NISIOISIN
conceito original HIROHIKO ARAKI
SHUEISHA
Traduzido por Art Vandelay Revisado e diagramado por Creissonino
http://www.jojobizarrealliance.wordpress.com Agradecimentos ao Hi Wa Mata Nobooru e ao Kewl0210 pela versão em inglês usada como consulta. Tradução realizada sem fins lucrativos
Ao Senhor Jotaro Kujo
Prefácio Se eu dissesse que não tinha nenhuma dúvida sobre restaurar e decodificar o caderno que o senhor Jotaro Kujo incinerou no Egito, eu estaria, sem sombra de dúvidas, mentindo. Eu acreditava que trazer à tona todo o conteúdo que somente o senhor Kujo tinha conhecimento seria extremamente desagradável a esse mundo, além de ser considerado um ato bárbaro contra a ética profissional ou ainda moral. Contudo, depois de diversos acontecimentos e reviravoltas, o motivo de eu ter aceitado esse pedido da fundação Speedwagon não foi por causa do estado amnésico e comatoso do senhor Kujo. A teoria da Fundação Speedwagon é que o livro talvez indique alguma maneira de reverter a sua situação. Quando me disseram isso, como alguém que deve muito ao senhor Kujo, eu não estava ligando muito para questões de moral ou ética profissional, ou ainda para o senso comum do ser humano em si. Mesmo se não houver qualquer dica para reverter o estado do senhor Kujo ou algo que indique o que possa ter o levado a ficar naquele estado, eu superarei todas as dificuldades de se restaurar esse caderno. Contudo, se eu disser que essa foi a única razão para fazê-lo, eu estaria mentindo. Para ser sincero, na primeira vez quando eu fui contatado pela Fundação Speedwagon – em outras palavras, quando eu soube da existência desse caderno – eu tenho que confessar que sucumbi a uma doce tentação. Eu sabia que era algo que eu não deveria, mas, ao mesmo tempo, senti que eu queria mesmo fazer isso. O homem que já tentou envolver o mundo em trevas, Dio Brando. Não, talvez seja mais apropriado chamá-lo de Dio Joestar... Ou talvez, apenas Dio seja o melhor. De qualquer forma, a simples citação da existência de um caderno onde um vampiro que transcendeu a humanidade teria registrado seus feitos deixaria qualquer pesquisador
empolgado. Eu digo sem medo de estar errado, mas eu não estava com a cabeça no lugar ao considerá-lo um simples trabalho acadêmico. O senhor Kujo o queimou e mesmo a Fundação Speedwagon considerou sua existência como ultrassecreta. Ou seja, eu não poderia cair de cabeça em algo que até então havia sido mantido sob tanto sigilo. O vampiro tão carismático que conseguia converter tantas pessoas para o mal e mantêlas como seus subordinados. Aquele homem era descrito como a encarnação do mal e que até hoje, mesmo depois de sua morte, ainda insiste em exercer tamanha influência. Como eu não iria querer saber o que ele pensava, o que ele planejava e como ele vivia? Eu não consigo dar nenhuma justificativa. Falando sério, desculpas como a de que seria pelo senhor Kujo ou pela paz mundial não seriam motivos sinceros para mim. Acho que se eu não desabafasse desse jeito, eu não seria franco com a pessoa que irá ler esse livro. E falando em franqueza, eu deveria colocar que decodificar este caderno foi uma tarefa intensamente complicada. Além de todas as páginas do caderno terem sido queimadas até às cinzas (a um ponto que nem mesmo o senhor Josuke Higashikata conseguiu restaurá-las por completo) o livro foi codificado de uma maneira pouco clara. Muitos dos substantivos próprios que foram codificados iam além da minha capacidade de decodificação e só puderam ser transcritos a partir de registros históricos anteriores. Eu acho que a leitura ficou consideravelmente mais clara, mas eu não consigo negar essa impressão de que nada faz sentido. E todos esses tópicos importantes, idiossincrasias e o tal “caminho para o paraíso” que este imperador do mal abordava são tão profundos e complicados de entender que é difícil, mesmo para um especialista como eu, itir não ser capaz de compreendêlos por completo. Muitas das agens foram traduzidas de forma literal. Eu não tive escolha além de deixar a própria compreensão a cargo dos leitores mais atentos. Alguns podem dizer que o meu trabalho foi só o começo. E é claro que eu assumo a responsabilidade por qualquer tradução incorreta no documento ou contradições causadas por elas, mas receio afirmar que nenhuma foi encontrada até agora.
1
“Dio, não importa o que aconteça, aja nobremente e viva com orgulho. Se fizer isso, você conseguirá chegar no céu”. Eu imagino se a minha mãe realmente acreditava nessa história de ir para o céu, no fim das contas. Apesar de se encontrar no nível mais baixo da pirâmide social, ela viveu o resto de seus dias sem abrir mão de seu orgulho. Mesmo que isso seja verdade especialmente porque era assim que ela agia - eu não acredito que ela realmente conseguiu a sua agem para o paraíso. Eu não acredito. Ela era tão nobre e orgulhosa quanto era pura, correta e bela de uma maneira quase divina. Ao mesmo tempo, não ava de uma incorrigível tola. Eu odiava essa tolice incorrigível. Por exemplo, nós éramos uma família realmente pobre e constantemente precisávamos nos preocupar com a próxima refeição. Enquanto ela e eu, seu filho, vivíamos naquele ambiente e ávamos tanta fome, ela ainda assim gastava metade de seu dinheiro, conquistado depois de tanto trabalho duro, com as crianças famintas de nossa vizinhança. E não só as crianças. Os idosos e, às vezes, até animais também. Tal caridade com indivíduos tão fracos era meio que seu fardo. Qual é a palavra mesmo... Ah, “compaixão”. Ela emanava esse sentimento. 10
O que era isso, senão tolice? Ninguém podia ajudar aquilo. Só odiar. A maneira como ela colocava a si mesmo (bem como sua família) em segundo plano era algo nobre e digno de se orgulhar. Contudo, naquela escória onde nós vivíamos, ninguém ligava para esse tipo de coisa. Dependendo do local, como onde vivia a família Joestar, aquela cidadezinha bucólica, tais atitudes seriam compreensivelmente reconhecidas. Contudo, naquela cidade pior do que uma trincheira, sendo bem sincero, minha mãe era alvo de piadas. Tanto as crianças (que aceitavam a sua caridade) quanto os idosos, riam da minha mãe. Eles gargalhavam como se ela fosse uma grande piada. E eu acreditava que eles estavam absolutamente certos. O suficiente para eu querer me unir a eles e rir também. A minha raiva contra a minha mãe era superior àquilo, portanto, eu não me dei ao luxo, mas fiquei tentado a realizar tal ato. Minha mãe era tola. Uma tola incorrigível. Seja como for, como filho daquele saco de deboches que era aquela mulher, eu fui por vezes desprezado. Eu não poderia deixar essas pessoas rirem da minha mãe assim, mas quando eu fui tirar satisfação, minha mãe me repreendeu. Em vez de repreender aqueles que debochavam dela, ela me repreendeu. E isso me deixou furioso. “Não faça isso, Dio. Você não pode depender tanto assim da violência em sua vida. Se continuar fazendo isso, você não vai para o céu.” Parando para pensar, acho que era a frase favorita dela. Palavras com significados concretos. Como se elas fossem um tipo de mantra. 11
Ela dizendo isso dava a impressão de que era só dizer a palavra “céu” e tudo estaria salvo. Eu tive que acreditar nisso porque os sentimentos daquela mulher eram totalmente incompreensíveis para mim. Não. Mesmo se eu realmente acreditasse, ainda assim, ela ainda era, compreensivelmente, uma pessoa enigmática. Parando para pensar agora, acho que foi isso que trouxe luz suficiente naquela chacota que era vida. De qualquer maneira, ela, minha mãe, disse tais palavras a mim em todas as vezes que ela teve oportunidade. “Se você fizer isso, você poderá ir para o céu.” “Se você fizer isso, você não poderá ir para o céu.” Céu, céu, céu. E eu me irritava toda vez. Minha mente infantil era alvo de constantes irritações. Acreditei que tais palavras eram irracionais. Eu não conseguia perdoar a minha mãe. Era por isso que eu pensava “bem-feito” em todas as vezes que via meu pai bêbado violentar a minha mãe. Eu ficava aliviado. Agora pode parecer tolice, mas... Quando criança, eu gostava mais do meu pai do que da minha mãe. Acreditava que o meu pai escória, insignificante e sem esperança era melhor do que a minha nobre e orgulhosa mãe. Se a minha mãe era uma “doadora”, ou melhor, uma “donatária”, eu diria que o meu pai era um “tomador”. Pensando bem, a conexão com a família Joestar, um destino entrelaçado que já dura mais de cem anos, o hábito de meu pai de roubar as coisas pode ter sido o estopim de tudo. A verdadeira causa disso tudo foi justamente o que ele tomou de George Joestar. Eu nunca o vi trabalhando. 12
Eu nunca o vi trabalhando ou ainda conquistando algo por mérito próprio. Através de jogatinas, fraudes e extorsão, ele “tomava” dinheiro e comida das pessoas na cidade. Ele nunca conquistou. Apenas tomava. Era o que ele fazia. A maneira como ele viveu até o fim de seus dias o fazia justamente o oposto da minha mãe. E lá, naquela pocilga, era o meu pai que estava certo. O estilo de vida do meu pai era honesto e correto. Eu acreditava que o estilo de vida tão desinibido e ardiloso do meu pai era legal. Não que eu o irasse, mas eu posso dizer que o respeitava. Hoje eu vejo que era pura tolice, mas naquela época eu não estava são. Por isso, eu achava que a maneira como ele vivia era bastante engenhosa. Ele sempre tomava dos fracos. E como resposta para tal necessidade (ou não), ele derrotava as outras pessoas. Para mim, uma criança inocente, não havia ninguém mais forte. Eu o assistia. Ele era forte, engenhoso e ardiloso. Naquela favela nojenta, saber que o meu pai era alguém assim era o maior e único orgulho da minha vida. Mas minha mãe o repudiava. Ela o criticava veementemente por isso. “Por favor, querido. Pare. Vamos devolver todo o dinheiro que você roubou. Você não deveria fazer isso. Se continuar fazendo esse tipo de coisa, jamais irá para o céu.” Ela apanhou quando disse isso a ele. Uma mulher tola que acabava sempre apanhando de maneira tola. Quando ela desmaiava, ele a chutava violentamente, além de jogar garrafas de uísque nela. 13
Eu só vim a descobrir isso depois, mas eu quase tive um irmão ou irmã caçula que teria sido perdido graças àquela violência. É uma história cruel. É, de fato, uma história cruel, não é? Com certeza, é. Contudo, apesar de toda aquela violência diária, ela seguiu firme até o seu fim. No mais baixo patamar da sociedade, naquele ambiente terrível, ela falava de justiça, ética e moral. Ela tratava tudo isso com preciosismo, mesmo não tendo nenhum propósito. Eu queria que ela tivesse calado a boca. Pelo menos, eu queria que ela tivesse feito vista grossa para as ações de meu pai. Se ela tivesse feito isso, teria escapado de ser violentada por tantas e tantas vezes. Não. Eu acho que era impossível de escapar do meu pai em seu estado mais profundo de frenesi alcoólico, não importa o que você fazia... Mas quando eu era pequeno, sabendo disso, eu tentava ao máximo ficar quieto e o mais longe possível quando ele estava bêbado. Isso amenizava todo o dano que eu iria receber. Uma criança foi capaz de perceber isso, mas a minha mãe não. Ou melhor, ela fazia justamente o oposto. Quando meu pai chegava em casa virado por causa de tanta bebedeira, ela o repreendia. “Você não deveria beber tanto uísque”. Algo assim. Ela dizia essas obviedades. Ela sabia que iria apanhar e ainda assim ficava dizendo esse tipo de coisa. O que mais você esperaria por dizer tudo isso? Se parar para pensar, seria fácil chegar a essa dedução simples. Vê-la tentando se comunicar com o meu pai e sequer tentando se defender de seu comportamento violento. Não existe palavra 14
melhor do que hilário para descrever a situação. É estranho. Eu não posso fazer nada além de questionar tudo isso. Mesmo que fosse difícil de escapar dos xingamentos, ela poderia ter evitado a violência. Então, por que não o fazia? Será que era justamente porque ela era uma tola, assim como eu já a julgava? Será que é porque ela não era tão inteligente? Seria minha mãe uma idiota incorrigível? Não era isso. Agora que cem anos se aram, eu sei que não era nada disso. Agora que aprendi sobre o mundo de fora que naquela época era chamado de futuro. É verdade que a minha mãe era inteligente e recebeu a devida educação. Mesmo naquela pobreza, onde eu raramente conseguia ir à escola, foi ela quem me ensinou mais coisas do que uma professora poderia ter ensinado. Foi porque eu tive uma educação básica que eu posteriormente consegui viver com tamanha determinação. E eu nunca agradeci à minha mãe por isso enquanto ela estava viva. Contudo, eu nunca imaginei que tal educação teria algum propósito, mas se não fosse por isso, eu duvido que eu tivesse conseguido viver no tão refinado lar dos Joestar. Eu nunca dei muita bola para a linhagem da minha mãe, mas quando fui investigar, descobri que aquela mulher veio do mais alto escalão da sociedade. Se quiser saber, aquela elegância, dignidade e devoção jamais teriam nascido na pobreza. Tais qualidades são consequências de uma vida luxuosa, mas por que uma mulher como aquela se casaria com 15
um pai como o meu ou por que ela terminaria nessa cidade miserável? Tais questões nada mais são do que mistérios. Falando nisso, meu pai, em meio à bebedeira, me contou uma coisa. Algo sobre ele ter fugido com a minha mãe. E me perguntava baboseiras como: “acredita nisso de amor e paixão?”. Eu ignorava o que acreditava ser demagogia de um bêbado, mas eu não sei até que ponto era ou não a verdade. Eu ignorei porque era, de fato, uma história muito difícil de engolir, mas mesmo que eu não possa confirmar, talvez não tenha sido tanta baboseira assim. Talvez, alguma vez na vida, aquele meu pai tenha dito alguma verdade, mas eu não tenho como descobrir isso agora. “Dio, não culpe o seu pai. Ele é uma pessoa muito gentil. Ele só não deveria beber tanto. Caso ele parasse, tenho certeza de que seu pai iria trabalhar honestamente”. Agora, isso sim era baboseira, penso eu. Minha mãe dizendo essas besteiras de maneira tão séria... Eu me segurei ao máximo para não gargalhar. Queria ter perguntado como ela conseguia ser tão tola. Ele? Uma pessoa gentil? Se ele parasse de beber? Como alguém em sã consciência era capaz de dizer asneira como essa? Tudo o que eu pude pensar é que ela tinha ficado louca depois de apanhar tanto. Se alguém acreditar nessa história, talvez até dissessem que são um casal perfeito. Só que não importa como você os interpreta, os dois formavam o casal mais improvável do mundo. Para a minha mãe, viver como a esposa de um homem tão baixo como o meu pai era o principal motivo de fazer o bem. Aquele objetivo de ir para o paraíso. 16
Tudo aquilo não ava de tortura. Ou talvez fosse a coisa mais caridosa do mundo que alguém poderia ter feito. Talvez ela tivesse pensado que se aproximar de meu pai, permanecendo casada com ele até o resto de sua vida fosse uma missão designada a ela por Deus. Ou algo assim. É uma hipótese bastante audaciosa. Eu não tenho nada que a confirme, mas se era isso mesmo, eu jamais poderia entender. A vida dela era incompreensível. Era a piada da cidade, mas ainda assim tentou ajudá-lo. Era violentada por ele, mas ainda assim, tentou sustentá-lo. Todos os dias, ela trabalhava à beira de entrar em colapso. E eu esperava pelo dia quando isso realmente aconteceria. Eu realmente não consigo entendê-la. No fim das contas, ela conseguiu chegar ao paraíso? Eu acho que não. Ela não iria a lugar algum. Ela não tinha para onde ir. E não tinha para onde voltar.
17
2
Deve existir alguma maneira de chegar ao paraíso. Eu comecei a refletir sobre o assunto em algum momento da minha vida. E Eu não era mais uma criança quando isso aconteceu... Pode ser também que o paraíso ao qual eu me refiro talvez nem seja o mesmo àquele a minha mãe se referia. Contudo, eu parei para pensar nisso em algum momento da minha vida. Eu sei que eu fui vago ao dizer “algum momento”, mas não era porque eu não tinha certeza de quando foi. Nada disso, eu tinha certeza de quando aconteceu. Foi quando Enya, aquela bruxa, presenteou-me com o “Arco e Flecha” e eu desenvolvi a minha Stand, “The World”. Ou melhor, quando ela foi finalmente despertada. “A habilidade de controlar o tempo”. Como se as engrenagens de meu cérebro tivessem entrado em funcionamento no mesmo momento em que aquela habilidade, que se mostrou incrível até para mim. Eu fui convencido. Não, talvez “convencido” não seja a palavra certa, mas digo que facilitou muito a minha compreensão. Naquele ponto, era apenas especulação. Mas eu pensei sobre isso. Eu pensei. Que talvez existisse uma maneira de chegar ao paraíso. Eu ei a pensar nessa maneira. 18
Por isso, quando eu disse “algum momento”, era porque, parando para pensar, eu já buscava há muito tempo o caminho para o paraíso, mesmo que eu só tenha começado a pensar conscientemente naquele instante em específico. Meu propósito. Cheguei a pensar, inclusive, que só estava vivo por causa desse propósito. Achei que era o meu objetivo de vida. Acreditei que os quatro anos que ei na superfície depois de ar quase um século submerso era tudo porque eu estava predestinado a encontrar o paraíso. Eu preciso ver o paraíso. Eu preciso chegar ao paraíso. Foi isso o que eu pensei, não? Então, eu só comecei a raciocinar claramente sobre o assunto quando eu despertei a minha Stand. Que talvez existisse uma maneira de chegar ao paraíso. E eu a procurei. Talvez seja pela minha mãe. Seria pela minha tola mãe que eu estou tentando chegar ao paraíso? Talvez eu queira vê-lo só para esfregar na cara da minha mãe? Não. Isso é errado. Absolutamente errado. Isto é, a minha mãe era tola. Uma irrecuperável e incorrigível tola. Ela viveu daquela maneira. Não me espanto que ela tenha morrido. Seja porque ela possa ter morrido de trabalhar tanto ou ainda porque ela pode ter sido vítima da violência rotineira aplicada pelo meu pai. E mesmo que não fosse por esses motivos ou quaisquer outros, com o estilo de vida daquela mulher, seria mesmo impossível que pudesse viver por muito tempo. 19
Ela morreu enquanto era ridicularizada. Ela morreu enquanto era espancada. Mas mesmo assim, ela nunca culpou ou brigou com alguém. E foi assim até o fim. “Dio, não importa o que aconteça, aja nobremente e viva com orgulho. Se fizer isso, você conseguirá chegar no céu”. Uma ideia totalmente implausível, no fim das contas. Mesmo em seu leito de morte, era o que ela me dizia. Eu sinceramente acho que fazer uma coisa dessas era algo realmente pecaminoso. Isto é, ela dizia isso para mim, mas... Forçar o seu filho a agir daquela maneira, sabendo que ele seria alvo de abuso, assim como ela, era meio caminho para o inferno. Comparado a isso, acredito que meu pai era mais honesto. Ao menos para os parâmetros daquela cidade. “Pegue o que quiser”. “Roube”. “Alimente-se ao custo dos outros”. Aquilo era o correto. Verdadeiramente correto. Eu não tinha objeções. Comparado àquilo, todas as fantasias ditas pela minha mãe... O que eu queria aprender não eram ladainhas sobre Deus, mas sim práticas que poderia ter usado para sobreviver dia após dia. É claro, eu acabei dizendo a ela. Que o paraíso não existe. E que onde estávamos era inferno. E era a única coisa que realmente existia. Minha mãe, então, esboçou uma reação de tristeza: “Você não entende porque é apenas uma criança. 20
Quando crescer, estou certa de que entenderá”. Ela disse: “O céu existe. E existe uma maneira de chegar lá. Assim, deveríamos viver com o propósito de um dia, alcançá-lo”. Por quê? Mesmo se existisse um céu, por que eu deveria viver com o intuito de um dia chegar nele? E ficar falando que eu era apenas uma criança não seria o suficiente para me convencer. Com uma criança, justamente por ser uma criança, o único jeito de encerrar um assunto é com violência. Ainda, para uma criança como aquela, uma criança que não entendia nada, forçá-lo a tal era inútil, penso eu. E ainda acho. A maneira da minha mãe de repreender os outros era anormal. Ela nunca demonstrou nenhum sinal, mas eu imagino se ela se sentia emocionalmente abalada. Viver de forma tão dolorosa, no escalão mais podre da sociedade... Talvez viver do jeito que ela vivia fosse a única maneira de se sustentar emocionalmente. É um pensamento plausível. “Céu”. Era essa a palavra chave. Se esse era o caso, assim como eu pensei, ela não ava de uma tola. A única dedução é que a violência diária e o estômago vazio tenham abalado sua capacidade de raciocínio. Se ela tivesse vivido mais, comigo um pouco mais velho, eu teria usado a lógica para convencê-la e livrála daquela maldição, em vez de apelar para a violência, assim como o meu pai. Não, tenho certeza de que seria capaz e fazer isso. Eu teria dito que o estilo de vida dela era um erro. 21
Eu teria conseguido convencê-la. Mas a realidade é que eu não ava de uma criança. E sua morte aconteceu de forma abrupta. Nós a enterramos depois de um velório barato. Eu duvido que ela tenha alcançado o paraíso. E mesmo no dia do velório, meu pai acabou se embebedando. “Você não pode se lamentar pelo que já morreu. Você acha que um funeral apropriado irá trazer os mortos de volta à vida? Seu idiota...”. Era a opinião do meu pai. E eu acreditava que aquele ponto de vista era o correto. Eu não fiquei triste. Ainda, senti-me aliviado. Era o melhor para a minha mãe, pensei. Sim, o melhor. Ela finalmente faleceu. Finalmente pôde descansar, era o que eu achava. Mesmo assim, não acho que ela tenha chegado ao paraíso. Contudo, escapar do inferno talvez seja o suficiente.
22
3
E, infelizmente, eu não acho que eu posso chegar ao paraíso. A essa altura do campeonato, eu já vi que não tenho mais chances. Eu procuro uma maneira de chegar lá. Já tenho meio caminho andado com a minha Stand, “The World”, uma agem só de ida para o paraíso, mas se eu ficar estagnado como estou agora, não acredito que posso concluir meu objetivo. É a minha conclusão sobre o assunto. Contudo, eu não estou desistindo, embora seja forçado a itir que é uma tarefa árdua. Será muito mais difícil alcançar o paraíso usando somente a minha própria força. Eu preciso de um amigo. Alguém em quem posso confiar. Ele deve ser um humano capaz de controlar seus próprios desejos. Ele deve ser um humano sem um desejo insaciável por poder, fama ou luxúria. Ele precisa acreditar nas regras de Deus e colocá-las sempre acima das regras dos homens. Serei eu, Dio, capaz de encontrar alguém assim? Alguns até o chamariam de minha própria antítese. Não, eu preciso conhecê-lo. Eu preciso conhecer um amigo assim. 23
É o motivo de eu estar escrevendo neste caderno. Como uma preparação para quando encontrá-lo. “Como chegar no céu”. E não importam quais sejam os eventos pelos quais eu esteja predestinado a ar, estou escrevendo utilizando todo o meu poder de persuasão para deixar registrado o meu sucesso ou fracasso nessa empreitada de descobrir o “caminho para o paraíso”. Deixar registros como estes para trás é algo realmente perigoso. Se este caderno cair nas mãos de, por exemplo, alguém como o meu antigo inimigo, Jonathan Joestar, eu estaria numa situação desfavorável. Eu não quero que tais indivíduos tenham conhecimento de meu objetivo. Se “ele” ou “eles” o souberem, tentariam se certificar de que eu não o alcançaria... É claro, se eles tentarem interferir, tudo o que tenho que fazer é encontrá-los e derrotá-los, mas eu não estou em condições para tal. Ainda não me acostumei a este corpo que roubei de Jonathan Joestar há cem anos. Em uma única palavra, digo que estou “instável”. Com a minha Stand, “The World”, eu tenho certeza de que posso derrotá-los facilmente, mas como faço questão de deixar nítido, eu coloco meu orgulho acima de tudo e, assim, ito o quão humilhante foi a minha derrota há cem anos. Então, deixar registros sobre “como alcançar o paraíso” é excessivamente perigoso, mas é um risco que eu estou disposto a correr. Isso não é algo que se restringe aos meus pensamentos, que somente eu posso compreender. É necessário organizá-los e escrevê-los para que o amigo que eu ainda estou para conhecer consiga compreender o 24
meu método. Assim, mesmo se eu deixar de existir, tal procedimento ainda poderá ser executado. Segurar uma caneta para escrever é algo que não faço há muito tempo. Talvez eu acabe fazendo algo além de simplesmente organizar meus pensamentos. Como eu posso colocar... Ah, sim... Isso me lembra de meus dias como um estudante. Meus dias como um estudante que fingia ser amigo de Jonathan. Realmente, ainda existem muitas coisas que eu preciso colocar em pauta. Eu provavelmente terei que circundar o mundo atrás de meu ainda desconhecido amigo. E terei que fazer isso sozinho. Cem anos podem ter se ado... Mas mesmo neste irável mundo novo mundo, encontrar alguém com um espírito tão puro não é uma tarefa fácil. E conquistar a afeição de uma pessoa tão pura assim será ainda mais complicado. Eu não posso transformá-lo em zumbi ou colocar um parasita nele. Precisa ser “uma pessoa em quem eu possa depositar a minha fé”. Algo que vai totalmente contra os meus princípios... Prevejo obstáculos nauseantes atrapalhando minha empreitada. É por isso que tais registros se tornam necessários. Registros objetivos. Um ponto de vista que não é baseado essencialmente em minhas opiniões. Se eu colocar tudo no papel, talvez eu note o que talvez tenha me ado despercebido. Ainda assim, por enquanto, eu manterei esse caderno em segredo para qualquer um de meus seguidores, principalmente para Enya. Aquela velha não compreenderia. Eu consigo ouvir a velha Enya gritando: “Baboseira. Você jamais deveria fazer uma coisa assim”. Eu disse àquela velha que o meu objetivo é dominar o mundo... É, 25
isso é algo que eu estou predestinado a fazer. Parando para pensar, acredito que seja mesmo verdade. Pelo menos, é impossível que outra pessoa que não seja eu, Dio, fosse capaz de alcançar tal objetivo. A Stand “The World”, minha Stand, parece ser o tipo de habilidade que existe somente para tal propósito. Mas não é verdade. Um corpo invencível, grandes riquezas ou estar acima de toda raça humana não são suficientes para se conquistar a verdadeira felicidade. Nem a minha vitória absoluta é suficiente. O verdadeiro vitorioso é aquele que vislumbrou o paraíso. Pouco me importa os sacrifícios necessários, eu chegarei lá. Mesmo que tenha que abrir mão de meus seguidores ou ainda de minha própria Stand. Posso não trilhar o mesmo caminho que ela... Mas eu alcançarei o paraíso que um dia minha mãe almejou, mas não o conseguiu.
26
4
Minha mãe era tola. Tenho certeza disso. Anteriormente, eu escrevi: “agora que cem anos se aram, eu sei que isso era errado”. Contudo, eu não consigo dizer que ela não era uma tola incorrigível. E ainda assim, meu pai era alguém cuja tolice conseguia ser maior do que a da minha mãe. Um tempo depois que a minha mãe morreu... Não, pensando melhor, nem foi tanto tempo assim... Ele redirecionou contra mim todos os abusos que ele cometia contra ela. Ele me batia todos os dias. Eu era uma criança, então é óbvio que eu era punido quando cometia erros infantis. Contudo, mesmo quando eu obtinha sucesso em algo complicado até para uma criança, por algum motivo, eu apanhava ainda mais do que quando errava, a ponto de começar a sangrar. Era como se ele pensasse que abusar de uma criança fosse um ritual diário. Eu já até ouvi pérolas do tipo: “Pode bater nos seus filhos. Mesmo que você não saiba o motivo, a criança irá saber de alguma coisa”. Quando eu era pequeno, eu não entendia nada disso. Não, na verdade, eu entendia sim. Eu entendia que não havia motivo algum. Meu pai era o tipo de homem que impunha sua vontade sobre os fracos para afirmar sua própria soberania. 27
Minha mãe era tola. Uma verdadeira e incorrigível tola. Mesmo que ela não fosse. Mesmo se ela fosse alguém cuja personalidade condissesse com aquele fim de mundo onde morávamos, tenho certeza de que meu pai acabaria achando algum motivo para impor-se sobre a minha mãe. Eu tinha certeza de que a minha mãe apanhava porque ela estava errada. Porque ela era tola. Mas tudo isso não tinha nada a ver com o motivo real. E aquilo o que eu disse sobre ela ficar quieta para amenizar as surras o resultado... Bem, acho que o resultado não seria tão eficaz. Então, ele começou a me bater sem motivo algum. Ele estava sempre irritado. Ele estava sempre de mau humor. Ele era tão violento que era incapaz de descontar sua raiva em alguma coisa. Atrás de zumbis poderosos, acabei encontrando pessoas realmente cruéis, como Jack, o Estripador, mas mesmo comparado a uma celebridade como aquela, meu pai não ficava para trás. Ele era um bandido. Ele era escória, mas só de pensar no quão poderoso ele seria caso eu tivesse o transformado em zumbi, acabo reafirmando a certeza de que eu, Dio, era seu filho. E pensar nisso é algo extremamente desconfortante. De qualquer maneira, aquele homem era um tolo que se sentia inferior até mesmo perto de sua mulher e seu filho. Não seria estranho caso ele fosse assassinado, depois de uma vida tão violenta. Eu trabalhava, trabalhava, arrecadava uns trocados e os usava para comprar mais uísque ao meu pai. Era assim que eu escapava de seus abusos. Isto é, quando ele bebia, ficava ainda mais 28
violento. Contudo, se você ignorasse esse fato e não interrompesse o suprimento de bebida, ele eventualmente acabaria em coma alcoólico. É claro que ele não poderia me violentar caso estivesse dormindo. Ainda assim, eu era uma criança. Mesmo que eu chamasse de trabalho, é claro que não era um emprego de verdade. Aquele vilarejo selvagem se sustentava dentro de seu próprio sistema primitivo. Mesmo que não fossem empregos de verdade, havia bastante serviço disponível. Como sempre me avam a perna por ser criança, eu não conseguia juntar muito dinheiro. No entanto, caso eu percorresse a cidade apostando, eu acabava conseguindo o suficiente para comprar aquelas quantidades absurdas de bebida. Foi aí que eu acabei colocando em prática os ensinamentos que recebi de minha mãe. A educação que me foi dada quando eu era muito pequeno foi usada primeiramente em apostas. Tenho certeza de que não era isso o que ela queria, mas ainda assim, era uma situação muito irônica, já que pela primeira vez, eu me sentia grato por ela. Acredito que seja graças a ela que eu consegui sobreviver até hoje. Foi a primeira vez que apreciei os seus ensinamentos. Meu próprio pai não conseguia juntar tanto dinheiro quanto eu, então quando seu filho lhe trazia bebida, ele acabava ficando irritado e me surrava. Só que para aquele bebum, o uísque era prioritário. Assim, ele foi, aos poucos, parando de me bater. Foi quando pensei: “Minha mãe estava errada”. Era o que a minha mente infantil pensava. Mesmo quando eu me sentia grato por toda a 29
educação que me foi concebida por ela, ainda acreditava que a minha mãe era tola e que continuava errada. Não importa o quanto eu a menosprezava, seus sentimentos humanos a impediam de largar o meu pai. E eu dividi tais sentimentos com ela. Eu acredito que, mesmo quando criança, tal atitude não era do meu feitio. E eu não queria itir que aquilo fosse necessário para ir ao céu, mas hoje eu ito. “Eu estava certo, minha mãe estava errada.” “Se o pai parar de beber, ele vai ser uma boa pessoa?” “É justamente o contrário, quanto mais ele beber, mais gentil ele fica, não?” Eu acredito que eu tenha sido um tolo por pensar nessas coisas. Talvez não igual ao meu pai, mas igual à minha mãe. Um erro infantil. Uma besteira que cometi quando eu era criança. Descobrir que não ser repreendido pelo seu pai o tornava uma pessoa boa... Cômico. Para o pequeno Dio, contudo, era uma descoberta magnífica. Como consequência, acabei forçando meu débil e infantil corpo a quantidades inacreditáveis de trabalho duro só para conseguir comprar a cachaça para o meu pai. Foi assim até eu ficar um pouco mais velho. Estou ficando cansado. Vou parar de escrever por hoje.
30
5
Achei um usuário de Stand interessante. Um apostador. Seu nome é Daniel J. D’Arby. É um homem que vive de apostas. Depois de conversar um pouco com ele, tive certeza de que ele é um usuário de Stand. É estranho, mas eu já sabia disso. De alguma maneira, eu consigo sentir se a pessoa com quem estou falando é um usuário de Stand ou não. Mesmo se não for, consigo identificar se o indivíduo em questão tem talento para tal. É uma intuição inexplicável. Eu simplesmente sinto, de uma maneira bastante clara. Em outras palavras, consigo afirmar se tal indivíduo é apto para ser agraciado com um tiro da “Flecha”. Eu posso estar delegando o serviço de angariar seguidores à velha Enya, mas reunir colegas que sejam úteis na empreitada de alcançar o paraíso é um trabalho que deve ser feito apenas por mim, Dio, agindo como o meu próprio supervisor. Se alguém interessante surgir, eu entro em ação. Daniel J. D’Arby. Eu preciso falar com ele mais uma vez. Talvez seja ele o meu ainda desconhecido amigo. Não, eu apenas devo estar criando falsas esperanças. Um apostador como ele não deve portar uma alma pura. Contudo, talvez ele possa ser um dos alicerces em meu propósito de chegar no paraíso. 31
6
Decidi que ia matar o meu pai quando ele vendeu o vestido da minha mãe e usou o dinheiro para comprar mais uísque. Até então, é provável que eu até tivesse depositado algumas esperanças em nele... Talvez, algumas expectativas. “Algum dia, este homem irá mudar. Indiscutivelmente, ele acabará entendendo”. No fundo, eu não tinha motivos para pensar assim. Talvez eu estivesse esperando por alguma atitude paternal, ou ainda, pelo menos alguma atitude humana. Agora que um século se ou, é complicado tentar me lembrar dos meus sentimentos naquela época. Só me recordo de que tive inúmeras oportunidades de matar aquele homem. Vivíamos na mesma casa e ele ava o dia todo dormindo. Se eu tivesse uma faca, até poderia apunhalá-lo, mesmo sendo apenas um garoto de cinco anos. O motivo de eu não ter feito isso... É porque eu ainda via aquele homem como o meu pai, mesmo que eu não o amasse, de fato. Contudo, eu estava errado. Aquele homem não ava de escória. Ele não era um pai. Ele era um lixo humano. Mesmo depois de um século, ainda é extremamente desagradável chamar aquele homem de meu pai. Eu 32
só o vejo como mais uma vítima... Prefiro, de longe, considerar George Joestar como meu pai. Então, aquele homem tentou vender o vestido da minha mãe. Não, ele, de fato, o vendeu. Eu teria me oposto, mas quando eu tirei meus olhos dele por apenas um minuto, aquele homem inútil o levou para uma loja de penhores. Era um vestido velho e não lucrou muito em cima dele. Mas aquele homem vendeu as memórias de minha mãe por uma garrafa de uísque... Não, aquele homem não devia possuir nenhum tipo de recordação. Calhou apenas de aquele vestido encostado no fundo do guarda-roupa ter sido vendido. É isso. Como se ele tivesse pegado uma moeda que caiu do bolso de alguém. Sim. Aquele homem era um inútil. Ele não era bom. Eu percebi isso. Das profundezas de meu ser, eu acabei percebendo isso. Foi por isso que eu decidi matar o meu pai... Não. Para ser honesto, seria difícil mesmo afirmar com certeza de que eu tomei uma decisão dessas por causa disso, mesmo para mim. Na verdade, eu me sentia como se estivesse esmagando um inseto com um livro. Se bem que assim eu estaria me comparando com um mero dedetizador... Mas parando para pensar... Se me perguntarem o motivo de ter demorado tanto para matar aquele homem, eu não sei responder. Trabalhar duro, dia após dias, para receber dinheiro e usá-lo para comprar bebida e remédios resulta num sentimento frustrante. Acima disso, vergonhoso. 33
Eu havia cometido um erro. Foi o que pensei. Meu pai era um “tomador”. Minha mãe era uma “doadora”. E meu pai, um “tomador”. Foi o que eu compreendi. Eu compreendia ao mesmo tempo em que não compreendia. Tudo que ele tomava, vinha de mim. Eu vivia sob o mesmo teto que meu pai e acreditava que estava me saindo bem em á-lo em minha luta diária pela sobrevivência. Contudo, eu estava errado. Eu estava simplesmente sendo explorado por ele. Eu finalmente percebi que ele estava tirando vantagem de mim e que eu estava sendo tratado como se fosse um escravo. Demorou, mas eu percebi. Não... Talvez eu não tenha demorado tanto. Acho que foi bem na hora certa. Foi por isso que eu decidi fazer isso. Eu decidi matar o meu pai. Naquela época, porém, eu não era mais um moleque de cinco anos de idade. Eu não poderia fazer algo impulsivo como empalá-lo no estômago com uma faca enquanto ele dormia. Mesmo num local anárquico como aquele, sem leis ou ordem, matar o próprio pai ainda era um crime imperdoável. Ainda assim, eu não pretendia dedicar o resto da a minha vida àquele homem. Não. Eu já havia jogado fora mais de dez anos da minha vida por ele. Eu não iria perder mais tempo com ele. Com este intuito, eu ei a pesquisar métodos de cometer um assassinato. Já que eu ia fazer uma coisa 34
dessas, teria que ser um crime perfeito. Eu ainda era uma criança, mas eu já conseguia me virar sozinho. Eu tinha total consciência do que estava fazendo. Era por isso que eu não podia abdicar do resto da minha vida. Eu não iria matá-lo impulsivamente. Eu precisava planejar. É por isso que eu tive de pensar. Eu tive de pensar em alguma maneira de matar o meu pai.
35
7
Pode parecer pessimismo de minha parte, mas como eu previa, D’Arby não é o ainda não encontrado amigo que procuro. Não é o amigo em quem eu posso confiar cegamente. Sua avareza é muito profunda... De meu ponto de vista, tal avareza é uma qualidade indispensável para um apostador, mas essa não é uma característica de alguém que pode chegar ao paraíso. Eu imagino se ele realmente existe... Se um amigo futuro assim, com um coração tão puro, existir nesse mundo... Não. É possível que eu já tenha o conhecido, mas ainda não percebi. Parando para pensar, alguns nomes me vieram à mente, mas não consigo escrevê-los aqui com a mínima certeza. Hum. Mas é melhor eu já começar a tomar alguma abordagem sobre isso. Se chegarmos a um ime, talvez não fique tarde para começar a mudá-la ou, caso contrário, eu começaria a ficar deprimido. Contudo, nenhum esforço foi em vão até agora. Como eu esperava, aproximar-me de D’Arby trouxe bons resultados. É claro que eu consegui transformá-lo em um subordinado, mas sua Stand me deu uma dica. O nome dela é “Osíris”. Não é uma alusão ao tarô como o meu “The World” 36
ou à “Justice” de Enya, mas seu nome é derivado de um dos nove gloriosos deuses egípcios, como é o “Geb” de N’Dour. A stand “Osíris” não é poderosa. Sendo mais preciso, ela não tem utilidade em combate mano a mano. Eu não precisaria nem usar o “The World” para matar D’Arby. Seria só usar a minha força bruta. Ou ainda, minha força bruta proveniente de meus poderes vampirescos. Mas o que vale é como ele usa sua Stand. Mesmo eu, Dio, não seria capaz de derrotá-lo. Isso é porque a “Osíris” de D’Arby não possui força bruta ou velocidade, mas tem uma técnica especial. Sua Stand é capaz de manipular almas. É possível usá-la para extrair a alma de quem perde alguma aposta para D’Arby. Não preciso dizer que é uma habilidade realmente incrível. Como ele é um jogador, depois de extraída, a alma se torna uma ficha de cassino. Sinceramente, eu vejo isso como um ato desnecessário, mas eu nunca imaginei que existisse uma Stand fosse capaz de tocar uma alma. E existe algo mais que atiçou a minha surpresa. Parece que ele tem um irmão caçula que também é o mestre de uma Stand capaz de manipular almas. Parece que ambas as técnicas não são resultados da flecha. Eles nasceram usuários de Stand. Talvez a linhagem tenha alguma influência. Eu preciso investigar para ter certeza, mas por ora, vamos dizer que são mesmo “almas”. Com aquelas Stands, é possível reunir trinta e seis almas. “Pelo menos trinta e seis almas que tenham cometido crimes hediondos” são necessárias para alcançar o paraíso. Eu vou entrar em detalhes mais tarde sobre o motivo 37
de ter especificado um número tão exato como “pelo menos trinta e seis”. Se você quiser saber o motivo de eu estar atrás de almas criminosas, digo que é porque esse é o tipo mais poderoso de alma. Foi o que aprendi há cem anos, porque quanto mais diabólica fosse a alma, mais poderoso era o zumbi criado. A alma de um criminoso detém um grande poder. Eu sustento a hipótese de que esse é o poder de querer alcançar o paraíso. “Eu quero alcançar o paraíso” é o mesmo que querer alcançar a verdadeira felicidade. E isso aumenta a força da alma. Outro dia eu conheci um garoto chamado Kakyoin Noriaki e eu o transformei em meu subordinado. Ele tem uma teoria interessante de que a maldade está naquele que perde o conflito. Eu não concordo muito com isso porque a maldade de alguém está em sua maldita alma, a mesma que os deixa sedentos pela vitória. A vontade de chegar ao paraíso e ser feliz. O desejo de ser o maior vitorioso que existe. De qualquer forma, eu já trombei com o paraíso. Eu trombei com o paraíso, mas segui por outro caminho. É de extrema importância que ninguém descubra isso. Falo da Enya e seus seguidores, mas isso também de aplica aos irmãos D’Arby.
38
8
Eu o envenenei. É lamentável que o meu instinto assassino tenha enfraquecido em mim, mas ele não a de um inexpressivo sentimento de autossatisfação. Eu não mato por querer me sentir bem. “Raiva” ou “ressentimento” não foram os motivos de eu ter matado o meu pai. E eu certamente não o matei para me sentir “satisfeito”. Eu só dei conta dele. Sim. Dei conta. Definição perfeita. Como se fosse uma tarefa doméstica. Eu fiz o que tinha que fazer. Não existia espaço para emoções supérfluas. E isso foi crucial para poder me certificar que meu ato não traria nenhum problema em minha vida. Não havia nada mais importante para mim do que a vida que eu pretendia ter a partir de então. “A vida que eu pretendia ter”. Era irônico alguém naquela vida miserável como a minha pensar em algo otimista assim. É irônico. Mas não importa o motivo, o que importa mesmo foi o fato de eu ter o envenenado. Graças ao seu alcoolismo, meu pai acabou adoecendo e teve que ficar de cama. Eu, educadamente, preparava o seu remédio e atendia a todos os seus caprichos. Aí eu troquei o remédio por veneno. Ninguém iria suspeitar de mim desse jeito. 39
Um filho dedicado, algo raro em uma pocilga como aquela – em outras palavras, atitude compreensível se vinda do filho daquela mulher tola – tomou conta até o fim de seu pai que acabou sucumbindo à doença. Seria essa a impressão que eu queria causar. É claro que eu não poderia cometer nenhum erro em relação ao veneno usado. Tive de me certificar de que não seria descoberto ou ainda, não deixaria quaisquer evidências. Poderia ser feito de forma gradual, ao longo de meses. E tal forja seria fácil de adaptar caso acontecesse algum imprevisto. Por isso, eu regulava meticulosamente a quantidade de veneno a ser usado. Às vezes, até o misturava com farinha comum. Eu tinha que istrar o tempo e matá-lo aos poucos. Eu tive sorte. Numa cidade próxima, havia um local pior do que aquele em que eu vivia. Um lugar conhecido como Ogre Street. Eu ouvi dizer que existia um chinês que negociava alguns entorpecentes orientais de precedência duvidosa. Se eu usasse alguma droga oriental desconhecida no ocidente, seria capaz de matar o meu pai sem deixar quaisquer evidências de meu crime e evitar qualquer problema no futuro. Quando cheguei a tal conclusão, aí sim que eu fiquei “aliviado”. Eu me senti salvo, por algum motivo. Talvez eu esteja falando isso só porque estou escrevendo nesse caderno. Talvez seja resultado de algum sentimentalismo barato, mas... Eu senti que poderia alcançar o paraíso. “Dio, não importa o que aconteça, aja nobremente e viva com orgulho. Se fizer isso, você conseguirá chegar no céu”. 40
Foram os ensinamentos da minha mãe. Ensinamentos que eu considerava pura burrice acabaram vindo à tona. Naquela época, eu senti que envenenar o meu pai até a morte era um ato que resultasse em minha ida ao paraíso. Achava que matar o meu pai era o ato mais nobre e orgulhoso que eu iria realizar. “Achava”? Não, eu estava convicto disso. De que se eu matasse o meu pai, iria chegar ao paraíso. Eu estava certo de que eu pegaria de volta tudo que me foi tirado. Eu hoje olho para trás e vejo o quanto estava errado. Aquilo não era nada além do início. O início da épica epopeia da minha vida. Não era nada além do começo de uma caminhada que até hoje não enxergo a linha de chegada.
41
9
A você que está lendo meus registros, meu amigo ainda não encontrado cuja identidade eu ainda desconheço, tenho uma pergunta. Você se lembra de quantos pedaços de pão você comeu em sua vida? Eu não. É incontável o número de vidas que precisei tirar para sustentar este corpo imortal. Não que eu realmente tenha algum dia tentado contá-las. Por sorte, o sangue de jovens donzelas é mais eficiente em sua tarefa de recuperar as minhas forças. Por conta disso, talvez seja esse o perfil de grande parte das vidas que foram sacrificadas, embora eu não consiga fazer alguma estimativa precisa. É claro, nenhum indivíduo jamais contou quantos pedaços de pão consumiu em sua vida. Contudo, eu me lembro do gosto do primeiro. Meu primeiro pedaço de pão. A primeira vida que tirei. Dario Brando. Meu pai. E aquele não ava de um pedaço de pão mofado. Agora que eu tenho noção da modernidade, afirmo que o material chamado isopor tem o gosto mais próximo do pedaço de pão que era meu pai. Matar uma pessoa com total sigilo usando uma droga oriental não causa uma sensação de realização. 42
Mesmo quando meu pai morreu, eu não senti nenhuma satisfação. Apenas um resquício de dúvida. “Era mesmo necessário matá-lo?” “Existia mesmo alguma necessidade de que eu, Dio, suje minhas mãos?” Foi o que eu pensei. Alguma coisa nessa linha de pensamento. Ele bebia tanto não ia mais viver por muito tempo. Seu corpo já estava podre. Mesmo se eu não tivesse o envenenado. Mesmo se eu tivesse apenas deixado de medicá-lo, deixando de trabalhar e, por consequência, deixando de receber o dinheiro para comprar o remédio talvez fosse suficiente. “Esqueça o remédio! Vá comprar minha bebida”, era o que ele dizia. Se eu tivesse obedecido meu pai, ele teria morrido em alguns anos. Por que eu não esperei mais um pouco? Talvez porque eu estivesse atrás de algum alívio imediato. Deve ter sido isso. Não importa o quão seca fosse a sensação de matá-lo, eu queria apenas assassiná-lo com minhas próprias mãos. Talvez porque eu pensei que fazendo isso, eu iria conseguir a minha agem só de ida até o paraíso. Se for mesmo esse motivo, então no fim eu acabei acreditando que era mesmo o meu fardo e assumi a tarefa de matar o meu pai. Só que tudo o que eu consegui foi um vazio. Meu pai morreu. Ele simplesmente morreu. Como um inseto. O efeito daquela droga asiática miraculosa foi notável. Meu pai morreu exatamente no dia em que previ. Nem um dia a mais, nem um dia a menos. Ninguém suspeitou de mim. 43
Nem o meu pai suspeitou de mim. Era o crime perfeito. Estava confiante o suficiente para chamá-lo assim. Eu comi aquele pão. Mas não me senti satisfeito. Era um pedaço insípido. Eu me sentia forçado a comê-lo. Meu pai tomou tudo o que era meu por mais de dez anos. E ainda assim, eu me sentia faminto. Eu continuei faminto. Matar o meu pai só me deixou com mais “fome”.
44
10
Se usar as Stands dos irmãos D’Arby, eu certamente estarei com todas as trinta e seis almas que preciso num piscar de olhos. Talvez um número ainda mais além. Eu ainda não verifiquei, mas tais irmãos são invencíveis em se tratando de apostas ou qualquer outra briga de habilidade. Eu, Dio, consigo afirmar isso. A técnica do irmão mais velho, Daniel J. D’Arby é particularmente formidável. Ele é um apostador nato. No que diz respeito ao seu irmão mais novo, apesar de não ser tão habilidoso, talvez por causa de sua idade, é capaz de, usando sua Stand chamada Atum, verificar também a “cor” das almas que foram removidas. Sua Stand é capaz de medir a temperatura das almas. Interessante. Se ele utilizar sua técnica como eu recomendar, ele se tornará um oponente formidável. É claro que o irmão mais velho é mais experiente e, por isso, mais poderoso. Contudo, eu acredito que talvez não seja perda de tempo manter o irmão caçula por perto e aconselhá-lo de vez em quando. Infelizmente, quando eu fui atrás da genealogia dos irmãos D’Arby, descobri que nenhum deles tinha alguma qualidade fora do comum. Não avam de humanos ordinários. Pode ser muito cedo para tirar essa conclusão, mas acredito que seja melhor considerar por enquanto que as únicas stands capazes de manipular almas são as 45
desses irmãos. E isso é suficiente para tratá-las com maior zelo. Não há necessidade de eu colocar um parasita neles. Ou ainda, não tenho a intenção. Foi uma ideia da Enya. Parasitas são excelentes para controlar humanos porque, ao contrário dos zumbis que são criados a partir de humanos depois de terem o sangue sugado, conservam a inteligência e a razão, embora limite a criatividade do usuário de Stand, enfraquecendo-os. Jean Pierre Polnareff e Kakyoin Noriaki são dois excelentes usuários de Stand que consegui como subordinados dessa maneira, mas, por causa do próprio parasita, é indiscutível que a força de suas Stands acabou sendo limitada. Eles ainda são usuários consideravelmente úteis, apesar disso. Esse é um erro cujas proporções são mensuráveis e que são inevitáveis em minha empreitada de alcançar o paraíso. Mais de trinta e seis almas. Se usar o poder dos irmãos D’Arby, eu as consigo imediatamente. O verdadeiro desafio está em encontrar os pecadores apropriados. Mais de trinta e seis deles... O mundo ficou consideravelmente mais pacífico desde o último século. Restaram poucos pecadores. Mesmo aqueles mais ardilosos ainda têm algum senso de moral. Ao mesmo tempo em que busco o meu ainda desconhecido confidente, preciso encontrar tais pecadores... Entre os seguidores que angariei, talvez existam alguns assassinos que se encaixam nas qualificações que procuro. Homens como Devo, o portador da Stand “Ebony Devil” e o portador da Stand chamada “Seth”, Alessi. Pode-se dizer que já é um começo. Aliás, isso me lembra de que eu preciso anotar as palavras-chave. 46
As quatorze palavras-chave necessárias para chegar ao paraíso. São senhas que servem como chaves para abrir o portão do paraíso. “Escada em Espiral”. “Besouro-Hércules”. “Cidade Fantasma”. “Figo Azedo” “Besouro-Hércules”. “Via Sacra”. “Besouro-Hércules”. “Singularidade”. “Giotto”. “Anjo”. “Hortênsia”. “Besouro-Hércules” “Singularidade” “Imperador Secreto”. Quatorze palavras que são necessárias. Tais palavras serão cravadas em minha própria Stand. Embora não exista nenhuma razão para me preocupar. Eu sinceramente não tenho medo de esquecê-las. São senhas. As palavras não têm algum significado específico. São apenas parte de uma canção de ninar que a minha mãe cantava para eu pegar no sono quando era uma criança pequena. Ou talvez sejam palavras resultantes de um delírio sobre o paraíso. Ao mesmo tempo em que pode ser uma marcha fúnebre.
47
11
Meu pai não me deixou nada. O que é de se esperar, levando em conta que ele não tinha um único centavo sob seu nome. Ele tinha dívidas, mas isso é algo com que eu conseguiria lidar eventualmente. Mesmo as dívidas de meu pai eram miseráveis. Bem, chega a ser compreensível que ninguém naquele inferno de vilarejo fosse tolo o suficiente para emprestar dinheiro ao meu pai. Contudo, apesar de aquele homem não ter me deixado absolutamente nada, em seu leito de morte, ele me indicou um caminho a seguir. Ele me deu uma informação. Se você acredita que isso pode ser chamado herança, então era a minha herança. É possível dizer que aquela foi a única coisa me dada a um homem que não fazia absolutamente nada além de tomar dos outros... No seu último suspiro, aquele homem, Dario Brando, deixou de ser um “tomador” para se tornar um “doador”. Aquilo me deixou infeliz. Extremamente infeliz. Porque aparentemente, no último instante antes das cortinas da vida se fecharem sobre ele, aquele homem, que não ava de escória, pode ter subido aos céus. Essa simples ideia causou-me um arrepio por toda a espinha. Eu sabia que era uma possibilidade mínima, mas 48
ainda assim... Inável. A simples idealização de que no fim das contas, ele possa ter sentido certa compaixão pelo filho que ele abusava ininterruptamente causou-me convulsões. Eu não acreditava na possibilidade da minha mãe ter chegado ao paraíso, mas cheguei a crer que talvez meu pai tenha. “Se ele conseguiu”, eu pensei. “Se ele chegou ao paraíso... Eu quero que ele ressuscite só para que eu possa matar aquele homem mais uma vez”. Foi o que eu pensei. Contudo foi apenas por um breve instante... Um impulso. Assim como agora, eu não posso ceder aos meus impulsos se quiser chegar ao paraíso. Mas é claro que se eu encontrar o meu pai lá, ao fim de minha jornada, é claro que eu irei matá-lo. Só para não perder a oportunidade. Eu não vou fazer disso meu principal motivo em minha busca. Eu busco o paraíso em prol de um novo estágio da evolução humana. Sim, humana. Eu quero alcançar novos horizontes. Assim como quando eu renunciei a humanidade e usei a Máscara de Pedra para me tornar um vampiro. Assim como quando eu usei o “arco e flecha” para me tornar um usuário de Stand. Eu quero determinar novos padrões. Tornar-me um verdadeiro vencedor. “Dio! Venha cá um minuto. Eu preciso lhe contar uma coisa...” “Não me resta muito tempo. Você entende o que eu estou dizendo, não é?” “Estou morrendo...” “Eu me preocupo com o que será de você, meu filho 49
único, após a minha morte...” “Quando eu me for, vá ao endereço indicado nessa carta.” “Essas pessoas têm uma dívida comigo. Ele irá cuidar de você pelo resto da sua vida...” “Provavelmente vai até te mandar para uma escola!” “Esse cara me deve um favor.” “Dio, quando eu morrer, vá até os Joestar! Você é um garoto esperto. Tem capacidade de se tornar o homem mais rico deste mundo!” Ele era um pai abominável. Eu o chamo de “pai”, mas eu não penso nele dessa forma. Mas essa “herança” que ele me deixou... Eu a aceitei de bom grado. Eu era mais do que capaz de sobreviver por conta própria, mas usaria todos os recursos que estivessem disponíveis. Eu senti como se minha vida estava começando só naquela hora. Sim, foi o que aconteceu. Minha vida só começou quando eu tomei a vida do meu pai. A conexão entre os Brando e os Joestar já havia surgido doze anos antes, mas, a minha conexão pessoal com aquela família só tinha começado naquele instante. Para não levantar suspeitas, eu organizei o funeral do meu pai. Além do mais, até chorei. Eu fui um filho dedicado até o fim.
50
12
Aconteceu algo deveras incômodo. Para ser sincero, não é algo que eu chamaria de incômodo, se pudesse, mas é assim que vou denominar. Não, eu já pensei na possibilidade há algum tempo atrás. Eu mandei meus subordinados investigarem e a hipótese tornou-se fato. Existem descendentes vivos da família Joestar. E eles têm conhecimento de minha existência. Eu tive o pressentimento de estar sendo observado por algum tempo... No começo, achei que talvez fosse a minha imaginação, que eu estava me preocupando à toa e que talvez eu esteja sendo paranoico devido aos acontecimentos de um século atrás, mas esse não era o caso. Eu estou sendo observado. Não... Sendo mais preciso, eu estou sendo fotografado. Por uma habilidade capaz de realizar psicografia. Quando digo “habilidade”, é óbvio que me refiro a uma Stand. Só para constar: além da “The World”, eu tenho outra Stand. Enya disse que ela se chama “Hermit Purple”. É estranho falar que a minha stand é na verdade de outra pessoa, mas é isso mesmo o que acontece. Ao que parece, essa é a Stand que pertence ao homem cujo 51
corpo foi roubado por mim, Jonathan Joestar. E o neto de Jonathan Joestar tem uma Stand que é muito parecida, se não idêntica a essa Stand. Há cem anos... Eu estava fraco... Tornei-me apenas uma cabeça... Se eu não tivesse tomado o corpo de Jonathan... Se eu não tivesse feito uso da energia deste homem... Mesmo sendo pouca, eu não teria sobrevivido por cem anos no fundo do oceano. Apesar de eu não saber exatamente o motivo, parece que esse corpo ainda tem ligação com os descendentes de Jonathan, como se fosse um elo entre pais e filhos. O neto de Jonathan. Joseph Joestar. Holly Kujo. Jotaro Kujo. Eles estão... Cientes de minha existência. Ser atingido pela “Flecha” enquanto utilizo o corpo de Jonathan me concedeu duas Stands: “Hermit Purple” e “The World”. Tais Stands influem diretamente no corpo dos descendentes de Jonathan Joestar. Quanto maior o poder, maiores são as consequências. Um não existe sem o outro. Talvez eu deva encarar isso como uma benção? Eles estão vivendo na terra natal de Kakyoin Noriaki, parece que é um lugar chamado Japão... Farei então o primeiro movimento. Apesar de ele estar consideravelmente mais fraco por causa do meu parasita, a Stand daquele moleque deve ser suficiente para dar conta do recado. Eu preciso exterminá-los. A família Joestar precisa ser eliminada. 52
13
Continuando o assunto de ontem... Quando eu percebi que estava sendo observado, eu nunca imaginei que seria pelos descendentes de Jonathan. Eu pensei que ao tomar o corpo de Jonathan, estaria dando um fim em toda a linhagem Joestar... Eu nunca imaginei aquela genealogia perduraria por cem anos no futuro o que, para mim, parece um mundo totalmente diferente. Erina Joestar... Originalmente Erina Pendleton. Embora eu não saiba como, parece que aquela mulher que havia se casado com Jonathan sobreviveu ao naufrágio. Em adição, deu a luz ao filho de Jonathan. Ela era bem determinada. Parando para pensar, aquela mulher era um empecilho constante em meus planos desde o início. Se não fosse por Erina, eu duvido que Jonathan teria crescido com uma força de vontade tão forte como era a dele. Longe disso, ele seria meu capacho. Erina Pendleton impediu que isso acontecesse de maneira brilhante. Sim... De certo modo, ela lembrava minha mãe. Era nobre, santa e, acima de tudo, tola. Porque ela amou um homem como Jonathan Joestar. Eu não consigo deixar de associar a imagem dela à da minha mãe que realmente amava o meu pai. De acordo com as minhas investigações, o filho de Erina Joestar, um piloto chamado George Joestar II, foi morto por um zumbi criado por mim, Dio. É irônico... Ou 53
talvez seja algo chamado destino. Não. É exagero chamar de destino. Eu fiz tantos zumbis que era de se esperar que o filho daquele que me deixou num estado como aquele fosse morto dessa forma. Por isso, talvez eu não deva me preocupar com os outros descendentes. E é provável que eles não sejam tão impetuosos como Jonathan foi. Eles podem ter sido mimados por essa era tão pacífica. Acima disso, podem até ser covardes. Contudo, todo cuidado ainda é pouco. Pode chamar de implicância, mas eu quero mesmo resolver de uma vez por todas essa história com a linhagem Joestar. Eu ainda não estou totalmente adaptado ao corpo de Jonathan, por isso eu não posso procurá-los pessoalmente, mas eu mandei Kakyoin Noriaki matá-los e trazer o sangue de seus corpos até mim. Sangue. Tenho certeza que assim eu poderei me acostumar com esse corpo.
54
55
14
Falando nisso... Eu planejava dissertar sobre esse assunto mais para frente, mas parece que agora é a melhor hora para fazê-lo. Então, vou desviar um pouco do roteiro que eu planejava. Enfim, obviamente, não eu não me esqueceria de escrever sobre isto, mas eu, Dio, estou bastante acostumado com o sabor horrível de uma oportunidade perdida. Assim como Jonathan Joestar teve um filho e sua linhagem continuou, Eu, Dio, acordei de meu sono secular, subi à superfície e, logo depois de ter ganhado a minha Stand, concebi um determinado número de crianças. Não se espante. Eu, Dio, tenho filhos. Dentre as muitas mulheres que me foram oferecidas como alimento, houve algumas que se ofereceram. E eu as engravidei. Contudo, embora pareça que eu esteja fugindo de qualquer responsabilidade, eu realmente não faço ideia do que aconteceu depois com elas. É um fato que eu concebi tais crianças, porém existe a possibilidade de que essas mulheres tenham as abortado. Eu não tenho como me certificar. É possível que humanos e vampiros não possam cruzar e que elas tenham perdido, assim como aconteceu como meu irmão ou irmã caçula. Isso aconteceu com este corpo, com o qual eu ainda não estou totalmente adaptado. Os genes de Jonathan... Em outras palavras, os genes humanos são dominantes, 56
portanto, existe uma grande possibilidade de tais crianças nascerem humanas. Provavelmente nascerão e serão criadas em algum lugar do mundo. Elas se ofereceram. Colocando com mais clareza, foram promíscuas. Quando mais promíscua é uma mulher, mais perversa ela é. Consequentemente, melhor mãe se tornará. Promíscuas, assanhadas e férteis. Sem qualquer classe, educação ou boas maneiras. Quanto mais baixa for a mulher, melhor ela é. É no que eu acredito. Em outras palavras, quanto mais ela se op à figura de minha mãe, melhor figura maternal ela será. É o que eu penso. Uma mãe que não seja imaculada, mas maldita. São essas as mulheres que escolhi para carregarem minhas crianças. Quando elas me foram presenteadas, eu não as matei. Eu não suguei o sangue delas ou fiz qualquer tipo de lavagem cerebral. Apenas as deixei partir. É claro, toda aquela ladainha de querer filhos, família e coisa do tipo não me interessam. Depois de ser criado numa latrina, é óbvio que eu não iria expressar qualquer tipo de sentimento relacionado. Eu só fiz isso porque era necessário. Eu simplesmente criei essas crianças. Foi uma medida tomada com o propósito de alcançar o paraíso... Meus filhos. Talvez elas reapareçam em eventos futuros. Talvez em algumas décadas, embora para mim este não seja um período de tempo tão longo. Tenho certeza de que todas essas crianças que espalhei pelo mundo irão integrar o meu caminho até o paraíso. O que tenho ciência e que me preocupa é que eles 57
não herdaram apenas o meu sangue, mas também o de Jonathan. Qual dos dois será dominante é algo que descobriremos depois.
58
15
Meu pai não gostava da nobreza. Ele a odiava. Alguns chamariam esse sentimento de desprezo... É, realmente, seria errado falar que ele não os desprezava. Ele realmente os detestava. Sim. Para meu pai, a nobreza era um mal digno de ódio. A simples ideia de meu pai classificar qualquer coisa como “má” é cômica, mas essa questão era realmente séria para ele. Para aquele pródigo pai meu, a nobreza era a única coisa a se ter cautela. Mas essa talvez fosse apenas a consequência de seu ódio pelos nobres. Ele gritava sobre como eram todos arrogantes com seus narizes empinados e que eram eles o motivo de nossas vidas serem tão miseráveis. Sobre como eles nos exploravam. Sobre como eles tomavam de nós, que éramos tão pobres. Ele dava esse discurso com alguma frequência, diga-se de agem. Por ter crescido sob sua tutela, acabei sendo influenciado por esse tipo de pensamento. Então, não é surpresa que minha primeira impressão sobre a família Joestar não tenha sido das melhores. Nobres eram pessoas desprezadas até por aquele meu pai. Eles não devem ser dignos de alguma consideração, pensava eu. E assim que eu conheci o herdeiro da genealogia Joestar, Jonathan Joestar, foi quando acabei tendo 59
certeza de tais opiniões. Certeza absoluta. “Então, você deve ser Dio Brando, não é?” Quando, ao dizer tais palavras, esboçou um sorriso, eu soube na hora. Por pura intuição. Que eu estava certo. Aquele garoto... Ele era um “herdeiro”. Não era um “doador” ou um “tomador”. Um “herdeiro”. E isso acabou me deixando irritado imediatamente. Irritado não. Enfurecido. Eu estava fumegando em fúria. É claro que naquela altura do campeonato eu já estava formulando planos para usurpar a fortuna da família Joestar. Contudo, também pretendia ficar quieto e esperar para ver o que aconteceria. Jonathan Joestar não ava de uma presa. Isso significa que eu não esperava nada daquele indivíduo. E até então, eu não tinha a mínima intenção de competir contra ele. Para o vossa mercê Joestar e seu filho, Jonathan Joestar, eu pretendia ser um jovem obediente e bem educado... É inútil discutir os planos de tanto tempo atrás, de aproximadamente um século, mas se eu os tivesse colocado em prática, talvez o meu objetivo de usurpar a fortuna da família Joestar fosse alcançado. Um crime perfeito poderia ter sido bem sucedido. Não... Certamente teria sido bem sucedido. Eu sucumbi às minhas emoções. Eu as deixei tomar conta de mim e acabei descontando no cachorro de estimação de Jonathan (acho que seu nome era Danny), chutando-o com força. Eu queria tê-lo matado naquele instante – e posteriormente, acabei matando mesmo – mas tudo o 60
que eu fiz foi chutá-lo. Como consequência de minhas ações, Jonathan ficou furioso e gritou comigo. Em minha mente, eu também queria explodir em fúria. Ele disse que jamais iria me perdoar por aquilo, mas eu que não iria perdoá-lo nunca. Sim. Eu não poderia perdoá-lo. Eu jamais iria perdoá-lo por aquele sorriso. Eu jamais iria perdoá-lo por se aproximar de mim. Eu jamais iria perdoá-lo por sua atitude receptiva. Eu jamais iria perdoá-lo por sua atitude amigável. Eu jamais iria perdoá-lo por ser aquela criança rica e mimada que nunca conheceu qualquer sofrimento em sua vida. Ele não reava nada do que recebia. Ele iria apenas herdar. Sem precisar tomar de ninguém. E isso era algo realmente imperdoável. Eu sabia que precisava ensiná-lo uma lição. Eu precisava fazê-lo sofrer. Eu assumi um compromisso pessoal de esmagá-lo com minhas próprias mãos. Apesar de não demonstrar interesse algum em compreender os sentimentos de meu pai, naquele momento, eu realmente compreendi seu ódio pela nobreza. O herdeiro da família Joestar, Jonathan Joestar... Eu decidi destruí-lo emocionalmente. É claro que em teoria, foi tudo para tomar a fortuna da família Joestar, mas parando para pensar... Talvez existissem mais razões por trás disso. Eu havia tomado uma decisão. Tomar absolutamente tudo dele, daquele herdeiro.
61
62
16
Eu acabei mudando de página porque meu texto acabou ficando um pouco meloso demais, mesmo que o registro anterior tenha ocorrido neste mesmo dia. Até hoje, um século depois do ocorrido, surpreendome como consegui conter a minha fúria naquela hora. Pensando bem, naquele dia, há cem anos, minha determinação estava ainda se desenvolvendo... E chegou a ponto de eu finalmente conseguir “tomar” o corpo de ninguém menos do que aquele indivíduo. Eu falhei miseravelmente em usurpar a fortuna da família Joestar, mas eu “tomei” de Jonathan algo ainda mais importante. A vida de Jonathan Joestar. Assim, é possível dizer que tomei absolutamente tudo. Meu objetivo foi alcançado. Eu o cumpri. Só que naquela situação, eu não tinha me tocado que havia sido bem sucedido. Assim como quando eu matei o meu pai. Senti apenas uma inexpressiva, pouco palatável e insípida sensação de desânimo. Foi nesse momento em que eu comecei a pensar o motivo de eu ter feito isso. Aconteceu em todas as situações. Houve momentos em que eu me sentia inclinado a colocar a carroça na frente dos bois... Ou talvez meus 63
objetivos apenas resumem-se em tomar qualquer coisa. Talvez seja por causa minha - e de meu pai – de não tolerarmos ninguém que tivesse o que nós não tínhamos... E por isso que nós começamos a tomar dos outros. Deve ser isso. E não importa, caso não fosse. Se eu já não queria me tornar um “doador”, assim como a minha tola mãe, eu queria menos ainda me tornar um “herdeiro”, como Jonathan. De forma nobre e orgulhosa, eu continuaria a tomar o que era dos outros. No ado, no presente e no futuro. Há um século e daqui um século. Não importa quanto tempo e, eu jamais irei mudar. É assim que eu me sinto. Além disso, ei pouquíssimo tempo expondo tais sentimentos meus ao Jonathan. E mesmo assim, Jonathan devolveu toda a dor que eu infringi nele. Escreverei mais sobre isso amanhã. Eu recebi um informe de Kakyoin Noriaki. Parece que ele localizou um descendente da família Joestar chamado Jotaro Kujo... E agora, ele irá persegui-lo. Ele também constatou que o neto de Jonathan, Joseph Joestar, está viajando ao lado de um cartomante chamado Muhammad Avdol. Muhammad Avdol. Ele é um portador de Stand com quem eu pessoalmente já fiz contato antes. Um homem com habilidades ilimitadas, do tipo que eu adoraria ter como subordinado, mas ele fugiu no instante em que me viu e, por isso, não consegui implantá-lo com um de meus 64
parasitas. Achei estranho ele ter fugido assim tão rápido, mas agora eu entendo. Ele deve ter ouvido falar de mim pelo neto de Jonathan. Suas chamas poderiam ter sido necessárias para chegar ao paraíso, por isso eu queria mesmo tê-lo sob meu comando... Mas agora que ele já escolheu o seu lado, não tenho escolha senão desistir desse objetivo. Uma pena.
65
66
17
Houve uma mudança de planos. Ou melhor. Eu não tinha escolha a não ser mudálos. Soube que Kakyoin Noriaki fracassou. E ele não fracassou apenas. Se fosse “apenas” um fracasso, eu duvido que eu ficaria tão surpreso como estou. Conflitos entre stands demonstram certas peculiaridades. Seu “Hierophant Green” era uma Stand poderosa, mas não é invencível como meu “The World”. Aliás, seu poder acabou sendo enfraquecido pelo meu parasita... Sempre existiu a chance de que ele pudesse perder para qualquer Stand que existisse. Contudo, a causa de minha frustração está nas consequências de sua derrota. Além de Jotaro Kujo não ter matado Kakyoin Noriaki, ele colocou a sua própria vida em risco para remover o meu parasita implantado no cérebro de Kakyoin. É uma história difícil de engolir. Não. Não existe nenhum motivo para duvidar disso. É típico de Jonathan Joestar fazer uma coisa dessas. Em outras palavras, foi algo herdado. Mesmo depois de cem anos, aquela forte determinação, essa impetuosidade, aquela fagulha capaz de causar uma explosão a qualquer momento ainda perdura. 67
Eles deveriam temer. Não importa o quão poderosa seja a Stand deles. Se eles não tivessem herdado a determinação de Jonathan, eu poderia apenas ignorá-los. Mas essa não é mais uma opção. Talvez seja o destino... Então, que seja. Eu irei usá-los. Eles serão meu palanque em direção ao paraíso.
68
18
Para destruir Jonathan, eu exauri todos os recursos que eu possuía... Olhando agora, era apenas uma implicância infantil praticada dentro de um ambiente ocupado por crianças presas à sua mentalidade ingênua. Bom, isso era o suficiente. Jonathan chorava todas as noites. Tal atitude me deixava ainda mais irritado... E foi assim que eu ia tomando mais e mais coisas dele. Desde deixá-lo de castigo sem as refeições, ando pelas broncas dadas pelo pai até perder todos os seus amigos. Seu emocional estava completamente destruído. E sua resistência inexistente ao que acontecia era imperdoável. Alguém como ele não duraria um dia no lugar onde eu cresci. Não. Ele não durava sequer uma hora. É nítido o quão mimado ele foi durante toda sua vida. E esse mimo era proporcional ao seu desconforto. E olha que eu poderia ter forçado ainda mais. Como eu havia mencionado, o período que ei implicando com Jonathan não foi muito longo. Com o intuito de fazê-lo desabar, eu acabei colocando minhas mãos sobre sua mulher. E essa foi a minha ruína. Jonathan era o tipo de homem que não se importava de ser humilhado, mas ele se enfurecia quando via isso acontecer àqueles que eram importantes para ele. A fagulha acendeu o pavio da bomba. E ela explodiu e me jogou contra a parede. 69
Numa luta honesta contra Jonathan, acabei perdendo. Eu engulo agora todo o meu orgulho para itir que naquele momento, acabei em prantos. Não lágrimas de crocodilo, como as do funeral de meu pai. Lágrimas sinceras. E não era pela dor de ter apanhado tanto. Mas por causa de toda a frustração, humilhação e miséria pela qual ei. Eu chorei... Até aquele momento, eu acreditava estar isolado acima de Jonathan, mas não ava de uma ilusão. Eu sabia que era algo diferente de quando meu pai espancava a minha mãe até se dar por satisfeito. Mas... Eu acabei chorando. Naquele instante, eu cessei minhas investidas contra Jonathan. Eu agiria como um bom garoto na frente dele assim como eu fazia com o Senhor Joestar. Mas eu jamais esqueci. A humilhação pela qual ei naquele dia. aramse sete anos e eu não havia esquecido. ou-se mais de um século e eu ainda não esqueci.
70
19
Mudando de assunto, a mulher de Jonathan... A filha de um médico... A tal da Erina Pendleton era uma moça realmente bizarra. Não... Talvez bizarro não seja a melhor forma para descrevê-la. Seria algo meloso demais, eu estaria apenas descontando a minha raiva nela de forma injusta. Mas ela era uma mulher estranha. Se não fosse por ela, a linhagem Joestar não teria perdurado até hoje. Longe disso, eu teria sido bem sucedido em meu plano que visava destruir o emocional de Jonathan. Eu também não teria me tornado uma entidade imortal ou gozaria de juventude eterna, mas como o próximo herdeiro da fortuna dos Joestar, minha vida seria divina. Como se eu estivesse no paraíso. Eu teria sido feliz. Eu poderia ter ficado com a vida que me foi tomada. Logo depois de Jonathan ter me deixado em prantos e repensar as minhas ações e meu temperamento, eu quis ver do que ela era capaz. Eu não ia me desculpar. Eu jamais faria uma coisa dessas. Eu simplesmente acabei me interessando por ela. Ao ter aqueles lábios sendo tomados por mim, Dio, mas erguendo-se novamente orgulhosa após lavar a sua boca com água suja atraiu o meu interesse. Eu queria saber 71
como ela reconquistou o que havia sido “tomado” dela. Como alguém que foi tolo o bastante de se aproximar de minha mãe, eu não queria fazer o mesmo com ela. Longe disso. Eu queria observá-la à distância. Mas nem isso eu acabei conseguindo. Graças a problemas no trabalho de seus pais ou coisa parecida, aquela garota sumiu daquela cidade. Problemas no trabalho dos pais? Quanta conveniência! Agora que um século se ou, eu não posso confirmar esse tipo de coisa, mas tenho quase certeza de que a família Pendleton se mudou porque eu coloquei as minhas mãos naquela garota. Seria uma medida para proteger o orgulho dela ou uma tentativa de proteger Jonathan Joestar? Não... Ela deve ter se mudado por causa do trabalho dos pais, não é? Eu duvido que uma mulher nobre como ela exista. Não é uma mera suspeita, mas sim a minha singela opinião sobre ela. Só que, pensando naquela garota e em como ela conduzia a sua vida honesta, eu acabo delegando tudo o que aconteceu às mãos do destino. Mãe. Erina Pendleton. Parece que a santidade dessas mulheres sempre interfere no decorrer de minha vida. Essas mulheres santas sempre dificultam tudo. Por causa disso, tenho certeza de que aquela mulher chamada Holly Kujo - ou coisa parecida - cujo nome significa “santa” em inglês também irá causar alguma interferência em minha vida.
72
20
Eu tive algumas dúvidas a respeito de manipulação de almas e acabei questionando os irmãos D’Arby sobre o assunto. No fim, a minha hipótese estava correta. Não havia o que questionar. Como suspeitei. A característica mais importante no que diz respeito ao assunto. E isso não é limitado apenas a almas humanas... Enquadra-se em todas as almas do planeta Terra, incluindo animais, plantas, peixes e insetos. É uma boa oportunidade, então, de resumir isso aqui. Assim como a proporção de mar para terra é de sete para um, o mesmo vale para a proporção de almas de criaturas vivas. Sendo bem simples, se a população humana aumenta, um número proporcional de criaturas de outras espécies acaba sumindo da existência. Desta forma, o número de almas no planeta permanece constante. Não é exatamente igual ao princípio de conservação de massa, mas a ideia é a mesma. Só que essas almas... Se existir um jeito de um único humano portar dezenas delas, ou ainda centenas... Ou se ao menos existisse alguma maneira de controlá-las... Então... Qual é o objetivo final desse indivíduo? Assim como um ser só pode possuir uma única Stand, só pode existir uma alma por indivíduo... Contudo, eu sou a prova viva, realizador de um fato histórico sem 73
precedentes ao possuir duas stands num corpo só: “The World” e “Hermit Purple”. Tudo devido ao fato de eu ter tomado o corpo de Jonathan para mim... Assim, usando o mesmo método, é possível tomar não só o corpo de alguém, mas também a sua alma. O D’Arby caçula tem a mania de roubar almas e depositá-las em marionetes... Apesar de eu não considerar um hábito muito saudável a se fazer, imagino o que aconteceria se fossem usados outros humanos em vez de em bonecos. O que aconteceria se diferentes almas fossem colocadas em corpos humanos que não as pertencem? Se tudo ocorrer de acordo com minhas expectativas, minhas preparações estarão completas. Contudo, por motivos que não explicarei aqui, é complicado para o D’Arby caçula realizar esse tipo de experimento, porque colocar almas em bonecos não a de uma mania boba. Ir além é algo bem mais complicado. Uma habilidade assim desperdiçada em um hábito desse... Sendo bem sincero, se for para falar diretamente a ele, eu o chamaria de imaturo. Assim como o D’Arby primogênito. E agora? Existe alguma alternativa? Eu sei... Acabei me lembrando dele enquanto escrevia... Sim... Sua Stand talvez permita um experimento dessa magnitude. Enrico Pucci. Alguém que conheci quando visitei os Estados Unidos da América. Se eu usar sua Stand...
74
21
Eu planejava viajar até os Estados Unidos para me encontrar com Pucci, mas não fui, no fim das contas. Tudo graças a um fatídico acontecimento naquele longínquo país asiático. De acordo com o relatório de Nijimura, um subordinado que enviei para investigar os Joestar, Holly Kujo contraiu algum tipo de febre e começou a ter sucessivos desmaios. Estão culpando a Stand pela febre. É um conceito complicado de entender, mas parece que existem casos em que a Stand é prejudicial ao corpo de seu usuário. Graças ao despertar do corpo de Jonathan Joestar, seu ancestral, ela despertou sua própria Stand. Algo que normalmente seria considerado positivo, mas parece que a Stand está causando-lhe algum tipo de sofrimento. Uma Stand é controlada de acordo com vontade de seu usuário, sua alma. É uma habilidade controlada pelo instinto agressivo do usuário. Desta forma, um humano cujo espírito de luta é quase inexistente tornase incapaz de conter seu poder. Acredito que é uma explicação satisfatória. Desta forma, essa Holly Kujo é justamente como eu a imaginei. Uma santa. E como eu previa, seus desmaios acabaram interferindo em meus planos. Sem dúvida, seu pai, Joseph Joestar, bem como seu filho, Jotaro Kujo, virão até o Egito para me derrotar e 75
libertá-la de sua maldição. Acreditei que como meu objetivo ainda se mostrava tão abstrato, somado à foto psicografada que nada revela sobre mim; eles não iriam fazer um movimento tão precipitado. Mas parece que com a vida de um parente... Ou melhor, com a vida de um ente tão próximo em perigo, eles acabaram mesmo agindo de forma tão inconsequente. Como resultado, aquele que deve agir com extrema cautela sou eu, Dio... Eu posso gozar de minha imortalidade, bem como possuir a mais poderosa das Stands, mas eu ainda lamento o fato de ainda não ter me adaptado totalmente a este corpo. E acima de tudo, eu ainda não posso ser exposto à luz do sol. Se me pegarem de surpresa durante o dia, eu estaria perdido, com toda a certeza. Independente disso, eu ainda não tenho a intenção de desistir de minha ambição de me deparar com os portões do paraíso... Talvez eu tivesse feito algo do tipo caso estivéssemos lidando com o próprio Jonathan Joestar, mas eu não pretendo adiar meus planos por causa de seus descendentes. Mas acredito que não tenho escolha. Eu usarei o telefone e ligarei para Pucci pedindo que ele venha até o Egito. Ele já veio algumas vezes antes, então acredito que não precisarei mandar ninguém para buscá-lo. Talvez seja para os Joestar que eu devesse enviar alguém para dar as boas vindas. Talvez o melhor usuário para esse trabalho seja aquele homem... O portador da “Tower of Gray”, Desastre e Destruição. E uma Stand que simboliza a interrupção daquela jornada.
76
22
Os sete anos que ei sob os cuidados da família Joestar – em outras palavras, os sete anos que se aram até que meu plano fosse finalmente descoberto – não foram exatamente dos mais alegres. Contudo, não era difícil mascarar-me como um excelente estudante – enganar vossa mercê Joestar, Jonathan, os empregados e os colegas de escola era uma tarefa tranquila para alguém que ou tanto tempo tentando sobreviver naquela pocilga onde eu morava. É claro que após nosso primeiro desentendimento, Jonathan sempre teve uma pulga atrás da orelha sobre mim, mas era apenas uma desconfiança. Por sete anos, eu conseguia fazê-lo confiar em mim. Ainda por cima, eu o fazia se sentir envergonhado por toda essa desconfiança. Cômico. Só que a vida com a família Joestar, bem como os relacionamentos nos tempos de escola eram pouco divertidos. Era muito fácil. Eram entediantes. Uma vida desestimulante. Talvez eu esteja exagerando, mas houve momentos em que acreditei que iria ficar louco. É claro que uma vida fácil era extremamente conveniente, mas com exceção de Jonathan, aquele que em determinado momento se deparou com o meu verdadeiro eu, todos eram tão fáceis de enganar. Eu não me sentia desafiado. 77
Para alguém que sempre olhou a nobreza com tanta desconfiança, a falta de desafio deixava tudo estranhamente tranquilo. Tive a impressão até de que eu estava cometendo algum erro incorrigível. A nobreza não deveria ser minha maior nêmese? Então por que tudo parecia tão... Entediante? Estaria eu com alguma implicância desnecessária? “Estaria eu apenas jogando meu tempo no lixo?”. Era isso o que eu pensava. Eu ainda não era imortal. A simples ideia de desperdiçar o meu tempo fez-me sentir como se estivesse queimando no inferno. Às vezes eu tinha vontade de simplesmente deixar acontecer. Deixar minhas emoções se esvaírem e acabar criando inimizade com todos à minha volta... Sendo mais específico, eu desejava mais daquela adrenalina que senti quando eu e Jonathan brigamos na sala da lareira. Acredito que seja apenas coisa da idade. Eu interpretava um personagem de bom estudante e, por sete anos, nunca revelei minhas verdadeiras emoções, mantendo a minha cabeça baixa. Mas depois desses sete anos, meus planos acabaram sendo descobertos por Jonathan e, no final das contas, de nada adiantou tolerar todo esse tédio. Não há motivo para detalhar a falha de meus planos, mas omiti-la por completo acabaria por contradizer a verdadeira intenção por trás deste registro, então serei breve ao abordá-lo. Primeiro, eu fui adotado pela família Joestar. Digo, legalmente, eu era um membro da linhagem Joestar. Eu deixei de ser Dio Brando para me tornar Dio Joestar... Parando para pensar, Joseph Joestar, Jotaro Kujo e a enferma Holly Joestar que eu agora estou tentando intimidar são descendentes de Jonathan e, por consequência, descendentes de mim, Dio, tanto 78
biologicamente quanto legalmente falando. Não que isso faça alguma diferença. Contudo, eu nunca realmente me tornei um Joestar. Apesar de eu ter tomado este corpo para mim, eu não me tornei Jonathan. Jonathan que se tornou parte de mim. Desta forma, não tenho nenhuma obrigação de sentir qualquer compaixão por eles. Eu não consigo sentir qualquer vínculo de parentesco com essa laia. Ser um Brando... Não existe nada pior do que herdar o sobrenome de meu pai. Contudo, a meu ver, herdar o sobrenome Joestar era igualmente desagradável, senão mais, do que ser um Brando. Mesmo depois de ser legalmente adotado, eu continuei a ser chamado de “Brando” na escola. Eu não corrigia ninguém porque eu não tinha nenhum apego ao sobrenome Joestar... O simples fato de ele constar no registro já estava bom para mim. Para que eu pudesse ser um herdeiro legítimo e usurpar a herança dos Joestar. Havia uma necessidade de ser adotado perante a lei... Apesar de me mostrar satisfeito de ser encarado como “o filho do homem cuja família estava em débito”, eu jamais conseguiria ter o à fortuna desta forma. Eu tive que chamá-lo de “Pai”. É claro que eu o chamava assim, mas eu não amava George Joestar como um pai. Dario Brando era um homem desprezível com nenhuma qualidade de destaque por quem eu não sentia nada além de desprezo. George Joestar era atencioso, doce e um verdadeiro cavalheiro. Um homem com um número sem igual de qualidades, mas eu também não o irava mais do que o meu pai. Eu posso ter escrito anteriormente que prefiro George Joestar a Dario Brando como pai, mas a verdade é que eu não tinha consideração por nenhum dos dois. 79
As boas maneiras e comportamento daquele homem só me deixavam com mais raiva. Acredito que era porque, apesar de se mostrar inicialmente como um “doador”, ele não ava de um “herdeiro”, como Jonathan. Eu não tinha nenhuma expectativa para qualquer mudança... Não, para ser mais correto, eu estava ansioso. Seja ansiedade ou expectativa, estar sob os cuidados de um nobre chamado George Joestar em sua mansão... Sendo educado por ele... Eu Dio, jamais deixei de pensar que um dia acabaria perdendo a única coisa que havia conquistado em minha vida anterior: Minha ambição. Como isso não aconteceu de fato, tudo não ou de mera preocupação. No fim das contas, eu odiei a nobreza até o fim. Não apenas a genealogia Joestar, mas aquela atitude egocêntrica de acreditar que era o papel deles simpatizar com as minhas circunstâncias como se fosse a coisa mais óbvia a se fazer era algo realmente imperdoável. Acreditei que, assim como aconteceu quando matei meu pai, matar George Joestar faria a minha vida sair da estagnação mais uma vez. E então, sem hesitar, acreditei no que era realmente necessário naquele momento. Eu decidi matar meu segundo pai. Eu também estava imerso em ódio e fúria naquele momento. Só precisava de um pretexto. Era um ponto crucial. Continuarei a escrever mais sobre isso amanhã.
80
23
Continuando o assunto de ontem. Acredito que ter esperado sete anos para matar George Joestar foi um ato mais prudente de minha parte se comparado a quando matei o meu pai. Isto é, eu precisei de sete anos para ganhar a sua confiança e ganhar o direito de herdar todos os seus bens antes de finalmente matá-lo. Contudo, a falha crucial de meu plano está no fato de que acabei usando exatamente o mesmo método que usei quando matei o meu pai. Sim, agora eu vejo que acabou sendo um motivo bem simples. Envenenando-o com uma droga secreta do oriente. É claro, atirar nele ou esfaqueá-lo estava fora de cogitação. Contudo, ainda acredito que deveria ter usado um método diferente. Foi bem quando ele adoeceu, de um simples resfriado, que eu tomei o lugar do mordomo da família Joestar e ei a substituir o remédio pelo veneno que eu havia acabado de preparar. Meu pai adotivo foi enfraquecendo aos poucos. E demonstrou exatamente os mesmos sintomas de meu pai. Os mesmos sintomas... A principal problemática. Foi o principal motivo de Jonathan ter descoberto meu plano. “Eu me preocupo com o que será de você, meu filho único, após a minha morte...” 81
“Quando eu me for, vá ao endereço indicado nessa carta.” “Essas pessoas têm uma dívida comigo. Ele irá cuidar de você pelo resto da sua vida...” E ele parecia ter algum problema em se desfazer das coisas, já que George Joestar guardou a carta que meu pau havia escrito por sete anos... Talvez seja como uma forma de respeito ao homem a quem devia. Não. Não era isso. Vossa Mercê Joestar sabia que ele nunca deveu nada a Dario Brando, para início de conversa. Tudo porque Dario Brando não ava de um bandido. Eu não era o filho do homem com quem ele tinha uma dívida... Mas o filho de um bandido. Ainda assim, ele me acolheu. Esses “doadores” agem de maneira estranha. Eu tenho certeza de que caso minha mãe pertencesse à nobreza, ela agiria da mesma maneira... E só de pensar nisso, fico enfurecido. Mas deixando isso para lá, a razão essencial de George Joestar ter guardado a carta de Dario Brando não foi porque ele se sentia em dívida, mas sim porque ele guardava todo e qualquer documento. Era simplesmente o hábito dele como um aristocrata. Mas com uma mansão enorme como aquela, tudo era possível. Quando eu recebi a carta, ela já havia sido selada, portanto, não cheguei a conferir o seu conteúdo. Contudo, eu jamais imaginaria que meu pai teria escrito os mínimos detalhes de seus sintomas naquela folha. O seu conteúdo era algo como: “Neste exato momento, estou doente.” “Provavelmente, não me resta muito mais tempo neste mundo.” “Eu não sei qual é o mal que recaiu sobre mim, mas 82
sofro constantemente de ‘taquicardia’, ‘transpiração excessiva nos dedos’ e ‘tosse’.” “Quando eu morrer, poderia acolher Dio, meu filho?” “Diferentemente de mim, ele é um excelente garoto. Tenho certeza de que ele não lhe causará problema algum.” O resto da carta não ava de divagações sem sentido. Considero este o ponto culminante porque foi justamente onde ele descrevia seus sintomas – exatamente os mesmos de Vossa Mercê Joestar. É claro que era o mesmo veneno e ainda aplicado pela mesma pessoa, então seria estranho caso o resultado fosse outro. E Jonathan encontrou esta carta por mera coincidência. Naquela época, eu tinha ouvido falar que ele estudava a Máscara de Pedra. Desta forma, é válido colocar que a Máscara teve seu propósito em denunciar o meu plano... Ou ainda, seja apenas a responsável pela minha transformação em vampiro, posteriormente. Não... Eu estou exagerando. Quaisquer sejam as circunstâncias, a máscara não tem propósito prédeterminado, destino ou coisa do gênero. Foi apenas incompetência de minha parte. Contudo, mesmo que eu ita a minha incompetência, Jonathan já nutria profunda desconfiança de mim antes de qualquer coisa. E daí que meu pai biológico e meu pai adotivo acabariam sucumbindo para os mesmos sintomas? Não é algo que poderia acontecer com qualquer um? Acontece que mais tarde ele acabou me flagrando bem na hora de trocar o remédio pela droga, mesmo ele já havendo suspeitado de mim anteriormente. Isso significa que todas as minhas ações que eu havia 83
feito sete anos antes, assim que cheguei à mansão – sejam minhas atitudes diante dele, minhas atitudes para com Erina e ainda o que eu havia feito com o seu cachorro, Danny – ainda não haviam sido superadas. Jonathan as remoeu por todos esses anos. Propositadamente, Jonathan e eu éramos amigos e família, mas nunca houve nenhum laço profundo e verdadeiro entre nós. Ele sempre suspeitou de mim. Foi um erro terrível ter sucumbido às minhas emoções e ter agido agressivamente quando éramos crianças. Se eu tivesse agido de acordo com o meu personagem na frente dele, com cuidado e simpatia, talvez eu tivesse escapado. Jonathan é o tipo de pessoa que fica mais forte a cada vez que é colocado para baixo. E eu, descuidadamente, havia o colocado no fundo do poço. Mesmo levando tudo isso em consideração, mesmo levando em conta meus erros e o crescimento pessoal de Jonathan, o meu maior ressentimento é por ninguém menos do que pelo meu pai. Aquele meu maldito progenitor. Ele não me deixou absolutamente nada. E parece que mesmo depois de sua morte, ele ainda me atormenta. Um século pode ter se ado, mas eu ainda não consigo compreender o verdadeiro objetivo do meu pai. Isto é, havia alguma necessidade de escrever seus sintomas naquela carta? Eu conseguia sentir a sua malícia em sua escrita. “Apesar de tudo, você é meu filho.” Era isso o que parecia que ele queria dizer. Como um sussurro em meu ouvido, onde eu conseguia sentir o seu hálito que apodrecia até meu cérebro. Aquilo me atingiu de maneira mais forte do que os espinhos da Máscara de Pedra que posteriormente iriam perfurar meu cérebro 84
de maneira literal. “Dio! Como um cavalheiro, jure sua inocência pela honra de seu falecido pai, o Senhor Brando!” Fui tomado pela fúria ao ouvir tais palavras de Jonathan. Outro erro. Eu deveria consentir assim como eu havia feito durante os últimos sete anos. Se eu tivesse feito isso, teria escapado e seria o suficiente para satisfazêlo. Então, por que eu fiz... Pensando bem, eu não me arrependo do que eu fiz. A honra de meu pai? Como se algo assim existisse. Como é jurar por algo que não existe? Só porque o pai dele era um exemplo nesse aspecto, não significa que todos fossem assim. Todo o seu cavalheirismo o levou até aí.
85
24
Parece que “Tower of Gray” falhou miseravelmente. A mais rápida Stand da história – com exceção do meu “The World” quando é ativado – foi derrotada. Essa é uma situação preocupante. É algo que vai além de minha compreensão. Contudo, “Tower of Gray” foi capaz de fazer com que o avião onde estava a caravana Joestar caísse... Então é possível dizer que ele foi parcialmente bemsucedido em sua empreitada. Ainda assim, eu não consigo negar a minha surpresa ao descobrir que eles sobreviveram ao ataque da “Tower of Gray” e à queda do avião... Agora, sabendo do desgosto dos Joestar em envolver civis inocentes, eu duvido que eles queiram usar um avião novamente. Irão prosseguir por terra ou por mar. Isso vai me fazer ganhar tempo. Tempo suficiente para encontrar o caminho para o paraíso. Pucci vai chegar aqui no Egito em breve. Enquanto isso, enviarei outro assassino para dar cabo da caravana Joestar. Além de despachar Jean Pierre Polnareff – o usuário do “Silver Chariot” – acabei enviando o usuário da Stand “Dark Blue Moon” para quando eles decidirem tomar alguma rota marítima. Isso vai acabar com minhas preocupações. Se em alguma hipótese eles forem derrotados, acredito que eu próprio terei de intervir. 86
Deixando de lado as minhas preocupações, fiquei abismado com o poder da Stand de Kakyoin Noriaki depois de ser libertado do controle de meu parasita. Digo isso porque chegou a mim que ele acabou sendo aquele que derrotou a “Tower of Gray”. Como meu subordinado, enquanto estava sob meu controle, ele jamais conseguiria realizar tal feito. Um acontecimento excepcional. Talvez seja diferente com humanos ordinários, mas quando eu transformo usuários de Stand em meus subordinados com a ajuda do meu parasita, eles se tornam mentalmente ingênuos. É a única explicação que consigo encontrar. Criaturas de vontade fraca são usuários igualmente fracos. Enquanto o parasita fortalece o espírito dos fracos, o contrário acontece com usuários de Stand. Talvez agora fique mais difícil recrutar novos subordinados. Talvez eu deva recorrer ao mal. Indivíduos como N’Dour... Ou ainda, como Jack, o Estripador, assim como fiz há um século. Devo transformar em meus seguidores aqueles que não estão acorrentados ao conceito de bondade. De certa forma, acredito que essa crença esteja conectada com o meu objetivo de reunir trinta e seis almas corrompidas.
87
88
25
Eu me encontrei com Pucci. Para que a velha Enya ou os irmãos D’Arby não descubram, nós combinamos de nos ver fora da mansão. Num esconderijo isolado... Infelizmente, eu não consegui as respostas que esperava para as minha dúvidas de forma esclarecedora. A Stand que o poder da flecha despertou em Pucci chama-se “Whitesnake”. É, de longe, a Stand mais singular que conheço. Um poder milagroso que pode remover tanto as memórias quanto a Stand de seu alvo. Não tem alguma utilidade em batalha, mas sua técnica de manipulação de almas não fica atrás da dos irmãos D’Arby. É uma Stand estupidamente útil. Sim. Memórias e Stands. Eu, Dio, nunca imaginei esses dois conceitos de forma independente um do outro. Contudo, uma alma só pode ser chamada assim quando tais ideias estiverem juntas. Nesse caso, a Stand de Pucci pode ser mais adequada como uma chave para o paraíso do que a dos irmãos D’Arby, que necessitam completar a condição de vencer um jogo contra o oponente para que a alma possa ser extraída. Eu o questionei. Perguntei mais sobre o assunto. “O que aconteceria se você colocasse as memórias e a 89
Stand que você extraiu de uma pessoa em outra?” Em outras palavras, perguntei se era possível que um ser humano consiga portar duas memórias e duas Stands. Eu, Dio, até possuo duas Stands, mas tecnicamente falando, isso se deve ao fato de possuir dois corpos. E ele me respondeu: “De fato, é possível, Dio.” É claro que, como o usuário da Stand, Pucci consegue ler as memórias que rouba dos outros, mas caso ele insira o disco em alguém, tal pessoa também teria o a esse conteúdo, aparentemente. O mesmo vale para o disco de Stand. É claro que o novo usuário não conseguirá utilizála com tanta eficiência quanto o usuário original, mas se uma Stand é inserida graças à habilidade do “Whitesnake”, seja em uma pessoa ordinária ou mesmo um usuário de Stand, a nova habilidade poderá ser usufruída. Boas notícias, já que as respostas que eu havia recebido até então para as perguntas que formulei com tanto cuidado eram as melhores possíveis. Se uma pessoa fosse capaz de portar várias memórias e Stands, também seria possível conter em seu corpo várias almas. Meu coração palpitava. Contudo, Pucci continuou. “Só que existe um porém, Dio”, ele disse. “Há um limite para isso. O recomendável é inserir apenas um disco extra. E mesmo quando você força mais, o máximo possível é cinco deles... Digo isso, sem fazer a mínima ideia do que o senhor pretende com essas perguntas.” Cinco discos. O valor de cinco pessoas. Não é o suficiente. 90
A menos que eu consiga reunir trinta e seis almas em um único corpo, os portões do paraíso permanecerão fechados. Quando comecei a pensar que a Stand de Pucci seria perfeita para cumprir o meu objetivo, como se ela fosse feita especificamente para tal, acabei logo me desiludindo. Contudo, a conversa não foi em vão. Era essa a razão principal de eu querer conhecer alguém como o Pucci. Ele talvez esteja apto. Apto para colocar em prática o método para alcançar o paraíso. Os requisitos para chegar lá... Ele os possui. “Eu gosto de indivíduos que almejam estar sempre no topo. Você é um rei entre os reis. Para onde quer que você vá, eu irei contigo. Eu o amo assim como amo Deus.” Foram suas palavras. Só que talvez não seja Pucci que irá me acompanhar, mas eu que irei acompanhá-lo em sua subida pela escadaria do paraíso.
91
26
Descuidado, eu, Dio, deveria ter me lembrado. Acabei me tocando depois que Pucci retornou aos Estados Unidos... Pode ser impossível que um humano consiga conter tantas almas – memórias e Stands – em seu corpo, mas eu, Dio, não sou humano. Eu renunciei à minha humanidade cem anos atrás. Eu coloquei a Máscara de Pedra e transcendi os limites humanos. Os espinhos que afetaram o meu cérebro me proporcionaram um corpo incomparavelmente mais forte do que o de um reles humano. Talvez então eu pudesse burlar a restrição de quantos discos do “Whitesnake” eu posso armazenar. Com certeza, eu excederia os limites humanos. Se eu tivesse pensado nisso antes, poderia até ter testado... Ou talvez fosse perigoso? Eu ainda não me adaptei totalmente a este corpo. Ainda tem muito do Jonathan nele. Muito humano. Se eu for realizar esse teste, teria que ser num futuro próximo, depois de beber o sangue de alguma jovem ou talvez ainda de um descendente próximo da família Joestar. É possível que esses fatores aumentem a minha taxa de sincronismo com esse corpo. Só então eu poderia colocar em prática este experimento. Se eu ainda tivesse a Máscara de Pedra, criaria novos vampiros e os usaria como cobaias, mas parece que não existe mais nenhum ítem similar... Talvez se eu 92
procurasse, é provável que eu ache algum, mas não sei nem por onde começar. Zumbis não funcionariam. Enquanto eles podem ser imortais como os vampiros, zumbis são como cadáveres sem almas. Isso faria todo o experimento perder o sentido... Não. Talvez justamente por serem cascas vazias, tal teste possa ter algum valor empírico. Aliás, não criei nenhum zumbi desde que acordei de meu sono secular. Vou criar um ou dois, só para ter uma ideia... Ainda assim, acima de tudo, preciso entrar novamente em contato com Pucci. Já faz anos que eu o conheço, mas só agora entendo que ele possa ser o meu ainda desconhecido amigo.
93
27
Vim a descobrir que “Silver Chariot” e “Dark Blue Moon” foram derrotados pelos seus próprios alvos... E tem mais... O usuário de “Silver Chariot”, Jean Pierre Polnareff, teve seu parasita retirado pelo “Star Platinum” de Jotaro. Assim como a ocorrência anterior, ele se uniu à causa deles. Depois de Kakyoin Noriaki, perdi outro usuário valioso da minha equipe para meus inimigos... Sem um parasita, é compreensível que o indivíduo deixe de lado sua lealdade a mim, Dio. Mas por que eles também se uniriam ao grupo Joestar? Principalmente no caso de Polnareff. Se tudo o que ele quer é vingar a sua irmã caçula, certamente teria sido mais fácil como meu subordinado. Será que ele guarda algum ressentimento por ter sido manipulado? Será que ele cedeu às suas emoções por eu ter o usado como um mero serviçal e ado por cima de seus direitos como humano? Se esse é o caso, talvez seja mais um motivo para deixar de usar os parasitas num futuro próximo. Não posso fazer nada com aqueles já implantados... Como era uma técnica com o intuito de objetificar o ser humano, nunca parei para me preocupar com uma maneira de cancelar o seu efeito e, por isso, ela não existe. Além disso, não posso me dar ao luxo de ter meu 94
número de subordinados diminuído. Não posso perder nenhum desses usuários de Stand que consegui reunir com o simples intuito de alcançar o paraíso. Eu posso ainda não estar completamente acostumado a este corpo, mas a situação tornou-se crítica. Eu havia tomado a decisão de eliminar o grupo Joestar pessoalmente. Havia. Contudo, acabei me arrependendo por acatar a impertinência da velha Enya e agora essa hipótese está fora de cogitação. “Você está querendo enfrentá-los pessoalmente porque eles são um pouco mais sortudos do que você previa, Lorde Dio?” “Ridículo! Você não deveria se rebaixar a ponto de realizar tal ato!” Ela sempre diz esse tipo de coisa. Foi quando ela também disse que enviou sete usuários para dar cabo do grupo Joestar. Só que eu não a puni por sua atitude imprudente. Eu não queria ter que confidenciá-la ao meu objetivo. Caso eu o fizesse, provavelmente seria repreendido, dizendo para deixar essa ideia de lado. Só que há um dilema. Por sorte, os usuários que a Enya enviou não estão sob o controle de meu parasita... Então, caso eles sejam derrotados, não irmão me trair. E se conseguirem dar cabo do grupo Joestar, melhor. Ainda, é a melhor hipótese possível. Já perdi a vontade de fazer algo com as minhas próprias mãos. Até agora, não enfrentei nenhum contratempo, de fato. Exceto a possibilidade de a velha Enya estar decifrando as minhas motivações. Tirando isso, nenhum contratempo. 95
28
Entrei em contato com Pucci assim que ele chegou aos Estados Unidos. Não parece que ele irá a algum outro lugar, então pedi para que ele viesse o mais rápido que lhe fosse conveniente... O mundo ficou relativamente menor no último século, mas uma viagem da América ao Egito ainda não é fácil para um reles humano. Contudo, sem demonstrar nenhuma feição que expresse insatisfação (ou seria tom de voz?), ele aceitou de imediato. Ao ouvir a sua resposta, tive um pressentimento. “É ele”. Essa sensação... Eu nunca ei por isso antes Talvez porque eu nunca fui muito receptivo com relação à amizade desde que disse abertamente que considerava Jonathan meu amigo, há cem anos. Contudo, é melhor não nos precipitarmos. Todo cuidado é pouco. É o que eu acredito, então eu disse a ele... Que não havia motivo para tanta pressa. Eu não queria interferir na relação de Pucci com Deus. Eu quero que ele continue um religioso fervoroso, desde que não se torne um tolo como minha mãe foi. Eu vou confidenciá-lo com minha “ossada”. Quando a necessidade surgir, seu poder será de grande ajuda.
96
29
Qual é a diferença entre humanos e animais? Os dois têm alma. Os dois são dotados de inteligência e fazem uso de tecnologia própria. O que torna os humanos diferentes? Ainda, o que torna o humano, um ser humano? Todas as classificações impostas pela biologia não am de puro academicismo. Elas não têm lá muito valor real... Eles simplesmente identificam e categorizam como os biólogos querem e, se alguma criatura não se encaixa em seus quesitos, acabam enlouquecendo. No fim das contas, não importa a qual categoria o objeto se encaixa, no fim das contas, essa classificação não vai ter valor algum. Talvez, não seja apenas uma questão aplicada apenas aos humanos e animais, mas a toda criatura viva... É tudo a mesma coisa. Era sobre o que nós falávamos. Chegamos a esse assunto ontem enquanto conversávamos pelo telefone, sem motivo específico. Quando terminei a minha indagação, Pucci respondeu: “Acredito que o que define o ser humano é o desejo de padecer no paraíso, Dio.” “É o objetivo final de todo o ser humano.” “Animais não têm noção desse tipo de conceito. Os humanos deveriam viver com o simples e único intuito de garantir seu o ao paraíso. E é isso que os torna tão 97
especiais, Dio.” Quero deixar claro que eu jamais havia tocado no assunto “paraíso” com ele antes... Ele disse tais palavras sem qualquer presunção, automaticamente. Pode soar forçado, mas acredito que é um sinal. Contudo, acredito que seja uma dica para que eu possa me aproximar mais dele. Gravidade. Se existe uma força que atrai uma pessoa à outra... Ela estaria agindo e forçando a minha aproximação? Talvez meu destino tenha ligação com Pucci da mesma forma que ele é entrelaçado ao destino da família Joestar. Certamente, será ele o meu guia em direção ao paraíso. Na próxima vez que nos encontrarmos, abrirei mão de alguns subordinados e os delegarei a ele, só para me certificar. Não... É melhor avaliar direito a distribuição de tarefas. Joseph Joestar e Jotaro Kujo, bem como Avdol, Kakyoin e Polnareff, com certeza não são indivíduos com quem eu deva pegar leve. Eu não os considero uma ameaça, mas eu encarava o inerme Jonathan Joestar da mesma forma. E acabei perdendo três embates contra ele. No primeiro, eu apenas levei um murro. No segundo, eu fui incinerado e humilhado. No terceiro, eu também acabei em chamas e decapitado. No quarto, acabei ganhando por desistência. Tenho que itir. No fim das contas, eu não tenho um bom quadro de vitórias contra a linhagem Joestar... Eu não ganhei 98
uma briga sequer contra Jonathan Joestar para contar história. Portanto, preciso me preparar sempre para a pior hipótese.
99
30
Isso pode não ter nenhuma correlação com minha empreitada de ir ao paraíso, mas acredito que preciso deixar algum registro sobre a questão da Máscara de Pedra. Eu não sei o quanto a pessoa que está lendo isso – e provavelmente se trata de Enrico Pucci – tem de conhecimento prévio sobre o assunto, então a história pode ser um pouco complicada de compreender. A Máscara de Pedra é o objeto de estudo da pesquisa de Jonathan Joestar. Ele planejava sustentar sua tese em cima dela. Mesmo dando uma fuçada em seus documentos, não extraí nenhuma informação relevante sobre sua origem, mas registrarei tudo o que eu sei aqui. É um artefato antigo provindo do Povo do Sol, os Astecas. Um reino que ocupou as planícies do centro do México do século XII ao XVI... E a Máscara de Pedra foi uma herança de sua história. Embora tenha sido uma herança, aparentemente eles não a criaram tal tesouro... Há indícios de que a Máscara foi criada por uma civilização extinta antes mesmo de dominarem todos os seus poderes. A Máscara foi tudo que sobrou. De acordo com alguns boatos, parece que a Máscara de Pedra foi descoberta pela equipe de expedição arqueológica de William A. Zeppeli, este, mestre de 100
Jonathan Joestar. Sejam eles seus descobridores ou não, aqueles que buscam por tesouros acabam inevitavelmente encontrando artefatos cada vez mais incríveis. Talvez a gravidade se encaixe nesse contexto. Talvez em vez de dizer que eles encontram tais objetos, podemos dizer que são atraídos por eles, ou coisa do tipo. Eu ouvi dizer que a equipe expedicionária do Zeppeli acabou sendo aniquilada devido aos poderes da Máscara e à própria estupidez. Com exceção, é claro, do próprio Zeppeli. Foi assim que a Máscara acabou se perdendo. Como eles estavam em alto mar quando se deu tal acontecimento fatídico, é normal pensar que a Máscara de Pedra acabaria afundando e se perdendo nas profundezas do oceano. Contudo, por alguma ironia do destino, talvez chegando à costa por algum rio, o artefato figurou novamente nos anais da história. Desta vez, sem uma pausa tão grande quanto a anterior. Foi pouco tempo depois, quando a mãe de Jonathan Joestar, em uma viagem a Londres, a comprou de um negociador de arte. A mãe de Jonathan Joestar. Ouvi dizer que ela morreu num acidente quando voltava para casa... Quando meu pai veio “resgatá-la”... É claro, nunca conheci aquela mulher, mas ouvi dizer que ela morreu com Jonathan em seus braços, protegendo-o do desastre. Acho que assim é possível assumir que tipo de personalidade ela tinha. Com certeza, era uma mulher nobre e orgulhosa. Provavelmente, uma mulher santa. Provavelmente, uma mãe como a minha. Bem, ela acabou se interessando de alguma forma naquela máscara tão esquisita, então não era uma 101
mulher comum. Se ela não tivesse perdido a vida naquele acidente e se ela ainda estivesse viva quando fui adotado pela família Joestar, tornando-se a minha mãe adotiva, talvez a minha vida tivesse levado um rumo diferente... É interessante pensar nesse tipo de possibilidade. E ela certamente era igual à minha mãe. Imagino como ela teria lidado com uma criança tão má quanto eu era... Talvez ela acabasse sucumbindo a mim, assim como aconteceu com George Joestar. Voltando ao assunto, parece que George Joestar manteve aquela máscara em sua parede como uma homenagem à sua mulher, como se fosse uma fotografia. Quando Jonathan disse que ia usá-la como objeto de estudo, George não demonstrou qualquer sinal de reprovação sobre a ideia. Então ele não devia ser tão apegado a ela assim. Talvez ele não tenha tanto apego às memórias de sua amada porque é como se tal sentimento fosse ado para Jonathan, como se tivesse o herdado. Um herdeiro. Jonathan Joestar. E eu, Dio, apenas tornei o mundo num lugar melhor depois de “tomar” a máscara dele. Foi uma discrepância que chega a ser absurda. Como se estivéssemos sob o efeito de uma força gravitacional, a máscara saiu do México e percorreu todo seu caminho até mim. De certo ponto de vista, é possível afirmar que o acidente de carruagem que matou a esposa do Joestar também foi causado pela Máscara de Pedra. Bizarro. Acho que está na hora de parar. Escreverei mais sobre isso amanhã.
102
31
Ontem, estava escrevendo sobre as origens da Máscara. Acho que hoje irei falar mais sobre sua estrutura. Não é uma tecnologia complexa a ponto de merecer uma explicação aprofundada. Longe disso, é uma estrutura completamente simples. Quando sangue humano entra em contato com a superfície da Máscara de Pedra, espinhos brotam de dentro dela. Jonathan, em suas anotações, cunhouos como “agulhas ósseas“. Achei que foi uma boa colocação, até... Enfim, eles brotam e logo fincam a cabeça do usuário. Contudo, não é apenas uma empalada. Esses espinhos penetram fundo no sistema nervoso do indivíduo. De forma resumida, é assim que funciona a Máscara de Pedra. As anotações de Jonathan também foram até este ponto. Jonathan não sabia de mais nada além disso. É claro, seus efeitos só podem ser identificados com experimentação humana. Só que Jonathan não é do tipo que utilizaria seres humanos como cobaias... E foi por isso que a pesquisa estagnou. Havia alguma coisa escrita na máscara, no idioma asteca. Parece que ele tentou decifrar o alfabeto, mas não teve bons resultados. Contudo, por acidente, eu, Dio, acabei realizando o 103
experimento num ser humano, algo que Jonathan não tinha coragem de fazer e assim, desvendei o verdadeiro valor da Máscara de Pedra. Estou com um pouco de pressa. Escreverei mais sobre isso amanhã.
104
32
Consegui um pouco mais de tempo para trabalhar neste registro. Como era de se esperar, a sanidade da velha Enya acabou se deteriorando... E os sete usuários que foram enviados acabaram sendo derrotados pelo grupo Joestar. Um por um. “Strength”. “Ebony Devil”. “Yellow Temperance”. Todos eles foram reduzidos a um estado irrecuperável. As coisas estão ficando preocupantes. Homens sem consciência moral como é o caso do “Ebony Devil” ou “Yellow Temperance” são valiosos nesses novos tempos. E eles são necessários para que eu consiga percorrer o meu caminho em direção ao paraíso. Os usuários de Stand que não são humanos – em outras palavras, o usuário da “Strength”, o orangotango, são a prova de que animais também têm alma... “Strength”, contudo, foi derrotado e isso vai atrasar em muito os meus planos. No entanto, para manter o sigilo do meu objetivo, eu não poderia chamar o orangotango. Isso atiçaria a suspeitas de Enya... É claro, não é algo realmente alarmante. Ainda posso correr atrás. Enquanto eu estiver com a Flecha em mãos, posso 105
fabricar incontáveis usuários a partir de animais, não é? De acordo com os boatos, a Stand da areia, aquela que representa a carta d’O Tolo, “The Fool”, tem um cachorro como usuário. Contudo, é impossível recrutálo como meu subordinado. Se os rumores forem verdadeiros, Avdol, do grupo Joestar, já o colocou sob sua tutela. É esse o motivo. É por isso que eu estou com tempo livre agora, como coloquei no início do registro de hoje... Por enquanto, vou deixar esse assunto de lado em detrimento de continuar o assunto do registro anterior. A Máscara de Pedra. Apesar de simples, a estrutura da Máscara de Pedra... Relendo o que já escrevi, vejo que já citei sobre como eu a descobri acidentalmente após testá-la em um ser humano. Ou seja, descobrir a existência dos espinhos sobre os quais Jonathan escreveu não ou de mera coincidência. Foi quando Jonathan, em fúria, esmurrou-me ressentido pelo que eu tinha feito à Erina... Ele me arremessou contra a parede e eu acabei cuspindo um pouco de sangue. Esse mesmo sangue, coincidentemente, espirrou na Máscara de Pedra que, naquela época, ainda estava pendurada na parede e fez com que os espinhos brotassem, provocando a queda do artefato. Eles logo recuaram. Talvez porque pouco sangue entrou em contato... Por isso, Jonathan pensou que ele foi o único que testemunhou o fenômeno. Só que eu, Dio, mesmo em meu miserável estado de agonia, também presenciou o ocorrido. Eu vi as mesmas coisas que Jonathan. A diferença é que ele decidiu cursar arqueologia com o intuito de descobrir mais sobre o fenômeno e divulgá-lo ao mundo, enquanto eu, pensando que aquele 106
mecanismo talvez me fosse útil, mantive minhas intenções em segredo. É um pouco vergonhoso escrever sobre estar planejando algo que nem sequer havia sido concebido ainda, mas continuarei para que o registro fique o mais preciso possível. Se esse caderno for lido por Enrico Pucci ou alguém parecido com ele, acredito que minha atitude não será julgada. E se acontecer, significa que preciso rever meu círculo de confiança. Enfim, o meu plano era o seguinte: Com o intuito de usurpar a fortuna da família Joestar, o que eu tive que fazer... O que eu tive que fazer - porque era necessário - foi matar o meu pai adotivo, quem me criou e se autointitulava um cavalheiro, George Joestar. Como a minha última cartada, acabei resolvendo assassiná-lo por envenenamento. Contudo, nos estágios iniciais de concepção do meu plano, eu pretendia matálo usando a Máscara de Pedra. Eu iria colocá-la nele depois que ele fosse dormir, espirraria um pouco de sangue e então, ela seria ativada. Um humano, ao ter seu cérebro perfurado com esses espinhos, certamente morreria. Ao menos, era o que a lógica simples pregava. Se eu tivesse feito isso... Se George Joestar tivesse realmente morrido desta maneira, o primeiro a ser acusado seria justamente aquele que estudava a Máscara de Pedra. O único que poderia ter quaisquer conhecimentos sobre seu funcionamento. O próprio filho, Jonathan Joestar. Se Jonathan fosse acusado, ele seria processado e acabaria perdendo o direito à herança da família, restando a mim, o único filho restante, receber toda a 107
fortuna. Eu iria herdar tudo... Não... Como meu plano havia sido bem sucedido, eu iria ter tomado tudo. Apesar da eficácia do plano parecer clara a ponto de eu estar quase o colocando em prática, acabei notando uma falácia grave. Se o herdeiro, Jonathan Joestar, fosse acusado de ass o patriarca da família, George Joestar, a imagem da linhagem Joestar acabaria sendo manchada. Todos os negócios acabariam entrando em falência. Eu não queria apenas a fortuna da família Joestar, mas também a honra e o renome. No fim das contas, eu não queria herdar um sobrenome com uma reputação tão suja. Ou seja, abandonei o plano e decidi envenenar George Joestar. Naquela época, eu me sentia mais seguro se seguisse um método que eu tinha certeza que daria certo, que eu já tive experiência para me assegurar. Na hora, até pensei que Jonathan poderia descobrir, mas acabei deixando para lá. Talvez eu devesse ter seguido o plano original. Mesmo se a carta não tivesse existido. Matar o meu pai adotivo da mesma forma que matei meu pai biológico parece muito simples e pouco inspirado. Não... Não era certo. Meu maior erro... Bem, foram vários. Contudo, o maior deles foi não ter percebido que aquele quem eu deveria ter matado primeiro era Jonathan Joestar, não George. Minha decisão de matar Jonathan acabou surgindo só depois de o plano inteiro ter ido por água abaixo. Eu não tinha feito o meu melhor até então. E eu nem nutria qualquer sentimento por ele. De qualquer modo... Decidi ressuscitar uma parte de meu plano original. Usar a Máscara de Pedra. 108
Decidi matar Jonathan Joestar. Escreverei mais sobre isto amanhã. Caso eu esteja ocupado, só no dia seguinte, então. Por causa desses Joestar, meu plano não segue como eu previa.
109
33
Dos usuários de Stand enviados para dar cabo da caravana Joestar, restaram somente quatro: “Empress”. “Wheel of Fortune”. “Hanged Man”. E “Emperor”. Deixando “Wheel of Fortune” e “Empress” de lado, quero colocar que o “Hanged Man” é filho da Enya. E digo mais, sua natureza repulsiva é um dom extremamente raro. Hol Horse, portador da “Emperor” é dotado de uma personalidade que não pende nem para o bem, nem para o mal. Não acredito que ele seja útil em minha empreitada de alcançar o paraíso, mas eu tenho um apego pessoal a ele que me impede de dispensá-lo. Sendo franco, eu não quero perdê-lo. Na verdade, acredito que as chances de Hol Horse e J. Geil derrotarem os Joestar são boas. Eu, Dio, prevejo isso. Venho refletindo sobre o motivo de os assassinos que eu e Enya enviamos contra os Joestar terem sido derrotados e eu acredito que a resposta é bem simples: Está tudo nos números. Eles são uma equipe. Essa diferença é com certeza uma vantagem, se considerarmos a questão Stand contra Stand. Por que não seria? Bem, posso estar sendo bastante presunçoso, 110
mas em batalhas comuns entre seres humanos, a diferença numérica é fundamental para a vitória. O problema em batalhas entre Stands é que é complicado que usuários formem equipes... Os mais cruéis portadores de Stand preferem esconder suas habilidades. E eu falo dos outros, mas a verdade é que existem pouquíssimas pessoas que têm conhecimento sobre a habilidade do “The World”. A velha Enya, os irmãos D’arby e alguns outros... Eu contei ao Pucci? O motivo de alguém querer esconder suas habilidades a qualquer custo é porque seus pontos fortes estão diretamente relacionados às suas fraquezas... Então, se você decide formar uma equipe, é preciso que os outros tenham noção da extensão de suas habilidades e, consequentemente, seus pontos fracos. E, obviamente, ninguém quer que seus pontos fracos venham à tona. É por isso que a maioria dos usuários de Stand trabalha sozinha. Até mesmo eu não tenho noção de todas as habilidades de meus subordinados. Posso ter formado essa seita comigo como centro, mas todos têm suas próprias cartas na manga... E como dita a regra fundamental do ser humano, aqueles que têm mais poder, tendem a olhar os outros com altivez, logo, usuários de Stand acabam por se tornar arrogantes uns com os outros. Indivíduos como os da caravana Joestar, ou seja, que são usuários de Stand e atuam em grupo, são extremamente raros. Até onde eu sei, os únicos usuários que eu tenho como subordinados e atuam em equipe são os irmãos de sangue Oingo e Boingo e aquele homem com uma personalidade rara entre os usuários de Stand: ele não encara os outros com desdém. O homem que prefere ser 111
o ajudante em vez do protagonista, Hol Horse. É por isso que eles são fortes. Uma equipe formada por Hol Horse e o filho de Enya, J. Geil é forte. É provável que eles consigam, inclusive, eliminar por completo a caravana Joestar. Além disso, aquele traidor, Polnareff, quer se vingar de J. Geil por causa de sua irmã. Em outras palavras, existe uma grande possibilidade que Polnareff acabe agindo por conta própria... E se isso desencadear o desentendimento entre os membros daquela equipe, um mundo de possibilidades se abre. Aguardo ansioso por boas notícias. Aguardo ansioso pelo sangue Joestar.
112
34
A velha Enya me propôs uma estratégia. Uma estratégia que vale a pena ser ouvida: “Lorde Dio, meu filho e o amigo dele estão indo atrás do Joestar e dos outros, mas existe um plano que eu gostaria de colocar em prática por trás das cortinas”. “Podemos ter sofrido uma sequência de perdas, mas eu tenho certeza de que os assassinos que enviamos já causaram algum dano no grupo, o que os faz nunca abaixarem a guarda”. “Neste exato momento, a única coisa que eles realmente conseguem é garantir a própria segurança, isso significa que o que eles já conquistaram anteriormente deve estar vulnerável”. “Eu me refiro à base deles, o Japão”. “Holly Kujo está sob os cuidados da Fundação Speedwagon, mas não existem usuários de Stand entre eles... A única usuária naquele local é a própria Holly, incapaz de controlar a própria Stand”. “Em outras palavras, eliminar aquela mulher... Eliminar a moça pertencente à família Joestar é possível, acredito”. “Assim que dermos conta do recado, traremos o corpo até o Cairo. Se beber o sangue Joestar de seu cadáver, Lorde Dio, você não conseguirá se adaptar ao corpo de Jonathan com mais facilidade?” “E se a filha e a mãe que eles estão dando tão duro 113
para salvar acabar sendo morta, Joseph Joestar e Jotaro Kujo ficarão arrasados, tornando-se cascas vazias, incapazes de lutar... O que você acha?” “Já perdemos diversos usuários de Stand aqui”. “Eu só preciso de sua permissão e nós iremos providenciar a morte de Holly Kujo quando desejar. Por favor, pense sobre o assunto”. É um bom plano, Enya. Um plano tão malicioso e sagaz que mesmo eu, Dio, não teria sido capaz de bolar... É vergonhoso, mas acredito que foi fruto daquilo que chamam de sabedoria anciã. Ao me dar tal ideia, a velha acabou se mostrando um o ou dois à minha frente. Posso ter vivido por um século, mas aquela velha é tão ardilosa que eu começo a acreditar que ela viveu ainda mais do que isso. Meu pai desnaturado iria adorá-la. Eu gosto mais desse tipo de mulher do que as chamadas santas, como minha mãe ou Erina... Se ela fosse um pouco mais jovem... Ou melhor, muito mais jovem, eu adoraria procriar com ela com o objetivo de alcançar o paraíso. Eu estou procrastinando para respondê-la, mas para falar a verdade, eu pretendo rejeitar a sugestão. Se tudo corresse bem – e provavelmente correria – seria um plano magnífico. Contudo, se alguma coisa desse errado por alguma ironia do destino, as circunstâncias não se mostrariam nada favoráveis. Foi porque eu descuidadamente acabei pondo minhas mãos em Erina. Aquilo serviu como um estopim para que Jonathan finalmente crescesse. Aquele riquinho mimado cresceu o suficiente para me dar uma surra... Então, se eu for descuidado a ponto de colocar minhas mãos naquela mulher cujo nome é literalmente “santo”, Holly 114
Joestar, é possível que o mesmo ocorra com Joseph Joestar e Jotaro Kujo. É melhor deixar as mulheres imaculadas dessa forma, imaculadas. É claro que se eu, Dio, fosse mesmo degustar de seu sangue, eu não posso me apressar. Não posso cometer o mesmo erro. Assim como eu deveria ter matado Jonathan Joestar antes de George Joestar, eu preciso eliminar Joseph Joestar e Jotaro Kujo antes de me livrar de Holly Kujo. Enya ficará decepcionada, mas eu irei compensála de alguma forma. Agora, eu estou no aguardo do relatório de seu filho.
115
35
Estou com um pouco de tempo livre agora, então continuarei o registro de alguns dias atrás. O que eu me recordo da história de cem anos atrás. Eu decidi matar Jonathan Joestar. O homem com quem ei minha juventude e foi criado junto comigo como se fosse meu irmão, ou melhor, que por lei, era realmente meu irmão. Eu planejava matá-lo usando a Máscara de Pedra. O motivo principal era porque ele conseguiu descobrir o meu plano de matar George Joestar. Contudo, mesmo que isso não tivesse acontecido, eu acabaria o matando, eventualmente. Ou seja, eu só fiz o que se mostrava necessário. Simples assim. O que era necessário. Não sentia absolutamente nada... Não ei por conflitos internos, conflitos humanos. Isso aconteceu uns dias antes de eu renunciar a minha humanidade. Pensando bem, naquela altura do campeonato, eu já havia renunciado a minha humanidade. Ou ainda, eu alguma vez já fui humano? Porque viver naquela pocilga que chamam de cidade, com aquela mãe tola e aquele pai desnaturado contribuía no cultivo da minha humanidade? Naquele mundo cão, não havia um único ser humano sequer. Eu não posso nem dizer que as atitudes de minha mãe eram terrenas. 116
Não. Como Pucci já disse, “o desejo de chegar ao paraíso”. Se for isso que torna o ser um humano, acredito que minha mãe era, então, humana... E talvez mesmo como um vampiro depois de abdicar até a minha última gota de humanidade, eu, Dio, talvez ainda seja... Humano? Na medida em que nos aprofundamos no assunto, encontramos brechas para interessantes discussões filosóficas. Aqui, contudo, ficarei ateado aos fatos. Escreverei somente sobre o fato de ter fracassado em meu objetivo de matar Jonathan Joestar com a Máscara de Pedra... Agora, pensando melhor, esses registros não am de um compêndio sobre os meus fracassos. Se bem que, não importa quantas falhas eu acabe cometendo, desde que eu vença no final, será suficiente. A Máscara de Pedra não era um instrumento de execução, para início de conversa... É claro que aqueles espinhos que sa em dela e acabam fincando no cérebro do indivíduo colaboram com essa concepção, de ser algum instrumento de tortura primitivo, como uma donzela de ferro. Por sorte, no último minuto do último instante, percebi que não era. Fico aliviado de não ter usado a Máscara de Pedra como arma contra George Joestar. Enquanto Jonathan se aventurava na Ogre Street e procurava a origem daquele entorpecente oriental que eu usei para matar o meu pai biológico e usava para tentar matar o meu pai adotivo, eu vagava à noite pela cidade. Com uma garrafa de uísque em mãos. Com meu plano descoberto e Jonathan a caminho de prová-lo, eu não podia fazer nada senão encher a cara. Só que quanto mais eu bebia, mais nervoso eu acabava ficando... Eu ficava nervoso quando ficava bêbado, 117
assim como aquele meu pai nojento. Eu me sentia no fundo do poço. É claro que seja meu plano desmascarado ou não, eu não tinha a intenção de desistir de ass Jonathan... Eu sabia que seu retorno da Ogre Street seria improvável, mas caso isso ocorresse, eu abraçava esse objetivo como um prêmio de consolação. Meu plano estava desmoronando. Minha vida estava desmoronando. Depois de sete anos – quando o futuro deste com quem vos fala estava por um fio – eu sabia que matar Jonathan Joestar com a Máscara de Pedra, mesmo que eu conseguisse fazer parecer um acidente, não significaria muita coisa. Enquanto estava em minha profunda depressão, dois homens acabaram cruzando o meu caminho. Eu normalmente ignoraria esse tipo de gente, mas acabei me lembrando da minha infância, quando eu estava acostumado a brigar contra esse tipo de ralé. Então, eu acabei ignorando-os no começo, mas as palavras que eles disseram a mim, Dio, me enfureceram: “Ei, escuta, pirralho!” “Fica aí vagabundeando em lugares como esse”. “Devia ficar voltar para o colo da mamãe em vez de sair de casa assim”. Mamãe. Mãe... A minha mãe. No momento em que tais palavras se tornaram claras, eu acertei a garrafa de uísque na cabeça de um deles. Minha grafia começou a ficar um pouco trêmula. Escreverei mais sobre isso amanhã. Quando abordarei sobre o experimento que realizei em cobaias humanas. 118
36
Neste exato momento, a caravana Joestar está sendo atacado pela equipe formada por J. Geil e Hol Horse. Eu ainda estou no aguardo de um relatório do progresso de suas atividades, então continuarei de bom grado o assunto de onde eu o larguei ontem. Eles vêm atrapalhando meus planos com bastante frequência, recentemente. Contudo, graças a isso, as memórias de cem anos atrás parecem aflorar com mais facilidade. Realmente já faz um século que eu não me sentia tão ansioso. Como alguém que estava tão instável, acabei partindo contra aqueles dois indivíduos impiedosamente. Eu não brigava daquele jeito desde a briga contra Jonathan, sete anos antes. Por sorte, as técnicas que seu corpo assimila ainda criança nunca são esquecidas, não importa quanto tempo tenha ado. Ainda assim, ito que eu estava em desvantagem, já que eram dois contra um. Dessa forma, eu planejava derrubá-los um por um. Seja uma batalha envolvendo Stands ou não, a questão numérica é o que a define. Portanto, o ideal é transformar uma briga dois contra um em duas brigas mano a mano. É um conceito fundamental da briga de rua. Foi no segundo homem que eu usei aquela “arma”. Aquela que estava guardando para matar Jonathan. Eu estava carregando a Máscara de Pedra comigo. 119
Eu havia o acertado uma facada no primeiro indivíduo e usei o seu sangue para ativar a Máscara no segundo... Acho que posso afirmar que aquele foi o meu segundo pedaço de pão, não é? O segundo e o terceiro pedaço de pão. Como eu esperava, não tinha gosto algum. Por mais que eu tenha usado métodos diretos, no caso, uma faca e a Máscara de Pedra, em vez de veneno oriental, como eu fiz com meu pai, afirmo que não senti absolutamente nada. E não acredito que alguma circunstância pudesse ter mudado isso. Naquele aspecto, eu havia me tornado igual ao meu pai. Por mais que aqueles assassinatos, ou melhor, experimentos, tivessem sido influenciados pela bebida, eles não deixam de ser assassinatos. Honestamente, se eu estivesse em minha sobriedade naquele momento, eu duvido que eu tivesse cometido tais homicídios. Se bem que o fato de eu estar embriagado naquele momento possa ter sido algo bom... Se eu não tivesse tentado matar ninguém lá, eu provavelmente teria colocado a Máscara de Pedra em Jonathan, como eu havia planejado originalmente. E só de pensar no que teria acontecido caso isso ocorresse, eu sinto calafrios... Ou melhor... Eu estremeço. Só de pensar que eu, Dio, e Jonathan poderíamos ter nossos destinos invertidos... É interessante. Seria Jonathan quem se tornaria o vampiro imortal... E o guerreiro mestre do Hamon determinado a exterminá-lo seria eu, Dio. Destinos interessantes. Destinos reversos. É claro que apesar de ser fascinante pensar nessas hipóteses, nada disso realmente aconteceu. É algo que 120
realmente não iria acontecer, ou, como dizem hoje em dia, não a de palhaçada. Perdi o foco... Voltemos aos experimentos em humanos. Assim que eu derramei o sangue na Máscara, os espinhos brotaram dela e eles penetraram o cérebro daquele homem. Foi quando a Máscara brilhou. Foi um brilho intenso e cegante. Não... Talvez fosse apenas impressão minha... Ao menos, era o que eu havia pensado naquele momento. Assim como uma pintura ou escultura que nos impressiona parecem emitir algum tipo de aura, imaginei estar acontecendo o mesmo com a Máscara. Só que eu estava errado. Depois de achar que aquele homem tinha morrido com aqueles espinhos fincados no cérebro, eu me virei para pegar o meu chapéu que havia caído durante a briga. Foi quando ele me atacou. Com um poder formidável. Com um corpo rejuvenescido. Que não sentia dor alguma. Com uma força inacreditável capaz de quebrar a minha clavícula no menor toque. Ele me atacou, com a intenção de matar. Não, eu não estou sendo preciso. Ele não tentou me matar. Ele tentou me devorar. Se o sol não tivesse nascido poucos segundos depois, eu teria me tornado a primeira fatia de pão daquele vampiro que eu havia acabado de criar por mero acidente. É claro que ser um reles humano sem ma estria nenhuma em Hamon significava não ter forma alguma de resistência contra um vampiro, uma entidade que havia transcendido a humanidade. 121
O sol nascente transformou o corpo daquele homem em cinzas, pó; então, desapareceu. Naquele momento, aprendi que a fraqueza daquela poderosa forma de vida era o sol. Tudo aconteceu por mera coincidência. Não havia nenhum planejamento ou intuição. Eu aprendi sobre o segredo da Máscara de Pedra e sobre a fraqueza dos vampiros por nada mais, nada menos, do que pura coincidência. Ou ainda, alguns diriam que não ou de uma sequência de fracassos. Contudo, quando muitas coincidências acabam se enfileirando, elas se tornam um padrão. Foi quando meus fracassos se enfileiraram que eles finalmente puderam ser chamados de sucesso. Ao menos, é como eu interpreto.
122
37
É claro que naquela época eu não pretendia usar a Máscara de Pedra pessoalmente. Sim, toda aquela força e imortalidade eram incríveis, mas os sacrifícios que eu precisaria fazer eram muito grandes. Eu devo ter lido alguma coisa a respeito nos registros de pesquisa do Jonathan... A Máscara de Pedra trazia à tona o potencial latente do cérebro humano. Potencial cerebral... O cérebro humano é um órgão que até hoje guarda muitos mistérios... A simples ideia de que meros espinhos pudessem despertar habilidades latentes que nós humanos jamais desenvolveríamos era então bem antiga... Despertar o cérebro. Forçá-lo. É essa a finalidade da Máscara de Pedra. Só que mesmo tendo conhecimento disso, ainda restavam muitas perguntas a serem respondidas. Eu só realizei um experimento simples numa cobaia humana. Jamais havia pensado em pessoalmente acabar vestindo a Máscara, só que... Eu fui guiado para uma situação onde não havia escolha senão usá-la. Depois de meu experimento... Depois de minhas andanças boêmias terem terminado, quem eu descobri que já me esperava na residência Joestar era o próprio Jonathan, que retornou em segurança da Ogre Street. Não... “Em segurança”, não... 123
Ele trouxe consigo o chinês que havia me vendido o veneno, bem como um novo amigo que ele havia feito na Ogre Street. Eles me encurralaram. Xeque-Mate. Mas eu deveria ter previsto aquilo, sabendo o tipo de homem que era Jonathan Joestar. Eu havia previsto que aquilo ia acontecer muito antes de eu ter sido realmente encurralado. E mesmo assim, eu não pretendia recorrer a planos tão covardes como fugir da mansão e nunca mais voltar... Eu nunca fugiria de um homem como ele. Eu voltei para encarar Jonathan na mansão Joestar, local onde as garras da morte me aguardavam. “Eu encontrei um antídoto!” “Eu tenho provas de seu plano demoníaco!” “Dio... Sinto muito que as coisas tenham acabado desse jeito. Nós fomos criados como irmãos, mas eu tive que chamar a polícia.” Jonathan disse alguma coisa assim. A meu ver, ele realmente parecia relutante em me acusar. “Eu não sei se você acredita em mim, Dio.” “Mas é assim que eu me sinto.” Como... Como eu devo agir? Tais palavras tão “ternas” foram ditas a mim, o homem que pretendia erradicá-lo... Imagino se Jonathan tinha ideia do quanto elas me machucariam... Do quanto elas me ofenderiam. Aquele olhar... Aquele olhar cheio de compaixão... A maneira como ele me encarou... Eu duvido que ele tenha sabido... Mas eu não expressei minha raiva. Eu tolerei o insulto de Jonathan. E a ele, eu disse... 124
38
Recebi algumas notícias inesperadas, por isso deixei meu último registro incompleto. Se esse caderno é algum tipo de diário ou memorando, sua linha de raciocínio é irrelevante, mas é um pouco incômodo perdê-la desta forma. Ainda assim, eu não tenho escolha. Tem algo que eu preciso confidenciar agora. Algo desagradável. Recebi informações que dizem respeito da derrota da equipe formada por J. Geil e Hol Horse – uma formação composta por usuários de Stand é algo raro neste mundo – nas mãos da caravana Joestar... E parece que isso já aconteceu há dias. Existe um motivo para a informação demorar tanto para chegar até mim. Um motivo previsível e inevitável... Um motivo que eu, Dio, normalmente diria que não daria tanta relevância. Sim, a pessoa responsável por me trazer esse tipo de informação é a velha Enya. E ela enlouqueceu no momento em que ela descobriu. Derrota. E parece que Hol Horse conseguiu realizar uma brilhante fuga enquanto ao filho de Enya, J. Geil, restaram apenas as empaladas vingativas do “Silver Chariot” de Jean Pierre Polnareff. Seu filho havia sido morto. Até mesmo uma bruxa como ela seria capaz de se entristecer dessa forma? Mesmo não sendo uma mulher santa, ela ainda 125
nutre sentimentos maternos? Enfim, eu acabei sabendo porque outro subordinado interceptou a informação e veio até mim para contá-la, mesmo que tardia. Ainda assim, a derrota daqueles dois não foi em vão. Soube que um dos pilares da caravana Joestar, o cartomante Avdol, foi eliminado. Se considerarmos que apenas J. Geil morreu e Hol Horse acabou sobrevivendo, podemos encarar que houve baixas de ambos os lados. Ainda assim, há aqueles que dirão que mais vidas foram perdidas do nosso. Vidas. Almas podem ser subtraídas, somadas mas certamente não podem ser divididas. Ainda assim, levando em consideração nossos números, acredito que esse resultado pode, sim, ser encarado como uma vitória. Ou algo parecido. É, algo parecido com uma vitória. Eu chamaria de vitória, mas a velha Enya, quem podemos considerar o coração de nossa seita e sua organizadora principal, enlouqueceu. Assim, não consigo afirmar se o resultado foi igual para ambos os lados. Fomos severamente danificados. Não, foram danos catastróficos. Sinceramente, já antecipo que talvez não possamos nos recuperar. Neste exato momento, a “Empress” está usando sua Stand para perseguir a caravana Joestar, mas eu gostaria de prever o resultado... Como uma organização pode funcionar sem sua principal cadeia de comando? Parece que a hora chegou. Parece que eu vou ter que agir. Afinal, eu sou o indivíduo cujo destino é interligado com o da família Joestar. E parece que tal interligação precisa ser interrompida imediatamente. Eu preciso planejar. Desenvolver uma estratégia. 126
Assim como eu fiz há um século. Assim como eu tive a necessidade de fazer. Um plano para tirar tudo das mãos do herdeiro Joestar. Mas deixando isso para lá, é melhor eu achar um jeito de resolver a situação da Enya. Daquela mãe que enlouqueceu.
127
128
39
Existem muitas coisas sobre as quais eu poderia escrever. São tantas que eu nem sei por onde começar. Este diário é, acima de tudo, um registro sobre “como chegar ao paraíso”... Desta forma, é diferente da pesquisa de Jonathan sobre a Máscara de Pedra. É por isso que não existe a necessidade de escrever sobre a Máscara de Pedra em seus mínimos detalhes. E continuar a escrever sobre minhas alterações de humor de um século atrás só servirá para me deixar de mau humor Que, nas atuais circunstâncias, só piora. Talvez eu deva interromper momentaneamente minha busca pelo paraíso? Será que eu deveria concentrar a minha atenção em minha rixa com a família Joestar? Talvez eu deva. Não... Se formos pensar com objetividade, o método para se chegar ao paraíso não será descoberto nos próximos dias de maneira alguma. O contrato que assinei é de longo prazo, sem data definida para seu término. Portanto, a coisa mais correta a se fazer é deixar isso de lado por enquanto... É, essa ideia acaba se mostrando um pouco desconfortante para mim. Eu fico enjoado só de pensar ou escrever uma coisa dessas. Esse conceito do que o correto ou o incorreto a se fazer é deveras irritante. Por causa dessas pessoas... Do neto de Jonathan e 129
os outros... Eu preciso me afastar de meu plano original. Agir de forma tão prudente a ponto de ter de adiar meus objetivos é algo que não deveria estar acontecendo. Esse tipo de atitude faz Dio ser menos Dio... Por isso, continuarei atrás de meu objetivo original. Assim, sem mais delongas, continuarei de onde eu parei. Jonathan havia me encurralado... Jonathan sentia pena de mim, mas eu tolerei aquela humilhação e decidi explorá-la. Eu fingi agir graciosamente e, na primeira brecha, eu o apunhalaria com uma faca. Naquela altura, eu não poderia me dar ao luxo de pensar nas consequências. Eu iria matar Jonathan. Naquele momento, aquela era a única coisa que ava pela minha mente... Jonathan, contudo, estava preparado para algo do tipo. Ele já havia trazido até uma tropa de policiais à mansão... Não, eu duvido que essa tenha sido uma ideia de Jonathan. Com certeza, deve ter sido coisa daquele amigo que ele fez na Ogre Street... Acho que seu nome era Speedwagon ou coisa parecida. Ele... Aquela pessoa me acusou... Enquanto eu, Dio, continuava a minha encenação para ver se conseguia fazer a cabeça de Jonathan, ele chutou um candelabro contra mim e gritou: “Esse sujeito fede! Fede mais do que vômito! Eu nunca conheci alguém tão cruel!” “Sua infância definiu quem você é hoje? Não diga asneiras! Você é cruel desde o seu nascimento! Apresse-se e o entregue para a polícia agora!” Tais palavras me soaram tão verídicas. Não foi no mesmo lugar, mas nós dois fomos criados no mais baixo patamar que a escala social permite... 130
Eu, Dio, fui perfeitamente analisado por ele. Contudo, obviamente, nós não nos daríamos tão bem assim. Sequer consigo me imaginar próximo a ele. E é possível que eu realmente tenha nascido mau... Tenho certeza disso. Eu não me recordo de ter sido puro ou bom algum dia de minha vida, ou sequer algum momento em que eu possa ser considerado inocente. Eu sempre zombei da santa que era a minha mãe e não me recordo de já ter feito uma boa ação sequer alguma vez na vida. Se eu realmente fiz alguma coisa boa durante os sete anos sob os cuidados dos Joestar enquanto eu me fazia de bom filho e estudante, foi tudo porque eu visava usurpar a fortuna da família, então não pode ser considerada, de fato, uma boa ação. Foi uma atitude falsa, insincera, que me torna pior do que alguém que realiza más ações de forma direta. Speedwagon tinha razão. Eu nasci mau. Suas palavras eram verdadeiras... Contudo, aquele foi seu único acerto. Ele não tinha noção. Mesmo que eu já tivesse nascido cruel. Mesmo que a minha alma já seja maldita, o lugar de onde vim era realmente horrível. Eu sou cruel. E minha infância foi ruim. Não há contradições, somente constatações. Depois daquilo, eu coloquei a Máscara de Pedra. Eu renunciei à minha humanidade. Surpreendentemente, quem acabou me incentivando a realizar tal ato foi aquele homem, Speedwagon. É estranho pensar dessa forma. O destino pode parecer algo imutável, mas na verdade, é só cometer alguns erros que ele pode ser mudado com certa facilidade. 131
40
Eu implantei um parasita na Enya. Foi a única maneira que encontrei para fazê-la recuperar sua sanidade. Ao menos, era isso o que eu pretendia quando fiz tal gesto. No fim das contas, ela não voltou ao normal, só melhorou um pouco. Recebi a notícia de que tanto “Empress” quanto “Wheel of Fortune” tinham sido derrotados por Joseph Joestar. Agora, ela mesma partiu para eliminá-los, sem me questionar antes. Imagino qual será o resultado. A Stand da velha Enya, “Justice”, a permite controlar simultaneamente um número imenso de cadáveres de um modo que rivaliza até mesmo o poder da Máscara de Pedra... Numa luta mano a mano, não consigo pensar em alguma Stand que seja párea contra a dela. Mesmo contra um grupo, não acredito que o resultado seja diferente. A habilidade daquela velha consegue superar a desvantagem numérica... Minha única preocupação é o efeito de meu parasita, embora eu não tivesse outra escolha senão implantá-lo. Como consequência, a força de sua Stand vai diminuir e isso é algo a se preocupar, de fato. Eu não estou com muita vontade de escrever hoje. Amanhã eu continuo.
132
41
“Dio...” “Eu ouvi tudo.” “É uma vergonha... Não, é uma tragédia.” “Eu tinha uma dívida com o seu pai... Eu tentei amá-lo como se fosse meu próprio filho.” “Eu vou me retirar aos meus aposentos. Eu não quero ver meu filho sendo preso.” Essas foram as palavras de meu pai adotivo. Ao menos, as que me lembro. As palavras de George Joestar. Seu olhar era de pena, assim como o de seu filho, Jonathan... Suas palavras eram sinceras. Ele estava verdadeiramente triste. E eu realmente acredito que ele não queria me ver sendo preso, assim como ele deve ter me amado da mesma forma que amava Jonathan. Acabei de perceber uma coisa enquanto eu escrevo. Será que George já não sabia sobre o meu plano? Sobre as tramoias malignas de seu filho adotivo? Sem falar daquilo que ele tinha acabado de dizer, sobre o homem com quem tinha uma dívida, Dario Brando. Ele sabia que não estava em dívida coisa nenhuma. E que ele havia sido roubado... Mesmo sabendo daquilo, ele continuava afirmando veementemente que estava em débito com o meu pai, que tomaria conta de seu filho e, por fim, o amaria. 133
Ele, de fato, era um homem capaz desse tipo de coisa. Talvez... Mesmo sabendo que seu filho adotivo estava tentando matá-lo com o intuito de herdar a fortuna da família e tomar o controle de sua linhagem, ele continuaria me amando como seu filho adotivo tanto quanto ama seu filho legítimo. A droga que eu dava para ele. Talvez ele a consumisse mesmo sabendo que era veneno, não remédio... É esse tipo de coisa que me incomoda. Se ele estivesse tomando mesmo aquele veneno por livre e espontânea vontade com a ideia de que eu fosse uma hora desistir de meu plano, eu talvez realmente cedesse... Essa sua lógica seria muito mais do que simples loucura ou qualquer coisa parecida que eu já tenha sentido nesse mundo. É diferente de ternura ou cavalheirismo. É amor incondicional. O quanto aquele “doador” estava disposto a doar para mim? Não... Eu estou divagando demais. Eu duvido que alguém realmente fosse capaz de fazer alguma coisa dessas. Isso vai muito além de qualquer beatificação. O amor desse pai superou o da mãe... Ainda assim, eu acredito... Eu acredito que o fato desse pai ter se sacrificado para proteger seu próprio filho de ser morto por seu filho adotivo é uma agem direta para o céu. Para um paraíso onde nem minha mãe seria capaz de pisar. Talvez num lugar onde ele possa ter reencontrado Dario Brando. Se os dois pais tivessem se reunido... Sobre o que eles falariam? 134
Não é como se eu estivesse começando a me sentir mal... Mas eu continuarei amanhã.
135
42
Eu fui encurralado... Tinha sido encurralado e lastimado tanto por George Joestar quanto Jonathan Joestar. Eu, então, decidi colocar a Máscara. Eu decidi renunciar à minha humanidade. Se naquela mansão estivesse apenas os Joestar pai e filho, ou ainda, eles mais o Speedwagon, eu teria escolhido brigar como um ser humano comum em vez de colocar a Máscara de Pedra. Contudo, naquela situação, em que havia uma tropa inteira de policiais carregando armas de fogo, não havia outra opção viável... Eu não previ aquilo. Foram eles que me forçaram a colocar a Máscara de Pedra. Por um lado, foram eles que me forçaram a renunciar à minha humanidade. Por outro, eu só fui capaz de finalmente tomar essa decisão graças ao empurrão deles. Eu finalmente fui capaz de rejeitar a minha humanidade. Eu acredito ter dito alguma coisa do tipo ao Jonathan... “Que ao menos seja você quem vai me algemar”... Quando ele se aproximou... Sim, eu disse: “JoJo...” “As habilidades de um ser humano são limitadas.” “Se eu aprendi alguma coisa em minha curta vida, é que quanto mais planos você faz, com mais frequência eles acabam falhando de maneira inesperada.” “Exceto se você se tornar algo além de um ser 136
humano...” Até hoje, eu não mudei de ideia quanto a isso. Quanto mais planos são traçados... Com mais frequência eles vão acabar falhando por circunstâncias inesperadas. Contudo, eu tenho um adendo a tal sentença: Mesmo depois de se tornar algo além de um ser humano... No fim faz contas, na mesma frequência com que você traça os planos, eles acabam falhando por circunstâncias inesperadas. É isso mesmo. Até hoje, eles continuam falhando. “O caminho para o paraíso...” Por causa da família Joestar, meu plano que a esta altura, já deveria ter sido bem sucedido, continua falhando, sempre alvo de circunstâncias inesperadas e imprevistas. Como se elas fossem inevitáveis. De qualquer modo, com Jonathan bem à minha frente, eu decidi colocar a Máscara. E diante de seus olhos, eu renunciei à minha humanidade... Eu já tinha a intenção de deixar de ser humano ao me banhar com o seu sangue, mas no fim das contas, a culpa foi daquele que o protegeu. O Sangue de George Joestar. O pai protegeu o seu filho. E os espinhos da máscara desbloquearam o meu cérebro.
137
43
Soube através do Steely Dan que a “Justice” da velha Enya havia sido derrotada pelo “Star Platinum” de Jotaro Kujo. Parece que o parasita, de fato, tem um efeito colateral... Enfim, ordenei que Steely Dan executasse a velha Enya. Eu só faço o que deve ser feito. Eu só fiz o que deveria ter sido feito. Não sou abalado por emoções mundanas. Mas, parando para pensar no que vem a seguir, eu começo a ficar preocupado... Só de pensar em todas as atividades que eu havia confiado à Enya e agora foram interrompidas já me deixa exausto. Vou descansar um pouco.
138
44
Qualquer um que esteja usando a Máscara enquanto ela entra em contato com sangue acaba por se tornar um vampiro, sem exceção. Contudo, o quanto de consciência humana mantida pelo usuário depende de pessoa por pessoa. Por exemplo, o homem que serviu como cobaia de meu experimento acidental, a primeira vítima da Máscara que cheguei a presenciar. Mesmo que ele tenha se tornado um vampiro, suas ações não iam além das de um simples zumbi. A sede por sangue personificada... Eu também estava um pouco confuso na hora, então, não serei preciso em meu relato, mas acredito ser possível afirmar que ele perdeu sua sanidade e sua razão. Ele não tinha nenhum resquício de sua personalidade original. Então, creio que, dependendo da força mental de cada indivíduo, os efeitos da Máscara podem variam. Enquanto existem aqueles cujo ego se perde com o enganchar daqueles espinhos, tornando-se um monstro de corpo e alma, existem aqueles que se tornam vampiros, com sua sanidade intacta. Bem... Parando para pensar, talvez eu já tenha perdido a minha sanidade, razão e consciência tempos atrás. Alguns podem dizer que eu já havia ficado louco. Mas eu estou bem, desde que eu continuasse sendo quem sou. 139
Mesmo que eu tenha renunciado à minha humanidade. Se eu tenho noção de mim mesmo, é suficiente. Enquanto eu, Dio, mantiver o meu orgulho. Não me refiro a Dio Brando. Não me refiro a Dio Joestar. D-I-O. Enquanto eu continuar sendo essencialmente DIO... Eu não me preocuparei com mais nada. É o que importa. Eu até ito que colocar a Máscara de Pedra só porque fui encurralado há cem anos possa ser um ato de desespero. Contudo, fico satisfeito que minha razão... Que o meu eu, permaneceu intacto. A minha sorte, contudo, acabou aí. Bem aí. Isso porque no final, depois de poucos minutos, acabei sendo derrotado pelo poder explosivo de Jonathan. Mesmo que eu tenha conseguido erradicar a tropa policial com o meu poder vampiresco, Jonathan acabou me carbonizando até a morte junto com mansão. Eu havia sido carbonizado junto daquela mansão, de onde eu guardava tantas memórias dos últimos sete anos. Não... Para ser preciso, não foram as chamas que me mataram. Eu poderia escapar daquele incêndio tranquilamente com a minha recuperação de vampiro. Mas eu não pude. Eu fui carbonizado pela Vênus, a deusa do amor e padroeira da casa Joestar.
140
45
Reler o registro de ontem me deixa envergonhado. Ser incinerado pela deusa do amor? Mesmo tendo colocado como uma metáfora, eu acredito ter ido longe demais. O que afinal eu estou escrevendo? Poemas ou coisa do tipo? Não foi nada disso. Eu fui derrotado pela sorte de Jonathan. Pela sua sorte e por sua inconsciência. A Estátua da Vênus que decorava o saguão da mansão Joestar, um simples objeto de decoração, foi usada por Jonathan de forma inconsciente. E eu perdi. Isso é tudo. Eu vou me relegar aos fatos de como ele, com seu frágil corpo à base de carne e sangue foi capaz de subjugar-me, o Vampiro Imortal... Sem me ater a qualquer liberdade poética, escreverei, a partir daqui, apenas fatos. Depois de ver meu corpo resistir a uma saraivada de tiros da tropa policial como se eles não fossem nada... Depois de ver meu poder de recuperação, parece que Jonathan tentou me queimar até a morte. E simples chamas não seriam suficientes. Ele tentou me matar com um incêndio, que viria a pôr abaixo toda a mansão Joestar... Para ser honesto, parecia até que ele não se importava de ir para o outro plano. Um suicídio duplo, digamos assim... Parece que sacrificando a si mesmo... Ele se certificaria de que eu 141
teria sido completamente carbonizado e não poderia escapar. O pior é que, ainda por cima, Jonathan conseguiu sobreviver. A única desculpa que consigo encontrar para o fato de somente eu ter sido queimado daquele jeito é o destino. Aquela história de luz e trevas... Sorte e azar. Eu estava a falar sobre o inconsciente... Sobre como ele, inconscientemente utilizou a arquitetura da Mansão Joestar, onde ele viveu toda a sua vida, a seu favor, bem como fez uso daquela estátua que esteve naquele saguão por todo esse tempo... Só que com relação ao conhecimento da estrutura da mansão Joestar, eu não ficava muito atrás do Jonathan. E, ainda assim, ele sobreviveu. E eu “morri”. Qual é a diferença? Como eu já citei, é apenas uma questão de sorte. Mas é isso o que decide tudo? Será que a ida ao paraíso também é decidida dessa forma? Quem tem sorte, pode chegar até o Reino dos Céus, enquanto o azarado, não? É só isso? Não é uma questão de nobreza ou orgulho. Não é uma questão de praticar boas ações ou ser filantropo. Eu me pergunto, o que a minha mãe queria dizer ao falar do paraíso, para início de conversa? Eu sei que já é tarde demais para tratarmos desse assunto, mas minha compreensão sobre o mesmo ainda é muito vaga. Eu realmente não consigo enxergar o conceito de paraíso relacionado a alguma religião. Será que se refere apenas a “um lugar melhor”? Sendo bem sincero, qualquer lugar era melhor do que aquela favela onde nós morávamos. Então, podemos levar em consideração que todos os lugares do mundo, com exceção daquele, eram o paraíso? Dessa forma, simplesmente sair da casa dos 142
Brandos em direção à cidade já a deixava feliz? Ela era capaz de ir ao paraíso. Minha mãe se parecia com um monge asceta que estava cumprindo sua penitência atrás de sua epifania, a julgar pelo jeito que ela vivia – até morrer – naquela favela. É isso o que chamam de compaixão? Compaixão pelo meu pai. Compaixão por mim. E compaixão por todos os habitantes daquele local. Como uma santa. Será que era isso mesmo? Se tudo for mesmo uma questão de sorte, tanto este registro quanto minha empreitada em descobrir o caminho em direção ao paraíso perde o significado. Porque não importa o quanto eu pense sobre o assunto, o quanto eu rache a minha cabeça para descobrir... Não importa o quanto eu planeje, graças a circunstâncias inesperadas, graças a consequências imprevistas, tudo será em vão. Sorte. Talvez o meu azar já tenha começado ao nascer de Dario Brando e daquela minha mãe tola... E a sorte de Jonathan já começou quando ele nasceu como o herdeiro da família Joestar. Então, o próprio nascimento é a causa de tudo? A própria concepção é a causa de tudo? Dessa forma, é válido afirmar que a opinião do Speedwagon estava incorreta. As circunstâncias de seu nascimento são, de fato, um fator relevante. Então, talvez, nascer mal e nascer sob más circunstâncias, não são a mesma coisa? Assim, ser capaz ou não de alcançar o paraíso depende das circunstâncias de seu nascimento? Eu já tinha chegado à conclusão de que minha mãe não foi para o paraíso. Mas... E se ela conseguiu chegar 143
lá graças às suas boas ações ao longo de sua vida terrena ou por algum outro motivo que eu sinceramente não dei a mínima até agora? Se esse for o caso, o que eu estou fazendo agora é completamente inútil. Inútil e sem significado. Devo descartar esse diário imediatamente? Talvez seja a melhor coisa a se fazer. Talvez eu consiga conquistar o paraíso sem precisar fazer absolutamente nada. E se eu não puder, não importa o que eu faça, não serei capaz de subir aos céus. Esforços são inúteis e qualquer forma de resistência é fútil. E se for apenas isso o que me resta?
144
46
Mesmo se for simples assim, eu pretendo, por enquanto, continuar com esse registro até o seu fim. Mesmo se não houver qualquer motivo para tal. Ao menos, eu poderei terminá-lo só para ter o prazer de poder relê-lo mais tarde... Já que depois de derrotar a caravana Joestar e ter conseguido o controle total desse corpo, eu vou perder a minha motivação para viver. Então, como uma espécie de preparação para quando chegar o derradeiro momento, eu continuarei esse registro como uma forma de obter prazer e, consequentemente, uma vida melhor. Agora, estou um pouco abalado. Meus fracassos, além de frustrantes, não são muito agradáveis de lembrar ou sequer de registrá-los. Com o intuito de me acalmar, hoje eu escreverei apenas sobre acontecimentos recentes. Dissertarei apenas sobre o que aconteceu nos últimos dias. A Stand “Lovers”, do Steely Dan, foi derrotada. Bem como a “The Sun” e “Death 13”. Parece que o usuário do “Judgement” e a usuária da “High Priestess” já estão a caminho, mas eu não consigo acreditar que eles serão capazes de interceptar a caravana Joestar. Tais usuários eram subordinados diretos da velha Enya. Agora eles estão agindo por conta própria... Não estão esperando que eu, Dio, instrua-os de alguma 145
forma. Eles não dependem de ninguém para agir. Irei ainda mais longe e afirmarei que as coisas já estão fugindo do meu controle. Por estarem fora de minha jurisdição, eu não tenho como pará-los... Talvez eu devesse ter implantado parasitas neles antes que as coisas atingissem esse ponto, mas é óbvio que a eficácia desse método já foi refutada. Parece que Iggy, o cão usuário da “The Fool”, também já está sob a jurisdição da Fundação Speedwagon. Speedwagon. Aquele homem. Mesmo morto, ele me causa problemas. Só de olhar para essa corporação que ele ergueu, não importando o quão ruim ele tenha sido em seu ado, me faz questionar se aquele homem era um “herdeiro” ou um “doador”. Espera. Isso está ficando ridículo e eu estou fugindo do que eu prometi agora há pouco. Enfim, é provável que o tal de Iggy se una à caravana Joestar num futuro próximo. Pelo que eu escrevi, deu a entender que só aconteceram coisas ruins até agora, mas também tenho boas notícias. Assim como o cão da “The Fool” e o orangotango da “Strength”, encontrei outro animal usuário de Stand. O usuário da Stand “Hórus”. É um Falcão. O nome que dei a ele (?) é Petshop e o coloquei para fazer a guarda da mansão. Com Petshop, consegui reunir todos os “Nove Deuses Egípcios da Prosperidade” sob meu comando. Eles são de uma categoria totalmente diferente dos usuários relacionados às cartas do tarô, subordinados da velha 146
Enya. Pretendo, em breve, reunir todos eles na mansão. Antes que todos os usuários que Enya enviou sejam eliminados... Enquanto eles arriscam suas vidas em troca de mais “tempo”. Ah, sim. Preciso ter uma conversa a sós com o Hol Horse...
147
47
Combinei com o Pucci um dia em que ele pode voltar à mansão. Até lá, tentarei formular uma definição exata e particular sobre o “paraíso”. O que é o paraíso?
148
48
Agora que eu já me acalmei, continuarei a escrever sobre os eventos de um século atrás. Eu perdi. Para o Jonathan. Não... Perdi tanto para o Joestar pai quanto para o Joestar filho. Eu perdi... Eu morri. Eu fui assassinado. Mas eu não morri. Eu não fui assassinado. Eu sobrevivi. No último instante, uma pilastra que cedeu graças ao incêndio acabou por destruir a estátua da deusa que me empalava. Assim, eu sobrevivi. Se isso era o que o tal chinês chamava de sorte, eu tive sorte. Deve ter sido isso mesmo. Levaria tempo para eu me recuperar do estado em que fiquei – um estado que parecia além de qualquer recuperação - mas eu consegui me manter vivo. Eu sobrevivi. Minha vida continuou. Não era uma vida humana, mas ela continuou. E continua até hoje. Eu não escapei da morte, simplesmente. Eu consegui sobreviver. Foi isso o que aconteceu. Eu tive que me esconder por um tempo. Eu podia ter me tornado um vampiro imortal com uma habilidade de recuperação poderosa, mas ficar à beira da morte e escapar por um triz levaria tempo para eu me recuperar, 149
assim como uma força vital considerável. E, enquanto esperava o meu corpo voltar ao normal, eu reunia seguidores como Jack, O Estripador, e me deliciava com o sangue de jovens donzelas. Eu me recuperei. E esperei ansiosamente pelo dia em que me vingaria de Jonathan. Contudo, enquanto eu concentrava os meus esforços na recuperação do meu corpo, Jonathan aprendeu o tal de Hamon. A energia do sol utilizada como uma forma de celebrar a força da humanidade. Ou ainda, uma celebração da vida. Ou da alma. Essas técnicas... Ele aprendeu essas técnicas que tinham como a principal finalidade o extermínio de vampiros. Ele as aprendeu. Talvez eu já tenha o citado anteriormente, mas quem ensinou tais técnicas ao Jonathan foi um homem chamado William A. Zeppeli. Ele era o mestre de Jonathan. Pelo o que ouvi, Jonathan reencontrou Erina pela primeira vez em muitos anos e, enquanto ambos davam um eio, se deparam com Zeppeli, que os esperava. Após curar o braço quebrado de Jonathan e gentilmente informá-lo de que eu, Dio, estava vivo, decidiu ensiná-lo a arte do Hamon. Que piada. Não, eu não deveria rir de uma coisa dessas. Sendo bem sincero, eu fiquei furioso. Não importa o quão longe ele vá, Jonathan ainda é um “herdeiro”. Ele nunca teve que ir em busca de um meio de me derrotar. Ele nunca precisou viajar até os confins do Tibete e implorar para ser treinado. 150
Sem falar que a informação de que eu, seu arquiinimigo, estava vivo, praticamente caiu em seu colo. Aliás, eu tinha certeza de que ele tinha pensado algo como “É hora de esquecer tudo isso”, referindo-se a mim e à Máscara de Pedra. Ele era o tipo de homem que não queria que a sua imagem se assimilasse a um assassinato. O tipo de homem que queria se esquecer do gosto do pão que ele havia saboreado. O tipo de homem que iria descuidadamente retornar à sua vida cotidiana, como se nada tivesse acontecido, algo que teria deixado com que eu, Dio, ficasse extremamente satisfeito, é claro... Contudo, Zeppeli “doou” tudo o que tinha e Jonathan “herdou” de bom grado. A arte do Hamon. E a maldição da Máscara de Pedra. Ele herdou tudo isso. O próprio Jonathan nunca mexeu um dedo sequer. Ele simplesmente “herda” tudo que lhe “doam”. A vida de Jonathan Joestar foi extremamente preguiçosa. Vendo por este ponto, parece que o bêbado do meu pai e Jonathan Joestar têm alguma coisa em comum. E é possível afirmar que eu era considerado o arqui-inimigo de ambos. Contudo, meu pai era um “tomador”. Um “tomador”, assim como eu. Então, se analisarmos a fundo o conflito entre mim e Jonathan, encontraríamos um embate entre “tomadores” e “herdeiros”... E, se aprofundarmos mais tal análise e considerarmos que eu perdi, concluiríamos que, no fim, não importa o quanto tentemos, nós, “tomadores”, jamais venceremos contra os herdeiros, assim como os pobres jamais vencerão dos ricos. Não, isso não faz sentido. 151
É verdade que eu perdi a batalha. Mas a guerra contra a linhagem Joestar ainda não acabou. De fato, ela continua até hoje.
152
153
49
“Geb”, N’Dour. “Khnum”, Oingo. “Thoth”, Boingo. “Anúbis”, que não tem um usuário próprio. “Bast”, Mariah. “Seth”, Alessi. “Osíris”, Daniel J. D’Arby. “Atum” Terence T. D’Arby. “Hórus”, Petshop. Os nove deuses do panteão egípcio. Eu reuni todos eles, mais o Hol Horse, em minha mansão... De fato, o conjunto completo merece ser chamado de obra-prima. Se todas essas dez Stands formassem uma equipe e atacassem em conjunto, acredito que nem eu seria capaz de derrotá-las. Mas eu tenho certeza de que isso jamais irá acontecer. Eles não formarão uma equipe. Eles não formarão uma dissidência. Usuários de Stand são extremamente apreensivos quando se diz respeito a outros usuários de Stand, principalmente quando o assunto em pauta é a habilidade de cada um, como eu já disse anteriormente. Contudo, sempre existem exceções à regra. Refiro-me a Hol Horse e aos irmãos Oingo e Boingo. Já deleguei as funções de cada um sobre como será 154
o procedimento a partir daqui. Como é muito provável que a caravana Joestar consiga ar pelo “Judgement” e pela “High Priestess” e chegue ao Egito, instruí a cada um que os embosquem numa cilada e os eliminem. Eu ainda não consigo medir o real potencial daquela equipe, que se provou muito mais forte do que eu previa. De acordo com as informações que chegaram até mim, parece que a Fundação Speedwagon descobriu sobre esta reunião. Em outras palavras, a caravana Joestar já tem consentimento sobre esta mansão onde eu, Dio, estou me escondendo. Tenho repulsa em relação à simples ideia de fugir, mas é uma hipótese que agora me parece bem tentadora. Chamarei Vanilla Ice e Kenny G. Vanilla Ice, aliás, é o meu ás na manga. Contudo, é impossível prever o resultado.
155
50
Escreverei agora o que eu consegui extrair da reunião de ontem. Eu devia ter feito isso no último registro, mas eu precisava de tempo para tirar as devidas conclusões... Porque a ideia que eu tive ainda é absurda até para mim. Não, acho que irei guardá-la para outro dia. Eu tenho o péssimo hábito de me precipitar. Fazer esse tipo de coisa, até agora, só denunciou as várias brechas em meus planos, não é? Sejam eles relacionados ou não à minha busca ao Paraíso. Hoje, irei me ater somente a fatos. Receio que a melhor forma de descrever o que direi a seguir é “previsível”. “Judgement” e “High Priestess” foram derrotados pela caravana Joestar. E as notícias ruins não acabam por aí. Parece que Muhammad Avdol, o mestre da Stand “Magician’s Red”, quem acreditávamos ter sido eliminado por J. Geil e Hol Horse, sobreviveu. E o fato de ele ter sobrevivido não foi uma simples coincidência ou coisa do tipo. Era tudo parte do plano de Joseph Joestar, o astuto neto de Jonathan, que consistia em se “fingir de morto”. Infelizmente, sou obrigado a itir que eu caí em seu plano. E, por causa disso, eles finalmente conseguiram chegar ao Egito. É inacreditável que, em segredo, Avdol se fingiu de morto e ainda conseguiu preparar um submarino. 156
Ouvi relatos de que tal submarino foi completamente destruído pela High Priestess, além de quase conseguir deixar Jotaro em um estado irrecuperável. Até ser derrotada. Por outro lado, consegui perceber uma característica minha que, até então, eu vinha ignorando. A característica de aceitar, com calma, quaisquer notícias ruins. Uma característica que, de algum jeito, ei a encarar como uma boa notícia. Dizer que o plano de Joseph Joestar foi astuto pode parecer condolência de minha parte, mas aquilo não ou de uma trapaça nojenta capaz de humilhar o inimigo de forma decepcionante. Sem falar de Jotaro Kujo, que mesmo sendo um inimigo usuário de Stand, demonstrou pouquíssima misericórdia ao bater em uma mulher a ponto de deixála em estado irrecuperável. Falando nisso, Joseph também derrotou a usuária da “Empress” sem qualquer hesitação... Ações completamente inaceitáveis para alguém como Jonathan Joestar ou George Joestar. Atitudes sem qualquer tipo de cavalheirismo que seriam inaceitáveis, cem anos atrás. Até consigo relaxar um pouco, pensando assim. Tais “herdeiros”, no final das contas, não herdaram todo o ímpeto de Jonathan. De algum jeito, um pouco desse ímpeto – ou talvez todo – tenha se esvaído. Então eles não são motivo para eu me preocupar. Tenho certeza de que eles serão derrotados por algum dos nove Deuses Egípcios. Dependendo de quem for, pode até ser fácil, como o caso do N’Dour. Aguardarei ansiosamente pelo amanhã. Amanhã, quando eu conseguirei organizar melhor os meus pensamentos. 157
51
As Stands dos nove Deuses Egípcios, assim como as já citadas habilidades dos irmãos D’Arby, são únicas. Acredito que as cartas de tarô podem ser consideradas algum tipo de protótipo... Ontem eu disse alguma coisa sobre eu ser derrotado se todas juntas decidirem me atacar - ou coisa parecida – mas dependendo de como for utilizada, é capaz de que alguma delas sozinha seja capaz de fazer frente a mim, Dio. Entre elas, a que mais chama a minha atenção é a “Thoth” do Boingo. Ele é um pouco tímido. Ou melhor, ele tem o hábito de não confiar nos outros. Como ele só se abre para o seu irmão mais velho, Oingo, tenho dificuldades em conversar com ele... Contudo, se for para descrever a habilidade da “Thoth”, afirmo que é algum tipo de “vidência”. Sua Stand se manifesta através de um gibi. E naquele gibi, o futuro é ilustrado através de uma história em quadrinhos... Contudo, tem a desvantagem de prever apenas o futuro próximo, além de não deter nenhum tipo de poder de combate. Ainda assim, tal Stand é extremamente perigosa graças às suas previsões. Disseram-me que é impossível que o futuro previsto divirja do futuro factual. “Minhas previsões têm 100% de eficácia”. Foi o que ele disse. 158
Para um garoto como ele - sem o mínimo de autoconfiança – dizer alguma coisa com tanta convicção, deve ser verdade. E, até agora, se provou assim. Foi isso o que eu pensei quando soube da habilidade da “Thoth”. “Ela pode ser utilizada com algum propósito?” “Por que você iria querer saber um futuro inalterável, para início de conversa?” “Se o destino é imutável, saber sobre ele não vai fazer nenhuma diferença, vai?” Foi isso o que eu pensei. Certamente, seria muito confortante saber de um futuro agradável... Ou melhor, a respeito de um futuro desejável. Isso, com certeza, concentraria todos os meus esforços em ter noção do meu futuro o mais rápido possível. Mas e se a previsão do livro-Stand em questão for um futuro completamente indesejável, o que eu deveria fazer? Colocando uma hipótese extrema, e se ele previr a sua própria derrota? Se existisse alguma maneira de driblar tal futuro, seria fantástico, mas é algo impossível. “100% de eficácia”. Inevitável... Se uma tragédia for, de fato, inevitável, é melhor não ter ideia da mesma, não é? Saber uma coisa dessas dá no mesmo que saber toda a trajetória de alguém logo no instante de seu nascimento. Não importa quanto esforço você aplique com a intenção de mudar o seu destino, seria um gasto desnecessário. O nascimento é a origem de tudo. Por exemplo, se a “Thoth” do Boingo prever sua morte, o que você vai fazer? É o que permeia a minha mente agora. 159
Olha, pode parecer uma dúvida em cima da qual eu ei muito tempo pensando a respeito, mas ela só brotou há dois dias, quando eu a esclareci. Eu perguntei ao Boingo. Se ele previsse sua morte, ou ainda, um futuro extremamente desagradável, triste – como a morte de seu irmão, talvez – o que ele faria a respeito? Seria esta uma pergunta cruel a se fazer a uma criança? Mas eu não podia fazer nada senão perguntar. Porque a resposta, por algum acaso, poderia servir como uma pista em minha empreitada até o Paraíso. E isso antes da caravana Joestar chegar. Eu tive que perguntar. Boingo estava se escondendo. Não estava me encarando nos olhos, ele tremeu e gaguejou... Mas com uma vontade não característica, me respondeu: “Mas...” “Mas ainda assim, Lorde Dio...” “Se você encarar uma tragédia inevitável... Saber sobre ela lhe dá a vantagem de se preparar.” Palavras tão verdadeiramente sábias que nem parecem ter vindo de uma criança. Por causa dos meus pais, eu amadureci bem rápido, mas eu duvido que fosse capaz de dizer alguma coisa tão audaz quanto quando tinha a mesma idade do Boingo. Se você conhece o seu futuro, você pode se preparar para ele. Você pode se preparar. E isso levaria ao conforto. Em outras palavras... Não seria o próprio “futuro”, o “Paraíso”? Saber sobre seu futuro ruim não é motivo de “desespero”, mas um motivo para “esperança”, não é? Mesmo sabendo que você vai morrer amanhã, você 160
pode se preparar para o acontecimento e, assim, ficar confortável, mais feliz, a respeito, não? O “preparo” afasta o “desespero”. E, assim, chego à conclusão de que o próprio futuro é o paraíso. Contudo, tal conclusão ainda não a de uma hipótese... A Stand do Boingo não é o suficiente. “Thoth” não é o suficiente. Aparentemente, a única preparação possível para uma previsão tão simples e imediata é o seu consentimento. Não é possível extrair muitas soluções a partir do conhecimento de um futuro tão próximo. E não são essas soluções que eu busco... Existe uma grande diferença entre se preparar para um tropeção e ao fato de alguém com quem você se preocupa muito se envolver em grande perigo. Depende muito da situação. E sem grandes soluções a longo prazo, eu duvido que alguém consiga conquistar o paraíso. Ainda não é o suficiente. Não, por enquanto. Eu ainda não acredito que isso é o suficiente para dizer que existe um meio de chegar ao paraíso... Seria possível que eu tenha ficado tão fascinado com tal ideia que até agora eu só olhei para frente, sem espiar o que ficou para trás? Afinal, o que é este caderno? Um registro da estagnação dos meus planos? Ridículo. Acabei me apegando a pensamentos impróprios. Não é algo que eu, Dio, assim como um imperador, deva deixar acontecer. Vamos colocar tudo em ordem. O que é necessário para conquistar o paraíso. “As almas de trinta e seis pecadores”. “As quatorze palavras”. “Um amigo em quem eu possa depositar minha confiança incondicional”. E a minha Stand. A Stand do “Tempo”. 161
“The World”. É. Está certo. Eu realmente estou fazendo algum progresso. Estou avançando. Assim como o tempo a, eu estou avançando firmemente no meu próprio o. Isso é certeza. Não importa o que me falta ou o que eu já perdi. Tal noção é algo que não me resta dúvidas. Eu posso ter perdido a oportunidade, mas agora é a melhor hora... Porque aqui, eu vou escrever o motivo das almas de trinta e seis pecadores serem necessárias... Até aqui, eu as citei como a matéria-prima principal para chegar aos céus, mas graças aos esforços de Boingo, eu tive a certeza. Minha própria determinação. Acredito que já fiz um progresso considerável nela. É claro que apenas a determinação não é o que vai me levar a completar o meu objetivo... Eu já escrevi sobre como é que a soma das almas foi incluída na equação, mas e sobre o número exato? Quanto vale exatamente a alma de uma única criatura? Vamos partir do pressuposto do número dez. Partindo do número dez, consideramos que é o número mais simples para um ser humano - ou melhor, um vampiro – dividir. De todas as bases numéricas, a que se sustenta nos múltiplos de dez é a mais difundida. Acredito que é justamente porque humanos têm dez dedos nas suas duas mãos. Então será a minha base a partir daqui, também. Vamos atribuir a essas almas uma proporção de “maldade” e “bondade”. Parece que a alma da maioria dos humanos está na proporção de meio a meio, cinco para cinco... Daniel J. D’Arby é capaz de dividir as almas que ele transformou em fichas, mas o número máximo que ele consegue é dez. 162
Foi quando eu soube disso que eu ei a acreditar que a hipótese do número dez estava correta. O problema é como classificar essas dez fichas. E então, dividi-las entre pretas e brancas, na proporção certa. Para um homem justo e honrado como Jonathan Joestar, todas as dez fichas seriam brancas. Uma proporção de dez para nenhuma, sendo uma boa pessoa. O mesmo ocorreria com a minha mãe. Uma mulher imaculada também estaria na proporção dez para nenhum. Uma santa. E para mim, ou alguém como Jack, o Estripador, ou ainda o filho da Velha Enya, J. Geil, tenho certeza de que todas as dez fichas seriam totalmente negras. Proporção dez para nenhum. O que eu busco são trinta e seis pessoas com dez fichas negras. É uma conta fácil até para uma criança. Trinta e seis vezes dez, trezentos e sessenta. Trezentos e sessenta é o número que representa um círculo. Ao mesmo tempo, um relógio. Com trinta e seis almas, mais a minha, o relógio vai dar uma volta completa. Sim, mais de trinta e seis almas indica um número maior do que uma revolução completa. O Tempo torna-se uma revolução. É assim que se conquista o paraíso. Este é o guia. Do jeito que eu escrevo, dá até a impressão de que eu conheço o assunto com profundidade, mas neste exato momento, meu raciocínio não está completo. Se essa lógica estiver correta, para colocá-la em prática, eu preciso ter coragem para abrir mão da minha Stand, temporariamente. O que eu preciso é coragem. 163
A coragem para abrir mão da minha Stand... Os resquícios da minha Stand irão conduzir e absorver as almas dos trinta e seis pecadores. E algo novo irá nascer daí. Fazendo isso, tal ser recém-nascido irá finalmente despertar... E as quatorze palavras preferidas pelo meu amigo de confiança representarão sua inteligência. O amigo confia em mim. E eu serei o seu amigo.
164
52
Parece que o Jonathan aprendeu o Hamon com bastante facilidade... É claro que seu treinamento foi rigoroso. Com uma semana ou duas de... Chamaremos isso de “dedicação”, ele foi capaz de dominar a arte do Hamon... Ah, francamente, como eu posso dizer... Sendo direto, isso me incomoda de verdade. Algo que eu e a grande maioria dos seres humanos é incapaz, ele conseguiu com muita facilidade. Como se ele tivesse recebido de bandeja, como se ele tivesse “herdado”, ou ainda como se já estivesse com ele por durante todo esse tempo... Enfim, ele conseguiu dominar, de uma maneira ou outra. Talvez seja o que chamam de talento. Uma dessas qualidades que só aparecem uma vez a cada dez mil. Com uma baboseira dessas, ele rapidamente me alcançou, alguém que fez grandes sacrifícios e cuja humanidade foi transcendida. “Tomadores” e “herdeiros”. A diferença entre ambos é tão grande assim? Imagino se eu soubesse isso desde o princípio, de que tal discrepância fosse tão gritante e que isso se complicaria no futuro... Teria eu decidido acabar com tudo isso logo no começo? Se eu conhecesse o meu futuro, teria eu me tornado feliz? Pelo menos, mais do que o Jonathan... É claro 165
que eu não sei qual era a solução ou a precaução que Jonathan teria na manga, não que eu quisesse saber. Com o intuito de exterminar o monstro que eu havia me tornado, ele conseguiu seguir o meu rastro até à cidade oculta entre os vales onde eu estava me escondendo e me recuperando dos ferimentos, Windknights. Era um vilarejo construído na idade média como um lugar onde os cavaleiros a serviço do rei pudessem treinar. E naquela época, era comum o aproveitamento da formação geográfica para se erguer uma prisão que fosse cercada por montanhas em pelo menos três de seus lados. É claro que o motivo de eu ter escolhido justamente o Distrito Windknights como meu local de recuperação era por causa daquela prisão. Como eu já escrevi dezenas de vezes, seres malignos geralmente resultam em zumbis melhores. O que eu pretendia era criar um exército de zumbis... Talvez aleguem que o fato de eu ter conseguido ressuscitar os poderosos e lendários Tarkus e Bruford, guerreiros cuja existência havia sido documentada pelos livros de história, como meus guarda-costas particulares era apenas um subproduto dessa empreitada. A questão é que colocando tal plano em prática, eu pretendia aumentar o meu número de subordinados, ganhar o controle do vilarejo e, posteriormente, Londres, para então conseguir deixar o mundo todo sob o meu domínio. Era o meu objetivo final, naquela época. Eu acreditava que só assim eu conseguiria alcançar a verdadeira felicidade. Ou, talvez, acreditava que era assim que eu conseguiria minha issão no paraíso. Hoje, penso diferente. 166
Eu reconheço os meus erros do ado. Manter-se no topo – seja em seu ecossistema ou cadeia alimentar, é a mesma coisa, no fim das contas – não é o mesmo que cantar vitória. A verdadeira vitória é contemplar os portões dos céus.
167
53
Eu estava conversando, acho que era com a velha Enya. Perguntei a ela alguma coisa do tipo: “O que significa ‘viver’?” “Qual é o motivo da vida humana?” Sua resposta para tais questionamentos era simples e direta: “Para conquistar o que se almeja.” “É assim que eu resumo a questão da vida humana”. “Queremos dinheiro. Queremos fama. Queremos comida. Queremos amor. Queremos amantes.” Uma resposta tão realista quanto grandiosa. Contudo, onde houver alguém tentando conquistar o que almeja, haverá conflito... Se você perde tal conflito e não obtém o que quer, você sente o gosto da derrota e do fracasso. Acaba com um ferimento que dura até a próximo embate... Você sente “medo”. Então, eu a respondi: “Acredito que viver significa conquistar o medo... Aquele que conquista o mundo é quem sobrepujou seus temores e não guarda nenhum resquício de receio!” E, diante daquela resposta, a velha Enya me perguntou algo que me soou estranho aos meus ouvidos. “Lorde Dio... Como alguém grande como o senhor pode temer alguma coisa?” 168
Foi quando eu respondi: “A linhagem Joestar... Eu não consigo fazer frente à linhagem Joestar“. Enya debochou de minha sinceridade... Ainda, ela debochou tão alto que eu tive que repreendê-la. Até agora, minha máxima vem se concretizando. Os usuários de Stand que enviei como assassinos foram derrotados um por um, sendo que dois deles acabaram se unindo ao inimigo. E todo o deboche da velha Enya voltou-se contra ela, que também acabou derrotada. No fim das contas, tive que dar o aval para a sua execução sumária. Agora, eles finalmente conseguiram chegar ao Egito. Chegamos além do limite de qualquer frente que eu conseguisse fazer. Foi o suficiente para que eu me arrependesse da minha decisão anterior. Eu deveria ter lidado com eles com maior seriedade... O que importa é que minha busca pelo caminho do paraíso terá de ser adiada, não importa se ela atualmente avança ou está estagnada. E agora, apesar da minha relutância em usar a palavra “medo”, eu não estaria fugindo da verdade caso eu a utilizasse agora. Não faz sentido blefar. Eu preciso reconhecer. Eu preciso me convencer. O que eu sinto agora é uma ansiedade que se insiste como obstáculo na minha vida. Uma espécie de antítese da motivação da vida humana. Estou despreparado. Humanos – e até mesmo eu, Dio, que renunciou a própria humanidade, não sou exceção – não importam quem sejam, vivem para conquistar seus medos e ansiedades em detrimento de uma consciência limpa. Ficar famoso, angariar subordinados, lucrar... 169
Sempre com o objetivo de dignificação da alma. Casar-se e fazer amigos não é uma exceção à regra. Ter um propósito. Pregar a paz e o amor. Todas são ações com o intuito de conquistar uma consciência limpa. A alma lavada é o verdadeiro objetivo da humanidade. É no que eu acredito. Neste caso, se você tem plena noção de seus medos e ansiedades, tal convicção pode ser convertida em uma espécie de consciência limpa, não é? Há alguns meses, eu tinha conhecimento da linhagem Joestar, mas não era capaz de tomar consciência da mesma. Eu acredito que eu achava que não precisaria me preocupar com isso... Ou talvez eu acreditasse que existisse uma boa chance de que as previsões da Enya se mostrassem certeiras e que eles seriam eliminados pelo usuário da “Strength” ou qualquer outro... Não. Eu pensei, de fato, que tal possibilidade era alta. É por isso que hoje estou com tanto receio... Ou melhor, instabilidade emocional. Porque eu não havia me preparado. Eu me tornei apreensivo com situações que não estavam previstas. Assim, mesmo que o futuro torne-se obscuro, se eu compreendê-lo como tal, serei capaz de me estabilizar com sentimentos mais calmos. O Paraíso é decorrente da preparação. Quanto mais eu me apego a esse pensamento, mais eu acredito que ele está correto. Justamente porque ele concorda com o que a minha mãe sempre costumava dizer a respeito. 170
“Dio, não importa o que aconteça, aja nobremente e viva com orgulho. Se fizer isso, você conseguirá chegar no céu”. Nobreza e orgulho. É assim que ela encontrava sua vontade naquele lugar onde estavam as minhas raízes. Desde que ela se preparasse em vida – e isso envolvia sobreviver àquele lugar infernal – seria possível sentir-se no paraíso posteriormente, não? O Paraíso não está recheado de felicidade. O paraíso é a felicidade em si. Saber disso será suficiente para se preparar e adquirir a vontade necessária. O Paraíso é o futuro. É o amanhã. Então... Quando é o amanhã? É para isso que os ponteiros do relógio andam.
171
54
A stand “Geb”, do N’Dour, foi derrotada. A principal causa de sua derrota foi a stand “The Fool”, do Iggy... Bem, acredito que num deserto, mesmo o melhor dos estrategistas teria dificuldade de se opor a uma Stand feita inteiramente de areia. Seria uma coincidência? Ter o deserto como campo de batalha justamente quando um usuário cuja Stand é composta por areia acabou de se unir à equipe é mera coincidência? A sincronia dos acontecimentos foi perfeita demais para ser verdade. Não importa a desculpa, é coincidência demais... Talvez fosse o tal destino? E se for apenas boa sorte? Certamente, se o oponente fosse Jonathan, eu teria certeza disso. Acredito que o fato de eu ter sobrevivido cem anos no fundo do oceano é graças à sorte do Jonathan, também. E foi a mesma sorte que acabou me trazendo novamente à superfície. A minha própria sorte é suficiente apenas para eu acabar apodrecendo no fundo do oceano. Em minha luta contra Jonathan, há uma centena de anos, se ela tivesse progredido sem interferências, eu certamente teria vencido Jonathan mil vezes em mil ocasiões. Mesmo se adicionarmos à equação a minha chance de derrota, seria um número tão ínfimo que beira o ridículo. 172
Ainda assim, eu fui derrotado. Até nos dias de hoje, a única pessoa que eu pensava ter derrotado, Muhammad Avdol, sobreviveu. Deve ser o destino. Em outras palavras, o futuro ainda está do lado dos Joestar. Contudo, nem todas as notícias são ruins. Ao que me parece, Apesar de não matá-lo, N’Dour conseguiu ferir Kakyoin. Pelo menos, por enquanto, o poder de fogo do grupo está reduzido. Suponho que deveria creditar N’Dour pela conquista. Claro, se isso fosse possível. Eu o congratularia pessoalmente, mas ele morreu. Acredito que ele era alguém “preparado”. Isto é, ele era um usuário que nasceu com sua Stand. Não a obteve do Arco e Flecha. Ele sabia que não adaptava ao mundo à sua volta. E ainda assim, ele continuou vivendo. Sem temer absolutamente nada e praticando todo o tipo de perversidades, ele continuou vivendo. Eu respeitava o seu estilo de vida. Eu tenho certeza de que caso Speedwagon estivesse vivo, ele diria que um homem como o N’Dour, que nasceu um usuário de Stand, não conseguiu se adaptar ao mundo onde vivia a ponto de se afastar cada vez mais do caminho da moralidade também era naturalmente mau desde seu nascimento. N’Dour era um homem cuja mente não ava qualquer tipo de simpatia e era cruel de uma maneira aversiva... Ele matava, destruía, discriminava e tiranizava sem qualquer hesitação. Eu não me considero uma espécie de messias maligno, mas N’Dour me considerava dessa forma. Eu só gosto de angariar os mais perversos como seguidores. 173
Simplesmente porque quanto mais cruéis eles forem, mais capazes serão. Esses caras que descartam os outros simplesmente porque eles “nasceram perversos”, esses tipos com mente reduzida, despertam em mim uma espécie de ódio. Em uma palavra, eu os considero desprezíveis. É por causa de indivíduos como o N’Dour – colocando-me, é claro, como prioridade – que eu preciso descobri-lo. O caminho para o paraíso. Qualquer que ele seja. Eu preciso descobrir o caminho para o paraíso. Como uma entidade que ultraou os limites da humanidade... Como alguém que tem o mundo sobre os ombros, é este o meu dever. É o meu objetivo.
174
175
55
Pucci veio ao Egito mais cedo do que planejávamos. Parece que ele sentia que eu surgiria em seu caminho alguma hora... É por causa desse pressentimento que ele pode ser meu tão aguardado amigo... Talvez... Não é da minha natureza pensar dessa forma, mas é o que eu acredito. Contudo, ele é o candidato mais viável, dada a atual situação. Não existe nenhum homem tão altruísta... E tão profundamente devotado como ele. Contudo, eu não tenho certeza se ele será capaz de diferenciar o “paraíso” pregado pelos seus livros sagrados do “paraíso” ao qual eu me refiro. Mas eu tenho fé. Eu nunca tive muita fé em outras pessoas, então eu não tenho certeza de como se faz uma coisa dessas, mas pela minha empreitada rumo ao paraíso, eu farei qualquer coisa. Meu amigo. Alguém em quem eu posso confiar. Como esperado, ele me olhou perplexo após ouvir o que eu acabara de lhe contar. Só que eu não tenho mais tempo sobrando. Eu lhe informei sobre a existência do meu caderno. Eu contei a ele sobre o registro que eu estou escrevendo a respeito de minha devoção ao paraíso. Para ser preciso, como você mesmo que está lendo pode perceber, ainda está incompleto. Entretanto, 176
esta é a primeira vez que eu conto a alguém sobre a existência de tal objeto. Enrico Pucci. É você quem está lendo estas palavras? Eu não sei quais são as circunstâncias sob as quais você está lendo este caderno. Nem se ainda estarei vivo quando isto acontecer, mas se não existe alguma força chamada destino que dita o nosso caminho, certamente deve existir alguma força gravitacional que une os indivíduos. Algo que pode ser chamado de amizade por mim e por você, não importa como ela seja encarada por você que esteja lendo este caderno. Você deve saber o que é o paraíso. Se você aprova minhas definições, eu lhe peço. Eu, Dio, fico de joelhos e lhe imploro. O caminho para o paraíso. Não importa o que aconteça, não importa como, não importa quantos sacrifícios sejam necessários, por favor, encontre-o. Eu irei encontrá-lo. Pedirei que você faça o mesmo.
177
56
Eu fiquei um pouco... Não digo emocional, mas um pouco exaltado, apenas. Por isso eu decidi partir para a próxima página. Ridículo. Parecia que eu estava escrevendo um testamento. Eu já fui morto por Jonathan. Duas vezes. Não fui? E, de alguma forma, eu posso estar com algum pressentimento bizarro de que a minha vida está em perigo... Mas isso não a de apreensão. Eu não estou enfrentando Jonathan. Estou enfrentando apenas os seus descendentes. Eu estou enfrentando apenas os herdeiros de Jonathan, não o próprio. Não é nada do que eu deva sentir medo ou ansiedade. Mas digamos... Digamos que num futuro próximo eu seja derrotado por eles. Não será por causa de minha leve apreensão, mas sim porque eu teria certeza disso. Nesse caso, eu deveria me preparar para tal. Eu posso lutar com toda a minha vontade. Com tanta certeza de que as onze horas virão depois das dez. E depois das onze, vem o meio-dia. Se o futuro fosse previsível como os ponteiros de um relógio, seria muito mais fácil para a humanidade reunir a vontade necessária. Pucci já voltou aos Estados Unidos. Agora que a velha Enya já se foi, não existem mais 178
motivos para eu me encontrar com ele em segredo. Mas agora, no lugar dos olhos atentos da velha, tenho a caravana Joestar cada vez mais próxima. E seria desagradável eles terem conhecimento da existência do Pucci. Eu não quero que eles saibam que o Pucci tem alguma coisa comigo... Eu deixei de fazer dessa vez, mas na próxima, eu o enviarei de volta para casa com um guarda-costas. O nome dele é Jongalli A.. Ele é usuário da Stand chamada “Manhattan Transfer”... Como Kenny G. e Vanilla Ice, sua Stand não é denominada a partir de uma carta de tarô ou um dos nove deuses do panteão egípcio. Eu o chamaria de “usuário de Stand avulso”. Conhecendo-o do jeito que é, ele será capaz de levar Pucci de volta aos Estados Unidos sem ser detectado pela caravana Joestar. Fiz tudo o que eu podia. Falta só mais um pouco. Só mais um pouco.
179
57
Os irmãos Oingo e Boingo foram derrotados. Infelizmente, parece que eles perderam a briga de uma forma bastante tola... Prefiro me abster dos detalhes, mas, em resumo, o irmão mais velho, Oingo, interpretou errado o futuro previsto pelo caderno “Thoth”. Com relação a previsões de futuro, bem como clareza do mesmo, a habilidade do Boingo é a coisa mais próxima que eu procuro. Entretanto, como ela só me permite ver o futuro próximo, abrindo brechas para múltiplas interpretações, tal capacidade é ineficaz se aplicada ao método de alcançar o paraíso que eu imagino. Quem puder prever o seu futuro, também poderá se preparar para o mesmo. Tais palavras ditas pelo Boingo não eram uma mentira ou mesmo errôneas, mas se o futuro mostrar diversas interpretações, infelizmente, eu chego à conclusão de que não há forma de adquirir a vontade para encará-lo. Mesmo que um futuro sem esperança apareça, interpretá-lo como algo positivo será a reação humana típica. Isso não é ruim. O que eu pretendo descobrir é o futuro absoluto. Seja ele de trevas ou de luz. Um futuro absoluto. Por isso, a Stand “Thoth” não é suficiente. Conforme tudo fosse se endireitando, eu pensava em pegar a sua habilidade emprestada em prol de meu 180
plano para chegar ao paraíso, mas as coisas são mais complicadas do que eu previa. Parece que o irmão mais velho, Oingo – o usuário da Stand cuja habilidade consiste em transformação, “Khnum” – está mais ou menos incapacitado. Boingo, contudo, preparou-se melhor do que o seu irmão e será capaz de lutar novamente em breve. Só que sua Stand não age sozinha. A habilidade de transformação do Oingo também não tinha nenhuma utilidade prática em combate. Eu só o deixei formar uma equipe com o irmão que só confiava nele. E se alguém com uma Stand poderosa se unisse a ele? Será que se alguém se unir a Boingo, a Stand capaz de prever o futuro, existirá uma chance factual da erradicação da caravana Joestar? O problema é quem vai ter que se unir a ele. Porque não existe ninguém capaz de formar uma dupla com outro usuário de Stand além de Hol Horse.
181
58
Um relógio. Eu me lembrei. Assim, de repente. É o tipo de coisa da qual eu vou me esquecer bem rápido, então prefiro ser bem direto ao colocá-la aqui no papel. É uma espécie de memorando. Há cem anos, ou mais precisamente, há cento e oito anos, eu peguei emprestado um relógio do Jonathan. E ainda não o devolvi. Provavelmente acabou sendo destruído pelo fogo que se alastrou pela mansão. Quando eu não estava usando a minha máscara na frente do Jonathan – não a Máscara de Pedra, a máscara de bom estudante – eu peguei emprestado um relógio. Sendo mais direto, eu o roubei. Talvez tenha sido nesse instante que a minha Stand acabou sendo decidida. “Não irei devolvê-lo até que esteja quebrado”. Desde aquele dia, quando eu roubei o relógio de Jonathan, eu sabia que não iria devolvê-lo até que ele parasse. Mas pará-lo não era suficiente. Só parar o tempo... Eu preciso continuar até que consiga controlar todo o “mundo”. Não até que eu domine todo o presente. E se eu quiser controlar o futuro – e o paraíso, por consequência – meu “The World” precisa superar seus 182
limites em um novo estágio. Controlar o tempo não é suficiente. Uma Stand capaz de fazer o tempo andar. Uma Stand capaz de acelerar o seu fluxo. No fim das contas. Eu preciso ter coragem. A coragem para descartar temporariamente o “The World”. Serei capaz disso? Doadores. Tomadores. Herdeiros. Preciso me tornar algo novo. Um descartador.
183
59
Seth, Anúbis e Bast foram derrotados. Sequencialmente. A essa altura, não espero mais nenhum relatório de vitória ou missão cumprida. Eu pessoalmente reuni os Nove Deuses do Panteão Egípcio, e certamente eles eram usuários de Stand excepcionais, mas parece que a curva de crescimento da caravana Joestar consegue ser mais íngreme. Talvez seja porque simplesmente eu não saiba dar ordens tão bem quanto a velha Enya. Pode ser porque por mais que eu tenha vivido mais de um século, a maior parte deles eu ei nas profundezas do oceano. Certamente não posso ser condecorado um general estrategista. Falando em estrategista condecorado, parece que foi o plano de Joseph Joestar que derrotou Mariah. Como eu imaginava, ele não tem misericórdia nem contra uma dama. E aquele homem é capaz de contar com truques covardes, lábia astuta e armadilhas impiedosas para vencer. Totalmente diferente do Jonathan. Tendo certeza disso, sou capaz de aceitar a derrota de Mariah e, assim, fazê-la ter algum significado. O problema é o Alessi. Sua Stand possibilita o rejuvenescimento de seus alvos. E pensando nisso, só percebi hoje, agora mesmo, que essa é justamente uma reflexão de meus ideais. A habilidade do rejuvenescimento. 184
Será que é uma resposta? Muitos humanos acabariam crescendo do mesmo jeito, errando do mesmo jeito, repetindo os mesmos erros e provavelmente, teriam a mesma vida que tiveram anteriormente. Então, o rejuvenescimento é inútil? Eu não sei. Se alguém pudesse rejuvenescer – o que eu acho que deveria, caso houvesse a oportunidade – eles refariam exatamente a mesma vida, a mesma trajetória, repetindo o mesmo ciclo várias e várias vezes, não concorda? Eu estava interessado na Stand do Alessi porque com ela talvez fosse possível responder esse questionamento. Seth podia transformar seus oponentes em crianças, mas parece que a personalidade do Alessi enfureceu Polnareff e ele foi derrotado. Agora, seu estado é irrecuperável. Suponho que isso seja ruim. Por mais que a caravana Joestar não saiba do meu objetivo – de conquistar o paraíso – eles certamente estão se saindo muito bem em sua busca por mim. Por mais que isso seja apenas uma coincidência, eu ainda fico ligeiramente incomodado. Estou tentado a eliminá-los pessoalmente em breve. No entanto, eu ainda não me adaptei totalmente ao meu corpo. Ao Jonathan. A regeneração do meu hemisfério esquerdo ainda está um pouco fraca. Eu estou despreparado, ao contrário deles, que se depararam com vários e vários conflitos em seu caminho. Depois de deixar as coisas chegarem ao ponto em que estão agora, eu vejo que era melhor ter ido eliminá-los pessoalmente desde o princípio. Só que não adianta nada ficar falando isso agora. Mudarei meu esconderijo em breve. Na pior das hipóteses, acabarei esperando por eles sozinho em meu 185
trono, como um imperador. Falando em imperadores... Quem me trouxe as notícias do fracasso de Mariah e do Alessi foi o Hol Horse. Ele é um sujeito muito interessante, de fato. Quando eu o provoquei, ele tentou me matar com a sua Stand, “Emperor”. Ele apontou seu revólver contra a minha nuca. Interessante. Ele não derramou uma gota de suor ou sequer alterou sua frequência respiratória no instante em que ele tentou me matar. Que vontade incrível. A beleza de uma força de vontade poderosa é incrível. O Hol Horse é realmente impressionante. Sem pestanejar, eu usei a minha Stand. Eu parei o tempo com a “The World”. Eu dei a ele uma pequena amostra de minha habilidade. Inesperadamente, para um homem como esse, ele me encarou sozinho, em pé, ao seu lado. Talvez ele se encontre no paraíso em breve. Sem falar que ninguém além dele voltou vivo depois de lutar contra a caravana Joestar. Parando para pensar, a sorte dele é incomparável. Enquanto usuários de Stand formidáveis como J. Geil e a velha Enya foram derrotados, ele conseguiu sobreviver só com uma Stand em forma de revólver. Suponho que o mundo seja assim mesmo. Acho que eu já disse isso ao Pucci, mas acredito que não existem Stands mais fracas ou mais fortes. Eu sugeri que Hol Horse se una a Boingo, que terá alta do hospital em breve. Conhecendo-os... Conhecendo o preparo dos dois... Mesmo que eles não consigam vencer, eles irão longe. 186
Sim, mesmo que eles não vençam. Mesmo que eles sejam derrotados.
187
188
60
Eu me curei e me recuperei das feridas, fiquei mais poderoso e criei dezenas de zumbis com os prisioneiros e cadáveres da prisão do Distrito Windknights. Eu pretendia criar um exército, mas fiz várias outras coisas além disso. O que eu fiz – ou melhor, o que eu tive que fazer –, eu fiz do jeito que deve ser feito. Em outras palavras, experimentações humanas. Eu estava testando todas as possibilidades da Máscara de Pedra. Todas as possibilidades da imortalidade. Contudo, eu nunca mais utilizei a Máscara de Pedra em outras pessoas para ver o que acontecia. Eu nunca mais fiz um teste com a Máscara de Pedra propriamente dita de novo. Havia decidido que a obtenção de seus poderes era um privilégio que apenas eu teria direito. Não foi nenhuma espécie de precaução a algo, mas apenas uma conclusão que me veio naturalmente. Isto é, se todos se tornarem um vampiro imortal como eu, o valor da minha conquista acaba se perdendo. A vista do topo é linda e não quero compartilhá-la com ninguém. Foi isso o que eu pensei. As minhas experiências consistiam em, por exemplo, fundir o corpo de um cão com a cabeça de um humano, ou ainda, eu tentei fundir um zumbi e um humano vivo. Também recheei um cadáver com serpentes. 189
À primeira vista, tais experimentos não am de uma espécie de brincadeira grotesca, mas eu não estava brincando. Tais experimentos deram frutos. Minha cabeça, a de um vampiro, e o corpo de Jonathan, um humano. Minha fusão só deu certo porque eu havia experimentado antes. Minhas experiências deram resultado. Foi por isso que eu decepei a minha cabeça quando o Hamon do Jonathan percorria o meu corpo, porque eu sabia que poderia enxertá-la em algum outro. Eu fui capaz de descartar o meu corpo que estava se deteriorando por causa do Hamon. E sendo sincero, o corpo de qualquer outra pessoa me serviria bem. Não havia necessidade de ir tão longe atrás do corpo do Jonathan. Se eu tivesse pegado qualquer outro corpo, eu não teria sido selado nas profundezas do oceano por um século. Mesmo sabendo disso, eu não fui tão simples. Eu o queria. O corpo de Jonathan Joestar. Eu o queria muito. Meu desejo era reflexo do quanto eu respeitava meu arqui-inimigo até então, Jonathan Joestar. Especialmente o seu corpo. Eu conseguia visualizar aquele corpo sendo meu. É por isso que eu tentei tomá-lo. Como um tomador, eu tentei roubá-lo. E meu pensamento não estava tão errado assim. Se eu me adaptar só mais um pouco a esse corpo, ele certamente se tornará meu. Não será de ninguém mais além de mim.
190
61
Daniel J. D’Arby foi derrotado. Aquele apostador natural conseguiu realizar a façanha de tomar as almas de Jean Pierre Polnareff e Joseph Joestar, mas logo no que podemos chamar de “última etapa”, foi derrotado por Jotaro Kujo. De acordo com os relatórios que recebi, parece que o conhecimento acerca do segredo que envolve os poderes da minha Stand, “The World”, foi a causa de sua derrota. Um dos raros usuários cuja Stand permite a manipulação de almas acabou se perdendo graças aos Joestar. Só me resta uma sensação de vazio. Um pouco de desespero, também... Parece que não importa o que eu faça, algum integrante da família Joestar vai encontrar um meio de se defender, embora isso possa ser apenas alguma espécie de paranoia tomando conta de mim. Contudo, por outro lado... Eu acredito que pelo fato dos Joestar estarem, intencionalmente ou não, tentando impedir minhas ações, significa que o caminho pelo qual percorro não é o errado. Eu tenho um pressentimento de que Jonathan Joestar é o que persiste em bloquear o meu caminho – além dele se encontra o paraíso que tanto busco. Usuários cuja Stand é capaz de manipular almas. O principal candidato, Pucci, já voltou aos Estados 191
Unidos, então não acredito que ocorrerão mais empecilhos que impeçam o decorrer do meu plano verdadeiro. Ainda assim, eu não consigo superar o fato de que agora perdi um dos indivíduos que eu considerava como uma espécie de rota alternativa... Além disso, eu não quero perder o irmão d’Arby mais novo. Talvez, só por segurança, eu deva mandá-lo para outro país também? Não, eu não posso fazer isso. Não importa o que eu diga para aquele jovem orgulhoso, eu duvido que ele vá se prontificar para deixar a mansão... Mesmo que eu diga para ele a verdade sobre o “caminho para o paraíso”, ele vai retrucar com algo como: “Então é mais um motivo para eu permanecer na mansão. Eu quero ficar ao seu lado”. Eu consigo prever tudo o que ele diria só de olhar para suas expressões. Apesar disso, sendo mais otimista, se comparado com seu irmão mais velho, que tinha uma personalidade muito mais flexível, o caçula é bem obstinado... E desde que eu não implante um parasita em seu cérebro, ele não obedecerá ao que eu digo. É claro que eu não vou fazer isso por causa de sua Stand de extrema utilidade. Não tenho escolha senão deixá-lo fazer o que ele quiser. Apenas continuarei com a minha política de não interferência. Eu rezo para que Hol Horse e Boingo eliminem a caravana Joestar... Eu fico envergonhado de pensar uma coisa dessas como alguém que declama ter transcendido a humanidade, mas na minha atual situação, é tudo o que me resta. Há verdadeiramente pouco o que posso fazer. E tem sido assim há uma centena de anos. 192
193
62
Devido às minhas constantes divagações, eu já desisti de apresentar os fatos numa sequência lógica. Eu não vou começar dos pontos que eu quero escrever, mas dos pontos que eu devo. O principal desses pontos, acima de tudo, é o “Arco e Flecha”. Sendo bem direto, é possível descrevêlos como objetos mágicos que podem acordar talentos ocultos de um ser humano, ou melhor, do espírito do ser humano. O “Arco e Flecha” é isso. Contudo, eu ito que o hábito de me referir ao mesmo desta forma é por causa de uma discussão que eu tive com a velha Enya. É que o “Arco” do “Arco de Flecha” não é importante. A “Flecha” é que é. Especificamente, a “ponta” da flecha. Se for o Pucci quem estiver lendo esse caderno, ele já presenciou o fenômeno pessoalmente, então eu não acho que uma explicação seja necessária, mas como ainda existe uma possibilidade mínima de não ser o caso, eu descreverei as propriedades da flecha em detalhes. Talvez seja uma boa revisão para o Pucci. Eu não tenho muito tempo, então serei breve. Quando alguém é atingido pela flecha – somente um arranhão é necessário em certas ocasiões, caso a predisposição do alvo seja grande – uma Stand se manifesta de seu espírito. Se alguém sem a predisposição para tal é atingido, 194
mesmo caso não tenha sido um ferimento fatal, essa pessoa acabará morrendo. Enya disse que “quanto mais cruel o criminoso for, maior a possibilidade de sobrevivência”. A lógica aplicada aqui é a mesma que envolve a criação dos zumbir, ao que me parece... Quando maior a crueldade, maior é sua vontade, o que significa um espírito mais poderoso. Tal poder toma a forma corpórea de uma “Stand”, nessa linha de raciocínio. Eu me tornei um usuário de Stand por causa da flecha. Com ela, adquiri simultaneamente “The World” e “Hermit Purple”. Quem me arranjou essa flecha foi a velha Enya... Teve um dia em que ela decidiu percorrer um caminho alternativo e acabou me aparecendo com o objeto em questão. Ela fez alguns experimentos, primeiro. Experimentos humanos. Ela atirou a flecha em vários seres humanos, criando certo número de usuários de Stand, sacrificando outros e também eliminando usuários que não condiziam com suas expectativas. Ela mesma se sujeitou a cobaia, mesmo em idade avançada, adquirindo “Justice”. “Lorde Dio”, ela disse. “O que você acha? Ainda há algum risco para a sua vida, mas acredito que sua predisposição é certa”. Não tive motivos para hesitar. Ou ainda, acreditei que ao ter conhecimento de uma habilidade que há cem anos eu desconhecia, precisava obtê-la. Assim como eu certamente iria querer aprender o Hamon, caso eu não fosse um vampiro... Se possível, eu iria “tomar” o Hamon que Jonathan “herdou” do Zeppeli. É por isso que eu aceitei o que não era o Hamon, 195
mas uma espécie de Hamon Corpóreo. Não importa os sacrifícios que eu precisava fazer, eu tinha que obter tal habilidade. Olhando para trás, agora que alguns anos já se aram, eu vejo que essa foi uma decisão muito arriscada... Uma aposta que talvez nem mesmo os irmãos D’Arby se meteriam. Só que tal aposta tornou-se uma vitória. A velha Enya tina razão. Então, naturalmente, eu adquiri uma Stand. Uma Stand... E a agem para o paraíso. Não, eu ainda não tenho certeza disso. Eu venci mesmo aquela aposta? Eu certamente sobrevivi ao teste do “Arco e Flecha”, eu consegui o que eu queria. Contudo, ainda não estou tão certo disso. Eu adquiri minha Stand porque eu provavelmente superei qualquer expectativa de morte por causa de meu corpo imortal. Como consequência de tal feito, Joseph Joestar e Jotaro Kujo também desenvolveram a mesma habilidade sem risco algum. Seriam eles os verdadeiros vencedores? Holly Kujo colapsou de tanta febre e agora está moribunda... Somente ela, a mulher santa. Então, no fim das contas, Joseph Joestar e Jotaro Kujo também são herdeiros... Eles herdaram a Stand do corpo de Jonathan. Olhando para trás, se eu tivesse recusado a oferta de Enya e recusado minha Stand, então Joseph Joestar, Jotaro Kujo e, obviamente, Holly Kujo, certamente jamais tomariam conhecimento de minha existência. Pelo menos, eles não sabiam de mim enquanto eu estava hibernando no fundo do oceano... Mas se eu não tivesse adquirido a Stand, eu nunca seria capaz de encontrar o caminho para o Paraíso. 196
Vantagens e desvantagens. Dois lados de uma mesma moeda. Eu preciso seguir todos os os corretamente. Porque talvez o caminho para o paraíso não deve ser muito diferente da rota para o inferno. E se todo esse tempo em que estive tentando chegar ao paraíso, eu estivesse rumando diretamente para o inferno? Se esse for o caso, não me importo. Porque eu já sei que o inferno é melhor do que o lugar onde ei minha infância.
197
63
Parece que a pessoa de quem a Enya comprou a flecha ainda era uma criança. Aquele garoto escavou a flecha aqui no Egito, aparentemente... E eu achava que ela teria sido feita pelo mesmo indivíduo que criou a Máscara de Pedra, mas devido à atual distância geográfica entre o México e o Egito, creio que não seja o caso. Contudo, aquele garoto despertou a minha atenção. Ou melhor, ele não sai da minha cabeça. Se eu tivesse a oportunidade, gostaria de investigálo mais a fundo. Agora que a Enya morreu, descobrir qual foi o caminho que ela fez ficou bem mais difícil, mas pelo menos eu sei que o nome do moleque era “Diavolo”. Assim, creio que investigá-lo não é impossível. Uma vez que existe a gravidade. Se existe alguma força gravitacional entre aquele garoto e eu, certamente nós nos conheceremos um dia, de algum jeito. De qualquer forma, se aquele garoto está vivo, ele provavelmente também se tornou um usuário de Stand graças à flecha... E usuários de Stand sempre acabarão se atraindo. Enquanto eu estiver vivo, pelo menos...
198
64
Divaguei mais uma vez. Eu posso sentir que Joseph Joestar e Jotaro Kujo estão mais próximos do que nunca. Acredito que é um efeito colateral por ter tomado para mim o corpo de Jonathan. É uma espécie de “Genealogia Joestar”, acredito. Nossos corpos conversam entre si. Então, creio que não sou apenas eu que sinto a aproximação deles, mas eles também devem conseguir sentir a minha presença. Parece que a dupla formada pelo Hol Horse e pelo Boingo ainda não fez contato com a caravana Joestar. Provavelmente estão sendo cuidadosos. Acredito que é uma característica própria do Hol Horse... É uma característica importante nos mais desafortunados. Não como se fugir não fosse uma opção... Eu poderia me juntar ao Pucci nos Estados Unidos. Contudo, sendo bem realista, eu não posso fugir. Sim, é claro que assim como o D’Arby caçula é obstinado em seu desejo de jamais recuar, eu também tenho a minha própria relutância, mas no fundo, o que acontece é que eu não posso de jeito nenhum sair daqui. Como um indivíduo chefe de uma organização, fugir daqueles que pretendem me destruir em prol da própria segurança é algo que não posso fazer na frente de meus subordinados... Mesmo que isso seja necessário em minha empreitada até o paraíso, fazê-los compreender minha majestosa fuga seria uma tarefa hercúlea. 199
Eu duvido que eu talvez consiga explicar mais uma vez tudo o que já escrevi neste caderno, começando pela minha infância, em detalhes a algum deles. Por que eu quero alcançar o paraíso? Eu preciso mesmo ir? O que exatamente é o paraíso? Por mais que eu já tenha explicado tais questões, eu não acredito que eles sejam capazes de entendê-las. Fazer com que mais pessoas além de Pucci tenham tal conhecimento seria inquietante. Eu poderia dar uma desculpa de que seria mais fácil emboscar a caravana Joestar caso eu mudasse a localização da nossa base, mas deixar o Cairo a essa altura do campeonato - ainda mais o Egito – talvez possa ser o suficiente para levar essa organização que eu e a velha Enya construímos à ruína. Atualmente, ainda há alguns usuários de Stand – além do Hol Horse e do Boingo – aqui no Cairo comigo. Aqueles que são capazes de travar uma luta contra a caravana é o Petshop e seu Hórus e o já mencionado D’Arby caçula. Eu já convoquei o Kenny G. e o Vanilla Ice, então também os tenho aqui comigo. Em outras palavras, tenho todos os que estão aqui na mansão. É possível que ela se torne o campo da batalha num futuro próximo. Se isso se concretizar, terei de encontrar um esconderijo seguro para este caderno... Dependendo de como tudo se desenrolar, é possível que Joseph Joestar ou Jotaro Kujo – ou ainda Jean Pierre Polnareff ou Muhammad Avdol (Iggy não, obviamente) – consigam o a este registro. Preciso evitar isso a todo custo.
200
65
“Preciso evitar isso a todo custo” foi como eu terminei o registro de ontem, mas será mesmo o certo a se fazer? Vamos pensar a respeito. Em vez de simplesmente rejeitar a ideia, vamos abrir as possibilidades... Essa pode ser apenas uma ideia que veio à mente porque eu acabei me fechando demais no assunto, mas eu acho que considerar essa possibilidade possa esfriar um pouco a minha cabeça. Especificamente, a minha ideia é “cooperar com a família Joestar”. Creio que isso ainda é óbvio, mas eles não devem ter a mínima ideia do que eu estou planejando ou sequer de meus objetivos. Eles só estão preocupados em salvar a mulher que é tanto “filha” quanto “mãe”... Eu duvido que eles estejam se colocando na minha posição. Portanto, é muito provável que eles estão pensando que eu estou tentando dominar o mundo, como 100 anos atrás... Talvez tentando me tornar o pináculo de toda a humanidade ou algo parecido. Eles devem presumir isso de mim. Que eu sou a encarnação do mal e devo ser derrotado em qualquer instância... Eles afirmam que eu sou um assassino violento... Bom, eu sou mesmo. Certamente não posso dizer que é mentira. Eu sou o mal. Os assassinos que eu enviei para assassiná-los também são maus. As únicas exceções 201
foram o Kakyoin e o Polnareff, controlados pelos parasitas. Só que eles são diferentes de Jonathan. Eles não estão movidos por um senso natural de justiça. Eles estão em um relacionamento sério com ela, mas parece que o desejo deles de salvar Holly Kujo é muito mais forte. Nesse caso, se eu assegurar a sobrevivência dela, Joseph Joestar e Jotaro Kujo perderão a justificativa para me enfrentar, não? Então, por que um acordo não pode ser possível? Com os poderes das Stands de Joseph Joestar, Jotaro Kujo, Jean Pierre Polnareff, Muhammad Avdol, Kakyoin Noriaki e Iggy, os portões do paraíso não se abririam mais facilmente? Como eles são indivíduos puramente bons, suas almas são os alicerces de uma escadaria para o paraíso, além de serem almas inegavelmente poderosas. Se o neto de Jonathan me desse uma mão, talvez a minha pesquisa progredisse muito mais rápido, não? A Paz entre Dio e os Joestar. Seria um momento histórico. Eu salvo a família deles. E eles me ajudam a encontrar meu paraíso. É um bom negócio... Bom demais, até. Eu não conseguiria pensar em qualquer problema consequente. Por mais que eu esteja apenas analisando todas as possibilidades, essa é uma ideia impossível. Primeiramente, a premissa por si só já está errada... Eu não consigo pensar em como poderia libertar Holly Kujo de sua maldição. Talvez se eu usasse a Máscara de Pedra nela... Não, a Máscara não existe mais... Bem, talvez exista em algum lugar, mas eu não tenho uma agora. E mesmo se eu estivesse tal opção, eu acredito que 202
não seria do agrado nem da família, nem do resto da caravana. Mesmo se eu tentar chegar a um compromisso, nossas naturezas são diferentes demais... Não há como “tomadores” e “herdeiros” evitarem um conflito. E acima de tudo, eu duvido que Joseph Joestar e Jotaro Kujo tenham qualquer interesse no caminho para o paraíso. Longe disso. Herdeiros como eles, vivendo suas vidas orgulhosas, não têm interesse algum em se preocupar em presenciar o paraíso com os próprios olhos. Eu sei que comecei a fazer considerações inúteis e meu tempo é escasso, mas eu não consigo deixar de pensar nisso. Especialmente agora, com este corpo, é algo a se levar em conta. Talvez se eu tivesse continuado com a Máscara de bom estudante e filho para sempre, em vez de ter colocado a Máscara de Pedra... Eu não precisaria mudar minha maneira de pensar, de fato, mas se em vez de sete anos, eu continuasse por dez, vinte, ou ainda cinquenta anos, a ser o bom garoto da família Joestar... Talvez existisse uma possibilidade futura de uma aliança com a Família Joestar de Jonathan. Foi o que eu pensei. Pense só no “paraíso” que seria... Certamente George Joestar ia acabar morrendo um dia, mesmo se não fosse por causa do veneno. Eu queria fama, então utilizar a força de Jonathan para tal seria um excelente plano. Por que eu não dei continuidade? O bom estudante acabou se desmascarando para mascarar-se novamente em pedra, não foi? Eu provavelmente deveria ter achado isso tudo muito improvável naquela época. Com toda aquela riqueza, com todos aqueles bens... Eu jamais perdoaria a família Joestar. 203
Assim como eu não perdoarei esses indivíduos. E assim como Joseph Joestar e Jotaro Kujo jamais perdoariam a mim, Dio. Para eles, o que eu, Dio, “fiz” ou “planejo” é totalmente irrelevante. Eles dizem que a minha própria existência por si só é “maligna”... E eu, Dio, digo que o que eles fizeram ou estão fazendo pouco me importa, bem como eu acredito que a existência deles também é maligna e precisa, da mesma forma, ser eliminada. Eu também disse isso ao Jonathan há um século. Parece que temos um relacionamento bem complicado.
204
66
“Emperor” do Hol Horse. “Thoth” do Boingo. Ambos foram derrotados. Agora parece que todos os usuários de Stand que eu, Dio, tinha disponível e enviei para darem cabo da caravana Joestar foram derrotados. Na verdade, é um sentimento de alívio. Já não estou nem aí para mais nada. Sim, melhor do que falar do meu desinteresse, falaremos de algo melhor. Hol Horse foi atingido na testa por seu próprio tiro e agora está em um estado irrecuperável. Boingo perdeu sua motivação quando foi mordido pelo Iggy. Mesmo assim, eu, Dio, devo parabenizá-los por terem chegado extremamente perto... Eu os valorizo muito por isso. Falando com sinceridade, foi por muito pouco que eles não venceram a caravana Joestar. Mas isso não muda o fato de que eles perderam. Como se fosse obra do destino. Como se fosse obra de um futuro pré-determinado, eles perderam. Como era para eles serem derrotados, eles foram. Tenho certeza de que houve um erro de interpretação do futuro previsto por “Thoth”, mas acima disso, eu acredito que a determinação da caravana Joestar era maior do que a da dupla formada pelo Hol Horse e pelo Boingo. 205
Eu tenho certeza de que eles almejam o futuro. Inconscientemente, eles utilizam toda aquela vontade em prol de um futuro. Por esse motivo, eles estão muito próximos do paraíso. Ao menos, muito mais próximos do que o Hol Horse ou o Boingo. Talvez mais próximos do que eu. Aqueles que objetivam o paraíso obtêm a vitória. Em tudo, contra todos. Primariamente, os verdadeiros vencedores são aqueles que padecem no paraíso... Contudo, deixarei a verificação dessa máxima para outro dia. Outro dia, quando tiver tempo... Enfim, só de ser mordido por um cachorro... Ele ficou devastado emocionalmente devastado por uma mordida de cachorro... O ferimento não tinha sido suficiente nem para deixá-lo fisicamente irrecuperável... Ele só vai ar algum tempo no hospital. Quando esse problema com os Joestar tiver sido resolvido, eu, Dio, talvez faça uso de sua Stand pessoalmente. Talvez seja um pouco complicado, considerando a personalidade do Boingo, mas eu estou disposto a fazer o que for necessário. Farei o necessário para conseguir o que necessito. Já perdi um número considerável de subordinados próximos, mas, por outro lado, estou mais perto do que nunca do paraíso. Estou confiante disso. Com uma grande determinação... Estou cada vez mais próximo.
206
67
Quando eles chegaram ao Distrito Windknights. – isto é, Jonathan Joestar, Will. A Zeppeli e aquele homem, Speedwagon – as queimaduras que o Jonathan me causou já haviam se curado em sua maioria. Por conta disso, eles chegaram relativamente atrasados, mas como eu ainda não tinha tomado toda a cidade, é possível dizer que eles chegaram no momento certo. Ou foram extremamente pontuais, ou extremamente sortudos. Quando nos confrontamos, Jonathan me disse o seguinte: “Dio... Eu irei revelar meus sentimentos a você...” “É vergonhoso itir, na posição de cavalheiro...” “Mas eu, Jonathan Joestar, irei matá-lo apenas para saciar a minha própria sede de vingança!” Quando eu presenciei tal gesto de desafio, a maior parte do meu coração gritou: “Ridículo!”; mas eu confesso nesse caderno que a minoria restante sentiu um leve prazer. O fato de ter feito Jonathan, aquele homem que sempre viveu sob um regime de cavalheirismo em seu coração, dizer uma coisa dessas, causou-me um sentimento de satisfação. De fato, foi um momento em que eu me senti satisfeito. Contudo, comparado ao Jonathan, eu era fraco... Minha determinação não era tão forte quanto a dele. 207
Já que é uma boa hora para falar verdades, já que é para ser sincero, eu não queria ter que lidar com Jonathan usando minhas próprias mãos. Eu tinha a necessidade de matá-lo... Os bens da família Joestar que eu vinha tentando usurpar já haviam sido perdidos no incêndio e mesmo que eu matasse o Jonathan naquele momento, eu já não seria mais um herdeiro da família Joestar. Só que ele acabou aprendendo sobre o Hamon e se tornou uma pedra no meu sapato. Eu sabia que teria que matá-lo de qualquer forma. Mas eu pretendia delegar tal tarefa aos meus subordinados. Nós fomos amigos de infância e crescemos na mesma casa como irmãos. A ideia de matar o Jonathan ou torná-lo um morto-vivo não era tão interessante para mim, é por isso que ordenei aos meus subordinados que o fizessem. Comparado a mim, com minha mentalidade na época, Jonathan tinha uma vontade muito mais sólida... Ele constatou que não guardava nenhum ressentimento por mim, Dio. Foi algo realmente impressionante de se ouvir. Mas sua confissão parecia ser genuína. A partir daquele momento, o embate já não era um simples confronto entre a justiça e a crueldade... Com o poder da Máscara de Pedra, eu, Dio, tornei-me um predador e o futuro da humanidade como espécie seria definido naquela batalha. Sob o ponto de vista deles, eu era um ser maldito. Sob o meu ponto de vista, eles não avam de alimento... Desta forma, não havia nenhum conceito de bem ou mal naquele ponto. Eu não me incomodo de dizer que aquela era uma simples disputa entre espécies. 208
Então, se Jonathan começasse a falar de justiça e moralidade, nem ridículo eu ia considerar. Eu o via como alguém cuja oposição não valia a pena e eu quase teria ido embora. Contudo, por causa de seu discurso emocional, acabei aceitando o seu desafio. Infelizmente, eu fui derrotado. No entanto, não é tão ruim assim porque a minha cabeça conseguiu sobreviver.
209
68
Petshop desapareceu. Já ouvi muitas histórias de animais deixando seus donos quando sabem que estão perto da morte, mas acredito que não seja o caso aqui. Aquele falcão provavelmente atacou intrusos que tentaram invadir a mansão - de acordo com as ordens que lhe foram atribuídas – e foi morto no processo. Até onde eu soube, acredito que foi Iggy, o usuário da “The Fool”, quem derrotou Petshop... Uma batalha entre dois animais usuários de Stand. Animais também têm alma. Eu bem que gostaria de ter presenciado a imagem dessas almas lutando uma contra a outra no mesmo nível... Imagino se isso seria possível com o uso do “Arco e Flecha”. Talvez se alguém for atirando a flecha em todos os animais que encontrar, uma hora vai dar certo... Contudo, ainda é muito arriscado despertar Stands em animais de baixa inteligência. Dependendo da habilidade que obtiverem, quem sabe o que poderia acontecer? É possível colocar a existência humana em risco. Vou deixar essa ideia de lado por enquanto. Provavelmente a caravana Joestar já descobriu a minha localização. Bem, Joseph Joestar tem o “Hermit Purple”, assim como eu. É de se esperar que ele eventualmente conseguisse psicografar este local. Era 210
apenas uma questão de tempo... Mais uma vez, reitero aqui que eu, Dio, não fugirei ou me esconderei. Eu enfrentarei meus inimigos nesta mansão. Assim como fiz há cem anos.
211
69
Assim que vi a Stand de gelo do Petshop, não consegui deixar de me lembrar de uma técnica que costumava utilizar antigamente, a “Técnica da Vaporização Congelante”. Creio que seja uma técnica que desenvolvi com o objetivo de nulificar o Hamon e consiste na manipulação do meu corpo vampírico. Basicamente, eu vaporizo a água de meu corpo ao roubar o calor do oponente, congelando-o. Eu tenho certeza de que eu ainda sei usá-la, mas como o meu corpo na verdade é do Jonathan, talvez eu tenha dificuldades em controlá-la com perfeição. E o que importa: a Técnica da Vaporização Congelante não é útil contra uma Stand. Diferentemente dos “Mísseis de Gelo” do Petshop, eu não consigo congelar uma Stand. Desta forma, assim como as técnicas de Hamon, é certo cunhá-la como uma “habilidade do ado”. Assim como o Hamon não me afeta desde que eu adquiri “The World”, usuários de Stand que lutam com seus espíritos, suas almas, não são afetados pela minha Técnica da Vaporização Congelante, bem como o Space Ripper Stingy Eyes. ado. Eu não ligo. ado é ado. O que importa é o futuro... Paraíso. Com o tempo, minha Stand, “The World”, também 212
será uma coisa do ado. Em breve, esse destino de sangue que me conecta com o Joestar também estará no ado, como me assegurarei em breve. Os olhos de Kakyoin Noriaki já estão totalmente recuperados e ele se juntou novamente à caravana Joestar. Que pontualidade incrível. Será obra da gravidade? A força gravitacional entre os indivíduos. Acredito que chamar o destino de “conexão” é melhor... Pensando bem, a minha conexão com o Kakyoin Noriaki e a conexão que eu tenho com a família Joestar são parecidas... Ambas são incrivelmente “bizarras”. Se eu estiver num local onde seja possível escrever alguma coisa neste caderno, será justamente esse o assunto que irei abordar. Gravidade. E com isso, este registro estará parcialmente completo. O lado deles é composto por Joseph Joestar, Jotaro Kujo, Jean Pierre Polnareff, Muhammad Avdol, Noriaki Kakyoin e Iggy, o cão. O meu lado é composto por mim, Dio, Vanilla Ice, Kenny G., Terence T. D’Arby e, acredito que seja válido mencionar, o zumbi Nukesaku. Já estou perdendo em quantidade. Não é a primeira vez que digo, mas, numa guerra, a quantidade é o principal elemento. No entanto, pensando melhor, eu, Dio, tenho o corpo de Jonathan Joestar e o cérebro de Dio. Duas almas valiosas. E eu porto duas Stands, um feito extraordinário. Neste caso, afirmo que estamos em seis contra seis. 213
E como consolação, encerrarei meu registro por hoje. Embora eu devesse considerar o corpo de Jonathan como um aliado deles.
214
70
Acho que o nome dele era Dire. O usuário de Hamon que me acertou no olho, naquela época... Eu tive que usar a minha Técnica de Vaporização Congelante para congelá-lo e então, destroçá-lo em pedaços, deixando-o somente uma cabeça. Ainda assim, ele conduziu o Hamon através de uma rosa e a atirou contra o meu olho direito usando sua boca. Se não fosse pela investida daquele homem, eu não acredito que teria sido derrotado por Jonathan depois daquilo... Se eu estivesse em perfeitas condições, se eu não tivesse um ponto cego em minha visão – posso não estar dizendo com certeza absoluta – eu certamente teria subjugado Jonathan. Essa era a distância entre nossos poderes. Não é que eu esteja culpando como “se não fosse por aquele tal de Dire”... Não, eu estou colocando como um fato inquestionável que Jonathan estava com um colega chamado Dire. Quando eles chegaram no Distrito Windknights, eram apenas três. Quando chegaram até mim, deparo-me com vários outros usuários de Hamon. Assim como o Kakyoin foi extremamente pontual... Tais Monges do Hamon também chegaram na hora. Eu acredito que isso tenha acontecido graças à força gravitacional que atrai os indivíduos. 215
Acho que ouvi isso pela primeira vez quando eu conheci o Pucci. “Você acredita em gravidade?” “De que existe um motivo para termos nos conhecido?” “Esses desencontros não podem ser por obra da gravidade?” “Eu não sei o que você pensa de mim... Mas eu viajo em busca desses desencontros”. Por que as pessoas se conhecem? É essa a pauta. A pauta da vida. A pauta do paraíso. Depois disso, parece que o Pucci teve algumas dificuldades após o nosso encontro... Ele perdeu seu irmão e sua irmã da pior maneira que ele pudesse imaginar. Foi quando ele desenvolveu a sua Stand, “Whitesnake”... Então, é válido afirmar que se não fosse por causa dessa tragédia, ele jamais teria despertado sua Stand. Eu compreendo os seus sentimentos. Se eu nunca tivesse conhecido o Jonathan... Se eu nunca tivesse sido adotado pela família Joestar, eu jamais teria uma vida como a que tenho agora. Porque eu jamais teria encontrado a Máscara de Pedra. Ou o “Arco e Flecha”. Não, não é isso... Eu acredito que meu encontro com ele foi o que me permitiu ser alguém que é algo além de um ser humano. E se não fosse por mim, a família Joestar teria entrado em colapso de qualquer maneira... Se não tivéssemos nos conhecido, Jonathan não teria crescido e virado o homem que se tornou. 216
Ele teria ado o resto de sua vida como um pirralho mimado. Ele provavelmente teria “herdado” a fortuna de George Joestar, teria se tornado um arqueólogo ou coisa do tipo e provavelmente teria gasto todo o dinheiro. É o que eu acredito. Para mim, uma pessoa que não consegue de deixar de olhar para o futuro, o ato de olhar para o ado não significa muita coisa. Mas quando eu o faço, vejo que tudo o que aconteceu foi solenemente inevitável, como as peças de um complexo quebra-cabeça sendo ordenadas. Eu não consigo encarar como outra coisa se não o resultado das pessoas sendo atraídas entre si. Usuários de Stand são atraídos por outros usuários de Stand. Assim como humanos são atraídos por outros humanos... Como resultado dessa força, Jonathan e eu nos tornamos um só. Sim. É por isso que essa força gravitacional é importante. A peça-chave da empreitada para o paraíso... Acredito que a última peça deste quebra-cabeça será capaz de controlar a gravidade. “Tempo” e “Gravidade” estão intimamente conectados. Então, se eu quiser ir além de controlar o “tempo”, preciso me focar em dominar a “gravidade”. Mas como? Eu tenho um pressentimento que a dificuldade está em controlar os desencontros. Será possível controlálos? Será possível controlar as “conexões do destino”? Se não for... Estarei preparado para quando chegar a hora? Arrasto comigo essa conexão há cem anos. E agora ela está mais forte do que nunca. 217
71
Eles chegaram. A caravana Joestar finalmente apareceu em minha mansão sem apresentar uma baixa sequer. A pata do Iggy está severamente contundida, mas dada a sua atitude selvagem, isso pouco importaria em uma batalha. Meus inimigos me alcançaram sem perder um integrante que seja. Em contrapartida, eu perdi vinte e cinco excelentes usuários de Stand até aqui, contando Jean Pierre Polnareff e Kakyoin Noriaki. Esses dados não podem ser comparados com uma equação simples de adição e subtração. Não importa o quanto eu tente me conformar, é inegável que meus esforços foram desproporcionalmente infrutíferos. O quão longe esses indivíduos vão com o intuito de salvar uma mulher? Ou talvez, quantas almas vilanescas valem o preço da alma de uma mulher santa? Eu pretendia reunir trinta e seis almas como alicerces de meu plano em direção ao paraíso, mas o que eles estão tentando fazer ao atropelar as almas de vinte e cinco – ou talvez mais – indivíduos? Salvar uma filha. Salvar uma mãe. O que eles pretendem fazer depois disso? Bem, provavelmente não poderei fazer essa pergunta a eles. De acordo com um relatório do Nukesaku, o D’Arby caçula os separou em dois grupos... Ele está enfrentando 218
Jotaro Kujo, Joseph Joestar e Kakyoin Noriaki sozinho. E está mais confiante do que nunca. Com sorte, toda essa confiança não sairá pela culatra. Aquele homem é espiritualmente mais frágil do que o seu irmão mais velho. No que ele é capaz de ler mentes, lhe falta tenacidade. A fraqueza do espírito de um indivíduo é diretamente proporcional à força de sua Stand, que por sua vez, é diretamente proporcional ao seu preparo. Isso aconteceu à tarde. Estou cansado. Vou tirar um cochilo. Com sorte, tudo estará resolvido quando eu acordar. Contudo, não posso ser tão otimista. Também preciso estar preparado. Preparado para o futuro.
219
72
Vanilla Ice me acordou. Eu fui acordado de meu sono. E me acordaram com a notícia de que o D’Arby caçula havia sido derrotado pelos Joestar. Como ele tinha sido contratado apenas como meu mordomo, é válido ressaltar que uma derrota é esperada, mas parece que ele esteve bem próximo da vitória. Ele teve sucesso em capturar a alma do Kakyoin Noriaki, mas falhou no final. Parece que sua vontade não era forte o suficiente. Terence T. D’Arby. Um homem capaz de ler e tomar almas. O D’Arby caçula era um gênio. Indubitavelmente, um gênio. Afirmo de forma imparcial que ele tinha, de fato, a habilidade para vencê-los. Teoricamente, ele podia vencer. E ainda assim... Ele perdeu. Isso aconteceu, sem dúvida, porque a sua determinação era fraca. O problema – bem como a causa de sua derrota – estava em sua vontade. Sem ele, a única Stand que conheço que é capaz de manipular almas é a “Whitesnake” de Pucci. Sua significância e sua Importância já estão bem claras para mim. Eu não sei até que ponto ele se sente meu amigo, ou sequer se eu mesmo posso considerá-lo como um 220
“amigo de confiança”, mas qualquer que seja o caso, ele se tornou uma peça indispensável em meu objetivo de alcançar o paraíso. Falando nisso, e que tal o Vanilla Ice? Vanilla Ice, do “Cream”. Aquele homem, mesmo sem implantar um parasita nele ou sem sugar seu sangue e transformá-lo num zumbi, nutre por mim uma lealdade deveras anormal, demonstrada por ações como cortar a própria cabeça. Imagino se sua lealdade pode ser substituída por sua vontade. Eu não sei. Eu não sei o que é vontade e o que não é. Será que uma lealdade anormal é equiparável à determinação e preparo? Ou são coisas completamente diferentes? Será que tamanha lealdade é um sentimento que não merece o paraíso? Acredito que os resultados me darão a resposta. Afinal, eu tive que transformá-lo em um zumbi e revivê-lo só porque ele decapitou-se. Eu não posso negar que, com esse seu novo corpo muito mais poderoso, existe a possibilidade de sua Stand ar por uma perda de poder extrema... Espero que seja algo que ele possa superar.
221
222
73
Enquanto eu escrevia, recebi outro relatório do Nukesaku. Parece que a equipe formada por Jean Pierre Polnareff, Muhammad Avdol e Iggy quando o grupo se dividiu acabou derrotando Kenny G.. Agora, todas as ilusões que protegiam a mansão foram cessadas. Agora a única Stand capaz de criar ilusões que eu saiba é a do Enrico Pucci... No entanto, parece que logo depois do Kenny G. ser derrotado, o Vanilla Ice conseguiu algo. Muhammad Avdol, o usuário da Stand das chamas, foi consumido pelo vácuo, ao que parece. Desta vez, não teremos surpresas não desejadas como “ele ainda está vivo”. Depois de vinte e seis... Não, vinte e sete derrotas e sacrifícios consecutivos, nós finalmente arrancamos uma vitória preciosa contra eles. E mais em cima da hora do que isso é impossível. Agora, Vanilla Ice está enfrentando Polnareff e Iggy. Com sua Stand, ele provavelmente será capaz de eliminá-los também. Depois de me rear o relatório da situação, Nukesaku partiu para tentar eliminar a equipe formada por Joseph Joestar, Jotaro Kujo e Kakyoin Noriaki. Ele é um zumbi. Não um usuário de Stand. Por isso eu acredito que ele não conseguirá dar conta do recado, mas dadas as atuais circunstâncias, eu não poderia 223
impedi-lo. Nukesaku. Ele é um Zumbi que criei com a minha técnica de quimerismo. Assim como minha existência é resultado de uma hibridização entre o corpo de Jonathan e minha cabeça, ele é um zumbi com o rosto de uma mulher atrelado à parte de trás da sua cabeça. Foi um experimento com a intenção de checar se um zumbi era capaz de armazenar várias almas em um único corpo. Obviamente, resultou num fracasso. Não há mais motivo para continuar com a experimentação em vampiros e outros tipos de criaturas imortais... Por isso, acredito que Nukesaku foi o produto de minha última tentativa. Ele é um homem sem qualquer habilidade em batalhas e, sendo bem sincero, ele é um inútil. Contudo, nutro por ele um sentimento estranho de afinidade. Talvez porque eu simplesmente não consigo odiá-lo. Diferentemente do D’Arby caçula ou Vanilla Ice, ele não é tão leal, então, se for derrotado, certamente irá me trair. Até lá, irei respeitá-lo como um de meus preciosos mascotes. Um homem que vai à luta por vontade própria. Um homem cuja conexão comigo surgiu após minha hibernação secular. Eu não posso pará-lo. Pensando bem, tem uma coisa que escreverei por mero capricho... Há cem anos, eu criei um zumbi de duas caras igual ao Nukesaku. Eu frequentemente realizava testes em que combinava duas vidas distintas num único corpo. Sendo bem sincero, eu nem imaginava que eventualmente eu acabaria perdendo o meu corpo. Entre as cobaias, naquele montante resultado de 224
tentativa e erro, acredito ter realizado um experimento que envolvia a substituição das mãos de um zumbi por mãos humanas. Já faz cem anos, então eu não me lembro direito, mas, naquele processo de tentativa e erro, acredito que cometi um erro e criei um humano com duas mãos direitas. O resultado foi alguma coisa parecida com a velha Enya. Se não for a própria, talvez seja algum parente distante ou coisa parecida. Neste caso, eu já tinha uma conexão indireta com a bruxa que viria a me ensinar sobre Stands há muito tempo... Isto é, estou apenas fazendo suposições em cima de suposições. Não é possível verificar a veracidade da ideia. Mas já que estamos trabalhando com hipóteses, acredito que o meu encontro com Enya, a velha que me despertou depois de um século selado nas profundezas do oceano, tenha sido premeditado. Os pescadores que me encontraram e confundiram, estupidamente, o meu caixão com um baú de tesouro ou coisa do tipo se tornaram meus primeiros pedaços de pão em um século, dentre os centenas ou milhares já consumidos antes. Ainda assim, eram poucas pessoas. Apenas uns três ou quatro. Não é o suficiente para saciar minha fome de cem anos de abstinência... Sem falar que eu estava no meio do Oceano Atlântico. Eu não conseguia escapar do sol do meio-dia. Mesmo me escondendo na cabine do capitão, eu não estava completamente protegido... Se a velha Enya tivesse demorado apenas mais alguns dias para me encontrar, eu certamente teria sido destruído. Seja por causa do sol, seja por causa da fome. A velha Enya me encontrou em mar aberto, sim... “O tarô me contou sobre sua chegada”. Foi o que ela me disse, embora eu não acredite 225
nisso. Certamente algumas pessoas tinham conhecimento de que um monstro – que sou eu – havia afundado naquela região há aproximadamente um século. Eu acredito que ela soube disso por aí. Acredito até que aqueles pescadores tinham sido enviados por ela. Não foi nenhum resultado de cartomancia. Ela simplesmente era ambiciosa e procurava pela oportunidade perfeita... Mas talvez seja apenas eu procurando uma explicação lógica e exata onde não é necessário. Ela me contou... Como parecia que eu fui repentinamente transportado cem anos para o futuro, ela me ensinou tudo o que podia sobre o presente e, o mais importante, me ensinou sobre Stands. Quando eu perguntei a ela sobre suas pretensões, ela respondeu. “Meu desejo é estar ao seu lado”. “Stands são espíritos guardiões... E seu espírito guardião detém um poder incrível! É o resultado de uma vida consequente da má sorte”. “Eu quero ver sua vida”. “É o suficiente, apenas”. Talvez seja só isso. Talvez ela não seja um sacrifício resultante de um experimento que eu realizei, mas uma cobaia. Se não fosse por ela, eu certamente não seria capaz de me ajustar ao século seguinte. É uma reflexão de quanto o mundo mudou em cem anos. Em cem anos, o tempo “acelerou”. Ela descreveu as Stands como espíritos protetores, mas para mim, não am de almas. Para mim, talvez a velha Enya que tenha sido o meu anjo da guarda. Pensei algumas vezes nisso. 226
De qualquer modo, todos aqueles testes não foram em vão. Eu tomei o controle do corpo do Jonathan. E provavelmente ainda terão algum propósito no futuro. Para que meu “amigo” e eu nos tornemos um só. Os diversos sacrifícios resultados de minhas tentativas e erros serão o alicerce. Incluindo aquele homem em especial, Nukesaku. Ele não é completamente inútil. Útil.
227
74
Com meus subordinados tentando dar conta de meus inimigos que já invadiram a minha mansão, não consigo deixar de questionar se continuar a escrever neste caderno é a melhor coisa a se estar fazendo neste momento. Só que eu continuarei fazendo isso para mostrar o quão irrelevante me é a caravana Joestar. A lealdade de Vanilla ice que me acordou. É estranho que seja isso o que me mantém acordado. Pelo menos, estou acordado e fazendo mais progresso do que o costume. As ideias estão ficando cada vez mais claras. Talvez seja o efeito da linhagem Joestar. Com a aproximação do neto, o corpo do Jonathan está mais ativo do que nunca e bombeando mais oxigênio para o meu cérebro. Desta forma, Joseph Joestar e Jotaro Kujo estão me ajudando indiretamente em minha empreitada para o paraíso. Neste caso, eu não posso deixar essa chance escapar. Antes que meus subordinados – ou talvez eu pessoalmente – eliminem Joseph Joestar e Jotaro Kujo, eu preciso reunir todas as ideias que eu conseguir. Minhas ideias sobre como conquistar o paraíso. Enquanto minha mente segue clara, eu continuarei registrando as minhas memórias na página seguinte. Minhas últimas memórias. Minhas memórias de depois de eu ter sido derrotado pelo Hamon de Jonathan Joestar e ter meu corpo destruído. 228
75 “Enquanto a humanidade tiver fé, nada será impossível!” “Eu lhe mostrarei o quanto um ser humano pode evoluir!” E com tais palavras, Jonathan conseguiu nulificar minha Técnica da Vaporização Congelante ao encobrir seus punhos em chamas e conseguiu propagar o Hamon por todo o meu corpo. Quando eu fui arremessado pelo golpe, tive que cortar a minha própria cabeça – igual ao que o Vanilla Ice fez agora a pouco – para proteger meu cérebro.•. A teoria de que eu poderia sobreviver apenas como uma cabeça já havia sido testada em zumbis... Também sabia que se eu roubasse o corpo de alguém, eu estaria completo novamente. Como eu já havia comentado anteriormente, o único corpo que cheguei a considerar para tal foi o de Jonathan Joestar. Por isso, eu esperei pela oportunidade de ouro. Uma oportunidade em que os outros usuários de Hamon e o Speedwagon não poderiam interferir. Um momento em que eu poderia lutar contra Jonathan no mano a mano. É claro que, sendo apenas uma cabeça, eu não queria ser visto por ninguém... No entanto, eu também queria acertar as contas cara a cara com Jonathan Joestar. Eu gostaria de ter uma conversa sincera com 229
ele que transasse qualquer circunstância ou conexão. Algo inimaginável. Eu havia me tornado uma cabeça. Dessa forma, eu não seria capaz de me locomover por conta própria. Sem falar que Jonathan era sempre abençoado em seus “desencontros”, então sempre havia alguém ao seu lado. Naquela vez, era aquela mulher santa... Erina Pendleton. Embora eu tenha quase certeza de que seu nome já havia se tornado Erina Joestar. Eu soube que eles iam sair de lua de mel na América por um jornal. Pensei que seria impossível nós sermos interrompidos num navio. Minha tentativa de tomar o corpo do Jonathan não seria interrompida... Era a minha previsão, que, por sua vez, tornou-se realidade. Caso ela tivesse sido errônea... Caso eu tivesse cometido um erro... Bem, um navio é um local que um vampiro deveria evitar, acredito. O imaginário popular coloca que os vampiros não conseguem atravessar água corrente... Também faz parte do mesmo imaginário que nós somos fracos contra crucifixos e não amos alho, entre outras coisas que, no meu caso, não avam de lendas. Contudo, naquele caso em específico, talvez tivesse sido melhor acreditar em tais superstições. Depois de atrair Jonathan para uma cabine sob o convés do navio, eu o acertei com dois feixes de “Space Ripper Stingy Eyes”, num ataque surpresa. Eu não era mais capaz de usar a minha Técnica de Vaporização Congelante porque eu não ava de uma cabeça. Por isso, se Jonathan tivesse atacado primeiro, eu não teria a mínima chance de vitória... Nessas circunstâncias, eu acabei tomando a iniciativa. No 230
entanto, eu não tinha a intenção de fazê-lo agonizar ou torturá-lo. Eu havia mirado um tiro na testa, com a intenção de encerrar a sua vida instantaneamente, sem o intuito de fazê-lo sofrer... Mas ele conseguiu se esquivar e acabei acertando sua garganta. Ao atingir tal local, Jonathan ficou impedido de respirar e, consequentemente, seu Hamon não era mais ameaça. Naquele instante, minha vitória era certa. Era uma batalha praticamente ganha. O motivo de eu ter considerado resultado final como um empate é porque no último momento, Erina entrou na cabine. Havia sido um mau pressentimento? Ou talvez seja o que podemos chamar de ligação entre marido e mulher? Ainda, e se for a força gravitacional exercida entre os dois? De qualquer maneira, ela surgiu no instante em que atingi o Jonathan. Foi quando a fagulha de Jonathan reacendeu o seu fogo. Pela primeira vez, Jonathan demonstrou seu poder explosivo que eu temi por tanto tempo. Quanta ironia. Erina, a pessoa que fez Jonathan deixar de ser um menino para se tornar um homem, enfureceu-me por ter interrompido o duelo final entre mim, Dio, e Jonathan Joestar. E foi a pessoa que transformou minha vitória em uma derrota. Não existe ironia maior do que essa. Meu erro foi ter atacado Jonathan em um barco, uma conhecida fraqueza dos vampiros. Está bem, foi só uma piada. Sendo bem honesto, meu verdadeiro erro foi ter subestimado Erina Pendleton. Ou melhor, Erina Joestar. 231
Aquela notícia que havia denunciado o destino da lua de mel nos dois a chamava de “senhora Joestar” na legenda da foto. Quando eu li o artigo, acabei percebendo que eu já conhecia aquela garota, a Erina. E ainda assim, eu concentrei meus esforços para me certificar de que outros usuários de Hamon e o Speedwagon não iriam entrar em meu caminho. Eu fui descuidado ao esquecer o quão importante essa mulher foi para Jonathan Joestar e para mim, Dio. Nobre... Orgulhosa... Ela era uma santa. Era como a minha mãe... Eu deveria ter considerado sua influência em Jonathan... Em mim... Em nós... Especificamente como Erina Joestar. Naquele instante, ela já era membro da família Joestar. Ela se tornou uma deles. Jonathan acabou reunindo energia para um último Hamon. Não era um Hamon derivado de sua respiração. Mas um Hamon derivado de sua força vital... Um Hamon feito com sua alma. Provavelmente feito a partir da força espiritual que sobrou da herança do Hamon de Will A. Zeppeli. Ele usou o Hamon para controlar um zumbi que estava sob o meu comando para interromper os pistões do Navio e travar o timão. Esse foi o fim de Wang Chung, o zumbi que um dia foi o asiático que me vendeu a droga oriental com a qual eu envenenei o meu pai biológico e o adotivo... Eu não conseguia fazer nada para evitar aquilo... Eu me sentia impedido por uma conexão estranha... Ou melhor, uma força gravitacional. Jonathan usou a força sobre-humana do zumbi Wang Chung para travar o eixo do timão e impedir que 232
o vapor seja liberado pelos pistões. Quando a pressão ficasse maior que a força de retenção da caldeira, o navio explodiria. Era esse o seu plano. Nem eu conseguiria bolar algo assim naquelas circunstâncias... Ele pretendia explodir o navio com ele dentro. Bem no final, ele acabou cometendo a sua atitude menos heroica de todas, mas acredito que também tenha sido sua decisão mais amarga até então. Isto é, além de mim, Wang Chung e os zumbis criados lá, ainda havia muitos sobreviventes abordo daquele navio e que acabaram sucumbindo. Acredito que ele tenha julgado que era melhor isso do que deixar que eu, Dio, continuasse vagando pelo mundo... Embora eu tenha certeza de que ele acabou entrando em conflito com tal escolha. A escolha de ter que sacrificar pessoas inocentes. Deve ter sido uma decisão muito dura ara alguém como ele. E a Erina ficou ao seu lado, como uma verdadeira santa: “Eu não consigo entender nada!” “Isto está além da minha compreensão. Eu não sei como não consigo chorar, gritar ou ainda não perdi a consciência.” Esse foi apenas um prefácio do que viria a seguir. Erina continuou: “Mas de uma coisa eu ainda tenho certeza.” “Eu, Erina Joestar... Morrerei ao seu lado.” Eu não me surpreendi com tais palavras. Tenho certeza de que minha mãe diria a mesma coisa.
233
76
Ao que parece, Vanilla Ice foi aniquilado enquanto eu escrevia. Sim, aniquilado. Não foi simplesmente derrotado ou morto. Como Vanilla Ice havia se tornado um zumbi graças ao meu sangue, o sol literalmente o aniquilou sem deixar vestígios. Não sei se é por causa de nossa conexão sanguínea, se é por causa de sua lealdade ou se é por causa de nossa relação de mestre-serviçal, mas eu posso afirmar que ele foi aniquilado sem precisar receber a informação de ninguém. E agora, com o Nukeasaku do lado de Joseph Joestar, eu não tenho mais nenhum subordinado para comentar a “Aniquilação de Vanilla Ice”. Perder um subordinado do calibre do Vanilla Ice é um soco no estômago. Levando em consideração o seu destino, acredito que tenha se revelado uma má ideia transformá-lo em um zumbi. Uma consequência negativa de minhas ações. Contudo, eu não considero um erro... Digo isso porque o destino está do lado deles, simplesmente. Até mesmo eu sou praticamente um aliado da linhagem Joestar... Por não estar totalmente sincronizado com este corpo, o corpo de Jonathan, talvez eu provavelmente esteja, inconscientemente, fazendo as escolhas que os beneficiem. 234
Eu certamente estou com um leve nervosismo. Eu posso ainda não estar em pânico, mas com meus subordinados mortos, meus aliados de confiança eliminados, minha mansão exposta e eu mesmo me encontrando e totalmente vulnerável, afirmo ter ficado desgostoso. Mas mesmo numa situação dessas, essa situação desesperante, eu tenho certeza de que posso resolvê-la, basta encará-la com “vontade”. Se esse fosse um futuro que eu tivesse previsto e compreendido, eu certamente o enfrentaria sem qualquer alteração emocional. Seria então o paraíso. Eu preciso ver o paraíso... Alcançar o paraíso e me tornar um verdadeiro vencedor. Eu preciso clamar a minha vitória. Agora, por mais que Vanilla Ice tenha sido aniquilado, alguém com uma habilidade como aquela certamente deve ter sido capaz de executar ou o Polnareff, ou o Iggy. Se não for o caso, que pelo menos tenha causado ferimentos sérios em ambos. E por mais que os dois tenham sobrevivido, Iggy é um cachorro, não importando o quão inteligente ele seja. No fim das contas, Polnareff está sozinho. Eu sei que deve ser inútil, mas... Acho que eu devia me encontrar com ele. Polnareff está separado de Jotaro Kujo e Joseph Joestar. Agora que ele está sozinho, essa é uma oportunidade que não vai aparecer novamente. Porque existe uma força gravitacional que decide os encontros e desencontros. E acredito que tal força exista entre mim e o Polnareff... Como eu não consigo forjar uma aliança com os Joestar e como a maioria dos meus subordinados se foi, eu fico extremamente satisfeito em ter o Polnareff 235
do meu lado mais uma vez. Kakyoin está com os Joestar, então negociar com ele é impossível, agora o Jean Pierre Polnareff... Se eu não tivesse usado um parasita para controlálo, ele não teria nenhum ressentimento contra mim... Afinal, ele já se resolveu com J. Geil, com quem tinha contas a acertar e, diferentemente de Kakyoin Noriaki, ele não conheceu Holly Kujo pessoalmente. Então, dependendo de como eu negociar, é possível conquistá-lo de volta. Eu só preciso fazer isso antes dele se unir novamente com os Joestar. Acho que é o que farei. Espero escrever boas notícias na próxima página, quando eu voltar.
236
77
Não funcionou. Eu fui sumariamente rejeitado. E sendo bem sincero, eu, Dio, não consigo entender o motivo de ele estar tão insatisfeito comigo. Será porque o senso de justiça subiu à sua cabeça? Ou talvez porque ele está direcionando para mim a culpa de sua irmã ter sido assassinada? Acredito que é uma possibilidade. Mesmo tendo saciado sua sede de vingança, a morte de J. Geil não trará sua irmã caçula de volta. Ou seja, sua amargura não será absolvida por completo. Desta forma, acredito que agora ele está direcionando a sua raiva contra mim porque J. Geil era meu serviçal. Como ele não conhece Holly Kujo, eu não consigo pensar em outro motivo para rejeitar a minha oferta. Em outras palavras, para Jean Pierre Polnareff, é possível que sua irmã Sherry, assim como Holly Kujo e minha mãe, seja uma santa imaculada. Sherry. Acredito que tal nome se assemelhe com o francês para “querida”, como você chama alguém que ama. No fim das contas, parece que eu, Dio, sempre sou derrotado pela ideologia do “amor”. Amor pelos pais. Amor pela família. Amor pela humanidade. 237
Não... Eu, Dio, ainda não fui derrotado. Independentemente do que aconteceu há cem anos, o que ocorreu agora é que Polnareff, um excelente usuário de Stand, recusou o meu convite. Isso não é uma derrota. Contudo, isso significa que a força gravitacional não atua a meu favor. Talvez, se tivéssemos nos encontrado em outra hora, ele teria se tornado um bom colega. Sim, foi apenas o momento que não era o certo. Momento? Não, espera... Isso não faz sentido. A palavra “momento” basicamente se refere a um período de “tempo”. Será que é só isso mesmo? Porque se era “tempo”, eu deveria ser capaz de controlá-lo. Isso porque é correto afirmar que a minha Stand “The World” controla o tempo. E eu estou de acordo com tal máxima. Estritamente falando, o tempo não é a única coisa que é importante. Existe algo que é tão importante quanto, senão mais. Refiro-me ao “onde”. Igual ao saguão, onde meu sangue que jorrou do meu rosto graças ao soco de Jonathan ativou pela primeira vez a Máscara de Pedra... Igual à estátua da Vênus, que calhou de estar bem onde eu ia cair do telhado. E assim como o oceano era onde eu havia decidido tomar o corpo de Jonathan para mim. O “onde” tem um significado extremamente importante. É justamente o que me faltava. O “local”.
238
78
Bom, tanto faz, eu já não tenho mais tempo. Achei melhor eu tentar me acalmar e começar de novo em outra página. Não se empolgue... Sim, essa não é uma situação boa para se empolgar. Eu fico sempre inquieto em momentos como este, não é? Ah, o Pucci me disse que em situações como essa, é uma boa ideia começar a contar somente os números primos. Números primos são números solitários incapazes de serem divididos por qualquer outro número além de um e eles mesmo. A solidão concentra a nossa força Eu irei contar os números primos. 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59, 61, 67, 71, 73, 79, 83, 89, 97… Não funciona tão bem quanto ele disse que funcionaria. De qualquer modo, eu preciso me acalmar. Primeiro, acho melhor concluir a minha história de um século atrás. Quando eu fui fazer a minha oferta ao Polnareff, eu pude conversar um pouco com ele. Se eu tivesse ficado mais um pouco por lá... Se eu tivesse mostrado mais um pouco da força da minha Stand, “The World”, ele talvez tivesse cedido. A força gravitacional o puxou de volta para os seus colegas. 239
Joseph Joestar, Jotaro Kujo e Kakyoin Noriaki derrubaram uma parede. Com a benção dos raios de sol sobre seus ombros, ele se reuniu à equipe. Com o sol não deixando de ser minha fraqueza inexorável, eu tive que me afastar daquele local temporariamente. Mesmo sem as ilusões do Kenny G., a mansão ainda é uma construção consideravelmente complexa. Eles não vão me alcançar tão cedo. Contudo, parece que o Kakyoin colocou o Nukesaku numa sacola para poderem levá-lo (deve ser para protegê-lo do sol, mas é algo um pouco cruel para seus padrões), então uma hora ou outra eles me encontrarão. Então, antes disso, acho melhor escrever mais sobre minha descoberta. Meu receio não é com Joseph Joestar ou Jotaro Kujo individualmente, mas com linhagem Joestar como um todo... Como eu devia ter sido há um século. Aquela santa. Erina Joestar. Aquela mulher imaculada foi a primeira e última pessoa a interferir nos meus planos. Naquela época, ela estava disposta a morrer junto daquele com quem contraiu matrimônio, Jonathan. É normal que ela tenha jurado estar sempre ao seu lado na alegria e na tristeza, bem como na saúde e na doença, mas eu acreditava que isso seria até que a morte os separasse. Essa mulher estava disposta, em prol daquele que a salvou quando ela era uma criança, a abrir mão de sua vida. Impressionantemente tola. Era um sentimento puro, honesto e lindo. Mas de uma tolice incorrigível. Mais uma vez eu enxerguei nela, de verdade, características da minha mãe... E aquilo me deixou 240
furioso. Por isso, eu não poderia perdoá-la. Eu não permitiria que ela padecesse nos braços do meu corpo, o corpo do Jonathan. Nunca fariam isso comigo. Por que ela faria isso por ele? Mãe. Mãe. Mamãe. “Minha mãe também...” Jonathan começou. Ele então apontou para o cadáver de uma mulher próxima a ele. Parecia que ela estava fugindo dos zumbis quando caiu da escada enquanto abraçava sua cria. Então, continuou: “Aquela mãe... Morreu por sua criança...” “Minha mãe... Morreu da mesma forma...” “Salve aquela criança... E fuja...” “Você pode chorar, mas você precisa viver...” Aquela mulher morreu, mas a criança ainda estava viva. Jonathan disse à sua mulher para salvá-la. Ele pediu uma coisa dessas à mulher que estava conformada em morrer ao seu lado. Quanta falta de noção. Mas foi essa falta de noção que o fez ser Jonathan Joestar. Meu arqui-inimigo. O único homem que eu respeitei um dia. Ao mesmo tempo em que eu o odeio – bem como seus descendentes – eu o respeito. Foi esse o motivo absoluto de eu ter decidido tomar o seu corpo. Porque em seu leito, ele deixou de ser um “herdeiro” para se tornar um “doador”... Erina acatou seu último pedido com lágrimas nos olhos. 241
O último desejo de um moribundo. O último desejo de um amante. Ela não poderia recusar. Foi quando, no último instante, gastei minhas últimas forças para tentar agarrar o Jonathan com meus tentáculos. Foi no momento em que ela se afastou dele. Eu não me lembro muito bem do que aconteceu depois.•. Minha memória vem até aqui. Não me recordo nem mesmo do som da explosão do navio.
242
79
Foi só naquele momento que Jonathan e eu, depois de transcendermos a vida e a morte, estabelecemos uma espécie de laços de amizade. Acabei ficando um pouco emocionado, então ei para a próxima página para me recompor. Parece que o Nukesaku está, de forma ardilosa, ganhando tempo e guiando a caravana Joestar para lugar nenhum... No entanto, eu duvido que Nukesaku tenha ideia de que eu estou escrevendo este registro numa hora como essa. Ele também não tem conhecimento de todas as agens secretas dessa mansão. Eu poderia escrever sobre os meandros desta mansão para sempre, mas só resumirei que ele provavelmente está os guiando para a torre mais alta, onde estarei esperando por eles. Aliás, ter sua curta vida encerrada pelo Hamon do Joseph é um destino pouco digno para alguém como ele. Eu, Dio, irei pessoalmente dar conta do recado. Como ele é portador de um corpo imortal, talvez até consiga sobreviver. Agora, eu mencionei anteriormente que não me recordava do que aconteceu depois no navio. Contudo, para ser preciso, não é que eu não lembro, mas eu não faço ideia do que, de fato, aconteceu. Mesmo criando infinitas hipóteses, haverá contradições. Da minha perspectiva, um fato inquestionável é que eu consegui, com sucesso, tomar o corpo de Jonathan, 243
seja lá como for. E não somente, consegui permanecer vivo. Levando em consideração as condições em que acabei tendo que hibernar por cem anos numa espécie de esquife no fundo do oceano, é deduzível que, após ter conseguido meu novo corpo, eu consegui me abrigar no caixão e sobreviver à explosão que Jonathan havia armado. Até agora estou apenas constatando as conclusões lógicas e óbvias. O que eu não entendo, porém, é como Erina conseguiu salvar aquela criança e sobreviver. Como diabos ela escapou da explosão? Os zumbis de Wang Chung destruíram todos os botes salva-vidas, porque foi assim que eu ordenei para evitar uma improvável situação em que o Jonathan tentasse fugir por conta própria. Então, mesmo se Erina tivesse fugido como Jonathan pediu, mesmo se ela tivesse tentado achar alguma maneira de sobreviver, um sucesso seria impossível. O destino dela era naufragar no oceano junto daquela criança. Então como a linhagem Joestar continuou ao ponto em que hoje eu consigo ser psicografado pelo “Hermit Purple” do Joseph Joestar? Eu achei que ela tinha sido destruída. Eu achei que ela se foi... Ainda assim... Mesmo se começarmos a levantar suposições onde Erina Joestar conseguiu, de alguma maneira, escapar, eu só consigo me concentrar no caixão que eu havia trazido. O caixão que eu tinha levado ao navio era a única coisa que podia ser usada como um abrigo. Mas como isso seria possível? Aquele caixão era um compartimento destinado a apenas um indivíduo. Dependendo da situação, é possível encaixar duas pessoas lá dentro. No entanto, ele não 244
havia sido feito para alguém com o meu porte físico depois de ter tomado o corpo do Jonathan. É impossível que a Erina e eu coubéssemos nós dois juntos dentro daquele caixão. Tecnicamente, não eram duas pessoas. Eram três. Ou, sendo ainda mais exato, quatro. Jonathan, a criança, Erina e eu... Se todos nós coubéssemos no caixão, o enigma certamente estaria resolvido. Jonathan, contudo, alcançava aproximadamente um metro e noventa centímetros de altura, levando em consideração que o espaço de sua cabeça era preenchido por mim, Dio. Erina conseguiria se encaixar num espaço menor e a criança era apenas um bebê. Pode até ter sido apertado, mas talvez não seja tão fisicamente impossível assim que nós quatro tenhamos ocupado aquele caixão construído para apenas uma pessoa. Fisicamente. Emocionalmente, isso seria impossível... Jonathan teve sua garganta perfurada, conseguiu concentrar todas as suas forças num último Hamon e acabou morrendo. E eu presenciei sua morte pessoalmente, acredito. Então, se eu estivesse consciente e acabei tomando para mim o corpo de Jonathan, eu certamente não teria aceitado me proteger no mesmo compartimento com Erina Joestar. Atesto isso com toda a certeza, mesmo sem me recordar do ocorrido. Se naquele momento eu estivesse mesmo consciente, essa situação certamente não teria acontecido. Acredito que concentrei minhas últimas forças para tomar o corpo de Jonathan. Tanto que depois eu desmaiei. 245
Eu fiquei inconsciente. É, soa bem melhor dizendo dessa forma... Ou melhor, eu exauri todas as minhas forças. Então, quem me colocou, exausto, no caixão? Talvez eu consiga me convencer que inconscientemente eu tenha me arrastado para o caixão visando a minha sobrevivência. Levando em consideração o fato de que eu estou vivo, não consigo encontrar nenhuma outra explicação... Contudo, se levarmos também em consideração o fato de que a Erina também sobreviveu, a história agora é outra. Mesmo se eu tivesse conseguido me arrastar inconscientemente até o caixão, a Erina certamente me tiraria dele para que ela própria pudesse entrar, não é? Eu, Dio, um indivíduo que ela odiava. Aquele que assassinou seu amado marido. Ela certamente teria me jogado para fora do esquife, não? Não... Acho melhor não me preocupar tanto com isso. Eu já tirei minha conclusão... Eu só não quero itir. Eu só não quero itir isso. É só levar em consideração o fato de que ela se tornou uma Joestar. Ela herdou a vontade daquela linhagem. Eu sei. Eu tenho certeza. Só não consigo aceitar. Graças à Erina Joestar... Minha vida foi salva. Eu só não quero itir. Contudo, considerando as circunstâncias, não existe outra resposta. Depois de ter tomado o corpo de Jonathan e ter exaurido minhas forças, Erina me levou até o caixão e me colocou lá dentro junto dela. Não existe outra maneira de nós, incluindo aquela criança, termos nos salvado. Pensando de forma simples, talvez ela tenha feito isso porque aquele ainda era o corpo de seu falecido 246
marido. Ela não poderia simplesmente deixá-lo afundar naquela embarcação. Mas eu sei que não é o motivo certo. Como alguém que tomou o corpo de Jonathan, eu sei que eu preciso itir. Que aquela mulher nobre, orgulhosa e portadora de uma tolice sem limites... Ficou com pena de mim, Dio. “Dio”. “Você consegue me escutar?” “Se eu tivesse nascido na pobreza, eu provavelmente teria feito as mesmas coisas...” “Eu provavelmente teria o mesmo coração ambicioso e teria me afastado do caminho da humanidade assim como você”. “O corpo de Jonathan lhe pertence agora”. “Você é verdadeiramente um membro da família Joestar agora”. “Agora, descanse junto de meu marido nas profundezas do oceano”. “Durma em paz”. “Eu não sei se isso acontecerá daqui a cinquenta ou cem anos.”. “Mas, algum dia, por favor, desista de tanta maldade e se torne uma boa pessoa...” “Por favor, aja nobremente e viva com orgulho. Se fizer isso, você conseguirá chegar no céu”. Tive a impressão de que alguém sussurrou isso em meu ouvido. Tive a impressão de que ouvi tais palavras no último instante. Foi o que Erina Joestar me disse. Foi o que a minha mãe me disse.
247
80
O último requisito é o “onde”. “Onde” e “quando”. Eu fiz os cálculos. 28.24º de longitude norte, 80.36º de latitude oeste... E espere pela lua nova. Essa deve ser a “Hora do Paraíso”. Agora... Chegou o momento... A caravana Joestar finalmente me alcançou. O caminho em direção ao paraíso já é claro para mim, porém, infelizmente, eu serei obrigado a largar a caneta pelo resto do dia. É melhor seguir em direção à torre. Chegou a hora de encerrar de uma vez por todas essa minha conexão com a linhagem Joestar. Não há necessidade de pânico. Meu corpo goza de vida eterna. Eu disponho de todo o tempo que precisar. Continuarei a escrever mais sobre isso amanhã.
248
249
Posfácio Pelo que me lembro, o meu primeiro contato com JoJo’s Bizarre Adventure foi quando vi a marionete do “Ebony Devil” decepar o rosto de um funcionário do hotel como se fosse uma simples máscara. É claro que, naquela época, a minha principal dúvida era “como aquela marionete funciona?”. De repente, apareceu do nada um negócio que se assemelhava a um guerreiro numa armadura. Eu continuei lendo aquilo sem fazer a mínima ideia do que era uma Stand. Mas ainda assim, talvez por causa desse meu estranhamento, eu ainda consigo lembrar a sensação intensa de ser engolido por essas páginas como se fosse hoje. Bem, eu acho que eu já tinha lido uma Weekly Shounen Jump antes e, pensando bem, era bem no capítulo em que o Jotaro tinha descoberto a identidade do usuário da Stand “Dark Blue Moon”. Então, eu certamente errei a respeito da minha primeira memória envolvendo JoJo, assim, por que diabos eu disse que me recordava como se fosse ontem? Bem, articulando melhor, eu acredito que a primeira cena teve mais impacto na criança que eu era naquela época. De qualquer modo, você não consegue colocar uma cena de um rosto sendo decepado como uma máscara na Shounen Jump de hoje. Dessa forma, eu olho para trás de vejo como as coisas mudaram desde aquela época. Contudo, uma coisa que permanece é a tendência que JoJo’s Bizarre Adventure desencadeou na revista e nela influi até hoje. Sem falar de pessoas como eu, que acabaram se influenciando de alguma forma também. É por isso que esse livro é o romance resultado da obraprima de nossos tempos. Não, de todos os tempos. JoJo’s Bizarre Adventure, uma obra-prima que ainda será lida daqui a cem anos. Essa é a história de Dio. Acredito que é possível chamála de “Dio’s Bizarre Adventure”, em vez de “JoJo’s Bizarre Adventure”. Olha, a simples oportunidade de escrever a história 250
de Dio me mostrou o quão sou sortudo de ser tanto um escritor quanto um fã. Se bem que agora fica difícil escrever qualquer coisa depois de uma declaração como a que eu acabei de fazer. Enfim, esse é Over Heaven, um romance baseado em JoJo’s Bizarre Adventure. Aliás, por mais que eu tenha dito que eu me sinto sortudo de ser tanto um autor quanto um fã da série, ito que esse romance foi um desafio como eu nunca antes enfrentei. ei por uns bons bocados até que eu finalmente conseguisse terminá-lo. Por isso, meus sinceros agradecimentos ao departamento Jump J Books da Shueisha, por toda a paciência que tiveram comigo enquanto eu mantinha a minha perseverança em terminar este livro, bem como ao mestre Hirohiko Araki, por arranjar um tempo no meio da serialização da parte 8, Jojolion e desenhar as ilustrações e essa belíssima capa. É, parece que eu me empolguei. Acho que JoJo faz isso com as pessoas. Nisio Oisin.
251
252