Romances que consagraram autoras de sucesso da Harlequin.
Armadilha para um Amante Ser ou não ser… amante dele! Quando Leone Andracchi se ofereceu para ajudar Misty a sair de um problema financeiro, ela desconfiou que pagaria um preço. E estava certa! Leone precisa que Misty finja ser sua amante temporariamente. Ela aceita a proposta acreditando que seria muito fácil. Mas não podia prever que Leone mudaria os termos do acordo para algo mais sério do que apenas encenação.
ARMADILHA PARA UM AMANTE
Tradução Vera Vasconcellos
2015
Capítulo 1
LEONE ANDRACCHI reclinou-se na cadeira e observou a mulher que utilizaria como arma na busca por vingança. Do outro lado da sala abarrotada, Misty Carlton mantinha os funcionários de seu bufê ocupados, servindo as bebidas e guloseimas. O cabelo cor de cobre estava penteado em um estilo prático. O terninho cinza e os sapatos confortáveis não eram femininos e tampouco vistosos. O rosto pálido não contava com o artifício da maquiagem. Tudo nela sugeria o profissionalismo de uma jovem que se preocupava em não chamar atenção para seus atraentes atributos femininos, e aquele estratagema parecia surtir efeito. Até então, Leone não vira nenhum de seus executivos flertar com ela. Com exceção de si mesmo, estariam cegos todos os homens presentes naquela sala? Seria ele o único capaz de perceber o que prometiam aqueles olhos cinza-prateados e a voluptuosidade carnuda daquela boca apetitosa? Com o traje certo, aquela mulher ficaria estonteante, muito mais cativante do que as de beleza convencional. A coloração de Misty Carlton tinha uma qualidade enigmática e sensual bastante incomum. A mente já formava a imagem daquelas curvas luxuriosas em uma lingerie de seda e as pernas longas, esbeltas e eficientes ornadas com meias finas, desfilando com sapatos de salto agulha. Embora fosse uma mulher esguia, ele a excedia em altura, o que a dispensaria do uso de sapatos baixos quando estivesse em sua companhia. Um sorriso de quem zombava de si mesmo espreitou nas profundezas escuras dos olhos de Leone, quando ele se deu conta de que já a havia despido ao nível das roupas íntimas. Mas era um homem siciliano até a medula dos ossos e, como tal, sabia apreciar uma mulher atraente. Dentro de algumas semanas, no máximo, Misty Carlton seria uma das mulheres mais faladas de Londres. Como sua amante, descobriria o próprio nome figurando em colunas sociais. Os paparazzi a seguiriam por todos os lugares e, se fracassassem na empreitada de encontrá-la, ele lhes daria uma pequena ajuda. Após estabelecer a identidade de Misty de acordo com os próprios interesses, havia deixado pistas reveladoras, prontas para serem encontradas. Na verdade, tudo que aconteceria em um futuro próximo fora decidido há quase seis meses, quando Leone a vira pela primeira vez e tramara uma forma de atraí-la para a posição de um alvo fácil, até o momento de fazer mira e atirar. Exatamente como ela se encontrava agora, saboreou Leone.
Misty Carlton era filha ilegítima de Oliver Sargent, um homem contra quem Leone jurara vingança em nome da irmã. O político de fala macia, que baseara a reputação na imagem de um respeitável homem de família, apregoando padrões de conduta moral, vivera com todo o conforto que a fortuna herdada lhe proporcionara. Oliver Sargent, o hipócrita, sedutor de adolescentes, que em pouco diferia de um assassino. O mesmo homem que preferira deixar Battista agonizar, sozinha, nos destroços do próprio carro, a chamar uma ambulância e se arriscar a amargar um escândalo. O semblante do rosto moreno, de traços esculpidos, se tornou sombrio. Embora tivesse se ado um ano desde o funeral da irmã, a dor ainda fazia revirar as entranhas de Leone sempre que ele se permitia pensar em como a vida de Battista fora ceifada de modo deliberado, cruel e impiedoso. Os médicos haviam lhe dito que, se ela tivesse sido socorrida antes, talvez tivesse chance de sobrevivência. Naquele verão, a irmã estava com 19 anos. Uma estudante de política, fazendo trabalhos de pesquisa junto com os assistentes de Sargent. Uma jovem bela e idealista, com olhos castanhos brilhantes, cabelo longo e encaracolados e natureza crédula. Após algumas semanas de trabalho voluntário, Battista já se mostrava encantada toda vez que ouvia o nome de Sargent, mas nunca ocorrera a Leone que a paixão pelo homem que ela via como herói pudesse colocá-la em risco. Afinal, Oliver Sargent era um homem casado e um quarto de século mais velho do que Battista. Não atentara para o fato de que Oliver era também um homem bem-apessoado, charmoso e que aparentava ter bem menos idade. – Sr. Andracchi…? Alheio ao semblante intimidador do próprio rosto, Leone desviou a atenção, com certa surpresa, para os doces que lhe estavam sendo oferecidos. Os biscoitos de amêndoas e os pastéis de nata eram iguarias tradicionais da Sicília. O tremor da mão magra que segurava o prato era quase imperceptível, mas o olhar de Leone nada deixava escapar. Ele ergueu a cabeça para se deparar com o rosto cansado de Misty Carlton, reconhecendo as marcas de extenuação nas sombras azuladas sob os olhos prateados e a tensão que a fazia contrair a mandíbula delicada. Os cílios eram castanhos e longos como os de uma criança, e ela estava trêmula, o que não era de irar, já que devia estar desesperada. Sabia disso porque fora assim que ele havia planejado. Misty estava na iminência de perder o negócio que trabalhara duro para conseguir montar. Leone a tinha na palma da mão. – Obrigado – murmurou ele, dosando o tom grave da voz com uma leve ironia. Se Misty imaginava impressioná-lo com aquela tentativa pouco sutil de bajulá-lo, estava muito enganada. Os contratos eram viabilizados com base no preço, eficiência e confiabilidade. Gostasse Misty ou não, ela havia quebrado mais de uma das regras básicas do fechamento de um novo negócio. – Nucatoli e pasta ciotti. Que surpresa agradável. Você está me deixando mal-acostumado. A pulsação sutil e traidora logo abaixo da delicada clavícula de Misty lhe atraiu a atenção para a maciez da pele daquele pescoço elegante. – Gosto de experimentar… É só – respondeu Misty, ofegante. O tremor e a linguagem corporal de Misty eram muito óbvios para um homem experiente como ele: as pupilas escurecidas e dilatadas, o rubor das bochechas do rosto, a umidade dos lábios entreabertos. Ele a excitava e, se não soubesse o que de fato sabia sobre aquela mulher, talvez acreditasse que a inocência a impedia de disfarçar os sinais de disponibilidade sexual. Mas ela não o enganava. Tinha certeza de que, se aquela sala estivesse vazia, e ele a puxasse para o colo e começasse a lhe explorar o corpo trêmulo, elegante e faminto pelo dele, Misty o encorajaria.
Estimulado pelo desejo primitivo masculino, quase foi traído pelo próprio corpo e teve de se concentrar na vingança para fazer o sangue esfriar. Não tinha nenhuma intenção de levar a filha de Oliver Sargent para a cama. Ela seria sua amante apenas na aparência. – Não é o que todos gostamos de fazer? – devolveu Leone com voz rouca e insinuante, antes de morder o pequeno pastel de nata que se desfez na boca, enquanto ela se mantinha como uma criada submissa ao lado dele. O sorriso que curvou os lábios de Leone tinha um quê de sarcasmo. A postura de Misty o agradava. Era um homem à moda antiga e o doce estava delicioso. Talvez, no tempo que tivesse livre, ela pudesse preparar alguns quitutes na cozinha de sua casa. Sem dúvida, Misty era ávida por agradar. Mas alguém poderia avisá-la de que até mesmo o mais sutil sinal de nervosismo podia alertar os clientes para uma empresa em situação precária. – Está muito bom – elogiou Leone, em tom suave. Os enormes olhos prateados se iluminaram, inundados por alívio e orgulho. A mente de Leone logo conjurou a imagem erótica de Misty esparramada em sua cama, no calor brando de uma tarde siciliana, com aquela cascata de cabelo vermelho emaranhada, a boca rosada e apetitosa suplicando para ser beijada, enquanto se contorcia e gemia com o prazer que suas mãos experientes poderiam lhe proporcionar. Infelizmente, aquilo não seria possível, lembrou a si mesmo, exasperado diante dos previsíveis efeitos da libido exacerbada. Enquanto Misty lhe servia café, ele imaginou se o astro de rock com quem ela se relacionava havia apreciado aqueles toques sutis da essência feminina, capazes de fazer o mais frígido dos homens se sentir disposto a abater um leão com as próprias mãos e arrastá-lo de volta à caverna primitiva apenas para impressioná-la. Mas Misty não era uma flor frágil. O dossiê que compilara sobre ela revelara algumas surpresas. Podia ser uma jovem de apenas 22 anos, mas levara uma vida complexa, que talvez até lhe inspirasse compaixão se, como tudo indicava, Misty não tivesse espoliado uma senhora idosa de suas economias. Por trás daqueles olhos cor de neblina, escondia-se uma maquinadora gananciosa com coração de pedra. Quem sai aos seus, não degenera, pensou Leone, fatalista, enquanto aceitava o café adoçado de acordo com sua preferência. Talvez Misty não tivesse a menor ideia da verdadeira personalidade do pai e talvez nunca o tivesse visto, mas ele conseguia ver uma semelhança entre os dois: costumavam usar as pessoas e eram capazes de se reinventar para virar as situações a seu favor. Melissa Carlton crescera em uma série de lares adotivos temporários e sempre costumara andar de braços dados com problemas. Certa vez, ficara noiva de um próspero proprietário de terras e a mãe do ex-noivo ainda se vangloriava do sucesso que tivera em se livrar de uma jovem que ela afirmava ser mercenária e calculista. Seguira-se então o astro de rock: um desordeiro de aparência suja, com cabelo espigado e tingido de louro, que berrava composições indecifráveis nos microfones, enquanto Misty dançava como uma tresloucada na lateral do palco. O relacionamento dos dois também não durou muito tempo. – Posso lhe falar por um instante, sr. Andracchi? – perguntou Misty, tensa. – Não no momento – respondeu ele, observando-a se encolher e empalidecer sem um pingo de remorso. Queria cozinhá-la em banho-maria por mais algum tempo. Por que não? No final, Misty conseguiria fechar o negócio do século e obter um lucro astronômico com o acordo que fariam. Salvar a pele daquela mulher lhe dava náuseas, mas o que mais poderia fazer? Misty era o calcanhar de Aquiles de Oliver Sargent e precisava da cooperação dela para derrotar aquele bastardo. Não que pretendesse
deixá-la saber em que o estava ajudando até que fosse tarde demais. Mas até mesmo os melhores negócios incorriam em um certo ônus, e Misty não era uma mulher sensível. Afinal, esse tipo de mulher não costumava ludibriar senhoras idosas e deixá-las lutando para pagar suas contas, enquanto continuava a posar de filha carinhosa. Quando a mídia descobrisse que Misty era a filha ilegítima de Sargent, a carreira política do pai iria por água abaixo, já que, nunca, nenhum homem conseguira se mostrar mais arraigado aos princípios morais do que Oliver Sargent. A esposa sem filhos, que não fazia outra coisa senão gozar a vida, talvez se voltasse contra ele também, mas o interesse de Leone não residia na separação do casal. Sabia o que Sargent mais valorizava na vida: o poder, as ambições e esperanças em conseguir o mais alto cargo no governo e o séquito de assistentes que o endeusavam. E, quando o escândalo viesse à tona, o velho político se veria privado do orgulho, do poder e da influência que possuía. Seria a mais brutal das punições para um homem que se comprazia da própria importância e vivia para ser irado. Tão logo destame o fosso de Sargent, todas as outras sujeiras viriam à superfície: o caixa dois de suas finanças e as amizades questionáveis com empresários desonestos. A carreira política de Sargent seria arruinada de uma forma irreversível. Não era suficiente para compensar a interrupção precoce da vida feliz de Battista, mas, quando desferisse o golpe, Leone se certificaria de que a vítima ficasse sabendo o que motivara sua derrocada. Sargent se mostrava nervoso sempre que estava em sua presença, embora não suspeitasse de que Leone sabia que ele se encontrava no carro na noite em que Battista morrera. Afinal, o desprezível sedutor cobrira os próprios rastros com precisão cirúrgica e, não obstante os esforços de Leone, fora impossível conseguir algo que comprovassem esse fato. Fixando-se no presente, observou Misty Carlton, que era a cópia da mãe falecida, orientar seus funcionários com extrema eficiência. A não ser que estivesse muito enganado, tinha a impressão de que Oliver Sargent começaria a suar frio e temer a exposição no instante em que pousasse os olhos na filha ilegítima ou ouvisse seu nome… MISTY IMAGINOU se algum dia alguém lhe inspirara tanto ódio quanto Leone Andracchi. Aquele homem a dispensara como se ela fosse uma criada que tivesse se comportado de modo inconveniente, mas aquele era o penúltimo dia do contrato temporário que firmara com ele e ainda não havia sido comunicada se seria renovado para o ano seguinte. Caso recebesse uma resposta negativa, iria à falência. Com gotículas de suor brotando sobre o lábio superior, Misty prosseguiu em suas tarefas, mas não importava em que ponto estivesse na sala impregnada daquela atmosfera masculina opressiva, a presença irritante de Leone Andracchi a assombrava. Ele era um típico magnata siciliano, dono de uma fortuna obscena e famoso por ser imprevisível e intratável. A figura imponente de Leone dominava a sala como uma nuvem negra que prenunciava tempestade e ocultava o perigo de descargas elétricas de alta voltagem. Os próprios executivos que trabalhavam para ele se mostravam nervosos como gatos escaldados em torno do patrão, ávidos por agradá-lo, interessados em impressioná-lo, mas empalidecendo só em vê-lo franzir a testa. O mais curioso era que Leone tinha apenas 30 anos: muito jovem para deter tanto poder. No entanto, possuía a fama de ser um brilhante homem de negócios. Era uma pena que tivesse aquela personalidade, Misty pensou, amarga. Fora uma falta de sorte ser forçada a se prostrar diante daquele dinossauro chauvinista, que recebera suas atenções quase como se
estivesse sendo obrigado. Meu Deus! Leone Andracchi adorara quando ela lhe trouxera os doces típicos sicilianos e quase ronronara como um gato do mato quando lhe adoçara o maldito café. O orgulho exacerbado de Misty se debatera como uma fera contida à força a cada gesto obsequioso. Lamber as botas de alguém era algo que não constava de seu código de conduta. Talvez os quitutes sicilianos tivessem sido um exagero, mas o que havia lhe restado? Mendigos não podiam escolher. Havia rastejado pelo bem de Birdie, que perderia a própria casa se ela não conseguisse um meio de renovar aquele contrato. E Misty não costumava medir esforços no que se relacionava a Birdie. – Aquele sr. Andracchi é estonteante – disse Clarisse, a amiga e funcionária, forçando uma entonação de arrebatamento na voz, enquanto empilhava as xícaras nos containers, ao lado de Misty. – Todas as vezes que pouso o olhar naquele homem sinto como se tivesse morrido e ido direto para o paraíso. – Shh! – A irritação fez Misty corar. Uma garçonete lançando olhares cobiçosos ao mandachuva da empresa não podia ser qualificado como um comportamento profissional. – Reparei que você também o fica medindo com o canto do olho – sussurrou a morena alegre e curvilínea, antes de se afastar. Tudo bem, de fato olhava para ele, mas não porque estivesse hipnotizada com aquela beleza morena e austera! Não, os olhares que lhe lançava eram como os de alguém que conferia se o leão ainda se encontrava na jaula, com a porta bem trancada. Leone Andracchi a deixava nervosa. A impressão de que ele a estava sempre seguindo com o olhar devia ser fruto de sua imaginação, porque ainda não havia surpreendido aqueles olhos dourado-escuros e sombrios fixos nela, mas, na presença dele, sentiase terrivelmente incomodada. Ainda assim, em nenhum outro império financeiro do porte das indústrias Andracchi, Misty vira homem tão importante quanto Leone Andracchi. Afinal, ela não ava de uma dona de bufê, cumprindo um contrato de experiência para apenas uma das empresas daquele homem e, por certo, muito aquém do tipo que costumava lhe atrair a atenção. Além do mais, a Brewsters não ficava localizada em Londres, e sim nas cercanias de um distrito do interior de Norfolk. Mesmo assim, em uma visita à empresa, Leone Andracchi se dera o trabalho de entrevistá-la pessoalmente. Também a fizera saltar através de aros mentais, como um animal de circo que estivesse treinando para seu divertimento sádico. Quando sentiu o rosto abatido se contraindo diante da recordação, Misty repreendeu a si mesma pelo ressentimento que guardara. Ao aceitar sua licitação para o contrato, o que muito a surpreendera, Leone Andracchi lhe dera o que parecia ser a maior chance de sua vida. Não podia culpá-lo por aquela oportunidade ter azedado ou pelo fato de ela ter dado um o maior do que as pernas. – Andracchi é o que eu chamo de homem de verdade. – Clarice enfatizou a última palavra, suspirando com extrema apreciação enquanto ava outra vez por ela. – Todo musculoso e com uma energia invejável. Aquele homem exala sexualidade por todos os poros. Deve ser um sonho na cama… – Ele tem a palavra “rato” escrita na testa e uma péssima reputação com as mulheres! – rebateu Misty, em tom de voz baixo. – Quer esquecer este assunto? – Estava apenas tentando fazê-la rir – disse a amiga, com um sorriso surpreso. – Relaxe um pouco. Com a consciência pesada, Misty corou, ciente de que estava com os nervos à flor da pele. Mas até mesmo a amiga não tinha ideia da precariedade da situação em que se encontrava o bufê Carlton Catering. O negócio estava a ponto de ruir. Se não conseguisse aquele importante contrato com as indústrias Andracchi, o banco se recusaria a estender o empréstimo que fizera e não lhe restariam
fundos suficientes sequer para pagar os funcionários no final do mês, quanto mais os fornecedores. Uma onda descomunal de vergonha a invadiu. Como conseguira imergir em tamanho caos? Um homem louro, trajando um terno caro, se aproximou de Misty. – O sr. Andracchi a receberá em seu escritório agora. Misty percebeu a surpresa que o homem mal podia disfarçar com a disposição de Leone Andracchi de se envolver em questão tão irrelevante. Mas, como o mandachuva lhe explicara, com voz arrastada, quatro meses atrás, “O almoço é uma arte para um siciliano e quero que os executivos desta empresa se beneficiem dessa nova experiência. Estou cansado de ver as pessoas comendo sanduíches em suas mesas. Acredito que uma refeição adequada aumentará a produtividade na parte da tarde”. Portanto, todos os dias Misty fornecia um almoço leve no refeitório dos executivos que fora montado em uma das salas da empresa e, em tardes como aquela, quando um grande negócio havia sido concluído, era solicitada a ficar até mais tarde e servir um coquetel. Antes de seguir para o escritório de Andracchi, ela entrou no lavabo para fazer a higiene das mãos e observar se ainda estava com aparência composta. Sabia que estava abatida, e aquilo não ajudaria em nada. Algumas noites sem dormir e a constante preocupação haviam deixado suas marcas. A culpa era toda dela, pensou, amargurada. Assumira um risco baseando-se apenas na extravagância de Andracchi, o que, ao que tudo indicava, estava se provando um experimento que ele não tinha a menor intenção de levar adiante. Além do mais, mesmo que ele tivesse decidido manter os almoços, não havia garantia nenhuma de que a Carlton Catering ganharia o contrato. Ele provavelmente a dispensaria. Sabia disso; podia sentir em seus ossos. O castigo por ter feito um empréstimo bancário para expandir o negócio estava a caminho. O que pensaria Andracchi se sua pequena e insignificante empresa pedisse concordata? O mais provável é que se vangloriasse em vê-la suplicar. Seria capaz de fazer isso por Birdie? Pedir misericórdia àquele homem arrogante e musculoso? Um tremor lhe perou o corpo diante de tal perspectiva, mas a única alternativa que lhe restava era ainda menos atrativa: Flash a livraria daquele problema sem hesitar, mas dessa vez teria de pagar um preço, ou seja, deitar-se com ele. E Misty pedia aos céus que nunca precisasse descer tanto… Uma secretária que parecia bastante intimidada com a visita de uma semana do presidente da Andracchi Industries abriu a porta do amplo escritório para recebê-la. Empertigando os ombros delgados, Misty inspirou profundamente e se esforçou para estampar no rosto um semblante de confiança e calma que em nada combinava com o frio no estômago e o suor das palmas das mãos que a incomodavam no momento. Por favor, permita que ele não me cumprimente com um aperto de mão, rogou, em silêncio. – Sente-se, srta. Carlton. Leone Andracchi estava ao telefone, parado próximo às amplas janelas do espaçoso escritório. Misty o ouviu conversar em um italiano suave, como o que se usaria para falar com uma amante. “Sexo ao telefone, que devasso!”, pensou ela, judiciosa, enquanto retorcia os lábios em expressão de repúdio. Mas, infelizmente, Clarice tinha razão em um ponto. Aquele homem era um verdadeiro colírio para os olhos. O cabelo espesso e negro parecia suplicar para ser despenteado por dedos femininos. Os ossos malares eram proeminentes e estonteantes. Aliás, estonteante em todos os sentidos, reconheceu a contragosto. O nariz era clássico e arrogante. As sobrancelhas, escuras e bem definidas. A mandíbula era bem marcada e os lábios, perfeitos. Quanto aos olhos, eram uma revelação por si só. Em determinados estados de humor, negros como o piche. Em outros, exibiam um dourado brilhante,
vertiginoso e sensual. E Leone Andracchi sabia como usá-los com maestria para transmitir o que outras pessoas costumavam recorrer às palavras para conseguir. Misty testemunhara aqueles mesmos olhos intimidadores congelando os funcionários no lugar e deixando as mulheres daquela empresa palpitando com a mesma sensação de uma presa que pressentia o predador. Aquele homem se aprazia com as mulheres gravitando em torno dele. Era do tipo “Eu, Tarzan. Você, Jane” e parecia ter predileção pelas louras de seios fartos que davam risadinhas, ofegavam e se grudavam nele. Um cenário patético. Em sua opinião, um homem de verdade preferia mulheres de verdade, com cérebro, capazes de lutar por suas convicções e que soubessem colocá-lo no devido lugar. E, se havia um homem que merecia tal tratamento, esse homem era Leone Andracchi. Era tão cheio de si que, só de pensar, Misty trincava os dentes. Quando concluiu o telefonema, Leone relanceou o olhar à vítima que o aguardava, imaginando por que ela estampava aquele meio-sorriso sarcástico nos lábios e tinha o olhar perdido, embora quase presunçoso. Ele caminhou com adas fluidas até a mesa e constatou que Misty se encontrava a milhas de distância dali. Era uma daquelas pessoas capazes de se abstrair do ambiente e do tempo. Misty era adepta àquele velho truque de imaginar pessoas intimidantes nuas para reduzi-las à condição humana, mas não se sentia nem um pouco tentada a despir Leone Andracchi do terno feito sob medida. Mas, de repente, a mente pareceu criar vida própria e a imaginação desenfreada vislumbrou o físico alto e bem definido do magnata à sua frente. Os pensamentos embaraçosos a fizeram enrijecer a postura e a trouxeram de volta à realidade, com o rosto em chamas e os músculos tensos. – Bem-vinda de volta, srta. Carlton – murmurou Leone Andracchi, em um tom de voz sardônico. – Sr. Andracchi… – Com o coração batendo na garganta, Misty se forçou a empinar o queixo. – Desculpe-me por tê-la feito aguardar – acrescentou ele. Não, ele não estava arrependido. Não tinha noção de como sabia aquilo, já que aquele rosto moreno angelical não traía uma emoção sequer, mas podia pressentir. Leone se recostou para trás na cadeira em uma postura relaxada, a estrutura rígida e musculosa pronunciada. Ele devia ter por volta de 1,95 m, calculou Misty não pela primeira vez. – Naturalmente, você quer saber o que penso do contrato que está para ser fechado, embora não seja obrigado a lhe dar essa informação. – Leone Andracchi fez questão de ressaltar, com voz suave. – No entanto, à luz do excelente padrão de qualidade do serviço que você implantou nas últimas oito semanas, acho justo lhe dizer por que sua proposta não foi aceita. O coração de Misty pareceu parar diante da recusa que tanto temera. O sangue lhe abandonou o rosto e as mãos se cruzaram sobre o colo. – Dispenso os elogios vazios – retrucou ela, sem conseguir disfarçar a tensão na voz. – Se a Carlton Catering não conseguiu o contrato, é obvio que não ficou satisfeito com nosso serviço. – Não é tão simples assim – retrucou Leone, com voz arrastada. – Sua empresa excedeu o limite de crédito com o banco e não seria inteligente apostar que você conseguirá mantê-la sadia pela duração de um ano de contrato. Os olhos prateados de Misty dilataram até onde era possível. Pela primeira vez, atirou a cautela para o alto e o encarou. – Posso saber onde obteve essa informação? – Não posso revelar minhas fontes.
Sustentando aquele olhar firme e insondável, Misty podia sentir a cabeça começar a rodopiar e o ar ficar preso na garganta. – Isso não é verdade. – Não minta para mim. Não tenho tempo a perder com mentiras – preveniu Leone, com voz suave. – Minhas informações são sempre precisas. Sei que o banco só estenderá o prazo para o pagamento do empréstimo se apresentar o contrato para o próximo ano devidamente assinado e selado. – Se alguém daquele banco colocou em dúvida a viabilidade de minha empresa, eu os processarei. – Misty atirou a cabeça para trás, os olhos prateados, faiscando. – Posso lhe garantir que, se me desse o contrato, eu o honraria durante o período determinado, sem problema algum. – Seu otimismo é impressionante – contrapôs Leone. – Mas vamos direto ao ponto. Você tem talento e é extremamente organizada, mas falhou ao fazer a proposta para o primeiro contrato. Seu preço foi extremamente baixo. No entanto, você lida com um setor de trabalho intensivo e alta rotatividade de pessoal, com despesas de seguro incapacitantes e regulamentos de saúde pública muito onerosos para uma pequena empresa como a sua. Isso a deixou quase impossibilitada de recuperar seus custos. – Eu queria conseguir o contrato. Fiz aquela proposta para vencer, obviamente esperando recuperar os custos no próximo ano – informou Misty. – Disse-me que gostava de ajudar os empresários locais… – Não quando o comandante é uma mulher que se recusa a reconhecer que deu um o maior que as pernas. Como pode se sentar aí e discutir comigo, quando sei que está devendo o aluguel das instalações de sua empresa, não está conseguido pagar o empréstimo bancário e está atolada em dívidas até o seu belo pescoço… – Deixe meu pescoço… belo ou não… fora disso, por favor. – Misty se ergueu, incapaz de tolerar ser olhada de cima a baixo. Como aquele homem se atrevia a falar com ela daquela forma? Como ousava? Era desagradável o suficiente saber que o contrato no qual ela depositara todas as esperanças seria concedido a outra empresa, mas ar aqueles insultos e vê-lo enumerar os erros que cometera era demais para alguém de carne e osso. – E perder o controle na minha frente me deixará ainda menos impressionado – disse Leone, com um olhar irônico à postura que ela adotara. Misty devia ter 1,77 m de altura, mas era tão delgada quanto uma vara de pescar. Qual era o problema daquela mulher? Misty era péssima em blefar. Os olhos refletiam tudo que estava sentindo. Estaria esperando que ele perdesse tempo ouvindo-a tentar convencê-lo de que não estava à beira do precipício financeiro? Pelo espaço de um segundo, a raiva quase a comeu viva. O temperamento que há muito Misty conseguira dominar ameaçava transbordar como lava. De repente, foi assaltada pelo imenso desejo de socá-lo, o de varrer aquele sorriso irônico do rosto de traços marcantes à sua frente com um golpe certeiro do punho. Mas aquele simples pensamento a desconcertou o suficiente para lhe refrear a raiva. – Você me chamou aqui, me comunicou a má notícia, mas não há necessidade de levar as coisas para o lado pessoal – afirmou Misty com dignidade rude. – Então, por que acha que estou querendo impressioná-lo agora? Uma das sobrancelhas cor de ébano se ergueu. – Eu poderia estar pensando em lhe atirar uma tábua de salvação. Uma risada trêmula e involuntária escapou da garganta de Misty. Sentia-se agradecida pelo fato de Leone Andracchi não ter lhe dado a oportunidade de suplicar. Agradava-a mais ainda o fato de ele a ter deixado furiosa. Porque, se fosse forçada a parar e considerar as terríveis consequências que adviriam da perda daquele contrato, seria capaz de perder o controle e acabar envergonhando a si
mesma. Aquele homem gostava de jogar com as pessoas, decidiu ela. Ou talvez fosse apenas com as mulheres que gostasse de brincar. – Essa é uma possibilidade real? – Misty umedeceu os lábios ressecados com a ponta da língua, enquanto imaginava se haveria alguma possibilidade, ainda que remota, de ele ter outra proposta de trabalho a lhe oferecer, apesar de tudo que dissera sobre seus dotes empresariais. O silêncio golpeou os nervos retesados de Misty como a lâmina afiada de um machado. A atenção de Leone Andracchi se concentrava em seus lábios. Na boca larga e carnuda em excesso, que ela tanto odiava. Sem dúvida, estava notando a falta de proporção em relação ao rosto. Os homens costumavam pensar em sexo. Mas o quanto? Pelo menos uma vez a cada cinco minutos? Misty tinha certeza de que, para aquele homem, devia ser um desafio manter os pensamentos desviados do sexo por 60 segundos. Leone Andracchi possuía uma aura de intensa virilidade que nenhuma mulher era capaz de ignorar. Ela o observou. Os cílios negros e exuberantes velavam os olhos dourado-escuros que lhe escrutinavam os lábios. Misty os sentiu formigar. O corpo rebelde reagia às sensações que ela se ressentia cada vez mais de experimentar quando estava na presença daquele homem: a repentina tensão, o intumescimento dos seios sob os bojos do sutiã, o pulsar humilhante dos mamilos que enrijeciam. Nunca se sentira tão agradecida pela proteção que lhe oferecia o blazer. Imagine se ele visse aquelas provas físicas de excitação, pensou ela. Se soubesse que era capaz de fazer seu corpo estúpido reagir com um único olhar! Desde que o conhecera, Misty percebera que a velha e cruel Mãe Natureza insistia em avisá-la de que possuía hormônios, mas aquilo nada significava. Fora demasiado ferida para se ariscar a se envolver com qualquer outro homem e não precisava se preocupar com a possibilidade de aquele, em particular, tentar seduzi-la. Leone Andracchi estava apenas seguindo a natureza masculina: avaliando os méritos de qualquer mulher, acima de determinada faixa etária, que lhe cruzasse o caminho. E Misty sabia que os próprios méritos não resistiriam a uma boa avaliação. – Tudo é possível. Nunca ninguém lhe disse isso? – murmurou Leone, com voz aveludada. Tinha sido isso que Flash lhe dissera quando tentara levá-la para a cama. Tente; você pode acabar gostando. Aquela não fora o que podia se chamar de sedução do século, mas, se tivesse sido submetida ao insistente assédio de Flash por mais uma ou duas semanas, talvez a gratidão e o amor a tivessem feito ceder. Porque Misty o amava. Sempre o amara e sempre o amaria, embora não da forma como ele desejava. Mas, às vezes, em momentos em que nada estava dando certo, ela imaginava se não deveria ter aceitado o que Flash lhe oferecera e tentado tirar o melhor daquela situação. – Essa é minha filosofia de vida – retrucou Misty, tomando cuidado para não se focar em Leone Andracchi, determinada a anulá-lo como homem, manter sua tola reação física sob controle e deixar que aquelas sensações tentadoras esfriassem. – Sente-se – convidou ele. Era óbvio que havia algo que Leone Andracchi ainda não revelara. Misty voltou a se sentar, pensando que talvez tivesse valido a pena ficar acordada metade da noite produzindo aquelas malditas receitas sicilianas para agradá-lo. Egos exacerbados gostavam de ser massageados. Mais valia uma gota de mel do que um tonel de vinagre, lembrou a si mesma, obstinada. O que acontecera com a crença de que seria capaz de suplicar? Por que a perspectiva de dizer ao menos uma palavra humilde para Leone Andracchi lhe constringia a garganta como uma dose de veneno letal? – Gostaria que desempenhasse um papel para mim nos próximos dois meses. – Leone a observou com olhar firme. – Em troca, eu salvaria sua empresa e, ao final de nosso acordo, garantiria que tivesse contratos suficientes para sobreviver no mercado de trabalho. O que me diz?
– A última vez que olhei para o céu não havia duas luas azuis fulgurando lá – respondeu Misty, sem conseguir disfarçar a rudeza.
Capítulo 2
LEONE ANDRACCHI a fitou com olhar altivo. Os lábios sensuais se contraíam com exasperação perceptível. Não demorando a reconhecer o erro que cometera em recorrer à ironia, Misty se tornou rubra. Não sabia dizer de onde surgiram palavras tão inadequadas. Talvez fosse o efeito “Leone Andracchi” outra vez, decidiu ela. Aquele homem tinha a capacidade de intimidá-la, de deixá-la a ponto de explodir, de destruir a postura calma e profissional que costumava manter diante de outros clientes. – Desculpe – Misty se apressou em dizer. – Mas o que acabou de propor parece bom demais para ser verdade. – Então agora está disposta a itir que se encontra à beira da falência? – provocou ele. Vítima de um calafrio que a varou até os ossos diante do simples som daquela palavra aterrorizante, Misty mudou de posição, desconfortável, na cadeira. – Sr. Andracchi… – Até que ita essa realidade, não prosseguirei – preveniu Leone. Era óbvio que sua argumentação anterior o havia ofendido. Adoraria saber o que Leone Andracchi faria se estivesse em seu lugar. Confessaria diante de sua última esperança que estava com a corda no pescoço? De jeito algum. Era um homem muito astuto para fazê-lo. Então, por que a julgava por tentar lhe reconquistar a confiança? Porque se recusava a crer que ela poderia honrar o contrato durante um ano! Mas ela sabia que seria capaz, pois fizera e refizera os cálculos à exaustão, disposta a ar a levar uma vida quase monástica para conseguir. – E você pode se retirar do meu escritório – acrescentou ele, com frieza letal. – Estou… à beira da… falência – confessou Misty, como um relógio de brinquedo cuja bateria estivesse prestes a acabar. A issão era dolorosa, tornava real o que ela até então se recusara a encarar, e aquilo a fez odiá-lo ainda mais por forçá-la a itir. – Obrigado. Como disse, tenho uma proposta promissora para lhe fazer. Não tem nada a ver com o ramo de serviços de bufê, mas, caso fique tentada a elaborar pratos sicilianos em seu tempo livre, não farei nenhuma objeção – acrescentou Leone, com um sorriso irônico. A oferta não tinha nada a ver com o serviço de bufê? Nada? Misty esperava que ser forçada a engolir em seco o sarcasmo daquele homem
por fim se provasse vantajoso. – Primeiro, quero sua garantia de que nada que eu disser agora será reproduzido fora deste escritório. Como a primeira regra de qualquer negócio era respeitar a confidencialidade do cliente, Misty se controlou diante daquela condição. – Claro que sim. Não sou uma fofoqueira e seria uma tola se o fizesse. – Preciso de uma mulher que finja ser minha amante. – Misty pensou ouvir um pedaço de sua mandíbula se partir e colidir contra o chão. Aguardou o término da piada, certa de que Leone Andracchi estava, de alguma forma, caçoando dela, e determinada a não morder a isca de imediato. – Quero que atente para a palavra “finja” – realçou Leone Andracchi, com uma frieza sem precedentes. – Não costumo ter envolvimentos sexuais com minhas colaboradoras, e você seria, na verdade, minha funcionária, porque eu imporia como condição a de um contrato para manter essa farsa até que eu decida que seu papel não é mais necessário. Misty inspirou fundo a raiva que crescia dentro dela e continuou a encará-lo, sem palavras, diante daquele segundo discurso. Leone Andracchi estava falando sério, embora não conseguisse acreditar que ele estava lhe fazendo uma proposta daquele tipo. Que razões aquele homem poderia ter para pedir a uma mulher, qualquer mulher, que fingisse ser sua amante? Por certo, tinha uma agenda do tamanho de uma biblioteca inteira recheada de nomes e telefones de mulheres interessadas. Pelo amor de Deus! Ele não estava namorando uma atriz de um programa de televisão atual? Jassy alguma coisa? Uma loura voluptuosa com o tipo de curvas que chamava atenção até mesmo das outras mulheres? – Acho que não entendi – retrucou Misty, sucinta, falando devagar enquanto imaginava se Leone Andracchi teria alguma deficiência no departamento mental ou se estaria bêbado como um gambá e apenas não dava sinais físicos daquela condição. – Não é necessário que entenda. Tenho minhas razões e não pretendo dividi-las com ninguém. Sei que mulheres não gostam de mistérios, mas, nesse caso, a discrição é essencial. – Se tem alguma… er… razão para contratar uma mulher para esse papel, não posso atinar que motivo o levou a me escolher – ponderou Misty, com extremo cuidado. – Não? – Um sorriso breve e sutil suavizou por uma fração de segundo as linhas tensas dos lábios desenhados de Leone. Misty não tinha nenhuma intenção de se depreciar dizendo o óbvio, mas sabia que não era linda ou glamourosa. Tampouco tinha o perfil público do tipo de mulher com quem ele costumava se envolver. – Trata-se de algum tipo de piada? – É uma proposta séria. – Mas você deve conhecer centenas de mulheres – protestou ela, intimidada com a persistência de Leone. – Por que eu? – Prefiro contratar e demitir em vez de persuadir e confiar – contrapôs Leone, sem hesitar. – Por que está tentando me dissuadir de resolver seus problemas financeiros? Pensando sob aquele ângulo, permanecer calada parecia o mais sensato, mas Misty não conseguia aceitar que ele estivesse falando sério, sem atinar o motivo para uma oferta tão estapafúrdia. – Isso é muito estranho. – Leone deu de ombros em um gesto despreocupado. – Quero dizer… se estiver falando sério – enfatizou ela. – Estou falando sério e esse papel não será muito fácil de ser desempenhado. Terá que agir e se vestir de acordo com o exigido e convencer as pessoas de que somos amantes.
Um leve rubor se espalhou pela compleição pálida de Misty, fazendo-a desviar o olhar e se ocupar em estudar o requintado terno feito sob medida que ele usava. – Acho que eu não teria muito sucesso nesse departamento. – Precisa apenas dos adereços necessários e da habilidade em fazer exatamente o que eu lhe disser em todos os momentos. Em outras palavras, quando eu lhe disser “pule”, você terá de responder: “de que altura?”. Misty podia imaginar o fracasso que seria nessa seara também. Mas, por outro lado, começava a atinar que, por mais excêntrica que lhe parecesse aquela proposta, Leone Andracchi não a estava aviltando. Desejava uma amante de mentira. E quais seriam as funções daquele papel? – Estamos falando… de uma amante de mentira, certo? – questionou Misty, sem disfarçar a tensão na voz. – Acha mesmo que preciso pagar para fazer sexo? Misty rilhou os dentes alvos. Se dissesse para Leone Andracchi pular e ele perguntasse de que altura, ela o direcionaria para o abismo mais próximo, mas, com um ego gigantesco que possuía, por certo não haveria altura que o machucasse. – Não quero que leve isto para o lado pessoal, sr. Andracchi. Sua vida particular é problema seu, mas minha segurança é problema meu. – Está tentando sugerir que eu talvez seja algum tipo de pervertido? – disparou Leone com um rosnado incrédulo. – Como posso saber? Você há de convir que esta não é uma proposta comum. Da mesma forma que não é todo dia que um magnata siciliano me oferece a lua apenas para fingir ser sua amante, certo? – devolveu Misty, ao mesmo tempo perplexa e envergonhada. – E, se mantiver esse tom e atitude, é pouco provável que este único magnata siciliano continue interessado. Misty sentiu cãimbra nas pernas pela rigidez da postura em que se encontrava na cadeira. Mais uma vez, se ergueu e caminhou pelo escritório, antes de girar para encará-lo, com os enormes olhos estreitados. – Diga-me apenas por que me escolheu… por que eu? – Você não poderia se dar o luxo de não cumprir os termos do acordo ou mudá-los em benefício próprio. – Leone se ergueu, alto e com a postura ereta, os olhos dourados diretos e penetrantes. Misty se encolheu em seu íntimo. O sr. Durão, ao que parecia, sabia a condição exata em que ela se encontrava: entre a cruz e a espada. Leone Andracchi não tinha o menor pudor em lembrá-la desse desagradável fato. Talvez tivesse sido um lembrete oportuno. Qualquer alternativa à falência e à possibilidade de Birdie perder a própria casa devia ser considerada. Mas como aventar a possibilidade de assumir um papel no qual sabia que não seria convincente? Será que Leone Andracchi não conseguia enxergar o óbvio? Ninguém acreditaria, sequer por um minuto, que ela era amante daquele homem! Ele havia se especializado em belas mulheres. Sim, Leone Andracchi gostava de mulheres, mas por que o estava julgando por isso? – Eu não seria capaz de desempenhar esse papel… – resmungou ela. – Somos como óleo e água. Não me sentiria à vontade no meio social em que você vive. E jamais conseguiria convencer ninguém de que somos… amantes. – Oh, acho que está se subestimando. – Leone quase sussurrou, em um timbre de voz diferente, encorpado, que serpenteou em torno dela e a envolveu como um feitiço, rouco e hipnotizante.
Misty prendeu o lábio inferior carnudo entre os dentes, sentindo-se aprisionada pela intensidade daqueles olhos cor de ouro escurecido, agora semicerrados. Estonteantes, não podia negar. Em resposta, percebeu a boca ressecar e os músculos se contraírem. Até mesmo a voz daquele homem funcionava como um aliciamento, do tipo mais perigoso, mas ao mesmo tempo lhe realçava o magnetismo masculino. Os genes haviam sido pródigos com Leone Andracchi. Mesmo contra todas as suas convicções, Misty desejou sorrir, suavizar, se permitir ser mulher como um dia fora, em todos os sentidos, mesmo que aquilo a fizesse correr o risco de sofrer outra vez. A atmosfera zumbia, carregada com as vibrações sensuais que Leone Andracchi emanava. Aquele homem era capaz de elevar a tensão a um nível crítico sem nenhum esforço. E, não importava o quanto tentasse se manter imune, a excitação lhe fazia vibrar todas as terminações nervosas do corpo. Misty não conseguiu evitar um leve tremor e o calor que lhe aqueceu o baixo-ventre e a forçou a pressionar as coxas uma na outra, desconcertada. – Basta concordar e o contrato na linha pontilhada e todos os seus problemas chegarão ao fim. – O que envolveria me ar por sua amante? – perguntou Misty, surpreendendo-se consigo mesma. – Viver no apartamento que lhe providenciarei, vestir-se com as roupas que eu comprar, ir para onde eu disser, quando eu disser, sem questionamentos. Uma amante nos moldes de escrava, Misty traduziu com uma dose sutil e secreta de divertimento. Aquele homem não ava de um bastardo déspota. Mas era interessante perceber que ele não estava sugerindo nenhum tipo de acomodação conjunta. A farsa seria apenas em público e não exigiria maior intimidade. Leone Andracchi queria uma boneca bem-vestida para desempenhar aquele papel patético por alguma razão que se recusava a revelar. Talvez fosse mais uma das extravagâncias Andracchi, como os almoços dos executivos. Ou talvez tivesse algum propósito comercial… O que tornaria aquele um emprego incomum, mas ainda assim um trabalho como outro qualquer. Não estava propondo levá-la para a cama. Claro que ele não seria capaz disso. Misty sentiu o rosto ferver só de suspeitar que ele pudesse fazê-lo. Afinal, Leone Andracchi tinha possibilidades bem mais atraentes do que ela a seu dispor: mulheres muito mais experientes na arte do sexo. Estaria segura ao lado dele, mas ainda assim estaria se vendendo, abrindo mão do orgulho e da independência em troca de uma fria quantia. Aquilo lhe parecia barato, ordinário e lhe deixava um gosto amargo na boca. Porém, tinha de pensar em Birdie e nos funcionários do bufê. O orgulho não pagava contas. – O que você faria por mim? – sussurrou ela, quase sufocando com a pergunta humilhante para obter maiores esclarecimentos sobre o assunto. – Liquidaria seus débitos, colocaria sua empresa de volta nos trilhos e até em melhores condições, pagaria o salário de seus funcionários enquanto estivesse trabalhando para mim. Se quiser mais alguma coisa, é só dizer. Estou preparado para negociar. Leone Andracchi a encarava, frio como um iceberg. Misty sentiu o estômago revirar. Detestou-o por tentar suborná-la com uma maior remuneração. Ele tinha tudo planejado. Acreditava que podia comprá-la e o que mais a envergonhava era saber que fora ela a se colocar naquela posição vulnerável que o favorecia. – Pensarei sobre o assunto esta noite. – A issão varou o orgulho de Misty como uma lâmina afiada. – Em que tem de pensar? – Acho que está subestimando o meu lado, no que chama de acordo.
A mandíbula bem marcada de Leone se contraiu. – Não consegui ver nenhum problema ou conflito de interesses. Você se vestirá com roupas fabulosas, viverá em um apartamento espetacular e desfrutará de uma vida glamourosa por alguns meses. – Percebo que acredita que isso seja um grande atrativo, mas não é. – Erguendo a cabeça com uma postura altiva, Misty se encaminhou na direção da porta. – O que mais você poderia querer? – Respeito… para começar. – Misty deixou escapar aquela issão entre dentes cerrados. – Isso tem de ser conquistado… E duvido de sua habilidade em conquistar o meu. O fato de não ter tido sorte nos negócios a tornava uma pessoa tão desprezível? Será que aquele homem só respeitava pessoas de sucesso, com contas bancárias polpudas e pedigree impecável? Leone Andracchi era de fato detestável. Não havia necessidade de ele ter feito aquele último comentário. As palavras impregnadas do fel do preconceito a chocaram e a deixaram mortificada. Ele podia ter investigado a situação da Carlton Catering, mas com certeza sabia muito pouco sobre ela. – Não deveria ter dito isso. Desculpe – disse Leone Andracchi, com voz arrastada. – Não se preocupe com isso – retrucou Misty, percebendo que ele não parecia muito preocupado por ter se excedido. – Você é um homem presunçoso, arrogante, manipulador e grosseiro. Poderia ter me concedido aquele contrato e sabia muito bem que eu daria meu sangue para honrá-lo. No entanto, preferiu usar minha situação financeira como uma arma contra mim. Você não tem consciência, muito menos compaixão. Acha mesmo que me surpreenderia com sua rudeza? – E, com aquela enxurrada de ofensas, Misty lhe dirigiu um olhar furioso. Leone Andracchi se encontrava imóvel. Chocado com a retaliação. Os olhos escurecidos assaltavam os dela com uma intensidade penetrante que era pura intimidação. – Eu não devia ter dito isto. Desculpe-me – disse Misty, com uma falsidade que em nada deixava a desejar à que ele demonstrara um minuto atrás. Com isso, disparou pela porta, sem lhe dirigir um segundo olhar. Bater e correr? Era isso que sabia fazer? Temera que Leone Andracchi tivesse um o de raiva da mesma proporção do ego exacerbado que possuía. Porém, morder a mão em que talvez tivesse de acabar se alimentando era uma insanidade. Naquele exato minuto, ele devia estar se consolando com a certeza de sua superioridade e pensando no quanto ela fora tola em ofendê-lo daquela maneira. E certamente estava sendo paranoica em acreditar que talvez Leone Andracchi, em uma atitude deliberada, tivesse retido aquele contrato para colocá-la ainda mais sobre pressão e fazê-la concordar, não estava? Na verdade, era mais provável que tivesse recorrido a ela pelo fato de outra mulher ter recusado. Uma amante de mentira? Por quê? O que aquele homem estava tramando? Uma proposta extraordinária e cara, se ele estava planejando colocá-la em um apartamento luxuoso e vesti-la com roupas de costureiros famosos. O que a levava a concluir que o que ele almejava devia ser bastante lucrativo. Porém, enquanto descia no elevador, ainda chocada com aquela entrevista, não conseguia imaginar como uma amante de mentira poderia beneficiar um homem como Leone Andracchi. A mente formou a imagem daquele rosto moreno, de beleza incomparável e frieza arrasadora. Ninguém poderia acusá-lo de deixar as emoções e pensamentos transparecerem. Um arrepio de mau presságio lhe percorreu a espinha. Enquanto cruzava o espaçoso saguão no andar térreo, as adas de Misty se tornaram mais lentas. O que estava fazendo, se afastando daquela proposta salvadora?
Em troca de desempenhar o patético papel de amante, Leone Andracchi salvaria sua empresa e a tornaria capaz de continuar pagando a hipoteca da casa de Birdie, além de garantir o emprego dos funcionários do bufê. Se a recompensa era tão alta e tantas pessoas acabariam sofrendo caso o bufê falisse, o que significavam alguns meses vivendo fora de seu habitat natural? De que adiantara dar as costas a Leone Andracchi, quando na realidade não tinha outra alternativa, senão aceitar os termos que ele impa? Não tinha mais nenhuma opção, certo? Misty teve de se forçar a entrar outra vez no elevador. A perspectiva de se humilhar não era nada atraente. No curto corredor que levava à porta do escritório de Leone, no último andar, Misty se viu desconcertada ao encontrá-lo conversando do lado de fora com dois outros homens e estacou, desajeitada, a uns bons três metros de distância. Dois círculos vermelhos lhe coloriam as bochechas. Levou apenas dois segundos para perceber que Leone Andracchi a ignorava deliberadamente. A sensação de que estava se rebaixando apenas aumentava diante da visão daquele homem parecendo tão à vontade. Com a cabeça morena e arrogante inclinada em um ângulo imponente e o blazer do terno afastado para trás pela mão longa que ele enfiara no bolso da calça feita sob medida, emanava calma e tranquilidade. O ressentimento e a raiva a fizeram se deter em uma postura pétrea. Por fim, Leone virou a cabeça e ergueu uma das sobrancelhas negras. O rosto magro de feições bem definidas estava com uma expressão de polidez. – A resposta é… sim – disparou Misty, enfatizando a última palavra. Os olhos brilhantes e escuros faiscaram, enquanto ele lhe estendia a mão, a ponto de girar e escapar dali enquanto ele estava ocupado. Afinal, havia tido uma boa dose de Leone Andracchi por uma tarde. Misty congelou. Com certa relutância, se aproximou, ciente da curiosidade dos outros dois homens que se afastaram para que ela asse. Os lábios largos e sensuais se curvaram em um sorriso lento e carismático que a fez sentir a boca ressecar. Segurando-lhe a mão e ando um braço por sobre os ombros de Misty, ele se dirigiu os homens: – Com licença – murmurou em tom de voz rouco, antes de empurrar a porta do escritório e guiá-la para dentro. – Que diabos… – “Você está fazendo”, Misty tinha intenção de dizer. Mas os olhos dourado-escuros prenderam os dela e, antes que ela pudesse dizer sequer mais uma sílaba, Leone a girou e lhe capturou os lábios com uma avidez sensual que a calou. Um gemido inarticulado escapou da garganta de Misty, durante a fração de segundo em que percebeu a porta entreaberta que não lhes proporcionava nenhuma privacidade. Porém, logo a intensidade apaixonada daquele beijo lhe despertou o desejo sexual. Quando Leone lhe envolveu os quadris com as mãos e os pressionou à estrutura musculosa daquele corpo forte em uma conexão íntima, a excitação se propagou por seu íntimo como labaredas de fogo descontroladas que incineravam uma floresta inteira. A língua experiente lhe invadiu o interior aveludado da boca, com um erotismo avassalador. Cada movimento lhe enlouquecia o corpo faminto de sensações. O coração de Misty batia desgovernado, enquanto ela lutava por oxigênio, mas ao mesmo tempo se colava à estrutura sólida do corpo musculoso, ciente da inconfundível rigidez da ereção que lhe pressionava os quadris. E ela se viu inflamada em vez de repelir aquela evidência de desejo masculino. Com uma coloração febril que lhe acentuava os deslumbrantes ossos malares, Leone a soltou e deixou escapar um suspiro irritado. – Acho que esta foi uma declaração inequívoca de nossas intenções.
Incapaz de se recuperar com tanta rapidez, Misty soltou o ar que estivera retendo como um mergulhador que voltasse à superfície. As pernas mal conseguiam mantê-la de pé, enquanto, em um gesto instintivo, ela apoiava as costas contra a parede. Não conseguia crer no que acabara de acontecer entre os dois. Não só pelo fato de Leone tomá-la nos braços e beijá-la, mas pela realidade muito mais perturbadora de ela ter se revelado uma devassa naquele abraço apaixonado. Sentia-se arrasada com a traição do próprio corpo, com a resposta que ele exigira e conseguira sem seu consentimento. – Nossas intenções? – perguntou Misty por fim, percebendo que o corredor se encontrava vazio agora. O rosto estava rubro diante da aterrorizante constatação de que ela, que se orgulhava da postura profissional que mantinha no ambiente de trabalho, havia acabado de cometer o mais grave dos delitos. – Era uma oportunidade muito boa para ser perdida – retrucou Leone, os olhos hipnotizantes velados pelos cílios negros e espessos. A explicação lhe inspirou tanta raiva que a fez desejar esbofeteá-lo com o máximo de força que pudesse reunir. – Você disse que não costumava se envolver sexualmente com suas funcionárias. – Se pensa que podemos convencer alguém de que temos uma relação íntima sem demonstrações ocasionais de entusiasmo sexual, deve ser muito ingênua – retrucou Leone em tom seco. – Mas isso só acontecerá em público. Quando estivermos sozinhos, a farsa acaba. – Não precisa me dizer isto. – Incapaz de confiar no próprio temperamento na presença daquele homem e com a amarga ciência de que havia tomado uma decisão sem considerar os possíveis ônus daquele papel, Misty comprimiu os lábios em uma linha fina. – Posso ir embora agora? Leone lhe relanceou o olhar. – Sim. Vejo-a em meu hotel esta noite, às 21h, para acertarmos todos os detalhes. Estou hospedado no hotel Belstone House… – Esta noite não posso – retrucou Misty, irônica, incapaz de resistir à tentação. – Pois e a poder – disse ele. – Voltarei à Inglaterra amanhã. Com um gesto positivo de cabeça, sutil e tenso, Misty saiu do escritório outra vez, com a coluna esbelta aprumada. Entretanto estava ainda mais irritada consigo mesma do que com ele. Como fora capaz de perder o controle daquele jeito nos braços Leone? Mas também nunca se sentira daquela forma com um homem antes, nem mesmo com Philip, no aflorar dos primeiros sintomas de amor. Misty empalideceu, suprimindo aquele pensamento infeliz. Era difícil lembrar o que sentira aos 19 anos, depois de três anos. Leone Andracchi a pegara de surpresa. Seguro de si, aquele homem possuía uma excelente técnica no que se relacionava a beijos, mas por que o desprezo que sentia por ele não prevalecera? Ruborizada e confusa com as perguntas para as quais não encontrava respostas satisfatórias, Misty entrou na van que deixara no estacionamento da Brewsters e dirigiu até as instalações que ela alugara nas cercanias da cidade. Lá, se juntou a três funcionários nas tarefas de limpeza que concluíam o trabalho diário. ava das 17h quando trancou as portas e tudo em que conseguia pensar era como a Carlton Catering se tornara tão vulnerável a ponto de um contrato perdido levá-la à falência. A empresa tinha pouco mais de um ano. Misty começara com um pequeno negócio, oferecendo jantares em festas particulares e ocasionais casamentos. Nada muito extravagante ou de grande monta, e os custos indiretos eram baixos. Porém, cinco meses atrás, um de seus fornecedores mencionou que surgira uma proposta para fornecimento de almoços por parte da Brewsters, a maior e mais sofisticada
empresa no ramo industrial. Misty ficara ansiosa para fazer uma proposta e expandir o negócio. Para poder cumprir o contrato de experiência, pedira dinheiro emprestado no banco para comprar outra van e modernizar os equipamentos. No entanto, um desastre não tardou a acontecer. As instalações que alugara foram vandalizadas, e os estragos, extensos. Porém, a seguradora que ela havia contratado se recusou a cobrir os prejuízos, alegando que as precauções de segurança das instalações eram inadequadas. Um golpe violento e inesperado que lhe dizimou o fundo de reserva e, desse ponto em diante, Misty vinha lutando para fazer a empresa sobreviver. – Você precisa reduzir a despesa com pessoal para compensar essa perda. – O gerente do banco a prevenira, seis meses atrás. – Apesar dos problemas de fluxo de caixa, você continua pagando a hipoteca de uma casa que nem ao menos lhe pertence. iro sua generosidade para com a sra. Pearce, mas tem de ser realista sobre o impacto desse sorvedouro em seus recursos. Mas, às vezes, ser realista era não levar em conta circunstâncias e laços emocionais, como o amor e a lealdade, refletiu Misty, tristonha, enquanto dirigia para casa. Birdie Pearce vivia em uma casa de campo velha e imensa chamada Fossetts, que pertencia à família do marido falecido, Robin, há muitas gerações. Como não conseguiram ter filhos, Robin e Birdie optaram por se dedicar à adoção temporária. Por mais de trinta anos o gentil casal abrira as portas de seu lar e devotara suas vidas a ajudar inúmeras crianças abandonadas ou problemáticas. Misty fora uma dessas crianças e também se encontrava infeliz, amarga e descrente quando chegara a Fossetts. Tinha apenas 12 anos de idade e se escondia por trás de uma dura fachada de indiferença em relação ao lugar onde morava ou quem cuidaria dela. Porém, Birdie e Robin se esforçaram ao máximo para lhe conquistar a confiança e a afeição. O casal havia transformado a vida de Misty, oferecendo-lhe segurança e acreditando nela. Misty sabia que aquela era uma dívida que nunca poderia ser paga e, acima de tudo, era uma dívida de amor e gratidão, e não um fardo. Nos últimos 14 anos, uma boa parte da renda de Misty fora destinada a garantir que Birdie permanecesse na própria casa. Não que a mãe de criação soubesse disso. O marido sempre gerira as finanças do casal e, com a morte dele, Misty tomara aquela tarefa para si. Ficara chocada ao descobrir que Fossetts havia sido hipotecada. Robin fizera maus investimentos e, em péssimas condições financeiras, havia colocado a casa na hipoteca, sem mencionar a ninguém. Com quase 70 anos, Birdie tinha um coração fraco e estava na lista de espera para a cirurgia que lhe garantiria viver por muito tempo ainda. Porém, durante esse tempo, sem a cirurgia, a mãe de criação de Misty se encontrava muito vulnerável e, por recomendação médica, devia levar uma vida livre de preocupações. Birdie amava aquela casa, que representava também seu último elo com o adorado marido, Robin. Desde o início, o objetivo de Misty fora protegê-la das preocupações financeiras que podiam lhe provocar outro ataque cardíaco. Mas não lhe agradava em nada o quanto custaria manter a propriedade para o bem de Birdie. Fossetts era uma construção alta, de estilo gótico, com telhado íngreme e pitorescas janelas de sótão. Construída nos anos 1920, a residência ficava assentada em um bosque de faias imponentes que faziam fronteira com um prado acidentado. Misty estacionou a van e suprimiu um suspiro exasperado. A propriedade estava começando a adquirir uma aparência negligenciada. Os gramados há muito não recebiam a visita de um jardineiro. As janelas precisavam ser substituídas e as paredes imploravam por uma pintura nova. Estava longe de ser uma mansão, mas era uma residência de grandes proporções para ser mantida em tempos de vacas magras.
Ainda assim, no instante em que Misty pisou no hall de entrada revestido com painéis de madeira, por um instante sentiu como se todos os problemas daquele dia tivessem se dissipado. Em uma mesa lateral desgastada, um arranjo de rosas abertas, que já começavam a perder as pétalas, enchia a atmosfera com o aroma doce e pungente. Ela se dirigiu à cozinha, que nunca havia sofrido uma reforma, dotada de armários de pinho embutidos e uma enorme pia de porcelana branca. Nancy estava fazendo sanduíches de salada de ovo para o jantar. A mulher rechonchuda, com quase 60 anos, era uma das primas de Robin que fora morar em Fossetts para ajudar com as crianças adotadas havia vinte anos. Agora, tomava conta de Birdie. – Birdie está no solário – informou Nancy, em tom alegre. – Vamos tomar chá ao ar livre. Misty forçou um sorriso. – Ótima ideia. Posso ajudar? – Não. Prefiro que faça companhia a Birdie. Era um belo e quente entardecer de junho, mas Birdie estava envolta em um cobertor. Ela sempre sentia frio, não importava a temperatura. Era uma mulher pequena, media apenas 1,50 m, e de compleição frágil. O rosto que ostentava as marcas do tempo era embelezado por um par de olhos de um azul ainda vívido. – Não é um belo jardim? – A mulher inspirou, contemplando o cenário com olhar apreciativo. Misty observou o chão salpicado pelas sombras das árvores, a grama viçosa do início do verão e o espetáculo produzido pelo rosa suave e desvanecido das flores do rododendro. Era de fato uma paisagem tranquila. – Como está se sentindo hoje? Birdie, que detestava falar sobre a própria saúde, ignorou a pergunta. – Recebi visitas. O novo vigário e a esposa. Estão morando aqui há menos de cinco minutos e já ouviram os tolos rumores sobre como fui reduzida à pobreza por uma criança adotada gananciosa. – Birdie inclinou a cabeça grisalha para o lado, com os olhos brilhantes exasperados. – Uma tolice, o que deixei bem claro. De onde diabos vieram esses boatos? – Daquele negócio com Dawn, eu acho. Alguém escutou algo sobre isso e entendeu errado. Misty não acrescentou que os mais curiosos da região teriam por certo percebido o visível declínio da fortuna dos Pearce e deviam ter interpretado aquilo da pior maneira possível. Mas, ao longo dos anos em que os Pearce receberam as crianças adotivas, alguns vizinhos pessimistas haviam profetizado que eles se arrependeriam de abrigar aquelas crianças “ruins”. Infelizmente, no ano anterior, Dawn, que um dia fora acolhida pelos Pearce, fora visitá-las e roubara todas as joias de Birdie. A senhora se recusara a dar queixa contra ela, porque Dawn era viciada em drogas e se encontrava em estado lastimável. Depois desse episódio, cedendo aos apelos de Birdie e por vontade de reconstruir a própria vida, Dawn conseguiu concluir com sucesso o tratamento de reabilitação, mas as joias nunca foram recuperadas. – Por que as pessoas sempre pensam o pior? – O aborrecimento de Birdie era genuíno. Afinal, era uma pessoa que sempre via o melhor dos outros. – Não é bem assim – tentou apaziguar Misty. – Bem, o que tem a me dizer hoje sobre aquele lindo siciliano da Brewsters? Adoraria ver um verdadeiro magnata em pessoa. Vejo-o apenas na televisão – disse Birdie, com extrema ingenuidade, como se Leone Andracchi estivesse no mesmo patamar de um animal raro.
Misty sorriu para a mulher franzina, mas uma onda avassaladora de amor e ternura lhe fez os olhos arderem e a obrigou a desviá-los. Disse a si mesma que devia se espelhar no otimismo colorido de Birdie, mudar a perspectiva de seus problemas até que a luz surgisse no fim do túnel. E, como em um e de mágica, Leone Andracchi começou a tomar formas de salvador da situação! Então, por que diabos aquela angústia ainda fervilhava em seu íntimo por causa de um estúpido beijo? Estaria se transformando em uma puritana patética? – Na verdade… o sr. Andracchi me ofereceu um emprego em Londres. – Misty velou o olhar porque não seria capaz de fitar Birdie nos olhos, enquanto contava uma verdade incompleta. – O que acha de eu ficar fora por um ou dois meses? – Para trabalhar para um galã multimilionário? Acho ótimo! – brincou Birdie, após se recobrar da surpresa que lhe causou o anúncio repentino. Após o chá, Misty se encaminhou ao andar superior, abriu a porta do guarda-roupas, onde guardava os trajes que Flash insistira em lhe comprar em um esforço para retirá-la da depressão em que ela caíra após o término do noivado com Philip. Eram modelos de grife, extravagantes e frívolos, que não viam a luz do dia há mais de dois anos. Misty selecionou uma saia, uma blusa de pele de cobra artificial azulturquesa e um par de sapatos de salto agulha. Após um banho rápido, desenterrou seus cosméticos, que datavam do mesmo período e que também haviam sido arquivados após a breve incursão no mundo glamouroso e irreal de Flash. Flash a transformara em uma roqueira e ela aprendera como realçar e melhorar sua aparência. Não que tivesse se sentido muito confortável em ver a imagem ousada e sexy que o espelho lhe devolvia quando o homem que ela amava a rejeitara. Aquilo também azedara seu relacionamento com Flash, reconheceu Misty com certo arrependimento. O dia que em que o irmão de criação a colocara em seus moldes de mulher desejável pareceu ser o início da derrocada daquela amizade. Ele deixou de vê-la como uma irmã, como a criança magrela com quem dividira o mesmo lar adotivo temporário por quase cinco anos, e decidiu que queria mais daquele relacionamento. Após pegar emprestado o carro velho que apenas Nancy utilizava agora, Misty dirigiu até o hotel estilo campestre onde Andracchi estava hospedado. O impressionante saguão exalava suntuosidade e, quando perguntou na recepção, foi informada de que Leone se encontrava no restaurante. Enquanto hesitava, tentando decidir se deveria esperar ou interrompê-lo no meio da refeição, um homem de cabelo claro emergiu do bar do hotel e estacou de repente, com uma reação similar à do porteiro que se apressara em lhe abrir a porta. E até mesmo o recepcionista tropeçara em uma cesta de lixo no afã de atendê-la. – Misty…? Por uma fração de segundo, ela pensou que estivesse sonhando, porque, apesar de fazer três anos desde que ela ouvira aquela voz, reconheceu o timbre hesitante e bem modulado no mesmo instante e girou em um impulso. – Philip? – Faz muito tempo que não a vejo. – Philip Redding a fitava com olhar intenso. Na verdade, aquele escrutínio chegava a chamar a atenção. – Como você… está? – gaguejou ele. – Bem… – Os lábios de Misty quase não se moviam e os olhos prateados se demoraram nele. Embora ainda vivessem a milhas de distância um do outro, ela sempre tomara o cuidado de evitar os locais onde costumavam se encontrar. Exceto pelo fato de ver o carro de Philip na estrada ocasionalmente, conseguira garantir que o caminho dos dois nunca mais voltasse a se cruzar.
– Você está… com uma aparência incrível. – O rosto de Philip corou de leve quando teve de inclinar a cabeça para trás para conseguir olhá-la nos olhos. – Muitas vezes pensei em visitar Fossetts… – Com sua esposa e filhos? – questionou Misty, em um tom áspero e incrédulo. – Apenas um filho… Na verdade, eu e Helen estamos nos divorciando… nosso casamento não deu certo. A seis metros de distância, Leone Andracchi paralisou, surpreso com a aparência de Misty Carlton livre do terninho cinza sem formas. Estava com a massa brilhante de cabelo cor de cobre cascateando pelas costas e os olhos, tão brilhantes quanto prata polida, pousados suavemente no rosto do homem com quem conversava. A boca carnuda realçada por um batom cor de pêssego estava entreaberta, revelando os dentes perolados. Leone não conseguia discernir o que ela estava vestindo. A blusa parecia segura por correntes metálicas estreitas que lhe deixavam à mostra os ombros delicados. O tecido de boa qualidade brilhava sob as luzes e lhe acentuava o contorno dos seios, a cintura estreita. A saia deixava à mostra uma boa parte das pernas longas, quase intermináveis, capazes de fazer parar o trânsito. – Misty…? Tomada de surpresa pela issão explícita de que o casamento com Helen estava se encaminhando para os tribunais de divórcio, Misty desviou a atenção para o homem alto e moreno há alguns metros de distância. Leone Andracchi. Deparou-se com os olhos dourados mesmerizadores que pareciam sequestrar todo o oxigênio disponível na atmosfera e no mesmo instante foi invadida pela tensão. O estômago parecia abrigar milhares de borboletas esvoaçantes. Mas, mesmo enquanto reagia àquela presença vibrante, a mente começava a fazer comparações inconvenientes entre os dois homens. Leone era mais alto e com a compleição muito mais forte, além da cor morena, que ofuscava a beleza loura de Philip. – Desculpe se a fiz esperar, amore – murmurou Leone com voz aveludada, estacando ao lado dela e lhe pousando uma das mãos na espinha de modo possessivo. – Philip Redding… – O outro homem se apresentou, estendendo a mão com a cordialidade que lhe era natural. – Misty e eu somos velhos amigos. – Que interessante – retrucou Leone em um tom de voz arrastado, denotando um enfado que fez o outro corar. – Infelizmente Misty e eu estamos atrasados. – Eu lhe telefonarei – disse Philip, lançando um olhar desconcertado a Leone, desnorteado com a falta de cortesia com que fora tratado. Antes que Misty pudesse responder, Leone lançou um olhar irônico ao outro homem, que não escondia a ameaça fria. – Não desperdice seu tempo – disse, enquanto a guiava na direção do elevador e apertava o botão com toda a força. – Ela não estará disponível. Com o rosto enrubescido, mas os lábios selados, por não querer que Philip telefonasse para Fossetts e aborrecesse Birdie, Misty entrou no elevador ao mesmo tempo em que ouvia a resposta constrangida do ex-noivo. – Bem… isto foi… Deus do céu!… – Você gosta de bancar o menino valentão do playground? – perguntou Misty em tom de voz suave, quando as portas do elevador se fecharam. – Enquanto estiver comigo, você não fala com outros homens… sequer olha para eles – retrucou Leone, com uma ênfase assustadora.
Misty colidiu com um par de olhos dourados brilhantes que a fizeram sentir uma onda gratificante de excitação, já que não queria pensar em Philip, cuja rejeição a despedaçara e a deixara arrasada por mais tempo do que podia se lembrar. – Está falando sério? – Principalmente com paixões antigas… – Leone decretou, impermeável ao sarcasmo que ela empregara na voz. Misty inclinou a cabeça para trás e deu de ombros, os gloriosos olhos prateados arregalados e zombeteiros. A descarga de tensão sexual, contaminando-lhe o sangue como uma droga perigosa. – Então devia manter uma vigilância mais eficaz sobre mim. – Não. Estou pagando por total fidelidade e pela ilusão de que não tenha olhos para nenhum outro homem – devolveu Leone, sem hesitar. – Flertar com Redding foi uma atitude inadequada. – Flertar…? – Uma risada involuntária e destituída de humor escapou da garganta de Misty. As emoções despertadas pelo infeliz encontro com o ex-noivo escapava do controle. – Philip é o último homem na face da Terra com quem eu flertaria! – Vi o modo como estava olhando para ele – retrucou Leone, com expressão severa. – E que modo era esse? – Misty não conseguiu conter a curiosidade, mesmo a contragosto. – Preciso desenhar? Os olhos cinza-prateados escureceram, quando uma estocada da dor amarga do ado a atingiu, mas a autoproteção logo a fez velá-los. Por um breve instante, recordou os momentos felizes, quando Philip significava o mundo para ela. Mas aqueles momentos haviam ficado para trás. E por que tinha tanta certeza disso? Três anos atrás, ficara noiva de Philip há apenas seis semanas, quando um motorista bêbado batera no carro dele. Embora Philip tivesse tido apenas uma ageira concussão, Misty sofrera ferimentos internos e precisara ar por cirurgia. Depois disso, ficara sabendo que havia uma grande possibilidade de nunca poder ter filhos, e Philip não aceitara um futuro que não incluísse a paternidade. Porém, não podia acusá-lo de insensibilidade: afinal, o ex-noivo tinha lágrimas nos olhos quando lhe dissera que sempre a amaria, mas que agora ela não era mais a mulher adequada… – Redding estava se desmanchando sobre você… – Ele nem me tocou! – Porque não teve chance. Quando Leone lhe pousou a mão nas costas outra vez na intenção de guiá-la para fora do elevador, Misty se desvencilhou, empinou a cabeça e os olhos prateados brilhantes encontraram, ameaçadores, os dele. – Não estou vendo nenhuma plateia, portanto tire suas mãos de mim!
Capítulo 3
OS OLHOS de Misty percorreram, nervosos, a luxuosa suíte de hotel, enquanto lutava para disfarçar o fato de que o corpo tremia como folhas em um vendaval. Não podia crer que aquele breve encontro com Philip pudesse ter desenterrado tantas lembranças doloridas e a desestabilizado daquela forma. Por muito tempo se esforçara para enterrar toda aquela dor, mudar o pensamento de que ser fértil era o único parâmetro de feminilidade, e aprendera a se concentrar em outro futuro, que não incluía marido e filhos. – Aceita um drinque? – perguntou Leone Andracchi. – Não, obrigada. – Seria bom para acalmar os nervos… Misty girou com uma onda de fúria tão repentina que a deixou zonza pela força com que a atingiu. – Não há nada de errado com meus nervos! Pare de tentar me colocar para baixo… Os brilhantes olhos dourados encontraram os dela. – Então aquele covarde a aborreceu… – Não fale assim de Philip… Você não o conhece. – Não é necessário – ronronou Leone, observando-a com divertimento irônico. – Ele mostrou quem é. Misty atirou a cabeça para trás. O cabelo cor de cobre seguiram o movimento e revelaram o rosto rubro. – Não, foi você quem fez isso. Não gosto de homens agressivos. Um sorriso lento e sardônico curvou os lábios sensuais e a fez ter a insana suspeita de que, ao contrário dela, Leone estava de fato se divertindo com aquela discussão. – Não sou agressivo… Sou forte e você gosta disso. – Não sei a que está se referindo. Uma das sobrancelhas negras arqueou. – Não? Misty podia sentir o silêncio carregado de tensão sexual zumbir ao seu redor. A boca estava seca e o coração batia contra as costelas como uma ave de rapina presa em uma gaiola. Ela lhe dirigiu o olhar e
viu como ele era alto e elegante, com aquela compleição bronzeada e musculosa. Aquele homem tinha a graça natural de um atleta. O cabelo preto, cortado curto e levemente ondulado, brilhavam contra a luz que lhe realçava cada ângulo fabuloso da estrutura óssea, acentuando os ossos malares esculpidos e as depressões sob a linha firme da boca sensual. Um homem estonteante, como ela se recusara a itir desde o instante em que ele aparecera no saguão do hotel e assomara sobre Philip como o Everest sombreando um montículo de terra no gramado. Aprisionada no transe que lhe causavam aqueles olhos dourados hipnóticos, Misty se viu incapaz de desviar o olhar, e cada respiração lhe exigia um esforço hercúleo. Os mamilos, enrijecidos a ponto de lhe causar desconforto, e a sensação de formigamento na pélvis a fizeram apertar as coxas uma contra a outra. Os joelhos traíam um leve tremor e durante todo o tempo ela se via ciente apenas da expectativa quase aterrorizante que crescia a cada segundo. – Você me deseja… E eu a desejo, mas isso não vai acontecer. – Leone quase sussurrou em um tom carregado que lhe percorreu a espinha como uma carícia violenta. – Nossa relação se restringe ao profissional e não temos necessidade de complicá-la. – Uma sensação desconcertante a varou. Sentia-se nua, exposta. Palavras de negação, motivadas pelo orgulho, fizeram-lhe formigar os lábios até se dar conta de que os olhos dourados se focavam neles. Uma vibração inconsciente de pura excitação a fez estremecer outra vez. – Vamos nos ater ao profissional… – repetiu Leone, com voz rouca. Alguém bateu na porta e, embora discreto, o som a fez se sobressaltar, arrastada do torpor sexual com um senso de culpa e frustração. Quando a porta se abriu e um jovem surgiu com uma pasta de papéis em uma das mãos, Misty girou e olhou pela janela, inspirando fundo e devagar, enquanto lutava para abrandar os tremores que lhe sacudiam o corpo. Nunca ninguém tivera efeito tão poderoso sobre ela, e aquilo estava começando a assustá-la. Era como se perdesse todo o autocontrole e o cérebro embotasse na presença daquele homem. Mas ele também estava sentindo os efeitos daquela atração. Aquilo a deixava abalada, surpresa, mas a fazia se sentir menos mortificada. Embora soubesse que o que podia fazer de mais desprezível seria baixar a guarda diante de um homem como Leone Andracchi, a noção de que aquela atração sexual era mútua lhe aumentava a autoestima, o que há muito não acontecida. A porta bateu com força, fazendo-a girar. – Este é o contrato que mencionei. – Leone o estendeu na direção dela. – Leia e assine. – E se eu não ? – perguntou ela ao mesmo tempo em que pegava o documento. – Não teremos um acordo. Misty se sentou e começou a ler. Era um típico contrato de trabalho, sem nenhuma menção à farsa que teria de desempenhar, às roupas e ao apartamento que Leone lhe prometera. No entanto, havia uma cláusula onde constava que ela iria perder todos os pagamentos e benefícios caso optasse por rescindir o contrato, antes de ele considerar o trabalho realizado. Aquela disposição em particular não a agradou, mas logo Misty teve a atenção desviada para a soma em dinheiro oferecida e se viu prendendo a respiração. Era uma quantia suficiente para arcar com a hipoteca de Fossetts por um ano ou mais e lhe prover fundos suficientes para pagar as dívidas bancárias e os salários dos funcionários durante sua ausência. Com o rosto em chamas, Misty engoliu em seco e ergueu o olhar. – Está sendo muito generoso… Mas como devo interpretar essa cláusula onde reza que não posso desistir sem o seu consentimento?
– Interprete como quiser – murmurou Leone. – Mas posso lhe garantir que esse cargo não implicará em nada imoral, ilegal ou perigoso. Ainda sem entender muito bem e perturbada com a necessidade de Leone em colocar aquela cláusula no contrato, Misty ergueu a caneta da mesa à sua frente. Aquele arrogante não lhe daria nenhuma explicação e ela não estava em condições de atirar pela janela a única tábua de salvação disponível. – Espere… – Encaminhando-se mais uma vez à porta, Leone chamou o rapaz de volta para testemunhar a de ambos. Aquela atenção aos detalhes jurídicos, em vez de acalmá-la, deixou-a ainda mais nervosa. Quando o documento foi levado, Misty esfregou as palmas das mãos na saia. – E agora? – Apenas alguns detalhes. Mandarei um carro buscá-la às 9h da manhã de segunda-feira… – Na próxima? – questionou Misty. – É apenas daqui a seis dias… – Quero isso revelado e executado no final de semana seguinte. – Leone pousou um bloco de anotações na mesa de centro. – Escreva suas medidas. Está precisando de um guarda-roupas novo. Misty fervilhou de raiva diante da instrução e do comentário. – Tenho alguns modelos apresentáveis… – Mas talvez esse figurino de roqueira não me agrade. – Ele a interrompeu com um olhar irônico. – Talvez me agrade mais uma imagem sutil e elegante. Roqueira? Aborrecida e desgostosa, Misty corou. A blusa que estava usando mal lhe deixava à mostra os braços e a saia não era tão curta assim. No entanto, estava mais preocupada com o significado daquele rótulo em particular. – Sabe sobre Flash, certo? Como? – Não seja tão ingênua. Acha mesmo que eu lhe ofereceria esse cargo sem saber nada ao seu respeito? Falando daquele modo, Leone a fazia de fato parecer ingênua, mas não lhe agradava a ideia de ele ter lhe investigado o ado. Leone conseguira obter uma informação que apenas os mais íntimos possuíam. Depois do tempo que ara com Flash, Misty ficara sabendo que todos que de fato conheciam a história dos dois acreditavam que ela havia dormido com o irmão de criação e que de nada adiantaria afirmar o contrário. – Não há nada de errado com meus trajes – Misty se defendeu. Leone a estudou de cima a baixo, com olhar exasperado. – Diga-me, é sua missão na vida argumentar contra todo e qualquer pedido que eu lhe faça? – Você não pede, ordena, mas, como tenho de encarar isso como um trabalho, tentarei ser mais receptiva. – Muito obrigado. Misty inspirou fundo para se acalmar. Em silêncio, anotou suas medidas no bloco e o atirou para o lado, acrescentando no mesmo tom frio de Leone: – Algo mais? – Sempre tem dificuldade em seguir instruções? Misty anuiu em um gesto de relutante reconhecimento. Leone fez um gesto fluido e expressivo com a mão. – Isso é muito irritante.
– O que mais acontecerá na próxima segunda-feira? – questionou ela, cruzando os braços com um movimento brusco. – Você será totalmente repaginada e se mudará para o apartamento. Nós sairemos juntos, à noite… – Aonde vamos? – Ainda não decidi. Mais alguma pergunta? Nenhuma que Misty acreditasse obter resposta, portanto se ergueu. – Então, é só isso? – Eu a acompanharei até o seu carro… – Não há necessidade – retrucou Misty, surpresa. Leone a seguiu, abrindo a porta para deixá-la ar à frente. Rilhando os dentes, Misty permaneceu em silêncio no elevador, ao lado dele. Com a cabeça erguida, cruzou o saguão e começou a descer os degraus, quando a mão longa segurou a dela. – O que é isto? – disparou Misty, forçada a dar um o atrás. Leone lhe segurou a outra mão. Misty se deparou com aquele par de olhos dourados capazes de derreter todo o gelo do Alasca e de lhe fazer o coração disparar e o ventre formigar. – Não… Os cílios negros baixaram sobre os olhos nebulosos que a fitavam com divertimento sarcástico. – Pare de fingir que isto é um castigo, amore. O rosto de Misty corou e o corpo esguio estremeceu quando ele se aproximou. A boca sensual capturou a dela com uma suavidade que a pegou de surpresa. Um tremor intenso a perou e, em um gesto quase autômato, ela se inclinou para a frente, recostando-se à estrutura rígida do corpo musculoso. Todas as células vivas de seu corpo reagiam à excitação que aquele contato provocava. Era um beijo inebriante, erótico, provocador, e ela se viu desejando mais daquela exploração sensual. Um gemido baixo emergiu do fundo da garganta de Misty. Leone a afastou. – Uma performance muito convincente – murmurou, com sarcástica satisfação. Os dedos delicados se contraíram nos dele, ao mesmo tempo em que uma intensa sensação de constrangimento a deixava furiosa. – Seu…! – Calma, calma. – Um sorriso oblíquo curvou os lábios sensuais. Misty soltou-lhe as mãos e acrescentou com toda a frieza que pôde conjurar: – Boa noite. Enquanto cruzava o estacionamento, olhou por sobre o ombro e o descobriu parado na escada a observando partir. Não muito à vontade naquele trecho escuro e vazio, Misty se sentiu aliviada. Estava vasculhando a bolsa à procura da chave do carro de Birdie, quando uma voz masculina soou atrás do carro, fazendo-a ofegar. – Sou eu – sussurrou Philip. – Reconheci o carro de Birdie e estacionei logo atrás. – Quase me matou de susto! – Misty pousou a bolsa sobre o capô do carro para facilitar a procura pela chave, furiosa pelo fato de não a ter retirado da bolsa quando saíra do hotel e rígida diante da presença de Philip. – Desculpe, mas pensei que seria mais fácil conversar com você aqui do que em Fossetts, onde, tenho certeza, não sou muito bem-vindo… – Não temos nada para conversar. Sinto muito que seu casamento não tenha dado certo… sinceramente. – Misty enfatizou a última palavra, sem nem ao menos lhe voltar o olhar. – Mas não
somos sequer amigos, certo? – Apenas me ouça. Nunca a esqueci – afirmou Philip, emocionado. – Estava louco quando a deixei e me casei com Helen… – Não quero ouvir este tipo de coisa de você. – Segurando a chave com a mão trêmula, Misty teve de se esforçar para encontrar a fechadura e sair daquela situação da melhor forma possível. – Por favor, vá para casa. – Você a escutou. Vá embora. – Era Leone. A voz grave, com sotaque arrastado, era tão bem-vinda no momento quanto uma equipe de resgate para um acidentado. A sombra do corpo alto e musculoso bloqueou Philip. Os dedos longos lhe retiraram a chave da mão e destrancaram a porta do carro. Em meio à surpresa e ao alívio, Misty ergueu o olhar e percebeu como a agressão que mais cedo ele negara se estampava em cada linha do rosto de traços perfeitos. Porém, nem mesmo a mais ínfima fração daquela raiva se dirigia a ela. Philip era o infeliz repositório e, a julgar pelo que via do canto do olho, o ex-noivo havia se afastado tanto que seria necessário um megafone para continuar aquele diálogo. – Obrigada – agradeceu Misty, alterada, escorregando para trás do volante do carro de Birdie com uma velocidade supersônica. – Não há de quê. Aquele idiota a assustou? – perguntou Leone. – Não… – mentiu Misty, a atenção focada no punho cerrado em sua linha de visão. – Nem um pouco. Sem arriscar nem mais um olhar a qualquer um dos homens, Misty ligou o carro e partiu. Porém, estacou após dirigir por pouco mais de um quilômetro para enxugar o rosto molhado pelas lágrimas com um lenço de papel. Philip não tinha mais a menor importância, mas as lembranças ainda a feriam. Como ele pudera pensar que ainda o aceitaria, depois do modo como a tratara? Seis meses depois de terminar o noivado, ele se casara com uma loura de família abastada, sofisticada e com um sobrenome importante. O tipo exato que a mãe esnobe de Philip sempre desejara para o filho. E, ado um ano, se tornara pai de um lindo menino. Misty não o encontrara desde então, mas vira a esposa e o filho dele em várias ocasiões, fazendo compras no shopping. Nunca esqueceria a dor que sentira a primeira vez que vira o bebê, sabendo que nunca seria capaz de experimentar aquele tipo especial de felicidade. Também a revoltava o fato de o filho que Philip jurara não ser capaz de abrir mão de gerar agora estar arcando com as consequências de um divórcio. Inspirando fundo, Misty deu partida no carro e se dirigiu a Fossetts. Após conseguir superar Philip, se forçara a sair com alguns homens apenas para agradar Birdie. Porém, quando os encorajava a falar das próprias aspirações, descobria que eles também contavam em ser pais no futuro e empalideciam diante da mera menção a problemas de infertilidade. Uma coisa era um homem se casar com uma mulher sem saber se ela teria problemas de fertilidade, e outra, muito diferente, era fazê-lo ciente daquela condição. Para isso, era necessário um amor muito profundo e especial ou um homem que não quisesse ter filhos. Portanto, para se proteger daquele terrível sentimento de inadequação, para deixar de se diminuir perante as outras mulheres e ter de confidenciar as consequências nefastas daquele acidente de carro, desistira dos relacionamentos e se concentrara em montar o próprio negócio. E havia sido muito feliz até Leone Andracchi aparecer e lembrá-la de que ainda era uma mulher suscetível a todos os sentimentos e fantasias que, tola que fora, julgara poder deixar de sentir e ignorar. Na presença daquele homem parecia uma colegial acometida por um caso grave de paixonite aguda, e
aquilo era um golpe para seu orgulho. Mas o que mais a preocupava era saber que Leone Andracchi a fascinava. Cada movimento que ele fazia a encantava, mesmo a enfurecendo. Teria Leone insistido em acompanhá-la até o estacionamento porque suspeitava que Philip ainda estaria por lá? Ou fora apenas coincidência? Sim, devia ter sido. Então, por que tinha a impressão de que, mesmo fingindo estar envolvido com ela, Leone parecia tão possessivo? Afinal, ele parecera disposto a guardá-la como um Rottweiler! Mas era óbvio que estava enganada, e Leone não ava de um ótimo ator. Clarice lhe mostrara algumas revistas de fofocas, onde ele figurava com várias beldades, e Misty havia criado uma imagem muito diferente daquela com que agora se confrontava. Julgara-o um homem tão frio nos relacionamentos que uma pedra de gelo seria mais aconchegante, se comparada a ele. Alguém que se enfadava com muita facilidade e sem nenhum motivo. Generoso ao extremo, mas incapaz de demonstrar comprometimento ou gestos românticos. O tipo de homem que se esquecia do aniversário da namorada, do Dia dos Namorados e cancelava encontros no último minuto para se dedicar ao trabalho. Um homem que deixava as namoradas nervosas, temendo receber a qualquer momento a notícia de que não era mais a favorita do mês. Em resumo, um rato, que qualquer mulher com um mínimo de sensatez evitaria como uma praga… O que tinha a exata intenção de fazer. NO DIA determinado, Misty chegou a Londres. Enquanto o chofer retirava as duas malas recheadas que ela trouxera do porta-malas da opulenta limusine que a fora buscar em Fossetts, Misty observou o prédio imponente e ultramoderno que lançava sombras na calçada. Durante a última semana, enquanto fechava as instalações do bufê e tomava providências de última hora para resolver vários problemas, estivera ciente do crescente excitamento infantil que aumentava a cada dia. Embora envergonhada diante da constatação, Misty fora obrigada a itir que há muito estava levando uma vida monótona. Embora detestasse a ideia de deixar o convívio diário com Birdie, a mudança de cenário era muito bem-vinda após o estresse e a preocupação que a assombravam nos últimos meses. Enquanto subia de elevador, estudou o próprio reflexo na parede espelhada e franziu a testa. Tudo que conseguia ver eram olhos ansiosos e uma boca enorme encarando-a, pensou, tristonha. Nada de muito especial, embora Leone devesse ter visto alguma coisa para ter lhe feito tal proposta. Infelizmente, havia perdido a autoestima após a rejeição de Philip e nunca mais a encontrara. Afinal, aquela autoestima havia sido conseguida a duras penas, mesmo antes de conhecer o ex-noivo. Após muitas promessas não cumpridas, Misty aprendera a não confiar em ninguém. Ainda tinha a imagem vívida da mãe na mente: uma bela ruiva, com roupas graciosas e uma constante expressão penitente. – Quando conseguir me organizar, você poderá vir morar comigo – prometera a mãe repetidas vezes, quando Misty estava vivendo em lares adotivos temporários. – Dei sua irmã em adoção… Você sabe que ela tem a saúde frágil e eu não poderia cuidar dela… Mas jamais abriria mão de você. Mas Misty vivera desde o nascimento até a vida adulta em lares adotivos temporários. Quando fizera 5 anos, as visitas ocasionais da mãe se tornaram apenas uma lembrança. Anos depois, ficara chocada em saber que a mãe havia se casado de novo, 18 meses após seu nascimento, e que ela nunca aventara a possibilidade de levar a filha ilegítima para casa, já que o marido sequer sabia da existência de Misty.
Um homem mais velho, com uniforme de mordomo, apresentou-se a ela como Alfredo, à porta do apartamento. Misty penetrou em um amplo saguão com piso de mármore e observou a sala de recepções, que ostentava um mobiliário moderno, embora mínimo. A decoração se resumia a tons de branco sobre branco. A única coloração vinha das obras de arte expostas nas paredes. Um ambiente elegante, que refletia as últimas tendências, porém frio e impessoal, refletiu ela, com certo desapontamento. Bem, o que havia esperado?, perguntou a si mesma, tristonha. Aconchego? Após guiá-la até uma suíte espaçosa, guarnecida de uma sala de vestir e um toalete, Alfredo lhe entregou uma folha de papel timbrado. – Compromissos. Naquele momento, Misty constatou que teria uma tarde ocupada pela frente, envolvendo vários tratamentos de beleza, e fez uma careta. Era óbvio que Leone achava que ela necessitava de ajuda urgente no quesito aparência física! Horas mais tarde, ao final de todos aqueles compromissos, com o cabelo domado em uma aparência elegante e as unhas curtas, tratadas à perfeição, Misty decidiu que ser amante, de mentira ou não, estava se provando a existência mais enfadonha que podia imaginar. A limusine se encontrava parada no tráfego do final da tarde, levando-a de volta ao apartamento, quando Leone a contatou pelo telefone do carro. – Eu irei buscá-la às 19 horas – informou-lhe, o timbre encorpado e arrastado da voz grave lhe provocando um arrepio na espinha. Misty inspirou fundo. – Aonde vamos? – Na pré-estreia de um filme. – Oh… – Misty se viu desconcertada por não estar esperando um evento público daquela magnitude. – Use as joias – acrescentou ele, com voz rouca. – Escolhi diamantes para você. No instante em que entrou no apartamento, Misty se encaminhou ao quarto. Havia uma caixa estreita, em forma de coração, sobre a penteadeira. Ela a abriu para encontrar um colar de diamantes de tirar o fôlego que combinava com os brincos de pingente. Perplexa, Misty desviou o olhar da caixa para descobrir que as malas que trouxera haviam desaparecido. Uma breve incursão pelo quarto de vestir revelou que não só seus pertences tinham sido arrumados como havia disponível uma seleção de roupas nas medidas de seu manequim. Além disso, havia uma camisola longa prateada, que ostentava a etiqueta de uma das mais famosas grifes de lingerie do mundo, de alças finas, parecendo pronta para ser usada. Às 19h30, Misty adentrou o amplo saguão, onde Leone se encontrava parado em frente às janelas que tomavam todo o comprimento da parede. Mesmo de costas, ele parecia espetacular: a luz do ocaso incidindo no cabelo negro, os ombros e o peito largos afinando até os quadris retos e as pernas longas e musculosas. – Não gosto de esperar – disse ele, mesmo antes de girar. – Não me avisou com muita antecedência – devolveu Misty, estacando. Estava com a cabeça erguida e o corpo tenso enquanto esperava que ele girasse para vê-la. E assim Leone o fez. – Dio mio… você ou a tarde toda se arrumando! Os olhos dourados faiscando de impaciência se focaram nela e se estreitaram.
Misty sabia que nunca tivera aparência melhor. O brilho da prata e o cintilar dos diamantes combinavam com o cabelo cor de cobre e a compleição clara. O vestido era um sonho, cuja simplicidade enganosa do corte lhe valorizava as curvas. Uma fenda profunda lhe chegava bem acima do joelho, revelando uma das pernas longas e bem torneadas que findava em um sapato de strass de salto agulha. O silêncio era eletrizante. – Você está fantástica. – Leone ofegou, mudando o tom de voz de maneira radical, para um timbre arrastado rouco e sensual. O olhar se desviou dos olhos prateados e se deteve na consistência carnuda dos lábios pintados com um batom cor de vinho, antes de escorrer pelo corpo de curvas sinuosas, absorvendo o feito daquele vestido. Sob aquele intenso escrutínio, a boca de Misty ressecou e o ar lhe faltou. Com cada célula viva do corpo registrando a masculinidade vibrante de Leone e zumbindo com a tensão sexual, ela lutou para suprimir uma sensação de euforia repentina e inexplicável. – Obrigada. – Isso não significa que esteja perdoada por me fazer esperar – retrucou Leone no hall. – É melhor se acostumar com isso – disse Misty, ousada. – Fora do horário de expediente, estou sempre atrasada… – Este é um horário de expediente – Leone a lembrou em tom seco. Quando ele se afastou para que ela entrasse no elevador, o rosto de Misty se encontrava rubro. – Então não olhe para mim desta forma. – Olhar é diferente de tocar – murmurou Leone, suave como a seda. Misty trincou os dentes. Ao que parecia, aquele homem tinha uma resposta para tudo. Ela entrou na limusine, mais frustrada do que nunca. Durante todo o tempo em que estivera se arrumando, imaginara até que ponto Leone estava disposto a ir para manter aquela farsa. O apartamento, as roupas, as joias fabulosas, sem mencionar a soma que figurava no contrato que haviam assinado. Aquilo estava saindo caro. O que ele esperava conseguir com aquele fingimento? A imaginação de Misty criara asas. Chegara até mesmo a imaginar se Leone não estava tendo um caso com uma mulher casada e pretendia exibir a amante como disfarce. – Gostaria que me dissesse do que se trata isto tudo. – A voz tensa de Misty quebrou o silêncio. – Posso jurar que guardaria segredo. Leone esticou as pernas longas e musculosas em uma atitude indolente e relaxada e a olhou por sob os cílios cor de ébano. – Quando concluirmos isto, você estará ciente de minha motivação. Algo na voz de Leone fez um arrepio frio lhe percorrer a espinha. – Isto não está me soando bem. – Estou pagando um preço alto por seus serviços – contrapôs ele, com uma frieza esmagadora. Misty não conseguiu controlar a raiva. – Educação não custa nada. – Seu orgulho a prejudica. – Leone a encarou, as feições elegantes imíveis. Misty lhe sustentou o olhar, com o rosto tenso. – Sinto-me como uma boneca que você vestiu! – É melhor se preocupar se eu começar a desvesti-la – aconselhou Leone, com o ronronado de um gato selvagem.
Misty não conseguiu conter o rubor do rosto. Embora estivesse morta de curiosidade e quisesse perguntar que filme iriam ver, nada disse pelo restante do trajeto. Mesmo antes de emergirem da limusine, Misty avistou as câmeras da imprensa e as barreiras físicas que continham a multidão que aguardava para ver as celebridades. O nervosismo começou a crescer. Frio como o gelo, Leone a guiou pelo tapete vermelho com o braço lhe envolvendo de leve a cintura. Misty estava despreparada para a pergunta que gritou um jornalista. – Quem é a nova dama, Leone? E, sem qualquer aviso prévio, as câmeras giraram na direção dos dois, juntamente com uma nova avalanche de perguntas que Leone ignorou. Com um sorriso a lhe curvar os lábios dormentes, Misty sentiu gotículas de transpiração se formarem sobre o lábio superior, intimidada com aquele repentino interesse e os flashes que espocavam sem parar. Que diabos Birdie iria pensar se abrisse o jornal e visse a filha de criação, que fora a Londres trabalhar, assistindo a uma pré-estreia, com diamantes pendendo das orelhas? Como explicaria essa mudança? Por que diabos não lhe ocorrera, até então, que o homem que vivia estampando as colunas de fofocas chamaria aquele tipo de atenção? – Deveria ter me avisado que seria assim – resmungou Misty minutos depois, a voz baixa carregada de desaprovação. – Não tinha a menor ideia de que o fato de estar em sua companhia se tornaria alvo do interesse público. Leone a avaliou com sarcasmo. – Pare de bancar a ignorante. Por que acha que está parecendo tão deslumbrante? Apenas os homens casados escondem as amantes. – Bem, posso lhe dizer que tinha razão quando afirmou que ser sua amante não seria nada fácil – sibilou Misty, furiosa. – Se quisermos que pareça real, não deveria estar falando deste jeito – disse Leone em um tom ronronante e provocador. O hálito quente e agradável lhe soprava a bochecha do rosto. Misty se tornou escarlate ao notar uma senhora os observando e se deu conta do quanto deviam parecer íntimos. Antes de as luzes se apagarem, Misty se dedicou à tarefa de procurar alguns rostos famosos e encontrou vários. A timidez só retornou quando percebeu que também era objeto do escrutínio alheio ao se deparar com vários olhares curiosos em sua direção. O filme era do gênero suspense e Misty o achou interessante. Antes de os créditos finais serem exibidos na tela, Leone a retirou de sala de projeção, retornando à rua bem iluminada. Misty congelou diante da visão das câmeras que os aguardavam. – Ignore-os e sorria – murmurou Leone, quando a sentiu enrijecer a postura. Quando a porta da limusine se fechou, ele lhe voltou um olhar exasperado. – Por que o ataque de timidez? – Não quero minha foto nos jornais! – protestou Misty. – Não gosto que os outros falem de mim! – Você… não gosta? – questionou Leone, em um tom zombeteiro. Um silêncio carregado de eletricidade gravitou entre eles. Leone se inclinou para a frente, extraiu um DVD de um compartimento e o colocou no aparelho de vídeo sob o monitor da televisão embutida. Em seguida, pegou o controle remoto e se reclinou em um dos cantos. – Quero apenas me lembrar do quanto você é tímida em público… Misty franziu a testa, perplexa, quando a tela veio à vida e mostrou Flash, no palco, em um de seus concertos. Um segundo depois, ela sentiu o coração descer para os pés quando se deu conta de qual dos
concertos se tratava. Lá estava ela, dançando como uma exibida, com o cabelo revolto, os olhos enormes e um vestido que lhe deixava à mostra uma boa parte das coxas. O nervosismo fez com que gotículas de suor lhe brotassem à testa. Estava com os dedos enroscados e as unhas cravadas nas palmas das mãos. O seu pior momento… E, de alguma forma, ele conseguira obter aquela performance medonha que havia sido capturada para a posteridade em um vídeo, que até mesmo ela desconhecia a existência. Nunca se sentira tão humilhada ou envergonhada como naquele momento. – Desligue isso! – suplicou Misty, desesperada. – Estou procurando sinais de timidez – retrucou Leone. – Ali está você, diante de milhares de pessoas… – Por favor, desligue isto! – pediu Misty, transtornada. – Não seja tão egoísta – provocou Leone, com um sorriso sarcástico que lhe fez o rosto se tornar ainda mais rubro pelo desgosto e sofrimento. – A câmera a ama e tenho certeza de que todos os homens da plateia também. Você estava muito sexy. Misty fez um movimento repentino para lhe tomar o controle remoto das mãos, porém ele foi mais rápido e o colocou fora de alcance. – Se não me der esse controle, vou… – Vai… o quê? – perguntou Leone, divertido. – Você não entende… Flash me desafiou! Eu havia bebido, não estava bem naquela noite… Percebendo que contava coisas que ele não tinha o direito de saber e que apenas lhe aumentavam a mortificação e notando o brilho sarcástico daqueles olhos dourados, Misty perdeu o pouco que lhe restara de paciência e se atirou sobre ele para pegar o controle remoto. – Accidenti! – exclamou Leone, descobrindo-se envolvido em uma luta física e deixando transparecer no semblante um pouco da estupefação que sentia. – Você é louca? – Dê-me isso! – gritou Misty, descontrolada, deitando sobre ele com a mão esticada para o controle. – Quando a imaginava em meu colo… – começou Leone com áspera intensidade, enquanto largava o controle remoto e fechava ambas as mãos sobre os delicados antebraços com um movimento rápido. – Não era desta forma, amore. Furiosa com a posição em que ele a aprisionara, Misty disparou: – Solte-me! Em vez disso, ele a puxou ainda mais contra o corpo. Os olhos dourados estavam fixos no rosto aturdido de Misty. – Deveria ter pensado duas vezes antes de se atirar sobre um homem e pedir para que lhe “dê isso”… Era tarde demais quando Misty percebeu que o vestido havia subido e que a parte mais sensível de seu corpo se encontrava pressionada contra a rigidez da ereção de Leone. O ar lhe ficou preso na garganta e um calor intenso se espalhou como línguas de fogo que lhe lambessem todo o corpo. – Sabe que não quis dizer… – E, no momento – murmurou Leone com uma rouquidão mesmerizadora, enquanto uma das mãos longas se fechava sobre a cascata de cabelo cor de cobre, inclinando-lhe a cabeça para a frente –, estou muito tentado a lhe dar o que pediu. Leone pressionou lábios quentes contra a veia que pulsava, acelerada, na curva da clavícula delicada. Um tremor sacudiu o corpo de Misty, fazendo-a atirar a cabeça para trás. Uma das mãos estava espalmada sobre o ombro largo para se equilibrar. Um gemido baixo lhe escapou da garganta. Os seios se encontravam intumescidos, os mamilos, enrijecidos contra o tecido do vestido. Ele lhe pousou a
cabeça sobre um dos braços e deixou que a boca sensual apenas pairasse sobre a pele quente do pescoço aveludado. O choque diante da resposta ávida ao desejo de Leone a deixou sem ar. O coração de Misty batia com tanta força que ela imaginou se não iria explodir para fora da caixa torácica. – Dio… – rosnou Leone, deitando-a sobre o couro cor de creme do banco da limusine. – Não quero parar…
Capítulo 4
MISTY SE deparou com os olhos dourados ardentes e permaneceu deitada. Cada milímetro de seu corpo fervilhava em antecipação. Leone apertou um botão e as luzes bruxuleantes das ruas que incidiam pelas janelas protegidas com filme escuro desapareceram, proporcionando-lhes ainda mais privacidade. Com um movimento fluido e deliberado, ele se livrou do blazer. Em seguida, retirou os sapatos de Misty e voltou a se deitar sobre ela. – Eu… – começou ela, nervosa, enquanto mudava de ideia no exato instante em que os lábios firmes e sensuais capturavam os dela com um desejo ardente. Era como se tivesse sido lançada ao paraíso em um foguete. A explosão da paixão lhe sacudiu o corpo. Quando a língua quente lhe invadiu o interior da boca, para explorá-la com maestria, provocando uma reação em cadeia que a fez perder a noção de tudo ao seu redor. As mãos longas escorregaram para baixo dos quadris de Misty e os ergueram contra a potente ereção. Ela cruzou os braços atrás do pescoço largo e deixou que aquele beijo selvagem se aprofundasse até que não conseguisse colocar mais nenhum oxigênio para dentro dos pulmões. Liberando a respiração com um ruído áspero, Leone ergueu a cabeça, a coloração lhe ressaltando os ossos malares perfeitos. Os olhos dourados brilhando nos dela. Descruzando os braços delicados que lhe envolviam o pescoço, ele desceu as alças do vestido pelos ombros de Misty. – Queria rasgar esse vestido de seda como um papel, mas em algum momento teremos de sair do carro – disse ele com evidente pesar. O choque a vez estremecer quando sentiu o zíper do vestido baixando e o ar frio lhe soprar o corpo quente. A respiração de Misty saía entrecortada e veloz, enquanto ela tentava não pensar no que ele acabara de dizer, mas o cérebro começava a funcionar outra vez. Estavam dentro de um carro. Queria perder a virgindade na parte de trás de um veículo? Tudo bem, não era um carro qualquer e sim uma limusine, mas naquele momento o chofer devia ter uma boa ideia do que estavam fazendo e ela teria de ar pelo homem fingindo não se importar que ele a considerasse uma verdadeira… uma verdadeira devassa…
– Você tem seios maravilhosos… – Os olhos dourados apreciativos se banqueteavam com os montes empinados e firmes agora expostos ao escrutínio. Convicta de que estava agindo como uma libertina, Misty baixou o olhar à própria nudez e quase teve um ataque cardíaco. Mas o esforço imediato para de se cobrir com as mãos foi frustrado pelo simples fato de que Leone as estava segurando. – Para ser sincero, acho que este breve interlúdio sexual não me satisfará. – Ele baixou a cabeça e escorregou a ponta da língua sobre o mamilo róseo intumescido, fazendo a espinha de Misty arquear em uma contração involuntária. A pulsação entre as coxas aumentava. – Não…? – ofegou ela, demasiado enlevada com aquela sensação avassaladora para sequer respirar. Leone fechou os lábios sobre o mamilo, prendendo-lhe a pele sensível entre os dentes em uma carícia erótica e provocante. Misty se viu incapaz de suprimir o grito baixo que lhe escapou pelos lábios entreabertos. Um nó de tensão quase inável se formou em sua pélvis. Ela o desejava como jamais cobiçara nenhum outro homem. Em algum lugar no fundo da mente, Misty tinha uma frágil percepção do som longínquo da música familiar que lhe despertava lembranças. Mas Leone estava lhe estimulando o outro mamilo entre o polegar e o indicador e todos os pensamentos lhe foram arrancados da mente com uma ferocidade que a deixou zonza. Encontrava-se cativa nas garras tenazes da excitação, perdida no desejo opressor do próprio corpo. – Pretendo fazê-la enlouquecer em meus braços, amore – sussurrou Leone com intensidade sensual na voz, escorregando as mãos sob os quadris de curvas sinuosas para retirar o vestido do caminho. – E então a levarei para minha cama esta noite e farei tudo outra vez. Uma combinação de choque, excitação e timidez a atingiu de uma só vez. Mas, apesar daquela ameaça a inflamá-la a um nível constrangedor, as palavras a incomodaram: muito cruas e realistas. E a mente por fim captou ao fundo a música que Flash havia escrito para ela e a fez se encolher em seu íntimo diante da própria fraqueza em relação a Leone Andracchi. Como pôde ser estúpida a ponto de permitir que aquilo fosse tão longe? Ele a estava usando apenas para fazer sexo. Não se importava com ela. Nem ao menos lhe tinha afeição, pelo amor de Deus! O fato de achar aquele homem uma tentação não era desculpa para se comportar daquele jeito. E deixar que Leone a possuísse no banco traseiro da própria limusine seria o cúmulo da vulgaridade. Por certo deveria ter um pouco mais de respeito por si mesma, não deveria? – O que houve? O fato de Leone ter lhe percebido o distanciamento no mesmo instante a abalou. Misty se desvencilhou e se sentou com um movimento desajeitado, ajeitando o vestido com movimentos frenéticos em um esforço para cobrir os seios. Um som de tecido se rasgando a fez fechar os olhos em desespero, mas o silêncio eletrizante que se prolongou foi o que de fato lhe espicaçou os nervos. – Mudou de ideia – ofegou Leone, ainda descomposto. – Desculpe – retrucou Misty, com um fio de voz trêmula. – Gostaria de ter mudado de ideia antes, mas isto… nós… bem, é uma péssima ideia. Como você mesmo disse, nos atermos ao estritamente profissional é o mais inteligente a fazer. – Quer que eu elabore um contrato que inclua o o ao seu corpo também? – debochou Leone em um tom que lhe atingiu os nervos sensíveis como a ponta de um chicote. Com um movimento repentino, Misty girou e o esbofeteou com tanta força que lhe provocou uma sensação de dormência no antebraço. – Não se atreva a falar comigo desta forma! Não sou uma prostituta disponível por uma quantia em dinheiro!
Um silêncio que fez o anterior parecer um eio no parque se abateu entre ambos. A marca nítida dos dedos finos se encontrava impressa na pele bronzeada logo acima da mandíbula bem marcada de Leone. Os olhos dourados faiscavam pelo ultraje e choque. – Não me desculparei por esbofeteá-lo – afirmou Misty, por trás de um soluço. – É uma pena que alguém não tenha lhe dado uma boa lição há muito tempo! Só porque não está acostumado a receber um “não” como resposta das mulheres. – Não argumentei. Eu a soltei no mesmo instante – protestou Leone, em tom de voz baixo e furioso. – Não há desculpa que justifique você me agredir, sabendo que não posso revidar. Misty tremia da cabeça aos pés. Sentou-se com uma postura mais adequada e puxou o vestido até que lhe cobrisse os seios. Tinha medo de conferir onde a seda delicada havia rasgado. Colocou as alças no lugar e começou a lutar para subir o zíper. – Permita-me – disse Leone com uma frieza de fazer inveja a um iceberg, girando-a para puxar o zíper sem nem ao menos tocá-la. Era como se estivesse evitando uma contaminação radioativa. – Obrigada. Leone desceu a proteção das janelas com um toque do dedo longo. Misty tinha vontade de abrir a porta do ageiro e se atirar da limusine em movimento. As palavras ofensivas de Leone a feriram fundo e a fizeram perder o controle de uma forma que não acontecia desde a infância. A própria atitude a chocou e a deixou envergonhada, mas ela não conseguiu se desculpar por esbofeteá-lo, depois do que ele dissera. A limusine estacou. O chofer abriu a porta do ageiro. Enquanto permanecia sentada, congelada diante da ciência de que seu antes deslumbrante vestido agora estava rasgado até a cintura, algo quente e pesado lhe envolveu os ombros: o blazer de Leone. Com um suspiro trêmulo, ela começou a sair da limusine. Um braço lhe envolveu os ombros, mantendo o blazer no lugar. Leone a acompanhou até o saguão bem iluminado e trocou uma palavra com o solícito porteiro, que se apressou em chamar o elevador. Enquanto subiam, o silêncio era tão profundo que fazia os ouvidos de Misty zunirem. Ela sequer ousou lhe relancear um olhar até imaginar por que ele a estaria acompanhando até o apartamento. Apenas para reaver o blazer? Os olhos prateados se ergueram. O rosto elegante de Leone se encontrava imível, os olhos estonteantes, velados e escurecidos. Leone utilizou uma chave para abrir a porta do apartamento e a atirou sobre o console. Misty retirou o blazer e o estendeu na direção dele. – Boa noite – disse ele, pendurando-o em uma das mãos longas, com uma expressão que nada traía. Quando Leone se encaminhou na direção de um dos quartos, ela limpou a garganta. – Para onde está indo? – Tomar um banho demorado e frio – respondeu Leone, em tom de voz áspero. – Tem alguma objeção quanto a isso também? Misty sentiu o rosto ferver. – O que quis dizer foi… ará a noite aqui? – Não sou sonâmbulo – afirmou Leone, no tom mais seco que pôde conjurar. Por fim, Misty somou dois mais dois e comprimiu os lábios carnudos. – Ficará aqui porque sou sua suposta amante. Agora também sou o tipo de mulher que se entrega no primeiro encontro, juntamente com tudo mais… – O que disse? – Leone girou em um impulso.
Misty o observou com os olhos prateados repletos de ressentimento. Aquele homem era um colírio para os olhos e se questionou se não teria sido aquela aparência estonteante que lhe embotara a mente uma semana atrás. Não havia previsto o preço que teria de pagar em termos da própria reputação, mas deveria tê-lo feito. Em uma pequena empresa como a dela, a reputação da proprietária era essencial. Ninguém mais a levaria a sério, após ter sido fotografada de braços dados com Leone Andracchi, exibindo diamantes e trajada com roupas de estilistas famosos. Aquele era um território minado. Os poucos que acreditaram que Flash era apenas um amigo agora suspeitariam do contrário. As pessoas a rotulariam como alpinista social despudorada que se atirava sobre qualquer homem rico que cruzasse seu caminho, e as clientes mulheres não se mostrariam muito dispostas a contratar os serviços da Carlton Catering. – Você me escutou. – Ela cruzou os braços com um movimento bruto. – Se dormir aqui esta noite, me fará parecer uma mulher fácil. – Fico muito feliz que você não seja minha amante. – ando os dedos longos pelo cabelo negro revolto, Leone a observou com uma aura de satisfação sarcástica. – Salvou a nós dois de cometer um grave erro esta noite. Sinta-se à vontade para me esbofetear toda vez que eu repetir o que fiz na limusine. A raiva a fez enrijecer o corpo. – Estou mesmo começando a odiá-lo… – Então se apegue a esse sentimento e o cultive – aconselhou Leone, com ironia aveludada. – Porque, se um dia acabar indo para a cama comigo, a vida que você conhece chegará ao fim. Misty atirou a cabeça para trás fazendo as mechas de cabelo cor de cobre se afastarem do rosto. Os olhos acinzentados faiscavam de raiva. – É mesmo? Um sorriso presunçoso de pura apreciação contraiu as feições morenas. Por um átimo de segundo, todo o carisma que ele se esforçara em ocultar de Misty se revelou com força total e ela se viu hipnotizada, fisgada com um peixe em um anzol. – Oh, sim – enfatizou ele, com voz rouca. – Partirei antes de você acordar. Vejo-a na sexta-feira. Vamos ar o fim de semana na Escócia. E, com aquele decreto, Leone seguiu com os fluidos e elegantes pelo corredor, deixando-a parada no mesmo lugar, como uma mulher que acabara de ver o que não desejava. Um homem de fato capaz de fasciná-la, capaz de ar, em questão de minutos, de um humor sardônico e reservado àquele sorriso que debochava de si mesmo e que lhe fez o tolo coração cantar e bater como um tambor. Deixando escapar um suspiro exasperado, Misty se encaminhou ao próprio quarto, fechou a porta e se recostou à madeira maciça por um instante, sentindo um vazio estranho. Deitou-se e, acordada, se viu abalada quando descobriu a mente perdida na visão imaginária de Leone tomando um banho frio. Sentindo o rosto ferver pela raiva que tinha de si mesma, rolou para o lado e o cobriu com o travesseiro. Reou na mente a ousadia com que correspondera a Leone na limusine e mudou de posição, desconfortável. Misty nunca se impressionara ao ouvir outras mulheres comentando sobre não serem capazes de resistir a um homem. Afinal, não achava Philip irresistível. Na adolescência, tivera de aprender a lidar com recomendações de cautela para não repetir os erros da mãe, Carrie, e no fundo, embora nunca itisse nem mesmo para Birdie, sempre temera se tornar
igual à mãe, que confundira desejo sexual com amor. Carrie pulava de um relacionamento para o outro, deixando um rasto de destruição e crianças abandonadas em seu encalço. Misty fazia a faculdade de gastronomia quando conhecera Philip. Desde a primeira semana, os dois se tornaram inseparáveis. Ele se mostrara tão carinhoso e romântico que Misty jamais pudera imaginar o que o futuro lhes reservava. No entanto, desde o início, a mãe de Philip a tratara com frieza e, em uma tarde, a futura sogra disparara com evidente desgosto: – Você não sabe nada sobre sua família, certo? E, infelizmente, a mãe de Philip tinha razão. Na certidão de nascimento de Misty constava “pai desconhecido”. Era filha ilegítima e não conhecia nem mesmo os parentes do lado materno. Philip se mantivera firme diante dos esforços da mãe em pôr um fim ao relacionamento dos dois, e aquilo a fez crer que o amor do namorado era verdadeiro. Quando ficaram noivos, Misty começou a se sentir mais segura sobre aquele sentimento e, embora até então tivesse imposto limites à intimidade de ambos, acabara por concordar em ar um final de semana a sós com ele. Um final de semana dos sonhos em um hotel campestre. Porém, não chegaram ao local. No caminho, tiveram o acidente de carro que acabara por marcar o fim do relacionamento dos dois. Após dormir um sono breve e agitado, Misty acordou com sede, antes de o dia amanhecer. Rolando para fora da cama, lavou o rosto no toalete da suíte e, depois de vestir o penhoar, caminhou pelo corredor na direção da cozinha. Quando ou pela sala de jantar, quase colidiu com Alfredo, que carregava um bule de café. – Misty? – Soou a voz arrastada de Leone. Tomada de surpresa, ela se manteve, desajeitada, na soleira da porta. Ele estava deslumbrante. Após ter se erguido da mesa do café da manhã em um gesto cortês, assim que ela entrara, e trajando um terno cinza impecável, com uma gravata dourada fosca, Leone fez um gesto convidativo com a mão. – Faça-me companhia. Quase em câmera lenta e com expressão irada, Misty apenas gesticulou com a cabeça. – Por que está me encarando? – questionou Leone. – Você é um paradoxo. Eu entro na sala e você se ergue. Alguém deve ter lhe ensinado boas maneiras… – Minha mãe – retrucou ele, em tom seco. – Mas foi uma perda de tempo, já que sempre que se refere a mim é com palavras ofensivas. Misty suspirou e se sentou em uma cadeira oposta à dele, antes de esticar a mão para a jarra de suco de laranja. Desconcertado, Leone inspirou fundo, com os olhos dourados faiscando. Então tornou a se sentar. No silêncio eletrizante que se seguiu, quebrado apenas pela reaparição do mordomo, Misty se serviu de um copo de suco de laranja e tomou um gole. Alfredo serviu o café do patrão e ela o adoçou com olhar divertido e movimentos programados para provocá-lo. – Então, para onde vai tão cedo assim? – perguntou ela, em um tom animado, enquanto pegava um croissant aquecido e começava a comê-lo. – Paris… – Estive lá uma vez, mas não cheguei a conhecer a cidade. Estava com Flash. Ou estávamos no hotel, nos escondendo da horda de fãs histéricas, ou na coxia.
Os olhos penetrantes de Leone se encontravam fixados nos lábios carnudos e rosados, quando ela escorregou a ponta da língua para limpar uma migalha. Quando percebeu para onde se direcionava a atenção de Leone, labaredas de fogo lhe conflagraram o baixo-ventre, fazendo-a mudar de posição na cadeira. Estava na hora de tomar um banho frio, pensou, repleta de sentimento de culpa, e ciente, de forma inequívoca, da própria vulnerabilidade. Em uma tentativa ansiosa de se distrair, concentrou-se no retrato pendurado na parede. Ela o havia notado no dia anterior. Era a única obra de arte tradicional que vira até então no apartamento: uma pintura a óleo de uma menina com olhos negros sonhadores. – É um lindo quadro – elogiou ela. – Alguém que conheça? E bem diante dos olhos de Misty ele congelou. O rosto elegante de traços fortes estava contraído pela tensão. – Minha irmã… É falecida. Misty empalideceu. Os lábios se entreabriram e voltaram a selar, enquanto executava um esforço hercúleo para se recobrar do choque. – Bem, ao menos conviveu com ela por um tempo. A carranca estampada no rosto de Leone seria mais do que suficiente para silenciar uma mulher mais melindrosa. – E o que isso quer dizer? Misty inspirou fundo para se recompor e desejou ter se limitado a expressar as condolências convencionais. – Eu… er… tive uma irmã gêmea que… Felizmente, a repentina revelação pareceu ter atraído a atenção de Leone. – Você sabe que teve uma irmã gêmea? – Não éramos idênticas… isso é tudo o que realmente sei sobre ela. – Misty deu de ombros, lamentando ter tocado em assunto tão pessoal, mas ainda assim agradecida por desviar a conversa da morte da irmã de Leone. – Ela foi adotada e eu não. – Era de se esperar que irmãs gêmeas permanecessem juntas – comentou Leone, com o olhar velado. – Minha mãe concordou em abrir mão do direito sobre ela, mas não fez o mesmo comigo. Tentei contatar minha irmã gêmea através da agência de adoção, quando adolescente, mas ela não mostrou interesse. Escreveu-me de volta afirmando que os pais adotivos eram tudo de que necessitava e não tinha interesse em me conhecer. Birdie acha que talvez ela mude de ideia quando for mais velha. – Misty forçou um sorriso resignado, como se a negativa não a tivesse afetado muito, mas o profundo desapontamento e dor por aquela rejeição subsistiram. Alimentara muitas esperanças e as vira despedaçadas por aquela carta breve e fria, na qual não constava sequer um endereço para evitar que ela tentasse bater na porta da casa da irmã. – Birdie… sua mãe adotiva – disse Leone, mais para si mesmo. – É bem informado sobre mim. – Antes de adormecer, na noite anterior, Misty reara na mente aquela cena na limusine e a crueldade manipuladora com que ele exibira a fita do concerto que Flash fizera na Alemanha. – Acho que deveria ter sido mais sincero sobre isso. – Fui muito franco nesse sentido ontem à noite, e você me esbofeteou – lembrou Leone. Misty corou até a raiz dos cabelo. – Está bem, eu não deveria ter feito aquilo, mas você me provocou. Leone se inclinou para trás na cadeira fixando os penetrantes olhos dourados nela.
– Isso não é desculpa. – Perdi a cabeça. – Tente outra. Misty podia sentir a raiva tomando vulto outra vez. – Desculpe-me… perdão… sinto muito… Está bem assim? – disse ela, com a voz subindo uma oitava. – Quem disse que não é possível levar o cavalo à água e obrigá-lo a bebê-la? – perguntou Leone, com fria satisfação. Misty deixou escapar um suspiro trêmulo e contou até dez. – Tenho de partir. – Ele atirou o guardanapo sobre a mesa e se ergueu em sua altura intimidante. Deu alguns os na direção da porta, mas estacou e girou nos calcanhares para encará-la, com o rosto tenso. – Se alguém entrar em contato com você ou visitá-la durante minha ausência, não diga nada sobre nosso relacionamento e continue desempenhando seu papel. Entendido? Desconcertada, Misty anuiu com um gesto lento de cabeça. Estaria Leone esperando que alguém lhe telefonasse? Enquanto ele seguia pelo corredor, Misty se ergueu de um pulo da cadeira e o seguiu, determinada a fazer a pergunta que a incomodou durante toda a noite. – Leone…? Os olhos dourados escrutinadores a percorreram desde o cabelo cor de cobre, descendo pela camisola simples que fazia conjunto com o penhoar e pelas pernas longas e bem torneadas, antes de fazerem o caminho de volta para se fixar no rosto corado de Misty. – Algum dia alguém lhe disse que você fica muito atraente às 6 horas da manhã? – Não é capaz de pensar em algo mais original para dizer a uma mulher? – perguntou Misty, aborrecida. – Nunca ninguém lhe ensinou a receber um elogio? – rebateu Leone. – Gostaria de lhe fazer uma pergunta… – Misty uniu as mãos à frente do corpo. – Está tendo um caso com uma mulher casada e me usando como disfarce? – Não tenho casos com mulheres casadas. Dividi-las com outro homem não está em minha natureza. Misty corou, mas prosseguiu. – Então, trata-se de negócios… – Negócios à siciliana – retrucou Leone, com uma voz sombria e aveludada. – Você não entenderia as nuanças. – Acho que não… – Misty o observou partir. Uma vez sozinha, leu os jornais durante o café da manhã e sentiu o coração descer para os pés. Fotos nítidas que a mostravam de braços dados com Leone estampavam duas colunas sociais. “A última conquista de Leone”, escreveram, referindo-se a ela em uma das matérias. “Outra beldade de Andracchi” anunciava a outra, no jornal que Birdie costumava ler todos os dias. Até então, não tivera a identidade revelada, mas até quando isso duraria? Após o beijo que Leone lhe roubara na Brewsters, as fofocas já teriam se espalhado como fogo em palha, antes mesmo de sua chegada a Londres. Fora um tola em acreditar que podia evitar contar a Birdie que tipo de trabalho estava fazendo para Leone. Concluindo que seria melhor se explicar, Misty pegou um trem para Norfolk e um táxi que a levou a Fossetts. Chegou no meio da tarde e encontrou Birdie na sala de estar, arrumando flores na mesa, próxima à janela. Quando a viu, a senhora ergueu a cabeça, com um sorriso tranquilo e apenas um sutil traço de
preocupação nos olhos brilhantes. – Acho que o deixou em Londres. – Birdie… Eu… – Você está vivendo um grande romance e não me contou nada. – A mãe adotiva a repreendeu. – Mas por que está parecendo tão preocupada? Fico feliz que esteja amando outra vez. – Misty prendeu o lábio carnudo inferior entre os dentes, sem saber o que responder. – Claro que se juntou com ele, como dizem hoje – continuou Birdie, tristonha. – Não aprovo esse tipo de união, mas posso entender por que não conseguiu me contar. – Sinto muito. – Você é uma menina maravilhosa – disse a senhora idosa, com grande afeição. – E, se Leone Andracchi magoá-la, terá de se haver comigo. A imagem patética da franzina Birdie chamando atenção de Leone a fez sorrir, antes de murmurar com voz gentil: – Pare de se preocupar comigo. – Acho que Flash lhe dirá que está com o coração partido e escreverá uma música sobre isso. É melhor estar preparada. Não há nada que aquele rapaz aprecie mais do que um desafio… exceto, talvez, uma plateia. Misty permaneceu em Fossetts por alguns dias e tomou um trem de volta a Londres na tarde da quinta-feira, com uma agradável sensação de relaxamento. Porém, quando Alfredo lhe abriu a porta do apartamento naquela noite, estampava uma expressão preocupada no rosto. – Eu preciso de uma chave deste apartamento – disse ela, com voz gentil. – Para ir e vir conforme lhe aprouver? – Soou a voz arrastada familiar da soleira da porta do saguão. – Nunca! Misty estacou, surpresa, no centro do saguão. Leone se encontrava parado a apenas quatro metros de distância. Uma camisa de algodão verde com as mangas enroladas lhe revelava os antebraços morenos. A calça jeans justa realçava os quadris retos e as pernas longas e musculosas. A beleza exótica e deslumbrante sombreada apenas pela raiva escaldante que lhe fazia faiscar os olhos dourados. – Qual é o problema? – perguntou ela, hesitante e desequilibrada por aquela recepção agressiva. Leone abriu os braços em um gesto expansivo. – Está me perguntando qual é o problema? Algumas horas depois que parti para Paris, você saiu deste apartamento e desapareceu no ar! – Fui para casa ficar com Birdie. – Não de acordo com a empregada que trabalha na casa dela. Telefonei, perguntando por você. Misty fez uma careta. Ao identificá-la como a mulher que acompanhara Leone à pré-estreia, um jornalista local começara a telefonar com insistência para Fossetts a fim de contatá-la. Por sorte, fora ela a atender o primeiro telefonema do jornalista, então pedira a Nancy para informar a quem quer que a procurasse que ela não estava lá. – Então, onde esteve? Porque, se foi se encontrar com Philip Redding, vou fazer picadinho daquele homem! – Misty se limitou a observá-lo, boquiaberta. – Eu deveria ter dado uma lição naquele bastardo no dia em que ele a abordou no estacionamento – prosseguiu ele, incapaz de conter a agressividade. – Acha que é meu dono… ou algo parecido? O silêncio que se seguiu zuniu com a eletricidade que gravitava no ar.
– Pelas próximas semanas… sim. – Os olhos dourados fulminantes a desafiaram. – Se eu descobrir que esteve se refestelando na cama de outro homem… Misty cruzou os braços e o observou com extremo ressentimento. – Acha mesmo que sou uma mulher fácil, certo? – Sem… comentários. – Eu estava em Fossetts com Birdie, mas mantive minha estada em sigilo. – Tão discreta que ninguém sabia que estava lá – rebateu Leone, incrédulo. – Acha que não sei reconhecer um álibi quando vejo um. – As mulheres costumam fazer isso com você o tempo todo… certo? – Misty arregalou os enormes olhos cinza, com falsa compaixão. – Sumir para se divertir com outros homens… – Per meraviglia! Nunca nenhuma mulher fez isso comigo! – exclamou ele, lhe dirigindo um olhar ultrajado. – E não fuja do assunto. Você esteve com seu ex-noivo? – Não… mas, para ser sincera, acho que não lhe contaria se o tivesse feito – confessou Misty. – Não me pediu para não deixar Londres. Disse-me que me veria na sexta-feira e, segundo o meu calendário, hoje é quinta-feira. Pensei que estava desobrigada de minhas funções. Leone ainda tentava digerir a primeira afirmação, o que parecia ser um grande desafio. – Não me contaria se tivesse se encontrado com Redding? – Como não estive com ele, é inútil insistirmos nesta discussão – concedeu Misty, em prol da paz. – Você estava obrigada ou desobrigada de suas funções, naquela noite, na limusine? Misty sentiu o rosto queimar. – O que você acha? Franzindo a testa com repentina exasperação, Leone relanceou o olhar ao relógio de pulso. – Estou muito atrasado para um encontro. Vejo-a amanhã à tarde. Viajaremos de avião até Aberdeen e faremos o restante do trajeto de carro. Como se congelada diante daquele comentário descuidado, Misty o observou partir. Leone tinha um encontro. Ele… tinha… um… encontro. E não voltaria para o apartamento. Portanto, não era difícil imaginar como ele planejava ar a noite. Mas o que a vida sexual de Leone lhe importava? Misty não tinha a menor ideia, mas, ainda assim, não conseguiu se concentrar em mais nada durante a noite. Desanimada, descobriu os pensamentos voltando, inexoráveis, ao que Leone deveria estar fazendo. Sem dúvida, a namorada atual devia ser uma mulher muito compreensiva, ou então sabia o segredo que ele se recusava a revelar à amante de mentira. Aquele era um trabalho. Apenas um trabalho. E em que momento se esquecera disso? Quando estava se contorcendo de prazer no banco traseiro da limusine de Leone? Detestando-se por aquela degradante lembrança, Misty se encaminhou ao quarto e jurou que, daquele instante em diante, não se esqueceria, nem mesmo por um segundo, que não ava de uma funcionária de Leone Andracchi. No dia seguinte, Misty foi levada ao aeroporto para encontrá-lo. Um paparazzo estava a postos, munido de uma câmera, para registrar a ocasião, e Leone a recebeu com um abraço. Convencida de que a presença daquele fotógrafo não era mera coincidência e se ressentindo por aquela realidade, Misty virou a cabeça para garantir que o beijo de Leone lhe pousasse na bochecha. – Por que fez isto? – perguntou ele. – Beijar é algo muito pessoal… um abraço é convincente o bastante – retrucou ela, em tom frio. – É mesmo? Acabei de abraçar um bloco de madeira.
E as coisas não melhoraram após o atraso de quatro horas no voo, por causa de problemas no tráfego aéreo. Na ala VIP do aeroporto, Leone se ocupou em trabalhar no laptop, enquanto Misty folheava várias revistas. Todas as vezes que lhe arriscava o olhar, ela se deparava com a expressão aborrecida que contraía as feições daquele belo rosto moreno. Leone tinha uma aparência sofisticada e estonteante naqueles trajes informais e uma loura esbelta do outro lado do salão insistia em lhe lançar olhares cobiçosos, decidindo, sem dúvida, que Misty não devia ar de uma assistente. E de fato ela não era ninguém importante, certo? Não ava de ninguém na vida de Leone Andracchi. Mas, na noite anterior, ele estivera com alguém que era de fato importante… – Está planejando descongelar, antes de chegarmos e encontramos nossos anfitriões? – questionou Leone, enquanto se encaminhavam ao seu jato particular. – Não tenho a menor ideia do está falando. Estou aqui, toda arrumada e com um sorriso estampado no rosto. O que mais deseja? – Você não adoçou meu café… foi uma atitude deliberada e muito infantil – escarneceu Leone. – Daqui em diante, pode cuidar de seu próprio café. Não sou sua escrava – sibilou Misty como uma gata arredia. Os dois não trocaram uma só palavra durante o voo e nem mesmo enquanto o jato sobrevoava o aeroporto, aguardando ordens para aterrissar. Quando entraram no carro que os aguardava, após ela observar Leone tentar contatar, sem sucesso, as pessoas que os hospedariam para explicar por que haviam se atrasado tanto, eram quase 19h. Aquele final de semana estava ameaçando se transformar em um pesadelo, daqueles em que tudo o que poderia dar errado daria. – Dio mio! Por que ninguém atende o telefone? – rosnou Leone. – Os Garrison moram em um castelo… devem ter muitos criados. – Está me dizendo que nunca visitou essas pessoas antes? – Misty se apressou em satisfazer a própria curiosidade, sem perder a classe. – Nunca. Mal os conheço, mas acredito que sejam bastante idosos. Leone garantiu que sabia a direção do castelo, embora nunca tivesse estado naquele lugar antes, e se recusou a usar o pequeno mapa dentro do livreto de turistas que Misty pegara para se distrair no aeroporto. Por fim, ela caiu no sono e em algum momento foi acordada de modo abrupto. – Chegamos – disse Leone, em tom de voz rude. – Onde? – No fim do maldito mundo – rosnou ele, com expressão contrariada.
Capítulo 5
MISTY SALTOU com dificuldade do carro, estremeceu diante do frio inesperado e esfregou os braços com as mãos, antes pegar a jaqueta que deixara sobre o banco. Tudo que podia ver além do carro era uma construção imponente, sem nenhum indício de luz. – Que horas são? – Dez horas da noite. Enquanto Leone batia com a maciça aldrava contra a porta, Misty resistiu ao desejo de perguntar se ele havia apreciado a rota pitoresca até ao castelo. – Conseguiu falar com os Garrison enquanto eu dormia? – Não. – ados dois minutos, Leone bateu com a aldrava com força redobrada na porta. Mais alguns tensos minutos se aram e, por fim, uma luz frouxa se acendeu acima da porta e os dois ouviram um ferrolho sendo aberto, o que não ajudou em nada a suavizar a aparência austera de Leone. Um senhor trajado com um pijama de lã perscrutou pela porta. – Está querendo acordar todo o castelo? Não tem ideia de que horas são? Já a das dez… Misty suprimiu um sorriso sob o cabelo que lhe caía no rosto, enquanto Leone, impermeável à reprimenda que recebera, se apresentou, envolvendo os ombros de Misty com um dos braços e a guiando para dentro. O fogo que se extinguia em uma enorme lareira lançava longas sombras sobre os painéis cor de mel escuro da parede e sobre o piso desgastado. – Oh, é adorável… – Misty suspirou. – Vou lhe mostrar seu quarto – resmungou o senhor. – E você é…? – perguntou Leone em tom autoritário. – Murdo, senhor… – Gostaríamos de apresentar nossas desculpas aos seus patrões pelo atraso – continuou Leone. – Não farão isso esta noite. Eles já estão recolhidos. Murdo liderou o caminho através da escadaria de pedra sinuosa em um dos cantos do saguão. – Em Castle Eyrie, só ficamos acordados até mais tarde em ocasiões especiais.
Após uma longa caminhada por corredores sombrios, iluminados apenas por lâmpadas de baixa voltagem, o senhor abriu a porta de um quarto. – Se desejarem algo para comer, terão de se servir sozinhos. A cozinha fica ao final do extenso corredor, na parte posterior do saguão. Observando as feições morenas de Leone irradiarem incredulidade diante de tanta negligência, Misty se apressou em fazer um comentário lisonjeiro sobre o quarto, o que lhe rendeu um sorriso agradecido do lúgubre Murdo. Assim que o senhor se retirou, Misty desviou o olhar aprovador da cama de carvalho de quatro colunas, provida de dossel, e da cornija esculpida em madeira, e atentou para o fato de que lhes tinha sido oferecido apenas um quarto. Por que aquilo não lhe ocorrera antes? E não havia mais nenhuma acomodação para dormir, além da cama. – Per meraviglia… vamos congelar aqui! E provavelmente deve ser úmido também. – Com o olhar altivo irradiando incredulidade, Leone observou o toalete adjacente, mal conseguindo disfarçar um tremor diante das instalações antigas. – Não há sequer um chuveiro! – E apenas uma cama… A maçaneta da porta do toalete se desprendeu na mão de Leone e ele se apressou em recolocá-la. – Todo este castelo está em estado avançado de decadência. Não é de se irar que os Garrison o tenham colocado à venda! Em breve algum tolo romântico perderá muito dinheiro aqui. – Tem apenas uma cama… – Sim… assim como também tem apenas três móveis em todo o quarto, também notei – retrucou Leone. – Mas no momento estou mais interessado em calor e comida. – Você poderia acender a lareira, enquanto eu preparo algo para comermos. – Não era exatamente isso que eu esperava para um final de semana no campo… – Quer parar de reclamar? – Misty lhe lançou um olhar de reprovação. – É óbvio que os Garrison estão lutando para sobreviver e não podem proporcionar mais conforto ou funcionários para nos servir. – Não poderia estar mais enganada. Eles são ricos, mesquinhos e famosos por pagarem mal aos criados. Fizeram fortuna com fábricas de roupas no exterior, do tipo que utilizam trabalhadores ilegais em condições sub-humanas – informou Leone, em tom seco. – Guarde sua compaixão para quem merece. Apesar de a cozinha ser semelhante a um porão de proporções gigantescas, que parecia não ter sofrido reforma desde a Idade Média, a imensa geladeira estava muito bem abastecida. Ignorando os comentários ácidos de Leone sobre a quantidade de toras de madeira necessárias para acender a lareira do quarto, em tempo recorde Misty preparou omeletes à espanhola e uma travessa de salada Caesar. Ambos comeram com apetite voraz e não perderam tempo com conversação. De volta ao andar superior, com o fogo tremeluzente lançando um brilho adorável aos móveis desgastados, ela relanceou o olhar a Leone. – Não estava esperando ter de dividir a mesma cama com você. – Acha que nossos anfitriões, os Garrison, de fato ainda estão vivos? – brincou Leone, observando o fogo com olhar reflexivo, antes de girar o rosto moreno e cravar os vibrantes olhos dourados nela, com um divertimento que lhe roubou o fôlego. – Ou acha que o velho Murdo se livrou dos dois e somos os próximos da lista? Quer que eu permaneça em vigília durante toda a noite com um atiçador em punho? Não, quero você, pensou Misty pensando no ciúme que a estava atormentando desde a noite anterior. Quero-o na cama comigo. A voz que lhe soprava aquelas palavras era tão nítida que, por um
momento torturante, ela imaginou se não teria dado voz ao pensamento e, esforçando-se para desviar o olhar envergonhado de Leone, virou de costas. – Vou tomar um banho. Não demorarei. Juntando alguns itens que trouxera na mala que ainda estava por fazer, Misty se encaminhou ao toalete, mas estacou na soleira da porta, decidindo, de repente, atirar a cautela pela janela. – Com quem esteve ontem à noite? – Com alguns amigos que não via há algum tempo. – Leone a estudou com o olhar velado que agora traía um brilho furioso. – Então foi isso que a incomodou durante toda a noite. Com as bochechas do rosto rubras, Misty se apressou em fechar a porta. Embora, por um lado, desejasse ter tido força de vontade para não fazer uma pergunta que desse margem à imaginação, por outro, se sentia demasiado aliviada para se importar com o fato de que havia envergonhado a si mesma. Não demorou a descobrir que a água estava quase fria, o que a desestimulou de tomar um banho prolongado. – Não há água quente – disse, retornando do toalete, tremendo de frio sob o único traje de dormir que trouxera: uma bela camisola de seda. Esforçando-se em fingir que o fato de ter de dividir o quarto com um homem não era nada de extraordinário, dirigiu-se à cama. No ato de retirar a camisa, Leone se deteve estudando, com os olhos dourado-escuros, o rosto afogueado de Misty à luz frouxa que as chamas lançavam. – Será que precisarei de outro banho frio esta noite? Uma descarga elétrica gravitou na atmosfera entre ambos. Misty não estava esperando uma pergunta tão direta. Arrastando o olhar daquele bronzeado peito musculoso e dos pelos escuros que lhe salpicavam os peitorais, ela se apressou em escorregar para baixo dos lençóis. – Sim – respondeu, com voz tensa. Não cederia à tentação, apressou-se em assegurar a si mesma, recusando-se a olhar para aquele físico tentador, enquanto reunia forças. Aquela intimidade era enganosa. Não era real e não significava nada. Fantasiava com Leone de uma forma assustadora, nunca soubera que o desejo sexual pudesse ser tão avassalador, mas a mente sensata a prevenia de que, na melhor das hipóteses, não aria de uma distração temporária para aquele homem. O único elo verdadeiro entre ambos era um contrato de trabalho bizarro e, se ultraem a barreira do âmbito profissional, a relação entre os dois se tornaria confusa, embaraçosa e demasiado íntima. Na verdade, ela estaria colocando uma corda no pescoço para se enforcar. Ao perceber os dentes tiritando, Misty se sentou na cama e descobriu que a janela estava aberta, permitindo a invasão de uma brisa gelada. Exasperada, saltou da cama e se apressou em fechá-la. Mal acendera o fogo, Leone abrira a janela! Qual seria o sentido daquilo? Mas logo descobriu o motivo, quando sentiu a fumaça espessa se despregar da lareira, e teve de abri-la outra vez. A porta do toalete se escancarou. Encolhida sob as cobertas, Misty entreabriu um dos olhos para vêlo emergir da porta, usando apenas uma cueca samba-canção. No mesmo instante se apressou em cerrar as pálpebras, mas aquela imagem gloriosa lhe ficara tatuada na mente com todas as cores: o cabelo negro ainda úmido emoldurando as feições desenhadas do rosto moreno; os ombros largos, o torso soberbo, os quadris retos e as coxas musculosas cobertas de pelos. Pare com isso, pare com isso, pare com isso, repreendeu a si mesma, assaltada pelo sentimento de culpa.
O colchão cedeu sob o peso de Leone e, em seguida, ele soltou um xingamento e se levantou. Quando as cobertas lhe foram arrancadas, Misty foi forçada a se sentar na cama e contemplar o longo rasgo no lençol que cobria a cama. – Como diabos poderei dormir sobre um lençol rasgado? – perguntou Leone. – Posso dar um jeito nisso. – Ávida por ter algo com que se ocupar, Misty se levantou. – Deveríamos ir para um hotel… – Nós sobreviveremos. – Após retirar o lençol do colchão, ela o virou de modo que a parte rasgada ficasse sob os travesseiros. – Vamos… ajude-me! – É um absurdo tratarem os hóspedes deste jeito – resmungou Leone. – Mas esta residência é extraordinária, repleta de uma atmosfera histórica e… – Umidade e desconforto. Misty se ergueu após ajeitar o lençol e, ao ver uma enorme mariposa, com o canto do olho, soltou um grito. – Ainda está no meu cabelo? – Esse bicho não lhe fará nenhum mal. – Com uma frieza irritante, Leone espantou a mariposa até vê-la voar pela janela. Misty se recostou à extremidade da cama, pálida e lutando para recuperar o ar. Leone a estudou com os olhos dourados faiscantes. A percepção daquele homem, que tanto lutara para evitar com a conversa incessante e o ataque de dona de casa, se abateu sobre ela com extraordinária violência. – Parada aí. Contra a luz do fogo é como se você estivesse nua – sussurrou Leone com voz rouca. Baixando um olhar desanimado ao próprio corpo e percebendo como as chamas revelavam o que se encontrava sob a seda delicada, Misty soltou um gemido e fez menção de voltar para baixo das cobertas. Porém, antes de conseguir seu intento, Leone a segurou e a puxou contra o corpo. Quando os lábios sensuais e famintos capturaram os dela, velaram um guincho que se formou na garganta de Misty. A excitação a atingiu como um raio. De repente e sem nenhum aviso prévio, ela se viu envolvendo o pescoço largo com os braços e se colando à parede rígida daquele corpo forte. Os dedos longos lhe percorreram os quadris, pressionando-os contra a rigidez da potente ereção. As sensações provocadas por aquele contato erótico atearam fogo à pélvis de Misty. Era uma reação instintiva que nada tinha de racional e tudo a ver com a paixão desenfreada que Leone lhe despertara. Erguendo-a no colo, Leone a deitou sobre a cama e se juntou ela. Em seguida, apartou-lhe as pernas com uma autoridade confiante que todas as células vivas do corpo Misty desejavam obedecer. Leone a beijava com uma urgência sufocante que a deixava em brasas. Ela não conseguia se saciar daquela boca. Inclinava a cabeça para trás apenas para colocar um pouco de oxigênio nos pulmões e voltava, ávida por mais. As mãos escorregaram pelo cabelo negro e espesso, os dedos se enterraram naquela umidade macia para prendê-lo naquele beijo. Por fim, Leone ergueu a cabeça. Sua respiração era pesada e ofegante. Os olhos dourados emanando um brilho sensual sob os cílios negros. – Está protegida? A adaga da realidade incômoda varou o cérebro de Misty. Protegida? Protegida contra uma possível gravidez, a mente completou. Oh, sim, estava muito bem protegida, pensou com repentina amargura, pela incapacidade de engravidar. – Sim…
A tensão que contraía os músculos bem definidos de Leone abrandou e ele a fitou com uma satisfação contagiante. – Isto era inevitável, amore. – Era? – Enquanto o raciocínio a incitava a pensar, todo o corpo de Misty havia se transformado em uma massa responsiva, modelada pelos estímulos de Leone. A fragrância, o toque, até mesmo o peso daquele homem que lhe pressionava as coxas tinha o efeito de um potente afrodisíaco. Não seria capaz de se afastar dele. – Eu a desejei desde o primeiro instante em que a vi. – Leone voltou a lhe capturar os lábios já intumescidos em uma exploração erótica que parecia viciá-la. – A luz do sol que entrava pela janela fazia seu cabelo parecer um halo de fogo… – Os olhos prateados de Misty se entreabriram para se fixarem no rosto elegante de traços bem marcados. O coração batia como um tambor enquanto se certificava de que ele de fato dissera aquilo. Leone velou o olhar, a mandíbula se contraindo e uma leve coloração ressaltando ainda mais os ossos malares perfeitos. Parecia encabulado, como se não estivesse acostumado a fazer aquele tipo de observação, assim como Misty também não estava acostumada a ouvi-la. – Sexy… Uma incomum pontada de ternura a atingiu quando Leone fechou o comentário com aquela conclusão desajeitada e bem mais fria. E então ele a beijou outra vez e o mundo ficou em suspenso, como se Misty despencasse de uma montanha-russa. O coração estava em disparada e o corpo, no olho de um furacão. – Não consigo me saciar de você – sussurrou Misty, entontecida. Leone lhe dirigiu um sorriso de fazer derreter as geleiras do Polo Norte. Em seguida, ajeitou-a sobre os travesseiros e começou a lhe explorar os seios com a boca, através da seda fina, fazendo Misty arquear a espinha, com o ar preso na garganta. – Posso ser viciante… Deveria tê-la avisado, amore. – Misty fechou os olhos, enquanto ele lhe retirava a camisola. – Dio mio… você é perfeita – rosnou ele, prendendo-lhe um dos mamilos enrijecidos entre o polegar e o indicador. A carícia enviou fagulhas elétricas por todo o corpo de Misty e a fez gemer. Os olhos prateados se abriram para as sombras de luz e escuridão que se alternavam naquele rosto moreno perfeito e o descobriram observando-a com a testa levemente franzida. – O que foi? – Deitada assim, você parece tão tímida – confidenciou Leone, com uma risada rouca e repentina. – Eu sou… um pouco – confessou ela, em um sussurro, toda a atenção voltada para a magnificência daquele sorriso espetacular. – Isso é um potente afrodisíaco, amore – disse ele, em um murmúrio rouco. – Mas acho que sabe disso. Ao pensar no quanto era inexperiente, Misty congelou por um instante, assombrada pelas dúvidas, mas logo Leone escorregou a língua pelo mamilo intumescido e, em seguida, o sugou, não deixando espaço para nenhuma hesitação. Na verdade, não deixando espaço para mais nada a não ser a intensidade com que o próprio corpo respondia àquelas carícias. – Temos a noite toda… – sussurrou Leone, ávido, afastando-se por tempo suficiente para retirar a cueca. – Acho que… – Misty fixou o olhar no peito musculoso.
Aquele ato se concretizaria. Todo o corpo queimava com o desejo, mas Misty não conseguia abandonar o nervosismo. Temia sentir dor, não conseguir disfarçar a própria ignorância. Não queria que Leone descobrisse que estava prestes a se tornar o único amante que ela tivera. Afinal, tudo que Leone desejava era uma aventura entre lençóis. Mas, se descobrisse sua virgindade, talvez desconfiasse de que ela desejava mais do que isso. O que, claro, não era verdade. Sentia uma atração absurda por aquele homem e nada mais. A decisão de torná-lo seu primeiro amante pertencia apenas a ela e não significava que nutrisse sentimentos especiais por Leone, racionalizou, lutando contra os conceitos morais que Birdie lhe incutira. Apaixonar-se por um homem com a reputação de Leone Andracchi seria como dar um tiro no próprio pé, e ela se considerava muito sensata para cometer tal insanidade. Porém, quando Leone a puxou contra o corpo e ela encontrou os olhos dourados ardentes, se descobriu em brasas e perdeu toda e qualquer sensatez. Estremecia enquanto ele lhe explorava a boca. Sentia a pele retesada. Cada centímetro do seu corpo estava tenso e sensível ao extremo. – É o modo como você me olha – confidenciou Leone, com toda a satisfação masculina. – Como reage a mim… isto me enlouquece… – Eu o odiava… – sussurrou Misty sem disfarçar a surpresa. A mente se recusando a tentar entender como ara daquela hostilidade desenfreada para a capacidade de se deixar envolver por aqueles braços fortes como se fosse a coisa mais natural do mundo. Leone escorregou os dedos com suavidade pela cascata sedosa do cabelo cor de cobre espalhado no travesseiro e baixou o olhar para encará-la, enquanto, com a outra mão, estimulava-lhe os seios com mestria. Observou-a arquear as costas em um movimento involuntário na direção daquela carícia. Os olhos dourados penetrantes a estudaram. – Mas agora não odeia… – Não… – Assumir aquela realidade a assustou. No espaço de alguns dias, ele havia abalado o que um dia fora uma certeza, embora não fosse capaz de explicar como ou por quê. Mas aquele brilho possessivo nos olhos estonteantes de Leone funcionava como um campo magnético que a envolvia, deixando de fora tudo o que ela não desejava saber. O ritmo acelerado do próprio coração a fazia ofegar. Uma excitação de proporções nunca antes sonhadas crescia dentro dela e ameaçava explodir. O silêncio, quebrado apenas pelos próprios ofegos, faziam-lhe zumbir os ouvidos. – Nunca desejei ninguém assim antes. – Misty se ouviu confessar. Os olhos dourados escureceram e as feições perfeitas de Leone se contraíram pela tensão. De repente, uma das mãos longas se fechou sobre o cabelo de Misty para puxá-la contra a boca exigente, que violou a dela. A língua lhe explorou o interior aveludado com paixão explícita. A força do desejo de Misty retornou com intensidade redobrada. As mãos se contraíam contra os ombros largos, amando a força que emanava sob a pele firme e sedosa. Por alguns prazerosos instantes, Misty se dedicou a explorar cada centímetro do corpo de músculos bem definidos até onde pôde alcançar. – Toque-me – ordenou ele, com a voz rouca. A excitação e o nervosismo quase a fizeram desfalecer, enquanto fechava a mão em torno da ereção rígida e ao mesmo tempo sedosa de Leone. Os tremores quase imperceptíveis que peraram o corpo forte a encheram de confiança. Um gemido rouco abandonou a garganta de Leone, fazendo-a se deleitar. Aquilo significava que estava fazendo os movimentos certos. Porém, antes que Misty ousasse
experimentar novas carícias, ele a deitou contra o travesseiro e lhe capturou os lábios com um beijo faminto. – Do jeito como estou… o mínimo é o máximo, amore… Em seguida, Leone deitou-se parcialmente sobre ela, provocando-lhe a boca com os lábios, a língua e os dentes, enquanto acariciava o triângulo de pelos cor de cobre entre as coxas aveludadas e lhe estimulava o ponto mais sensível da feminilidade. Daquele momento em diante, Misty era só eletricidade e fogo. Cada sensação a arrastava em um vórtice de prazer até que ela contorcesse os quadris e gritasse: – Oh, por favor… – Espero tornar o prazer ainda mais intenso, amore – sussurrou Leone contra os lábios carnudos entreabertos. Quando ele se ergueu sobre o corpo trêmulo de Misty, escorregando as mãos sob os quadris curvilíneos e os erguendo para a posição correta, ela se encontrava nas garras de uma conflagração. Leone a penetrou. Um grito agudo de dor escapou da garganta de Misty, deixando-a momentaneamente paralisada e quase a atirando de volta à realidade. – Você é tão estreita… – gemeu ele, baixando um olhar questionador a Misty, com a testa franzida. – Eu a estou machucando? – Oh, não… – Ela se apressou em afirmar, entre dentes cerrados. Leone a observou com intensidade velada e, em seguida, começou a se mover, penetrando-a ainda mais fundo, porém com extrema suavidade. – Dio… a sensação de estar dentro de você é incrível. O desconforto começou a evaporar no momento em que Misty estava a ponto de dizer que não poderia retribuir o elogio. Naquele momento, ela o engolfava por inteiro e se encontrava aquecida e excitada com aquela sensação. Quando Leone começou a se mover, ela arqueou os quadris, com movimentos frenéticos e, no mesmo instante, o desejo a catapultou na direção de um precipício de prazer. – Gosto disto… – Os olhos dourados encontraram os dela, de repente divertidos. – Com você – acrescentou Misty, sem jeito. Leone baixou a cabeça, os olhos brilhantes e quase ternos enquanto lhe capturava os lábios em um beijo longo. – Às vezes, você não diz toda a verdade. A excitação espiralava no baixo-ventre de Misty outra vez e, embora desejasse perguntar o que ele quisera dizer com aquelas palavras, não conseguiu fôlego para isso. Movia-se sob o corpo musculoso, quente e abandonada, regozijando-se com aquele ritmo sensual, permitindo que aquele jorro de prazer crescesse dentro dela e a erguesse cada vez mais alto. Ele imprimiu um ritmo mais acelerado, fazendo o coração de Misty bater ainda mais rápido e gritos de prazer lhe escaparem da garganta. Arrastada naquela enxurrada de excitação, ela atingiu um clímax alucinante. Todo o corpo convulsionou com a sensação eletrizante da paixão. No instante seguinte, Leone estremeceu sobre ela e gritou o próprio prazer com palavras italianas. Misty o abraçou, ciente da doce sensação daquela simples proximidade, aceitando o fato de que em toda sua vida nunca se sentira tão próxima de outro ser humano. Envolto no círculo de seus braços, era como se Leone lhe pertencesse, e ela amava aquela sensação.
Instantes depois, ele a aliviou do peso do corpo forte e musculoso e rolou para o lado, levando-a com ele, abraçando-a apertado. E, por um longo tempo, nada foi dito. Em seguida, Leone lhe afastou o cabelo do rosto afogueado e observou os suaves olhos prateados, velando os dele. – Estive pensando… eu poderia ajudá-la a localizar sua irmã gêmea. Com aquela revelação surgindo do nada e em um momento como aquele, Misty se viu perplexa. – Como disse? – Todos têm direito de ter uma família. Seria apenas um pequeno favor… nada de mais, amore. – Leone moveu um dos ombros em um gesto casual. – Não… é um belo pensamento, mas não, obrigada – retrucou Misty com tensão na voz. – Por que não? Por certo deseja conhecer sua irmã? – É a vontade dela que conta. Minha irmã tem meu endereço e telefone há quatro anos e nunca fez uso deles – contrapôs Misty, vacilante. – Portanto, é melhor esquecer isso. – Acho que você tem medo… Irritada com o comentário, Misty se inclinou para trás. – O que poderia saber sobre isso? Acho que andou lendo a respeito daquelas histórias emocionantes de pessoas que procuram os parentes perdidos e têm encontros arrebatadores… Bem, não há nada de emocionante ou arrebatador em meu ado. Apenas duas crianças sofridas e traumatizadas, cuja mãe as abandonou. Somos três, pelo que sei. Desconcertado com aquela reação inflamada, Leone se deitou sobre os travesseiros e, por alguns instantes, ela se viu distraída. Aquele homem estava deslumbrante, com o cabelo negro desgrenhado e os olhos estonteantes refletindo a luz do fogo, pensou tristonha. A pele morena criava um contraste sexy e vibrante contra o lençol branco. Como uma autopunição pela própria susceptibilidade em relação a Leone, ela desviou o olhar. – Você disse “somos três” – lembrou Leone. – Três, o quê? – Três irmãs… talvez mais. Talvez haja meninos também. – Sua mãe teve três filhas? – Ela se casou com um homem mais velho quando tinha 19 anos e teve uma menina com ele. As assistentes sociais me contaram. Depois, ela trocou o marido pelo meu pai, mas o relacionamento não durou, e ela se viu tendo que cuidar de gêmeas – acrescentou Misty, concisa. – E? – estimulou Leone, após um silêncio tenso. A bela e delicada estrutura óssea do rosto de Misty se encontrava contraída pela emoção. – Conheci o ex-marido de minha mãe quando estava na fase de busca de minhas “raízes”. Pensei até mesmo que ele pudesse ser meu pai… que tola fui! Quero dizer, por que eu e minha irmã gêmea acabaríamos em lares adotivos se ele fosse? – Leone nada disse. Limitou-se a fechar uma das mãos sobre os dedos tensos e entrelaçados de Misty. Dispensando a compaixão, ela se soltou. – O ex-marido dela ainda estava muito magoado. Chamou minha mãe de prostituta e me expulsou de sua propriedade. Disse-me que eu estava louca se pensava que a filha iria querer se envolver com pessoas da minha laia! – Dio mio… – Leone empalideceu sob a pele morena, e parecia, sem dúvida, desejar não ter tocado em um assunto tão doloroso. – Birdie é toda a família que tenho – afirmou Misty, tensa. – Devia estar louca quando resolvi desenterrar o ado de minha mãe. Tudo que consegui foi ser rejeitada e amargar humilhações. Leone a segurou pelos braços e a puxou de volta contra o corpo, ignorando-lhe a resistência.
– Nunca mais tocarei neste assunto. Mas ele havia despertado emoções que não eram tão simples de esquecer. Sentindo-se vulnerável e precisando ficar só, Misty rolou para fora da cama e buscou refúgio no toalete. Abriu as torneiras da banheira porque lágrimas lhe rolavam pelo rosto e ela temia que um soluço lhe escae da garganta e chegasse aos ouvidos de Leone. Surpresa de ver o vapor se erguer, esperou um pouco e imergiu o corpo na água quente. Em seguida, agachou-se com a cabeça pousada sobre os joelhos, desejando que a dor e o tormento que haviam crescido a ponto de ofuscar o ato sexual carregado de paixão se dissiem. Por que confidenciara detalhes tão pessoais a Leone? O arrependimento e a vergonha a despedaçavam. Reconhecera o choque e o transtorno estampados naqueles olhos dourados. E não podia sequer culpá-lo pela oferta ingênua de tentar encontrar sua irmã gêmea. Leone não tinha ideia da sensação de ter aquele tipo de ado. Por certo, conhecia cada membro de sua árvore genealógica no mínimo há três gerações. As famílias italianas não eram famosas pela união de seus membros? Algum tempo depois, uma batida na porta lhe interrompeu os pensamentos, mas Misty a ignorou. Ainda assim, ele entrou. – Consumi toda a água quente – disse ela, sem erguer o olhar. – Fui até a sala de estar buscar uma dose de conhaque e Murdo me surpreendeu no ato – disse Leone, em um tom de voz baixo e aborrecido. O divertimento penetrou as defesas tensas de Misty ao imaginar cena tão descabida. – Oh, Deus… – Então, o mínimo que pode fazer é bebê-lo. – Está bem… sairei em um minuto – prometeu Misty, um sorriso sutil e hesitante dissipando a tensão dos lábios carnudos. Talvez, apenas talvez, em troca, devesse adoçar o café de Leone da próxima vez.
Capítulo 6
MISTY MUDOU de posição e se espreguiçou, sonolenta. Uma série de pontos doloridos e dores incomuns a assaltaram, trazendo-lhe à mente a noite anterior. Leone… O calor daquela lembrança se desenrolou dentro dela sobrepujando todas as outras. Tudo que desejava era se aninhar no casulo de felicidade que começara a se formar em algum momento da noite anterior. Mas aquele era apenas um caso ageiro, Misty se apressou a corrigir os pensamentos, enquanto tentava suprimir as preocupações que começaram a vir à tona: a ciência de que não sabia o que estava fazendo, a aflição pelo fato de ter permitido que a tentação triunfasse sobre a costumeira cautela. Afinal, não era uma mulher adulta, capaz de tomar as próprias decisões? Pelo menos uma vez na vida queria viver o presente e sorver cada segundo destituído de promessas. Mas, naquele momento, era como se seu mundo transbordasse de promessas. Misty abriu os olhos. As cortinas haviam sido abertas e a neblina penetrava no quarto. Leone se encontrava parado diante da janela, o físico alto e forte realçado pela jaqueta desbotada e uma calça de sarja escura bem cortada. Misty o observou com impotente iração. Aquele homem era uma companhia extraordinária e um sonho na cama… em frente à lareira… e em outros lugares. Como pudera imaginar que o odiava? Teria utilizado aquele sentimento como autodefesa? Uma forma de negar a realidade de que se encontrava irremediavelmente atraída por aquele homem? Sentia-se tão agradecida pelo fato de Leone lhe ter derrubado as barreiras, tão satisfeita por não ter se privado da sensação de bem-estar consigo mesma que ele a fazia sentir. O telefone celular de Leone vibrou e ele o retirou do bolso e começou a falar em italiano, a voz algumas oitavas mais baixa e o tom ansioso. Com evidente tensão, ele começou a andar de um lado para o outro em frente à janela. Por fim, Misty conseguiu avistar o rosto moreno e, no mesmo instante, a felicidade que experimentava começou a se esvair, como água que vazasse de uma jarra quebrada. Leone parecia aborrecido, com o mesmo semblante com que lhe fizera aquela proposta bizarra no escritório da Brewsters, sem nenhum traço de humor ou do homem que agira como um amante apaixonado, horas atrás. As sensações acolhedoras e agradáveis que haviam florescido no íntimo de Misty começaram a murchar. Leone parecia arrependido, muito arrependido, decidiu, tristonha. Ele se levantara da cama,
vestira-se e a deixara dormindo. Com base nos livros que lera e nos filmes que vira, podia identificar apenas uma exceção que fazia o comportamento de Leone diferir daquele que os homens costumavam ter, após uma noite de sexo sem compromisso. E qual era a exceção? Leone ainda se encontrava ali, no mesmo quarto e na mesma residência que ela. E por quê? Graças às circunstâncias, não lhe restava muitas opções. Vê-la à luz do dia o teria feito imaginar o que o havia atraído na noite anterior? Ou seria Leone um daqueles detestáveis mulherengos, que perdiam o interesse na mulher no instante em que a caçada chegava ao fim? Não que a caçada tivesse sido longa, concedeu Misty. Em algum momento teria flertado com ela? Não. Apenas interpretara os sinais que ela não conseguira esconder e dera o bote. Mesmo para uma noite de sexo sem compromisso, ela havia sido muito fácil. O simples fato de pensar em si mesma daquela forma depreciativa a magoava, mas uma parte de Misty parecia ávida por esfregar aquela humilhação e dor em seu rosto. Havia se enganado em pensar que estava no controle da situação, capaz de lidar com o que quer que acontecesse. No minuto em que as coisas desandaram, sentira-se mortificada e mais uma vez impotente diante da dor da rejeição. – A que horas é servido o café da manhã? – perguntou Misty, com estudada naturalidade, lutando contra aquela vulnerabilidade agonizante com todas as forças, quando ele desligou o telefone. Leone girou em um impulso. As feições do rosto moreno estavam contraídas. Por uma fração de segundo, deixou transparecer a tensão na postura que adotava, mas logo em seguida a boca sensual se curvou em um meio-sorriso. Algo forçado. Doze horas atrás, não saberia perceber a diferença, mas muita coisa havia mudado naquele intervalo de tempo. – Temo que tenha perdido o café da manhã. São quase 13h – informou Leone. Desconcertada pela informação, Misty se sentou na cama, mas, quando o lençol escorregou lhe revelando os seios, apressou-se em puxá-lo até o pescoço, de repente desconfortável com a própria nudez. – Devia ter me acordado! – Para quê? Para a pescaria obrigatória, em plena chuva? – Como…? – Misty descobriu que não conseguia lhe sustentar o olhar. A habilidade em se concentrar estava em níveis cada vez mais baixos. As emoções fervilhavam em seu íntimo, com os sentimentos de vergonha e autoaversão exacerbados pela raiva crescente. Por que Leone não a deixara em paz? Dormir com ela teria sido uma forma cruel de rebaixá-la e puni-la por tê-lo enfrentado? Seria ele esse tipo de homem? Não sabia mais o que pensar. Tinha a sensação de que mais nada sabia, mas o orgulho veio socorrê-la, impedindo-a de ser engolfada por aquele turbilhão. – O restante dos hóspedes chegou do hotel local e, a maioria deles, foi pescar no lago. Acho que se trata de uma tradição. Misty podia ouvir a chuva fustigando a janela e mal conseguiu suprimir um tremor. – Inventei a desculpa de que você estava muito cansada da longa jornada de ontem… – Você disse… o quê? – Por puro acaso, Misty lhe dirigiu o olhar. – Não gosto de pescar – informou Leone com o olhar velado. Ele também não parecia capaz de fazer contato visual direto. Na verdade, soava um tanto desesperado. – Pensei que pudesse tolerar isso por algumas horas; afinal, viemos até aqui para desfrutar da companhia dessas pessoas. As mulheres também foram pescar? – Algumas. – Tenho certeza de que deve haver um par de galochas para eu pegar emprestado. É uma pena que não tenha me avisado sobre a pescaria. Não trouxe nada adequado para usar. – Misty se esforçava para
manter a voz tranquila. – Devemos estar parecendo os hóspedes mais intratáveis do planeta. Chegamos tarde, roubamos conhaque e continuo na cama na tarde do dia seguinte. – Ted Garrison é um político influente. Seu único interesse em nossa presença aqui é saber com quanto poderei contribuir para sua última causa – informou Leone, sarcástico. – Poderíamos ar o fim de semana inteiro na cama que ele não se importaria nem um pouco. – Sem querer ofendê-lo – murmurou Misty com um sorriso luminoso lhe curvando os lábios carnudos, enquanto pegava a camisola e começava a vesti-la –, o sexo foi ótimo para dissipar os resquícios de uma noite enfadonha, mas estaríamos nos enganando em pensar que seria o suficiente para nos divertir por um final de semana inteiro! Leone pareceu congelar. Ela escapou para o toalete, mas conseguiu relancear um olhar na direção dele. O perfil bem marcado estava rígido. Aquilo o surpreendera, sem dúvida alguma. Leone não esperava que fosse ela a atirar o balde de gelo sobre o que acontecera entre os dois, mas jamais permitiria que aquele ego exacerbado acreditasse que a noite anterior havia significado alguma coisa para ela ou que estivesse disposta a repetir a experiência. Após lavar o rosto, Misty percebeu os olhos se encherem de lágrimas e torceu o nariz, furiosa. Mesmo que aquilo a matasse, iria se recompor e agir como se nada tivesse acontecido. Quando emergiu do toalete, o quarto estava vazio. Misty vestiu uma blusa de gaze lilás, com apliques de pérolas e uma saia que lhe chegava à altura da panturrilha. Em seguida, colocou um cardigã com acabamentos em veludo, escovou o cabelo até domá-lo em uma aparência agradável e aplicou maquiagem. Estava na hora de desempenhar seu papel: era a falsa amante, mais interessada em moda e aparência feminina do que em pescar e incapaz de se vestir de modo casual até mesmo para um fim de semana em um castelo da Escócia. Enquanto descia a escada de pedra sinuosa, com cuidado para não tropeçar nos saltos altos, ouviu o som de cadeiras sendo arrastadas, seguidas de um burburinho de vozes vindas do corredor abaixo. Penetrando em um salão, onde um fogo bem-vindo ardia na lareira, mas que parecia vazio, Misty hesitou por um instante. Mas logo um ruído sutil a despertou para o fato de que não estava sozinha. Um homem distinto, de cabelo escuro, com incipientes fios prateados nas têmporas, havia acabado de entrar. Com expressão aborrecida, retirava uma jaqueta encharcada. Então olhou na direção de Misty e paralisou. Uma linha profunda lhe vincou o espaço entre as sobrancelhas, enquanto estreitava o olhar. – Olá… – Misty corou diante de tão intenso escrutínio, imaginando se o traje que havia escolhido fora tão inadequado. – Sabe para onde foram todos? – Acho que estão almoçando. Tinha a esperança de não estar muito atrasado, já que a perspectiva de um piquenique à beira do lago não me parece muito atraente com esse tempo. – Exibindo um sorriso charmoso, o homem se projetou para a frente, estendendo-lhe a mão. – Sou Oliver Sargent. – Misty Carlton… – No instante em que ouviu o nome do homem, ela o reconheceu. Aquele era um dos políticos favoritos de Birdie, dado a proferir o tipo de discurso sentimental que falava fundo ao coração da mãe de criação. Sargent Oliver lhe apertou a mão, mas a soltou no mesmo instante, quando Misty se apresentou. Porém, antes que ela pudesse imaginar a razão daquela retração repentina, uma senhora de cabelo grisalho, trajada com um conjunto de lã, avançou na direção deles.
– Meu Deus, Oliver! Você está pálido. Está se sentindo bem? É melhor tirar essas roupas molhadas. – Sem parar para respirar, a mulher se referiu a Misty. – Sou Peg Garrison. Você deve ser Misty. É tão bom ter jovens por perto para variar. Suponho que Leone a tenha abandonado… Misty não conseguiu conter a tensão. – Como disse? – Leone e Ted pegaram um barco no lago. Ted me telefonou do celular. Duvido que os vejamos antes da festa, esta noite. Ted raramente encontra alguém que goste tanto de pescar quanto ele, portanto deve querer tirar o máximo de proveito da situação. Tomada de surpresa com aquela revelação, após ouvir o que Leone dissera sobre o mesmo assunto, um pouco antes, Misty se descobriu sequestrada pela anfitriã até uma sala, onde várias pessoas mais velhas estavam reunidas. Sentou-se à mesa e contemplou a diminuta porção de salada que a aguardava. – Sempre tentamos nos alimentar bem, antes de virmos para cá. – A mulher ao lado dela sussurrou, com uma risada pesarosa. – Creio que esteja hospedada aqui. – Sim. – Misty girou com um sorriso na direção da mulher de cabelo louro desbotado. – Um erro que só cometerá uma vez, como fizemos. O hotel é muito mais confortável. Sou Jenny Sargent. – Acho que conheci seu marido, no saguão. – Oh, Oliver já voltou? Ele não gosta muito de pescar, mas Ted está sempre em busca de alguém para compartilhar suas atividades favoritas. – Sou Misty Carlton. – Misty é o diminutivo de outro nome? – A mulher continuou puxando assunto. – Melissa, mas ninguém me chama assim – confessou Misty, consumindo a salada devagar, na esperança de persuadir o estômago faminto de que se tratava de um banquete em vez de um petisco. Imaginava Leone em um barco, sob a chuva forte, e esperava que ele se sentisse mareado, ficasse molhado até a medula dos ossos e tivesse uma péssima tarde. O marido de Jenny, Oliver, apareceu em algum momento no meio da refeição e se sentou ao lado dos anfitriões, que debatiam sobre o quanto era desnecessário um sistema de aquecimento central, enquanto os convidados tentavam controlar o tiritar dos dentes à medida que consumiam as míseras porções de salada. Estaria Leone interessado em política? Misty não conseguia atinar por que diabos ele resolvera ar um final de semana inteiro ao lado daquelas pessoas. Os demais convidados pertenciam a uma geração diferente e toda a conversa girava em torno da política, em vez de negócios. Talvez Leone desejasse apoio político em alguma questão que afetava as Indústrias Andracchi, refletiu ela. Em vários momentos, Misty surpreendeu Oliver arriscando um olhar na direção da esposa. Ao menos, parecia ser a mulher o alvo daqueles olhares, já que não conseguia imaginar por que ela lhe despertaria algum interesse. No entanto, Oliver tinha os olhos cinza mais frios que ela já vira e sabia que teria de ocultar certos detalhes quando o descrevesse para Birdie. Misty o achara um homem escorregadio, que flertava como louco com todas as mulheres presentes, debaixo do nariz da esposa, que era uma mulher bem mais agradável. Mas diria a Birdie que Oliver era um homem cheio de charme, para que não ficasse desapontada. O almoço foi seguido de um tour por todos os cômodos do Castle Eyrie. Misty se surpreendeu com o fato de que muitos dos comentários de Peg Garrison sobre a história do castelo eram direcionados a ela, embora estivesse bastante interessada. A construção era uma casa-torre fortificada de três andares, que
fora reformada várias vezes ao longo dos séculos, de modo que muitas escadas se situavam em posições estranhas e os corredores tinham ângulos de noventa graus. Mas os painéis de madeira e as janelas de batente tinham um charme todo especial. Na opinião de Misty, era uma pena os Garrison terem negligenciado daquela forma o castelo que usavam como casa de veraneio. – Agora que as crianças deixaram o ninho, Castle Eyrie se tornou muito grande para nós e pretendemos comprar uma casa de campo no Sul da França – informou a anfitriã. – Leone está interessado em comprar esta casa? – perguntou Jenny, parecendo surpresa, quando Peg Garrison seguiu adiante. – Não consigo imaginá-lo fã deste tipo de residência. Oliver…? – O marido se aproximou delas com um sorriso tenso. – Estava acabando de dizer a Misty que Peg parece pensar que Leone está disposto a comprar um castelo escocês. – Talvez esteja… – Quando Oliver Sargent dispensou um olhar intolerante que fez corar a gentil esposa, Misty se viu antipatizando cada vez mais com o político e ficou satisfeita quando alguém requisitou a atenção dele. – Conhecemos Leone através da irmã caçula… Um acidente trágico aquele. – Jenny Sargent suspirou, tristonha. – Battista trabalhava para Oliver na ocasião. Era uma menina encantadora. Os jovens e os carros velozes… Essa é uma combinação perigosa. Leone ficou arrasado com a morte da irmã. – Sim. – Misty estava recordando a palidez de Leone apenas em lhe informar que a bela jovem no retrato era a irmã falecida. Havia imaginado que Battista devia ter morrido de acidente de carro. – Desde então, acho que Leone ou a nos evitar e não o culpo por isso – prosseguiu Jenny, a compaixão evidente no rosto sem atrativos. – Tenho certeza de que nossa presença lhe traz lembranças desagradáveis sobre as últimas semanas de vida de Battista. Misty estava sentindo cada vez mais dificuldade em sorrir e conversar, portanto recebeu com alívio o fim daquele tour. O subconsciente traidor a banqueteava com imagens da noite anterior: Leone rindo por ter sido pego se servindo de conhaque e da promessa que fizera a Murdo de que reporia uma garrafa inteira logo pela manhã. O fato de ele ter percebido que Murdo temia ser acusado de ter tomado a bebida alcoólica e perder o emprego a surpreendeu, e percebê-lo compadecido a emocionou. Misty nunca sonhara que paixão tão extraordinária pudesse existir ou que pudesse sentir algo tão intenso. Dormir com Leone fora algo especial, mas a luz fria do dia havia sido rude e reveladora. Ou não? Teria o medo da rejeição a levado a uma reação exacerbada? Seria possível que o comportamento repulsivo de Leone não tivesse nada a ver com ela? Nem mesmo o telefonema que atendera mais cedo? Bem, ela se adiantara e agora estava feito. E fora melhor assim, certo? O calor a envolveu quando abriu a porta do quarto que ocupavam. Leone se encontrava parado diante do fogo que ardia na lareira, trêmulo e molhado até a medula dos ossos. Exatamente como ela havia desejado horas atrás, enfurecida com a preocupação que a atingia. O cabelo negro se encontrava úmido e encaracolado. As feições morenas e bem esculpidas ainda estavam molhadas, e os olhos dourados brilhantes aram os dela. – Estava falando sério hoje, logo depois que acordou? – perguntou ele, sem rodeios. – Desconcertada, Misty estremeceu e se recostou à porta para fechá-la. Quando o encarou, em uma busca frenética por uma forma de responder àquela pergunta, sentiu o coração bater como um tambor contra as costelas, em seguida ameaçando parar de vez. Na tensão estampada nas belas feições morenas
conseguia ver o peso que poderia ter sua resposta, e aquilo a abalou. – Dio mio… não estava falando sério! – vociferou Leone, exibindo um vislumbre dos dentes brancos e lhe dirigindo um olhar furioso. – Então, por que disse aquilo? A cor abandonou o rosto de Misty ao mesmo tempo em que os joelhos começaram a tremer, mas ainda assim ela empinou o queixo. – Tive a impressão de que, se não dissesse aquilo, você o faria. – Jamais seria rude a esse ponto – retrucou Leone, com a mandíbula bem marcada em um ângulo agressivo. – Falou como se fosse uma prostituta. O rubor fez queimar o rosto de Misty. – Eu… – Não quero mais ouvi-la falar daquele jeito – interrompeu Leone. Misty se refreou. – Como se sentiria se eu tivesse falado daquela maneira com você? – questionou ele. Arrasada, respondeu ela em silêncio. Sua mente era um mar revolto e confuso pelo fato de estarem tendo aquele diálogo. Leone ainda a queria… ele ainda a desejava. Na verdade, importava-se o suficiente para questionar sua suposta rejeição. Uma sensação aquecedora a envolveu como um cobertor quente que a protegesse de uma nevasca, dissipando a dor de ter sido usada que ela tentara sufocar durante toda a tarde. – Vou pegar uma toalha para você se enxugar – disse ela. Leone resmungou algo em italiano que lhe pareceu muito rude. – Não me xingue – retrucou Misty, na defensiva. – Não estava xingando. Estava lhe dizendo… para nunca mais fazer isso comigo. – Está bem. Leone voltou a falar no momento em que ela alcançou a porta do toalete. – Eu a teria machucado menos se tivesse me avisado que era virgem. Despreparada para aquela revelação, Misty girou com um gesto brusco, com o rosto rubro. – Eu… – Eu pretendia lhe dizer isso ontem à noite, mas você parecia ávida por esconder o fato. Misty encarou os olhos dourados questionadores e resmungou: – Senti-me envergonhada. – Fiquei perplexo, mas ao mesmo tempo muito honrado por ter me escolhido – murmurou ele, com voz rouca. – Ainda mais à luz do que acreditava saber sobre você… – Flash e eu moramos no mesmo lar adotivo temporário durante anos. Éramos como irmãos. Leone sorriu. – Mas você foi noiva de Redding… – Não por muito tempo e, quer saber? Isso não é da sua conta – retrucou Misty, humilhada. – Acha mesmo que eu estava me queixando? – Quando ela tentou ar por ele, Leone a puxou contra o corpo e se apossou dos lábios carnudos com um beijo profundo. O assalto daquela boca sensual faminta e exigente foi o suficiente para fazer o mundo rodopiar em torno de Misty. A pélvis pulsava com o desejo carnal. Os dedos magros se fecharam sobre a jaqueta úmida de Leone e começaram a retirá-la ao mesmo tempo em que ela se colava ao corpo quente e musculoso com ferocidade. Com uma risada rouca, Leone a soltou e completou a tarefa de se livrar da jaqueta. Em seguida, ele a empurrou na direção da cama sem interromper o beijo e a ergueu nos braços para deitá-la sobre o
colchão. – Tenho de me arrumar para a festa… Os estonteantes olhos dourados escureceram, velados. – Quer mesmo ir? – Leone… – Com o coração disparado e os pensamentos confusos, Misty ergueu o olhar para encarálo e deixou os sapatos penderem dos pés. – É óbvio que temos de ir… – Nada é “óbvio”, amore. – Com exceção ao que diz respeito a como devemos nos comportar como hóspedes – resmungou Misty, observando-o retirar a camisa. Os olhos prateados iravam, arregalados, a extensão do peito moreno, coberto de cabelo negro. A simples visão daquele homem era capaz de lhe fazer o corpo todo vibrar de desejo. Não tinha controle sobre os próprios pensamentos ou sobre a forma como respondia às carícias de Leone. As mãos longas subiram, lentas e provocantes, pelas pernas aveludadas, erguendo-lhe a saia até encontrarem as meias com acabamento de renda seguras por ligas. Leone deixou escapar um gemido rouco de satisfação. – Isto é tão sexy… – E você é tão previsível… Para provar que Misty estava enganada, ele baixou a cabeça arrogante e escorregou a língua acima dos acabamentos de renda das meias. Ela deixou escapar uma risadinha abafada, mas a carícia provocou uma umidade quente no centro de sua feminilidade que a fez estremecer. Leone a ergueu, retirou-lhe o cardigã e a blusa, enquanto a beijava com um erotismo que a deixou zonza. – Santo Cielo… Quero me sentir dentro de você – rosnou ele, com uma ânsia quase furiosa, deitando-se na cama ainda seminu e afastando a lingerie delicada do caminho. Um gemido desinibido escapou da garganta de Misty, quando a ereção lhe encontrou o calor úmido entre as coxas. A ansiedade de Leone em possuí-la funcionava como um potente afrodisíaco. Tomada pelo mesmo desejo avassalador, ela ergueu os quadris o máximo que pôde e, no segundo seguinte, Leone se encontrava enterrado fundo dentro dela, investindo com movimentos bruscos e uma força que a fez gritar de excitação. Cada penetração lhe aumentava o desejo e a erguia cada vez mais alto, com uma onda após outra de prazer. Voltando a se sentar, Leone começou a livrá-la do restante das roupas, estacando apenas para acariciá-la e a deixando chocada com a capacidade que tinha de excitá-la. Misty escorregou os dedos pela massa espessa de cabelo negro e os curvou na mandíbula coberta com a insinuação da barba. Em seguida lhe capturou os lábios com renovada confiança. Não conseguia parar de tocá-lo, mas aquilo não a constrangeu, porque Leone estava fazendo a mesma coisa. Porém, nos recônditos de seu ser, agora sabia o que o fazia especial, e a força daquelas emoções a deixaram assustada… – ENTÃO, O que fez esta tarde? – perguntou Leone ao cair da noite, enquanto os dois cruzavam o patamar entre os lances da escada que desciam. Misty alisou com as mãos o glorioso vestido branco, frente única, que estava usando e ergueu o olhar ao rosto moreno e elegante que estampava um sorriso provocante.
– Almocei… de uma forma muito comedida, e fiz o tour oficial pelo castelo… é realmente belo. Oh, sim, e conheci Oliver Sargent… A mão que Leone pousara nas costas delicadas se contraiu. – Isso não pode ter sido possível. Oliver estava no outro barco que ficou no lago durante toda a tarde. – Ele deve ter escapado de alguma forma, porque estava entrando na casa no instante em que eu cheguei ao andar térreo. Leone a fitava com os olhos estreitados, tão escuros quanto um céu sem estrelas. A bela estrutura óssea do rosto irradiava tensão. – Ele foi simpático? – A princípio, sim… mas depois, não muito – retrucou ela, desconcertada, imaginando o que dera em Leone. – Simpatizei bem mais com a esposa dele. – Também a conheceu? – Leone ofegou em um tom de voz baixo e rude. – Eles não são seus amigos? – Não. – Esperava que eu me trancasse no quarto pelo resto do dia, apenas porque você não estava aqui? – questionou Misty. – Não. – Um músculo se contraiu na mandíbula de Leone, enquanto ele dava de ombros com um movimento fluido. – Isso não tem importância. Esqueça. Claro. Jenny Sargent não havia comentado que suspeitava que Leone os evitava pelo fato de o casal lhe trazer lembranças dolorosas da irmã, Battista? E, para confirmar o que a mulher dissera, Leone pareceu empalidecer sob a pele morena. Uma onda de compaixão a atingiu em cheio, dissipando-lhe a postura defensiva. Misty imaginou há quanto tempo a irmã de Leone tinha morrido e decidiu que a tragédia devia ser recente para sensibilizá-lo daquela maneira. Era uma grande festa e a primeira parada que fizeram foi no bufê oferecido por firmas contratadas. Um enorme salão havia sido esvaziado para abrigar uma pista de dança ornamentada com belos arranjos de flores. Misty flutuava pelo salão nos braços de Leone, tentando não imaginar qual seria o desfecho daquele relacionamento e lembrando a si mesma que nenhuma relação amorosa costumava vir com garantia de validade. Mas sabia que, após três anos, estava se apaixonando outra vez, e a constatação a aterrorizava. O relacionamento entre ela e Leone começara de forma errada e Misty se viu desejando voltar no tempo para ter uma segunda chance. Uma hora depois, ela prendeu a ponta do sapato na bainha do vestido e subiu para repará-lo. Quando voltou a descer, Oliver Sargent a abordou. – Gostaria de lhe dar um conselho amigável. – A voz do homem parecia levemente empastada, como se ele tivesse bebido além da conta, e a tensão lhe comprimia os lábios. – Do que se trata? – perguntou Misty, com a testa franzida. – Saia da vida de Leone Andracchi – disparou o homem mais velho em tom de voz baixo e sombrio. – Não confie nele. Leone está apenas usando você! Perplexa com aquelas palavras assombrosas vindas de um homem que ela mal conhecia, Misty o encarou, mas Oliver Sargent se apressou em girar nos calcanhares e se misturar aos demais convidados. E agora, o que ela deveria fazer? A animosidade entre o político e Leone era mútua, disso não tinha dúvidas. Mas por que teria ela sido arrastada para o meio daquela contenda?
Capítulo 7
NAS PRIMEIRAS horas da manhã seguinte, Misty se encontrava deitada, observando Leone dormir. A luz da alvorada incidia sobre a cama, bailando nas feições estonteantes do rosto moreno, realçando o comprimento excessivo dos cílios negros e descansando sobre os lábios sensuais. Em tão curto espaço de tempo aquele homem se tornara essencial para ela, mas que tipo de ligação possuíam, se não se sentia segura em compartilhar o aviso que lhe dera Oliver Sargent e em perguntar por que o famoso político a interpelara com conselho tão negativo? Mas que tipo de elo esperava ter com Leone, quando ambos estavam juntos há tão pouco tempo? Não estaria sendo insensata? Afinal, Oliver Sargent havia se excedido na bebida e, se não gostava de Leone, poderia estar apenas tentando lhes causar problemas. Mas, ao mesmo tempo, havia algo sincero na atitude do homem mais velho, uma certeza que a deixara em alerta. Mas Oliver Sargent era um político e ganhava a vida sendo convincente, lembrou a si mesma, exasperada, dedicando-se a observar Leone com uma satisfação possessiva. – Preciso saber no que dará este relacionamento – itiu Misty, na limusine que os levava de volta ao apartamento de Londres naquela tarde. O silêncio se estendeu como um pântano traiçoeiro. Com os cílios cor de azeviche lhe velando o olhar, Leone murmurou: – Ainda não posso lhe dar essa resposta. Misty deixou escapar um suspiro lento, mas a cor havia lhe abandonado o rosto. – Não serei sua amante. Presumo que ainda esteja trabalhando para você…? Leone enrijeceu e demorou um instante para considerar aquele aspecto, o que lhe sugeriu que aquele papel de amante já não era tão inalterável quanto antes. – Sim. – E pretende continuar a manter em segredo o motivo desta grande farsa? Leone dirigiu o olhar ao rosto tenso de Misty. – No momento, sim. – Então, voltamos aos termos estritamente profissionais – decretou Misty, sem hesitar. Os olhos dourados faiscantes a fitaram com patente incredulidade.
– Porca miseria! Isso seria ridículo! – Não me sentirei confortável com qualquer outro acordo. Não poderá ter as duas coisas – Misty o preveniu, enquanto uma sensação nauseante a assolava. – A chantagem costuma me tornar ainda mais obstinado – retrucou Leone, irônico. Misty corou. – Não o estou chantageando! – Estarei em Nova York durante toda a próxima semana. Pense no assunto durante a minha ausência. Quando digeriu aquela revelação inesperada, Misty percebeu que estava lidando com um mestre na arte de superar os competidores. O simples pensamento de Leone desaparecendo pelos próximos sete dias e deixando as coisas mal resolvidas entre eles era um golpe mortal. Como ele conseguira torná-la dependente em tão curto espaço de tempo? Misty lhe dirigiu um olhar desconfiado. Os olhos prateados exibiam uma mistura de ansiedade e ressentimento. – Não sentirei sua falta. – Está falando como uma criança de 7 anos, amore. – Leone fechou uma das mãos sobre o punho cerrado que ela pousara sobre o assento do carro. – Por que tanta avidez em estragar algo que está dando certo? – Talvez não esteja dando tão certo para mim – retrucou ela com voz afetada, mas não tentou soltar a mão. Misty ou a metade da semana seguinte com Birdie, e Leone lhe telefonou duas vezes. Acostumada aos dias atribulados que tivera em Fossetts, sentia as horas se arrastarem quando retornou a Londres. Na penúltima noite, ao se descobrir com os olhos cravados no telefone, como uma mulher desesperada e pegajosa, forçou-se a ir ao cinema. Porém, apenas quando estava prestes a dormir, naquela mesma noite, foi que se deu conta de que seu ciclo menstrual estava vários dias atrasado. Presumindo que a gangorra emocional em que vivera nos últimos dias havia afetado seu ciclo ovulatório, empurrou o assunto para o fundo da mente, sem maiores preocupações. Leone lhe telefonou às 2 horas da manhã. Sonolenta e com a guarda baixada, Misty ouviu a voz grave e arrastada que lhe fez os dedos dos pés enroscarem. – Meu voo chegará às 7 horas – murmurou Leone, com a voz tensa. – Da noite? – Dentro de algumas horas. – Oh… – Misty exibiu um sorriso largo na escuridão do quarto. – Portanto, volte a dormir – instruiu ele, com voz rouca. – Quando acordar, estarei aí. Aquilo lhe pareceu maravilhoso, mas Misty voltou a acordar às 5 horas da manhã. A excitação lhe mantivera a adrenalina em níveis elevados na circulação e, após uma batalha infrutífera contra o desejo sensato de se manter fria, acabou por decidir fazer o que realmente desejava: recebê-lo no aeroporto. Àquela hora, a pressa era essencial e, em tempo recorde, Misty vestiu uma calça de brim branco e uma blusa azul-turquesa vibrante. O táxi que ela chamara se atrasara e Misty teve de correr pelo aeroporto. Encontrava-se a uma distância de 6 m, quando viu Leone emergir no saguão. Estacando, ofegante, ela atirou o cabelo cor de cobre para trás e esperou até que ele a visse. Leone parecia preocupado e carrancudo, mas, ainda assim, estonteante.
Quando olhou na direção de Misty, pareceu congelar com o que só podia ser interpretado como uma expressão exasperada no belo rosto moreno. Ao perceber o repúdio de Leone à sua presença no aeroporto, ela girou nos calcanhares e começou a se afastar na direção oposta. Porém, uma fração de segundo depois, o mundo pareceu explodir em atividade ao redor de Misty. O flash de uma câmera espocou quase a cegando e a fazendo estacar de repente. Vozes gritavam seu nome. Ela recuou, chocada e confusa, sem entender o que estava acontecendo. A mente, ainda focada na expressão de desagrado de Leone quando a reconhecera, fez com que ela paralisasse, angustiada com aquela imagem. – Você sabia que Oliver Sargent era…? – Um homem perguntou, ansioso, apenas para ser empurrado por outro, que gritou: – Srta. Carlton… como se sente com o que acabou de saber? Revoltada? Amargurada? Outra câmera se focou nela, enquanto Misty continuava se afastando da horda de homens histéricos que a cercava. E, de repente, Leone estava penetrando a multidão, arrancando a câmera da mão de um dos homens que a filmava e a atirando para o lado com uma violência que a chocou ainda mais. – Afastem-se dela! – vociferou ele, envolvendo-lhe os ombros com um dos braços fortes e a puxando contra o corpo para protegê-la e evitar que as lentes intrusas lhe captassem a expressão chocada. – O que está acontecendo? – Misty quis saber. Dois seguranças brutamontes se incumbiram de abrir caminho e Leone a afastou da multidão de repórteres enfurecidos. – Um desses jornalistas mencionou Oliver Sargent! – ofegou ela. Mas não havia tempo para explicações. Os paparazzi não deram trégua e, quando Misty e Leone finalmente alcançaram a segurança da limusine, ela sentia os músculos doloridos e lhe faltava fôlego para falar. – Não me ocorreu que você pudesse vir me encontrar a esta hora no aeroporto – itiu Leone com genuíno pesar. – A imprensa estava aguardando para ouvir meus comentários. Quando a vi parada lá, percebi o inferno que iria se instalar. Você está bem? – Por favor, diga-me o que está acontecendo. – Misty ergueu uma das mãos trêmulas e a pressionou sobre a testa úmida, onde uma dor começava a latejar. Ainda assim, sentia-se aliviada em saber que o desconforto de Leone com sua presença no aeroporto não havia sido um sinal de rejeição, como interpretara. – Um tabloide está divulgando um grande furo de reportagem hoje e envolve você. Misty o encarou com os olhos arregalados. – Que diabos um furo de reportagem pode ter a ver comigo? Está se referindo a alguma história sobre você, que de alguma forma me envolve? – Não… – Os músculos faciais de Leone enrijeceram sob a pele morena, enquanto ele escolhia as palavras com visível cuidado. – Um amigo me avisou quando eu ainda estava em Nova York. Envioume por e-mail uma cópia do artigo… – Leone lhe estendeu o jornal dobrado. – Lamento muito… mais do que jamais lamentei qualquer outra coisa em minha vida. Por que Leone lamentava tanto? Misty abriu o jornal com um gesto brusco e se deparou com a primeira página. Acima de uma foto sua, tirada na noite da pré-estreia do filme, se encontrava o título da matéria: “SERIA ESTA A FILHA HÁ MUITO PERDIDA DE OLIVER SARGENT?” – De onde tiraram este absurdo? – perguntou Misty, observando o título e a foto pequena do político que havia conhecido em Castle Eyrie com patente incredulidade estampada nos olhos arregalados. – Sem um teste de DNA, esse tipo de afirmação não pode ser provada.
– Mas, com base na informação que tenho, há uma grande possibilidade de que Sargent seja de fato seu pai biológico. Juntas, aquelas duas informações penetraram a neblina da descrença de Misty e lhe fizeram a mente entrar em foco. Ela lhe dirigiu um olhar horrorizado, porque tudo em que conseguia pensar era na repulsa quase instintiva que sentira por Oliver Sargent. – Acredita de fato que esta história maluca possa ser real? Os olhos escurecidos de Leone pousaram nela com tensão palpável. – Sim. Sim? E com aquela única palavra tudo que Misty sabia sobre si mesma pareceu colapsar e se estilhaçar. Quando bem mais jovem, costumava imaginar quem seria seu pai, mas, como a falecida mãe se recusara a revelar, até mesmo para as assistentes sociais, acabara por aceitar que jamais ficaria sabendo. Portanto, o que poderia ser mais arrasador do que descobrir que um jornal sabia mais sobre sua origem do que ela própria? O jornal permanecia aberto no colo de Misty. Leone fora avisado e por certo o havia lido. A sensação de choque e humilhação eram terríveis. Poderia haver alguma verdade em tão audaciosa afirmação? Seria possível que Oliver Sargent tivesse tido um relacionamento com sua mãe anos atrás? Com as mãos trêmulas, começou a abrir o jornal. – Deixe para ler quando chegarmos em casa – aconselhou Leone. – Casa? – questionou Misty. – A esta hora seu apartamento deve estar cercado de jornalistas. Posso protegê-la melhor se estiver em minha casa. Misty o estudou, percebendo o tom de voz tenso e a preocupação encravada em cada linha do belo rosto moreno de Leone. Ele estava tentando ajudá-la, mas, se por um lado se sentia agradecida, por outro, se encontrava mortificada pela vergonha. – Voltou mais cedo de Nova York por causa disso – afirmou ela, sem conseguir disfarçar a tensão. – Sinto muito. – Não tem o que lamentar – afirmou Leone, com inesperada aspereza. – Eu fui o culpado disso. Como ele poderia ter sido culpado? Expondo-a aos olhos do público? Tornando-a uma fonte de interesse da impressa? Talvez ela tivesse maior parcela de culpa, pensou entorpecida: recusara-se a falar com os jornalistas que tentaram contatá-la. Se tivesse revelado alguns fatos sobre sua vida, talvez ninguém se interessasse em mergulhar fundo em sua história. Mas como alguém lograra descobrir o que ela não conseguira na busca por suas raízes? A mente ainda se recusava a aceitar o que afirmava aquele artigo no jornal. Como poderia ser filha de Oliver Sargent? E qual era a probabilidade de tê-lo encontrado uma semana antes de aquela notícia vir a público? Seria apenas uma incrível coincidência? – Não leia este lixo – disparou Leone, esticando a mão para lhe arrancar o jornal do colo, quando ela inclinou a cabeça para ler. – O que está fazendo? – perguntou Misty, perplexa. – Os tabloides sempre escrevem histórias sensacionalistas. Não perca seu tempo. Em um gesto involuntário, Misty fechou os olhos e engoliu em seco. Sabia que leria toda aquela reportagem e se ateria a cada palavra, mas seria melhor fazê-lo sem ter Leone como plateia. Devia ser uma matéria medonha para ele estar tão ansioso em impedi-la de ler. Leone lhe envolveu os ombros com um braço protetor e a guiou pelos degraus da enorme casa onde morava, antes que ela tivesse chance de apreciá-la. O olhar confuso de Misty vagou pelo espaçoso e
elegante saguão, antes de voltar, inexorável, ao jornal que Leone segurava na outra mão. – Tenho de ler isso – disse ela. Com relutância palpável, Leone lhe estendeu o jornal outra vez. – Vamos lá para cima. – Estacando para se referir ao criado em italiano, Leone a guiou na direção da imponente escadaria. – Vamos tomar café da manhã. Não sei se você está com fome, mas estou faminto. – Sim… – Misty não conseguiria comer nem se disso dependesse a própria vida, mas ainda assim o seguiu, esforçando-se para agir como se o mundo que conhecia não estivesse se desfazendo sob seus pés. – Tente entender que a imprensa está mais interessada em fritar Oliver Sargent vivo do que em seu lado da história… tente não levar isso para o lado pessoal – aconselhou Leone. Diante do conselho bem-intencionado, Misty teve de engolir em seco uma risadinha histérica que lhe formigava o fundo da garganta ressecada. Por que os homens costumavam se esquivar dos aspectos emocionais de qualquer evento e se concentrar nas praticidades? Leone de fato acreditava que, mesmo sendo uma mulher adulta, poderia descobrir através de um jornal a possibilidade de ser filha de um político famoso e não encarar aquilo como pessoal? – Sargent fez muitos inimigos na mídia – prosseguiu ele, determinado, guiando-a para uma sala de estar iluminada pela luz da manhã. – Eles estão interessados em prejudicálo; não têm nada contra você. Misty recordou ter lido um dos discursos de Oliver Sargent, sobre o número de bebês nascidos fora do casamento e o efeito que aquilo surtia na sociedade e nas crianças em si. Era um político constantemente atacado e aplaudido pela postura moral que costumava adotar. Misty podia imaginar como a revelação de que ele tivera filhas ilegítimas e as abandonara, juntamente com a mulher que as dera à luz, o coroaria como o mais vil dos hipócritas aos olhos do povo. – Não quero que se aborreça com isso. – O sotaque siciliano impregnou cada sílaba com a força do que ele estava sentindo. Absorvendo as primeiras frases adoçadas e a relação de fotos estampadas no jornal, Misty percebeu, com crescente desconforto, que fora retratada como objeto de compaixão do leitor. A opulenta casa de campo de Oliver Sargent era exibida ao lado da residência pequena e humilde em que Misty fora acolhida, antes de ser enviada a Fossetts. – O primeiro marido de sua mãe era um professor universitário, uma geração mais velho que ela – declarou Leone sem qualquer inflexão na voz, antes que ela pudesse prosseguir. – Ele a estimulou a fazer alguns cursos na universidade onde lecionava, a mesma em que Sargent cursava direito. – Não consigo imaginar minha mãe estudando – resmungou Misty, encolhendo-se ao constatar que a impressa descobrira que fora uma criança problemática, que faltava à escola com frequência. E era verdade, mas se tornara uma estudante assídua quando tinha ido morar em Fossetts, aos 12 anos. – O caso entre os dois se tornou público quando o marido de sua mãe descobriu através de exames de sangue que não poderia ser o pai dos bebês que ela esperava. Sua mãe procurou o apoio de Sargent, mas ele lhe virou as costas. Tivera um relacionamento com ela, mesmo sendo noivo de Jenny. Misty lembrou-se da mulher agradável que conhecera em Castle Eyrie e uma onda de náusea lhe revirou o estômago. Aquela senhora estava prestes a descobrir que o marido tivera filhos com outra mulher durante o tempo em que eram noivos. Jenny também se sentiria traída, amargurada e profundamente ferida.
Na reportagem, a infância infeliz e desamparada de Misty era comparada à vida de opulência e privilégios de Oliver Sargent. Ela prosseguiu, lendo aquele extermínio de reputação com uma sensação desgostosa até chegar a um ponto que a fez suar frio. O rompimento de seu noivado com Philip era mencionado. “Philip terminou o relacionamento quando soube que Misty não poderia ter filhos”, uma suposta amiga havia revelado. – Não… – Um gemido amargurado escapou da garganta de Misty diante da exposição de seu mais íntimo segredo, fazendo-lhe o estômago revirar. Retirando-lhe o jornal das mãos, Leone lhe envolveu o corpo trêmulo com os braços. Invadida pela dor, vergonha e o pensamento agonizante de que ele havia lido aquelas mesmas palavras, Misty se soltou ao mesmo tempo em que um soluço lhe escapava da garganta. – Saia daqui… – disse ela, com a voz trêmula. – Deixe-me lidar com isto sozinha. Mas Leone persistiu. Com uma feroz objeção no próprio idioma, ele a envolveu nos braços outra vez, com uma força que aniquilava a resistência de Misty. Incapaz de conter por mais tempo as emoções tumultuosas que a assolavam, ela permitiu que as lágrimas lhe escorressem pelo rosto. Poderia ter ado a notícia surpreendente de Oliver Sargent ser seu pai biológico, embora aquilo ainda lhe parecesse irreal, mas ver estampada no jornal a própria esterilidade era muito doloroso para ar. – Per amor di Dio… Não poderia protegê-la disto. Era tarde demais. – Com voz grave e arrastada, repleta de pesar, Leone a puxou contra a rigidez do próprio corpo. – Não deixe que isto a afete tanto. Misty ergueu os olhos úmidos e reconheceu a tensão feroz estampada em cada traço do belo rosto, que parecia transtornado. – Não quero ver você envolvido nesta confusão – declarou ela. – Isto só faz com que me sinta pior! – Estou envolvido. Mais do que você possa imaginar. – Leone baixou o olhar para encará-la com o semblante assombrado no rosto pálido. Misty pensou que ele estava se culpando por tê-la exposto à imprensa e gesticulou a cabeça em negativa com um gesto veemente. O movimento lhe afastou as mechas de cabelo sedoso do rosto. – Isso não é verdade. – Tudo que está escrito nesse jornal só serve para enfatizar a mulher especial que você é – afirmou Leone com convicção. – Ser infértil é muito especial – disparou Misty, com amargura na voz. – Oh, sim, muito especial! Envergonhada, humilhada e arrependida por ter deixado escapar aquela resposta, ela se soltou do círculo protetor dos braços de Leone e girou para se afastar, mas os dedos longos se fecharam sobre os dela, entrelaçando-os e tornando impossível qualquer escape. – Isso não tem importância para mim – insistiu Leone, com aspereza enfática. Enquanto Misty deixava escapar um suspiro trêmulo, teve vontade de chorar diante daquela declaração. Por que diabos Leone deveria se importar com o fato de ela não poder ter filhos? Afinal, não estava pensando em se casar com ela. Mas, não importava qual fosse a realidade, tinha de itir que, ainda assim, não queria que ele ficasse sabendo de seu segredo. Temia que, como seu ex-noivo, Leone começasse a vê-la como uma mulher incompleta. Misty se recostou ao corpo forte, sentindo as últimas e frágeis defesas sucumbirem. Ela o amava e aquele sentimento se tornava ainda mais profundo pelo fato de Leone a estar apoiando, quando tantos homens se afastariam ao menor sinal de confusão ou escândalo. Girando, ela envolveu o torso forte com os braços e ergueu o olhar para encará-lo com os olhos prateados repletos de emoção.
– Faça amor comigo – sussurrou, em tom suave. Traindo a consternação que sentia, Leone enrijeceu. – Misty, eu… Empalidecendo, ela o empurrou com uma força que o pegou de surpresa. – Esqueça – disse, arrasada. Quando começava a se encaminhar com adas firmes na direção da porta, Misty se viu erguida nos braços fortes. – Santo Cielo! Como pode pensar que não a quero? Desejei-a a cada hora que estive longe de você! – confessou ele, com a voz carregada de emoção. Uma onda de alívio a engolfou. Naquele momento, nunca se sentira tão desesperada por se perder na paixão de Leone e se certificar de que, independentemente das revelações daquele tabloide sensacionalista, ele a ainda a achava atraente. – Mas, antes, temos de conversar – completou Leone com voz rouca a baixa. – Mais tarde… nada mais me importa agora. – Misty… – Cale-se – disse ela, inclinando a cabeça para se apossar daquela boca sensual. Com um gemido profundo, Leone aceitou aquele convite com uma disposição feroz. Cruzando o corredor, empurrou com o ombro a porta de um quarto que ostentava uma decoração masculina em tons de verde. Em seguida, deitou-a na cama e se inclinou sobre ela. – Tem certeza de que é isto que quer? – perguntou ele, com a voz carregada de excitação. – Bem, se quiser tomar café da manhã antes, serei capaz de compreender. Naquele instante, o telefone celular de Leone tocou. Ele o desligou e o atirou para o lado, com total indiferença. Os olhos dourados ardentes relutavam em se desviar dos dela por sequer um segundo. O que ele respondeu sobre a possibilidade de tomar café da manhã antes de fazerem amor foi curto e sucinto. Misty se esforçava ao máximo para não pensar na história publicada pelo jornal ou em Oliver Sargent. Mas era impossível não lembrar como o homem que talvez fosse seu pai biológico tentara se interpor entre ela e Leone, prevenindo-a para não confiar nele. Agora, entendia as motivações daquela abordagem audaciosa. No instante em que dissera seu nome, Oliver Sargent devia ter sabido quem ela era e ara a vê-la como uma ameaça à preciosa reputação que possuía. Aquele comportamento por si só confirmava que ele acreditava ser seu pai. Teria presumido que ela também soubesse? Um arrepio a varou. As peças estavam todas se encaixando e aquilo a assustava. E, naquele instante, outra compreensão a atingiu em cheio, fazendo-a voltar um olhar inquiridor a Leone. – Você sabia que eu era filha de Oliver Sargent o tempo todo! – exclamou para o homem parado na beirada da cama, observando cada mudança de expressão que se operava em seu rosto. – De alguma forma descobriu enquanto me investigava… certo? Com a expressão de um homem sentado no banco dos réus, enquanto era acusado de assassinato, Leone confirmou com um gesto de cabeça, exalando tensão por todos os poros. – Tudo bem – afirmou Misty com voz suave e os olhos enternecendo sob os cílios longos, porque ao mesmo tempo em que o acusara de saber daquele fato se recordou do comportamento estranho de Leone enquanto visitavam Castle Eyrie. Ele não poderia ter adivinhado que Oliver Sargent estaria lá e tratara de mantê-la afastada do pai biológico. Mostrara-se chocado quando ela revelara que o havia conhecido e se esforçara, sem sucesso, a persuadi-la a não comparecerem à festa, naquela mesma noite.
– Não quero mais falar sobre isto – afirmou Misty, transtornada. – É inútil. Agora que sei de toda a verdade, entendi por que Oliver Sargent parecia assustado de estar na mesma sala que eu. Vivi minha vida toda sem um pai e não vai ser agora que vou procurar um. O erro foi dele, não meu. Leone a observou com a mesma sobriedade de uma estátua de pedra. Em seguida, deitou-se na cama e a puxou para os braços. – Mas você ficou muito magoada com tudo isso. Com os olhos banhados de lágrimas, Misty fingiu socar um dos ombros largos de Leone. Descobriuse tentada a lhe dizer que nada de fato importava, que seria capaz de ar qualquer coisa, desde que o tivesse ao seu lado, mas era demasiado cautelosa para arriscar tão franca confissão. – Pare de ser meloso! – disse ela, empurrando-o. Pego de surpresa, Leone caiu sobre o colchão. irado, ele ergueu os olhos dourados brilhantes para encará-la. – É uma mulher e tanto, bella mia. – Sim… – Deitando-se sobre ele, Misty começou a lhe retirar a gravata. – E como está se mostrando muito tímido em se despir, eu lhe farei esse favor! – Detesto ficar me repetindo… mas de fato precisamos conversar – insistiu Leone, com um fio de voz. – Deixou de me desejar, certo? – sussurrou Misty, insegura, a cor se esvaindo das feições delicadas. Leone esticou uma das mãos e enterrou os dedos longos no cabelo cor de cobre antes que ela pudesse se afastar outra vez e, com a outra, pressionou-lhe os quadris à rígida evidência da excitação que pressionava a braguilha da calça feita sob medida. – Desculpe por ser tão explícito, mas fico neste estado sempre que me aproximo de você. Misty estremeceu em contato com aquela prova de desejo. – Sempre? – Se eu soubesse o que seu ex-noivo fez com você três anos atrás, eu o teria esquartejado quando o conheci! – rosnou Leone. Tranquilizada, Misty começou a trabalhar nos botões da camisa que a impedia de sentir o peito musculoso. – Há muito tempo deixei de lamentar esse fato. Leone se sentou na cama e se livrou do blazer do terno. – Venha morar comigo. Diante do convite repentino, Misty o encarou, atônita. – Nunca propus isto a nenhuma outra mulher – itiu ele, com a mesma brusquidão vacilante. Era óbvio que Leone não estava seguro da proposta que acabara de fazer. Aquela impulsividade a deixou abalada, mas foi o fato de ele não conseguir disfarçar a insegurança que mais a magoou e a fez forçar uma risada. – Preciso saber muito mais sobre você, antes de sequer considerar me mudar para Londres por sua causa. Misty observou a expressão desconcertada refletida nos olhos cor de ouro escurecido. Leone era um homem tão orgulhoso e arrogante que o aparente senso de humor que ela demonstrava lhe atingiu o ego como uma adaga afiada. – Não permitirei que volte para Norfolk. – O mundo não gira em torno de você – retrucou Misty, em tom provocador. No segundo seguinte, ele a girou, fazendo-a cativa sob seu corpo. A língua ousada lhe violou os lábios com um beijo
possessivo, e a Misty restou apenas a constatação de que o próprio corpo era capaz de se inflamar ao simples toque daquele homem. – ei a semana inteira tomando banhos frios – ronronou ele contra os lábios carnudos. Leone escorregou para fora da cama com evidente relutância e começou a se despir com toda a impaciência de um homem excitado. Aquela simples visão fez o coração de Misty dar cambalhotas dentro do peito. Livrando-se do jeans, ela ergueu os braços, arqueou as costas e retirou a blusa. – Você pode tirar o resto… é ótimo nisso – disse ela, reclinando-se contra os travesseiros. A autoestima parecia restabelecida pela certeza de ser desejada. Os olhos dourados brilhantes, quase velados pelos cílios negros e longos, procuraram os dela. – Estive treinando para quando a conhecesse. Misty soltou uma risadinha involuntária. – Já ouvi muitas desculpas, mas essa é impagável. – Você é tão resiliente – elogiou Leone, estudando-a com uma fascinação lisonjeira. – Pensei que a matéria daquele tabloide a desmontaria – Ele voltou a se deitar, a pele bronzeada e firme, os músculos rígidos e a ereção evidente. Misty sentiu a boca ressecar enquanto se derretia por dentro em resposta àquela beleza estonteante. Não. Não se desmontaria enquanto tivesse o apoio de Leone, concedeu ela em silêncio e sem hesitar. Quando ele lhe desabotoou o sutiã, um tremor violento lhe varou o corpo. Um gemido alto lhe escapou da garganta ao sentir os dedos longos lhe explorando os seios que se encontravam demasiado sensíveis. Ao simples toque de Leone os mamilos se enrijeceram, espalhando-lhe labaredas de fogo por toda a pele e a fazendo corar. – Mereço algum crédito por perceber a beleza que se escondia sob aqueles terninhos cor de concreto e sem formas que você usava – disse Leone, em um sussurro rouco. – Nunca me senti bonita até perceber o modo como me olhava – confidenciou Misty, com sinceridade impotente. Leone a estirou sobre a cama como uma vítima ávida por se entregar em sacrifício e deu início à exploração sensual dos seios fartos e sensíveis, descendo para o abdome macio que estremecia a cada beijo molhado. Com movimentos fluidos e precisos, ele a livrou da calcinha para se deparar com o centro da feminilidade de Misty, que suplicava para receber igual tratamento. O desejo por aquele homem era tão avassalador que nada além do preenchimento total parecia capaz de satisfazê-la. Porém, em breves instantes, ela estava imersa em uma névoa de sensualidade, contorcendo-se e ofegando. Misty se agarrou ao cabelo negro, aos ombros largos, entregando-se ao prazer voluptuoso provocado pelo erotismo do que Leone estava fazendo com ela. O clímax a surpreendeu, arrastando-a em um turbilhão de sensações que a fizeram explodir em uma chuva de fogos de artifício. – Espero que não tenha de se ausentar outra vez tão cedo. – Misty ofegou, quando os espasmos de prazer abrandaram. – Também senti sua falta, amore… – Leone a penetrou com um único e suave movimento, e ela fechou os olhos outra vez para se deixar arrastar naquele tsunami de êxtase. Leone a levava a alturas inimagináveis, fazendo-a experimentar sensações selvagens e deliciosas. Arqueando os quadris no ritmo fluido das investidas de Leone, ela soluçou alto quando atingiu o ápice do prazer com intensidade redobrada. Porém, dessa vez, quando desceu de volta à Terra, a sensação de que nunca haviam estado tão próximos e os sonhos de felicidade que ganhavam contornos de realidade lhe fizeram lágrimas brotarem aos olhos.
Leone deixou escapar o ar com um sibilo ruidoso, beijou-a com extrema ternura e a envolveu em um abraço que, de tão apertado, beirava o desconforto. – Agora, tomaremos café da manhã, conversaremos… e terá de me prometer que não fará nenhum julgamento precipitado até ouvir tudo que tenho a dizer. Que diabos Leone tinha tanta necessidade de lhe dizer? Seria sobre o convite que lhe fizera para ir morar com ele? O que mais poderia ser? Por que motivo ela chegara à conclusão de que aquela fora uma sugestão impulsiva? Afinal, Leone não era o tipo de homem de tomar decisões intempestivas. Ao contrário. Na maior parte do tempo, ele lhe dava a impressão de ser do tipo que planejava tudo nos mínimos detalhes. Além do mais, como Leone insistira para que conversassem desde o instante em que entraram naquela casa, era mais provável que tivesse acalentado a ideia de morarem juntos durante a viagem que fizera a Nova York.
Capítulo 8
NA IMPONENTE sala de jantar no andar térreo, Misty adoçou o café de Leone com movimentos teatrais e deliberados. – Acha que é capaz de ficar séria por alguns minutos? Misty o encarou com um divertimento tristonho nos olhos prateados. Percebeu que Leone exalava seriedade suficiente para os dois, mas não conseguia se concentrar. Poucas horas atrás, vira seu mundo ruir, mas agora, embora soubesse que ainda teria de lidar com o que ficara sabendo sobre Oliver Sargent, o sentimento preponderante em seu coração era uma felicidade borbulhante. Quando o criado ergueu o cloche do prato de ovos, bacon e salsichas que pedira e o familiar aroma da carne de porco frita lhe invadiu as narinas, algo bastante incomum aconteceu com o sistema digestivo de Misty. Assaltada por uma onda de náusea inável, ergueu-se da cadeira em um pulo e correu na direção do lavabo. Leone bateu na porta que ela havia trancado. – Tudo bem com você? Segurando-se na bancada da pia para se manter de pé, Misty observou o rosto pálido no espelho e suprimiu um gemido. O estômago ainda revirava, e ela se sentia tonta. Misty lavou o rosto, pensando na falta de sorte de sucumbir a um mal-estar embaraçoso bem no instante em que desejava parecer e se sentir ótima. Emergindo do lavabo, viu-se objeto do olhar inquiridor de Leone e se apressou em dizer, com animação forçada: – Não estou com tanta fome assim. – Está doente? – Claro que não. – Misty agradeceu o fato de ter aplicado um pouco de blush nas bochechas do rosto e renovado o batom. De volta à sala de jantar, limitou-se a sorver um gole do chá. – Estava querendo ter uma conversa séria – lembrou-o, com expressão alegre. Leone ainda não havia tocado em seu café da manhã, e as belas feições morenas estavam contraídas pela tensão.
– Primeiro, quero lhe contar sobre minha irmã, Battista… No mesmo instante, Misty entendeu o motivo daquela tensão, sensibilizada e satisfeita por ele decidir lhe confidenciar aquela história. – Battista conseguiu um cargo na equipe de pesquisas de Oliver Sargent, no verão ado – começou Leone, com os lábios comprimidos. – Estava com 19 anos e se apaixonou por ele. – É mesmo? – perguntou Misty, parecendo surpresa. – Oliver Sargent dormiu com minha irmã. Chocada com a revelação, Misty franziu a testa. – Tem certeza disso? – Absoluta. A melhor amiga de Battista ficou tão transtornada com sua morte que me contou toda a história. Sargent mantém seus casos extraconjugais com extrema discrição. Ele possuiu um chalé no campo, do qual apenas as amantes conhecem a existência. – Misty desviou a atenção do olhar amargurado de Leone. Então, o pai, que lhe era praticamente um estranho, era também um mulherengo, dado à desonestidade e à traição. Agora entendia o que havia causado a hostilidade entre os dois homens, a mesma que Jenny Sargent interpretara como lhe aprouvera, já que devia ignorar os fatos verdadeiros. – Na noite em que Battista morreu, ela estava dirigindo a caminho desse chalé, com Sargent ao seu lado. Porém, não consegui provar que ele também estava envolvido no acidente – itiu Leone, tenso. – O carro saiu da estrada. Não houve testemunhas. Minha irmã ficou presa nas ferragens. Ele a deixou lá e fugiu… Misty o observou, horrorizada. – Isso não pode ser verdade! – ou-se mais de uma hora até que um telefonema anônimo fosse dado ao serviço de emergência. Duvido muito que ele tenha se arriscado a dar esse telefonema pessoalmente, mas, de qualquer forma, era tarde demais para Battista. Meu único consolo foi que os médicos garantiram que ela não havia recobrado a consciência após o acidente… – A voz grave e arrastada de Leone baixou algumas oitavas. Misty estava atônita com o que ele acabara de lhe dizer. – Como sabe que Oliver Sargent estava com sua irmã? – Soube disso no instante em que o vi, após o acidente. Percebi nele o sentimento de culpa, o medo da exposição. Sargent é escorregadio, mas parecia aterrorizado com a possibilidade de eu conseguir provar que ele estava com Battista naquela noite. Infelizmente, aquele homem tem amigos leais, dispostos a protegê-lo. – O ódio patente de Leone pelo homem a quem atribuía a morte da irmã a fez empalidecer. – Um desses bons amigos espalhou a notícia de que Oliver havia ado a noite de sextafeira na estrada para a Cornualha, em sua companhia. – Chegou a confrontá-lo? – questionou Misty em um sussurro. – Ele poderia me processar por acusá-lo sem provas. Toda a carreira política de Oliver dependia daquele álibi. Logo percebi que, se eu quisesse vingar a morte de Battista, teria de ser ainda mais inescrupuloso que ele – itiu Leone, com linhas profundas lhe vincando o rosto moreno de traços perfeitos. – Quase todas as figuras públicas possuem esqueletos no armário. Investiguei a vida de Sargent a fundo, e foi assim que descobri sobre você… Foi assim que descobri sobre você? Aquela issão fez com que alarmes soassem no cérebro de Misty. Podia ver as conexões se formando, o contorno vago e medonho de uma outra dimensão do relacionamento que ela nunca sonhara ser possível. Como que congelada, Misty se limitou a encará-lo, desejando que ele lhe dissesse que as suspeitas que a assaltavam eram infundadas.
– Oliver Sargent vive uma vida dupla. É um político corrupto e eu queria expô-lo, mas primeiro desejava fazê-lo sofrer. – Leone se inclinou para trás na cadeira, os olhos escurecidos fixos no rosto lívido de Misty. – E a escolhi como arma. Os lábios carnudos, agora descorados, se entreabriram. – Não… Leone se ergueu em um salto da cadeira e abriu as mãos em um gesto enfático. – Recusei-me a vê-la como pessoa. Insisti em pensar em você apenas como a extensão do homem que eu mais odiava – disse ele, com extrema clareza. – Com base em uma pesquisa superficial sobre você, fiquei feliz em aceitar os rumores de que a filha de Oliver Sargent estava longe de ser santa. Tudo que me importava era o fato de sua existência ser uma ameaça à reputação de guardião da moral que Oliver havia conquistado. – Por favor, diga-me que isto não é verdade – murmurou Misty, perplexa. – Diga-me que estou acordando de um pesadelo… – Ninguém deseja esse milagre mais do que eu, amore – garantiu Leone, estudando-a com intensidade feroz. – Acha que eu queria lhe contar a verdade? Mas não tive escolha. Hoje você se mostra chocada, mas amanhã teria descoberto tudo por si mesma. Contratei-a para desempenhar o papel de minha amante com o único intuito de expor seu rosto nas colunas sociais e instigar a curiosidade dos paparazzi… Leone se encontrava a uns três metros de distância, mas ainda assim lhe parecia próximo demais. Portanto, ela se ergueu e se afastou. Algum tipo de fascínio temeroso lhe mantinha a atenção presa a Leone, mas tudo que realmente desejava naquele momento era sair correndo e se proteger do que ainda poderia ouvir. – Deixei uma trilha para que a imprensa pudesse descobrir a ligação entre você e Sargent. Planejei que o conhecesse em Castle Eyrie – revelou Leone, com óbvio arrependimento. – Mudei de ideia no mesmo final de semana, porque percebi o impacto que minha vingança teria sobre você. No entanto, era tarde demais para impedir… – Tarde demais? – questionou Misty, a mente girando em um turbilhão de pensamentos desconexos, cada um a fazendo se sentir mais traída do que nunca. – Tentei impedir que você se encontrasse com Oliver porque sabia que, no instante em que ele ouvisse seu nome, saberia quem você era. Fui pescar apenas para mantê-lo sob vigilância, mas ele entrou em outro barco e eu o perdi de vista – lembrou Leone, com os músculos da mandíbula contraídos. – Naquela mesma manhã, enquanto você dormia, dei ordens para que as provas que a ligavam a Oliver Sargent fossem enterradas outra vez. Porém, eu havia aberto a caixa de Pandora e perdido o controle sobre as consequências. Sentindo as pernas trêmulas, Misty se deixou afundar em uma poltrona. Eram muitas informações para serem absorvidas de imediato. Em vez de ser a última opção como falsa amante de Leone, ela fora a única e escolhida a dedo. Negócios à siciliana? Vingança à siciliana. Misty sentia o sangue lhe ferver nas veias. Que tipo de pessoa usava outro ser humano como se fosse um objeto inanimado, sem nenhuma importância ou sentimentos? Por certo, uma muito fria e calculista, decidiu ela. O plano fora inteligente e insensível em sua essência. – Não é de irar que não podia me contar o motivo – declarou Misty. – Quando ei a conhecê-la melhor, percebi o erro que estava cometendo.
Mas havia ido longe a ponto de levá-la ao Castle Eyrie para colocá-la diante do pai, usando-a como a um peixe que servisse de isca para atrair um tubarão e arrependendo-se apenas 11 horas mais tarde, após dormirem juntos. Até aquele momento, ela não ara de uma coisa, uma cifra, uma arma. E o fato de Leone ter lhe pagado para aceitar o papel naquela farsa devia ter lhe diminuído os escrúpulos em usá-la para os próprios fins. – Acha mesmo que aquela quantia em dinheiro compensaria o que estava fazendo comigo? Leone deixou escapar o ar em um suspiro audível. – Tenho vergonha de itir… mas, a princípio, sim, pensei que compensaria. – Enfim, um pouco de honestidade! – vociferou Misty, com as bochechas do rosto coradas. – Você não se importou. – Não queria ver as coisas por esse ângulo – contrapôs Leone, evasivo. A cada minuto que ava, surgia uma nova realidade. – A ideia de procurar um serviço de bufê para fornecer almoços para a Brewsters foi sua? Leone se tornou ainda mais tenso. – Sim. – E consegui o contrato porque era a única concorrente que lhe interessava. Tudo foi planejado com precisão, certo? Diga-me, também contratou um bando de vândalos para destruírem minhas instalações, sabendo que eu não poderia arcar com tamanho prejuízo e que a Carlton Catering iria para o buraco? – Enlouqueceu? – retrucou Leone, incrédulo. – Não tenho a menor ideia do que está dizendo! – Logo depois do início do meu contrato temporário com a Brewsters, minhas instalações foram vandalizadas e o seguro se recusou a cobrir os danos. – Embora tivesse ficado impressionada com a força da contestação de Leone, nada mais a deixaria abalada. Na verdade, encontrava-se demasiado atônita para sentir qualquer coisa, além de raiva. Porém, não havia descoberta mais grave ou agonizante do que a realidade nua e crua de que o homem pelo qual se apaixonara estivera determinado a destruí-la, muito antes de trocarem o primeiro beijo. Leone planejara sua derrocada. Ele a atraíra com aquele contrato temporário e depois assistira de camarote ela morder a isca e se endividar com base naquela perspectiva. – Não pode me culpar por esse incidente ou pelo fato de ter se metido em apuros financeiros. – Os olhos durado-escuros a encaravam com expressão fechada. – Mas pode me culpar por tudo mais que lhe aconteceu! – Oh, não se preocupe – retrucou Misty. – Eu o estou culpando, claro! Mas, se minha empresa não estivesse em apuros, como planejava me persuadir a fazer o papel de falsa amante? – Esperava que a quantia em dinheiro fosse persuasão suficiente. – E agora estou lhe devendo milhares e milhares de libras e você não terá um centavo de volta – jurou Misty entre dentes cerrados, esforçando-se para conter os tremores que lhe sacudiam o corpo esbelto. – Não quero nada de volta. Na verdade, esperava que tivéssemos ado desse ponto… – Acho que não. Antes de viajar para Nova York, eu lhe perguntei se ainda trabalhava para você e me respondeu que sim… Leone gemeu alto e lhe dirigiu um olhar de reprovação. – Se lhe dissesse que nosso acordo não mais existia, após o final de semana na Escócia, o orgulho a teria feito se afastar de mim – esclareceu ele. – Pensei que tivesse conseguido sanar o problema da
ameaça da imprensa em expor seu relacionamento com Oliver Sargent. Mas precisava de tempo para estabelecer um relacionamento um pouco mais dentro dos padrões da normalidade com você. – Então telefonou-me duas vezes enquanto estava em Nova York… É muito atencioso quando lhe convém. – Misty fez aquela acusação com as unhas cravadas nas palmas das mãos. O rosto moreno de traços perfeitos exalava tensão. – Estava aborrecido com você quando parti. – Depois de tudo que você havia feito, estava aborrecido comigo. – Gosto muito de você. Não quero perdê-la. Misty desviou o olhar repleto de sofrimento daquele rosto atraente e girou a cabeça. – Não se trata as pessoas queridas do modo como me tratou. Nunca seria capaz de perdoá-lo por ter se deitado comigo. Só porque meu suposto pai teve um caso com sua irmã… Bem, sinto muito, mas alguém deveria tê-la aconselhado a não se envolver com homens casados. Um silêncio torturante se prolongou, mas Misty se viu incapaz de girar para encará-lo. Sentia como se algo precioso tivesse se quebrado para sempre dentro dela. Talvez aquela preciosidade fosse a confiança, e ela soube, com o coração despedaçado, que a próxima atitude seria se culpar por todas as decisões erradas que tomara. – Misty… – Durante a festa em Castle Eyrie, Oliver Sargent me abordou. Disse-me para não confiar em você. Aconselhou-me a sair de sua vida, pois você estava apenas me usando. – Ela confidenciou com um fio de voz carregado de tensão. – Não me contou isso… – disparou Leone, desconcertado. – Pensei que ele estivesse bêbado e apenas antipatizasse com você. – Uma risada destituída de humor escapou dos lábios carnudos. – Mas, agora, eu sempre ficarei na dúvida se ele sentiu compaixão por mim ou não, se não foi uma ínfima parcela de preocupação paternal que o motivou a fazer tal comentário. Sim, ele queria que eu sumisse de sua vida para poder respirar aliviado, mas o que Oliver Sargent me disse sobre você era a mais pura verdade. Enquanto concluía aquela declaração, Misty o observou se encolher como se tivesse sido golpeado. Uma batida soou à porta e, quando foi ignorada, se repetiu. Leone acabou por atender e trocar algumas palavras com o criado. Misty virou de costas, sentindo-se vazia e se desprezando por aquela última hora de fraqueza e ousadia no quarto de Leone. – Uma mulher chamada Nancy esteve tentando contatá-la no apartamento. Quer que você retorne o telefonema. No mesmo instante, a postura de Misty enrijeceu, paralisada pelo medo quando se deu conta de que Birdie devia ter sido informada daquela matéria sensacionalista. – Oh, não… Leone lhe colocou o telefone na mão e ela discou os números. Mas o que Nancy tinha a lhe dizer foi totalmente inesperado. Birdie estava internada em um hospital há dois dias, operara o coração no dia anterior e a cirurgia se revelara um sucesso. Misty se viu atônita. – Mas quando isso ficou resolvido? – Fomos informadas da data há algumas semanas, mas Birdie não quis lhe contar. Não queria que ficasse preocupada e que isso a fizesse voltar de Londres. Insistiu para que eu guardasse segredo até
depois da operação. – A mulher mais velha confidenciou em tom penitente. – Acredite em mim, tentei argumentar, mas fiquei com medo de aborrecê-la. Misty inspirou fundo e devagar. Gotículas de suor se formaram sobre o lábio superior carnudo. – Mas ela está realmente bem? Minutos depois, Misty desligou o telefone, a mente grata por poder se concentrar em alguém, além de si mesma. E, se antes estivera em dúvida de quais seriam seus próximos os quando saísse do estado de choque, agora não tinha mais. Voltaria para casa e visitaria Birdie no hospital. – O que aconteceu? – perguntou Leone com voz tensa. Misty se recusava a lhe sustentar o olhar. – Birdie fez a cirurgia cardíaca que estava aguardando. Vou para casa. Um silêncio carregado de tensão se prolongou. – Gostaria muito de conhecer sua mãe de criação. – Não posso pensar em nenhuma razão que a faria desejar conhecê-lo. Silenciado por um instante diante da resposta agressiva, Leone se recuperou a tempo de dizer: – A limusine a levará de volta. Aquilo a possibilitaria chegar mais rápido do que se fosse de trem, refletiu Misty. Em seguida, afastou-se pelo corredor como se ele não estivesse ali. Na verdade, em muitos aspectos, Leone não lhe parecia mais real. O homem pelo qual se apaixonara perdidamente evaporara bem diante de seus olhos, e ela se recusava a substituí-lo pela versão fria, calculista e cruel que restara. – Dê-me uma chance de compensá-la por tudo que fiz – pediu Leone, um segundo antes de ela partir. Franzindo a testa em uma expressão de incredulidade, Misty ergueu a cabeça e se deparou com os olhos dourado-escuros a encarando com determinação, reconhecendo a tensão que o paralisava. – Isso não seria possível. Você apagou a luz que restava dentro de mim… Durante todo o percurso até Fossetts, a expressão daquele belo rosto moreno não lhe saiu da mente. Leone parecera chocado. Mas o que ele havia esperado? Ao fim do dia, Misty se viu confrontada com a dura realidade de que havia permitido que o coração e o corpo rejeitassem todo e qualquer senso de lucidez ou bom senso. Em que estivera pensando quando se envolvera com um magnata siciliano insensível? Não tinha plena ciência da reputação daquele homem, antes de permitir que aquele relacionamento galgasse outro patamar? Em que momento começara a tentar convencer a si mesma de que havia um gatinho manso sob aquela fachada de tigre selvagem? Caloroso, afetuoso e dedicado? Deus! Não havia limites para as ilusões de uma mulher apaixonada… TRÊS SEMANAS depois, Misty se encontrava sentada na sala de espera do consultório do médico local. Birdie havia recebido alta do hospital na semana anterior, mas optara por ar o período de convalescência em Oxford, na casa de uma irmã que perdera o marido há pouco tempo. Embora repreendesse a si mesma por ser tão egoísta, Misty ficara muito despontada com o fato de Birdie não querer voltar de imediato para Fossetts. Naquele exato momento, imaginava por que o médico havia lhe pedido para aguardar o resultado dos exames. Estava apenas um pouco descorada e havia sido franca com ele. Dissera-lhe que havia sofrido um trauma emocional muito grande e que seus problemas estomacais começaram naquele mesmo dia. Quando o médico sugerira a possibilidade de gravidez, ela o aconselhara a checar seu
histórico médico. Era tudo culpa de Leone: a tristeza, a má digestão, o ciclo menstrual interrompido e a recente tendência a cair em prantos por qualquer bobagem. Leone lhe telefonara, mas ela desligara o telefone sem nem ao menos deixá-lo falar. Quando os telefonemas cessaram, Misty disse a si mesma que estava aliviada por ele ter captado a mensagem. No entanto, uma semana depois, se descobriu furiosa ao saber que Leone visitara Birdie no hospital. A mãe de criação o achara charmoso, simpático, e a empatia entre os dois fora instantânea. Porém, Birdie não sabia o que se ara entre ela e Leone. Misty não conseguia entender por que viver sem Leone era como subsistir sem a luz do sol. Afinal, vivera muito tempo sem ele e o conhecia apenas há alguns meses. Ainda assim, não importava o quanto lembrasse a si mesma de que Leone a havia usado sem se importar com o sofrimento que poderia lhe impingir, o sentimento de perda, vazio e inadequação se aprofundava mais a cada dia. – Srta. Carlton… A recepcionista lhe informou que ela podia entrar para falar com o médico. – Há três anos, você foi informada de que só poderia conceber mediante um tratamento de fertilidade, mas os médicos costumam ser muito cautelosos quando o prognóstico é incerto – começou o dr. Fleming, com semblante sério. – É óbvio que se recuperou bem da cirurgia que sofreu, porque de fato está grávida. Mal tendo tido a chance de se sentar, Misty pestanejou várias vezes. – O que disse? – Terá um bebê. – Misty se limitou a encarar o médico, incapaz de absorver a dimensão daquela notícia. A princípio, pareceu-lhe uma piada de mau gosto, e Misty se viu incapaz de acreditar, mas em seguida um tsunami grande de esperança a engolfou e lhe fez a cabeça rodar. – Mas, como estou percebendo que não foi algo planejado… – continuou o doutor, com semblante tristonho. – Não se trata de algo não planejado… e sim de um milagre – contrapôs Misty, determinada. Quinze minutos após ouvir, incrédula, o médico lhe dizer que não acreditava que aquela gravidez se tratasse de um milagre, Misty saiu flutuando do consultório e, sem hesitar, se dirigiu à primeira loja de artigos de bebê, na rua principal. Observou as roupas diminutas com os olhos reverentes, irou os carrinhos de bebê e sonhou acordada com os brinquedos de pelúcia. Leone a engravidara. Aquele homem lhe despedaçara o coração, mas o que era um coração dilacerado em comparação a um bebê? Um menino ou uma menina. Não tinha preferência. Misty comprou um livro sobre gravidez. O filho de Leone. Porém, afastou aquele pensamento assim que ele se formou. Aquele bebê era dela. Não tinha nada a ver com Leone. Ao menos em um aspecto ele fora útil, pensou com um renovado senso de vitória. Ao ar por uma banca de jornal, percebeu a manchete em letras garrafais: SARGENT RENUNCIA… Aquilo não a surpreendeu. Nas últimas semanas, Oliver Sargent estampava quase todas as manchetes de jornais. Dias após ter sido revelada a existência de Misty, acusações mais sérias haviam sido imputadas ao velho político: o recebimento de suborno na forma de presentes caros e favores de empresários de moral duvidosa em troca de poderem contar com sua influência para favorecer os próprios negócios. À medida que se produziam provas daqueles crimes, seus fiéis escudeiros imergiram em silêncio e a ruína daquela carreira política se tornou inevitável. Por um instante, Misty lamentou pelo pai que jamais conhecera, mas era difícil se apiedar de um homem que nunca tentara contatá-la, mesmo sendo ela e a irmã gêmea as únicas descendentes de Oliver Sargent. Será que ele a culparia por ter sido o estopim de sua derrocada? Ou continuava
desinteressado em sua existência, como o fizera desde que ela nascera? E estaria disposta em ter algum tipo de contato com o homem que Leone acreditava ter deixado Battista agonizante, presa às ferragens de um carro, apenas para se proteger do escândalo? Dirigindo pelo trajeto de volta a Fossetts, Misty pensou sobre a Carlton Catering e contraiu as feições em uma careta. Durante o tempo em que estivera ausente, dois de seus três funcionários arranjaram outro emprego. Embora, a princípio, se sentisse eufórica por estar sendo contratada para vários jantares particulares, a ilusão de que sua empresa voltara aos trilhos durou pouco. Misty logo se descobriu vítima da curiosidade dos clientes, que procuravam os seus serviços apenas para informar aos convidados que aquela era a filha ilegítima de Oliver Sargent e a amante desprezada do magnata siciliano. Agora que soubera da gravidez, vender a empresa e procurar um emprego lhe parecia a melhor opção. Além do mais, com o lucro da venda, poderia começar a repor o dinheiro que aceitara de Leone, antes de saber que ele a estava contratando para destruir o próprio pai. Sabia que não estaria em paz com a própria consciência até quitar aquele débito. Na sala de estar de Fossetts, Misty se sentou para ver a correspondência da manhã e se surpreendeu ao abrir uma carta enviada pela empresa que detinha a hipoteca de Fossetts, na qual estava anexado um cheque com a quantia exata de seu último pagamento. Com o telefonema que deu para a empresa, Misty recebeu, perplexa, a notícia de que a hipoteca havia sido totalmente quitada, antes da chegada de seu primeiro cheque. Silenciada pela chocante informação, Misty desligou o telefone, ciente de que só poderia ter sido Leone o autor daquele gesto extravagante. Não conseguiu evitar um o de raiva. Então ele pensava que podia comprá-la? Bem, em breve o faria mudar de ideia. Não queria nenhum vínculo com Leone e muito menos o seu maldito dinheiro. Dessa forma, ficaria em dívida com ele para o resto da vida! Determinada a confrontá-lo, trocou de roupa, optando por um vestido vermelho de tecido elástico, que sempre a fizera se sentir ousada, prendeu o cabelo e estava informando a Nancy que iria a Londres, quando a campainha da porta da frente tocou. – Onde está meu tapete vermelho? – perguntou Flash, inclinando-se para trás em uma pose engraçada. O cabelo louro espigado captava a luz do sol e os olhos verdes pareciam divertidos com a reação que causava em Misty. Por trás do carro esporte dourado customizado de Flash, uma horda de guarda-costas começou a emergir como tanques humanos de um outro veículo. Fazia cinco meses que Misty não o via e dois que haviam se falado por telefone. Por uma fração de segundo, ela hesitou, mas logo se atirou nos braços abertos do amigo, com os olhos banhados de lágrimas. Flash a afastou o suficiente para estudá-la com olhar severo. – Por que você sempre escolhe os bastardos? – O que… o que disse? – gaguejou Misty, enquanto ele a guiava à sala de visitas, com a familiaridade de alguém que sempre se hospedava em Fossetts. – Posso ter acabado de voltar de uma turnê pelos Estados Unidos, mas ainda tenho o hábito de ler jornais ingleses – respondeu Flash, em tom de voz seco. – Não me telefonou sequer uma vez, mas estava levando uma vida agitada aqui. Em um momento, encontrava-se coberta de diamantes, em companhia daquele tipo mafioso, e no outro descobriu o pai há muito perdido… um político… Até que ponto acha que pode se rebaixar? E levou um pé no traseiro daquele mafioso.
Misty empinou o queixo. – Espere um minuto! Fui eu quem o dispensei. Recostando a estrutura magra e compacta, trajada com uma camiseta preta e uma calça jeans desbotada, à lateral da mesa, Flash exibiu um sorriso luminoso. – Isso faz com que eu me sinta bem melhor. Onde está Birdie? Enquanto explicava sobre a cirurgia de Birdie, Flash, que não conseguia ficar parado por mais do que dez segundos, pegou a grossa brochura sobre a mesa e fez uma careta. – Quem está lendo isto? – O rosto de Misty se tornou rubro. Era o livro sobre gravidez que ela comprara. – Por que está lendo este tipo de coisa? Isto só serve para lhe trazer sofrimento – rosnou Flash, com expressão confusa. – Pensei que houvesse superado este assunto. Misty quase deixou a suposição de Flash sem resposta, mas o sentimento de culpa falou mais alto e ela acabou por lhe contar a novidade. Chocado, o amigo fechou os olhos e soltou um xingamento lento e baixo. – Algo ruim acabou tendo uma boa consequência – murmurou Misty, obstinada. – Isso é um desastre total! – vociferou Flash, irritado. Uma hora depois, ele se encontrava a par de toda a história, inclusive de que Misty estava prestes a partir para Londres quando ele chegara. – Então eu mesmo a levarei. – Flash a surpreendeu ao anunciar, com um brilho de prazer sombrio a lhe iluminar os olhos diante da perspectiva. – E depois que disser ao mafioso o que ele deve fazer com o dinheiro que possui, sairemos para celebrar! Dez minutos mais tarde e com uma bolsa de viagem com os itens de que necessitaria para ar o dia em Londres, Misty partia no carro de Flash.
Capítulo 9
FLASH NÃO encontrou a menor dificuldade para estacionar no andar subterrâneo do estacionamento da Andracchi Industries. Quando Misty chegou ao último andar, a recepcionista comunicou sua presença à secretária de Leone. Com a juba de cabelo cor de cobre e o vestido vermelho que enfatizava a figura ágil e escultural, ela atraía um bocado de atenção, e o nervosismo a estava comendo viva. Quando Leone surgiu, com um sorriso de tirar o fôlego estampado no rosto moreno, Misty sentiu a boca ressecar e o coração bater como um tambor contra a caixa torácica. Após três semanas com sintomas de abstinência e tendo sonhos que a faziam desprezar a si mesma todas as manhãs, aquela figura imponente, alta a musculosa lhe surtiu um impacto embaraçoso. Envergonhada e enraivecida pela resposta imediata do corpo traiçoeiro, Misty entreabriu os lábios e, sem nem ao menos parar para tomar fôlego, disparou: – Como ousou pagar a hipoteca de Birdie? Os olhos dourados brilhantes a percorreram com deliberada lentidão da cabeça aos pés, antes de se focarem no rosto furioso de Misty. – Vamos conversar em meu escritório. – O que tenho a falar pode ser dito aqui! – Mas, se espera que eu a escute, é melhor não começar por me agredir em plena recepção – murmurou Leone, com a frieza de um bloco de gelo. Chamada sua atenção para o ambiente que os cercava e mortificada com o modo desvairado como se comportava, Misty corou até a raiz do cabelo e o seguiu pelo corredor até o suntuoso escritório. Arriscou um olhar a Leone enquanto ele fechava a porta, reparando no perfil moreno arrojado, no corte sofisticado do terno feito sob medida e no punho branco imaculado da camisa logo acima da mão longa e bronzeada. Quando uma onda de tristeza a engolfou, Misty engoliu em seco. Cada movimento daquele homem era tão fluido, elegante e… tão frio que ela se viu intimidada por aquela aparente indiferença. Leone a convidou a se sentar, mas ela recusou. – Posso agredi-lo agora? – questionou Misty.
– Eu não a aconselharia a fazê-lo, amore. – Ele lhe sustentou o olhar por um tempo maior do que os nervos em frangalhos de Misty conseguiam ar. – Não me chame assim. – Até onde sei, ainda é minha amante, até que eu arrume outra – retrucou Leone, com voz aveludada. Outra? Aquela única palavra pareceu ter a potência de uma serra elétrica que a cortava ao meio. A simples ideia de Leone com outra mulher a deixou arrasada, congelou-lhe o cérebro e lhe fez o coração descer até os pés. Os dedos se enroscavam enquanto Misty se esforçava para se recompor, tarefa que exigiu cada átomo de orgulho que possuía. – Vou repetir a pergunta – começou Misty, empinando o queixo em uma atitude desafiadora. – O que estava pretendendo quando quitou toda a hipoteca de Birdie? Um sorriso oblíquo repuxou um dos cantos da boca sensual. – Acho que você está ando dos limites. A raiva de Misty voltou a explodir. – Como disse? – Você me ouviu. – Mas eu sei muito bem por que você fez isso! – disparou Misty. – Sabe? – Leone a observou com um brilho metálico nos olhos dourados. – Claro que sei! – respondeu ela, furiosa e frustrada por não conseguir compreender a atitude de Leone. – Está tentando me impressionar com gestos generosos para me ter de volta… – Não. Está enganada. Mas Misty estava muito alterada para prestar atenção naquela negativa. – Acha que pode me persuadir a acreditar que você é uma boa pessoa… Acha que pode me atrair de volta à sua cama com o poder da fortuna que possui… – Não. Está enganada. – Além de detestável, isso é… uma total perda de tempo… – Quando, por fim, se deu conta das negativas que recebera, a voz de Misty foi perdendo a força em vez de aumentar em um crescendo. Em silêncio, ela o encarou com visível perplexidade. – Não lhe devo explicação alguma, mas, como é óbvio que interpretou mal meu gesto, eu lhe direi o que me motivou – informou Leone em tom de voz sereno. – Sob o disfarce de um simpatizante anônimo, quitei a hipoteca de Birdie porque gostei dela. – Porque gostou dela… – repetiu Misty, com um fio de voz. – Doo milhões a instituições de caridade todos os anos com as quais não tenho nenhum envolvimento prático – informou Leone. – Mas, quando conheci Birdie, fiquei imaginando com que frequência pessoas que merecem ajuda financeira como ela deixam de ser beneficiadas por não serem consideradas carentes. Ainda assim, Birdie e o marido dedicaram toda a vida a ajudar crianças problemáticas, mesmo arcando com um grande ônus. – Sim, é verdade, mas… – Se Robin Pearce não tivesse largado a carreira de arquiteto premiado há quarenta anos, teria deixado sua viúva em uma situação financeira bem confortável. A essa altura da vida, Birdie não deveria estar pagando o preço por terem sido generosos com os outros. – A mandíbula bem marcada de Leone se contraiu. – Em resumo, se decidi bancar o Papai Noel, a escolha e o dinheiro são meus. O silêncio que se seguiu tinha o mesmo zunido alarmante de fios elétricos desencapados.
Misty se encontrava lívida, pois havia percebido a sinceridade em cada palavra que ele dissera. Tinha vontade de abrir um buraco no chão e se enterrar. Queria tornar-se invisível, fazer qualquer coisa para não ser forçada a encarar a terrível humilhação que ela mesma havia atraído. Não hesitara em atacá-lo como uma mulher rabugenta. Acusara-o de tomar atitudes extremadas para tê-la de volta. Devia ter soado tão frívola, tão egoísta, tão distante da realidade. Mesmo após ter deixado clara sua rejeição, de alguma forma, continuara a acreditar que Leone ainda estava interessado nela. – Como desconfio que você quase foi à falência para manter sua mãe de criação naquela casa – prosseguiu Leone –, deveria estar se sentindo aliviada. Para o horror de Misty, grossas lágrimas lhe banharam os olhos e ela girou em um impulso. Porém, uma forte tonteira a fez oscilar. Dois braços fortes a ampararam e a ajudaram a se sentar em um sofá de dois lugares. – O que está havendo com você? – perguntou Leone, sem conseguir esconder a preocupação. Enquanto Misty se esforçava em colocar uma quantidade extra de oxigênio nos pulmões para clarear a mente, as lágrimas que ainda não haviam rolado ameaçaram se transformar em uma torrente capaz de arrastar Leone em enxurrada, caso não as reprimisse. Determinada a não permitir que aquilo acontecesse, ela baixou a cabeça e um silêncio tenso se prolongou. – Por que viajou toda essa distância para me ver? – perguntou ele com um sussurro rouco. – Raiva. – Misty ergueu as pálpebras e quase teve uma síncope. Agachado em uma posição atlética, Leone se encontrava bem diante dela, a apenas alguns centímetros de distância. – Pode começar a gritar outra vez, mas, neste momento, tudo que desejo é deitá-la sobre este carpete e me perder em você – confidenciou ele, com a voz carregada pela tensão sexual. Ao se deparar com o brilho intenso nos olhos dourados, o coração de Misty perdeu uma batida. Com o rosto arrogante inclinado para o lado, Leone a devorava com o olhar. – Mas é apenas uma fantasia… Eu me contentaria em marcarmos um jantar. Misty se viu horrorizada ao perceber que a ideia do carpete e a atividade sexual combinada a ele ainda lhe exerciam uma grande atração. À velocidade da luz, havia ado de uma tonteira nauseante a um desejo devasso e ardente que quase a sufocava. Com os lábios carnudos comprimidos, Misty o encarou como se ele a tivesse aprisionado atrás de barras de ferro. O cérebro dizia para se erguer e sair daquele escritório, mas o corpo parecia colado no sofá, quente, lubrificado e faminto de maneira vergonhosa. A batalha violenta contra os próprios instintos fez com que um forte tremor lhe sacudisse o corpo. – Eu… não posso. – Desesperada por pensar em qualquer outra coisa que não a proximidade de Leone, forçou-se a se concentrar na generosidade que ele demonstrara para com Birdie. Gostasse ou não, ela também se beneficiaria daquele gesto altruísta, mas ao menos aquilo significava que poderia começar a pagar uma boa parte da quantia que Leone lhe adiantara, após o contrato ter sido assinado. Misty retirou o talão de cheques da bolsa e, equilibrando-o sobre os joelhos, começou a preenchê-lo. Leone franziu a testa. – O que está fazendo? Misty lhe entregou o cheque. Uma das sobrancelhas negras arqueou-se, realçando a expressão surpresa no belo rosto moreno. – Por que está me dando este cheque? Com as feições tensas e os olhos velados, Misty se ergueu.
– É a primeira parcela do total que lhe devo – respondeu. – Aceitei seu dinheiro principalmente para pagar as parcelas devidas da hipoteca de Birdie, mas você solucionou esse problema. Os músculos da mandíbula de Leone se contraíram. – Disse-lhe que não queria que me devolvesse nada. – Não quero me sentir envolvida na derrocada do meu pai… Infelizmente você não me deu escolha. Mas posso me recusar a lucrar com a desgraça dele – declarou Misty, com a cabeça erguida, embora o coração apertasse dentro do peito ao perceber a raiva faiscando nos olhos dourados diante daquela crítica. Podia imaginar como fora doloroso para Leone saber que a irmã morrera naquelas circunstâncias e a intensidade da revolta que sentira ao tomar conhecimento de que não poderia fazer com que Oliver Sargent arcasse com as consequências dos próprios atos perante a lei. Mas um erro não justificava o outro e a necessidade feroz de Leone por vingança, além de lhe causar um grande sofrimento, deixara clara a terrível realidade de que ele nunca seria capaz de ter um relacionamento normal com a filha do homem que tanto odiava. No silêncio tenso que se seguiu, Leone rasgou o cheque ao meio. Com as pernas ainda bambas, Misty continuou caminhando na direção da porta e a abriu. – Então doarei esse dinheiro a uma instituição de caridade. – Também não tem condições de fazer isso! – exclamou Leone, exasperado. – Estou vendendo minha empresa. Se não encontrar um comprador, venderei os equipamentos e as vans. Leone a estudou com perplexa incredulidade. – Você enlouqueceu? Um sorriso amargo curvou os lábios carnudos de Misty, enquanto ela se permitia um último comentário. – Tenho de lhe agradecer por toda aquela publicidade. De fato, tornei-me uma celebridade local. Mas ouvir da cozinha os clientes e seus convidados discutindo sobre minha vida não é minha ideia de divertimento. Um leve rubor pronunciou os ossos malares perfeitos de Leone, deixando claro que não era necessário dizer mais nada; afinal, o orgulho daquele homem era tão exacerbado quanto o dela. Misty se precipitou pelo corredor, as costas rígidas e a garganta constrita. Antes que as portas do elevador pudessem se fechar, ela entrou apressada e apertou o botão do subsolo. Contando com o fato de estar sozinha, recostou a testa contra a parede fria de aço no instante em que as portas voltaram a se abrir e alguém entrou. Ruborizada e constrangida, ela girou para se descobrir diante de Leone outra vez. Os olhos dourados intensos a encararam no silêncio pulsante. Misty recostou as escápulas à parede atrás dela, mas a descarga elétrica de alta voltagem que lhe percorria o corpo a deixou paralisada. Quando as mãos longas se esticaram na direção dela, a respiração de Misty saía irregular e o desejo que fazia todas as células pulsarem não possuía qualquer resquício de sensatez. Tudo que importava naquele momento era a explosão quente que provocava aquela boca sensual que capturava a dela; a força das mãos longas que a puxavam contra a parede sólida do corpo musculoso. Misty se encontrava soldada àquele homem, quando o sinal sonoro de que o elevador havia chegado ao seu destino lhe penetrou a neblina sensual em que se encontrava a mente.
A atenção desfocada de Misty se voltou ao carro estacionado a uns 9 metros de distância. A porta estava se abrindo e uma cabeça loura apareceu. – Tenho de ir… Flash está me esperando – murmurou ela, apressada. Mas, quando saiu do elevador, Leone fechou uma das mãos sobre a dela, fazendo-a estacar. – O que está fazendo com ele? – questionou, com repentina brusquidão. Misty tentou, sem êxito, se soltar. – Isso não é da sua conta. – Solte-a! – exigiu Flash, caminhando na direção dos dois, com raiva incontida. Ao fundo, Misty viu os guarda-costas de Flash saindo do veículo, parecendo farejarem confusão. E, a julgar pelos semblantes carrancudos, ansiosos por tal perspectiva. Todos os alarmes soaram ao mesmo tempo na mente de Misty, que girou na direção de Leone, ofegante. – Volte para o elevador, seu idiota! Em um movimento lento e enfático, Leone a soltou. – Fique fora disto… Mas Misty se interpôs diante dele. – Se tocá-lo, nunca o perdoarei! – vociferou ela para Flash. – Não quero confusão e muito menos ver hormônios masculinos tomarem o controle da situação! – Não ficarei parado vendo esse homem maltratar uma mulher grávida! – rosnou Flash. – E pare de nos envergonhar. Ele é um homem criado. Pode se defender sozinho. O rosto de Misty se tornou lívido, mesmo antes de o amigo completar a frase. Aterrorizada com a referência ao bebê que estava esperando e ouvindo a respiração ofegante de Leone atrás dela, Misty fulminou Flash com o olhar. – Está grávida? – exclamou Leone, incrédulo. Misty fechou uma das mãos sobre pulso de Flash e tentou puxá-lo na direção do carro. – Esse filho é meu? – acrescentou ele, com voz rouca. E isso foi suficiente para fazer Flash girar e partir para cima de Leone. Tudo aconteceu com tanta rapidez que Misty se viu incapaz de impedir a agressão. Aterrorizada, girou a tempo de ver Leone se agachar, desviando-se do soco, e desferir um certeiro em Flash. – Parem com isso… parem já, vocês dois! – gritou ela, a voz falhando com a intensidade do estresse. Leone paralisou por um instante, mas foi o suficiente para que Flash encontrasse a oportunidade de devolver o soco. Em determinado momento, percebendo que os guarda-costas de Flash estavam se mantendo fora da briga e irritada a ponto de não se importar se os dois se matassem, Misty se atirou sobre o banco do ageiro do carro de Flash. Esse filho é meu? A pergunta a deixara alucinada. Como Leone fora capaz de fazê-la? Minutos depois, Flash se sentou com um gemido ao lado dela. – Sua honra foi vingada – informou ele. Misty olhou através do para-brisa. Imóvel como uma estátua, Leone se encontrava parado ao lado do elevador os observando, as feições pétreas e sombrias. – Deveria me agradecer por defender sua honra – acrescentou Flash. – Como eu poderia adivinhar que você não havia lhe contado nada sobre o bebê? Quero dizer… presumi que essa era uma das principais razões que a levaram a procurá-lo… – Descobri que estou grávida esta manhã. Ainda nem havia pensado na possibilidade de contar a Leone – itiu Misty, tensa. – E, depois do que ele disse, fico feliz em não ter contado.
– Se eu fosse você, não me ofenderia tanto com o que ele disse. – Flash fez uma careta. – Você estava comigo e Andracchi não gostou… E o fato de eu saber o que ele desconhecia teria feito qualquer homem suspeitar. – Meu Deus! Está sendo muito benevolente com Leone, especialmente após a farta distribuição de socos que trocaram! – retrucou Misty em tom histérico. – O que planeja contar a Birdie? – perguntou Flash, fazendo-a empalidecer. Aquele era um desafio que ela sequer ousara considerar. – Ela ficará arrasada… – previu ele, pesaroso. – Sim, sei disso! – interrompeu Misty, assolada pelo sentimento de culpa, sabendo que Birdie ficaria chocada, magoada e desapontada com ela. Na verdade, seria até mesmo capaz de se culpar por algum possível fracasso que pudesse ter tido como mãe de criação. – Levando tudo isso em consideração, muito me espanta que tenha se atracado com Andracchi naquele elevador! Misty sentiu o rosto em chamas, quando voltou o olhar ao amigo, que exibia uma expressão zombeteira. – Seu batom estava colorindo os lábios dele. Flash a levou para o apartamento que possuía na cidade, encomendou comida de um restaurante para toda a sua equipe e se sentou com eles para assistir às partidas de futebol que gravara enquanto se encontrava no exterior. Exausta com todos os acontecimentos daquele dia e se recusando a pensar na reação de Leone à notícia da gravidez, Misty adormeceu no sofá. Flash a acordou algumas horas mais tarde para que ela se arrumasse, pois iriam sair. Era muito tarde e ela não estava com a mínima disposição, mas, não querendo bancar a estraga-prazeres, lavou o cabelo e se esforçou para parecer festiva em uma blusa verde-esmeralda e cereja e uma saia moderna que havia trazido na bolsa de viagem. Flashes de várias câmeras registraram a chegada do irmão de criação de Misty à sua boate londrina favorita, e ela manteve um sorriso luminoso estampado nos lábios carnudos pintados na cor pêssego. Se uma daquela fotos fosse parar nos jornais e Leone visse, queria ar a impressão de tranquilidade e despreocupação. Após o gerente guiá-los a uma mesa reservada, Flash lhe envolveu os ombros com um dos braços. – Não fez sequer uma reclamação sobre o futebol… Misty exibiu uma careta. – Só porque dormi durante o jogo. – Senti saudades de você, mas pode prejudicar minha imagem – disse Flash, em tom divertido. – É muito mais alta que eu. As pessoas não paravam de abordar Flash. Era quase madrugada quando Misty avistou Leone através da multidão. Ele observava a mesa onde estavam sentados com semblante pétreo. No mesmo instante, ela sentiu o coração disparar e borboletas alçarem voos desconexos em seu estômago. Não desejando atrair a atenção de Flash para ele e sabendo que teria de conversar com Leone, Misty se ergueu da mesa. Porém, mal se aproximou, a mão longa capturou a dela, arrastando-a na direção da porta de saída. – O que está fazendo? – ofegou ela, mas a música alta o impedia de escutar. No saguão, Misty conseguiu se fazer ouvir. – Não posso sair daqui! – Já é madrugada e você está aqui dançando e bebendo com outro homem! – Os olhos dourados faiscaram nos dela, furiosos. – Vai para casa comigo…
– Não. Não vou. E a única bebida que tomei foi suco de abacaxi! – rebateu Misty, desconcertada com aquela acusação. Ignorando-lhe os apelos, Leone girou para falar com um dos seguranças e, sob o olhar atônito de Misty, o dinheiro trocou de mãos com a velocidade da luz. Em seguida, ele lhe envolveu a cintura com um dos braços. – Seu astro de rock querido receberá o recado… Está bem? – Não. Cheguei aqui com Flash e sairei com ele. Os olhos faiscantes de Leone se fixaram nos dela. – Você tem duas opções, amore. Ou me acompanha por livre e espontânea vontade ou… eu a carregarei daqui. Misty o encarou com olhar indignado e, ciente de que atraíam olhares especulativos, corou, ultrajada. – Você não ousaria… – Não? – contrapôs Leone em tom letal. – Estive tentando localizá-la desde ontem. Depois de quase 12 horas, eu diria que minha paciência está se esgotando. Diante da issão de Leone de que a estivera procurando desde que ela deixara o local daquela briga estúpida, Misty prendeu o lábio inferior entre os dentes e saiu da boate sem mais protestos. Era natural que Leone quisesse conversar com ela, depois do que ficara sabendo. Estaria ela com medo do que iria escutar? Tentando evitar o desagradável? Por certo, Leone ficara chocado e furioso no dia anterior. O que ele encarara apenas como um caso ageiro tivera consequências sérias. Antes de fazerem amor, Leone havia questionado se Misty estava segura e ela respondera que sim, mas agora esperava um filho dele. Seria tola em acreditar que, do ponto de vista de Leone, aquilo significasse qualquer coisa que não uma péssima notícia. Com movimentos elegantes, ele destrancou a porta de um carro esporte vermelho e Misty entrou. Em seguida, Leone deu partida no modelo possante e se misturou ao tráfego sem nada dizer. O silêncio dilacerava os nervos já em frangalhos de Misty, mantendo-a sob tensão. – Gostaria de saber como está se sentindo em relação a esse bebê – disse Leone, quando parou no primeiro semáforo vermelho. Temendo que ele estivesse perguntando por considerar uma possível interrupção da gravidez, Misty decidiu optar pela sinceridade. – Sei que não é o que deseja ouvir… mas eu fiquei eufórica quando descobri – itiu, tensa. – Pensei que não pudesse ter filhos e para mim é como se fosse um milagre. Mas não espero o mesmo sentimento de mais ninguém. Sei que as circunstâncias não são favoráveis. Leone a ouvia com tanta atenção que o semáforo mudou de cor sem que ele notasse. Apenas a buzina nervosa do carro de trás conseguiu trazê-lo de volta à realidade. Com o perfil menos rígido, ele acelerou. Misty pousou o olhar nos dedos morenos e longos que seguravam o volante e sentiu a pele aquecer, recordando a forma como ele fazia amor. Com o rosto rubro pelo que parecia ser o mais inapropriado dos pensamentos, virou o rosto. – Tive uma visita surpresa pouco depois que você partiu, ontem – informou Leone. – Oliver Sargent… Misty emergiu das próprias reflexões com um sobressalto. – Ele o procurou? Mas por quê?
– Finalmente, Sargent confessou que estava com Battista na noite em que ela morreu. De acordo com o que me contou, quando percebeu o carro desgovernado, abriu a porta e pulou. Ficou desacordado e, quando voltou a si, viu que Battista estava morta. Aquilo o fez entrar em pânico. – Acreditou nele? – sussurrou Misty. – Sim – concedeu ele, em um tom de voz baixo e áspero. – Ao itir que mentiu quando a polícia o interrogou sobre o acidente, Oliver Sargent se colocou em minhas mãos. – E está planejando contar à polícia? – De que adiantaria agora? Uma risada breve e trêmula escapou da garganta de Misty. – Então, realmente, foi tudo em vão. – Não. Eu soube da verdade e não me arrependo de ter ajudado a mídia a expor as práticas corruptas de Sargent no governo. Lamento apenas o mal que lhe causei – completou Leone, sem hesitar. Misty se viu desconcertada diante da extensão do alívio que sentia em saber que o pai não deixara a irmã de Leone ferida e sozinha. Podia imaginar o sentimento de pânico que o dominara e o medo da exposição logo após o acidente. Embora condenasse as mentiras que ele contara, ficou satisfeita em saber que Oliver Sargent fora corajoso e decente o suficiente para enfim contar a Leone o que de fato acontecera naquela noite. Misty ficou surpresa quando ele a levou para o apartamento em que ela morara por tão breve tempo. Enquanto cruzava o corredor, ela o ouviu murmurar: – Deixou suas roupas aqui. Leone estava se referindo ao guarda-roupas completo que lhe comprara e do qual ela não levara sequer um item. – Sim… Misty se sentou no sofá, com as costas eretas e a sensação de estar sob um iminente ataque. Se tivesse dependido dela, refletiu, talvez jamais tivesse contado a Leone sobre o bebê; ao menos assim poderia manter a dignidade e o orgulho intactos. Leone a estudou sob os cílios longos e negros. – Devemos nos casar. – O que… o que disse? – gaguejou Misty. Os olhos prateados se arregalaram e os lábios carnudos se entreabriram. – Não comece a discutir. Ouça-me primeiro – disse Leone, em tom de voz calmo. – Esse bebê também é meu. Quero que meu filho tenha meu nome e o mesmo amor e segurança que meu pai me proporcionou. Incapaz de permanecer parada, Misty se ergueu sobre pernas que pareciam ter virado geleia e o encarou, observando a seriedade nas belas feições morenas. A princípio, se viu tão abalada pela proposta que não lhe ocorreu nenhuma resposta. Aquela era a última reação que esperara de Leone. – Os sicilianos dão muita importância à família – informou Leone. A mandíbula bem marcada se contraiu. – Sua própria experiência de vida lhe ensinou o quanto é importante a unidade familiar. Mas há um lado bom nisso tudo. – Há? – Caminhando na direção das janelas altas sem ter noção exata para onde ia, o que fazia e, muito menos, o que dizia, Misty não conseguia desviar o olhar dele. – Quer ser mãe solteira como a sua foi? Aquilo foi o suficiente para irritá-la.
– Não meta meu ado nisso. Posso muito bem arcar com este filho sozinha… – Mas não precisa arcar com tudo sozinha. Não puna nosso filho por meus erros – Leone a interrompeu, enfático. As palavras a fizeram parar para pensar. Estaria tentando puni-lo? Havia presumido que Leone não se interessaria pela criança que havia sido concebida sem que ele desejasse ou concordasse. Fora assim com Oliver Sargent e com os pais de muitas crianças com as quais crescera. Também acreditara que apenas as mães tinham sentimentos e lealdade em relação a um feto e Leone acabara de provar que estava enganada. – Não estava esperando isso – confessou ela, insegura. As mãos se uniram, mas logo se desprenderam. – Quero dizer… Acha mesmo que seria capaz de ar um casamento por causa de um bebê que nem ao menos planejou? – No instante em que a pergunta lhe escapou dos lábios, um rubor intenso se espalhou pelo rosto de Misty. Havia acabado de revelar que estava considerando aquela proposta e que queria se certificar de que ele de fato desempenharia o papel de marido. – Quero-a de volta em minha cama outra vez, amore. – Ele sustentou o olhar perplexo de Misty com uma intensidade franca que a fez perder o fôlego, ao mesmo tempo em que um calor vergonhoso lhe atiçava todo o corpo. – Há casamentos que duram com base em muito menos. Misty seria capaz de listar uma dúzia de razões sensatas que justificariam aceitar aquela proposta. Tinha noção exata do quanto era difícil para uma mãe solteira criar um filho, sem ninguém em quem se apoiar. Além disso, se aceitasse se casar com Leone, não teria de se preocupar com os meios para sustentar e educar aquela criança. Por último, mas não menos importante, o bebê seria beneficiado em todos os sentidos, tendo um pai presente e atencioso. Porém, Misty se viu envergonhada diante da constatação de que nenhum daqueles válidos argumentos a teriam convencido, se não estivesse apaixonada por Leone. Aquele era o ponto crucial. Ao atentar para as necessidades do filho que esperavam, ele lhe dera a desculpa perfeita para tê-lo de volta em sua vida e, por mais que detestasse a própria fraqueza, sabia que estava prestes a se agarrar àquela desculpa. – Está bem… – disse ela por fim, incapaz de lhe sustentar o olhar, enquanto dava voz à concordância que fazia soar casual para que ele não percebesse o alívio que sentia diante da perspectiva de não ter mais de lutar consigo mesma todos os dias. Porque era exatamente isso o que significava viver sem Leone: uma constante batalha contra os próprios impulsos e necessidades. O silêncio se prolongou pesado e Misty se viu tentada a erguer o olhar, apenas para se deparar com Leone a encarando com os olhos estreitados como se aquela resposta o tivesse surpreendido. – Estou pensando no que é melhor para o bebê. – Ela se ouviu dizer, como se fosse um cordeiro que se desse em sacrifício. – Por que não estaria? – contrapôs Leone, com a voz suave como a seda. – Se não fosse pelo bebê, não estaríamos tendo esta conversa. – Os dedos de Misty se enroscaram e as unhas se enterraram nas palmas das mãos. Adoraria poder retaliar com um comentário ácido, mas o que Leone acabara de dizer era a mais humilhante e incontestável verdade. – Vamos dar entrada na papelada, para que possamos nos casar o mais breve possível – concluiu Leone. Misty anuiu, as linhas delicadas do rosto em uma expressão composta. – Gostaria de mais um suco de abacaxi para comemorar? – Não, obrigada. Gostaria de me deitar agora, se não se op. – O orgulho a impediu de abrir a guarda em relação a Leone para não trair os sentimentos profundos que nutria por ele. Ainda assim,
sabia que a própria afirmação de que estava se casando com ele pelo bem do bebê fora fria e mesquinha. Desejava com toda a força de seu coração que a frieza que se interpa entre ambos fosse superada e se demorou para deixar a sala na esperança de que Leone dissesse ou fizesse algo para impedi-la. Mas ele nada fez. Quando Misty relanceou o olhar por sobre o ombro, encontrou-o parado à janela, o perfil rígido e a tensão emanando da figura alta e imponente. As lágrimas ameaçaram fechar a garganta de Misty. Leone não demonstrara censura ou ressentimento em uma situação que teria transtornado a maioria dos homens. Ao contrário, assumira a responsabilidade pela criança e a pedira em casamento. Mas aquilo não significava que estivesse feliz, assim como Misty também não estava; afinal, ambos sabiam que ela ainda o culpava pela forma como Leone a usara para conseguir a tão desejada vingança. Mas, quando reconhecera o próprio erro, ele tentara não só impedi-la de entrar em contato com o pai naquele final de semana em Castle Eyrie como também abafar as iminentes revelações da imprensa. O fato de Leone não ter conseguido não lhe abrandava a culpa; afinal, embarcara naquela trama cruel deliberadamente. Mas estaria planejando condená-lo para o resto da vida? Misty se deitou, examinando os próprios defeitos: não era capaz de perdoar com facilidade aqueles que a feriam. O sofrimento que amargara quando criança a ensinara a se recolher em uma dura carapaça e lutar para se proteger. Sabia que Leone se sentia culpado e aquilo era algo destrutivo. Desejava que seu casamento começasse carregando mais aquele fardo? O amor que sentia por Leone a assustava, e talvez se recusar a perdoá-lo fosse mais fácil do que ter de lidar com a realidade de que ele não a amava, concluiu, pesarosa. Mas, se fosse um pouco mais ousada e menos orgulhosa, não estaria deitada naquela cama, sozinha e arrasada, com cada célula viva de seu corpo suspirando por Leone… Inspirada por uma rebelião repentina, Misty escorregou para fora da cama, cruzou o corredor e entrou no quarto de Leone, antes que perdesse a coragem. No instante em que penetrou no aposento, ele emergia do toalete, completamente nu, secando o cabelo com uma toalha. Um metro e noventa e cinco centímetros de pura masculinidade. Com os olhos dourados deslumbrantes presos nos dela, Leone deixou a toalha cair, enquanto começava a se aproximar. O rosto de Misty se tornou rubro ao captar o convite sensual naquele escrutínio intenso. O coração disparou quando as mãos longas a seguraram e a puxaram contra a rigidez daquele corpo magnífico. – Dio mio, amore… Você sempre consegue me surpreender. Misty também se encontrava surpresa com a própria reação, mas, no momento, os pensamentos eram sobrepujados pela resposta física. Os seios se encontravam intumescidos e retesados contra o cetim fino da camisola, os mamilos, enrijecidos pela excitação e um calor líquido lhe fazia pulsar a pélvis. Trêmula diante da expectativa, Misty se viu chocada com a intensidade do próprio desejo. Leone a ergueu no colo e a deitou na cama. Em seguida, com movimentos precisos, retirou-lhe a camisola e deixou o ar escapar em um som sensual de pura apreciação masculina. – Estou tão louco por tê-la que não sei por onde começar… Dizendo isso, inclinou a cabeça para circundar um dos mamilos rosados com a ponta da língua, fazendo com que um gemido baixo e chiado escae da garganta de Misty. Fechando os olhos, ela espalmou as mãos sobre os ombros largos, amando a textura macia da pele que cobria os músculos rígidos, a fragrância masculina e o calor que dele emanava.
– Beije-me… – suplicou, escorregando as mãos para fechá-las sobre a massa úmida de cabelo negro e espesso. A união longa e lenta das bocas sôfregas a deixou trêmula e mais excitada do que nunca. As pontas dos dedos longos lhe provocaram os pelos macios que lhe ocultavam a feminilidade e a fizeram arquear os quadris e abrir as pernas. Uma descarga elétrica de milhões de volts a atingiu de uma só vez, quando a mão experiente lhe encontrou o sexo. – Você me deixa louco de desejo, amore – rosnou Leone, pairando sobre ela, antes de se enterrar fundo naquela umidade quente. Misty deixou escapar um soluço alto diante do prazer avassalador provocado por aquela invasão, todo o turbilhão emocional das últimas 24h encontrando uma rota de escape na paixão. Ela se moveu contra os quadris de Leone, toda calor e abandono, enquanto permitia que um vórtice de sensações vertiginosas a elevassem a uma altura que nunca antes conseguira alcançar e a empurrassem por um precipício de êxtase que culminou em um clímax delirante. Minutos depois, Misty ainda sentia como se estivesse flutuando e, quando Leone desencaixou os corpos de ambos, ela se recostou à parede sólida dos músculos bem definidos. Os olhos prateados transbordavam emoção. – Morri e fui enviada ao paraíso no dia em que o conheci. Um sorriso de pura satisfação masculina curvou a boca larga e sensual de Leone. – Tem certeza de que está se sentindo bem? Não está agindo da maneira habitual. – Aproveite enquanto dura – aconselhou ela. A felicidade a engolfou quando ele lhe inclinou a cabeça para trás e lhe pressionou um beijo lento e molhado nos lábios intumescidos. – Nunca imaginei que fosse encontrar o paraíso quando me vi atirado ao inferno – retrucou Leone, com sentimento na voz. Misty consultou o relógio de pulso e foi invadida pelo sentimento de culpa, quando se lembrou da forma como saíra da boate, algumas horas antes. – Flash ficará muito chateado comigo… A estrutura grande e forte enrijeceu sob o corpo de Misty. – Não precisa dele. Você tem a mim… Misty soltou uma risada. – Estou planejando contar com os dois. – Não. – Erguendo o tronco contra os travesseiros e exalando virilidade com aquela pele morena e músculos exaltados, Leone a estudou com o olhar nebuloso. – Quero-o fora de sua vida. – Bem, ninguém pode ter tudo que deseja – retrucou Misty com voz suave. – Correu para ele quando Redding a dispensou, três anos atrás, e fez o mesmo agora… – Você não me dispensou… fui eu quem não o quis! – Misty se ouviu disparar em alto e bom som. A raiva cresceu diante da referência desnecessária ao ex-noivo. – Dispensarei a esse comentário o desprezo que merece. – Com as feições estonteantes contraídas pela raiva, Leone atirou os lençóis para o lado e se ergueu da cama. – Vi como se comporta na presença de Flash. Interpretando aquilo como uma referência ao momento mais vergonhoso de sua vida, Misty enrijeceu. – Duvido muito que me sinta tentada a subir em um palco, no dia do nosso casamento, para dançar!
– Santo Cielo! Estou me referindo ao que vi há apenas duas horas! Ele a estava abraçando… – Flash é uma pessoa muito carinhosa e eu também… – Não comigo – disparou Leone, entre os dentes brancos cerrados. Misty pensou sobre aquele comentário e percebeu que era verdade, mas estava apaixonada por Leone e, por esse motivo, sempre erguia a guarda quando na presença dele. Quando Leone se mostrasse carinhoso com ela da porta do quarto para fora, por certo também se mostraria afetuosa. – Esta conversa é irrelevante. Adoro Flash, mas somos apenas amigos… – Ele tem uma péssima reputação com as mulheres… – Flash tem apenas 24 anos… e, para ser sincera, como ousa criticá-lo neste sentido? – exclamou Misty. – Você será minha esposa. Precisa aprender a ouvir meu ponto de vista. – Aquela entonação calculada fez com que um arrepio percorresse a espinha de Misty, fazendo-a empalidecer e baixar o olhar, imaginando como poderiam estar atirando farpas um no outro, quando há minutos atrás estavam fazendo amor. Era irônico perceber que os problemas que estava vivendo permitiram que, nas últimas 24h, ela e Flash redescobrissem a amizade que sempre os unira. Mas talvez não estivesse sendo sensata em esperar que Leone perdoasse e esquecesse o fato de que ele e Flash haviam trocado socos no dia anterior. – Estará tão ocupada planejando nosso casamento que não terá tempo de se preocupar com mais nada – acrescentou Leone, como um estímulo. Ouvindo a água do chuveiro escorrer, Misty vestiu outra vez a camisola. Será que Leone a considerava tão tola a ponto de pensar que podia manipulá-la com trivialidades? Não tinha a menor intenção de cortar relações com Flash. Tentada a lhe perguntar se sua definição de esposa datava dos tempos sombrios da servidão feminina, decidiu que ir ao próprio quarto seria uma atitude mais inteligente. Porém, apenas quando se deitou na própria cama foi que a compreensão a atingiu. Leone estava com ciúmes. Por que não se dera conta disso antes? Ele tinha ciúme da forte amizade que a unia a Flash. Recordando a forma como ele reagira a Philip desde o início, um sorriso lento lhe curvou os lábios. Leone podia ser um homem complexo, mas muito óbvio em certos aspectos. Também não estava seguro em relação a ela. Quanto mais pensava no assunto, mais Misty o amava. Enfim, havia encontrado uma rachadura naquela autoconfiança inabalável.
Capítulo 10
UMA SEMANA depois, Misty retirava o vestido de noiva da embalagem, com expressão sonhadora, quando Birdie a chamou ao fundo da escada. – Você tem uma visita, Misty! Em menos de 24h seria a esposa de Leone e estava encarando aquele casamento como uma campanha, na qual se mostraria tão irresistível que não restaria outra opção ao futuro marido senão se apaixonar perdidamente por ela. Quando tivesse concluído a tarefa, Leone estaria enfeitiçado. Afinal, também tinha direito de tramar e planejar, certo? Os preparativos para o casamento haviam sido providenciados na velocidade da luz. Tão logo recebera o telefonema de Misty, em Oxford, informando-lhe as novidades, Birdie convencera a irmã viúva a voltar para Fossetts com ela, a fim de ajudá-la a organizar tudo. Era maravilhoso ver a mãe de criação recuperando a antiga força e energia, mas fora um desafio impedi-la de cometer excessos antes do tempo, pensou pesarosa. Birdie tinha um sorriso estampado no rosto, quando Misty chegou ao saguão, mas os olhos azuis vivazes traíam um brilho ansioso. – É o seu pai… Ele a está aguardando na sala de visitas. Com partes iguais de desânimo e surpresa, Misty disse: – Oliver Sargent… está aqui? – Foi um gesto irável da parte dele vir procurá-la – lembrou Birdie com voz suave. – Tente ser generosa. Dividida entre a ansiedade e o constrangimento, Misty se encontrava rígida como uma tábua quando adentrou a sala. Oliver Sargent perdera peso desde a última vez em que se encontraram e as linhas de estresse que lhe vincavam o rosto o faziam parecer mais velho. Em nada lembrava o homem importante e presunçoso daquele final de semana na Escócia. Parecia apenas cansado e ansioso. – Se não fosse por Leone, não teria vindo – confessou Oliver Sargent. Os olhos prateados de Misty se arregalaram, quando se viu perplexa. – Leone? – Ele me encorajou a visitá-la. Eu não sabia se estaria disposta a me receber.
– Por favor, sente-se – convidou ela, lembrando, por fim, as boas maneiras. No silêncio tenso que se seguiu, Oliver Sargent se sentou e prosseguiu: – Imagino que, antes de mais nada, queira saber sobre meu relacionamento com sua mãe. – Sim. – Misty ficou aliviada com o fato de o pai tomar a iniciativa de lhe contar. – Quando nos conhecemos, Carrie tinha penas 21 anos, mas já estava casada e era mãe – disse Oliver, expelindo as palavras em um suspiro. – Quando ela começou a assistir às aulas na universidade, a convivência com pessoas da mesma faixa etária logo a fez se arrepender de ter se unido a um homem tão mais velho. – Em algum momento se apaixonou por ela? – quis saber Misty. A voz soava tensa. – Eu gostava muito dela, mas estava noivo de Jenny. Porém, Jenny estava em nossa cidade, a milhas de distância – respondeu ele, com expressão pesarosa. – Não mentirei para você… Encarei o caso que tinha com Carrie como uma válvula de escape que satisfazia a ambos. Não me dei conta de que nada, nunca, é tão simples assim, até que fosse tarde demais. – E o que aconteceu? – Nosso relacionamento acabou no instante em que sua mãe comunicou que estava grávida. Carrie acreditava que o bebê era do marido – acrescentou ele. – Só quando ele descobriu que não poderia ser o pai, através de exames de sangue realizados depois que você e sua irmã gêmea nasceram, foi que a verdade veio à tona. – O que deve ter sido um choque para você também – comentou Misty em tom seco. – Sim, principalmente depois que Carrie saiu de casa e apareceu na soleira da minha porta, com as malas nas mãos. Embora nosso relacionamento tivesse terminado há meses, ela esperava que o retomássemos de onde havia parado. Foi uma situação tenebrosa para todos os envolvidos. Eu não a amava. Senti-me aprisionado. Tinha apenas 21 anos e não estava preparado para ser pai. Recusei-me a acompanhá-la até o hospital, conhecer vocês duas. Meu maior temor no momento era que meus pais e Jenny descobrissem tudo – itiu Oliver, com evidente tristeza. – Quando sua mãe percebeu como eu me sentia, partiu. Eu lhe dei uma grande soma em dinheiro e nunca mais a vi ou ouvi falar dela. – Então não conheceu a mim ou a minha irmã quando éramos bebês. – A informação de que ele havia ao menos oferecido e financeiro à mãe abrandou o desejo de Misty de julgá-lo com severidade. Podia imaginar como Oliver Sargent se sentira. Podia ter cometido um grande erro ao embarcar no que achara ser um caso amoroso conveniente com uma mulher casada, mas era muito jovem para lidar com as consequências de um casamento destruído, com uma mulher necessitada e a paternidade repentina. – Sua irmã… Acredito que foi adotada? – Oliver lhe dirigiu um olhar questionador. Misty confessou que não tinha a menor ideia do paradeiro da irmã gêmea e ele pareceu se acalmar. A entrada repentina de Nancy, com uma bandeja de chá nas mãos, proporcionou uma bem-vinda distração. – Apreciei sua atitude de ter vindo até aqui – disse Misty, quando voltaram a ficar a sós. – E o fato de ter sido sincero. – Parece que, nas últimas semanas, dizer a verdade se tornou um hábito para mim… – declarou Oliver, como se debochasse de si mesmo. – Estive tentando consertar o caos em que afundei minha vida e a de Jenny, mas, no momento, ela não parece disposta a me ouvir e não posso culpá-la. Antes disso, sempre pude contar com o apoio de minha esposa…
– E agora não mais? – Misty lembrou as revelações que saíram na imprensa, dando conta do ninho de amor que Oliver Sargent possuía no campo. O caso que o pai tivera com Battista não havia se tornado público e aquilo a fizera se sentir aliviada por Leone, mas não a surpreendia saber que o casamento daquele homem estava em sérios apuros. – Não… mas tenho esperanças de que isso mude. – O olhar assombrado de Oliver Sargent inspirou genuína compaixão em Misty. Ele havia perdido quase tudo. No espaço de algumas semanas, o pai deixara de ser o homem poderoso, homenageado e bajulado aonde quer que fosse para se tornar o alvo do ódio, da condenação e das piadas cruéis. Mas era visível que o fato de perder Jenny talvez o tivesse derrubado de uma forma que nada mais conseguiria. – Quando todo esse escândalo ar, gostaria de conhecê-la melhor… Se estiver disposta, claro – declarou Oliver Sargent com sinceridade. – Mas, se achar que é tarde demais para construímos uma relação, entenderei. Mais uma hora se ou até que ele partisse. Quando questões mais sensíveis foram abordadas e tratadas, Misty se viu com mais liberdade para lhe fazer outras perguntas. Oliver Sargent revelou que, durante anos, fora assombrado pelo sentimento de culpa após ter escolhido o caminho mais fácil em vez de ter oferecido a Carrie o apoio emocional de que ela necessitava. O pai estava de saída, quando Misty deixou escapar um profundo suspiro e lhe perguntou se ele gostaria de comparecer ao seu casamento. A surpresa o deixou paralisado. – Deseja minha presença em seu casamento? Adoraria assistir à cerimônia. Prometo me manter discreto – garantiu ele, com uma ansiedade que a surpreendeu e emocionou. O primeiro encontro verdadeiro com o pai lhe povoou a mente de reflexões, mas Misty se manteve ocupada com os inúmeros detalhes de última hora, relativos ao casamento. Ao anoitecer, enquanto observava a florista e os assistentes decorarem a igreja nas cercanias da cidade, não conseguia atinar por que estava com o ânimo tão abatido. Amava Leone, certo? Amava-o a ponto da loucura. Então, por que, de repente, havia sido invadida por um sentimento de culpa tão avassalador? Misty sentia as mãos trêmulas quando tentou posicionar uma flor alta e graciosa da mesma forma que a florista fizera. Tudo bem, Leone não a amava, mas queria ser o melhor que pudesse para aquele filho e sentia uma grande atração por ela. Mas seria suficiente… Seria de fato justo para com aquela criança? Os assustadores paralelos que a mente insistia em traçar entre a própria situação e a triste história que o pai lhe contara mais cedo lhe atormentavam a consciência e o orgulho. Não estaria fazendo a mesma coisa que a mãe fizera tantos anos atrás? Carrie recorrera a Oliver Sargent na esperança de que o amante estivesse disposto a se responsabilizar por ela e pelas filhas gêmeas. Ele não se mostrara disposto porque seus sentimentos não eram profundos o suficiente. Seria justo desprezá-lo pela confissão sincera? Ou reconhecia que ele havia tomado a decisão certa, optando por não propor casamento a uma mulher com quem tivera apenas um caso ageiro? Ainda assim, mesmo sabendo que Leone não a amava, estava planejando permitir que ele seguisse com aquele casamento e a tornasse sua esposa… Aquilo estava errado. Totalmente errado, Misty concluiu, sentindo gotículas de suor lhe brotarem à pele, enquanto chegava àquela agonizante decisão. Após sair da igreja, entrou de novo no carro de Birdie e voltou para casa, com a mente focada no cenário assustador e doloroso de como estaria aquele casamento dali a dois anos. O que teriam a compartilhar além do bebê? Leone ficaria entediado e se
arrependeria de ter sacrificado a própria liberdade em prol de um princípio moral. Talvez chegasse até mesmo a odiá-la… Misty não poderia ar aquela ideia. Precisava ser forte. Tinha de conversar com Leone, antes que ambos cometessem o maior erro de suas vidas. Ele havia viajado para o exterior um dia após lhe propor casamento. Aquele afastamento havia tornado mais fácil a recusa de Misty em itir o que estava fazendo com ele. Mas Leone iria ar a noite no Belstone House Hotel e, assim que ele se hospedasse, iria procurá-lo. Porém, enquanto cruzava o caminho que levava à garagem de Fossetts, ficou irada ao se deparar com os carros esportes de Leone e de Flash estacionados em lados opostos do pátio de cascalho em frente à velha residência. Flash saiu para cumprimentá-la com olhar acusatório. – Por que não avisou a Leone que eu a levarei ao altar, amanhã? – Queria fazer uma surpresa – resmungou Misty, com a mesma palidez de um defunto. – Mas talvez o tenha feito viajar para cá à toa, porque estou pensando em cancelar o casamento… – Isso é nervosismo de última hora… é só – disse Flash, nem um pouco impressionado com a declaração. – Você é louca por ele… – Diga-me uma coisa com toda a sinceridade… – Misty observou o irmão de criação. – Se tivesse um caso de apenas uma noite com uma mulher e ela engravidasse, desejaria se casar com ela? – Claro que não! – exclamou Flash, dando de ombros. – Então, por que Leone deve fazer isso? Flash pareceu aborrecido com a comparação. Com um semblante tristonho e resignado, Misty entrou na casa, lutando para reunir coragem e fazer o que achava que era certo, mesmo com o coração batendo na garganta diante da perspectiva de ver Leone algumas horas antes do esperado. Podia ouvir Nancy e Birdie conversando na cozinha. Leone estava sentado na sala de estar. Quando Misty entrou, ele se ergueu de imediato. Um sorriso de tirar o fôlego revelava os dentes alvos, e as feições morenas nada tinham do aspecto frio costumeiro. Ao se deparar com os deslumbrantes olhos dourados, Misty sentiu os joelhos gelificarem e a boca secar. – Dio mio… Pensei que esta semana nunca fosse chegar ao fim – rosnou Leone com genuína intensidade. – Não conseguia ficar nem mais um segundo longe de você. Se não tivesse chegado neste minuto, teria ido procurá-la na igreja. – Ouça… er… podemos ir até o jardim? – perguntou Misty, meio sem jeito. – Não quero que sejamos interrompidos… – Eu também não, amore. – Leone se encaminhou às portas sas com o intuito de destrancá-las. Misty o observou, os olhos famintos vagando pelo perfil escultural, pela estrutura elegante, fluida e esbelta daquele corpo forte enquanto ele se movia. E então fechou os olhos com força, com raiva da própria fraqueza, detestando a ideia de que talvez não conseguisse ser forte o suficiente para abrir mão de aprisionar o homem que tanto amava, embora aquela fosse a única atitude sensata e justa a tomar. – Quero cancelar nosso casamento… – disparou Misty, com uma brusquidão assustadora. A voz soava fraca e áspera. No ato de esticar a mão para trancar a porta, Leone olhou para trás com expressão atônita nos olhos dourados. – O que disse? – Desculpe… mas acho que não devo me casar com você – declarou Misty com voz tensa. – Não seria certo para nenhum de nós.
Capítulo 11
UM SILÊNCIO espectral se arrastou. Leone girou, muito pálido. Os músculos faciais se contraíram sob a pele morena. Ele a olhava com visível incredulidade e uma linha profunda se formou entre as sobrancelhas negras e espessas, deixando clara a dificuldade que sentia em entender o que ela acabara de dizer. – Vamos lá para fora, antes que alguém entre – propôs Misty, estremecendo só de pensar na possibilidade de Birdie se juntar aos dois, com algum comentário aprazível sobre o casamento, quando até mesmo ela estava se questionando sobre a atitude que acabara de tomar. Tendo proferido aquelas palavras, não haveria caminho de volta, nenhuma chance de pensar melhor sobre o que acreditava ter de fazer, refletiu, tristonha. – Sì… – concordando, Leone tateou com uma das mãos pela porta sa envidraçada, em uma aparente busca pela chave que estivera prestes a girar para destrancá-la, um minuto antes. – Sei que isso deve ser um pouco chocante para você… – Um pouco chocante? – repetiu Leone, o sotaque siciliano pronunciado. Os dedos morenos ainda vagavam sobre a porta, longe do buraco da fechadura. – Está me rejeitando? – Não o estou rejeitando! – Misty ofegou, com lágrimas lhe fazendo arder os olhos e a garganta se fechando. – Estou tentando fazer o que é justo e certo… – Accidenti… não me trate como um idiota! – retrucou Leone com voz áspera. – Não sou criança. – Só está se casando comigo porque estou grávida e vai acabar me odiando por isso – disparou Misty de uma só vez. Mas Leone parecia não estar escutando. Continuava a encará-la como se ela tivesse lhe enfiado uma faca no peito. Não havia nada de dourado na intensidade daqueles olhos estonteantes. Apenas a escuridão. – É por causa de Flash… certo? – A voz grave e encorpada traía um tremor sutil. – Aos 45 minutos do segundo tempo, descobriu que o ama… Misty se encontrava perplexa. Leone estava reagindo com um grau de perplexidade que ela jamais pensara possível para um homem tão seguro de si. – Flash não tem nada a ver com isso…
– Pode esquecê-lo – afirmou Leone, entre dentes cerrados. – Nenhum homem que a amasse concordaria em levá-la ao altar para se casar com outro homem. Alguém girou a maçaneta de uma porta que dava para o corredor e Misty disparou na direção das portas sas para destrancá-las. Escancarando-as, seguiu para o ar fresco, lutando para entender o que Leone acabara de dizer. Contornando o trator de cortar grama estacionado no jardim, ela girou para encará-lo. Toda a atenção de Leone se concentrava nela, com uma intensidade sufocante. – Estou disposto a esperar até que pense sobre isso. Não vejo razão para querer cancelar o casamento. – Não sou, nem nunca fui, apaixonada por Flash – afirmou Misty, sem conseguir conter a frustração. – Sim, ele alimentou algumas fantasias em relação a mim, anos atrás, e isso abalou nossa amizade, mas Flash superou esse sentimento… foi apenas uma fase. Ele é como um irmão para mim. Leone a observou durante algum tempo em silêncio, os ossos malares proeminentes, os olhos escurecidos cravados no rosto ansioso e pálido de Misty. – Então por quê? – A pergunta soou em um quase sussurro, mas cada palavra se encontrava carregada de emoção. – Por que mudou de ideia em relação ao casamento? – Acredita mesmo que um casamento forçado será capaz de fazê-lo feliz? – perguntou Misty, sem conseguir disfarçar a dor. – A culpa dessa gravidez é minha e sei que nunca mencionou isso, mas você é apenas humano. Mais cedo ou mais tarde, estará pensando assim e se ressentirá de mim… – Não – disparou Leone, com determinação obstinada. – O que está dizendo não faz sentido, e esse não é um casamento forçado… – Como pode dizer isso? – Porque… – Leone deixou escapar um suspiro áspero. Um leve rubor lhe coloria os ossos malares proeminentes enquanto fixava o olhar tenso nela. – Porque eu a teria pedido em casamento de qualquer forma. Porque fiquei eufórico quando soube que você estava esperando um filho meu, já que isso me daria a segunda chance que não me daria de outra maneira. Porque fiz tudo errado, mas eu a amo! Paralisada pelo discurso carregado de emoção, que nada tinha da frieza imível de Leone Andracchi, ela o encarou, atônita. O coração martelou as costelas com tanta força que a fez se sentir zonza. – Você… você me ama? – Vim aqui esta noite para lhe dizer isto. Não quis declarar meu amor ao telefone, na semana ada, porque não seria romântico… E teria confessado que a amo na noite em que a pedi em casamento se não a tivesse visto aos abraços com Flash. O problema é que… – Leone se calou em meio àquela enxurrada emocional para concluir com um ar de constrangimento masculino: – Não disse isso antes porque, embora soubesse que ajudaria, não conseguia dizer… – Que você me amava? – perguntou Misty, sem conter a ansiedade. – Talvez tivesse rido e dito que não acreditava, depois da forma como a tratei… E não sabia como encontrar uma maneira de dizer que a amava de forma convincente. – Naquele momento, Leone fez um movimento repentino na direção dela e tropeçou sobre o trator de aparar grama. E então Misty soube, sem sombra de dúvida, que Leone de fato estava sendo sincero em cada palavra que dizia, porque se não conseguira ver o aparador de grama motorizado de 1 metro de altura, estava mesmo perdido de amores. Quando ele se ergueu com expressão de total incredulidade diante do tamanho do objeto sobre o qual tropeçara, uma risada histérica escapou da garganta de Misty. Porém,
logo se calou, porque nunca o amara mais do que naquele instante por estar sendo desajeitado, injusto, mas muito, muito humano. O simples pensamento de que Leone temera uma resposta irônica à declaração que desejara fazer a fez sentir um aperto no coração e todo o desejo de rir se evaporou, deixando-a ardendo de amor e compaixão. – Conseguiu me convencer – disse Misty, em um sussurro trêmulo. – De fato pensei que jamais conseguiria tê-la de volta… O bebê foi como um milagre para mim também e, quanto a você se sentir culpada por essa consequência maravilhosa… – Leone deixou escapar uma risada trêmula diante daquele pensamento. Os olhos dourado-escuros estavam cravados nela, incrédulos. – Sabe por que não pude protegê-la naquele final de semana? Misty fez que não com a cabeça. A alegria começava a criar asas e se libertar de dentro dela. – Fui eu o tolo que escolheu deixar os preservativos em Londres por acreditar que aquilo me impediria de levá-la para a cama mais próxima disponível – itiu ele com a expressão pesarosa, de quem debochava de si mesmo, estampada nos olhos estonteantes. Borboletas pareciam esvoaçar, desgovernadas, no estômago de Misty. – Assumi o risco sabendo o que estava fazendo, porque não consegui resistir a você e não me arrependo disso, como jamais lamentaria as consequências. – Acredito em você… – Misty se sentia como uma femme fatale naquele momento e os ombros delicados se empertigaram, altivos. Lá estava Leone, deslumbrante e sofisticado, mas ela podia se gabar de ter sido uma tentação maior do que ele conseguira ar. Ficara assustado a ponto de tentar controlar a própria libido, tomando uma atitude extremada. Receara que Leone a tivesse levado para a cama naquele final de semana apenas por ela estar disponível. A descoberta de que ele estivera tão aprisionado e dominado pela atração irresistível que existia entre ambos a libertou para sempre daquele temor. – Juro que, se você se casar comigo amanhã, jamais se arrependerá, amore. – O olhar ansioso se fixou em Misty, mas logo ele se apressou em velá-lo. Um músculo facial se contraindo e lhe repuxando um dos cantos dos lábios sensuais. – Não precisa dividir a mesma cama comigo, se não quiser, está bem? – Está bem… – Misty se encontrava fascinada. Seu lado bom lhe dizia que devia confessar que também o amava, mas o lado obscuro estava determinado a descobrir até onde Leone estava disposto a ir para persuadi-la a se casar com ele. Mas seu noivo siciliano recebeu aquela concordância sem esboçar a menor surpresa ou objeção. – Sei que levará muito tempo até que se sinta capaz de voltar a confiar em mim… – Fizemos amor na semana ada – lembrou Misty. – Sim, mas aquilo foi um meio que você encontrou de relaxar, certo? – murmurou Leone, com expressão séria. – Seu dia havia sido muito estressante e não sabia o que desejava de mim naquela noite… – Foi isso que pensou? – Misty sentiu a mágoa que ele devia ter experimentado. – Fiquei agradecido pelo fato de ter vindo até meu quarto… – Leone lhe dirigiu um olhar oblíquo. – Aceitarei o que estiver disposta a me dar, sejam quais forem os termos. Ainda não percebeu isso? Misty se viu perplexa diante daquela afirmação. No instante seguinte, estava fechando a distância entre os dois e o envolvendo nos braços. Colou-se à rigidez quente daquele corpo forte, sorvendo a fragrância familiar com uma profunda sensação de que, por fim, encontrara seu lugar no mundo. – Os termos serão muito simples – afirmou ela, trêmula, contra o ombro largo. – Vamos nos casar amanhã. Agora não há mais como conseguir sua liberdade.
– Não a quero, amore mio – sussurrou Leone, com a voz carregada de emoção e um leve tremor lhe perando o corpo forte. – Senti como se o teto tivesse desabado sobre minha cabeça quando disse que queria cancelar o casamento. Fiquei sem saber como agir… o que dizer, o que fazer. – Estou tão arrependida de ter dito isso, agora – confidenciou Misty, pesarosa. – Mas, ao ouvir a história de Oliver e minha mãe, no outro dia… Ele não a amava e fiquei pensando sobre isso. Achei que ele teve razão em não se sentir obrigado a levar adiante um relacionamento com base apenas no sentimento de culpa. O que eles tinham em comum? Tudo que havia entre os dois era a atração física… Leone se apossou dos lábios carnudos com um beijo devorador, antes de envolvê-la em um abraço apertado e demorado. Em seguida, guiou uma Misty ainda em estado de choque emocional na direção da lateral da casa e lhe abriu a porta do carro. – Há muito mais entre nós do que isso, bella mia. – Como o quê? – perguntou ela, quando Leone escorregou para trás do volante. Após ligar o motor, ele lhe dirigiu um olhar terno. – Não posso viver sem você. – Oh!… – E, com isso, Misty se entregou de vez à sensação de felicidade. – Para onde vamos? – Não sei, mas no momento estou com tanto medo que seria capaz de me manter em sentinela, na soleira da sua porta, durante toda a noite, no caso de você mudar de ideia sobre o casamento outra vez – itiu ele. – Não mudarei… juro! – exclamou Misty. Leone estacionou no acostamento da estrada e atirou a cabeça arrogante para trás, estudando-a com intenso interesse. Quando parou para pensar, Misty percebeu que ele sempre a olhara daquela forma e exibiu um sorriso, logo retribuído por Leone. Durante todo o tempo, o amor de Leone estivera lá, diante de seus olhos, mas não tivera a fé e a confiança necessárias para reconhecê-lo. – Acho que me apaixonei muito antes de mos aquele contrato bizarro. Estava obcecado por você – confidenciou Leone com uma risada tristonha. – Aparecia na Brewsters todas as semanas, sem nenhum motivo que justificasse tantas visitas, e não a perdia de vista sempre que estávamos na mesma sala… – Então, isso não era fruto de minha imaginação. – E durante todo o tempo eu pensava que você era uma mulher gananciosa e calculista. Sentia um misto de raiva e desejo por você ao mesmo tempo – Ele gemeu diante da expressão desanimada de Misty. – Acho que queria acreditar em coisas ruins sobre você. Ergui uma barreira entre nós e precisava dela, mas, quando começamos a conviver, eu a vi desmoronar bem diante dos meus olhos. – Foi mesmo? – Desde o início senti essa estranha ligação entre nós… E depois daquele primeiro beijo… nunca, nada foi tão explosivo para mim! Não conseguia manter minhas mãos longe de você depois disso… – E, se tivesse conseguido, eu provavelmente teria morrido de decepção. – Misty se alimentava do néctar das palavras carregadas de emoção que ouvia. Os olhos prateados se cravaram nas belas feições morenas como se a vida dependesse dele. – A atração entre nós sempre foi muito forte, mas eu também o odiava no começo. Leone empalideceu, parecendo tenso. – Eu me portei como um idiota, portanto não posso culpá-la – concedeu, com voz rouca. – Mas tentei de todas as formas impedir que a mídia divulgasse o que lhe possibilitei descobrir. Queria protegê-la,
mas, quando não consegui, experimentei o inferno na Terra, sabendo que era o causador de seu sofrimento e que estava destruindo o que podíamos ter. Misty esticou a mão para lhe tocar os dedos cerrados. – Sofri muito, mas você foi maravilhoso… – Muito maravilhoso. – Leone debochou de si mesmo. – Eu estava em pânico. Sabia que a perderia no instante em que lhe contasse a verdade… – Foi por isso que pediu para eu morar com você? – Achei que me internaria na primeira clínica psiquiátrica que encontrasse se eu lhe propusesse casamento, após um único final de semana juntos. Dio mio… não percebeu meu desespero? – Não. Não havia nenhum aparador de grama no qual você pudesse tropeçar, e eu estava muito chocada – retrucou Misty. – Mas se tivesse dito que me amava naquele momento… acho que teria parado para ouvir seus motivos. Leone entrelaçou os dedos aos dela. Os belos olhos dourados estavam ternos e apaixonados. – Quando disse que estava com medo de mim, aquilo me despedaçou. Sabia que havia feito por merecer, mas confessar meu amor por você naquele momento iria parecer uma piada de muito mau gosto, depois de tudo que eu tinha feito. – Não. Se a mulher estivesse apaixonada, a princípio, talvez até considerasse uma jura de amor naquelas circunstâncias como uma piada de mau gosto – afirmou Misty. – Talvez pensasse coisas do tipo: “aposto que não foi exatamente isso que ele quis dizer”… Mas depois, quando se acalmasse, pensaria melhor e começaria a arranjar desculpas para ele ter se comportado como um canalha. E, com o ar dos dias, se tornaria cada vez mais propensa a perdoar e entender. Linhas profundas vincaram a testa de Leone. – Isso é verdade? Misty anuiu, com um sorriso impotente lhe fazendo curvar os lábios carnudos. – Portanto, perdeu sua melhor chance não confessando que me amava naquele dia. – Está dizendo que me ama? – questionou Leone em um sussurro carregado de emoção. – Oh, sim… perdidamente. O único motivo que me levou a tentar cancelar nosso casamento foi por me sentir culpada de estar prendendo-o em um casamento sem amor de sua parte. – Você me ama… e ainda assim me dispensou? – Mais uma vez Leone se mostrou chocado. – E ainda tem coragem de me chamar de cruel? Misty esperou até que ele digerisse a revelação que lhe fizera. De repente, Leone estava tentando envolvê-la nos braços, mas não tinha espaço suficiente dentro do pequeno carro esporte para aquele tipo de acrobacia. Inconformado, ele a puxou para fora do carro, pressionou-a contra a porta do ageiro com uma impaciência excitante e a beijou até fazê-la ofegar com a avidez daquela paixão. – Eu a amo tanto! Sei que não mereço que me ame também… – murmurou Leone, dominado pelo desejo. Quando o motorista de um outro veículo que ava buzinou deliberadamente para atrapalhá-los, Leone se afastou com um gemido e a fez entrar no carro outra vez. Em seguida, retirou uma pequena caixa de veludo que ostentava a marca de uma famosa joalheria. – O outro motivo que me fez ir até Fossetts foi para lhe entregar isto. Prendendo a respiração, Misty abriu a caixa para se deparar com um anel de safira e diamantes que a fez perder o fôlego. Leone lhe segurou a mão, deslizou a bela joia em seu dedo anular e ela observou as
pedras captarem os últimos raios de sol. – É lindo! – disse Misty, com um sorriso apaixonado. – E há isto também… seu presente de casamento. – Leone lhe pousou uma chave grande e muito antiga no colo. Com os olhos sonhadores ainda brilhando de encantamento com o anel, Misty os baixou ao objeto obsoleto, com expressão confusa. Sabia que algumas pessoas colecionavam chaves antigas e imaginou que aquela devia ser rara, portanto tentou soar impressionada. – É tão antiga… é… er… fascinante. – O Castle Eyrie é seu – murmurou Leone com voz aveludada. Misty desviou os olhos arregalados da chave e os focou nele. – Você comprou aquele castelo? – Por que não? – Você o odiou! – Misty ofegou, impotente. – Disse que estava caindo aos pedaços e seria um sorvedouro de dinheiro para o tolo que o comprasse… – Posso arcar com um sorvedouro de dinheiro. E, quando a restauração estiver concluída, será a obra de arte dos imóveis. – Com um leve rubor colorindo os ossos malares perfeitos, Leone velou os olhos estonteantes. – Você se apaixonou por Castle Eyrie e acho que aquele lugar traz lembranças especiais para nós – confidenciou, em um quase sussurro. – Comprei a maior parte do que havia dentro também e persuadi Murdo a continuar tralhando lá em um cargo de supervisão… Misty se atirou sobre ele e fechou os braços em torno do pescoço largo da melhor forma que pôde dentro do confinamento apertado do carro. Com os olhos brilhando de amor, felicidade e ternura, disse-lhe que ele era o homem mais romântico da face da Terra, o que o fez gemer alto, mas Misty sabia que ele estava satisfeito em vê-la tão encantada. – Só não espere que eu participe da pescaria – preveniu ele com um tremor. Leone não teve outra opção senão levá-la de volta para Fossetts. Aquela era a noite anterior ao casamento e Misty estava planejando dormir cedo. Quando ele cumprimentou Flash com um sorriso largo, sem nenhum indício de desconforto ou defensiva, os últimos resquícios de preocupação de Misty se dissiparam. ÀS 11 horas da manhã seguinte, Misty cruzava a nave da igreja de braços dados com Flash, inspirando um coro de exclamações de apreciação, quando surgiu, antecedida pelas madrinhas Clarice e uma amiga dos tempos de escola. O cabelo cor de cobre caía em uma cascata brilhante sobre os ombros expostos. A blusa verde de brocado sem mangas lhe evidenciava as curvas esbeltas. A saia rodada se expandia da cintura ainda fina, pendendo até o chão como um vestido de baile. Os mesmos diamantes deslumbrantes que ela usara na noite da pré-estreia do filme lhe adornavam o pescoço e as orelhas, pois Leone os fizera vir de Londres para ela. Misty só tinha olhos para o futuro marido, que a observava com uma expressão transfixada de pura satisfação estampada no belo rosto moreno. Ele estava deslumbrante em um terno escuro bem cortado, mas era o amor que irradiava daqueles olhos dourados que lhe fez o coração disparar. Após a conclusão da cerimônia simples, os dois am os papéis e, juntos, cruzaram a nave da igreja. Misty dispensou alguns instantes da felicidade borbulhante em que se encontrava para dirigir um sorriso ao pai, sentado na última fileira de bancos.
– Nunca lhe agradeci por ter encorajado Oliver a me procurar – sussurrou ela, enquanto os dois pousavam para as fotos nos degraus da igreja. O braço forte se contraiu em torno dela. – Ele não precisou de muito encorajamento, bella mia. Flash lhe segurou a mão antes de ela entrar na limusine e sibilou. – Quem é aquela madrinha de cabelo preto? Misty lhe sorriu, bem-humorada, seguindo o olhar do irmão de criação para se deparar com a amiga e ex-funcionária Clarice, que flertava descaradamente com um dos padrinhos do noivo. O belo empresário italiano parecia igualmente impressionado com a morena efusiva. – O nome dela é Clarice, mas ela gosta de música country… e de homens com mais de 30 anos. – Está brincando? Misty sorriu. – Sinto muito, mas não estou. No interior da limusine, Leone lhe segurou a mão e a presenteou com um sorriso luminoso que fez o coração suscetível de Misty dar uma cambalhota dentro do peito. – Até ontem à noite, sentia tanto ciúme de você com Flash que desejava matá-lo toda vez que o via! – Eu sei… fico feliz que tenha superado isso. Assim como Birdie, ele é a minha família! – Você está deslumbrante, amore – disse Leone, banqueteando os olhos dourados com a visão da esposa, antes de velá-los sob os cílios longos, deixando transparecer uma certa tensão. – Não deveria mencionar isso agora, mas terá uma surpresa esta noite. – Que tipo de surpresa? – Não tenho permissão de lhe contar, mas tive muito pouca participação nisso. – Está soando como alguém que prenuncia uma catástrofe – disse Misty, estudando-o com olhar ansioso. – O que está escondendo de mim? – Nada com que tenha de se preocupar – Ele se apressou em garantir. – Tudo que desejo é que este seja o dia mais feliz de sua vida. E ele achava que a surpresa talvez não fosse muito agradável? – Tem algo a ver com minha irmã gêmea? – disparou ela. Leone não conseguiu esconder a tensão. – Não. – Convidou todas as suas ex-namoradas para a recepção? – Acha que estou querendo ser assassinado? Mais tranquila, Misty se aninhou à lateral do corpo forte. – Por falar no assunto, quando terminou com aquela atriz loura? – Na noite em que a chamei de “Misty” – itiu Leone, meio a contragosto. Aquela confissão a deixou eufórica. – E quando isso aconteceu? – Estou sendo submetido a um interrogatório? – Sim… e se não me contar… como este poderá ser o dia mais feliz da minha vida? – provocou Misty, forçando uma entonação dramática. – Algumas semanas antes de fazê-la aquele contrato. Sorrindo diante da revelação que lhe massageou o ego, Misty refletiu sobre o que aquela surpresa poderia lhe reservar. Na recepção, estava presente um número bem maior de pessoas do que na capela,
que não tinha capacidade para abrigar uma multidão. Quando terminou de cumprimentar o que lhe pareceu ser uns quinhentos convidados, a maioria estranhos, Misty havia empurrado a questão da surpresa para o fundo da mente. No meio da refeição servida com toda pompa, Misty olhou para um ponto do salão e se deparou com uma jovem loura a observando, cujo semblante lhe pareceu familiar. Mas, quando os olhares das duas se cruzaram, a outra mulher desviou o rosto, visivelmente desconcertada. – Quem é aquela loura, sentada ao lado daquele homem bonitão, de terno escuro? – Que bonitão de terno escuro? – rosnou Leone, mordendo a isca com facilidade. Misty soltou uma risadinha. – Eles estão na mesa próxima à porta de entrada. Leone não conseguiu esconder a tensão. – Aqueles são Freddy e Jaspar al-Husayn. – São seus amigos? – Conhecidos recentes. – Leone parecia escolher as palavras com extremo cuidado. – Ele é o príncipe herdeiro de Quamar… – Eles são… da realeza? – Misty ofegou. – Não me lembro de tê-los visto antes. – Chegaram atrasados. Ela é inglesa. Conversaremos com eles mais tarde… – Deixe-me fora disso – retrucou Misty, com uma discreta carranca. – Não saberia o que dizer a uma princesa! Leone lhe dirigiu um olhar surpreso. – Freddy me parece ser bem simpática… – Tenho certeza que sim. – Misty não se deixou impressionar por aquele elogio. Leone parecia não ser muito judicioso quando se tratava de beldades louras. – Mas jamais conheci alguém da realeza antes e ficaria insegura sobre como agir. À medida que avançava a tarde, Misty flutuava pela pista de dança, se sentindo segura nos braços do marido e envolta em um torpor vertiginoso de felicidade. Quando chegou o momento de trocar de roupa para a viagem de lua de mel que fariam à Sicília, Misty subiu para o andar superior, onde ficava a suíte reservada ao uso dos noivos. As madrinhas do casamento, que prometeram subir logo em seguida, não apareceram, e Misty havia acabado de colocar um elegante vestido tubinho azul, quando alguém bateu na porta. Quando a abriu, ela se descobriu cara a cara, ou melhor, baixou o olhar para encarar Freddy alHusayn, que não era tão alta. – Posso entrar para falar com você? – perguntou a outra mulher, com expressão insegura. Perplexa, Misty deu um o atrás. – Sou a surpresa que seu marido não estava seguro de que você gostaria de ter – explicou Freddy, quase como se descule. – Leone disse que não queria aborrecê-la e, quando me contou como um dia meu pai a expulsou de sua casa e disse que eu não gostaria de conhecê-la, senti-me muito envergonhada e revoltada. Mas, ao mesmo tempo, fiquei lisonjeada pelo fato de, há quatro anos, você ter desejado entrar em contato comigo, e espero que ainda queira me conhecer. – Silenciada por aquela surpreendente introdução, Misty se limitou a encará-la com a testa franzida. – Somos filhas da mesma mãe… – prosseguiu Freddy, desconcertada. Mas não sou sua irmã gêmea. Na verdade, sou apenas sua meia-irmã. Jaspar e Leone achavam que eu deveria esperar até que voltasse da lua de mel, mas isso demoraria algumas semanas e estava me sentindo muito impaciente, após procurá-la por tanto tempo!
– Você é minha irmã… – Embora atônita diante daquela descoberta, Misty se descobriu observando a meia-irmã nos mínimos detalhes, como Freddy fizera horas antes. – Oh, que surpresa maravilhosa! O que Leone estava pensando quando lhe pediu que esperasse até eu retornar da lua de mel? – exclamou ela. Daquele ponto em diante, seria difícil dizer qual das duas falava mais ou com maior rapidez, interrompendo a outra com uma pergunta ou comentário. As palavras e as explicações fluíam à velocidade da luz. Misty riu diante da constatação de que sua irmã mais velha era bem mais baixa que ela e ouviu, extasiada, a notícia de que Freddy a procurava havia 18 meses. – Descobrimos onde você morava há apenas 48 horas, mas Jaspar achou que horas antes de seu casamento não era o momento exato de confrontá-la com uma irmã da qual talvez nem conhecesse a existência! – disse Freddy, tristonha. – Então ele procurou Leone em Londres e o fez jurar guardar segredo, porque fiz questão de ser eu a revelar minha identidade a você… Não queria que soubesse através de nenhuma outra pessoa. Não era de irar que Leone tivesse se mostrado apreensivo, refletiu Misty, com ternura, ao recordar a raiva e a atitude defensiva que tivera quando ele sugerira ajudá-la a procurar as irmãs. Um sorriso lhe curvou os lábios ao imaginar os maridos de ambas conspirando para protegê-las o máximo possível da rejeição e do sofrimento. – Minha irmã é uma princesa… mas você é tão normal! Com uma risada encorpada e lágrimas de felicidade a lhe banharem os olhos, Misty segurou a mão da irmã na dela e as duas trocaram um abraço caloroso. Ambas cientes, no mais característico estilo feminino, que haviam encontrado uma amiga, além de uma irmã. As irmãs conversavam, animadas, quando Leone surgiu, com Jaspar em seu encalço. Bastou ver o sorriso de alívio estampado no rosto do príncipe diante do semblante feliz da esposa para que Misty perdesse todo o melindre com relação a seu status. Leone e Misty desceram para se despedir dos convidados, mas Jaspar e Freddy os acompanharam ao aeroporto. Tendo se reencontrado há tão pouco tempo, as irmãs sentiram dificuldade em se despedir. Havia anoitecido quando os dois chegaram à casa de campo situada nas verdejantes e férteis colinas, acima da cidade de Enna. Uma imensa entrada em forma de arco, embelezada por portões altos, se destacava da estrada sinuosa e íngreme, levando-os através de um bosque de oliveiras e frutas cítricas até um imenso e belo jardim. No centro, estava localizada a Villa Fortuna, com suas janelas altas guarnecidas de venezianas que se encontravam abertas, agora que o sol se punha, lançando um brilho dourado às paredes desgastadas pelo tempo. – É idílico – sussurrou Misty, extasiada em conhecer a casa onde Leone havia crescido. Uma hora depois, uma brisa leve e refrescante fazia ondular as cortinas do quarto, enquanto Leone a puxava para perto, fazendo-a estremecer ao toque e à sensação daquele corpo quente e rígido. – Este foi o dia mais feliz da minha vida – murmurou Misty com voz trêmula. – Ainda pode ficar melhor, bella mia. – Um sorriso promissor e muito masculino curvou os belos lábios de Leone, enquanto ele a deitava sobre a cama, observando, com olhar possessivo, o cabelo macio se espalhar sobre o travesseiro como fios de cobre. – Eu costumava imaginá-la assim, neste quarto… em minha cama. Misty fechou uma das mãos também possessiva sobre a mandíbula bem marcada e o fitou nos olhos. – Apenas uma pequena pergunta… você quitou a hipoteca de Birdie apenas por razões altruístas? Leone pareceu tenso, mas exibiu um sorriso tristonho que exalava charme.
– Talvez meio a meio. Não conseguia ar a ideia de vê-la lutar para pagar as parcelas. Se tivesse itido isso, teria sido o beijo da morte em minhas esperanças de tê-la de volta. Quando vi Flash a aguardando no estacionamento… aquele talvez tenha sido o pior momento da minha vida. – Está falando sério? Leone espalmou os dedos contra o abdome macio ainda reto e a observou com o olhar terno e apaixonado. – Mas descobrir nosso bebê foi como se estivesse me afogando e me atirassem uma boia salva-vidas. Eu a adoro, signora Andracchi… Misty inclinou a cabeça para a frente e se apossou dos lábios sensuais, e o fogo doce e viciante do próprio desejo a dominou. Ele a saboreou com um gemido e parou de dizer o quanto estava feliz quando foi puxado outra vez para os braços ávidos da esposa, que lhe garantiu que teriam muito tempo para conversar mais tarde… ONZE MESES depois, Misty entrou no quarto de criança climatizado de Castle Eyrie para verificar como estava o filho, Connor. O bebê se encontrava profundamente adormecido. Era um menino de cabelo negro macio e cacheado e enormes olhos azuis, e a cada dia fascinava mais os pais amorosos. Na verdade, Flash os prevenira de que os dois estavam correndo o risco de se tornarem enfadonhos de tanto falarem do afilhado. Aquele fora um ano muito agitado e repleto de acontecimentos para todos. Em várias ocasiões, Jaspar e Freddy se hospedaram em Castle Eyrie durante a gravidez de Misty. Ela e Leone também haviam ado um período de férias fabuloso no reino de Quamar. Fora uma sorte que os dois maridos se dessem tão bem, porque Misty e Freddy costumavam deixá-los sozinhos para arem longas horas juntas. Na verdade, se tornara muito unida à irmã, e conhecer os sobrinhos, Ben e Kareem, enchera Misty de alegria. Apenas uma coisa sombreava a felicidade das duas irmãs: não haviam logrado êxito em nenhuma das tentativas de descobrir qualquer outra informação sobre a irmã gêmea de Misty. À medida que o tempo ava, parecia-lhe cada vez mais distante a possibilidade de um dia reencontrá-la. Os registros do hospital onde Shannon nascera ainda existiam, mas os relativos à agência de adoção estavam faltando. Leone considerou suspeito esse fato, já que aquelas informações estavam intactas quando Misty fizera a primeira tentativa em contatar a irmã gêmea. Parecia-lhe que, depois disso, alguém deliberadamente removera tal registro. ou pela mente de Leone que, até mesmo aquela carta concisa, expressando tão fria rejeição, que Misty recebera quatro anos antes, talvez não tivesse sido escrita pela irmã. Bastou ler o conteúdo da carta para que ele percebesse que uma adolescente normal não saberia se expressar de maneira tão formal e reservada. Suprimindo o desapontamento de ter de celebrar o aniversário de 23 anos sem nenhuma pista da irmã gêmea, Misty deu um beijo no filho e saiu do quarto. Não havia nada de frio em Castle Eyrie depois que instalaram piso aquecido em todo o interior da residência. Os armários se encontravam abarrotados com roupas de cama da mais alta qualidade e os toaletes eram suntuosos. Cada peça da mobília antiga agora faiscava com o brilho e a fragrância de cera de abelha, e Murdo, que se recusava a se aposentar, embora estivesse com 75 anos, tomava uma dose de conhaque todos os dias, antes de dormir.
Misty amava aquele castelo e Leone também ara a amá-lo, porque, quando se encontravam nas Terras Altas, conseguiam relaxar e ar o máximo de tempo juntos. Um mês antes, Oliver Sargent e Jenny haviam ado um final de semana com eles. O pai de Misty conseguira salvar o casamento, mas apenas recentemente se vira livre das investigações a que fora submetido por causa de sua conduta durante a carreira política. No entanto, Oliver Sargent agora empregava sua habilidade como organizador em prol de uma boa causa, trabalhando para uma instituição beneficente de saúde mental. Embora não fosse um emprego glamouroso nem remunerado, Sargent se sentira muito agradecido pelo fato de alguém ter se dignado a lhe dar a chance de voltar a trabalhar. O pai estava completamente mudado. Transformara-se em um homem bem mais agradável e se mostrava encantado com Connor. Birdie era uma das mais dedicadas iradoras do bebê e lhe fazia visitas regulares, sempre que conseguia se afastar do amado jardim de Fossetts. Pensando em todas as bênçãos que recebera na vida com um sorriso sonhador, Misty se concentrou na pessoa mais importante de sua vida, além de Connor: Leone. Tinha verdadeira adoração pelo marido, mas o mantinha com rédeas curtas. Agora, Leone ava bem menos tempo em viagens ao exterior do que quando o conhecera, e ele havia lhe dado como presente de aniversário um belo anel de diamante com os nomes dos dois gravados. No momento, Misty estava usando uma camisola azul-gelo e o cabelo cor de cobre se encontrava solto sobre os ombros, da forma como Leone gostava que ela usasse. Sentiu o rosto ferver com o calor borbulhante que a aquecia sempre que pensava na paixão do marido. Ele estava retirando a camisa quando Misty entrou no quarto. Leone era uma visão irresistível e ela sentiu a boca ressecar. – Connor estava adormecido, certo? – Leone a provocou com voz rouca. – Eu lhe disse que havia acabado de ar no quarto dele para verificar. – Mas eu queria constatar por mim mesma – retrucou ela, envergonhada em itir que, às vezes, gostava de observar seu bebê no berço, extasiada com o simples fato de ele existir. Embora lhe tivessem garantido que ela seria capaz de voltar a engravidar, Misty optou por esperar alguns anos para ter outro filho. – Venha cá… – Leone a chamou com os olhos dourado-escuros faiscando. Com o coração aos pulos dentro do peito, Misty o encarou com um olhar de pura apreciação feminina, que não diminuíra de intensidade naqueles 11 meses de casamento. Leone sempre fora um homem de beleza estonteante, mas também era sexy e o epítome da masculinidade. Algumas manhãs, Misty ainda acordava ao lado dele irada com o fato de aquele homem lhe pertencer. Sem hesitar, deslizou para os braços fortes como que atraída por um ímã. Leone a pressionou contra o corpo, com um som baixo, porém gutural, de satisfação, envolvendo-a no círculo possessivo dos braços musculosos. – Vamos voltar à Sicília para comemorarmos um ano de casamento no mês que vem, amore mio. – Que delícia! – Misty suspirou, deleitada, pensando que a vida com Leone parecia ser uma longa série de possibilidades mágicas e agradecendo o fato de ele não ser aquele homem viciado em trabalho que ela um dia temera. – E, como um favor especial, você cozinhará aquele nucatoli e pasta ciotti de dar água na boca para mim – completou Leone com voz aveludada. Exatamente como fez naquele primeiro dia. Achei aquilo muito sexy… – Sexy? O fato de eu fazer doces? – Misty ofegou. – Quando eu escrever meu livro sobre como agarrar um magnata siciliano e mantê-lo feliz, que, claro, será recordista em vendas, farei questão de
mencionar a velha e boa comida caseira, que é um truque infalível com alguns homens! – Fingindo fúria, Leone a atirou sobre a cama e ela dobrou o corpo, rindo sem parar. – Claro que também há o truque da cama! O marido se deitou ao lado dela, observando-lhe o rosto risonho com um divertimento apaixonado. – Você é uma diabinha, bella mia… – Mas você me ama muito. – Misty suspirou, arqueando o corpo para encontrar a boca sensual que lhe capturou os lábios. Os dois ouviram o telefone ao lado da cama tocar, mas o ignoraram. Porém, pela insistência das chamadas, Leone acabou por soltá-la com um gemido angustiado de frustração e ergueu o fone. – Não… não, claro que não é tarde para nos telefonar – disparou Leone, mas logo o corpo enrijeceu. A expressão surpresa lhe retesou os músculos do belo rosto moreno e as sobrancelhas negras e espessas arquearam sobre os olhos dourados que agora pareciam concentrados. – Qual o problema? – Misty sibilou, ansiosa. – Quem é? – Birdie… – Leone girou para encará-la. – Ela disse que sua irmã gêmea esteve em Fossetts perguntando por você… Misty se limitou a fitá-lo, chocada. Quando por fim a notícia lhe penetrou a mente, uma onda de alegria eufórica a engolfou, impedindo-a de concatenar os pensamentos e encontrar palavras que definissem o que sentia…
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G769a Graham, Lynne Armadilha para um amante [recurso eletrônico] / Lynne Graham; tradução Vera Vasconcellos. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Harlequin, 2015. recurso digital: il. Tradução de: The disobedient mistress Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de o: World Wide Web ISBN 978-85-398-1931-7 (recurso eletrônico) 1. Romance iralndês. 2. Livros eletrônicos. I. Vasconcellos, Vera. II. Título. 15-23129
CDD: 828.99153 CDU: 821.111(415)-3
PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM HARLEQUIN BOOKS S.A. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE DISOBEDIENT MISTRESS Copyright © 2002 by Lynne Graham Originalmente publicado em 2002 por Mills & Boon Modern Romance Arte-final de capa: Isabelle Paiva Produção do arquivo ePub: Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4º andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Contato:
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Capa Texto de capa Rosto Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Créditos