ESCOLA SUPERIOR DE GEOPOLÍTICA E ESTRATÉGIA Palestra para UNISINOS – 27/07/2006 Reflexões sobre os chamados “deuses astronautas”.
REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO DOS CHAMADOS “DEUSES ASTRONAUTAS” Prof. Fernando G. Sampaio
1. Definição / Delimitação da Questão: estamos tratando com um processo de mistificação e não com uma indagação válida em qualquer campo do conhecimento. 2. “Deuses Astronautas” não é teoria nem hipótese, mas fantasia delirante apoiada em ignorância e falsificações. Em suma: trata-se de enganar deliberadamente o público. 3. Tomemos como exemplo uma análise rápida da questão do chamado “Astronauta de Palenque.” Diz Däniken: “segundo a opinião dos arqueólogos, está agachado em frente à “cruz da vida”. A critica que me foi feita era ter conseguido meu efeito de foguete tão somente olhando a lápide como imagem transversal, coisa que não se ite. Estou gostando muito do efeito alongado, pois, assim, a chama do fogo se coloca embaixo, debaixo da cápsula, a exemplo de onde costuma encontrar-se nos foguetes dirigidos ao espaço. Em parte alguma, consigo distinguir um monstro terrestre, uma ave Quetzal.” (O dia em que os deuses chegaram; 11 de agosto de 3114 a. c – Edições Melhoramentos, S. Paulo, 1985, p. 297). 4. Façamos um exercício sobre este ponto, sobre os elementos culturais da laje de Palenque. Cena de sacrifício humano maia, onde se evidencia a íntima relação entre a colocação de um homem sobre uma laje, seu sacrifício e o apaziguamento dos elementos, fazendo brotar da Terra, pelo sacrifício, a sagrada planta do milho, esteio da civilização maia, sempre tendo ao alto a ave quetzal e, notem bem, a formação da estilização cruciforme, símbolo universal maia e em outras culturas para a "árvore da vida". Gravura do Códice de Desdre, segundo Morley, "Anciente Maya", plancha 28, na edição de 1947.
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Chave para identificação dos principais símbolos da laje de Palenque: 1 - Máscara do deus da chuva que cobre a cabeça da ave quetzal. 2 - Ave quetzal, símbolo sagrado entre os maias, descansando sobre espiga de milho estilizada que flui do motivo da cruz. 3 - e 4 - Máscaras de entes mitológicos que saem da boca de serpentes, símbolo da terra, que estão repetidos em ambos os lados com suas fauces abertas. 5 - e 6 - As bocas abertas dos símbolos das serpentes que se originam do motivo central da cruz, saindo de baixo e envolvendo outras espigas de milho estilizadas. 7 - Espiga de milho estilizada também encontrada no outro lado. 8 - O símbolo cruciforme, associado aos principais deuses aéreos (vento e, por extensão, chuva, importantíssimo, pois sem as chuvas não haveria boa colheita de milho, daí a interligação serpente (terra) – cruz - (ventos chuva) e o florescimento das espigas de milho. 9 - As mãos que, para os "astronáuticos" manejam instrumentos, na verdade nada manejam, mas, representam uma posição ritual, que se repete em outras estelas maias, conforme se pode verificar pela reprodução do desenho de Catherwood.
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Equivale a posição do sacerdote católico ao fazer uma benzedura, por exemplo. 10 - Friso, que cerca a laje, cheia de símbolos (glifos), que datam o acontecimento, isto é, enterro do sacerdote governante, como tendo sido feito no ano 633 da nossa Era, de acordo com a tabela de correlação de datação cronológica relativa (consultar a fórmula de correlação Goodman Martínez Hernández - Trompson).
11 Máscara representando o deus da Terra, sobre o qual assenta o indivíduo morto (devolvido à Terra, pensamento cosmológico maia). 12 - Fogo que emana dos mundos inferiores (alusão ao respeito místico aos vulcões e terremotos). 13 - Glifo representando uma divindade do primeiro mundo inferior.
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5. Voltemos ao assunto. Podemos observar que existe um processo de adulteração muito forte da realidade, o que contradiz a busca objetiva da verdade. Sobre este ponto, convém lembrar esta questão: “a verdade significa a concordância do juízo com a realidade objetiva. Se existe, existe para todos. O dilema é: ou o juízo é falso e então não é válido para ninguém, ou é verdadeiro, e então é válido para todos, é universalmente válido.” (Teoria do conhecimento, Johannes Hessem, Amado Editor, Coimbra, 1970, p. 48/49). Portanto, a verdade é a concordância do juízo com a realidade objetiva. No caso esta realidade objetiva é a laje, com seus elementos culturais, dentro do universo cultural dos antigos Maias e só pode ser interpretada dentro deste Universo Cultural com os elementos que o constituem. Alterar a realidade quer da própria representação (não quer “ver” a ave Quetzal ou “ver” mãos manipulando botões e alavancas, etc.) é emitir uma opinião que nada tem a ver com a objetividade (com a realidade). 6. Neste sentido, Descartes já nos advertia, por volta de 1620, que: “Toda a ciência é um conhecimento certo e evidente... por conseguinte, rejeitamos todos os conhecimentos somente prováveis, e declaramos que se deve confiar apenas nas coisas perfeitamente conhecidas e das quais não se pode duvidar... além disso, somos oestados a não misturar absolutamente nenhuma conjetura com os nossos juízos sobre a verdade das coisas... é certíssimo, pois, que os estudos feitos desordenadamente e as meditações confusas obscurecem a luz natural e cegam os espíritos... entendemos por método regras certas e fáceis, que permitem a quem exatamente as observar nunca tomar por verdadeiro algo de falso e, sem desperdiçar inutilmente nenhum esforço da mente...” (René Descartes, Regras para a direção do espírito – Edições 70, Lisboa, 1989, p. 14 e seguintes). Embora antigas estas considerações tem muito de validade para a questão da mistificação sobre a visita de astronautas que se transformaram em “deuses”, segundo pregam os cultores do “realismo fantástico”. Deve ficar bem claro que estamos tratando com opiniões mentalmente desordenadas emitidas de modo charlatanesco e que tem um fundo de pregação mística, devendo, precisamente, a este caráter para-religioso a sua aceitação sem maior exame. 7. Vejamos, agora com mais detalhes, como esta questão se formou, por que, e as causas gerais de sua aceitação em nossa época, dita “científica”. 8. Em primeiro lugar devemos recordar que o homem sempre se interessa pelo maravilhoso, pelo fabulário, pelos contos de fadas. Ao longo dos tempos modernos, a descoberta da Antiguidade sempre suscitou especulações as mais fantasiosas, que vieram a dar origem ao movimento chamado genericamente de ocultismo. Prof. Fernando G. Sampaio
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Devemos lembrar que tudo isto que hoje retorna sob o invólucro de “astronautas”, já foi objeto de mistificações em séculos ados, principalmente sob dois grandes rótulos: a chamada “ciência perdida dos Faraós” e o culto dos “Continentes Perdidos”, em especial a Atlântida e Mu, mas também os mundos subterrâneos, as cidades perdidas e, até mesmo, a vinda de colonos de outros mundos, para “explicar” os fundamentos da nossa civilização (terrestre em geral). Um certo H. J. Gramatzki, em um livreto intitulado “O homem e os planetas”, publicado em Berlim em 1922, já defendia que os chineses eram a raça perdida dos marcianos, que fugiram par a Terra quando aquele planeta se tornou um deserto. Muitos antes dele, o célebre Camille Flammarion havia lançado “A pluralidade dos mundos habitados”, em 1862. Em seu sub-título estava escrito: “estudo em que se expõe as condições de habitabilidade das terras celestes discutidas sob o ponto de vista d´astronomia, da phisiologia e da philosophia natural” (conf. 23º edição em português, edições Garnier, Paris e Rio de Janeiro, sem data. Ali se defendia, ainda, a existência de planetas habitados no sistema solar. No século XIX, um escritor norte-americano, Ignatius T. Donnelly lançou um “best-seller” – “ O mundo antidiluviano”, em 1882, onde defendia as suas célebres “treze teses”, entre as quais, destacamos as seguintes: 1. que existiu, outrora, a Atlântida; 2. a Atlântida foi a região em que o homem ou pela primeira vez do estado de barbárie para o de civilizado; 3. que constituía o verdadeiro Jardim do Éden; 4. que os deuses e deusas dos antigos Gregos, os Fenícios, Indus e Escandinavos eram simplesmente os reis, rainhas e heróis da Atlântida; e as ações que a Mitologia lhes atribui não am da memória confusa dos verdadeiros acontecimentos históricos. Pergunto: esta argumentação não lhes parece familiar? 9. Devemos chamar, agora, a atenção para uma complicação que vai surgir, em função desta especulação desprovida, já na época, de qualquer fundamento: madame Blavatsky. Esta personalidade do submundo do ocultismo aderiu aos defensores da idéia da Atlântida por volta de 1870. Ela publica, primeiramente, o livro “Isis Desvelada”, em 1877 e, uma década depois, “A Doutrina Secreta”. Segundo ela mesma nos conta, sua principal fonte de informação foi o chamado “Livro de Dzyan”, que teria sido escrito na própria Atlântida, antes do afundamento – é claro – em folhas de palmeira (alta tecnologia atlante!) na “língua senzar”. É interessante observar que ela “leu” este livro, que estaria num mosteiro no Tibet, através do “astral”. O que teria isto a ver, porém, com o nosso assunto? Tudo a ver. Diz Däniken:
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“Muitos documentos primitivos da humanidade falam em guerras e lutas no céu. Ao longo dos milênios, o Livro de Dzyan, o livro sagrado de um dogma oculto, ficou guardado em cavernas tibetanas. O texto original, foi copiado, geração após geração, tendo sido suplantado e enriquecido pelos iniciados com relatos e noções novas. Trechos conservados do livro de Dzyan foram traduzidos para o sânscrito e, nesta forma, aos milhares, se acham difundidos em todo o mundo; os entendidos afirmam que este livro relata a evolução da humanidade, que se estendeu através dos milênios. Na Estrofe VI, o livro de Dzyan diz: no quarto mundo foi ordenado aos filhos de criarem suas imagens...” (Däniken – Semeadura e Cosmos, Melhoramentos, S. Paulo, 1972, p. 42.) Mais adiante, Däniken cita o “Livro dos Mortos” e por aí vai revivendo, sob ares astronáuticos, isto é, de nossa época, as velhas mistificações do século XIX sobre os continentes perdidos e a ciência perdida dos Faraós. Devemos observar que esta “doutrina secreta”, do culto Teosófico, prega que surgiram, até hoje, na Terra, raças de cinco origens, cada uma delas contendo sete sub-raças e duas ainda estão por vir. 10. Quando as sete raças tiverem surgido terá terminado o ciclo da Terra e um novo ciclo terá início no planeta Mercúrio... Estas idas e vindas interplanetárias são muito sugestivas, em especial se nos recordarmos que estamos falando sobre obras do final do século XIX. 11. Como não podia deixar de ser, estas idéias penetram no século XX, sob forma tão ou mais fantasiosa, com o escritor teosófico W. Scott-Elliot, que traz para a cena os afamados “vimanas” ou naves espaciais da Índia Antiga, entre outras preciosidades. Ele publica em 1914, a “História da Atlântida” e isto, como podemos verificar imediatamente, terá profunda influência sobre a questão dos chamados “discos voadores” e, posteriormente, servirá de caldo de cultura para a idéia de “deuses astronautas”. Vejamos a seguinte agem do livro (p. 100) – “Discos Voadores: seu enigma e sua explicação” de Desmond Leslie e George Adamski, lançado pela Globo, Porto Alegre; 1957:
VII OS VIMANAS Ainda me encontrava a estudar as possíveis fontes de energia, quando me chegou às mãos um documento1 muito estranho – um livro escrito quase dez anos antes dos irmãos Wright efetuarem seu primeiro vôo. Esse livro descreve com pormenores um tipo de disco voador ou barco aéreo usado pela raça cujos descendentes deixaram as fantásticas pirâmides do México e do Egito, as enormes pedras de Tiahuanaco e Sacsahuaman, os blocos de mil e oitocentas toneladas em Balbec, as sagradas tabuletas de Nacaal e as sublimes Estâncias Secretas da Ásia. Encontrei nesse livro termos e expressões que nunca ouvira antes, como “energia etérica” e “akkasha”. É um livro fascinante, e enquanto o lia senti qualquer coisa de familiar. Algumas características nele descritas condizem quase inteiramente com os relatórios sobre os discos Prof. Fernando G. Sampaio
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ESCOLA SUPERIOR DE GEOPOLÍTICA E ESTRATÉGIA Palestra para UNISINOS – 27/07/2006 Reflexões sobre os chamados “deuses astronautas”. voadores das Forças Armadas dos Estados Unidos de hoje. Comecei a pensar – e a fazer perguntas a mim próprio. Transcrevo em seguida uma das agens mais significativas. O autor, Scott Elliott, diz: “Os métodos de locomoção da Atlântida2 tem que ser considerados como ainda maravilhosos, pois o aeroplano ou máquina _______ 1. W. Scott Elliott: A História da Atlântida. 2. Já muito tem sido escrito sobre o famoso continente perdido para que discutamos aqui os “prós e contras” da sua existência. Tal como a geologia o sabe, a Atlântida é meramente o nome dado a uma longa série de massas de terra desaparecidas – nesse caso aquela que precedeu imediatamente a nossa. Parece razoável supor que o que agora é o fundo do Oceano Pacífico será dentro de milênios a pátria de raças futuras que terão muitas lendas para contar sobre a perdida Arya (ou Eurásia). Sem dúvida as camadas geológicas indicam que a terra onde hoje vivemos já foi o fundo do oceano, não uma, mas sim várias vezes. Todos aqueles que se interessam pela Atlântida deviam ler as obras desse título de Donnelly, Lewis Spence, Scot Elliott, e a sua história nos trabalhos esotéricos da antiga Índia, América do Sul e Egito; também As cidades secretas da América do Sul, por Wilkins, Construído antes do Dilúvio e especialmente Carta nº. XXIII B em As cartas do Mahatma a A. P. Sinett, para mencionar apenas umas poucas obras.
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12. Observem os mesmos “argumentos” de Däniken e outros, como as pirâmides do Egito ou os terraços de Baalbek ou, ainda, Tiahuanaco, tudo, tendo como base, como diz Desmond Lislie um “documento”, que nada mais é do que a “História da Atlântida” de Scott- Elliott! Um escritor da religião teosófica, que se baseia nas “Estâncias de Dzyan”, que será citada, depois, por Däniken e outros “realistas fantásticos” e adeptos dos “deuses astronautas”. 13. É desnecessário continuar estas citações históricas para mostrar que estas idéias atuais são reelaborações infantis e românticas de antigas fraudes de fundo místico que acompanham a humanidade permanentemente. 14. Estas idéias vão ser lançadas no mercado cultural pela dupla de autores ses Louis Pawells e Jacques Bergier em 1960, com o conhecido “O Despertar dos Mágicos”, que obtém tanto sucesso que permite aos dois lançar sua própria revista, a conhecida “Planeta”, dando nascimento ao que é conhecido como Nova-Gnose, assim definida: “Conjunto de crenças e de doutrinas várias: antigo ocultismo, doutrinas científico-religiosas como o teilhardismo, elementos de filosofias do ExtreOriente, etc), reado dum misticismo difuso e que tem o sonho de religar o homem ao cosmos. A revista Planète cristalizou a emergência desta nova gnose.” (Edgar Morin e outros – O retorno dos astrólogos – Moraes Editores, Lisboa, 1972,p. 320.) 15. O próprio Edgar Morin em seu “O espírito do tempo” sub-título; “necrose” defende que: “alguns fenômenos aparentemente irracionais ou arcaicos estão de fato ligados à atual modernidade urbana; eles não são, pois, ilhas de atraso no seio da modernidade racional mas, ao contrário, suscitados e ressuscitados pelo desenvolvimento da vida urbana... que é “depolicizada” (isto é, subProf. Fernando G. Sampaio
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policização ou ignorância dos mecanismos fundamentais da cidade, da Polis, mais lato que a sub-politização). Está nascendo uma subjetividade moderna, uma contratendência, neo-arcaica, com o surgimento de uma crise de identidade cultural... é que, nas sociedades modernas em evolução permanente, a norma é constituída por tendências dominantes, às quais se opõem não mais tendências reacionárias clássicas, porém contratendências ambíguas, orientadas para o futuro e para o ado: neonaturismo, neoarcaísmo, neotribalismo... (p. 174). 16. Uma contratendência forte, pelo que se observa, é a contestação do cristianismo clássico em nossa sociedade, que agora aflora no fenômeno intitulado “Código da Vinci”, mas que já podemos identificar no êxito do “realismo fantástico” (1960) que conduz aos deuses astronautas (1968). De fato, ao pregar que os deuses são uma distorção da visita de seres de outros planetas, os “danikosos” dão origem a uma nova neo-teologia ou parateologia que, contudo, é uma reelaboração de idéias filosóficas muito antigas e, talvez, por isto mesmo, encontrem profunda ressonância no imaginário popular de um meio urbano que não vive mais integrado na Natureza e desconhece a profunda impressão psicológica que é viver imerso no meio natural e desfrutar, toda a noite, da visão de profundidade do Universo, pela contemplação da Via Láctea, da agem das estrelas cadentes, do ciclo luar e da constante movimentação dos planetas (palavra que, em grego, quer dizer – os errantes - ). 17. Como já devem ter adivinhado, estamos nos referindo aos ensinamentos de Evhmeros, cerca 316 antes da nossa Era. Contemporâneo de Alexandre, diz a tradição que ele foi encarregado de realizar uma viagem de exploração aos limites do mundo conhecido. Foi então que chegou a uma ilha, que chamou de Panchaea, onde encontrou centenas de inscrições em colunas de bronze, onde estavam gravadas as histórias dos principais deuses da Grécia, que, porém, não eram deuses coisa nenhuma, mas grandes reis, heróis e filósofos, que, depois de mortos, receberam as honras divinas. Tudo isto estava no livro “História Sagrada”, nome que derivou das alegadas “inscrições sagradas” que dizia existirem naquela longínqua ilha misteriosa. Com isto, os mitos avam a não serem mais mitos, mas distorção de fatos históricos reais e a crença religiosa deixava de ser sagrada ou uma revelação dos céus, céus que, na verdade, não existiam. Os atributos divinos são negados. O sagrado é negado. É com base nestas e outras idéias semelhantes que surge o ateísmo na antiguidade clássica grega e, depois, romana. Demócrito, Epicuro, Lucrécio são os grandes mestres deste Materialismo Antigo que se estende até os nossos dias. 18. Ao pregar que os deuses, na verdade, eram astronautas, Däniken e seus semelhantes retiram do mundo o sagrado e reduz a mitologia e a teologia a um mal entendido. Ele interpreta o sagrado à luz dos conhecimentos científicotecnológicos de hoje em dia. Sua visão é, senão materialista, pelo menos, mecanicista e, estendendo sua colocação um o adiante, outro escritor desta safra danikosa, Gerhard R. Steinnhä lança em 1973 o chocante: Jesus Christus Erbe der Astronauten ou seja Jesus Cristo, o Herdeiro dos Astronautas. Prof. Fernando G. Sampaio
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A edição brasileira deste livro saiu pela Editora Artenova, Rio de Janeiro, em 1976. É a culminação das idéias de criação de raças até a Raça Ariana de Madame Blavatsky. O deus principal da Cultura Ocidental é identificado como um astronauta. Produzido, porém, não por deuses mas por conhecimentos científicotecnológicos (fertilização artificial, donde a idéia de “virgem” ) e revitalização ou ressurreição por meios técnicos ultra-refinados, donde, depois de morto, pode reaparecer e, finalmente, ascensão aos céus, ou seja, embarque numa nave do espaço. 19. Como estas idéias ou ainda por que, estão se formando? O grande especialista em religiões, o romeno Mircea Eliade assim coloca o problema: “A esperança de renovatio – muitos desses cultos e seitas irão sofrer transformações radicais ou desaparecerão... substituídos por outros grupos. Eles são representativos da cultura jovem contemporânea e exprimem a paixão pelo oculto com mais vigor e nitidez do que fizeram organizações mais antigas como a Sociedade Teosófica ou a Antroposofia. Todos estes grupos e seitas são caracterizados por traços específicos. Em primeiro lugar e principalmente, é evidente sua insatisfação com a Igreja Cristã, seja católica ou protestante. Em termos mais amplos, pode-se falar de uma revolta contra qualquer establishment tradicional religioso do Ocidente... há uma insatisfação geral. A maior parte dos membros dos novos cultos ignora quase completamente sua herança religiosa, mas sente-se insatisfeita com o que viu, ouviu ou leu sobre o cristianismo. Eles buscavam experiências místicas ou gnose. É óbvio que foram desiludidos. O fato mais geral é uma rejeição da tradição cristã em favor de um método mais abrangente e mais eficiente de se alcançar a renovatio individual, e, ao mesmo tempo, coletiva. Mesmo quando tais idéias são objetos de uma formulação ingênua ou mesmo ridícula, há sempre a convicção tácita de que existe uma maneira de escapar do caos e da falta de sentido da vida moderna e que essa maneira implica uma iniciação e, consequentemente, numa revelação de segredos antigos e veneráveis. É, basicamente, a atração por uma iniciação pessoal que explica o grande interesse pelo oculto. Como é bem sabido, o cristianismo rejeitou o tipo de religiões de mistérios que exigem iniciação secreta.” (M. Eliade – Ocultismo, bruxaria e correntes culturais: ensaios em religiões comparadas – Interlivros, Belo Horizonte, 1979, p. 69.) 20. O ponto capital nesta exposição, nos parece, que é muito rica, é a frase chave: “escapar ao sem sentido da vida moderna... (por via) da revelação de segredos antigos e veneráveis.” É neste ponto que a pseudo-arqueologia, o falso folclore, se inserem. As “revelações danikosas” falam em datas fantásticas, em templos antigos, em fórmulas misteriosas de obter poder para construir monumentos, etc, misturando estas noções difusas, vagas, genéricas e errôneas, com os efeitos do Prof. Fernando G. Sampaio
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saber científico-tecnológico que o homem moderno acompanha e/ou sofre, sem – verdadeiramente – conhecer. De fato, o ensino da matemática, da biologia, da física e da química é o mais deficitário em todo o mundo, é onde faltam mais professores (sem falar na competência) e, verdadeiramente, o mundo só vive a realidade científico-tecnológica pelo trabalho de elites desconectadas do senso comum. O que a massa deseja é misticismo. Mas as classes médias, que não tem o mais a alta cultura e não desejam viver no universo mental limitado do subpolicizado, isto é, da massa ainda mal digerida pelo fenômeno da enorme urbanização planetária ( o rurbano), procuram uma via intermediária de o ao conhecimento. Os meios de comunicação de massa, a chamada indústria cultural, detectaram esta necessidade e dão todo o apoio à difusão do que se chama a “novagnose” (gnose é conhecimento, em grego e era a palavra utilizada para conhecer o sagrado através da iniciação religiosa; daí derivando gnóstico, o que foi combatido pelo cristianismo como religião oficial do Império Romano do Oriente – e do Ocidente – rotulando estes conhecimentos de apócrifos, no sentido de falsos), daí os fenômenos d modernidade, como a volta da Astrologia, as “profecias de Nostradamus”, a ciência perdida da antiguidade, a que se agregou a Astronáutica. 21. Atentar as datas: Despertar dos Mágicos é imediatamente posterior ao lançamento do Sputnik (1957) e os “deuses astronautas” surgem ao mesmo tempo em que o programa Apollo e o desembarque do homem na Lua. É inegável o impacto do desenvolvimento espetacular da ciência-tecnologia sobre a mentalidade atual. 22. Mas, este impacto provoca, também, as contra-ações e vemos o florescer de uma nova era de misticismo. A revista Planeta é responsável pelo modismo sendo lançada na França mas traduzida em muitos países. Já por volta de 1965 existe uma edição argentina. Depois, surgirá no Brasil. É a revista Planeta que dá publicidade a muitas falsificações que já tinham sido apresentadas em “O despertar dos mágicos”, como as pretensas experiências psíquicas, como um teste de transmissão de pensamento, entre uma base naval e o submarino atômico Nautilus. Nem é preciso lembrar, aqui, o impacto mítico que o nome evoca: o romance de Júlio Verne, o capitão Nemo e os segredos que ele domina. Seja como for, temos, nesta quadra, o ressurgimento do paranormal ou parapsicologia, que surgiu, originalmente, nos Estados Unidos, mais ao menos ao tempo de Madame Blavatsky. Este caso, das irmãs Fox, como os demais, se revelam fraudes, como toda a questão, aliás, mas não deixa de ser interessante notar que Däniken, o principal adepto e divulgador da idéia dos “deuses astronautas”, que se revele um “iluminado” deste tipo. Vejamos o que ele mesmo responde:
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Realidade e fantasia “Senhor Däniken, pode dizer como chegou a suas conclusões a respeito dos astronautas?” perguntou o repórter. Däniken: “Antes de mais nada, é preciso reconhecer que a fantasia foi importante”. Assim começa uma entrevista de Erich von Däniken à revista alemã Der Spiegel. Este é um resumo da entrevista. P – O senhor fala num mecanismo de esclarecimento interior, que identifica como ESP. O que significa isso? R – A expressão vem do inglês e é uma abreviatura para “percepção extrasensorial”. Isso, porém, faz parte do meu mundo íntimo e não quero falar disso. P – Em que data se deu a sua primeira ESP? R – Foi há cerca de dezoito anos. P – E essa experiência levou à certeza de que astronautas vindos de outras estrelas... R - ... na minha opinião: de outras galáxias ou de outras sistemas solares. P – Foi essa experiência de ESP que lhe forneceu a certeza absoluta da aterragem de astronautas estranhos?
R – No princípio fiquei inseguro. Afinal, não era coisa muito comum o que eu tinha sentido. Mas, por favor, prefiro não falar a respeito disso. P – Mas o senhor mesmo já escreveu a respeito. R – A Editora Econ publicou trechos do meu diário; escrito durante o tempo de prisão em Viena. Nesse diário havia algo a respeito de ESP e também a respeito do fato de eu saber como vou morrer. P – O senhor também sabe quando? R – Não, isso não sei. Porém creio que seria perfeitamente possível. O fato é que eu não quero saber. Aliás, bem antes da publicação do meu primeiro livro, eu já sabia que ele teria um grande sucesso. Sabia inclusiva a tiragem que iria alcançar. P – Quer dizer que a ESP é a fonte mais importante para as suas revelações? R – Uma fonte que me levou à convivção de que a Terra foi visitada por astronautas extraterrenos. Eu sei disso. Sei também que, num futuro próximo, ocorrerá um fato que irá provar que eu tenho razão.
Revista Realidade, São Paulo, outubro 1973 – (Ano VIII – nº 91)
23. É inegável que Däniken se considera uma espécie de “iluminado”, “profeta”, detentor de “poderes” e “conhecimentos” especiais. Ele “sabe” que a Terra foi visitada por seres extraterrestres e estamos conversados. Na ânsia de “provar” ele distorce, falsifica, mente, por que se acha convicto que tudo pode fazer para revelar uma “verdade”? Prof. Fernando G. Sampaio
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Isto nos leva a outra dimensão da questão. A dimensão religiosa. De fato, Däniken e os demais autores desta natureza, pensam em termos de “renovatio”, de refundação religiosa. Vejamos, como ele coloca a questão, numa entrevista para a revista norteamericana “Newsweek” em 1973; Screenwriter (von Däniken its to “heavy” editing). They contend he has been programed against conventional ideas of God ever since attending a Swiss Jesuit school. “It was a very strict place”, von Däniken told NEWSWEEK´S Roy Koch, “so naturally I made a point of reading everything I could find on the [Catholic] Index.” His rebuffed questions about the Bible led him to the Sumerian “Epic of Gilgamesh” (which he considers an eyewitness of the spacemen landing and pioneering earth). He prayed “not to the Virgin Mary or the saints but to something unknown. I asked for help in understanding the truth.” Secret: At 19, he had a vision “I really don´t like to discuss”, and he claims the power of ESP, declaring he knows already the mode of his death but no when. Was his glimpse of the South American caverns equally visionary? “Certain descriptions were altered to protect the secret location,” he its, “and some of it is obviously for dramatic effect – I´m not writing scientific treatises, after all.” Still, several reputable scientists, such as NASA engineer Joseph Blumrich, give credence to at least some of von Däniken´s exegesis. His German publisher is financing and archeological expedition to the South American caves, under Bonn University professor Udo Oberem. The millions of people all over the world (including China) who are obviously eager to accept his theories make up one of the amazing phenomena of a world that seems to be looking for new gods to worship. “The great geographical religions-Hinduism, Christianity, Islam—may well be é,” says von Däniken. “I expect that a new religion will arise, a religion of the unknown, indescribable, indefinable something we cannot understand”. Von Däniken is due to appear on U. S. TV and the college lecture circuit this month. “My next book is top secret”, he says. “But I can tell you that this time I have the facts to come at the problem from another angle entirely.” Whatever the facts, von Däniken has certainly found gold. -S. K. OBERBECK They say he wears elevator shoes. They say his book are ghostwritten by a Newsweek, October 8, 1973
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24. Ele afirma que “as grandes religiões geográficas estão superadas... eu espero, agora uma Nova Religião venha a surgir, a religião do desconhecido, do indescritível, do indefinível, alguma coisa que nós não podemos entender. Como se observa, eles vieram não para esclarecer, mas para confundir. 25. Um analista da questão do “oculto” já se manifestava, de forma ofendida e horrorizada, com estas tendências modernas: “As próprias condições do mundo moderno favorecem a ação subversiva e antitradicional. A confusão do psíquico e do espiritual, a assimilação do espiritual com aquilo que há de mais inferior no psíquico, a identificação da religião com magia, o totemismo, até a feitiçaria, a vulgarização de uma pseudo-iniciação, ao mesmo tempo de uma contra-iniciação, tudo isto constitui indícios irrecusáveis da mais degradante subversão. (Luc Benoist – O Esoterismo, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1969, p. 121). Se marcha, assim, como quer Däniken para “o que não podemos entender” o que Benoist classifica de “subversivo”. Realmente: subverte as noções tradicionais na esfera religiosa, mas a custa de um processo muito frágil, que se fundamenta – se podemos utilizar a palavra, na mistificação. 26. De fato, todo o cerne da questão se centra no seguinte ponto: Däniken e seus colegas são escritores de ficção, mais precisamente da chamada ficção-científica. Só que eles alegam vender ficção como uma realidade oculta. Vejamos o que ele mesmo responde em um de seus livros: “Pergunta: como foi que que o senhor veio a tratar desse seu assunto. Como foi que lhe ocorreu essa idéia? Resposta: A bem da verdade, devo frisar primeiro que a idéia da visita de extraterrestres não é nova e, tampouco, de minha autoria. Há uns setenta anos que ela existe na ficção científica. Eu apenas me ocupei dessa idéia e a lancei nos foros de debates com argumentos novos.” ( Erich von Daniken em julgamento – Melhoramentos, S. Paulo, 1979, p. 45 ) Então a verdade é esta ou a “revelação parapsicológica” e ele, realmente surgiu com “argumentos novos” ( do século XIX...)? 27. Sob o ponto de vista literário, a fonte mais poderosa da idéia “deus astronautas” é o romance de Arthur Charles Clarke – o fim da infância – original de 1950, (Childhood´End), de que existe uma nova versão de 1953 sob o título Guardian Angel (Anjo da Guarda). A edição portuguesa, da Argonauta, de Lisboa tem o nº 26 na coleção e parece ser tradução da versão de 1950.
Prof. Fernando G. Sampaio
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28. Tenho a forte impressão que podemos esclarecer este aspecto da questão baseados na seguinte linha de análise: desde Dom Quixote de La Mancha, a ficção literária deixa a fantasia e procura de exprimir a realidade. De fato, a expressão literária abandona a temática medieval de anjos, dragões e magia e feitiçaria e os livros de ficção apresentam fatos que, se não ocorreram, poderiam ter ocorrido perfeitamente. O escritor João Camilo de Oliveira Tôrres já colocava estas questões num ensaio na Revista do Livro, em 1960. Dizia ele mais: “não será contraditória, em si mesma, a expressão ficção realista? Uma fantasia controlada pela realidade, aprisionada na realidade, não seria uma fantasia natimorta? A verdadeira ficção não deveria ser a fantasia pura, aquele que deixasse as asas do sonho correr e imaginar aquele que mais nos parecesse melhor e mais bonito? Uma fantasia pura não seria aquela que fizesse o cavaleiro encontrar um gigante autêntico, se isto fosse do nosso agrado e pusesse o leitor em estado de suspense? O romance de cavalaria era fantasia pura numa época em que os valores mágicos atuavam decisivamente na vida dos homens. Para o homem da Idade Média a possibilidade de penetração de forças preter-naturais na vida cotidiana era geralmente itido. O homem medieval aceitava perfeitamente como possível, pelo menos em ficção, seres fora da fauna puramente Prof. Fernando G. Sampaio
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natural. Ora, a fantasia pura na Era da Máquina deverá estar em relação com máquinas, mão mais com seres fabulosos, mas sim seres extraordinários, de caráter “científico”. Não mais dragões e fantasmas, e sim, marcianos ou robots. E com isto entramos na questão da fantasia pura. Toda a obra de ficção que reconhece à imaginação o direito de dispor livremente de si mesma, sem a rígida subordinação à realidade, permitindo que as situações se desenvolvam segundo seu ritmo próprio, pouco importando a possibilidade, a plausibilidade da solução adotada, será fantasia pura. Ninguém discutirá se se trata de fato provável de uma saída viável: importa que satisfaça à fantasia.” (João Camilo de Oliveira Torres – A ficção científica como fantasia pura – Revista do Livro, INL, Rio de Janeiro, nº18, junho, 1960 – p. 185 e sgs.) De fato, tanto o “realismo fantástico” como os “deuses astronautas” satisfazem, plenamente, à fantasia e cumprem, assim, seu desiderato. Aliás, não se nota, nos dias de hoje, um retorno pleno à fantasia como era entendida em plena Idade Média? Não estão aí o sucesso de Harry Potter, de O mago e, sobretudo do Senhor dos Anéis? Que é isto, senão a recuperação da fantasia, da magia e da feitiçaria, por outro lado, uma vertente cada vez mais forte na ficção-científica, que cada vez é mais romance de “capa e espada”, em mundos paralelos? Descendo mais profundamente na análise do fenômeno da ficção-científica, que muito elucida e enquadra a questão, não podemos deixar de citar o analista Minus Sodré: “ a ficção-científica é uma literatura irrealista, já que seu conteúdo é escandaloso diante do nosso mundo cotidiano. Não se pode confiar na obra de um escritor para conhecer determinado real histórico, porque ela não significa este real, mas o lugar ideológico ocupado pelo escritor em face desse real. O “real” do discurso literário é a própria literatura. A obra se configura, assim, com um puro artifício, uma elaboração que nada tem a ver com a realidade ou a experiência, já que é executada conforme as exigências do universo próprio da obra. Há uma afinidade entre a literatura e o mito. Mito e romance se encontrariam no mesmo projeto ilusório... O grande público confunde facilmente o verdadeiro com o verossímil, e graças à isso a linguagem comum, a da ideologia, pode apropriar-se do discurso científico. Uma hipótese absurda é assim tornada verossímil por uma falsa caução científica, um “cienticismo”, à partir do qual a ficção-científica constrói suas histórias.” Monis Sodré – A ficção do tempo: análise da narrativa de science-fiction – Vozes, Petrópolis, 1973 – p. 9 e seguintes). 29. Para construir suas narrativas estes autores trabalham estes autores trabalham com o que se pode chamar de “método confuso”: 1. retiram as “provas” de seu contexto; 2. criam confusões, falsificam, mentem, distorcem, subvertendo, assim, a realidade; Prof. Fernando G. Sampaio
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3. no geral, apresentam dúvidas, não conhecimentos positivos e são, assim, negativistas (ou até nihilistas) 4. não apresentam coerência interna, pois ora falam em alteração genética para criar a inteligência (milhões de anos?) ora falam em mitos já dos tempos agrícolas (10 mil anos), ora, como no caso de Palenque, de algo que data de 633 da nossa Era, ou seja, uns 200 anos depois da queda de Roma! 30. Entretanto, independentemente do que eles falsifiquem e sejam aproveitadores, o importante é que geram crença, que se manifesta, já, nas chamadas “religiões disquistas”, sendo a chamada Igreja da Cientologia, um dos casos mais conhecidos. Fundada pelo escritor de ficção-científica L. Ron Hubbard, ela floresceu graças aos seus romances e aos romances de A. E. van Vogt, também adepto dessa crença. Existem muitos outros grupos, como os Raelinaos e a Igreja de Jesus, o Astronauta, mas pela sua penetração entre personalidades, precisamente, da indústria cultural, vamos encerrar estas considerações citando o debate interno dentro da Cientologia, que levou, nos anos 80 ao surgimento de uma dissidência, a “Nova Zona.” Os dissidentes, chefiados por um certo Bill Robertson, que se apresenta como “capitão Bill”, estão em contato telepático com Hubbard, que, como se sabe, já morreu. Segundo alegam os dissidentes da atual estrutura de comando da Cientologia: “a Igreja ou para as mãos dos que a querem destruir. Tudo isto se inscreve no cenário de um verdadeiro conflito em escala cósmica. No decorrer dos últimos 50 anos, não menos de 200 mil Markabianos, indivíduos oriundos de vários planetas da Confederação de Markab imigraram clandestinamente para a Terra e se apossaram dos corpos de um certo número de personalidades do mundo dos negócios, da política, das sociedades secretas. Os Markabianos estão por detrás da célebre sociedade secreta dos “Illuminatti” (os Iluminados) da Baviera, fundada no século XVIII por Adam Weishaupt que seria, ele próprio, “encarnação” do infame Xanu, responsável por uma terrível catástrofe que teria transtornado o nosso planeta há 75 milhões de anos, isto é ensinado no nível OT III da Cientologia. Segundo Bill Robertson, os verdadeiros Cientólogos, leais a Hubbard lutam contra os usurpadores. Segundo Robertson há 3500 anos atrás o comandante da Patrulha Intergaláctica do Setor 9 tomou a forma humana e desceu na Terra, assumindo a personalidade de Gautama Siddharta, o Buda, afim de exercer uma “impulsão civilizadora no desenvolvimento da humanidade...” (Jean-François Mayer – Novas Seitas: um novo exame – Edições Loyola, S. Paulo, 1989 – p. 61). Estamos, sem dúvida, diante de um outro “deus astronauta” perfeitamente identificado... 31. Nossas reflexões mostraram que estamos diante de uma tentativa de montar uma espécie de mitologia ou tradição (um falso folclore), de fundo místico, que retira os textos históricos, científicos, filosóficos e religiosos de seu contexto real. ProcuraProf. Fernando G. Sampaio
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se, então, dar um sentido literal aos textos, à luz do conhecimento de nossos dias, inventando o material de ligação, como já se fazia no século XIX, quando surgiu uma forte ração mística contra o Iluminismo, através dos cultos, como Ocultismo, em geral, que – então – pregavam como ponto de origem da civilização humana os continentes perdidos, mas já com pitadas interplanetárias.
Prof. Fernando G. Sampaio
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