Trabalho Canções Sem Metro 2s1n6b

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO DISCIPLINA: POEMA EM PROSA NO BRASIL PROFESSOR: GILBERTO ARAÚJO ALUNA: SUZANE SILVEIRA

Considerações sobre o uso das epígrafes dos poemas1 em Canções sem metro de Raul Pompeia como procedimento poético e estético Massaud Moisés em seu livro sobre o simbolismo,2 na seção em que trata do poema em prosa no Brasil, atribuiu ao livro de Raul Pompeia Canções sem metro, publicadas a partir de 1883 no Jornal do Comércio de São Paulo e em livro em 1900, a inauguração do gênero em território nacional. Ao fazer tal constatação o teórico aproxima o autor d’O Ateneu do fazer literário de Aloysius Bertrand criador de sua obra única Gaspar de la nuit ou Fantasie à la manière de Rembrandt et de Callot (1842) e de seu discípulo confesso Charles Baudelaire e seus Petits Poèmes em Prose (1869). Com isso, podemos perceber como o escritor brasileiro introduz em sua escrita conceitos artísticos desenvolvidos pelos seus pares ses, dentre os quais destacaremos aqui a relação entre o literário e o pictórico, ou entre a literatura e a pintura, evidenciada no título do livro de Bertrand. De forma parecida, Baudelaire também manifesta, em prefácio aos seus pequenos poemas, o desejo de pintar a vida moderna tal qual Bertrand realizou se reportando a um tempo medieval e fantástico. A imagem do poeta como pintor pera todas as Canções sem metro de Pompeia, cuja composição, conforme aponta Suzanne Bernard em seu livro Le poème em Prose. De Baudelaire jusqu’à nos jours (1959, p. 430), formaria uma organização de segundo grau da prosa, uma forma secundária, em que cada poema constituiria em si um todo completo ou um universo fechado. Podemos tomar este aspecto do poema em prosa revelado pela autora para, ao fazer um paralelo com Bertrand e Baudelaire, pensar os poemas de Canção sem metro como quadros, cujas epígrafes desempenham um papel crucial não apenas para mostrar a eloquência do poeta, mas como um recurso poético e estético. Nesta aproximação entre pena e pincel e tela e papel, a epígrafe alude ao informativo/descritivo que acompanha os quadros em uma exposição ao revelar a composição do texto com suas fontes de leitura, funcionando ao mesmo tempo como uma matriz do pensamento do autor (revelando as suas filiações e concepções artísticas), bem como uma apresentação concentrada do tema que será trabalhado e um movimento de expansão do poema para fora de si mesmo. Podemos perceber como o autor utiliza uma série de epígrafes ao longo do livro, praticamente uma para cada poema, sendo a maioria delas citações em versos escolhidos a dedo por Pompeia e todas aparentemente inéditas à época do autor como epígrafes, como uma forma de endereçamento que definiria a cosmogonia das Canções sem metro como uma obra dialógica em constante tensão entre autoria e leitura. Esta observação pode denotar o uso das epígrafes no livro de Pompeia como estratégia simultânea de sedução do leitor e de legitimação da própria obra através das palavras de outros grandes autores, em que se estabelecem parcerias textuais. Ao utilizar a interlocução como aspecto constitutivo dos seus textos, Pompeia experimenta em Canções sem metro o que Mallarmé postula em sua Crise de verso, uma vez que as epígrafes impõem a experiência de alteridade e de desestabilização de uma subjetividade una, fundacional e solipsista. Há, portanto, um “eu” que se reporta a um “tu” e a uma terceira pessoa indeterminada que é o leitor, que por sua vez ao ler o texto mobiliza o jogo de proximidade e distanciamento, fundindo diferentes referências literárias no interior da enunciação dialógica, invocando e desestabilizando tanto o eu e o tu quanto um nós do qual a terceira pessoa indeterminada se torna parte fundamental. É possível também que, com este procedimento de compartilhamento da voz poética, em que se observa uma polifonia ao longo dos poemas em diferentes línguas – dentre as quais podemos destacar o latim, o francês, o inglês e o italiano – haja uma tentativa por parte de Pompeia de revestir a sua obra de um caráter universal e perene, dentro da concepção de “grande obra” que o autor afirmava querer construir com Canções sem metro, em cujos poemas reflete acerca do humano, do mundo e do próprio fazer literário. 1 2

Optou-se por adotar a definição de Suzanne Bernard de poema em prosa como “um todo completo em si”. A literatura brasileira. Volume IV: o simbolismo (1893-1902). 2ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 1967.