parte pode verificar a autenticidade, embora não possa descobrir como é a . Usa-se um decodificador que apenas informa se o dado fornecido é ou não verdadeiro. Fala-se, ainda, num sistema de leitura sensível por máquinas ou caixas eletrônicas, até da impressão digital, previamente registrada. Assim, a pessoa só poderá sacar dinheiro através da impressão digital, que, como se sabe, difere em cada pessoa. Em lugar de um código numérico, que pode ser descoberto, a senha será a impressão digital, que é lida pelo computador. Sem dúvida, a tecnologia está mudando o mundo rapidamente, a ponto de causar um “Choque do futuro”, segundo Alvin Toffler. Perigos do contrato eletrônico — O contrato eletrônico tem sido frequente e tende a aumentar. Mas apresenta perigos como o que foi narrado na revista sa INFOPC, sob o título “Menace sur le commerce électronique”23. Narra-se que houve um assalto diante das câmaras de televisão na Alemanha. Nenhum fuzil ou ameaça foram usados, diz a revista. Apenas um microcomputador, um modem, o Internet Explorer da Microsoft e um software de finanças pessoais chamado Quicken de Intuit. É que o Chaos Computer Club, que tem adeptos em toda a Alemanha, descarregou um pequeno utilitário, tipo ActiveX, num micro, a partir da Internet. O programa contém ordens de pagamento e, quando experimentado, debitou a conta do usuário em favor do autor do código. Concluiu-se que é fácil penetrar nas contas do vizinho.
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Menace sur le commerce életronique, INFOPC, n. 135, p. 20, abr. 1997.
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Mais recentemente, a Microsoft lançou na Internet um esclarecimento. Quando alguém manda uma informação de um ponto A para um ponto B, qualquer computador no caminho pode receptar o que está sendo enviado, e aí surge um problema de segurança, especialmente se alguém quer comprar algo e remete o número de seu cartão de crédito, porque confia no vendedor. Mas, se no caminho há um criminoso à espreita, pode captar o número. Muitos sites da Internet estão munidos de segurança, apoiados pelo Internet Explorer (aparece um ícone com um símbolo de cadeado ou fechadura na barra de status). O Internet Explorer pode também avisar quando há algum perigo em mandar o número do cartão de crédito. A eletrônica — Outro grande problema quanto aos contratos realizados na Internet é a chamada . Como provar que alguém se obrigou, já que não há papel assinado? Poderá uma pessoa dizer que um terceiro, usando de seu nome, teria aceito um contrato pela Internet. O antigo Código Civil francês, editado em 1804, só previa a em papel. Por isso, foi aprovada nova lei, em 13-3-2000, alterando esse dispositivo. A Inglaterra também adotou nova lei no ano 2000. No Brasil a matéria é regulada por decretos e recentemente por medida provisória. O Projeto de Lei n. 1.589/99, oriundo da OAB de São Paulo, que “Dispõe sobre o comércio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e a digital e dá outras providências”, foi apensado ao Projeto de Lei n. 4.906/2001, que “Dispõe sobre o comércio eletrônico”, de autoria do Deputado Hélio de Oliveira Santos, e aguarda pela votação em plenário. O Decreto n. 3.587, de 5-9-2000 (revogado pelo Dec. n. 3.996/2001), baixado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, “Estabelece normas para a Infraestrutura de Chaves Públicas do Poder Executivo Federal — I-Gov, e dá outras providências”. Pelo art. 2.º, adota-se a “criptografia assimétrica para relacionar um certificado digital a um indivíduo ou a uma entidade”. Esse decreto traz no Anexo II um glossário explicando o que é autenticação, autoridade certificadora, digital, cifração, criptografia, chave pública, e muitos outros conceitos. Em 3-1-2001, o Presidente da República editou novo decreto, o de n. 3.714, que “Dispõe sobre a remessa por meio
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eletrônico de documentos a que se refere o art. 57-A do Decreto n. 2.954, de 29 de janeiro de 1999, e dá outras providências”. Já em 28-6-2001, foi editada a Medida Provisória n. 2.200, destinada a dar segurança jurídica ao comércio e à eletrônica, mas foi duramente criticada por especialistas, que nela viram uma forma de interferência na atividade privada pela Internet. Essa medida foi reeditada em 27-7-2001 e “Institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira — I-Brasil, e dá outras providências”. Foi mais uma vez reeditada, em 24-8-2001, porém a rubrica e o conteúdo foram alterados. Diz a ementa: “Institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira — I-Brasil, transforma o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, e dá outras providências”. Pelo seu art. 1.º há uma preocupação em autenticar atos praticados por meios eletrônicos: “Art. 1.º Fica instituída a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira — I-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de e e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras”. Bibliografia: Sobre o problema dos contratos preliminares no direito brasileiro, vide: Waldemar Ferreira, O loteamento e a venda de terrenos em prestações, São Paulo, 1938; Darcy Bessone de Oliveira Andrade, Da compra e venda, Belo Horizonte, 1960; Pontes de Miranda, Tratado de direito predial, Rio de Janeiro, 1948, v. 3; Antônio Chaves, Responsabilidade precontratual; e ainda Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade, in Direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1965. Sobre contratos nominados, v. Eduardo Espínola, Dos contratos nominados no direito civil brasileiro, Rio de Janeiro, 1953. No tocante ao contrato de adesão, v. Orlando Gomes, Contrato de adesão, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972. Para os contratos coletivos, v. Bernard Teyssie, Les groupes de contrats, Paris: LGDJ, 1975. Quanto aos contratos eletrônicos: na França: Alain Bensoussan, Internet: aspects juridiques, 2. ed., Hermes, 1998; Thierry Piette-Coudol e André Bertrand, Internet et la loi, Dalloz, 1997; Olivier Iteanu, Internet et le droit, Eyrolles, 1996; Internet saisi par le droit, coord. Xavier Linant de Belle-
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fonds, Editions des Parques, 1997; Internet et protection des donnés personnelles, Marie-Pierre Fenoll-Trousseau et Gérard Haas, Litec, 2000; nos Estados Unidos: Netlaw — Lance Rose, Osborne McGraw-Hill, 1995; entre nós: Direito & Internet, coord. Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho e dezenove autores, Edipro — IBCI, 2000; Marco Aurélio Greco, Internet e direito, Dialética, 2000; Liliana Minardi Paesani, Direito e Internet, Atlas, 2008, e Direito de informática, Atlas, 2007; Miriam Junqueira, Contratos eletrônicos, Mauad, 1997; Sandra Gouveia, O direito na era digital, Mauad, 1997; Patrícia Scorzelli, A comunidade cibernética e o direito, Lumen Juris, 1997; Erica Brandini Barbagalo, Contratos eletrônicos, Saraiva, 2001; Patrícia Peck, Direito digital, Saraiva, 2002; Ronaldo Lemos e Ivo Waisberg (org.), Conflitos sobre nomes de domínio, Revista dos Tribunais, 2003. SÍNTESE 13 — CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS 1. Diversidade de critérios A classificação dos contratos se reveste de para a classificação dos caráter acadêmico e importância prática contratos pelas consequências legais próprias de cada tipo de contrato. 2. Contratos unilaterais, Os contratos são unilaterais quando impõem bilaterais e plurilaterais deveres tão somente a uma das partes. São bilaterais quando criam deveres jurídicos para ambos os contratantes. São plurilaterais os contratos com multiplicidade das partes e identidade de situações. Ex.: contrato de sociedade com mais de dois sócios. 3. Contratos gratuitos e Contrato gratuito é o que encerra uma liberaonerosos lidade, importando na redução do patrimônio de um dos contratantes em benefício do outro. Contrato oneroso é aquele que traz vantagens e sacrifícios patrimoniais equivalentes para as duas partes contratantes. a) O contrato oneroso comutativo caracteriza-se pela equivalência presumida das prestações dos contratantes. b) O contrato aleatório é o contrato oneroso em que uma ou ambas as prestações são incertas.
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4. Contratos típicos, atípi- Contratos típicos ou nominados são aqueles cos e mistos que têm uma estrutura legalmente definida. Os contratos atípicos ou inominados não têm estrutura fixada pela lei e dependem das convenções das partes para assentar os direitos e as obrigações deles decorrentes. Contratos mistos são os criados pelas partes com a utilização simultânea de elementos de diversos contratos nominados. 5. Contratos individuais e O contrato é individual quando estabelece coletivos uma relação entre pessoas. É coletivo quando resulta de um acordo entre sindicatos ou grupos econômicos. 6. Contratos instantâneos, Contratos instantâneos são aqueles que se continuados e diferidos realizam e executam num único momento. Contratos continuados ou de trato sucessivo caracterizam-se pela execução de prestações continuadas ou periódicas. Os contratos de execução diferida devem ser cumpridos num só ato, mas em momento futuro. 7. Contratos reais, formais Contratos reais são aqueles cuja realização e consensuais depende da entrega de certo objeto. Contratos formais ou solenes são os que exigem forma especial para sua celebração. Contratos consensuais são os que necessitam tão somente do consenso. 8. Contratos de adesão
No contrato de adesão ou de massa, uma das partes estabelece cláusulas e condições e a outra parte adere ou não.
9. Contratos por tempo Contratos por tempo determinado são aquedeterminado e indeter- les que vigoram por prazo certo. minado Contratos por tempo indeterminado são os que têm duração certa e permitem a denúncia por qualquer uma das partes e a qualquer tempo.
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10. Contratos civis e comerciais e a unificação do direito das obrigações
O Código Civil de 2002 unificou o direito das obrigações, deixando de existir disciplina diferenciada para os contratos civis e os empresariais, criando-se um regime jurídico uniforme e aplicável a todas as relações obrigacionais.
11. Contratos conexos, grupos de contratos e contrato quadro
A conexão surge entre dois contratos independentes ou entre um contrato principal e outro ório. Também existem contratos conexos sem que entre eles haja a relação de ório e principal, justificando, todavia, um tratamento em conjunto. Já o contrato quadro ou contrato básico é acordo entre as partes que se caracteriza por estabelecer as regras gerais que, em seguida, serão aplicadas aos contratos de execução, salvo disposições em contrário.
12. Contratos preliminares O contrato preliminar, pré-contrato, promessa de contrato ou compromisso é um contrato autônomo pelo qual uma das partes se obriga a, oportunamente, realizar um contrato definitivo. O Código Civil disciplina o contrato preliminar em seus arts. 462 a 466. 12.1. Contrato obrigatório
Em alguns casos a liberdade de contratar sofre a intervenção do estado de maneira tão acentuada que os contratos am a ser classificados como obrigatórios. Ex.: seguro obrigatório.
12.2. Contrato consigo Denomina-se contrato consigo mesmo o nemesmo ou autocon- gócio jurídico feito pelo representante, agindo trato por si e pelo representado. O art. 117 do CC, para evitar o risco do enriquecimento indevido, considera anulável o negócio jurídico que o representante celebra consigo mesmo. No autocontrato não há qualquer proibição expressa. O que ocorre é a existência de duas partes, ambas atuando por uma só pessoa.
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12.3. Contratos evolutivos
São contratos de direito público e de direito privado a eles vinculados. O contrato evolutivo é composto pela junção de cláusulas contratuais estáticas e cláusulas legais dinâmicas, necessárias para manter a sua equação econômico-social.
12.4. Contratos de consumo São aqueles realizados entre consumidor e fornecedor — como definidos no CDC — em meio a uma relação de consumo, sujeitos à legislação de proteção ao consumidor. 12.5. Subcontrato
O subcontrato é um contrato derivado de outro, cuja existência dele depende. É dotado de normas próprias, mas compatíveis com as do contrato principal.
12.6. Contratos eletrônicos Contratos eletrônicos são aqueles realizados por reprodução fotográfica, cinematográfica, registro fonográfico e quaisquer reproduções mecânicas ou eletrônicas.
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Capítulo 14 EFEITOS DOS CONTRATOS Sumário: 1. Efeitos dos contratos quanto a terceiros. 2. Promessa pelo fato de terceiro. 3. Estipulação em favor de terceiro. 4. Contratos concluídos por terceiros. 4.1. Contrato com pessoa a declarar.
1. Efeitos dos contratos quanto a terceiros Os contratos alcançam as partes interessadas, que são os sujeitos ativos e ivos da relação jurídica, assim como seus sucessores (herdeiros, cessionários), não podendo, todavia, prejudicar ou beneficiar terceiros sem declaração de vontade por parte destes de que aceitam os efeitos contratuais sobre o seu patrimônio. Para o não contratante que não sucede ao contratante, o contrato é res inter alios acta, relação jurídica entre as partes contratantes, sem nenhum efeito sobre o patrimônio do terceiro. Podemos distinguir três situações distintas no campo das obrigações: as obrigações personalíssimas (escrever um livro, operar um doente), que só vinculam as partes, não se transmitindo aos seus sucessores1; as obrigações não personalíssimas, que obrigam as partes e seus sucessores (pagar um débito em dinheiro, entregar um bem móvel ou imóvel); e finalmente certos contratos que criam de-
O art. 928 do Código Civil de 1916 explicitava essa regra sobre obrigações personalíssimas. O preceito não foi expressamente mantido, mas, em decorrência da própria natureza pessoal da obrigação, não há como negar a sua intransmissibilidade. 1
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veres ou direitos para terceiros, dependendo todavia, a sua eficácia em relação ao terceiro da aceitação deste e, na hipótese de falta dessa aceitação, resolvendo-se no plano patrimonial em perdas e danos devidos pelos contratantes. O princípio da relatividade dos contratos, ou seja, da limitação dos seus efeitos aos contratantes, tem sofrido algumas críticas na doutrina contemporânea. Mesmo na legislação brasileira, aponta-se o caso do locatário com contrato válido contra terceiros devidamente registrado no Registro de Imóveis, contrato este que continua prevalecendo contra o credor hipotecário, por exemplo, que, executando o seu crédito, adquire o imóvel em leilão. Não é muito distinta a situação do sublocatário que, pela lei, é autorizado a purgar a mora na locação quando o locatário não paga oportunamente os aluguéis, integrando-se assim na relação locativa da qual não era parte. Surgem, assim, certos efeitos do contrato de sublocação em relação ao locador, que pode ar a ter novo locatário, independentemente de sua vontade. Devemos salientar que é por motivo dessas exceções ao princípio geral que a doutrina tem assinalado, algumas vezes, que o contrato de locação não se mantém apenas no plano obrigacional, extravasando para, em determinados casos, afirmar-se como figura com traços de verdadeiro direito real, valendo erga omnes e tendo efeitos em relação a terceiros. Nos campos do direito do trabalho e do direito do consumidor, existem outras exceções ao princípio da relatividade dos contratos.
2. Promessa pelo fato de terceiro O art. 439 do CC ite explicitamente a possibilidade de ser prometido fato de terceiro, com ou sem conhecimento ou consentimento deste. A promessa não vincula, todavia, o terceiro, salvo declaração de vontade deste, resolvendo-se em perdas e danos que o promitente deverá pagar ao outro contratante, na hipótese de inadimplemento. Nessa hipótese, a indenização deve ser ampla, abrangendo tanto o dano emergente como o lucro cessante. O Código Civil acrescentou um parágrafo único ao seu art. 439 para especificar a hipótese na qual não existe a responsabilidade por fato de outrem, qual seja quando o terceiro for o cônjuge do promi-
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tente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que a indenização venha a recair sobre os seus bens, em virtude do regime de casamento. Exclui-se também a responsabilidade daquele que se comprometeu por fato de terceiro quando esse terceiro, após ter-se obrigado, não cumpre com o acordado (art. 440). Assim, distinguem-se as hipóteses de haver ciência e consentimento do terceiro e de não havê-los. No primeiro caso, o proprietário de um imóvel dá uma opção a um corretor para alienar um prédio em determinadas condições, realizando o intermediário acordo com um adquirente para efetuar a venda. É evidente que, se o negócio não se realiza por culpa do vendedor, terá o comprador ação tanto contra o corretor como contra o proprietário, pois o primeiro agiu por autorização do segundo. No outro caso, o promitente fez promessa em relação ao fato de terceiro, sem ciência deste, como ocorre quando alguém garante a outrem que conseguira em determinada companhia de transporte uma agem gratuita, sem que tenha qualquer promessa nesse sentido da transportadora. É evidente que a responsabilidade pelo inadimplemento só poderá ser, no caso, do promitente.
3. Estipulação em favor de terceiro A estipulação em favor de terceiro é o contrato pelo qual se cria, para este, um direito novo e próprio. Exemplo: seguro de vida. Existe, assim, certa simetria entre a promessa de fato de terceiro, em que este se torna um sujeito ivo eventual e, por extensão, integra-se na relação jurídica, e a estipulação em favor de terceiro, na qual este se torna beneficiário de um direito, ou seja, uma espécie de sujeito ativo eventual ou condicional, pois, em ambos os casos, a integração do terceiro na relação jurídica depende de declaração de vontade deste. Na estipulação existem três sujeitos: dois certos e um condicional, sendo o estipulante, que estipula em favor de terceiro, o promitente, que se obriga a realizar a prestação em favor de terceiro, e finalmente o terceiro, pessoa determinada ou determinável (o primeiro aluno da turma do 1.º ano da Faculdade de Direito de 1991), em favor de quem a prestação deve ser executada.
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No direito romano o princípio da relatividade dos contratos não itia, em tese, exceções, tanto mais que os problemas patrimoniais não se destacavam da pessoa do titular, importando o fato de contratar numa faculdade exclusiva e intransmissível, que consistia numa projeção da personalidade do cidadão romano. Afirmava-se então que alteri nemo stipulari potest (ninguém pode estipular em favor de terceiro), entendendo-se, outrossim, que res inter alios acta nec prodest nec nocet (o contrato feito entre as partes não beneficia nem prejudica os terceiros). No direito romano, todavia, no campo do direito de família e no tocante às liberalidades, itiram-se algumas exceções, como a chamada estipulação dotal, pela qual o sogro entregava bens ao genro, por ocasião do casamento, para que, dissolvida a sociedade conjugal, fossem devolvidos à mulher do donatário (filha do doador) ou aos filhos do casal, permitindo-se outrossim que, na doação com encargo, este fosse executado em favor de terceiro, ando assim a funcionar como verdadeira estipulação. O problema adquiriu especial relevância no direito contemporâneo com a importância econômica crescente do contrato de seguro de vida, que se apresenta como figura típica de estipulação em favor de terceiro. No direito comparado, algumas legislações só item a estipulação em favor de terceiro quando constitui condição de contrato entre as partes, enquanto outras mais recentes consagram a estipulação em favor de terceiro como figura autônoma, com regulamentação própria. Neste último sentido já se tinha manifestado o Código Civil brasileiro de 1916, nos arts. 1.098 e 1.100, inspirando-se nos modelos suíço e alemão, tendo sido mantida essa disciplina pelo Código Civil, em seus arts. 436 e 438. A doutrina também encontrou dificuldades para fundamentar a obrigatoriedade da estipulação na qual não intervém o terceiro interessado, aproximando alguns ao instituto da gestão de negócios, enquanto outros assinalavam a natureza condicional da estipulação. Desde que se itiu a obrigatoriedade de declaração unilateral de vontade, o problema se tornou mais fácil, mas, de qualquer modo, entendemos que a estipulação é um contrato em que as partes criam
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deveres e direitos que decorrem da vontade contratual, itindo-se que o interesse no contrato seja material ou moral, podendo ser do próprio contratante ou de terceiro, nada impedindo, pois, que o real beneficiário da prestação seja um terceiro, pois o devedor (promitente) é obrigado a executá-la em virtude do contrato, mesmo não sendo beneficiário um dos contratantes. Os direitos e deveres oriundos da estipulação surgem independentemente da aceitação do terceiro, mas, em certos casos, uma vez que o terceiro tenha manifestado a sua aceitação, não poderão os contratantes fazer o distrato sem intervenção do terceiro, nem poderão, sem o seu consentimento, modificar a identidade do beneficiário ou as modalidades da prestação. Enquanto o terceiro não aceita os efeitos da estipulação, há obrigatoriedade desta, mas as partes podem alterar a convenção de comum acordo. O direito civil brasileiro distingue entre a estipulação em favor da pessoa certa e insubstituível, em que a prestação pode ser exigida tanto pelo estipulante como pelo terceiro beneficiário (art. 436), e a estipulação na qual o direito de substituir o terceiro independe da sua anuência e da do outro contratante, dependendo todavia esta segunda modalidade de cláusulas expressas ou de praxe existente em relação a determinados contratos (art. 438). Na primeira hipótese, cabendo ao terceiro exigir o cumprimento da prestação, não poderá o estipulante exonerar o promitente sem o consentimento do terceiro beneficiário. Vamos imaginar que Caio deve a Tício mil reais e este tenha débito igual para com Flávio. Pode haver então uma estipulação em favor de terceiro em que Caio promete a Tício pagar a Flávio a quantia devida. É evidente que, aceita tal modalidade pelo credor, não pode o estipulante exonerar Caio do débito sem o acordo de Flávio, que é o verdadeiro interessado no cumprimento da prestação. Na segunda hipótese, a faculdade de substituição concedida ao estipulante independe, para o seu exercício, de qualquer consentimento de terceiro, como ocorre no contrato de seguro de vida, em que o segurado, em qualquer tempo, pode modificar o nome do beneficiário.
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A substituição do beneficiário não exige forma especial, permitindo a lei que se faça por ato inter vivos ou mortis causa (testamento).
4. Contratos concluídos por terceiros A conclusão dos contratos por terceiros é amplamente itida no direito moderno, sob a forma de representação, com ou sem procuração do interessado. Havendo poderes explícitos concedidos ao representante, o caso é de mandato, e, não os havendo, ocorre a gestão de negócios. Ambos serão estudados no volume referente aos contratos em espécie. 4.1. Contrato com pessoa a declarar O contrato com pessoa a declarar é modalidade que sempre existiu, mas não era regulado no Código Civil de 1916, tendo sido incluído no Código atual, cujas regras estão nos arts. 467 a 471. Nesse tipo de contrato, uma das partes tem a faculdade de, nos termos estipulados no instrumento contratual ou na lei, indicar outra pessoa que irá adquirir direitos ou assumir obrigações nele previstas, desde o momento em que foi celebrado (arts. 467 a 469). Entretanto, caso não haja indicação de terceira pessoa ou a indicação não seja aceita por ela, ou, ainda, se a pessoa indicada for insolvente ou incapaz no momento da indicação, o contrato somente produzirá efeitos entre os contratantes originários (arts. 470 e 471). Exemplos entre nós são os contratos de compra e venda de carros usados, realizados por agência de automóveis, a qual os revende por conta do cliente. O caso mais flagrante é o das promessas de venda de imóveis, em que o adquirente declara que caberá ao promitente vendedor outorgar a venda definitiva ao adquirente “ou à pessoa que for por este indicada”. Segundo o Professor Luiz Roldão de Freitas Gomes, que defendeu tese sobre a matéria, esse contrato é regulado por várias leis estrangeiras. Entende-se que uma pessoa adquire um bem para si ou para terceiro, o qual venha a indicar, e, sendo aceito pelo indicado, exclui-se o adquirente inicial, ando a ser titular o terceiro indicado. Se o primitivo contratante chega a
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adquirir a propriedade, esta é resolúvel, ou seja, dura até que o terceiro ingresse no contrato. BIBLIOGRAFIA: Sobre contratos a favor de terceiros e com pessoa a declarar, v. Diogo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiros, Coimbra: Almedina, 1980; Guy Flattet, Les contrats pour le compte d’autrui, Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1950; Luiz Roldão de Freitas Gomes, Contrato com pessoa a declarar, Rio de Janeiro: Renovar, 1994; Arnoldo Wald, O contrato com pessoa a declarar e o direito fiscal, Revista do Servidor Público, jul. 1952, p. 100. SÍNTESE 14 — EFEITOS DOS CONTRATOS 1. Efeitos dos contratos O princípio da relatividade dos contratos, ou quanto a terceiros seja, da limitação dos seus efeitos aos contratantes, submete-se a algumas exceções assinaladas pela doutrina dominante. 2. Promessa pelo fato de O art. 439 ite a possibilidade da promesterceiro sa pelo fato de terceiro. A promessa não vincula o terceiro na hipótese de inadimplemento, mas se resolve em perdas e danos que o promitente deverá pagar ao outro contratante. 3. Estipulação em favor de A estipulação em favor de terceiro é o conterceiro trato pelo qual as partes contratantes criam, para terceiro, um direito novo e próprio. Ex.: seguro de vida. 4. Contratos concluídos O direito moderno ite a conclusão dos por terceiros contratos por terceiros sob a forma de representação, com ou sem procuração do interessado. Ex. mandato e gestão de negócios. 4.1. Contrato com pessoa Nesse contrato, uma das partes tem a facula declarar. dade de indicar outra pessoa que irá adquirir direitos ou assumir obrigações (arts. 467 a 471).
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Capítulo 15 A TEORIA DA IMPREVISÃO E A REVISÃO CONTRATUAL Sumário: 1. Evolução doutrinária do contrato. 2. A cláusula rebus sic stantibus no direito estrangeiro. 3. A teoria da imprevisão no direito brasileiro. 4. Teoria da imprevisão e dívidas de valor. 5. As modificações da estrutura do contrato.
1. Evolução doutrinária do contrato O formalismo sempre foi considerado uma das características do direito primitivo; formalista foi o contrato no direito romano. Distinguia-se então o contrato, fonte da obligatio, vínculo pessoal que abrangia a própria personalidade do devedor sobre o corpo do qual poderia recair a sanção, do pacto, do qual decorria o débito, que só tinha consequências de ordem patrimonial. Os romanistas, como Perozzi e Bonfante, esclarecem-nos sobre o caráter da evolução do contrato primitivo, que se realiza pelo nexum e, depois, ou a se constituir não apenas pelas palavras solenes (contratos verbais), mas ainda por forma escrita e pela entrega da coisa (respectivamente contratos literais e reais) e, enfim, pelo consenso (contratos consensuais). Coube, posteriormente, à influência germânica e ao Cristianismo, cuja influência no direito romano é assinalada por Troplong, ressaltar a importância da palavra dada, do juramento feito, libertando o contrato de seu formalismo primitivo. Nas leis bárbaras, como o Edito de Rotário e a legislação de Liutprand, e nos comentários de glosadores e pós-glosadores, surge a ideia de que, atendendo-se à boa-fé,
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o contrato é obrigatório entre as partes, como se lei fosse. Pacta sunt servanda1. É a Beaumanoir que se atribui a ideia, já naquela época dominante, de que a convenção é lei entre as partes. A marcha do mundo para o individualismo, com o domínio do mercantilismo, levou os homens à divinização do contrato. Georges Sorel, nos seus estudos sobre o pragmatismo, reconhece que houve um tempo em que se considerava o direito comercial — que unia os povos — como uma espécie de direito natural. O jusnaturalismo levaria o contrato à sua máxima expressão. Para os enciclopedistas do século XVIII, o ponto de partida e o fundamento de todos os poderes era a liberdade humana. Resumindo uma fase do pensamento humano, o contrato social de Jean-Jacques Rousseau é o sintoma da mentalidade de homens para os quais a própria sociedade derivava de um contrato, pelo qual os indivíduos abdicavam de certos direitos naturais para encontrar maior segurança na vida organizada da sociedade em que outros direitos lhes eram reconhecidos. Não é necessário lembrar a esse respeito as ideias de Grócio, a influência do protestantismo e o liberalismo dos fisiocratas. Dominava o pensamento dos juristas da época a liberdade concebida como liberdade econômica e política, liberdade comercial e de produção, tudo isso como reação aos privilégios reais e à economia medieval das corporações. Todo o movimento ideológico foi afinal resumido e consolidado pelos robustes praticiens2, a que se refere Georges Ripert, que finalmente elaboraram o Código Napoleão, monumento da classe burguesa impregnado de liberalismo. Para avaliar a importância do contrato no Código Napoleão, basta lembrar que tudo naquela época era contrato. Contrato era o casamento; contrato era a adoção. O contrato, em vez da tradição ou da transcrição, tinha poderes tão amplos que transferia a propriedade, ao contrário do que ocorria no direito romano e do que, hoje, acatamos no direito brasileiro, sob a influência do direito alemão.
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Os pactos devem ser cumpridos. Em francês. Significa “profissionais competentes”.
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O art. 1.134 do Código Civil francês firmou definitivamente o princípio de que as convenções legalmente estabelecidas têm a força de lei entre os contratantes. Esse espírito eminentemente individualista, liberal e contratualista do Código Napoleão se manteve nas legislações que o seguiram e imitaram, impondo-se na doutrina dos seus comentadores, como Demolombe, Laurent, Huc, Aubry et Rau e Baudry-Lacantinerie. O romantismo desses individualistas é lembrado por Bonnecase na sua história do pensamento jurídico francês. O século XIX foi, todavia, o momento de uma importante modificação na vida econômica e política. O sentido de liberdade se modificou. Os institutos básicos do Código Napoleão aram a ter novo sentido. Surgiu a crise do direito de propriedade, do contrato e da responsabilidade civil. Enquanto, na Alemanha, os pandectistas, como Windscheid e Dernburg, renovavam o direito romano, preparando o terreno para o BGB (Código Civil alemão), as ideias sociais em toda a Europa sofriam a pressão de novas necessidades. A filosofia racionalista, que fora a de Descartes, e o individualismo de Rousseau viam-se superados. É o social e não o individual que preocupa os autores e filósofos do fim do século XIX. E também os juristas que, em 1904, festejam o centenário do Código de Napoleão reconheceram que uma revisão completa de conceitos se tornou necessária. Assim, os mestres do direito público, como Léon Duguit, e do direito privado, como Louis Josserand e Raymond Saleilles, exigem uma renovação do direito. Verifica-se então a revolução dos fatos contra o direito, referida por Gaston Morin, e os novos aspectos da socialização do direito que, cinquenta anos depois, seriam o objeto dos estudos de Georges Ripert, Pierre de Harven, René Savatier e outros, sendo ainda focalizados nos volumes publicados em homenagem ao primeiro sobre o direito privado nos meados do século XX. Essa evolução ou crise do direito mereceu importantes estudos entre nós, destacando-se na matéria as conferências realizadas pelos professores Arnoldo Medeiros da Fonseca, San Tiago Dantas e Afonso Arinos de Melo Franco, em aulas inaugurais nas Faculdades de Direito, e o relatório feito pelo penúltimo sobre a evolução dos contratos para o Congresso da União In-
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ternacional de Advogados, realizado no Rio de Janeiro e publicado nos Anais do Congresso e na RF, 139/53. Diante das modificações sofridas pelo contrato, os autores indagaram se este ainda existia com o conceito que lhe tinham dado os redatores do nosso Código de 1916 e anteriormente o legislador francês. O contrato ou a ser regulamentado, transformando-se em contrato de adesão, contrato dirigido e contrato evolutivo. A doutrina chegou a distinguir entre as duas liberdades existentes no contrato — liberdade de contratar, ou seja, a liberdade de firmar ou não um contrato, e liberdade contratual, liberdade de fixar as normas ou cláusulas reguladoras do contrato (San Tiago Dantas, artigo citado). Chegou-se à conclusão de que muitas vezes não havia mais liberdade contratual, e mesmo a própria liberdade de contratar estava sofrendo importantes limitações. O número de disposições de ordem pública tem aumentado e a intervenção econômica do Estado tem sido generalizada, encontrando, desde a Constituição de Weimar, abrigo nos próprios textos constitucionais, inclusive no Brasil, nas Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 (Emenda Constitucional n. 1) e 1988, que se referem à ordem econômica e social. Diante dessas manifestações, alguns falam com Georges Ripert no declínio do direito, respondendo-lhes com razão os nossos juristas não se tratar de declínio, mas de adaptação a novas necessidades. Assim, no prefácio de sua obra O direito e a vida dos direitos, o Professor Vicente Ráo esclarece que a atual crise consiste apenas no reajustamento das normas às condições de vida de nossa época. As transformações sociais e ideológicas, econômicas e políticas exigiram do legislador certa técnica especial de adaptação das normas. Surgiram assim de determinadas teorias ou técnicas que visam evitar que o direito seja exercido contrariamente à sua finalidade social,
No mesmo sentido, Arnoldo Wald, Evolução do direito e a absorção da istração privada pela istração Pública, Revista do Serviço Público, dez. 1951, Rio de Janeiro, e Orlando Gomes, A crise do direito, São Paulo: Max Limonad, 1955.
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combatendo-se abusos e excessos. Ocorre muitas vezes que o espírito tradicional dos juristas — que reveste a forma de misoneísmo — não permite a abertura ostensiva de brechas num sistema jurídico. Surgem assim certos conceitos denominados conceitos amortecedores ou válvulas de segurança. Assim, as teorias do abuso de direito e da imprevisão e outras. São técnicas que permitem manter a forma tradicional de um sistema, evitando os seus inconvenientes em certas hipóteses especiais. Essa aparente falta de sinceridade do direito, que tenta esconder as grandes inovações introduzidas, corresponde a uma necessidade profundamente humana, assinalada por Gaston Morin, na sua obra sobre a revolta dos fatos contra o direito. Já, aliás, anteriormente, Henri Bergson ressaltara que as primeiras máquinas a vapor e os primeiros automóveis tiveram a forma das antigas carruagens para dar ao público uma imagem de continuidade. A cláusula rebus sic stantibus4, renovada no direito moderno sob o nome de teoria da imprevisão, tem assim importância como conceito amortecedor, ou seja, como ideia-força que limita a autonomia da vontade no interesse da comutatividade dos contratos e com a finalidade de assegurar a equivalência das prestações das partes quando, por motivo imprevisto, uma delas se tornou excessivamente onerosa. Estudaremos sucessivamente as origens da cláusula e a sua evolução no direito estrangeiro, para em seguida examinar a sua posição no direito pátrio.
2. A cláusula “rebus sic stantibus” no direito estrangeiro Já, desde há muito, o direito estabeleceu limites à autonomia da vontade. Tivemos assim normas de ordem pública que combatiam a usura e evitavam a lesão. Atribui-se aos glosadores e pós-glosadores
4 Pronuncia-se “rébus sik stántibus”. É um trecho de uma glosa, atribuída a Nerácio: Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur. Em vernáculo: Os contratos que têm trato sucessivo ou dependência do futuro entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas.
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a enunciação da cláusula rebus sic stantibus, de acordo com a qual as convenções só deveriam ser obedecidas enquanto as coisas continuassem como estavam por ocasião do contrato. A importância real dessa cláusula, que os modernos tratadistas transformaram em teoria da imprevisão, conforme reconhece a doutrina, data dos fins do século XIX. Foi, todavia, com as grandes modificações do valor da moeda que o problema da imprevisão ou a adquirir maior relevância, reconhecendo-se a existência da “ilusão da moeda estável” no direito contemporâneo, especialmente na chamada “Era da Incerteza” (Galbraith). Ainda no século XIX, vivíamos num mundo de segurança, evocado por Stefan Zweig na sua autobiografia5, como sendo de monarquias com mais de mil anos de vida, de moedas estáveis e em que o ritmo do tempo não tinha adquirido a aceleração que o século XX lhe daria. Irving Fischer ainda não descobrira, com seus estudos, as variações do poder aquisitivo do dinheiro, e acreditava-se na estabilidade da moeda, à qual os Estados ainda não tinham dado curso forçado6. É interessante salientar que as leis sobre curso forçado, salvo algumas exceções de pequena monta, estão ligadas às guerras e revoluções. Assim, deixando de lado os casos da Revolução sa e da Guerra de Secessão, origens de importantes inflações, foram as guerras do fim do século XIX (1870) e de 1914-1918 que obrigaram o legislador a estabelecer normas especiais sobre o curso forçado da moeda, proibindo outrossim as cláusulas pelas quais as partes recorriam a outro padrão, que não a moeda, para calcular os seus débitos. A Lei Faillot na França marca assim uma etapa na história da cláusula rebus sic stantibus ou teoria da imprevisão, pois modificou as normas contratuais, que tornaram a prestação de uma das partes excessivamente onerosa em virtude da guerra. A jurisprudência alemã, por sua vez, analisando o § 242 do BGB (Código Civil alemão), itiu, numa interpretação construtiva, a
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Stefan Zweig, O mundo que eu vi, Rio de Janeiro: Record, 1999. Irving Fischer, A ilusão da moeda estável.
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teoria da imprevisão. O artigo em questão se limitava a obrigar o devedor a cumprir a sua prestação de acordo com as normas da lealdade e confiança recíproca (Treu und Glauben) e na forma dos usos itidos no comércio7. Foi por uma verdadeira criação jurisprudencial que os tribunais alemães deduziram desse artigo o princípio geral da teoria da imprevisão. Trata-se de uma construção que prova ser a jurisprudência, em certas ocasiões, verdadeira fonte de direito, como reconhece, aliás, o Professor Louis Josserand no seu Cours de droit civil positif, e, entre nós, o Professor Vicente Ráo, quando cita a criação jurisprudencial brasileira da mesma importância, que foi a interpretação conjunta dos arts. 1.521 e 1.523 do Código Civil de 1916, correspondentes aos arts. 932 e 933 do atual Código Civil, para responsabilizar o patrão ou comitente por atos do seu preposto independentemente da prova da culpa do primeiro (Súmula 341 do STF). Baseado nesse princípio, o juiz alemão reajustou os débitos atendendo às modificações das condições econômicas. Por outro lado, a doutrina alemã equiparou à impossibilidade, para extinguir as obrigações ou reduzir o seu montante, os casos de onerosidade excessiva, ou seja, quando a prestação de uma parte viesse a se tornar, em virtude de condições imprevistas, tão pesada que a levasse à ruína. Essa impossibilidade subjetiva de caráter econômico, oriunda da onerosidade excessiva, é outra ideia que se tornou muito fecunda no direito germânico e no direito contemporâneo em geral, vindo a dominar os Códigos mais recentes. Outras legislações já tinham itido anteriormente que, conforme o caso, o juiz modificasse as cláusulas contratuais para evitar o abuso de direito. Esse outro conceito amortecedor, que, não obstante as críticas de Planiol, mereceu interessante estudo de Josserand, veio dominar a maioria das legislações contemporâneas. Assim, o direito suíço, após reconhecer amplos poderes ao juiz, que, na falta de norma legal, poderá decidir o caso como se legislador fosse, condena o abuso de direito, assinalando que “l’abus manifeste d’un droit
7 Cabe salientar a influência que esse artigo exerceu sobre o direito brasileiro e, inclusive, sobre a jurisprudência do STF.
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n’est pas protégé par la loi” (art. 2.º). Por outro lado, o Código Suíço das Obrigações autoriza a intervenção do juiz para diminuir as perdas e danos atendendo às circunstâncias especiais de cada caso. A teoria da imprevisão, como fundamento para a revisão dos contratos, no caso de onerosidade excessiva de uma das prestações, devido a causa não prevista pelos contratantes, tem sido itida de modo mais ou menos amplo por outras legislações contemporâneas. Assim, o Código grego, de 1940, no seu art. 388, refere-se de modo específico às mudanças imprevistas de circunstâncias. Na hipótese de excessiva onerosidade, a Justiça poderá, a pedido de uma das partes, reduzir uma das prestações ou rescindir o contrato, desde que tenha havido modificação nas condições vigentes quando as partes fizeram o contrato. No mesmo sentido se manifesta o Código italiano no seu art. 1.467 e nos seguintes, que constituem a Seção III do Capítulo XIV, intitulada “Dall’eccessiva onerosità”. O Código italiano distingue o caso de contratos de execução continuada ou com prestação periódica de ambas as partes daqueles em que só existem obrigações periódicas para um dos contratantes. Permite a legislação italiana, no caso de ocorrências extraordinárias e imprevisíveis, a rescisão do contrato ou o reajustamento das prestações, invocando para tanto a necessidade de equidade. As transformações econômicas e monetárias sofridas pelo mundo em virtude das duas grandes guerras e de uma inflação galopante exigiram dos tribunais e dos legisladores que o reajustamento das prestações se fizesse para atender à verdadeira finalidade dos contratos, sob pena de prejudicar interesses individuais e sociais. Atendendo a tais necessidades, leis especiais surgiram em muitos países nas épocas de inflação. Foi o que ocorreu na Polônia, na Hungria e na Alemanha, onde a lei permitiu a revalorização dos créditos. Tivemos assim cláusulas especiais de reajustamento por vontade das partes e, por outro lado, reajustamento judicial e reajustamento em virtude de lei. Uma literatura ampla se desenvolveu em torno do assunto, constituindo um novo ramo do direito, o direito monetário, merecendo especial destaque as obras sobre a matéria de Arthur Nussbaum, A moeda no direito nacional e internacional, e de Tullio Ascarelli,
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Studi giuridici sulla moneta, reproduzida em parte na sua obra publicada no Brasil, Problemas das sociedades anônimas. A finalidade dos contratos exigiu, pois, nas diversas legislações, de modo mais ou menos intenso, a introdução da cláusula rebus sic stantibus.
3. A teoria da imprevisão no direito brasileiro O Código Civil brasileiro de 1916 foi, assim como o francês, um Código liberal. Surgiu numa sociedade de nível econômico pouco adiantado, que ainda ignorava a questão social. Em erudito ensaio, San Tiago Dantas destacou as condições sociais de sua elaboração por uma classe média, que surgira ao lado da burguesia do interior, proprietária dos latifúndios e da burguesia mercantil do litoral. Classe média de funcionários e intelectuais, que reunia os bacharéis, com uma cultura europeia que desejavam aplicar no mundo brasileiro. A classe média, que elaborou o Código Civil de 1916 para atender aos interesses da classe dominante, que também eram os seus, não se parecia com a dos outros países, que, formada mais gradualmente, é conservadora no campo econômico e radical no campo político, na observação de San Tiago Dantas, em conferência sobre Rui Barbosa e a renovação da sociedade8. O Código fora feito para um mundo estável, com moeda firme, em que os contratos não deveriam sofrer maiores alterações independentemente da vontade das partes. Era ainda o mundo dos fisiocratas, do laissez-faire, laissez-er, para o qual Clóvis fez o seu projeto. Já se disse, aliás, que o Código nasceu velho para a sua época. Assim sendo, era evidente que não se preocue com o problema da imprevisão. Poucos são os artigos em que fere a questão. Desse modo, o art. 1.059, parágrafo único, do Código de 1916 limitava a responsabilidade aos danos previsíveis, o que se explica dentro de um sistema jurídico que só itia, em tese, a responsabilidade baseada na culpa.
San Tiago Dantas, Rui Barbosa e a renovação da sociedade, publicação da Casa de Rui Barbosa. 8
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O art. 1.190 permitia a redução do aluguel ou a rescisão do contrato de locação caso a coisa deixasse de servir para o fim a que se destinava. Tal fato poderia ocorrer em virtude de fato previsível ou não. Enfim, o art. 1.250 permitia excepcionalmente a rescisão do comodato antes do prazo estabelecido, havendo por parte do comodante necessidade imprevista e urgente reconhecida pelo juiz. Seria necessária boa vontade para, diante de um sistema como o do Código Civil de 1916, reconhecer a issão da teoria da imprevisão. Em obra pioneira e erudita, Arnoldo Medeiros da Fonseca estudou o problema do caso fortuito e da teoria da imprevisão, abrindo novos caminhos para a bibliografia no direito nacional. Inicialmente, na primeira edição da obra, estudando os dados então existentes em nosso direito, entendeu o eminente civilista que não consagrava o direito pátrio a cláusula rebus sic stantibus. Retomando posteriormente o estudo da matéria, diante de novas disposições legislativas posteriores aos anos de 1930, reconheceu que, já então, a legislação brasileira itia o princípio da teoria da imprevisão9. A crise econômica dos anos de 1930 revolucionou a nossa economia, e uma nova legislação veio atender às situações criadas. Foram medidas de emergência as primeiras que surgiram, sem que se lhes pudesse dar alcance definitivo. Assim, por exemplo, foi a primeira disposição legal a se referir à cláusula rebus sic stantibus na sua exposição de motivos o Decreto n. 19.573, de 7-1-1931, que permitiu a rescisão da locação de funcionário público ou militar, no caso de remoção ou redução dos seus vencimentos, em virtude das modificações decorrentes da Revolução de 1930. É interessante notar que a exposição de motivos no caso considera a hipótese como verdadeira força maior e esclarece que a lei não vem restringir o direito de propriedade, mas “obedece a um alto pensamento de equidade, que o direito moderno acolhe, subordinando, cada vez mais, a exigibilidade de certas obrigações à regra rebus sic stantibus”.
9 Arnoldo Medeiros da Fonseca, Caso fortuito e a teoria da imprevisão, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1958.
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É importante assinalar que o legislador preferiu à moderna teoria da imprevisão o recurso à cláusula rebus sic stantibus. Pensamos, pois, que entre ambas — cláusulas rebus sic stantibus e teoria da imprevisão — não há por que distinguir, embora haja quem faça tal distinção, pois o legislador reconheceu tratar-se de uma mesma técnica. Posteriormente, o Decreto n. 23.501, de 27-1-1933, que impôs a nulidade da cláusula-ouro, importou em nova intervenção do Estado e limitação da autonomia da vontade dos contratantes. Os trabalhos preparatórios desse decreto revelam, aliás, que o legislador entendeu ser o seu dever intervir nos contratos sempre que o interesse social viesse a exigi-lo. Embora tal decreto não tivesse consagrado a cláusula rebus sic stantibus, reconheceu a licitude da intervenção estatal nos contratos, mesmo quando em oposição às cláusulas contratuais. Realizou-se assim o éclatement dos contratos, a que se refere Savatier na sua obra sobre as Metamorfoses econômicas e sociais do direito contemporâneo. Tal ruptura do esquema contratual faz com que a lei inclua no contrato cláusulas que as partes não convencionaram ou, ao contrário, considere nulas e não escritas cláusulas incluídas pelas partes. Outro diploma legal importante com referência à teoria da imprevisão foi a chamada Lei de Luvas (Dec. n. 24.150, de 20-4-1934), que previu e regulamentou a renovação dos contratos de locação de imóveis destinados a fins comerciais e industriais, tendo sido mantida tal noção na Lei n. 8.245/91, que disciplina atualmente a matéria. Podemos dizer que os princípios dessa lei por si só importavam na aceitação da cláusula rebus sic stantibus. Tratava-se, efetivamente, da renovação judicial do contrato de locação, em que, não havendo acordo das partes, nem motivo considerado justo, pela lei, para que não fosse renovado o contrato, o juiz fixava novo aluguel, desde que o locatário preenchesse certos requisitos. A fixação do novo aluguel dependia das condições econômicas e financeiras do momento (art. 13, § 7.º). Mas, na lei referida, havia um artigo que consagrava a teoria da imprevisão de modo mais explícito. Era o art. 31, de acordo com o qual, “Se, em virtude da modificação das condições econômicas do
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lugar, o valor locativo fixado pelo contrato amigável, ou em consequência das obrigações estatuídas pela presente lei, sofrer variações além de 20% das estimativas feitas, poderão os contratantes (locador ou locatário), findo o prazo de três anos do início da prorrogação do contrato, promover a revisão do preço estipulado”. itia-se, pois, assim, havendo modificação das condições econômicas, a revisão, após três anos, das locações em que havia fundo de comércio. Por sua vez, a legislação do inquilinato residencial permitiu, em certos casos, o reajustamento dos aluguéis, até um limite legalmente fixado, dependendo tal fixação de arbitramento em que os peritos devem atender ao novo valor locativo, baseando-se, evidentemente, na variação dos preços, na desvalorização da moeda, ou seja, na modificação das condições existentes. Ressalta-se que a atual Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91), que dispõe sobre as locações de imóveis urbanos, prevê a revisão do valor do aluguel em seus arts. 68 a 70. O Código de Proteção e Defesa ao Consumidor (Lei n. 8.078/90) garantiu o direito à revisão contratual, nos seguintes termos: “Art. 6.º São direitos básicos do consumidor: (...) V — a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua REVISÃO em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. Constata-se que, em matéria contratual, o novo Código Civil, dentro do seu espírito social, deu extrema ênfase às exigências de justiça substancial na relação contratual, ao estabelecer a função social do contrato, a cláusula geral de boa-fé é, expressamente, consagrar a teoria da imprevisão. Os princípios básicos que orientam a nova legislação brasileira, que são, nas palavras do Prof. Miguel Reale, o aprimoramento técnico, a eticidade e a sociabilidade10, refletem-se no regime legal do contrato, que deve ser tecnicamente perfeito, inspirado na ética e desempenhando importante função social.
10 Miguel Reale, O sentido do novo Código Civil, um projeto especial da Editora Brasil 21 e da revista IstoÉ, set. 2001, p. 18.
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Dentro desse contexto, a teoria da imprevisão ressurgiu como elemento importante para a readequação dos contratos, diante de radical modificação da situação das partes, ensejando o empobrecimento de uma delas e o enriquecimento da outra. De fato, em seus arts. 478 a 480, o legislador, inspirado no texto constitucional, ite a resolução ou a revisão do contrato por excessiva onerosidade para reequilibrar a relação contratual, adotando a tese consolidada na jurisprudência e seguindo o exemplo do Codice Civile italiano. Tal medida tem por fim proteger o pacto dos acontecimentos supervenientes ou de alteração posterior das circunstâncias. A teoria da imprevisão considera o contrato não como negócio isolado, mas como algo que se insere dentro de uma realidade e está sujeito às incertezas inevitáveis, próprias e imanentes do futuro. Assim, ela é aplicada quando há modificação das circunstâncias de forma a onerar excessivamente uma das partes, isto é, busca retomar o equilíbrio quando os contratantes não vislumbram mais a mesma realidade em que foi celebrado o contrato. Em última análise, ela está relacionada com o contrato no tempo, e seu objetivo é tutelar as partes da alteração da realidade que era desconhecida no momento da realização do contrato. Dentro dessa perspectiva, o art. 478 do CC prevê: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que o decretar retroagirão à data da citação”. Desse artigo de lei pode-se concluir que os elementos que possibilitam a resolução ou revisão por onerosidade excessiva são três: a) alteração da realidade em que foi realizado o negócio, que não poderia ter sido prevista pelas partes. Essa imprevisibilidade fica clara com a aposição da expressão “em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis” no texto legal. Tal elemento deve ser analisado na casuística, para evitar que uma das partes, que não deseje ar os ônus pactuados, aproveite-se da previsão legal para não cumprir com o que foi previamente contratado. Sem dúvida, o papel do juiz terá extrema relevância para cumprir o cunho de justiça
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social que está embutido nessa norma, sem trazer insegurança para as relações contratuais; b) oneração excessiva para uma das partes; e c) correspectiva vantagem extrema para a outra contratante. Ao constatar a onerosidade excessiva, a consequência estipulada pelo legislador é a resolução do contrato, a ser requerida judicialmente, sendo retroativos à data da citação os efeitos da sentença que estabelecer a respectiva resolução. Para não dar um caráter absoluto e radical dessa consequência, qual seja a resolução do contrato, o legislador, no art. 479, previu a possibilidade de evitá-la, se o réu prop o restabelecimento do equilíbrio, modificando equitativamente as condições do contrato. Na realidade, diante de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, melhor seria itir simplesmente que se mantivesse a equação contratual, ou seja, a relação inicialmente estabelecida entre as partes. Conforme o art. 480, na hipótese de contrato que origine obrigação para apenas uma das partes, em vez de pleitear a resolução do contrato, poderá requerer a redução da prestação devida ou alteração da forma de executá-la, afastando a condição de onerosidade excessiva. Assim, constata-se que o novo texto legal permite tanto o reajustamento do contrato como a sua resolução por via judicial, no caso de agravamento extraordinário da onerosidade da prestação de uma das partes, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos imprevisíveis. A ideia da manutenção do equilíbrio contratual e do valor da prestação inicialmente estabelecida também inspirou o art. 317, que trata do objeto do pagamento e mantém, no fundo, uma forma de correção monetária judicial do valor devido. O referido art. 317 dispõe: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação”. Trata-se de forma de revisão destinada exclusivamente a assegurar a permanência, durante toda a execução do contrato, da situação contratual real existente no momento da sua celebração.
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Vale salientar que, antes mesmo do atual Código Civil, a jurisprudência já se manifestava sobre o assunto, especialmente em contratos de empreitada, aplicando a teoria da imprevisão. Na realidade, tal teoria foi consagrada pela jurisprudência e pela doutrina desde os meados do século XX, tendo tão somente o atual Código explicitado um princípio geral anteriormente acolhido pelo nosso direito. Tiveram os nossos tribunais a ocasião de examinar o caráter do art. 1.246 do Código de 1916, que não permitia o reajustamento dos preços em empreitadas, concluindo que tal artigo só se aplicava se as variações de preços fossem normais. Se, todavia, o aumento de mão de obra ou de material não tivesse sido previsível, itiram os tribunais brasileiros o reajustamento. Coube a iniciativa nessa matéria ao Tribunal de Justiça do antigo Distrito Federal. Hoje é questão pacífica o reajustamento do preço combinado para empreitada sempre que ocorre um fato imprevisível. Devemos salientar, aliás, que os tribunais têm sido liberais na interpretação que têm dado ao fato imprevisível. Assim, por exemplo, as partes têm ciência, quando fazem o contrato, de que o salário mínimo deverá ser reajustado numa época determinada. Desse modo, seria possível alegar que tal reajustamento não é fato imprevisível para as partes. Os tribunais todavia têm permitido o reajustamento, havendo modificação do salário mínimo ou qualquer outra que altere as condições do mercado. Almeida Paiva, na sua obra sobre Aspectos do contrato de empreitada11, traz excelente contribuição sobre o modo pelo qual os tribunais brasileiros têm resolvido a matéria, citando também valiosas opiniões doutrinárias no sentido da issão da teoria da imprevisão pelo direito brasileiro. Ressalta-se ainda que nossos tribunais têm reconhecido o caráter excepcional da revisão do contrato com base na teoria da imprevisão, a fim de evitar a criação de um clima de total insegurança jurídica. O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, pela sua Segunda Câmara Civil, em acórdão unânime: “Cláusula rebus sic stantibus — Quando pode ser invocada. A cláusula rebus sic stantibus somen-
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te há de ser aplicada quando houver desigualdade ou oneração desproporcionada de um dos contratantes, derivada de circunstância inesperada e de mudança imprevista, devendo-se evitar que o exercício do direito de resolução do vínculo degenere em abuso fácil e torne vã a fé que os contratantes devem emprestar à obrigatoriedade do contrato” (AC 135.194, 23-9-1964, RT, 374/170). Por ocasião da recente crise econômico-financeira de 2008-2009, os tribunais tiveram o ensejo de examinar os casos nos quais incide a teoria da imprevisão, tendo entendido que não se aplica aos contratos aleatórios pois neles as partes assumiram o risco das variações, que deveriam ter previsto12. Já anteriormente a variação do preço de safra futura em virtude de oscilações do mercado não foi considerada como justificando a revisão contratual13. No campo do direito público, não foram mais limitadas as aplicações da teoria da imprevisão. A própria Constituição Federal de 1969 se referia a dois casos de aplicação da referida teoria. Assim é que o art. 167, III, determinava a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão a fim de que os concessionários, tendo uma justa remuneração do capital empregado, pudessem atender à necessidade de melhoramentos e expansão desses serviços. Entende-se, pois, que a modificação das condições econômicas ensejaria o reajustamento das tarifas. Por outro lado, o art. 102, § 1.º, da Constituição de 1969 determinava o reajustamento dos proventos de inatividade dos funcionários aposentados sempre que, por motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda, se modificassem os vencimentos dos funcionários em atividade (Constituição de 1988, art. 40, § 4.º). Leis especiais permitiram enfim que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e os agentes do Sistema Financeiro da Habitação fizessem contratos, cujas prestações deveriam variar de acordo com os índices de preços de mercadorias ou de
12 REsp 1.003.893-RJ, decisão da 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, decisão de 10-8-2010. 13 REsp 803.481-GO, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, decisão de 28-6-2007.
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custo de vida. Por outro lado, a União foi autorizada por lei especial a emitir obrigações, cujo valor era reajustável de acordo com um índice — Obrigações do Tesouro Nacional (OTN). Finalmente, as sucessivas Leis do Inquilinato autorizaram as cláusulas de escala móvel nas locações. Existem diplomas legais autorizando a União e vários Estados a incluir nos contratos de empreitada uma cláusula de reajustamento (Lei n. 8.666, de 21-6-1993). No direito de família, enfim, os tribunais têm concedido pensão vinculada aos rendimentos do devedor. No campo da responsabilidade civil, as decisões majoritárias item como base de cálculo para a indenização o salário vigente não na época do dano causado, mas no momento em que é proferida a sentença e até na data do pagamento (Súmulas 314, 490 e 562). Podemos afirmar, pois, que jamais a teoria da imprevisão teve tanta atualidade e aplicação, em especial agora, com o advento do Código Civil, que trata da extinção dos contratos e traz disciplina sobre a resolução por onerosidade excessiva (arts. 478 a 480). Como documento histórico e relevante para a teoria da imprevisão, é preciso citar ainda o anteprojeto do Código das Obrigações, de autoria dos Professores Ministros Philadelpho Azevedo, Hahnemann Guimarães e Orosimbo Nonato. Efetivamente, o anteprojeto, que mereceu aplausos dentro e fora do País, permitiu a revisão judicial do contrato em casos excepcionais, considerando a teoria da imprevisão “uma conquista definitiva do direito moderno, embora em verdade se esteja apenas ressuscitando velha e conhecida cláusula, em tempos idos considerada implícita nos contratos de execução retardada” (art. 322 do Anteprojeto). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem tratado da matéria nos acórdãos que se encontram publicados na sua revista RTJ, 57/44, 60/774, 63/551, 66/561 e 68/95, entre outras14. A Constituição de 1988 alterou os textos citados, mas se referiu a “reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”, ao 14
RTJ, 96/667.
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cuidar do salário mínimo (art. 7.º, IV); também no art. 201, §§ 2.º e 3.º, manda reajustar os benefícios previdenciários e salários de contribuição. Ripert reconhecia que a época atual de desequilíbrio econômico não permitia mais que se fizessem contratos a longo prazo. Mas — acrescentam outros juristas — existem certos contratos ou negócios jurídicos cujas consequências se desenvolvem no futuro e que não é possível deixar de praticar. Assim, o problema da modificação de condições econômicas pode ser afastado em relação aos contratos de mútuo, não se fazendo mais mútuos a longo prazo. Mas o mesmo não pode ocorrer em relação a obrigações surgidas em virtude do casamento ou de ato ilícito. Como evitar a injustiça, o enriquecimento sem causa, que o direito contemporâneo considera tão condenável? Uma ampla literatura tem surgido, tanto na França e na Itália como nos Estados Unidos, sobre tais problemas, que merecem a atenção contínua dos juristas, representando, na palavra de Henri de Page, “o ponto mais agudo do conflito entre credores e devedores”. A moeda foi considerada e definida por John Maynard Keynes como a ponte entre o ado e o futuro. Ocorre que a inflação e a consequente desvalorização da moeda não permitem mais a utilização da ponte, sob a ameaça de provocar uma injustiça. À teoria da imprevisão, ou seja, à cláusula rebus sic stantibus, cabe o honroso e eficiente papel de permitir que, não obstante a insegurança monetária, os homens possam continuar a negociar e a estabelecer prestações futuras e que os contratos assim realizados possam continuar a obedecer aos princípios da Justiça.
4. Teoria da imprevisão e dívidas de valor15 É problema doutrinário de certo interesse o da distinção entre a teoria da imprevisão e a doutrina das dívidas de valor. Já vimos como a teoria da imprevisão surgiu com a finalidade de reajustar as prestações das partes sempre que houvesse um fato Ver Arnoldo Wald, A evolução da correção monetária na era da incerteza, in A correção monetária no direito brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1983, p. 9 e s., e, do mesmo autor, A cláusula de escala móvel, São Paulo: Max Limonad, 1956. 15
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imprevisto pelos contratantes que tornasse excessivamente onerosas tais prestações. O requisito básico para a aplicação da teoria da imprevisão é, pois, a ocorrência de fato novo, não previsto pelas partes, que ocasione um desequilíbrio das prestações. Discutem os autores se o fato em questão deve ser imprevisível ou se basta que as partes, podendo prevê-lo, não tivessem podido evitá-lo. A doutrina brasileira exige a inevitabilidade de um fato que transforme cabalmente a situação dos contratantes. Muitos autores e decisões jurisprudenciais aplicam a teoria da imprevisão aos alimentos, representada no art. 401 do CC de 1916, correspondente ao art. 1.699 do atual estatuto civil, que permite o reajustamento dos alimentos oriundos de parentesco, um caso de aplicação da cláusula rebus sic stantibus. O Supremo Tribunal Federal chegou a adotar esse ponto de vista em acórdão de que foi relator o Ministro Nélson Hungria. Entendemos, todavia, que não se trata, no caso, de aplicação da cláusula rebus sic stantibus. É ilustrativa na questão a distinção feita pelo eminente Tullio Ascarelli, que, no seu ensaio sobre dívidas de valor16, esclarece a diferença entre estas e as dívidas de quantias certas de determinada soma de moeda. Às dívidas de dinheiro aplica-se a teoria da imprevisão, desde que preenchidos os seus requisitos. As dívidas de valor, ao contrário, não importam no pagamento de certa quantia, mas sim em garantir ao credor determinado poder aquisitivo. Deve-se um quid e não um quantum. É o que se dá em matéria de alimentos ou de responsabilidade civil. O direito aos alimentos não é direito a tantos reais, ou a determinada soma, mas à quantia que necessária for para que o credor possa levar determinado tipo de vida. É o que também acontece em relação à responsabilidade civil. Quem causou dano a outrem não lhe deve certa quantia, mas sim a quantia representativa do valor do prejuízo (Súmulas 490 e 562 do STF). Assim, ambas as teorias — da imprevisão e das dívidas de valor — têm finalidades análogas, pois visam corrigir o desequilíbrio criado pela modificação das condições existentes. Mas a primeira se
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Tullio Ascarelli, Studi giuridici sulla moneta, Milano: Giuffré, 1952.
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aplica às dívidas de dinheiro, exigindo a imprevisibilidade do acontecimento que modificou as condições existentes. A outra se aplica às dívidas de valor, e não necessita para a sua aplicação que a modificação não tenha sido previsível. Pode ter sido previsível e mesmo prevista pelas partes, e assim mesmo o reajustamento poderá ser pedido, pois atende à finalidade da dívida. A lei e a convenção das partes podem transformar a dívida de dinheiro em dívida de valor. Assim, a aplicação da correção monetária, seja em virtude de determinação legal, seja em decorrência de convenção, importa em converter a dívida de quantia certa em débito de determinado poder aquisitivo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente reconhecido a validade da correção monetária convencional (RTJ 64/386, 69/587, 65/874, 66/325, 60/553, 60/867). Em relação aos negócios bancários, a correção monetária foi consagrada pela Súmula 596, baseada nos textos da Lei n. 4.595, de 31-12-1964, e nas resoluções e circulares do Banco Central.
5. As modificações da estrutura do contrato Com o atual Código Civil, em razão do disposto em seus arts. 478 e 480, resta indiscutível a aplicação da teoria da imprevisão no direito brasileiro, dentro dos moldes e requisitos estabelecidos pelo legislador. Ademais, antes mesmo do novo diploma, o direito brasileiro itia amplamente a teoria da imprevisão, entendendo a melhor doutrina que tal conclusão se inspirava não somente nas normas especiais que já tivemos a ocasião de estudar, mas, ainda, de acordo com a regra pela qual o juiz deve interpretar as declarações de vontade das partes atendendo à sua intenção, mais do que ao sentido literal da linguagem (art. 112 do CC, correspondente ao art. 85 do CC de 1916). Por outro lado, o direito brasileiro ite a teoria das dívidas de valor, pois reconhece a possibilidade de reajustamento de alimentos e denomina alimentos não apenas as obrigações que os parentes têm uns em relação aos outros, em virtude do ius sanguinis, mas ainda a pensão que um cônjuge tem de pagar ao outro após a separação judicial, e a indenização devida em caso de homicídio aos dependentes do falecido (art. 948, II).
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Essas outras limitações à liberdade contratual no direito contemporâneo fizeram com que se perguntasse qual o valor que hoje se deve atribuir ao contrato. Não devemos ver nas afirmações feitas em relação à teoria da imprevisão uma deturpação do contrato, nem um sintoma do seu declínio no mundo atual. Ao contrário, a técnica privatista continua a imperar, invadindo até em certas esferas o direito público, que na sua expansão recorre a instintos de direito privado para melhor atender às suas finalidades, como ocorre no caso das empresas públicas e sociedades de economia mista. Mesmo sem liberdade contratual, mesmo sem liberdade de contrato, este continua a sua vida, até mesmo nos países de economia planificada. Na Rússia, na vigência do regime comunista, por exemplo, mantinha-se o contrato, embora tendo significado próprio e função diferente da do nosso direito, como explicam René David e John Hazard no trabalho17 que dedicam ao direito soviético. Funciona naquele país o contrato como simples confirmação de disposições estabelecidas nos planos econômicos, oriundos dos órgãos competentes, desempenhando, todavia, importante papel psicológico, pois importa na responsabilidade pessoal do contratante. Por outro lado, o inadimplemento tem sanções diferentes das do nosso direito, podendo ser considerado, conforme o caso, como sabotagem. A referência que acabamos de fazer é apenas para indicar que, mesmo em civilizações socialistas, o contrato se mantém. Dentro do nosso sistema, que é o da legalidade ocidental, as restrições à liberdade contratual não devem ser interpretadas como um declínio do direito, na expressão autorizada mas saudosista de Ripert. Constituem tais modificações um cerceamento aos abusos, e são a fonte de uma verdadeira humanização do contrato. A teoria da imprevisão não extingue a autonomia da vontade; consiste numa interpretação construtiva do conteúdo dessa vontade, tendo em vista a justiça substancial e a proteção da vontade das partes com relação
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Rene David e John N. Hazard, Le droit soviétique, Paris: LGDJ, 1954.
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a futuros eventos desconhecidos no momento da realização do contrato. À lei e ao juiz cabe a função de garantir os direitos individuais dentro dos limites em que podem ser exercidos no interesse superior da sociedade. E a teoria da imprevisão realiza a superior conciliação do interesse individual e da necessidade social, da justiça e da segurança, que são as finalidades precípuas do direito. BIBLIOGRAFIA: Arnoldo Medeiros da Fonseca, Caso fortuito e teoria da imprevisão; Arthur Rocha, Da intervenção do Estado nos contratos concluídos; Aderbal Gonçalves, O instituto da lesão; Tullio Ascarelli, Studi giuridici sulla moneta; Arnoldo Wald, Da cláusula de escala móvel e Aplicação da teoria das dívidas de valor às pensões decorrentes de atos ilícitos; e ainda Simonsen, Chacel e Wald, Correção Monetária, Rio de Janeiro, Apec, 1976; Carlos Cossio, La teoría de la imprevisión, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1961; J. M. Othon Sidou, A revisão judicial dos contratos e outras figuras jurídicas, Rio de Janeiro: Forense, 1978; Regina Beatriz Papa dos Santos, Cláusula rebus sic stantibus ou teoria da imprevisão: revisão contratual, Belém: Cejup, 1989; Marcio Klang, A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983; Paulo Carneiro Maia, Da cláusula rebus sic stantibus, São Paulo: Saraiva, 1959. SÍNTESE 15 — A TEORIA DA IMPREVISÃO E A REVISÃO CONTRATUAL 1. Evolução doutrinária do A doutrina germânica e posteriormente o contrato Cristianismo ressaltam a importância da palavra dada. E, por respeito à boa-fé, o contrato é obrigatório entre as partes, como se lei fosse pacta sunt servanda. 2. A cláusula rebus sic stan- A lei Faillot na França introduziu a teoria tibus no direito estran- da imprevisão com a cláusula rebus sic stantibus, permitindo a modificação das geiro normas contratuais que tornaram a prestação de uma das partes excessivamente onerosa em decorrência de fatos sociais como a guerra.
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3. A teoria da imprevisão no O Código Civil brasileiro de 1916 ignorou direito brasileiro a questão social e limitou a responsabilidade aos danos previsíveis. O primeiro dispositivo legal que assimilou a cláusula rebus sic stantibus foi o Decreto n. 19.573, de 7-1-1931, que permitiu a rescisão da locação feita por funcionários públicos. A seguir, o Decreto n. 23.501, de 27-11933, impôs a nulidade da cláusula-ouro e reconheceu a licitude da intervenção estatal nos contratos sempre que o interesse social o exigisse. Recentemente, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) garantiu, em diversos dispositivos, o direito à revisão contratual. O Código Civil de 2002, nos arts. 478 a 480, itiu a revisão do contrato por excessiva onerosidade. 4. Teoria da imprevisão e É um problema doutrinário o da distinção dívidas de valor entre a teoria da imprevisão e a doutrina das dívidas de valor. Ambas as teorias têm finalidades análogas e visam corrigir o desequilíbrio criado. Mas a primeira se aplica às dívidas de dinheiro e a outra às dívidas de valor. 5. As modificações da estru- Resta indiscutível a aplicação da teoria da tura do contrato imprevisão no direito brasileiro em razão do disposto nos arts. 478 e 480 do CC. Não devemos ver a aplicação da teoria da imprevisão como uma deturpação do contrato no mundo atual. As restrições à liberdade contratual não devem ser interpretadas como um declínio do direito, mas, ao contrário, como cerceamento aos abusos e como fonte de humanização dos contratos.
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Capítulo 16 DOS VÍCIOS REDIBITÓRIOS
Sumário: 1. Conceito e histórico. 2. Regulamentação no direito civil brasileiro. 3. Problemas processuais. 3.1. Prazos do Código Civil. 3.2. A proteção do consumidor. 3.3. Prazos de decadência e prescrição no Código de Defesa do Consumidor.
1. Conceito e histórico Vício redibitório é o defeito oculto que desvaloriza ou torna a coisa imprópria ao uso. A proteção do equilíbrio das prestações, nos contratos comutativos, e da boa-fé dos contratantes em todos os negócios jurídicos impôs àquele que entrega determinado objeto a obrigação de responder pelos defeitos e vícios não só do direito transferido (responsabilidade pela evicção) como da própria coisa, quando não perceptíveis por quem recebeu o bem. Vício redibitório é, pois, o defeito oculto da coisa que dá ensejo à rescisão contratual, por tornar o seu objeto impróprio ao uso a que se destina, ou por diminuir o seu valor de tal modo que, se o outro contratante soubesse do vício, não realizaria o negócio pelo mesmo preço. A própria etimologia do adjetivo “redibitório” explica a finalidade do instituto, que assegura a devolução do objeto ao seu titular anterior. No direito pátrio, a matéria encontra regulamentação legal no Código Civil, nos arts. 441 a 446. A bibliografia nacional sobre o assunto é relativamente reduzida, tendo este sido tema de poucas monografias e sendo tratado geral-
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mente em artigos ou arrazoados forenses, ou obras sobre a compra e venda e os contratos em geral e nos comentários ao Código Civil de 1916 e ao Código Comercial de 1850. Na Itália, encontramos uma monografia clássica, de autoria de Fubini1, além de numerosos artigos de Bianchi, Galante e Carnelutti e de uma bibliografia especializada sobre vícios redibitórios em matéria de venda de gado, em que se destaca um trabalho de Nitti, encontrando-se ainda importantes subsídios nas obras sobre compra e venda de Gasca, para o direito civil, e de Tartufari e Ramella, para o direito comercial. A responsabilidade do alienante pelos vícios redibitórios tem as suas fontes no direito romano, cuja estrutura inicial se manteve com poucas modificações até os nossos dias. Alguns juristas a consideram até como um resquício do direito romano, discutindo a sua finalidade real e as razões de sua manutenção no direito contemporâneo. Parece, todavia, que essa responsabilidade ainda exerce justa e importante função moralizadora e asseguradora do equilíbrio econômico nos contratos comutativos. As primeiras normas sobre vícios redibitórios estão ligadas à atividade dos edis na polícia dos mercados romanos. A responsabilidade pelos vícios redibitórios resultava de uma estipulação expressa das partes, sendo facultativa e tendo, posteriormente, sido transformada em estipulação obrigatória nas vendas de escravos. O edito do edil curul destinou-se a regulamentar as vendas de escravos e de gado, obrigando os vendedores a comunicar aos compradores a existência dos vícios ocultos. Em virtude das determinações edilícias, o alienante comunicava por uma tabuleta, aos eventuais adquirentes, os defeitos do escravo ou do gado e as doenças e os delitos cometidos pelo escravo. Salvo convenção em contrário, o vendedor respondia pelos vícios não declarados por ocasião da venda, desde que não fossem ostensivos. A jurisprudência romana ampliou as normas sobre a matéria, ando a aplicá-las posteriormente a todas as espécies de vendas, de móveis ou imóveis2. 1 2
La teoria dei vizi redibitori, Torino, 1906. Digesto, Livro 21, Título 1, fragmento 1, de Ulpiano.
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Na hipótese de vício redibitório, o direito romano concedia ao adquirente duas ações: a ação redibitória, para rescindir o contrato de compra e venda, e a ação quanti minoris ou estimatória, para obter a redução do preço, fixando prazos curtos para o seu exercício, e devendo o interessado optar por uma delas, não podendo evidentemente acumulá-las. Os romanistas assinalam o caráter penal que a ação teve nas suas origens, devendo, inicialmente, o vendedor devolver o dobro do preço que recebera. Em seguida, itiu-se que fossem devolvidos apenas o preço e os juros, restituindo o adquirente a coisa, seus órios e frutos percebidos, de tal modo que as partes voltassem ao statu quo ante, à situação anterior à realização do negócio, ocorrendo uma verdadeira restitutio in integrum. As Ordenações Filipinas trataram da matéria no Título XVII do Livro IV, dedicando diversos artigos aos vícios redibitórios na venda de escravos e de gado, aplicando a responsabilidade pelo vício da coisa a todos os bens, qualquer que fosse a natureza destes. Já encontramos nas Ordenações os requisitos essenciais que ainda hoje caracterizam os vícios redibitórios, declarando as leis portuguesas que tais vícios devem ser ocultos, distinguindo-se dos defeitos aparentes ou ostensivos, sendo imprescindível que existam por ocasião da venda e que não sejam do conhecimento do adquirente. Vício redibitório é, segundo as Ordenações, aquele que impede a utilização da coisa de acordo com a sua finalidade comum ou normal. Apresentam as Ordenações certa falha de técnica, na regulamentação dos vícios redibitórios, confundindo-os com a qualidade garantida, e regulamentando como caso de vícios redibitórios as hipóteses de vendas de escravos, alienados pelos seus senhores como peritos em determinada arte, e que a lei autorizava fossem enjeitados pelos compradores se, na realidade, não tivessem tal habilidade ou profissão. As Ordenações assinalam alguns exemplos de vícios ocultos, fazendo referência ao livro no qual faltam páginas relevantes, e ao pomar ou horta que, sem indústria dos homens, produz plantas ou ervas peçonhentas, estendendo a aplicação da teoria dos vícios redibitórios a outros contratos comutativos, além da venda, como a troca,
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a dação em pagamento e outros em que ocorre transferência de domínio a título oneroso. Tanto as Ordenações como a Consolidação das Leis Civis e o Código Comercial tratavam dos vícios redibitórios no capítulo referente à compra e venda, técnica também adotada pelos Códigos Civis da França (art. 1.641), da Espanha (art. 1.484) e da Alemanha (art. 462) e que se explica por motivos históricos. Efetivamente, a aplicação da teoria dos vícios redibitórios originou-se na compra e venda, tendo, em seguida, transcendido os seus limites para se impor em todos os contratos comutativos que objetivam a transferência de domínio sobre determinado objeto. Atualmente, inclui-se a regulamentação dos vícios redibitórios no atual Código Civil; seguindo a sistemática desse tema, já adotada no Código de 1916, está no título referente aos contratos em geral (Seção V do Capítulo I do Título V: “Dos contratos em geral”). O novo Código Civil dedicou ao assunto apenas seis artigos, nos quais define os casos de vícios redibitórios e os seus efeitos (arts. 441 a 446). A legislação estrangeira tem sido mais generosa para com os vícios redibitórios, que mereceram trinta e quatro artigos no BGB. O Código Civil brasileiro de 1916 limitava-se a fixar os princípios gerais, não tratando de modo específico dos vícios redibitórios nas vendas de gado, nem se referindo à venda de coisas em conjunto e aos vícios redibitórios nas obrigações de gênero. O Código Civil de 2002, no entanto, em seu art. 445, § 2.º, dispõe, especificamente, a respeito dos prazos de garantia por vícios ocultos na venda de animais, podendo, na ausência de lei especial sobre o tema, seguir os usos locais.
2. Regulamentação no direito civil brasileiro O vício redibitório distingue-se do defeito visível, aparente ou ostensivo, por um lado, e do erro, vício da vontade, por outro. Quando se realiza a aquisição de um bem determinado, pensando o comprador que se trata de uma coisa distinta, estamos no campo do erro, pois não há coincidência entre a vontade real do agente e a vontade por ele manifestada. Adquire-se, v. g., um objeto de metal
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dourado pensando que é de ouro. No vício redibitório, o bem adquirido é exatamente aquele que se desejava, embora tenha um defeito oculto não conhecido pelo comprador, nem suscetível de verificação imediata. Quem compra um livro no qual faltam algumas páginas pode alegar a existência de vício redibitório. Comprou o livro que pretendia, o que exclui o erro, mas ocorre vício por não ser a obra completa, sendo redibitório o vício, pois não é crível que o adquirente deva verificar a existência de todas as páginas do livro. Se, ao contrário, faltasse a capa da obra, o vício já não pode ser oculto, sendo ostensivo e aparente. Cunha Gonçalves faz muito claramente essa distinção ao dizer que há diferença de qualidade, ou seja, erro, quando a coisa em si, intrinsecamente, não é viciada nem defeituosa, mas difere daquela que o comprador quisera adquirir. Quem compra uma cópia em vez de um quadro original, um cavalo abastardado em vez de um purosangue, um vaso de cerâmica moderno quando pretendia adquirir um antigo incide em erro. Nessas hipóteses, lembra o professor lusitano, o objeto está perfeito, sem vício, mas é diferente do pedido. Ocorre uma diferença de origem, de matéria-prima, de tecido etc. Ao contrário, o vício redibitório é uma imperfeição existente na feitura da obra ou na fabricação de mercadoria, que é a pretendida pelo adquirente. O vício é desgaste, estrago, falha do objeto, que se encontra fora do estado normal. A distinção entre erro e vício redibitório apresenta consequências relevantes de natureza processual especialmente em virtude dos prazos distintos que a lei concede para o exercício das diversas ações. Também devemos distinguir o vício redibitório da qualidade garantida. Enquanto a proteção contra o primeiro decorre da lei, salvo convenção em contrário das partes, a segunda é especificação contratual, decorrente do contrato, garantida pela ação ex contractu, de acordo com o tradicional princípio pacta sunt servanda3. Enquanto o critério para a apuração do vício redibitório é o comum, normal e ordinário, baseado no quod plerumque accidit, no
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Exemplo: venda de aparelho com garantia de fábrica.
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que sói acontecer, o critério para apreciação da qualidade garantida é fixado pelo próprio contrato. No primeiro caso, atende-se à finalidade costumeira do objeto, enquanto no segundo o juiz deve atender aos termos do contrato, em que as partes puderam livremente fixar o rendimento, a produção ou o consumo do projeto, independentemente de sua relação com as bases comuns de rentabilidade ou de produtividade. Na garantia da qualidade, o alienante assume, nos limites contratualmente estabelecidos, a responsabilidade pelo funcionamento de um objeto por certo tempo ou em certas condições, assegurando a sua capacidade, a sua estabilidade, a possibilidade de atender a necessidades específicas constantes do contrato. A qualidade garantida não está sujeita ao prazo curto estabelecido para a ação redibitória, podendo ser exigida enquanto for suscetível de exercício a ação contratual. Em síntese, quando o objeto adquirido não é o que o comprador pretendeu adquirir, ocorre o erro, ando a haver dolo quando tal falsa representação decorreu de manobras ou ardis por parte do vendedor ou de terceiro. Na hipótese do vício redibitório, o objeto é o pretendido, mas apresenta alguma falha, algum defeito, alguma insuficiência não aparente no momento da aquisição e que o torna total ou parcialmente imprestável para atender a sua finalidade comum. Finalmente, se o vendedor assegura ao comprador que o objeto tem certas qualidades, garantindo-as por determinado tempo no contrato, cria uma proteção contratual dessas qualidades garantidas, obedecendo a um critério fixado no próprio acordo das partes4. Para a definição de vício redibitório, é relevante voltar ao conceito fixado no Código Comercial de 1850, que, em seu art. 210, esclarecia: “o vício redibitório é aquele que torna o objeto impróprio ao seu uso normal, ou diminui-lhe o valor de tal modo que, se a circunstância fosse conhecida pelo adquirente, não realizaria o negócio nas bases em que foi firmado”. Vemos que o critério não se afasta muito do existente para caracterização do erro essencial juridicamente relevante.
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V. San Tiago Dantas, Problemas de direito positivo, RF, 1953, p. 237 e s.
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Já o art. 441 do CC, com a mesma redação do art. 1.101 do Código de 1916, limita-se a fazer referência à impropriedade da coisa ou à diminuição do seu valor, tendo a doutrina entendido que não basta qualquer diminuição de valor, sendo necessário que, pela sua natureza e importância, impedisse a realização do negócio, se fosse do conhecimento do outro contratante. Deve-se observar, entretanto, que o conhecimento é variável de acordo com o tipo de negócio e do adquirente. Ao expert de determinado produto será mais fácil distinguir certos defeitos que este apresente do que para o homem de médio conhecimento. Por outro lado, ao alienante cabe sempre agir com boa-fé. Ao final, dependerá da avaliação do caso em espécie, fruto do trabalho jurisprudencial. A interpretação do uso normal deve ser feita atendendo aos termos contratuais e, na falta de indicação clara destes, à praxe existente. Discute-se a possibilidade de enquadrar nos vícios redibitórios certas situações jurídicas do bem, que, sem afetá-lo fisicamente, importam em diminuição do seu valor. Assim, tem sido considerada como caso de vício redibitório a venda de um imóvel condenado à demolição pelas autoridades istrativas, sem comunicação desse fato pelo vendedor ao comprador. A existência de ônus reais não constitui, para nós, vícios redibitórios, por tratar-se de vícios de direito, protegidos pelas normas referentes à evicção. A não comunicação ao comprador do fato de estar alugado o imóvel vendido não importa na existência de vício redibitório, por ser questão de fácil verificação pelo adquirente. Na hipótese, todavia, de constar do contrato que o imóvel não é alugado, quando está ocupado por locatário, caberá a ação contratual própria por se evidenciar o vício da vontade do comprador que, pretendendo adquirir um imóvel desocupado, comprou um prédio alugado. A classificação do vício como ostensivo ou oculto é questão de apreciação relativamente subjetiva, variando com os magistrados e dependendo das condições e circunstâncias peculiares a cada contrato, condicionando-se ainda às próprias pessoas que intervieram no ato, podendo o vício, oculto para o leigo, ser ostensivo para um técnico ou especialista.
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Sendo o vício ostensivo, não há obrigação do vendedor de indicar a sua existência ao comprador. Sendo oculto, deverá mencioná-la sob pena de rescisão do contrato e responsabilidade pelas perdas e danos, se o alienante estiver de má-fé. O vício redibitório é, pois, oculto, impedindo o uso normal da coisa, ignorado pelo adquirente, e existente no momento da execução do contrato e subsistente na época do exercício da ação própria. Se o vício vier a surgir depois da execução do contrato, não pode ser atribuída a responsabilidade ao vendedor, salvo se o comprador puder provar que decorre de outro defeito já existente por ocasião do contrato. Perecendo a coisa, em virtude de caso fortuito ou culpa do comprador, este não pode acionar o vendedor. Se ao contrário o desaparecimento do objeto for consequência do vício, cabe o exercício da ação (v. n. 3.1 deste Capítulo). Algumas legislações, como a alemã, equiparam aos vícios redibitórios as diferenças de metragens em terrenos, matéria regulamentada pelo direito brasileiro no art. 500 do estatuto civil. Embora possa, nessa hipótese, o adquirente optar entre exigir a área que falta, reclamar a resolução do contrato ou pedir o abatimento do preço, a jurisprudência entende que a analogia não implica, no caso, identidade, não se aplicando às diferenças de metragens as normas referentes aos vícios redibitórios, por haver, na primeira hipótese, uma diferença meramente quantitativa. Havendo venda de coisa principal e de órios, se a coisa rejeitada por vício redibitório for a principal, seguem-lhe o destino os órios; se, ao contrário, a coisa viciada for ória, mantémse o negócio principal, esclarecendo o art. 503 que, na venda de coisas em comum, a rejeição de uma delas por vícios não autoriza a das outras. A teoria da responsabilidade pelos vícios redibitórios aplica-se atualmente a todos os contratos comutativos, ou seja, àqueles em que há equivalência das prestações das partes, como também à doação onerosa (art. 441 e parágrafo único). Assim sendo, as ações redibitórias e estimatórias podem ser utilizadas não só na compra e venda como também na permuta, no contrato de sociedade, na parceria rural, na dação em pagamento, na locação.
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Uma parte da doutrina estrangeira (Pothier, Aubry e Rau) e nacional (Carvalho de Mendonça) entende que a cláusula excludente de responsabilidade por vícios redibitórios só é válida quando o alienante os desconhece, sendo nula na hipótese de ter conhecimento dos defeitos e não comunicá-los ao adquirente. A matéria merece discussão e estudo, dependendo até mesmo, a nosso ver, do modo pelo qual foi redigida a cláusula excludente de responsabilidade. Pensamos que, no campo empresarial, as partes podem inverter o ônus dos riscos sem que haja nisso qualquer violação de princípios morais, da ordem pública e dos bons costumes. Conforme o alienante saiba ou não da existência dos vícios, na hipótese de não haver cláusula excludente da responsabilidade, esta abrange as perdas e danos ou, ao contrário, importa apenas na devolução do preço e das despesas realizadas pelo adquirente, voltando as partes ao status quo ante, à situação em que se encontrariam se o negócio não tivesse sido realizado. O art. 443 estabelece a diferença de tratamento do alienante na hipótese de boa e de má-fé, determinando a rescisão simples no caso de ignorância do vício, acrescida da responsabilidade pelas perdas e danos na hipótese de conhecimento de defeito. Manteve-se, pois, a tradição romanista com a punição do contratante de má-fé. No caso, cabe ao adquirente provar, por todos os meios itidos em direito, que o alienante conhecia os vícios, pois a má-fé não se presume, necessitando de prova, embora esta possa ser meramente indiciária. As perdas e danos abrangem não apenas o damnum emergens (dano emergente, perda real), ou seja, o que o adquirente efetivamente gastou em virtude da realização do negócio, mas incluem também o lucrum cessans (lucro cessante, benefício não realizado), ou seja, o que o adquirente teria lucrado se o objeto não sofresse do vício oculto. Ressalta-se que o Código Civil de 2002 não trouxe a exceção prevista no art. 1.106 do Código de 1916, o qual previa que os bens vendidos em hasta pública não estavam sujeitos às ações oriundas de vícios redibitórios e ao abatimento no preço. A renúncia à garantia pelos vícios redibitórios pode ser expressa, mediante cláusula contratual ou aditamento ao contrato, ou tácita,
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quando o adquirente, não intentando as ações próprias, prefere realizar, por sua própria conta, as reformas ou consertos necessários para corrigir os defeitos existentes.
3. Problemas processuais Na hipótese de vício redibitório, o adquirente tem opção entre a rescisão do contrato com devolução do preço (ação redibitória), acrescido tão somente das despesas (sendo o alienante de boa-fé) ou das despesas e perdas e danos (sendo o alienante de má-fé), e o pedido de abatimento do preço, mantida a vigência do contrato (ação estimatória ou quanti minoris). São as ações edilícias. A liberdade de optar é a mais ampla possível em nosso direito, ao contrário do que acontece em outras legislações, que concedem ao juiz o poder de transformar, conforme o caso, a ação redibitória em estimatória, independentemente da vontade do autor. Existindo o vício, na sua defesa, o réu pode alegar, nas ações redibitória e estimatória, que: a) o vício era ostensivo ou surgiu posteriormente à execução do contrato; b) o autor conhecia o defeito da coisa; c) a pretensão está prescrita; d) o contrato exclui a responsabilidade do réu por vícios redibitórios; e) o réu renunciou ao exercício da ação, por ter realizado o pagamento após a verificação da existência do defeito. Quanto ao último ponto, é preciso atender às condições das partes no caso concreto. Assim, não consideramos que tenha havido renúncia tácita à ação própria por parte de quem, diante da ameaça de protesto de título, faz o pagamento deste, ressalvando os seus direitos. Se, ao contrário, o pagamento é feito espontaneamente, poderá implicar renúncia tácita. Outro motivo que pode ser alegado pelo réu na ação redibitória é a transformação do objeto vendido, pois o alienante não pode ser compelido a receber coisa diversa da que entregou ao adquirente. A
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transformação substancial impede, pois, o exercício da ação redibitória, sem vedar, todavia, o recurso à estimatória. Quando bens diferentes são vendidos conjuntamente, o defeito de um deles não afeta a alienação dos outros, de acordo com o art. 503 do CC, devendo, todavia, referido dispositivo legal ser entendido em termos, não se aplicando aos casos de órios ou de vendas conexas em que ocorra um entrosamento tal entre as diversas operações que a venda tenha sido realizada em virtude da existência do conjunto, perdendo este o seu valor com a falta de uma ou algumas das suas peças, muitas vezes insubstituíveis (como num serviço de chá ou de jantar). Em determinadas hipóteses, a única solução será a rescisão total do negócio em virtude do vício de algumas das peças alienadas. De acordo com a legislação vigente e a doutrina dominante, o autor pode escolher entre a ação redibitória e a estimatória, podendo variar de ação até que uma delas seja julgada ou que a outra parte tenha atendido às reivindicações feitas, de acordo com a doutrina dominante. Entendemos, todavia, que isso não pode ocorrer dentro do nosso atual sistema processual, em que, uma vez citado o réu, o pedido só pode ser modificado com o consentimento deste, não podendo o autor desistir da ação sem o acordo expresso do réu. 3.1. Prazos do Código Civil Os prazos para o exercício da ação redibitória e estimatória são de decadência, não se suspendendo, nem sendo suscetíveis de interrupção, começando a correr a partir da entrega ou da tradição do objeto ao adquirente5.
5 Em direito, ninguém é obrigado ao impossível (ad impossibilia nemo tenetur). Assim, se o defeito só aparece após o prazo de quinze dias, como obrigar o adquirente a reclamar antes? Os tribunais, inclusive o Supremo Tribunal Federal, aplicam o art. 5.º da Lei de Introdução, que manda atender aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. No RE 76.233 (RTJ, 68/222), relator o Min. Thompson Flores, foi o que ocorreu. Era uma ação redibitória, movida cinquenta e um dias após recebido um semovente (um boi reprodutor) apresentando doença, que o tornava impróprio à destinação, cujo período de incubação pode estender-se a sessenta dias. Não
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O Código Civil de 2002 alterou o prazo decadencial para reclamar os vícios redibitórios ou requerer o abatimento do preço. No novo regime, para obter a redibição ou pedir o abatimento do preço, o adquirente tem o prazo de trinta dias, se a coisa for móvel, e de um ano, se for imóvel, contado da entrega efetiva do bem. Quando o adquirente já estiver na posse do bem, o prazo é reduzido à metade e inicia-se a sua contagem no momento da alienação (art. 445, caput)6. Por outro lado, o Código Civil seguiu uma corrente doutrinária que defende que o prazo deve correr a partir do momento da verificação do vício. De fato, o seu art. 445, § 1.º, estabelece que, quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo será contado da data da ciência da sua existência até o máximo de cento e oitenta dias, para bens móveis, e de um ano, para os imóveis. Por exemplo, na entrega de máquinas, o prazo corre a partir do momento em que foram postas em funcionamento. Parece-nos um critério justo, porém subjetivo, tendente a dificultar a aplicação da justiça e a segurança nas relações contratuais.
podia o adquirente saber, nos quinze dias após a entrega, se havia ou não a doença, que se manifestou depois. Assim, o Supremo Tribunal entendeu correta a contagem do prazo para a redibição, a partir do aparecimento da doença do animal, provada a sua anterioridade. O acórdão recorrido, do Tribunal de Goiás, menciona doutrina e outros julgados: RT, 134/548, 167/719, 178/581, 275/834; RTJ, 47/447; RF, 116/499; RJ, 39/230. V. art. 445 e parágrafos do Código Civil. Por outro lado, nos chamados casos de garantia de fábrica (automóveis, eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos, máquinas etc.), o prazo fixado no contrato deve ser somado ao fixado no Código, salvo disposição contratual em contrário, aplicando-se também o critério da jurisprudência acima. Assim, o STF, no RE 86.848 (RTJ, 80/1003); RJTARJ, 18/180. Por outro lado, sendo possível descobrir o vício oculto no prazo e não o fazendo o adquirente, sofre a decadência (RTJ, 97/387). V. art. 446 do Código Civil. 6 Com relação ao prazo, o Código Civil de 1916, em seu art. 178, §§ 2.º e 5.º, estabelecia o prazo de quinze dias, contados da tradição da coisa, para exercer as ações redibitória e estimatória em relação aos móveis e o de seis meses para o exercício das mesmas ações no tocante aos imóveis. Já o Código Comercial de 1850 fixava o prazo de dez dias, com referência aos móveis.
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Em relação aos vícios ocultos nos negócios de compra e venda de animais, o prazo de garantia deve ser especificado em lei especial, ou, se esta não existir, considerar-se-ão os usos e costumes locais, nos termos do art. 445, § 2.º. Esse dispositivo determina a aplicação do prazo especificado no seu § 1.º — cento e oitenta dias para bens móveis e um ano para bens imóveis, quando não houver lei específica nem regra consuetudinária —, mas consideramos que se equipara aos móveis. Ademais, quando houver cláusula de garantia, os prazos decadenciais especificados no Código não correm, devendo o adquirente, entretanto, sob pena de decadência, denunciar o defeito até trinta dias após o seu descumprimento (art. 446). 3.2. A proteção do consumidor O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), nos arts. 18 a 25, regula a “Responsabilidade por vício do produto ou do serviço”. Antes mesmo da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, a matéria já vinha sendo estudada e enfocada pela doutrina, bem como tendo acolhida na jurisprudência, em face da evolução da técnica. No entanto, seu estudo se fazia (e ainda cabe) no âmbito da responsabilidade civil. Ocorre que na teoria dos vícios redibitórios não se indagava da culpa, pois, ainda que ignore os defeitos, o alienante é obrigado objetivamente a aceitar a redibição ou o abatimento do preço. Sucede que, com a complexidade da vida moderna e o desenvolvimento industrial (máquinas, motores, produtos químicos, alimentícios, eletrônicos, software etc.), concluiu-se ser necessária a proteção do consumidor, cada vez mais sujeito a danos decorrentes de falhas do produtor, falhas estas não perceptíveis no momento da aquisição do objeto. Por outro lado, se o vendedor recebe o produto do fabricante, de modo a transmiti-lo diretamente ao adquirente, inclusive estando a mercadoria embalada, sem que possa ser devidamente examinada, deve ser exigida a garantia, que a a recair sobre o produtor ou fabricante. Distingue-se, como se disse, a diferença de qualidade ou desconformidade do chamado defeito oculto. Nesse caso, com maior razão,
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não se pode isentar o alienante da garantia; e, se nada pode saber, confiando na informação do fabricante, deve este responder. Tal como ocorreu no direito estrangeiro — a lacuna legal sobre a matéria —, os nossos tribunais aram a aplicar as regras da responsabilidade civil ou dos vícios redibitórios, conforme o caso. Sentiu-se, porém, a necessidade de editar lei mais moderna, o que se fez com o Código de Defesa do Consumidor, que também deu maior abrangência à responsabilidade pelos vícios ocultos. Atribui-se a solidariedade ao fabricante (com o vendedor), como se vê do art. 18, que tem a seguinte redação: “Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas”. Como se vê, na primeira parte do artigo, temos a expressão “vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor...”. A redação inspirou-se no art. 1.101 do Código Civil de 1916, que encontra correspondência no art. 441 do Código Civil de 2002. Entretanto, não se ite a exoneração da responsabilidade ou da garantia mediante cláusula expressa (art. 24 do CDC). Mais ainda: o art. 25 veda cláusula que impossibilite, exonere ou atenue o dever de indenizar; e o art. 51 torna nulas as chamadas cláusulas abusivas, no mesmo sentido. O sistema procura dar ampla garantia e adota expressamente outra forma de repelir abusos: a desconsideração da personalidade jurídica (art. 28). Um pequeno reparo merece a lei: no afã de indicar prazo para atender ao consumidor, a lei acabou favorecendo o vendedor e, até certo ponto, ensejando abusos; é que condiciona o atendimento à reclamação ao prazo de trinta dias (art. 18, § 1.º): “Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir...”. Assim, faltou dizer como o consumidor prova a data da reclamação
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(os comerciantes não assinam recibos, nem duplicatas para aceite, e recusam-se a aceitar reclamação escrita). Segundo, mesmo que se prove, recusam-se a atender os pedidos e agora podem prevalecer-se do prazo de trinta dias. Evidente que, se o defeito for tal que impeça o uso da coisa imediatamente, não se deveria aguardar prazo algum para substituí-la, ou para restituir o preço. A desculpa de que o produto é vendido com garantia e que cabe tentar sanar o defeito acarreta o prejuízo de, no mínimo, trinta dias para o consumidor. Parece-nos deva ser alterado tal prazo, salvo casos excepcionais. Pior ainda, o § 2.º do art. 18 permite que se reduza ou amplie tal prazo, dizendo que não pode ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Ora, se o vendedor quiser trocar a mercadoria defeituosa imediatamente, por que obrigar o adquirente a esperar sete dias? Ou, não aceitando o vendedor a redução (como deverá ocorrer), por que obrigar o consumidor a esperar trinta dias para poder exigir o que lhe cabe? No entanto, cabe observar que a lei do consumidor especificou o que se entende por “impróprios ao uso e consumo: I — os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II — os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III — os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam”. O art. 19 estende a responsabilidade pelo vício de quantidade do produto. Cabe, finalmente, salientar que as normas do Código de Defesa do Consumidor, nessa matéria, como nas demais, só se aplicam aos “contratos de consumo”, mantida a vigência das normas do Código Civil nos demais casos. 3.3. Prazos de decadência e prescrição no Código de Defesa do Consumidor O Código de Defesa do Consumidor faz distinção entre vícios aparentes ou de fácil constatação e os vícios ocultos.
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Para os vícios aparentes ou facilmente verificáveis, o prazo para reclamar é de decadência. Se for serviço ou produto não durável (por exemplo, mercadoria alimentícia), o prazo é de trinta dias. Se for serviço ou produto durável, o prazo é de noventa dias (art. 26 da Lei n. 8.078/90). Pelo § 1.º, o prazo começa da entrega efetiva ou do término dos serviços. Mas a decadência não se verifica (diz o texto que é obstada): a) pela reclamação comprovada até resposta negativa e inequívoca; b) pela instauração de inquérito civil, até seu encerramento. Mas, para o vício oculto, o prazo decadencial só se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito (art. 26, § 3.º). Realmente, se se cuida de vício oculto, não é possível saber, com a entrega, se existe, e ninguém vai reclamar antes do aparecimento. Os defeitos de fabricação só aparecem com o uso da coisa. Assim, o caso do sapato que foi utilizado alguns dias após a compra, em que a adquirente foi surpreendida por chuva e os sapatos descolaram e não puderam ser consertados, porque seus elementos eram de papel ou cartolina. Claro que o prazo só começou com o vício manifestado. Nada a estranhar quanto às causas que impedem a decadência. Na moderna teoria é possível sustar ou impedir o curso de tais prazos, apesar do entendimento clássico de que não se suspendem ou interrompem. Se a pessoa reclama no prazo e prova que o fez, não há decadência, se ficou aguardando resposta. Mas, como o fornecedor jamais diz que não vai atender (ou seja, não há resposta inequívoca), convém, se o caso comporta, pedir providências legais, no prazo legal (30 ou 90 dias, conforme as coisas sejam não duráveis ou duráveis). Mas se o consumidor tiver uma carta do fornecedor dizendo que atenderá em quinze dias (o que dificilmente ocorrerá), o prazo será acrescido de quinze dias. Já se for prazo para reparação de danos do produto ou do serviço (p. ex.: queimadura decorrente de mau funcionamento; desastre de carro por defeito de peças essenciais), o prazo é de cinco anos, sendo de prescrição. A lei diz: “Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço...”.
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Tal prazo, é claro, começa com o dano. Mas não pode ser automático, pois depende de ser alegado pela parte. Ao contrário da decadência, o juiz não pode aplicar de ofício o prazo prescricional. SÍNTESE 16 — DOS VÍCIOS REDIBITÓRIOS 1. Conceito e histórico
Vício redibitório é o defeito oculto que desvaloriza ou torna a coisa imprópria ao uso e dá ensejo à rescisão contratual. O vício redibitório tem suas fontes no direito romano que o revestia de caráter penal e exigia do devedor a devolução em dobro do preço que recebera. O Código Civil de 1916 limitou-se a fixar os princípios gerais dos vícios redibitórios. O Código Civil de 2002 dispõe, especificamente, a respeito dos prazos de garantia por vícios ocultos, até mesmo na venda de animais (art. 445, § 2.º). Manteve-se no art. 443 a tradição romanista com a punição do contratante de má-fé.
2. Regulamentação no direi- O atual Código Civil contempla a matéria nos arts. 441 a 446 e aplica a teoria da to civil brasileiro responsabilidade pelos vícios redibitórios a todos os contratos comutativos, nas doações onerosas, e aos bens vendidos em hasta pública. 3. Problemas processuais
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Ações edilícias. Na hipótese de vício redibitório o adquirente tem opção entre: a) rescisão do contrato com devolução do preço (ação redibitória); b) abatimento do preço, mantida a vigência do contrato (ação estimatória ou quanti minoris).
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3.1. Prazos do Código Civil
Os prazos para o exercício das ações edilícias são decadenciais, não se suspendem nem se interrompem e começam a correr a partir da tradição do objeto. Prazos: trinta dias para coisas móveis e um ano para bens imóveis.
3.2. A proteção do consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), nos arts. 18 a 25, regula a “Responsabilidade por vício do produto ou do serviço”. De acordo com o art. 18, § 1.º, o prazo máximo para a reclamação é de trinta dias.
3.3. Prazos de decadência e prescrição no Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor faz distinção entre vícios aparentes ou de fácil constatação e vícios ocultos. Para os vícios aparentes, o prazo para reclamar é decadencial, e o prazo é de noventa dias para serviços ou produtos duráveis. Para os vícios ocultos o prazo decadencial só inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito. Para os danos causados por fato do produto a pretensão à reparação é de cinco anos de acordo com o art. 27 do CDC.
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Capítulo 17 DA EVICÇÃO Sumário: 1. Conceito. 2. Classificação. 3. Responsabilidade pela evicção. 3.1. Jurisprudência.
1. Conceito A evicção é o fato em virtude do qual o adquirente perde a posse ou a propriedade de determinado objeto, em virtude de sentença judicial, que as atribui a terceiro, reconhecendo que o alienante não era titular legítimo do direito que transferiu. Caracteriza, pois, a evicção a perda da posse ou da propriedade de um bem, pelo adquirente, em virtude de sentença judicial, na qual se declara que o alienante não tinha qualidade para realizar a alienação. Discute-se se a evicção ocorre somente quando o adquirente é réu no processo ou se também é possível que ocorra sendo o adqui rente autor na ação. Geralmente a evicção decorre de processo em que o adquirente figura como réu. Assim, se alguém vende um imóvel a outrem e o adquirente, ao tomar posse dele, se vê surpreendido por uma ação de terceiro que comprova ser este — e não o alienante — o legítimo proprietário do imóvel adquirido, o adquirente se apresenta na causa como réu. Dentro do sistema do Código Civil pode parecer que somente se tenha cogitado da evicção, sendo o adquirente réu na ação intentada por terceiro. Discutiu-se, todavia, a possibilidade de decorrer a evicção de um processo em que o adquirente, em vez de ser réu, tenha a qualidade de autor. O Código de Processo Civil de
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1939 regulava a hipótese no art. 95; já o Código de Processo Civil vigente obriga a denunciar a lide “ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta” (art. 70, I)1. Ocorre que o adquirente compra uma gleba de terra e, depois de feita a escritura e de transcrevê-la no Registro de Imóveis, percebe que as terras são ocupadas por posseiros, contra os quais intenta uma ação de reintegração de posse ou de reivindicação. Se na referida ação os posseiros alegarem e provarem a posse mansa e pacífica da gleba por mais de quinze anos sucessivos (art. 1.238 do CC, ressaltando que o Código de 1916 estabelecia o prazo de vinte anos em seu art. 550), o juiz julgará improcedente a ação, considerando que a propriedade da gleba pertence, em virtude de usucapião, aos posseiros, embora estes tenham de pedir, por ação própria, o seu título declaratório. Nessa hipótese, a evicção se apresenta num processo em que o adquirente funcionou como autor, sendo assim issível a evicção tanto num caso como no outro, quer seja o adquirente autor, quer seja réu no processo. A evictio significa a perda da ação em juízo, ou seja, a vitória judicial do terceiro contra o adquirente. O terceiro que realiza a evicção é o evictor, titular legítimo do direito. O adquirente é o evicto, pois sofre a evicção, perdendo o direito que acreditava ter legitimamente adquirido. O alienante é o responsável pelos prejuízos decorrentes da evicção, pois transmitiu um direito inexistente ou viciado, ou seja, um direito alheio. A responsabilidade pela evicção surgiu no direito romano em relação à compra e venda com a actio auctoritatis, tratando-se de venda por mancipação. Para os casos de venda sem mancipação, surgiram diversas estipulações para garantir os direitos do comprador (stipulatio dupla), determinando que, no caso de evicção, o alienante pagasse ao adquirente, em dobro, o preço recebido, princípio não muito diferente daquele existente no direito romano no tocante aos
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O art. 71 ite que a denúncia possa ser feita tanto pelo autor como pelo réu.
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vícios redibitórios, o que se explica pelo paralelismo existente entre os dois institutos. O Código Civil regulamenta a responsabilidade pela evicção nos arts. 447 a 457, na parte dos contratos em geral, e o Código de Processo Civil trata da matéria nos arts. 70 a 76. O Código Civil, seguindo o já disposto no Código revogado, ite a responsabilidade pela evicção nos contratos onerosos. Ao estabelecer a nova disciplina, o legislador brasileiro manteve a denominação diversa para os casos de vícios redibitórios e para as hipóteses de evicção. Não se entende por que o legislador brasileiro se referiu, nos casos de vícios redibitórios, aos contratos comutativos e no caso de evicção aos contratos onerosos, quando, em ambas as hipóteses, se aplica uma garantia geral decorrente da bilateralidade dos contratos que criam obrigações para ambas as partes. Desde que haja a equivalência das prestações que cabem a ambas as partes contratantes, deve subsistir a garantia tanto contra os vícios redibitórios como em relação à evicção. Tal garantia deixa de ter justificativa quando se trata de atos de mera liberalidade, praticados por um dos contratantes, sem contraprestação do outro, não se itindo então a aplicação dos princípios referentes aos vícios redibitórios e à evicção. Para que haja evicção é preciso que: 1) em contrato oneroso exista um vício no direito do alienante transferido ao adquirente; 2) seja o vício anterior à alienação; 3) haja sentença, transitada em julgado, em virtude da qual o adquirente perdeu o uso, a posse ou o domínio da coisa alienada. Em primeiro lugar é preciso que haja vício no título do alienante, porque, não sendo viciado, não ocorre a evicção. Sendo o título do alienante perfeito, sem nenhuma espécie de irregularidade, não seria possível que a justiça reconhecesse um direito de terceiro contrário ao direito do alienante e excludente dele. O próprio fato de haver evicção prova não ser o direito do alienante perfeito e indiscutível. Algumas vezes, o título em si é perfeito, mas na realidade existe uma defesa ou exceção de terceiro, que o torna caduco, fazendo
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com que, embora formalmente perfeito o título, o direito não mais seja atual, porque, em virtude do decurso do tempo, por exemplo, ocorreu usucapião em favor de terceiros, extinguindo-se o direito de propriedade do alienante. É preciso também que o vício de direito seja anterior à alienação, porque, se lhe for posterior, não mais será problema do alienante, mas sim do adquirente. O momento da transferência dos riscos é, para os vícios redibitórios, o da efetiva tradição da coisa, e, para a evicção, o da transferência da posse ou da propriedade, ou seja, o momento real da alienação. Finalmente, é necessário que haja uma sentença judicial determinando a evicção, ou seja, a perda do direito do adquirente em benefício do evictor. O problema da evicção nos apresenta na realidade duas espécies de relações jurídicas: a de alienação (relação alienante-adquirente) e a da evicção propriamente dita (relação evictor-adquirente). Somente após a ação do evictor contra o adquirente é que este pode agir contra o alienante, pois antes não existia o pressuposto necessário para a ação do adquirente contra o alienante. Para o exercício do direito, o Código Civil remete à lei processual (art. 456) e o Código de Processo Civil cuida do assunto na seção da “denunciação da lide” (arts. 70 a 76). O Código de Processo diz que a denunciação da lide é obrigatória e deve ser feita no prazo da contestação, quando o denunciante for o réu (pode ser feita também pelo autor, que pedirá a citação do denunciado juntamente com a do réu — art. 71). Sobre essa matéria, o Código Civil trouxe uma regra de natureza processual ao permitir, no parágrafo único do art. 456, que o adquirente deixe de oferecer contestação ou se valha de recursos, quando a evicção for manifesta e o alienante não atender à denunciação da lide.
2. Classificação A evicção pode ser total ou parcial. Quando o objeto da evicção se identifica completamente com o da alienação, a evicção é total; quando, ao contrário, a evicção só recai sobre uma parte do objeto da alienação, ela é parcial.
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Se o alienante vendeu um automóvel ao comprador e um terceiro reivindica o objeto da venda, a evicção é evidentemente total, por haver identificação entre os objetos da alienação e da evicção. A evicção parcial apresenta-se sob formas diversas. Após a venda de um conjunto de bens (um rebanho ou uma biblioteca) ou de coisas principais e órias (um automóvel com um rádio), pode a evicção recair sobre uma das unidades componentes da coisa coletiva (uma das cabeças de gado ou um dos livros) ou sobre um bem ório (o rádio do automóvel). Também ocorre a evicção parcial quando ela se realiza em virtude de um direito diferente do que foi alienado. Se o alienante vende ao adquirente um imóvel livre e desembaraçado e posteriormente um terceiro se apresenta como credor hipotecário, exigindo o pagamento do débito sob pena de execução do prédio, ocorre uma evicção parcial por haver vício jurídico, embora não se identifique o objeto da alienação com o da evicção. Transferiu-se um direito de propriedade livre e desembaraçada, e a evicção se refere a um crédito com garantia hipotecária, recaindo sobre o valor do imóvel alienado.
3. Responsabilidade pela evicção A garantia do alienante pelos prejuízos decorrentes da evicção existe nos contratos onerosos, podendo as partes, mediante cláusula contratual, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade decorrente da lei (art. 448). Ademais, essa garantia subsiste mesmo em casos de aquisição em hasta pública (art. 447). As garantias do adquirente podem ser reforçadas mediante uma caução ou fiança ou mesmo por garantia hipotecária, a fim de assegurar, com um patrimônio de terceiro ou com certos bens específicos pertencentes ao alienante, o pagamento da indenização devida na hipótese de evicção. A lei dá assim maior liberdade às partes para a ampliação da garantia legal no caso de evicção, devendo os contratantes fixar as garantias suplementares no instrumento em que estabelecem as condições do negócio jurídico ou em ato posterior. A nossa legislação fixa nessa matéria determinados princípios a fim de conciliar a boa-fé das partes com a segurança contratual, não
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primando, todavia, pela clareza o disposto no art. 449 do CC de 2002, com redação semelhante ao art. 1.108 do CC de 1916. Efetivamente, estabelece o referido artigo que, “Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, o não assumiu”. Prevê assim o Código vigente quatro hipóteses distintas, que são as seguintes: 1.ª) O adquirente sabe da litigiosidade da coisa e exclui a responsabilidade do alienante na hipótese de evicção. 2.ª) O adquirente sabe da litigiosidade da coisa, mas não exclui a responsabilidade do alienante no caso de evicção. 3.ª) O adquirente exclui a responsabilidade pela evicção, mas não sabe da existência de ação de terceiro ou do vício do direito. 4.ª) O adquirente não exclui a responsabilidade pela evicção e ignora o vício do direito. Na primeira hipótese, o adquirente conhece o defeito de direito e exclui, voluntária e explicitamente, a garantia pela evicção por parte do alienante. É direito das partes comprar e vender coisas litigiosas, assumindo o comprador o risco decorrente da litigiosidade. A convenção foi realizada em pleno conhecimento de causa, excluindo-se validamente qualquer responsabilidade do alienante. No segundo caso, o adquirente conhece o vício do direito, mas não exclui a garantia do alienante pela evicção. É a hipótese em que o adquirente conhece o risco, mas não assume. Nesse caso, vitorioso o evictor, cabe ao adquirente o direito de exigir a devolução do preço que foi pago, não podendo pedir perdas e danos, pois tem ciência do vício. No terceiro caso, o adquirente não conhece o vício, mas exclui a responsabilidade do alienante pela evicção. Ocorre uma transferência de riscos aceita pelo adquirente, mas se revela má-fé do alienante, que não comunicou ao comprador a existência do defeito de direito. O Código considera que, na hipótese, vencendo o evictor o processo contra o adquirente, este só pode exigir do alienante a de-
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volução do preço pago, não cabendo perdas e danos em virtude da convenção existente entre as partes. Finalmente, quando o adquirente não sabe do defeito e não exclui a responsabilidade pela evicção por parte do alienante, este responde amplamente, devendo devolver o preço acrescido das perdas e danos, abrangendo custas, despesas, indenização dos frutos restituídos e das benfeitorias úteis ou necessárias realizadas e prejuízos decorrentes da desvalorização monetária, ou seja, do aumento do preço do bem em relação ao qual se realizou a evicção e, em nosso entender, o lucro cessante. Tratando-se de indenização considerada pela jurisprudência como dívida de valor, a correção monetária se impõe para que haja o restabelecimento do statu quo anterior. O Código Civil não determina de modo expresso a indenização, nesta última hipótese, do lucro cessante, e cabe ao intérprete verificar se na expressão prejuízo devemos ou não englobar o lucro cessante do adquirente. A interpretação sistemática leva o hermeneuta a abranger o lucro cessante no prejuízo ressarcível, pois tal é a tese adotada pelo legislador em matéria de evicção parcial, devendo o princípio ser o mesmo no tocante à evicção total (sobre a evicção parcial, v. arts. 450, parágrafo único, e 455 do CC). Na interpretação do art. 1.109 do Código de 1916, que corresponde ao atual art. 450 do Código Civil de 2002, discutia-se também se a indenização devia ou não abranger os juros de mora e os honorários de advogado. Quanto aos juros, alguns pretendiam incluí-los com base no disposto no art. 1.064 do Código de 1916, com redação semelhante ao art. 407 do Código de 2002, que considera devidos mesmo que não haja alegação de prejuízo. Entendemos que a lei fixa uma presunção de prejuízo no caso de dívida em dinheiro, de modo que o adquirente evicto deve escolher entre exigir o pagamento do prejuízo real que teve e a aplicação do art. 1.064, não podendo, todavia, pleitear, além da indenização do prejuízo real provado, o pagamento dos juros, que correspondem ao prejuízo presumido, pois seria uma acumulação indevida em que o credor receberia duas vezes a mesma indenização, a indenização real acrescida da indenização presumida. Assim, para nós, só cabe exigir o pagamento dos juros quando a parte não puder ou não quiser provar o prejuízo real. Pro-
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vado este, não se ite a acumulação da indenização do prejuízo real com os juros de mora, referidos no art. 1.064, atual art. 407 do Código de 2002. Por esse motivo divergimos dos termos em que o problema está colocado pela doutrina. Não se deve indagar do cabimento ou não da inclusão dos juros de mora nos casos de evicção. Na hipótese, há sempre a indenização dos prejuízos determinada pelo art. 450 do CC de 2002 (art. 1.109 do Código de 1916). Se o prejuízo real não puder ser provado, daí devem ser considerados os juros como compensatórios do prejuízo presumido, acrescentando-se-lhe a correção monetária. Os juros serão, todavia, devidos a partir da data da avaliação, para indenizar a vítima pelo não ressarcimento imediato dos seus prejuízos. Quanto aos honorários de advogado, o seu pagamento pelo alienante é questão regulada pelo direito processual, que determina, no art. 20, a condenação do vencido ao pagamento dos honorários do advogado do vencedor, atendendo ao princípio da sucumbência. Assim sendo, deve o alienante responder pelo pagamento dos honorá rios do advogado do adquirente. Com o advento do Código Civil de 2002, a questão foi objeto de disposição do inciso III do art. 450, que procedeu à inclusão ao direito do evicto ao recebimento dos honorários do advogado por ele constituído. Sobre o valor da indenização pela evicção, vale citar decisão da 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 248.423-MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, no seguinte sentido: “Perdida a propriedade do bem, o evicto há de ser indenizado com importância que lhe propicie adquirir outro equivalente. Não constitui reparação completa a simples devolução do que foi pago, ainda que com correção monetária” (DJ, 19-6-2000). O bem que sofreu a evicção pode ter sido deteriorado pelo adquirente culposamente ou em virtude de força maior. Se o adquirente tiver auferido vantagem das deteriorações (comprou um terreno com uma casa, demolindo-a e vendendo o material de construção) e não pagou uma indenização por elas ao evictor, as quantias recebidas serão descontadas da indenização que o adquirente deve receber do alienante, pois senão receberia uma indenização superior ao prejuízo sofrido (art. 452).
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Se o adquirente realizou benfeitorias úteis ou necessárias, a lei lhe assegura a faculdade de exigir indenização do evictor por estas, dando-lhe até o direito de retenção. Se o evictor não indenizar as benfeitorias úteis e necessárias, o alienante será obrigado a ressarcir o seu valor, tendo, todavia, ação regressiva contra o evictor, com base na teoria do enriquecimento sem causa. Se as benfeitorias existentes foram realizadas pelo alienante e indenizadas pelo evictor, seu valor é descontado da indenização que o adquirente pode exigir do alienante, porque, caso contrário, haveria um enriquecimento sem causa. Sendo a evicção parcial, mas considerável, o adquirente pode optar entre a rescisão do negócio com a exigência das perdas e danos e a manutenção do contrato, com a restituição de parte do preço, compensando assim os prejuízos decorrentes da evicção parcial. Se o valor a ser restituído não for considerável, caberá somente indenização, nos termos da parte final acrescida no art. 455 do CC. A simetria lembra o dilema oferecido no caso de vícios redibitórios entre a ação redibitória propriamente dita e a ação estimatória. Sendo, por exemplo, um imóvel vendido como livre e desembaraçado e verificando-se, em seguida, estar ele hipotecado, pode o adquirente escolher entre rescindir a compra e venda ou mantê-la, pedindo um abatimento do preço. Se decidir continuar com o imóvel, pagará o débito hipotecário, exigindo do alienante a devolução do que pagou ao credor com juros e correção. Se preferir a rescisão do contrato, exigirá do alienante a devolução do preço e perdas e danos. Preferindo o adquirente pedir o abatimento do preço, o cálculo será feito atendendo-se ao valor do bem no momento da evicção e não por ocasião da compra e venda, verificando-se a desvalorização sofrida em virtude da evicção parcial. O adquirente, no momento em que sofre a ação por parte do evictor, deve chamar ao processo o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, para que faça a defesa do seu direito juntamente com o adquirente. É o chamamento à autoria, previsto no art. 456 do CC e nos arts. 70 a 76 do C. E que visa assegurar ao alienante uma ampla defesa e é condição necessária e imprescindível para a posterior ação regressiva do adquirente contra o alienante.
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Ademais, o Código Civil permite, no parágrafo único do art. 456, que o adquirente deixe de oferecer contestação ou de se valer de recursos, se existir a evicção manifesta e o alienante não atendeu à denunciação da lide. Embora haja algumas divergências doutrinárias, uma interpretação literal da lei exige a intervenção do alienante no processo de evicção como pressuposto para que posteriormente seja intentada a ação do adquirente contra o alienante. Isso quer dizer que a falta de chamamento à autoria do alienante, ou seja, de denunciação da lide, na atual terminologia processual, importa, para o adquirente, em impossibilidade de obter posteriormente o ressarcimento do prejuízo causado. A garantia pela evicção obriga as partes e os seus sucessores. Na vigência do Código Civil de 1916 não ocorria a responsabilidade pela evicção quando o adquirente fosse privado da coisa em virtude de caso fortuito, força maior, roubo ou furto (art. 1.117, I, do antigo Código). Evidentemente, tais hipóteses se referem a fatos posteriores à alienação, sem qualquer vinculação com o alienante. A lei nem precisava mencionar tais casos excludentes, por fugirem completamente aos pressupostos da garantia pela evicção. O atual Código Civil retirou tal disposição. Se o evicto sabe da litigiosidade da coisa e assumiu o risco decorrente, também desaparece a responsabilidade do alienante, em virtude da convenção das partes (art. 449). Ressalta-se que a evicção nem sempre resulta da perda do bem em decorrência de decisão judicial. No REsp 69.496/SP, a 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Ari Pargendler, assim decidiu: “O direito de demandar pela evicção não supõe, necessariamente, a perda da coisa por sentença judicial. Hipótese em que, tratando-se de veículo roubado, o adquirente de boa-fé não estava obrigado a resistir à autoridade policial; diante da evidência do ato criminoso, tinha o dever de colaborar com as autoridades, devolvendo o produto do crime” (DJ, 7-2-2000, RSTJ, 130/233). Alguns autores afirmam que não cabe a responsabilidade pela evicção no caso de desapropriação ou de apreensão do bem pela autoridade istrativa. Tais interpretações devem ser aceitas com
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restrições. Evidentemente que, se, por motivos supervenientes à alienação, ocorre a desapropriação ou a apreensão istrativa, nenhuma responsabilidade cabe ao alienante. É a aplicação do princípio res perit domino. Se, todavia, o bem foi vendido como sendo livre e desembaraçado, embora já houvesse decreto determinando a sua desapropriação, entendemos que se trata de um vício de direito pelo qual deve responder o alienante, mesmo se a desapropriação só se efetivou posteriormente à alienação. O mesmo princípio podemos aplicar à apreensão istrativa, que importará em responsabilidade do alienante se o vício de direito for anterior à alienação, como tem acontecido com as apreensões pelas autoridades alfandegárias de automóveis que entraram ilegalmente no País, havendo no caso responsabilidade dos vendedores pela evicção, salvo cláusula explícita em sentido contrário. 3.1. Jurisprudência Interessante julgado encontra-se na RT, 444/80, cuja ementa é a seguinte: “A jurisprudência mais recente não subordina a evicção à prévia existência de uma sentença judicial decretando o desapossamento da coisa. Basta que o adquirente fique privado por ato inequívoco de qualquer autoridade”. Este o teor da ementa. Tratava-se de um carro que foi adquirido legalmente, mas foi apreendido pela polícia, pois havia fraude no pagamento do preço, em negócio anterior (com um antecessor do vendedor). Esse acórdão menciona outro julgado, publicado na RJTJSP, 12/29, no mesmo sentido. Aliás, caso semelhante foi publicado na RT, 413/162, embora com outros enfoques. Idem, na RT, 448/96. Também o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro assim já entendeu (ver Ementário n. 7, 1988, ementa 10.185). Ressalte-se, no entanto, que, em se cuidando de imóveis, a regra é a sentença judicial. Cabe, por fim, observar que a indenização é dívida de valor, impondo-se a correção monetária e o ressarcimento com valor atualizado do bem que for perdido.
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SÍNTESE 17 — DA EVICÇÃO 1. Conceito
A evicção é o fato em virtude do qual o adquirente perde a posse ou a propriedade de determinado objeto, em virtude de sentença judicial, que as atribui a terceiro, reconhecendo que o alienante não era titular legítimo do direito que transferiu. A fundamentação legal é dada pelo Código Civil nos arts. 447 a 457 e no Código de Processo Civil nos arts. 70 a 76.
2. Classificação
A evicção pode ser total ou parcial. Quando o objeto da evicção se identifica completamente com o da alienação, a evicção é total; quando, ao contrário, a evicção só recai sobre uma parte do objeto da alienação, ela é parcial.
3. Responsabilidade pela A garantia do alienante pelos prejuízos decorrentes da evicção está implícita nos evicção contratos onerosos, podendo as partes, mediante cláusula contratual, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade decorrente da lei, conforme disposição do art. 448 do CC. A garantia pela evicção obriga as partes e os sucessores. 3.1. Jurisprudência
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Recente julgado encontrado na RT, 444/80, não subordina a evicção de bens móveis à prévia existência de uma sentença judicial decretando o desapossamento da coisa. Basta que o adquirente fique privado por ato inequívoco de qualquer autoridade.
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Capítulo 18 ALTERAÇÃO, INEFICÁCIA E EXTINÇÃO DOS CONTRATOS Sumário: 1. Alteração. 2. Ineficácia. 3. Ineficácia em sentido amplo. 4. Ineficácia em sentido estrito. 5. Extinção dos contratos.
1. Alteração É a modificação de um contrato concluído e vigente. Assim, se as partes celebram pactos aditivos, que mudam prazos ou valores; se a lei prorroga as locações de prazo fixo, em benefício do inquilino; se o juiz altera o contrato por onerosidade excessiva (imprevisão). A simples renovação não implica alterar (ex.: renovação de um contrato de locação ao fim do prazo), porque aí o contrato termina e é substituído pelo novo. A cessão, porém, altera o contrato, porque implica modificar um dos sujeitos da relação contratual. Como a substituição se dá no contrato (e não na relação seguinte), ocorre alteração, o que explica como o outro contratante pode opor ao cessionário as exceções oriundas do contrato, embora tenha concordado com a cessão. Vemos assim que a alteração pode decorrer de acordo das partes, da lei (dirigismo contratual) e de ato judicial (revisão). Já vimos que as partes podem alterar as cláusulas do contrato vigente. Pode o legislador interferir nos contratos, como a Lei do Inquilinato, que impõe a prorrogação por tempo indeterminado dos contratos com prazo fixo nas locações residenciais. Nos casos de onerosidade excessiva, por imprevisão, o juiz pode adaptar o contrato à realidade. O magistrado também pode reduzir a doação que exceda à parte disponível.
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2. Ineficácia O termo “ineficácia” pode ser usado em sentido amplo e em sentido estrito. Em sentido amplo é a consequência de uma situação patológica. Esta pode decorrer de: a) falta de requisito para a existência do negócio (ex.: ausência de declaração de vontade, no caso de falsa), tornando o contrato inexistente (se um dos contratantes não participou, pois a sua era falsa e não houve consenso; logo, não há contrato, ou seja, ele não existe juridicamente); b) falta de elemento essencial (ex.: capacidade, objeto, forma), acarretando a nulidade; c) vício na formação (erro, dolo etc.), ensejando a anulabilidade.
3. Ineficácia em sentido amplo Como vimos, abrange os casos de inexistência, nulidade e anulabilidade. O Código Civil, como sabemos, só cuida das duas últimas figuras e, ainda assim, de modo imperfeito. Veja-se o caso de um contrato de fiança de locação. Quando o locador foi cobrar do fiador, este desconhecia o contrato e provou que a era falsa: não há fiança, ou seja, inexiste o contrato. Já se a lei exige a forma de instrumento público para a venda de imóvel (art. 108), em certos casos, e as partes a fazem por instrumento particular, violam norma imperativa e o contrato é nulo. Não quer dizer que não produza efeitos, como se diz comumente. Alguns efeitos são produzidos, como se o contrato fosse válido. Outros não se produzem (por exemplo, o contrato não pode ser registrado para transferir a propriedade). Mas o adquirente que tiver a posse poderá alugar, emprestar, usar e até prometer vender o imóvel, embora esteja vendendo coisa alheia. Os contratos de locação, empréstimo e promessa de venda do imóvel serão válidos. Por outro lado, os chamados vícios da vontade e artifícios fraudulentos acarretam a anulação, conforme o art. 171 do CC. Os contratos nulos são inválidos; os anuláveis são válidos, podendo ser desfeitos, caso a parte legitimada peça a anulação. Os nulos, se forem, por algum modo, examinados em juízo, podem ser declarados tais,
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mesmo sem pedido. Os anuláveis subsistem e não podem ser anulados sem pedido. Também são íveis de anulação os negócios nos quais se verificam os institutos da lesão e do estado de perigo. Por outro lado, em situação semelhante à anulação está a redibição. Em todos esses casos, os vícios ou defeitos devem existir antes ou durante a celebração do contrato. O Código Civil de 1916 enumerava apenas os fatores de erro, dolo, coação, simulação e fraude como causa da anulação. Já o Código Civil de 2002 inclui a lesão e o estado de perigo (inciso II do art. 171), cabendo notar que, ao lado do erro e equiparando-o, ambos cuidam da ignorância. Já sabemos que o erro é uma falsa apreciação da realidade, mas só se considera o chamado erro essencial, isto é, aquele sem o qual não se teria celebrado o negócio. O dolo é a maliciosa indução da outra parte em erro. A coação é a ameaça iminente de dano sério à pessoa, à família ou aos bens do outro contratante. O estado de perigo é a situação da parte que busca salvar-se de grave dano, conhecido da outra parte, que se aproveita disso para obter vantagem excessiva. A lesão é o prejuízo decorrente de acentuado desequilíbrio das prestações, sofrido por uma das partes, que contrata sob premente necessidade ou inexperiência, e do que se aproveita a outra parte. Apontam-se dois elementos: o objetivo, que é a desproporção entre a prestação e a contraprestação; e o subjetivo, que é o dolo de aproveitamento da parte que obtém vantagem indevida. Cabe observar que a lesão acolhida pelo Código Civil de 2002 foi introduzida no direito brasileiro pelas chamadas Leis de Economia Popular, inclusive a última (Lei n. 1.521, de 26-12-1951, e diplomas posteriores), que a denominou usura real no art. 4.º, b. A redibição é a faculdade concedida ao adquirente de coisa com defeito oculto, que a torna imprópria ou lhe diminui o valor, para enjeitá-la, desfazendo o negócio. Não obstante existir o defeito antes ou durante a celebração, não se inclui a redibição entre os casos de anulação. Nesse sentido também é a disciplina no direito alemão, pois o BGB usa o termo “Rückgängigmachung” (ação de retroceder) para indicar o desfazimento do negócio (§ 462 do BGB).
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4. Ineficácia em sentido estrito É a situação transitória ou permanente, que impede a execução de um negócio jurídico, válido ou não, contra todos ou contra algumas pessoas. Pode classificar-se em: pendente, quando falta ao contrato um elemento integrativo (p. ex., autorização do pai ou tutor para um contrato feito por menor); relativa, ou inoponibilidade, quando falta uma formalidade ória ao contrato (p. ex., o registro declaratório ou a autorização de um terceiro — o condômino); e as duas podem ser: atual pendente (contrato sob condição suspensiva); atual consumada (doação revogada); eventual pendente (contrato sob condição resolutiva); eventual consumada (contrato em que ocorreu a condição resolutiva). Exemplos de contratos ineficazes: venda ou locação de coisa alheia (pode ser válida entre as partes, mas ineficaz ou inoponível ao dono); a simulação de um contrato, ou contrato simulado, que pode ser ineficaz perante terceiro, se este prova a simulação; assim, na venda disfarçada em doação, para lesar o Fisco, se este prova a venda, pode receber o que lhe cabe; mas não lhe interessa anular o negócio. A fraude contra credores (inserida pelo Código Civil de 1916 entre os casos de anulação e mantida pelo Código Civil de 2002) torna o ato apenas inoponível aos terceiros que são lesados. Vejamos melhor o primeiro exemplo: venda de coisa alheia. Sabemos que a venda de imóvel não transfere a propriedade, mas apenas o registro (ato integrativo de um órgão público) tem essa função. É comum alguém comprar um imóvel e, antes do registro, vendê-lo a terceiro. Ora, se o comprador não registrou a compra, não é dono; vendendo a seguir o imóvel, de cujo preço nada deve, está vendendo coisa alheia. O terceiro, que compra, manda registrar a compra anterior e a sua, destarte adquire a propriedade. Nada anormal.
5. Extinção dos contratos Os contratos são negócios temporários: surgem, desenvolvem-se e extinguem-se. A maioria sofre a extinção natural, pelo cumprimento ou execução. Esta pode ser imediata, nos contratos que se fazem e se completam logo. É o caso da compra de um jornal, de um café.
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Outros podem ter a execução adiada, como a compra de colheita futura. Outros ainda têm a execução continuada, como os chamados contratos de trato sucessivo; exemplo comum é a locação de um imóvel. Findo o prazo, extingue-se o contrato. Os contratos extinguem-se também de modo anormal, por fatores diversos. Tais fatores podem ser anteriores ou existir no momento da celebração e ser posteriores à celebração do contrato. Nesses casos, salvo acordo das partes, os contratos são extintos por sentença. Fatores anteriores ou contemporâneos à celebração — São os que afetam a validade ou a eficácia do contrato. Os que infringem normas imperativas são nulos e podem ser declarados tais. Igualmente os contratos anuláveis e ineficazes, de que falamos acima (arts. 478 a 480 do CC). Fatores posteriores à celebração. Certos fatores permitem que se rompam os contratos retroativamente, a pedido da parte lesada (direito potestativo do lesado). Nesses casos diz-se que os contratos se resolvem, donde considerar como casos de resolução: a) a ocorrência de condição resolutiva expressa (ou pacto comissório)1; a chamada condição resolutiva tácita, que é proteção legal ao lesado no contrato bilateral; b) a cláusula resolutiva, nos contratos especiais, como o pacto de melhor comprador2 e a retrovenda3; c) a inexecução, que pode ser voluntária ou não; no primeiro caso, ocorre culpa de uma das partes, podendo haver o chamado inadimplemento absoluto (o objeto da obrigação não tem mais utilidade para o credor) ou a mora não purgada; a inexecução involuntária ocorre nos chamados casos de força maior (ou caso fortuito); d) pode ainda ser resolvido um contrato se provada a onerosidade excessiva, que impeça o cumprimento por uma das partes (imprevisão). Também por fatores sobrevindos, rompem-se os contratos por direito potestativo das partes; é a resilição, que pode ser: a) bilate-
Arts. 127 e 128 do Código Civil. O pacto de melhor comprador não foi regulado pelo atual Código Civil. 3 Arts. 505 a 508 do CC. 1 2
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ral, ou distrato; b) unilateral, nos casos legais, que são: a chamada denúncia, que pode ser vazia (sem precisar os motivos) ou cheia (indicando os motivos previstos em lei); pode haver arrependimento, num contrato apenas prometido, se houver arras penitenciais; pode haver revogação, se o contrato depende do fator confiança, em que a parte retira a manifestação da vontade, como no mandato, sem fundamento (revogação livre) ou com fundamento legal (revogação vinculada); é o caso da revogação da doação por ingratidão do donatário. Incluem-se ainda na resilição unilateral: a renúncia (caso do mandato) e o resgate (caso da hipoteca). Certos contratos extinguem-se pela caducidade, como é o caso do contrato que confere o direito de preferência a uma das partes (se o interessado não responder no prazo contratual ou legal, caduca o direito de preempção — art. 516 do CC). Finalmente, nos contratos personalíssimos, temos a cessação: pode dar-se por fatores supervenientes independentes da vontade: a morte de uma das partes ou a sua incapacidade (p. ex.: o quadro a ser pintado por um pintor famoso, que adoece). Apresentamos abaixo o quadro contendo os casos de alteração, ineficácia e extinção dos contratos. CONTRATOS
Alteração
acordo das partes ato judicial sentido amplo
inexistência nulidade anulabilidade lesão estado de perigo redibição
sentido estrito
pendente (atual ou eventual) relativa (atual ou eventual)
Ineficácia
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alteração, ineficácia e extinção dos contratos
cumprimento
instantâneo diferido continuado
fatores anteriores
nulidade anulabilidade ineficácia condição resolutiva
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tácita expressa
cláusula resolutiva em contratos especiais
fatores posteriores
Extinção
resolução
voluntária inexecução involuntária – caso fortuito
inad. absoluto mora
imprevisão – onerosidade excessiva bilateral = distrato denúncia resilição unilateral
vazia cheia
arrependimento revogação (livre ou vinculada) renúncia resgate
caducidade cessação (contratos personalíssimos)
BIBLIOGRAFIA: Francisco Pereira de Bulhões Carvalho, Sistema de nulidades dos atos jurídicos, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981; Luigi Cariota Ferrara, El negocio jurídico: (il negozio giuridico nel diritto privato italiano), Madrid: Aguiar, 1956; Orlando Gomes, Contratos, 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981; J. M. Antunes Varela, Direito das obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 2.
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SÍNTESE 18 — ALTERAÇÃO, INEFICÁCIA E EXTINÇÃO DOS CONTRATOS 1. Alteração
É a modificação de um contrato concluído e vigente decorrente de acordo das partes (pactos aditivos ou cessão), da lei (dirigismo contratual) ou de ato judicial (revisão).
2. Ineficácia
O termo “ineficácia” pode ser interpretado; a) em sentido amplo, como consequência de uma situação patológica; b) em sentido estrito, como causa — transitória ou permanente — que impede a execução de um negócio jurídico.
3. Ineficácia em sentido Abrange os casos de inexistência, nulidade e anulabilidade. amplo Dá-se inexistência quando falta um requisito para o próprio nascimento do negócio. Dá-se nulidade quando falta um elemento essencial. Dá-se anulabilidade quando existe vício na formação do negócio. 4. Ineficácia em sentido Pode classificar-se em: pendente; quando falta ao contrato um elemento integrativo estrito (p. ex., falta de autorização do tutor); relativa, ou inoponibilidade, quando falta uma formalidade ória ao contrato (p. ex., autorização de um terceiro como um condômino). 5. Extinção dos contratos
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Os contratos são negócios temporários; surgem, desenvolvem-se e extinguem-se. A extinção natural se dá pelo cumprimento ou execução (instantânea, diferida ou continuada). a) Por fatores anteriores ou contemporâneos à celebração: — defeitos subjetivos, objetivos ou formais;
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— inclusão de cláusula resolutiva expressa ou tácita; — inclusão de cláusula de arrependimento. b) Por fatores posteriores à celebração: Resolução por: 1) inadimplemento voluntário; comportamento culposo de uma das partes. 2) inadimplemento involuntário; por fatores alheios à vontade das partes (caso fortuito e força maior). 3) por onerosidade excessiva (art. 478). Resilição — é o rompimento do contrato por direito potestativo das partes. Resilição bilateral ou distrato: é a manifestação de vontade das partes contratantes de desfazer o acordo. Resilição unilateral só incide em determinados contratos. 1) por denúncia, nos contratos de execução continuada e tempo indeterminado como prestação de serviço e fornecimento de mercadorias. 2) por revogação (do mandante) ou renúncia (do mandatário) nos contratos de mandato, depósito e comodato; c) por morte de uma das partes, fato que acarreta a cessação dos contratos personalíssimos.
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