Apresentação à edição brasileira
Os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de educar a prole e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir, dificilmente poderá ser suprida. Com efeito, é dever dos pais criar um ambiente de tal modo animado pelo amor e pela piedade para com Deus e para com os homens que favoreça a completa educação pessoal e social dos filhos. A família é, portanto, a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm necessidade. — Concílio Vaticano II. Declaração Gravissimum Educationis Sobre a Educação Cristã, 3.
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esde cedo escuto que o problema central no Brasil reside na educação. Trata-se de uma questão ampla que, não raras vezes, quer significar não somente a educação dada ou recebida nas escolas. Incluso no conceito amplo de educação está certamente o modo como alguém se porta diante das situações em sociedade. Creio que este segundo ponto se trate de um falso problema. Não é necessário muito tino para entender que o modo como alguém se porta em suas relações com outrem é derivado necessariamente do modo como foi educado. A meu ver, educação não é um conceito a escolas ou à escolarização, como defendem alguns políticos.
MARY KAY CLARK
Do ponto de vista cristão, a educação que não leva o educando a formar-se e a desabrochar todas as suas potencialidades intelectuais e religiosas não é digna desse nome. Como pode se constatar na história bimilenar da Igreja, bem cedo a temática da educação integral foi uma constante. Os velhos métodos das antigas academias, com seus modos rudes de ensinamento naturalista, contrastavam com a autêntica vivência cristã. Ato seguido vimos milhares de homens e mulheres povoarem os desertos em busca de mestres na vida espiritual e intelectual, em uma espécie de fuga ao debate com pagãos, naturalistas e demais gentios. Um aprofundamento da leitura do Novo Testamento levou alguns cristãos formados nas escolas antigas e sob o Evangelho a buscar a confrontação, pois perceberam que eram as cidades o centro das disputas, e ali, portanto, Cristo também devia imperar com sua nova lei. Com o ar dos séculos e a diminuição das perseguições alcançadas pelo Édito de Milão (313) a Igreja respirou mais aliviada. Contava em suas fileiras com homens preparados intelectual e espiritualmente para o novo desafio que o próprio Estado lhe lançaria: ser a educadora dos povos. Um homem, entre os vários, sobressai-se como reformador do caduco sistema educacional antigo: Alcuíno de York (+804). Assim, durante milênios a Igreja fundou escolas, educou os povos, conseguiu com sua influência fazer a humanidade ar da Lei de Talião para a Lei do Evangelho. Floresceram por toda parte, quer fossem junto aos mosteiros as escolas para crianças, quer fossem junto às paróquias as escolas para crianças e jovens, chamadas escolas paroquiais, quer fossem junto às catedrais as escolas catedralícias e mais tarde as Universidades. No Ocidente, a primeira grande brecha nos muros de uma sociedade cristã pode ser encontrada quando da revolta protestante. Inúmeros são os testemunhos históricos do atraso cultural e educacional a que foram submetidos os povos germânicos e demais povos cujos príncipes, rompendo a unidade cristã, desapropriaram escolas, conventos e baniram os religiosos de suas terras. A segunda brecha na sólida muralha pode ser encontrada nas funestas consequências da chamada Revolução sa. As invocadas Liberdade, Igualdade e Fraternidade trouxeram, com o culto à deusa Razão, a irracionalidade e o desprezo a todo o bem feito pela Igreja. Confisco, banimento, morte aos religiosos; destruição de igrejas e conventos nos quais a literatura e arte sacra de altíssimo grau se perderam; aos miseráveis e pobres já não importava educar, as jovens foram submetidas às paredes das casas pois não 28
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convinha ao novo regime mulheres cultas ou nem sequer letradas. As três palavras da divisa revolucionária pesaram e trouxeram Prisão, Desigualdade e as guerras fratricidas. O clima de terror, perseguição e morte aos cristãos, ao seu modo de vida e suas escolas só foi quantitativamente superado em um ambiente onde o ateísmo, a bestialização, a dominação, a desfiguração do ser humano e a morte foram projetos e programas governamentais, isto é, em ambiente comunista. No início do século ado ainda sobreviviam, meio cambaleantes, algumas escolas paroquiais na região sul do Brasil. Os imigrantes alemães (1824) e italianos (1875) que aqui chegaram não tardaram a edificar escolas junto às suas igrejas. Aos poucos, congregações religiosas masculinas e femininas foram chamadas pelos párocos e bispos a cuidar daquelas escolas. Sob o mais variado campo de vista, o ano de 1968, com o auge das revoluções juvenis em Paris, demarca uma terceira brecha na muralha. Os movimentos iniciados em maio de 1968 deram origem a uma série de mudanças comportamentais, sexuais, políticas e educacionais. Os movimentos ecologistas, abortistas, a criação dos chamados “coletivos”, as lutas por colocar entre as reivindicações dos direitos humanos direitos nada humanos, antes animalescos; o mote de que é “proibido proibir”... Tudo isso são frutos daqueles movimentos. As escolas católicas não aram incólumes a tais funestas transformações sociais. Seja pelo despreparo de seus membros docentes e diretivos, seja pela posição irenista adotada não poucas vezes pelo episcopado, importa saber que desde aquela fatídica data encontrar uma escola católica digna desse nome é algo muito difícil, se não impossível. Muitas congregações religiosas já viviam em um período no qual agradar ao mundo era mais importante que agradar a Deus e, mesmo relaxando suas normas de issão de novos membros, não perceberam - como algumas ainda não percebem - a sangria desatada. A grande maioria das chamadas “escolas católicas” não possui sequer um membro religioso dedicado diretamente à educação dos alunos. Se o católico que leva a sério sua fé e a educação de seus filhos for olhar minuciosamente em cada escola ou universidade católica de nosso país e perguntar quantos membros da congregação dirigente são professores ou se todos o são ficará estupefato. Além disso, se tiver a preocupação de, antes de matricular seu filho, examinar os livros didáticos e a atuação do corpo docente, em pouquíssimos casos talvez não saia correndo. Não poucas vezes chegou-me a denúncia de que tal “escola católica” usava livros didáticos, governamentais ou não, que exaltavam diversos pontos 29
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conflitantes com a fé cristã, tal como o marxismo, a invasão de propriedade privada, o sexo permissivo e o “matrimônio” de pessoas do mesmo sexo apresentado como normal. Do ponto de vista da educação estritamente religiosa também nos chegam informações diariamente de “escolas católicas” onde se ensina que todas as religiões são iguais, todas levam ao céu, tudo é válido, onde os conceitos mais básicos do Catecismo da Igreja Católica são pisoteados e enxovalhados. A pergunta é: após terem ado por toda essa enxurrada de laicismo, ateísmo, militância político-partidária, pacifismo e irenismo... ainda restam Escolas Católicas? Quero crer que sim. Em minha experiência particular posso dar fé que, tendo recebido uma bolsa de estudos no melhor e mais conceituado “Colégio Católico” de minha cidade e estudado com alunos filhos de pais ricos, durante todos os anos só ouvi pregações marxistas em nome do Evangelho. Quando cursei meu mestrado e doutorado no Brasil e outras especializações em uma famosa “Universidade Católica” levei bem oito anos frequentando-a e nunca ouvi nada de formação católica ou meramente cristã. Antes pelo contrário, vi e ouvi professores decididamente contra a Igreja e contra Cristo. Nunca, nas diversas turmas ou cursos frequentados, vi sequer a sombra dos diretores religiosos daquela instituição, que nem ao menos foram algum dia a alguma aula para expor as linhas cristãs de tal universidade. Se, de modo geral, no ambiente dito católico, está assim, como estará o ambiente escolar do chamado estado laico? Basta o leitor abrir qualquer jornal e ver que nas escolas ocorre de tudo: instrumentalização de alunos, roubo, sevícias, falta de merenda, greves intermináveis ou falta de professores, morte, violência verbal, física e até sexual entre alunos, ou entre professores e alunos. O “ensino” ou, antes, a pregação de ideologias frontalmente contrárias ao Evangelho. O ataque e a ridicularização da fé dos alunos cristãos. Diante de todo este quadro caótico, muitos pais, conscientes de seus graves deveres morais quanto à educação de seus filhos, têm recorrido à educação domiciliar, o Homeschooling. Será uma tarefa para todos? Quem se habilita? Não basta cobrar das autoridades mudanças no sistema educacional? Ou será que o desmonte da educação faz parte de um plano muito bem orquestrado para atacar e demolir os fundamentos da fé cristã e destruir as famílias? O livro Homeschooling Católico, de Mary Kay Clark, vem, pois, responder a estas questões e de forma completa. Graças à iniciativa de Camila Hochmüller Abadie, do blog Encontrando Alegria, e de Lorena Cutlak, Edson Vieira Demétrio e Priscila Esteves Peres, este livro, que é um marco para 30
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a divulgação e conscientização dos pais católicos - e também para todos os pais cristãos – foi disponibilizado no Brasil. O caminho que iniciado não é novo, é antes uma trilha antiga. Mas é por esta mesma trilha, talvez já esquecida, talvez já com arbustos e cardos, que se embrenham os pais que se preocupam com a formação integral - que jamais exclui a fé em Cristo - de seus filhos. Talvez pela leitura deste livro nem todos se sentirão chamados a adotar o modo de educação domiciliar, mas certamente abrir-se-ão muitos olhos que estavam vendados e verão que o problema educacional não se resolve apenas com bons salários e boa formação aos professores, escolas bem equipadas e alunos campeões em olimpíadas. Assim espero. De minha parte, não desejo atrasar mais o encontro do leitor com tão importante obra; só me resta invocar sobre todos aqueles que traduziram e produziram esta edição brasileira, bem como sobre o leitor e sua família, as mais copiosas bênçãos de Deus. Padre Cléber E. S. Dias
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