- PLURAL DOS SUBSTANTIVOS COMPOSTOS A formação do plural dos substantivos compostos depende da forma como são grafados, do tipo de palavras que formam o composto e da relação que estabelecem entre si. A –(sem hífem) como substantivos simples: Aguardente / Aguardentes B – com hífem, B.1 –o primeiro é un verbo ou um advérbio), e o segundo um substantivo ou um adjetivo, apenas o segundo elemento no plural: Beija-flor / Beija – flores ; B.2 –substantivos formados pelo acréscimo ligado por hífem : Vice-presidente / Vice-presidentes B.3 –os dois elementos são variáveis, ambos: Guarda-civil / Guardas- civis B.4 –o segundo :ideia de finalidade ou semelhança ou limita o primeiro, ou dois substantivos: Banana-maçã / Bananas-maçã B.5 –unidos por preposição,apenas o primeiro: Pé-de-moleque/ Pés-de-moleque B.6 – Nos compostos formados por palavras repetidas ou onomatopaicas, apenas o segundo elemento varia: Reco-reco / Reco-recos ; Tique-taque / Tique-taques B.7 – Merecem destaque os seguintes substantivos compostos: O arco-Iris / Os arco-iris ; O salva-vidas/ Os salva-vidas ; O páraquedas / Os pára-quedas
3 - METAFONIA Há muitos substantivos cuja formação do plural não se manifesta apenas por meio da modificação morfológica, mas também implica alteração fonológica. Nesses casos, ocorre um fenómeno chamado metafonia, ou seja, a mudança de som entre uma forma e outra. Trata-se da alternância do timbre la vogal, que é fechado na forma do singular y aberto na forma do plural. Observe os pares abaixo: SINGULAR (ô) PLURAL (ó) SINGULAR (ô) PLURAL (ó) Corvo Corvos Caroço Caroços Corno Cornos Esforço Esforços Povo Povos Poço Poços Socorro Socorros Porto Portos Tijolo Tijolos Olho Olhos
Porco Porcos Jogo Jogos Corpo Corpos Forno Fornos Ovo Ovos Posto Postos Osso Ossos Imposto Impostos
4 - CRASE A crase é a fusão da preposição a com o artigo definido feminino a: Fui à cidade. - o pronome aquele e sua flexões: Ficamos atentos àqueles estranhos. - o pronome a qual e sua flexão de plural: Atenção! Muitas pessoas tendem a pronunciar a crase como se fosse um a dobrado: Fui «aa» sua casa. A pronúncia é errada. Mesmo com o acento indicador de crase, o a é lido sem repetição. (Aliás, a repetição não faz sentido. Se o a é lido duplamente, não é fusão; se não há fusão, não há crase.) Outro erro bastante comum é a confusão das palavras crase e acento grave. Crase é o fenômeno da fusão - que é indicado através do acento grave (‗); portanto crase e 136
acento grave são coisas diferentes. Não se deve dizer que «falta colocar uma crase», mas sim que «falta colocar o acento grave». Crase obrigatória 1 - Quando surgir uma palavra que reja a preposição a e um substantivo feminino que exija o artigo feminino a. - Não falte à festa! 2 - Nas locuções femininas adverbiais, prepositivas e conjuntivas: a) adverbiais: - à esquerda, à direita, às vezes, às escuras, às claras, às pressas, à toa, às escondidas, às seis horas, à meia-noite, etc. Observação! A crase será facultativa nas locuções adverbiais de instrumento - Foi ferido a bala .(à bala) - Fecharam a porta a chave. (à chave) b) prepositivas (a + palavra feminina + de) – à beira do mar ; à moda ; à maneira de ; à frente de, etc. Observação! Nas expressões à moda de, à maneira de, a palavra central pode ficar oculta. Nesse caso, o à poderá vir diante de palavras masculinas. Vestia-se à Luís XV. (à moda de) Churrasco à gaúcha. (à moda) c) conjuntivas - à medida que, à proporção que, etc.
Crase proibida 1) Diante de palavras masculinas: andar a cavalo ; chegar a tempo ; ear a pé ; etc. 2) Diante de verbos: Ficou a contemplar o oceano. 3) Diante de pronomes de tratamento: O que direi a V. Exª? Exceção: os pronomes senhora e senhorita: Já escrevi à senhora. 137
4) Diante de pronomes que não item artigo: Fiz alusão a esta aluna. Referi-me a ela. Não vou a qualquer parte. 5) Diante de palavra no plural, se o a estiver no singular. Muitas pessoas se prestam a exibições lamentáveis. 6) Diante do artigo indefinido uma: Não se deve chegar a uma atitude drástica como esta. 7) Diante da palavra terra, quando esta designar chão firme: Os tripulantes voltara a terra. Observação! Se a palavra terra designar local, região, pátria ou planeta, ocorrerá crase. Não se esqueça de ir à terra de seus avós. 8) Diante da palavra casa, quando não vier determinada por adjunto adnominal: Quando voltou a casa, estava exausta. Observação! Se a palavra casa vier determinada, ocorrerá a crase. Você deve voltar à casa de teus pais. 9) Nas locuções formadas por palavras repetidas: Cara a cara ; frente a frente ; lado a lado ; etc. 10)Diante de nome de cidades: Fui a São Paulo. Observação! Se o nome vier determinado, ocorrerá crase: Fui à São Paulo das indústrias. 138
Crase facultativa 1) Diante de nome próprio feminino: Escrevi uma carta à Marina. (a Marina) - (ambas corretas). 2) Diante de pronome possessivo feminino: Dirija-se à sua sala. (a sua sala) - (ambas corretas) 3) Depois da preposição até. Foi até à janela. (a janela) - (ambas corretas)
5 - A LETRA “ X “ Usa-se a letra x: a) após um ditongo: caixa, peixe, eixo, trouxa, baixo, paixão.
Exceção: recauchutar e seus derivados; b) após o grupo inicial en: enxada, enxaqueca, enxame, enxugar, enxurrada. Cuidado com encher e seus derivados e palavras iniciadas por ch que recebem o prefixo en-, como encharcar (de charco); c) após o grupo inicial me: mexer, mexerica, mexerico, mexilhão, mexicano. Exceção: mecha; d) nas palavras de origem indígena ou africana e nas palavras inglesas aportuguesadas: xavante, xingar, xique-xique, xará, xerife, xampu. 139
capixaba, bruxa, caxumba, faxina, graxa, muxoxo, puxar, relaxar, rixa, roxo, xaxim, xícara.
6 - USOS DE PORQUÊ, PORQUE, POR QUE E POR QUÊ Há quatro maneiras de se escrever: porquê, porque, por que e por quê. Vejamo-las: 1 - Porquê: é um substantivo, por isso somente poderá ser utilizado, quando for precedido de artigo (o, os), pronome adjetivo - meu(s), este(s), esse(s), aquele(s), quantos(s)... ou numeral (um, dois, três, quatro) Ex: - Ninguém entende o porquê de tanta confusão. - Quantos porquês você precisa para acreditar? - Há quatro maneiras de escrever os porquês 2 - Por quê: sempre que a palavra que estiver em final de frase, deverá receber acento, não importando qual seja o elemento que surja antes dela. Ex: - Ela não me ligou e nem disse por quê. - Você está rindo de quê? - Você veio aqui para quê? 3 - Por que: usa-se por que, quando houver a junção da preposição por com o pronome interrogativo que ou com o pronome relativo que. Para facilitar, dizemos que se pode substituí- lo por por qual razão, pelo qual, pela qual, pelos quais, pelas quais, por qual. Ex: - Por que não me disse a verdade? = por qual razão - Gostaria de saber por que não me disse a verdade. = por qual razão
- As causas por que discuti com ele são particulares. = pelas quais - Ester é a mulher por que vivo. = pela qual 140
4 - Porque: é uma conjunção subordinativa causal ou conjunção subordinativa final ou conjunção coordenativa explicativa, portanto estará ligando duas orações, indicando causa, explicação ou finalidade. Para facilitar, dizemos que se pode substituílo por já que, pois ou a fim de que. Ex. - Não saí de casa, porque estava doente. = já que - É uma conjunção, porque liga duas orações. = pois - Estudem, porque aprendam. = a fim de que
7 - QUE e QUÊ Que é pronome, conjunção, advérbio ou partícula expletiva. Por se tratar de monossílabo átono, não é acentuado: - Que você pretende? - Que posso fazer? - Que beleza! - Que horas são ? - Convém que o assunto seja discutido seriamente. - Quase que me esqueço de avisá-lo. Quê representam um monossílabo tônico. Isso ocorre quando um pronome se encontra em final de frase, imediatamente antes de um ponto (final, de interrogação ou exclamação) ou de reticências, ou quando quê é um substantivo (com o sentido de «alguma coisa», «certa coisa») ou uma interjeição (indicando surpresa, espanto): Afinal, você veio aqui fazer o quê? - Você precisa de quê? - Há um quê inexplicável em sua atitude. - Quê ?! Conseguiu trabalho?! - Afinal, você veio fazer o quê ?
8 - MAL e MAU Mal pode ser advérbio ou substantivo. Como advérbio significa «irregularmente», «erradamente». Opõe-se a bem: - Era previsível que ele se comportaria mal. - Era evidente que ele estava mal-humurado porque suas opiniões haviam repercutido mal na reunião. 141
Como substantivo, mal pode significar «doença», moléstia; em alguns casos, significa «aquilo que é prejudicial ou nocivo»: - A febre amarela é um mal que atormenta as populações pobres. - O mal é que não se toma nenhuma atitude definitiva. O substantivo mal também pode designar um conceito moral, ligado à idéia de maldade; nesse sentido, a palavra também opõe-se a bem: - O mal não compensa. Mau é adjetivo. Significa «ruim», «de má índole», «de má qualidade». Opõe-se a bom e apresenta a forma feminina má. - Não é mau sujeito. - Trata-se de um mau . - Tem um coração mau. - Ele é uma má pessoa
9 - AO ENCONTRO DE... e DE ENCONTRO A... Ao encontro de... indica «ser favorável a», «aproximar-se de»: - Ainda bem que sua posição veio ao encontro da minha. - Quando a viu, foi ao seu encontro e abraçou-a. De encontro a... indica oposição, choque, colisão: - Suas opiniões sempre vieram de encontro às minhas. - O caminhão foi de encontro ao muro, derrubando-o.
10 - ACERCA DE... e ... HÁ CERCA DE... Acerca de ...significa «sobre», «a respeito de»: - Haverá uma palestra acerca das conseqüências das queimadas. - Não sei nada acerca de isso! Há cerca de ...indica um período aproximado de tempo já transcorrido: - Os primeiros colonizadores surgiram há cerca de quinhentos anos. - Regressei de Brasil há cerca de uma semana. 142
11 - AFIM... e.... A FIM... Afim é um adjetivo que significa «igual», «semelhante». Relaciona-se com a idéia de afinidade: - Ela tem um caráter afim ao da sua mãe - Tiveram idéias afins durante o trabalho. - São espíritos afins. A fim surgem na locução a fim de, que significa «para» e indica a idéia de finalidade: - Trouxeram algumas flores a fim de nos agradar. - Não estou a fim de ir à festa! Estou doente.
12 - SENÃO... e.... SE NÃO... Senão... equivale a «caso contrário» ou «a não ser»: - É bom que ele colabore, senão não haverá como ajudá-lo.
- Não fazia coisa alguma senão criticar. Se não ...surge em orações condicionas. Equivale a «caso não»: - Se não houver aula, iremos ao cinema.. - Se não estás convencido, não te cases!
13 - A ...e ... HÁ - (EM EXPRESSÕES DE TEMPO) O verbo haver (há) é usado em expressões que indicam tempo já transcorrido: - Tais fatos aconteceram há dez anos. - Há quanto tempo não conversávamos ? Nesse sentido, é equivalente ao verbo fazer: - Tudo aconteceu faz dez anos. - Faz quanto tempo não conversávamos ? A preposição a surge em expressões em que a substituição pelo verbo fazer é impossível: - O lançamento do satélite ocorrerá daqui a duas semanas. - Eles partem para Espanha daqui a duas horas. 143
14 - MAS e MAIS Mas é uma conjunção adversativa, equivalente a porém, contudo, entretanto: - Não conseguiu, mas tentou. - Fui a casa dele, mas não estava. Mais é pronome ou advérbio de intensidade, opondo-se normalmente a menos: - Ele foi quem mais tentou, ainda assim, não conseguiu. - Brasil é dos países mais extensos do planeta.
15 - O USO DAS EXPRESSÕES ONDE, DONDE y AONDE O cantor Lobão tem uma música maravilhosa em que diz: «Aonde está você? Me telefona. Me chama, me chama, me chama...» Harmonicamente perfeita, mas gramaticalmente defeituosa, pois só se deve usar aonde, quando houver idéia de movimento, de destino, ou seja, só com verbos como ir, vir, voltar, chegar, cair, comparecer, dirigir-se. Por exemplo Aonde você irá à noite? Aonde será que chegaremos? Não havendo idéia de movimento, mas sim de procedência, deve-se usar donde, ou de onde. Por exemplo Donde você veio? De onde você é? Não havendo idéia de movimento nem de procedência, usa-se apenas onde.
Por exemplo Onde você encontrou isso, menino? Onde vocês guardaram minhas roupas? O que nunca se pode usar é daonde nem naonde. Então, corrigindo a frase de Lobão, teremos : Onde está você? Outra explicação de reforço: Pregunta: Existe algum uso específico para AONDE e ONDE?» Resposta : (1) QUANDO FALA A ETIQUETA - Sim, existe uso específico para os dois termos. Aonde é a soma de dois vocábulos, a preposição A + o advérbio ONDE. Ora, a presença da preposição restringe o emprego de aonde àqueles verbos de movimento que naturalmente exigem essa preposição: dirigir-se A, ir A, chegar A, etc. «Aonde te diriges? Aonde vais? Aonde chegou a violência urbana». Usar aonde com verbos que 144
não exijam o «A» é considerado erro de regência. Nas seguintes frases, o aonde está errado, e deveria ser substituído pela forma simples onde: «*Aonde está minha camisa? »; «*Aonde ficou o cachorro?». «Encontrei a Fulana. É? *Aonde?». Por outro lado, nada impede que utilize onde como forma genérica, válida mesmo nos casos em que se pode usar aonde: «Onde foste ontem?». (2) QUANDO FALA A CIÊNCIA - Não, não existe diferença no uso desses vocábulos. Nossos escritores clássicos, em que nossa gramática tradicional baseia a maior parte das regras que formula, usam indiferentemente onde e aonde.
16 - QUAL É A FRASE CORRETA ? VAMOS TORCER PARA O BRASIL OU VAMOS TORCER PELO BRASIL ? Vamos torcer pelo Brasil - essa frase foi dita pelo excelente Galvão Bueno, agora cidadão honorário de Londrina - casou-se com uma londrinense e tem um filho aqui nascido - durante o jogo de abertura da Copa do Mundo. Será que está certa? O verbo torcer tem vários usos na Língua Portuguesa. Vejamo-los: 1 - Será verbo transitivo direto, ou seja, não terá preposição alguma, nos seguintes casos:
a) Girar sobre si mesmo ou em espiral: O tintureiro torceu a roupa depois de lavá-la; b) Dobrar: O mecânico torceu a barra de ferro; c) Tirar fora das juntas: O jogador torceu o tornozelo; d) Distorcer: Ela torce os sentidos de minhas frases; 2) Será verbo transitivo indireto, ou seja, exigirá uma preposição, nos seguintes casos: Exigirá a preposição por quando significar: a) Desejar que alguém se saia bem em alguma ação: Torço por meus alunos; b) Simpatizar com algum clube esportivo: Sempre torci pelo Santos; Exigirá a preposição para quando significar: a) Incentivar alguém, gritando e gesticulando: Torcerei para a Seleção até o fim; b) Desejar que alguém se saia bem em alguma ação, surgindo o verbo indicativo dessa ação: 145
Torço para que meus alunos sejam aprovados. Galvão Bueno instigou a população brasileira a assistir aos jogos com entusiasmo, gritando e gesticulando, e não apenas acompanhando visualmente as partidas da Seleção. A utilização da preposição para, então, está adequada aos padrões cultos da Língua Portuguesa. É isso aí, torcida brasileira, Vamos torcer para o Brasil!! Prof. Sinesio José da Cruz – USP
17 - ESTE ou ESSE ? Aprende-se muito cedo a empregar essas palavrinhas. As regras primárias baseiamse no posicionamento do objeto em relação à pessoa que fala e à que ouve no discurso. Se uma camisa, por exemplo, está perto da pessoa que está falando, usam-se este, esta ou isto: « Esta camisa que visto é muito bonita.» Agora, se o objeto estiver próximo a quem está ouvindo, é correto empregar esse, essa ou isso: «Gostei muito dessa camisa que você está segurando». Também é sabido que os pronomes demonstrativos situam os seres (objetos, pessoas, animais, etc.) no espaço e no tempo. Este e suas variantes (isto, disto, deste, etc.)
fornecem-nos sempre a idéia de proximidade. Quando se diz «Esta sala», por exemplo, sabe-se que a pessoa que fala está dentro do referido cômodo. E, quando se diz « este mês», só se pode estar falando do mês atual. Quando se fala de dois elementos, este se refere ao mais próximo; aquele, ao mais distante. Exemplo: Sou muito amigo de Carlos e Manuel. ESTE (Manuel, que está mais próximo) é loiro, e AQUELE (Carlos, mais longe) é moreno. Ressalte-se que este pode, ainda, referir-se a um elemento que tenha sido citado imediatamente antes: Gostei muito daquelas bananas. ESTAS (as bananas, pois estão logo atrás), porém, estavam um tanto quanto verdes. Até aqui, tudo bem. O problema começa a aparecer quando a noção de proximidade (seja do objeto, de dois elementos, do tempo ou do espaço) não está nítida no texto. Repare neste trecho de um artigo, retirado de um jornal londrinense: «Mas o fator mais importante desta estratégia foi a criação...» Qual foi o raciocínio do autor ao construir esse período? «Estratégia» estaria perto de quem fala? No tempo presente? Certamente, não foi possível aplicar as regras físicas e espaciais, as quais já conhecemos. Nesses casos, existe uma norma deveras simples, que parece não ser muito difundida entre os profissionais que utilizam a língua pátria como principal ferramenta de trabalho. 146
Quando o pronome se referir a algo que já foi citado no texto, serão usados esse, essa ou isso. Se disser respeito a algo que ainda vai ser mencionado, devem-se empregar este, esta ou isto. Dessa maneira, o pronome esta – que está contraído com a preposição de, dando origem a desta – está errado no trecho supracitado. Deveria ser dessa, pois a estratégia à qual ele se refere já havia sido mencionada no texto. Logo, a construção correta seria: «Mas o fator mais importante dessa estratégia foi a criação...»
O erro aparentemente não se deve ao desconhecimento do autor, e sim a uma pequena desatenção, pois, no mesmo artigo, ele utiliza corretamente o pronome: «(...) os amigos do HC (Hospital das Clínicas) se estruturaram sob a convicção maior de que vale a pena lutar por esse hospital(...)» Foi usado esse porque se referiu ao hospital, já citado no texto. Tendo em vista essas regras, conclui-se que é muito mais comum usar esse, essa e isso, pois é raro o uso de pronomes que se referem a algo que ainda vai ser citado no texto. Observe estes dois exemplos, que ilustram bem a diferença: «Muita felicidade; é isso o que lhe desejo.» e «É isto o que lhe desejo: muita felicidade.» No primeiro caso, isso refere-se a algo que já foi mencionado («muita felicidade»). No segundo, isto referese à mesma coisa, mas que ainda vai ser citada. Essa é a regra! Você aprendeu? Júlio Tanga – Prof de Lingua Portuguesa - Unicamp.
18 - DEMAIS ou DE MAIS ? Em linguagem, como na vida, certas coisas são como são. Se um geólogo estuda um lençol de areia movediça e o faz assinalar em todos os mapas, ganham os viajantes, que arão por ali com todo o cuidado - mas essa areia não vai ficar menos móvel só por causa disso. O mesmo ocorre, em Português, nessa nebulosa região em que se misturam vocábulos e locuções. Ali a luz é escassa e a sombra é espessa; ali formas como debaixo, demais, detrás convivem com locuções como de baixo, de mais e de trás. Meu mapa diz que o terreno é movediço, e o máximo que eu posso fazer é mostrar algumas coisas básicas que aprendi nos tantos anos em que vivi neste território. 1 - Usamos o vocábulo demais em duas situações básicas (vamos deixar de fora expressões como de mais ou a mais, etc.). Em primeiro lugar, como advérbio de intensidade (irmão de muito, pouco, bastante, etc.), com o sentido de «excessivamente; além da conta» ou de «muitíssimo». Deve
lembrar que esses são os advérbios que podem modificar um verbo, um adjetivo ou mesmo outro advérbio (os demais só modificam verbos): - Eu falei demais. - Vocês comem demais. 147
- O relógio é caro demais. - É tarde demais! - Isso é bom demais! - Ela canta bem demais! Em segundo lugar, pode ser um pronome indefinido, significando ―os outros, os restantes‖. Como é um pronome adjetivo, sempre vai acompanhar um substantivo (expresso ou elíptico): - Convidaram Laura e os demais colegas. - Contrate este candidato e dispense os demais. 2 - A locução de mais, formada pela preposição de e o advérbio mais, significa ―de sobra‖, ―a mais‖, e opõe-se simetricamente à locução de menos: - Cuide para não colocar sal de mais no churrasco. - Uns têm coisas de mais, outros de menos. Também, o sentido ―capaz de causar estranheza; anormal‖: - Não vejo nada de mais em sua resposta. Essas distinções vão ajudar a navegar com serenidade no mar de nosso idioma. Afinal, os simples viajantes não precisam saber que, lá das profundezas, espreitam perigos que preferimos nem conhecer. Um espírito de porco poderia contrapor ―ela falou demais‖ (―excessivamente‖) com ―ela estudou de mais‖ (por oposição a ―ela estudou de menos‖), mas seria o caso de jogá-lo por cima da borda e continuar a viagem.
19 - DETRÁS ou DE TRÁS ? DEBAIXO ou DE BAIXO ? Detrás e debaixo são um pouco mais simples que o movediço demais; nosso idioma parece estar marcando, aqui, a distinção entre ―lugar onde‖ e ―lugar DE onde‖. Compare: (1) Ele estava debaixo da cama (onde) (2) Ele saiu de baixo da cama (de onde) Na frase (2), de baixo se opõe a de cima; é a mesma oposição que vamos encontrar em: ―ele mora no andar de baixo‖ ; ―ele mora no andar de cima‖.
O advérbio detrás também expressa ―lugar onde‖; é sinônimo de atrás. A expressão de trás expressa ―lugar de onde‖; essa preposição ―DE‖ é exigida por um grupo expressivo de verbos de movimento. Compare: 148
(3) Ele se escondeu detrás da pedra. (onde) (4) Ele veio de trás da pedra. (de onde) (5) Tirou o violão de trás do armário. (de onde) Nas frases (4) e (5), de trás se opõe a da frente; é a mesma oposição que vamos encontrar em ―de trás para a frente, da frente para trás‖. Pense, por exemplo, na frase ―A criatura surgiu detrás/de trás da pedra‖; separado, significa que ela veio de lá; junto, que foi lá que ela nasceu (ou se materializou ...). Tenho certeza de que poderá encontrar vários pares interessantes como esse.
20 - O ou LHE ? Os alunos podem fazer uma pequena confusão entre o “ lhe ― do uso culto escrito e o ― lhe ― do uso falado . No primeiro, que é naturalmente mais conservador, o ― lhe ― é o pronome de 3ª pessoa usado para representar os objetos indiretos ; a hierarquia de nosso interlocutor não é levada em consideração. Se eu devo um favor ao rei , ou ao jardineiro ―, ou a você ―, a frase que eu vou dizer será a mesma: ―eu lhe devo um favor‖. Neste sistema, portanto, a escolha entre ―o‖ ou ― lhe‖ é feita por critérios exclusivamente sintáticos (se o objeto é direto ou indireto ). No uso falado, contudo, desapareceu essa vinculação sintática do ― lhe ― ao objeto indireto, e foi-lhe atribuída a função social de expressar um tratamento mais delicado, mais respeitoso. Por isso mesmo, nas regiões do Brasil onde se usa o ― você ― (em vez do ― tu ―) para o tratamento entre pessoas de igual hierarquia, a forma escolhida para representar o objeto indireto é o ― te ―, que é um pronome da 2ª pessoa. No Rio de Janeiro, por exemplo, vai ouvir ― ―Você foi muito gentil; eu te devo um favor‖; ―Eu te disse que ia dar errado, mas você não acreditou‖. Apesar de usual, essa mistura de
pessoas gramaticais ainda é considerada como erro pela maioria dos gramáticos.
21 - COMO SE DIZ: A MARÍA ou MARIA (SEM O ARTIGO ) ? Acontece que os falantes do Português se dividem em dois grupos: os que usam e os que não usam artigo antes de nomes próprios. Quando eu falo do meu filho Matias, eu digo ― O Matias ou por aqui‖, mas sua namorada, que é do Rio de Janeiro, já prefere dizer ―Matias ou por aqui‖. No feminino, uns dizem ―Encontrei Maria no jogo‖, outros dizem ―Encontrei a Maria no jogo‖. Ambas formas são corretas. 149
22 - TU ou VOCÊ ? Todo brasileiro tem o direito de escolher entre ―tu‖ ou ―você‖, como forma de tratar seu interlocutor. Geralmente, a turma aqui do Sul prefere o tu, enquanto o pessoal de Santa Catarina para cima prefere o você. De qualquer forma, a escolha é livre. Acontece que, feita a escolha, as conseqüências gramaticais (verbos, pronomes, etc.) devem estar de acordo com a opção, já que o tu é um pronome de 2ª pessoa, enquanto você é de 3ª. Uma das misturas mais indigestas para quem hoje ainda tenta escrever corretamente o nosso idioma. Essas duas áreas já são problemáticas de per si; quando se juntam, é natural que o cenário fique ainda mais confuso. O uso do tu é para quem está acostumado. Essa forma, que está progressivamente sendo abandonada pelo Português do Brasil, pode tornar-se uma armadilha fatal para recém-chegados. Vou esclarecer por partes. O tratamento - Quando nos dirigimos a alguém, o Português moderno permite que escolhamos livremente entre tratá-lo por TU ou por VOCÊ; embora haja certas preferências regionais e de tratamento formal. Qualquer brasileiro, em qualquer parte do país, é livre para usar a forma de tratamento que lhe aprouver. No jargão das
gramáticas tradicionais, portanto, TU e VOCÊ são duas formas igualmente corretas para tratar a segunda pessoa do discurso (definida como aquela a quem se fala). É importante frisar que, apesar de ambos se referirem à segunda pessoa (do discurso), ―tu‖ pertence à segunda e ―você‖ pertence à terceira pessoa GRAMATICAL, exigindo as formas verbais e os pronomes respectivos. Comparem a frase... - Se você não trouxe seus livro, vai se arrepender‖ com a frase ... - Se tu não trouxeste teu livro, vais te arrepender‖ - ambas corretas. Numa espécie de darwinismo lingüístico, as duas formas aram a disputar a preferência dos falantes. Ambas estão ainda em uso, mas a direção de tendência - ou seja, o rumo inexorável para onde os dados lingüísticos apontam parece ser a supremacia absoluta do você e a retirada de cena do tu, assim como já aconteceu com o vós (lembro apenas que essa disputa vai durar alguns séculos, ao longo dos quais as hesitações vão naturalmente continuar ocorrendo). Nosso quadro verbal, então, vai reduzir-se a quatro pessoas (eu; ele/ela,você; nós; eles/elas, vocês). O imperativo - Para fazer um convite, uma exortação, ou dar uma ordem - aquilo que a mitologia gramatical denominou de imperativo -, deveríamos usar formas verbais muito diferentes para o tu e para o você. - eu disse ―deveríamos‖, porque na prática quase nunca isso acontece. A forma que corresponde ao você é idêntica ao presente do subjuntivo, enquanto a que corresponde ao tu é uma forma própria, exclusiva, obtida a partir do presente do indicativo, com a perda do ―S‖ característico: 150
ColaborE você ———> colaborA tu devolvA você ———> devolvE tu insistA você ———> insistE tu fiquE você ———> ficA tu Estas formas são as que correspondem ao tu: ―liga agora pra nossa central‖, ―escreve aqui pra rádio‖, ―olha a postura!‖. Assim, ― ligue‖, ―escreva‖ e ―olhe‖, correspondentes ao você.
23 - FALEMOS BEM!! Já é meio-dia e meio? Não! Já é meio-dia e meia, pois a palavra meio, em ambos os casos apresentados, indica a metade de alguma coisa. Quando isso acontecer, meio concorda com o substantivo a que se refere. Dia é masculino, então meio; hora é feminino, então meia.
24 - PARA ou PRA? Quanto à fala, não há dúvida: sempre - mas sempre mesmo - dizemos pra. A preposição é átona e fica reduzida, na fala, a uma sílaba apenas. Só se ouve para, completo, com as duas sílabas, em leitura de criança recém-alfabetizada ou na fala de estrangeiro que está aprendendo Português. Agora, escrever é outra coisa; escrevemos para, a não ser em textos especiais (letra de música, poemas, frase de publicidade, cartas pessoais, e-mails), onde podemos usar o pra, se quisermos. O meu mestre Luft falava nisso, na possibilidade de distinguirmos dois tipos de pra (que, friso de novo, só se ite escrever em língua culta informal): (1) o pra que reproduz a verdadeira pronúncia do para; Escrevo: esse carro é para mim Digo: esse carro é pra mim (2) o prá, que seria a combinação (não podemos falar aqui de contração; só podemos usar esse termo para a + a) da preposição com o artigo, fazendo parte da série prá, prô, prás, prôs». O pior, dizia ele, é que isso seria um acento especial, fora de todos os princípios de acentuação, já que vocábulos átonos (preposições e artigos) não podem levar acento gráfico, reservado exclusivamente para sílabas tônicas; além disso (acrescento eu), teríamos, por coerência, de escrever prá, prô, prás, prôs, o que seria um desastre ortográfico e fonológico (por que falsearia a verdadeira pronúncia). Escrevo: vou para a praia Digo: vou prá praia 151
Neste caso, ele é exclusivamente locativo porque indica ―o lugar‖ (espaço próprio para determinado fim, posição, situação; etc.). Note que não é em sentido figurado; é lugar mesmo.
E não podemos esquecer que pra, como qualquer preposição, é um vocábulo átono e, ipso facto, sem acento.
25 - ESTÁ CORRETO? Anúncio de jornal diz: «A Internet que não quebra a sua cabeça e nem o seu bolso.» A frase do anúncio está equivocada, sem dúvida. O certo sería ...a sua cabeça nem o seu bolso‖. Contudo, o problema não é tão simples quanto parece. Há frases em que vai ocorrer, normalmente, a seqüência E + NEM. Explico: 1 - Só NEM Nem é a união de [e + não], como já observou na pergunta. Como o E já está implícito no NEM, repeti-lo seria um daqueles erros tão famosos que até nome tem: pleonasmo vicioso. Ele não voltou [e não] ou [nem] avisou quando o fará. 1.1 - É muito comum a oração introduzida por NEM ser antecedida por uma oração com NÃO ou qualquer outra palavra negativa (ninguém, nunca, jamais, etc.). Nós não comparecemos à audiência, nem fomos citados de novo. Ninguém o ajudou, nem ajudará. Nunca visitavam os pais, nem telefonavam. 1.2 - Pode aparecer repetido (NEM ... NEM...) Nem a polícia recuava, nem os manifestantes se dispersavam. 1.3 - Entra no lugar de NÃO antes de todos, tudo e sempre: Nem sempre teremos essa sorte. Nem tudo que reluz é ouro. 152
Nem todos podem pagar esse preço. 1.4 - Em algumas estruturas tradicionais, vale por E SEM: História sem pé nem [e sem ] cabeça. Ele puxou o revólver, sem quê nem [e sem] para quê. Ele disse isso, sem tirar nem [e sem] pôr. 2 - A seqüência E NEM : Observe os seguintes exemplos, todos corretos: Ele me reconheceu E NEM me cumprimentou. Foi visitar o prefeito E NEM fez a barba. Devia-lhe muitos favores E NEM se propôs a ajudá-lo. O que me parece mais importante é perceber que este E não tem relação alguma
com o NEM, ou seja, não existe, na verdade, a expressão E NEM. O que temos aqui é uma seqüência casual de dois vocábulos independentes, sintática e semanticamente. Vejamos: 2.1 - O valor da conjunção E, aqui, não é aditivo, mas adversativo (equivale a MAS, como na frase «Ele é bilionário E não ajuda ninguém»). As duas frases abaixo são sinônimas: O professor me reconheceu E nem me cumprimentou. O professor me reconheceu, MAS nem me cumprimentou. 2.2 - O NEM, por sua vez, está sendo usado para indicar que algo inesperado aconteceu. Compare: O professor me reconheceu e NÃO me cumprimentou. O professor me reconheceu, mas NÃO me cumprimentou. O professor me reconheceu e NEM me cumprimentou. O professor me reconheceu, mas NEM me cumprimentou. Embora em todas as frases o nexo adversativo (tanto o MAS, quanto o E) indique que eu aguardava o cumprimento que não veio, fica implícito que isso era o mínimo que o professor devia ter feito. Percebe-se que nessas frases o NEM faz parte de uma 153
expressão maior: NEM [AO MENOS], NEM [MESMO], em que a segunda parte pode vir explícita ou implícita. O professor me reconheceu e NEM AO MENOS me cumprimentou. O professor me reconheceu, mas NEM AO MENOS me cumprimentou. 2.3 - Outra coisa: note que este NEM é bem diferente do que aparece acima, na seção 1. Enquanto aquele, por representar [e + não], deve sempre ser antecedido de uma oração negativa, este não tem a mesma exigência.
26 - ATRASADA/O ou RETRASADA/O? É para ver como são as coisas - eu, gaúcho que sou, ouço desde pequeno «a semana retrasada», e achei estranhíssimo a primeira vez que li «asemana atrasada»; depois, acostumei. Na verdade, «atrasado» é bem mais antigo, em nosso idioma; «retrasado », segundo Houaiss, surgiu apenas no séc. XX. Os dicionários de Portugal não
o registram; apenas na atual edição do Morais encontrei retraso, como sinônimo de atraso (no Espanhol, são intercambiáveis: «reloj atrasado/retrasado»). Uma rápida pesquisa nas páginas da Internet escritas em Português, no entanto, revelou um emprego maciço de retrasado; não há dúvida de que esta forma conquistou a preferência dos falantes para designar uma data (semana, mês, ano) anterior à ada: se estamos em dezembro, o mês ado foi novembro e o retrasado foi outubro. Por que isso? Bem, minha experiência diz que nunca o surgimento de novas palavras (e a adesão dos falantes a elas) é imotivado; parece que os usuários estão tentando evitar a confusão com o sentido predominante de «atrasado» - «fora do prazo» -, como em «quem estiver mais de um ano atrasado, vai pagar multa», ou «o programa da Microsoft chegou um ano atrasado», ou «na semana seguinte cobraram uma semana atrasada», e assim por diante. Essas disputas por território entre vocábulos acontecem a toda hora, e o uso e o tempo vão decidindo quem fica com o quê.
27 - USE A CONJUNÇÃO ADEQUADA Quando coloco uma conjunção entre duas orações, estou tentando definir qual o nexo - dentro da minha óptica - elas têm entre si. Dou um bom exemplo: compare «Ele foi eleito para a Academia; portanto, deve ser um bom escritor», com «Ele foi eleito para a Academia; entretanto, deve ser um bom escritor». Na primeira, está manifesta a idéia de que entrar para a Academia é um ponto positivo; na segunda, exatamente o contrário. Escolher «entretanto» ou «portanto» vai permitir que eu exprima diferentes relações entre as mesmas idéias. 154
28 - ESTÓRIA ou HISTÓRIA? Foi João Ribeiro, forte conhecedor de nosso idioma, quem propôs a adoção do termo estória, em 1919, para designar, no campo do Folclore, a narrativa popular, o conto tradicional, objeto de estudo dos especialistas daquela área. E não se tratava de inventar,
mas sim de reabilitar (hoje usariam o horrendo resgatar...) uma forma arcaica, comum nos manuscritos medievais de Portugal. Era uma ingênua proposta, paroquial, nascida da inveja compreensível que causa a distinção story - history do Inglês. Em primeiro lugar, a estória medieval não era um vocábulo diferente de história; era apenas uma das muitas variantes que se encontram nos textos manuscritos de nossos copistas, naquele tempo heróico em que a estrutura de nossa ortografia ainda lutava para sedimentar. Ali aparecem história, hestória, estória, istória, estórea (ainda não se usavam os acentos, que são de nosso século, mas não pude resistir). Entretanto, já no séc. XVI - em Camões, por exemplo - a grafia de homem e história era a que é usada até hoje. Outras línguas da família latina, como o Espanhol e o Francês, também experimentaram essa variedade de formas. É mais do que comum o fato de uma língua fazer distinções vocabulares que outras não fazem. Como tive a oportunidade de mencionar em outro artigo, o Espanhol designa com um único vocábulo (celo, celos) o que nós distribuímos por três: zelo, cio e ciúme. Assim são as línguas humanas, na sua (im)perfeição. Além disso, os amáveis folcloristas que defendiam estória pensavam apenas em distinguir «a História do Brasil das Histórias da Carochinha». Do ponto de vista lingüístico, erraram por todos os lados. Primeiro, erraram porque essa não é uma distinção útil, que justifique sua defesa. O português José Neves Henriques, o severo e consciencioso JNH, condena essa invenção «brasileira» (ele tem razão: é coisa nossa), tachando-a de «uma palermice, porque, até agora, nunca confundimos os vários significados de história. O contexto e a situação têm sido mais que suficientes para distinguirmos os vários significados». Certo o professor Henriques, errados os folcloristas: ninguém vai confundir a história
de um país com a história (estória) do bicho-papão. Erraram porque enxergavam apenas dois pólos bem definidos: a história que se refere ao ado e ao seu estudo, e a estória da narrativa, da fábula. De qualquer forma, o uso de estória poderia ter ficado confinado ao mundo do Folclore, onde talvez fosse de alguma utilidade. Afinal, não é incomum que certas áreas do pensamento postulem, para uso exclusivo, vocábulos novos ou variações fonológicas ou ortográficas de vocábulos antigos, no afã de obter maior precisão em seus conceitos. 155
29 - ANTÁRTICA ou ANTÁRTIDA? O nome do continente onde fica o Pólo Sul é Antártica ou Antártida? Tudo indica que a forma mais indicada é a primeira. O nome Ártico vem do Grego arktos - urso , não por causa dos ursos do Pólo Norte, mas sim por causa da Grande Ursa, a constelação do Norte. O continente gelado do Sul, a Antártica, foi convenientemente batizada como «oposta ao Ártico» (anti + arctico). Nos mapas-múndi do século dos descobrimentos, figurava um «continente Austral», que se estenderia da Austrália (que só era conhecida em parte) até a Terra do Fogo, sem interrupção. Muitos navegadores dos séculos XVI e XVII chegaram bem perto, ao ar do Pacífico ao Atlântico, mas, ao que parece, o primeiro a atravessar o Círculo Antártico foi James Cook, na sua viagem de 1772-5, comandando o Resolution e o Adventure (nomes perfeitos para um navio se tornar lendário ...) . De onde teria vindo a variante Antártida (com «D»), usada principalmente pelos países de língua espanhola (a Argentina, o Chile, a própria Espanha)? A melhor explicação que encontrei foi de uma enciclopédia chilena na Internet («Icarito»), que justifica a alteração por uma associação equivocada com o continente perdido da Atlântida. Faz sentido, por duas razões.
A primeira, de base lingüística: desconsiderando a etimologia do nome (que está, como vimos, associada ao Ártico), pode-se construir uma simples proporcional, em que o adjetivo atlântico está para o substantivo Atlântida assim como o adjetivo antártico estaria para Antártida. A segunda, pelo lugar que ambas, Atlântida e Antártica, ocuparam no imaginário do Ocidente por centenas de anos: terras misteriosas, ignotas, onde tudo poderia acontecer. Enquanto os noruegueses de Amundsen e os ingleses de Scott, na virada deste século, não desbravaram o Continente Branco, a Literatura se aproveitou deste último rincão desconhecido de nosso planeta para imaginar paisagens fantásticas. Basta lembrar ao leitor o mundo tropical, misterioso e aterrorizante, que Poe situa nas imediações do Pólo Sul em seu inigualável «As Aventuras de Arthur Gordon Pym», que mereceu a continuação de pelo menos dois famosos escritores, Júlio Verne («A Esfinge dos Gelos») e H. P. Lovecraft («As Montanhas da Loucura»). O Francês ora usa Antarctique, ora Antarctide. No Brasil, a hesitação vai pouco a pouco se resolvendo em favor da forma internacional Antártica. É a forma utilizada, por exemplo, no sítio da Universidade Federal de Santa Maria, que desenvolve pesquisas na região, e no sítio de Amyr Klink, Antártica 360°. Quem alega que Antártica é o nome da cerveja, e não do continente, está tomando o efeito pela causa: a cerveja é que foi batizada de Antárctica (assim mesmo, com o «c» antes do «t») em homenagem às terras geladas do Sul - com direito aos dois 156
pingüins no rótulo. Só não sei se aqui Antártica é substantivo ou adjetivo (comparando: se é cerveja Brasil ou cerveja Brasileira; ou, num exemplo ainda mais adequado, se é cerveja Ártico ou cerveja Ártica). Isso se resolve com uma pesquisa na história da Cervejaria Antárctica, que tem, aliás, como concorrente principal, a Cervejaria Brahma,
cujo nome vem do famoso deus Brahma (que estava presente nos rótulos primitivos); sua adoração (do deus, não da bebida) é conhecida por «bramanismo».
30 - ALGUNS EQUÍVOCOS DA IMPRENSA NACIONAL Leia esta opinião acerca de alguns deslizes gramaticais cometidos pelos jornalistas. O que está ocorrendo com a nossa Imprensa, que tem demonstrado verdadeiro amor pelo verbo ir, a ponto de empregá-lo desordenadamente como auxiliar para indicar fato futuro? A meu ver (alguns dizem ao meu ver), outro equívoco que anda solto é o uso do verbo estar, via de regra no gerúndio, este usado em todos os verbos. Outro erro muito comum é de concordância verbal no emprego de um dos que . Por outro lado, há verdadeira aversão pelo verbo haver no sentido de existir. Eis algumas pérolas: - A Rádio vai estar transmitindo a partida», em lugar de: «A Rádio transmitirá a partida» - Quem for ao estádio irá pagar dez reais, em lugar de - quem for ao estádio pagará dez reais» - Na próxima semana o paulistano vai estar pagando R$ 1,91 pela agem de ônibus» – em lugar de... o paulistano pagará R$ 1,91 pela agem de ônibus. - Fábio Luciano é um dos que está pendurado com dois cartões amarelos» em lugar de.... Fábio Luciano é um dos que estão pendurados». - Tinham três jogadores impedidos» ou «tinha um jogador impedido» em lugar de....havia três jogadores impedidos ou «havia um jogador impedido» São os efeitos da progressão continuada? Já terá o Governo atingido sua meta? Sinésio José da Cruz
31 - OS VERBOS Verbo é a palavra que indica ação, praticada ou sofrida pelo sujeito, estado ou qualidade do sujeito, ou fenômeno da natureza. Estrutura e Flexão
Radical: e a parte do verbo que serve como base significativa. Obtémse o radical do verbo retirando-se as terminações -ar, -er, -ir do infinitivo. 157
Infinitivo Radical Terminação cantar cant- -ar bater bat- -er partir part- -ir Vogal temática: é a vogal que se agrega ao radical, preparando-o para receber as desinências. Além de indicar a que conjugação pertence o verbo. Há três conjugações para os verbos da língua portuguesa: 1ª conjugação: verbos terminados em –ar 2ª conjugação: verbos terminados em –er 3ª conjugação: verbos terminados em –ir Observação: O verbo pôr e seus derivados pertencem à 2ª conjugação, por se originarem do antigo verbo poer.
32 - O PROCESSO DE CONCORDÃNCIA VERBAL EM PORTUGUÊS O processo de concordância verbal é extremamente simples em nosso idioma: sujeito no singular, verbo no singular; sujeito no plural, verbo no plural. Na frase ―O povo brasileiro é patriota‖, o sujeito é o povo brasileiro - terceira pessoa do singular -, o verbo na mesma pessoa. para a concordância usual - simples assim. Usando a primeira pessoa do plural: «Os brasileiros somos......». – (nós, os brasileiros, somos..... ) – 1º pessoa do plural em concordância.
33 - TEMPOS VERBAIS MAIS USADOS
34 - FORMAÇÃO DO IMPERATIVO E DOS TEMPOS COMPOSTOS FORMAÇÃO DO IMPERATIVO Imperativo Afirmativo Imperativo Negativo Observações : A - O Verbo ser no Imperativo Afirmativo faz, excepcionalmente: sê (tu) ; sede (vós). B - O Imperativo não possui a 1ª pessoa do singular nem as 3ª pessoas. As formas verbais correspondentes aos pronomes de tratamento (você, vocês o senhor, os senhores, etc.), embora revistam aspectos de 3ª pessoa verdadeiramente referemse à 2ª pessoa do discurso da pessoa com quem se fala). FORMAÇÃO DOS TEMPOS COMPOSTOS Os Tempos Compostos da Voz Ativa são formados pelos Verbos Auxiliares ter ou haver, seguidos do Particípio do Verbo principal: Exemplos: Tenho trabalhado muito. Havíamos saído cedo. Tinham posto a mesa. Os Tempos Compostos da Voz iva se formam com o concurso simultâneo dos auxiliares ter (ou haver) e ser, seguidos do Particípio do Verbo principal: Exemplos: Tenho sido maltratado por ele.
Os dois tinham (haviam) sido vistos aqui. Outro tipo de Conjugação Composta - também chamada Conjugação Perifrástica são as Locuções Verbais, constituídasde Verbo Auxiliar mais Gerúndio ou Infinitivo: Deriva-se do presente do indicativo a 2ª pessoa do singular (tu) e a 2ª pessoa do plural (vós),mediante a supressão do «s» final; as demais pessoas (você, nós, vocês) são tomadas do presente do subjuntivo. Não possui, em português, formas especiais: suas pessoas são iguais às correspondentes do presente do subjuntivo. Pessoas tu você nós vós vocês Indicativo dizes dizeis Imperativo Afirmativo dize diga digamos dizei digam Subjuntivo digas diga digamos digais digam Imperativo Negativo não digas não diga não digamos não digais não digam 162
35 – EXEMPLO DE VERBOS NO TEMPO SIMPLES E NO TEMPO COMPOSTO Vamos ver a diferença de uso dos verbos no tempo simples com os verbos no
tempo composto. Primeiro leia o texto com os verbos no tempo simples: ―Tento dormir, mas não consigo pegar no sono. Os problemas aumentaram e estou preocupado. No ano ado, desde que eu abri o negócio, eu consegui aumentar o volume dos negócios e estava satisfeito. Abri novas filiais e parecia que tudo ia bem. Mas abrir novas lojas foi meu grande erro. Se não abrisse tantas lojas, talvez eu estivesse bem. Talvez eu precise de um psiquiatra. Se não conseguir dormir antes de uma semana, não estarei bem de saúde e muito provavelmente não conseguirei resolver meus problemas na firma.‖ Agora leia o mesmo texto com os verbos no tempo composto: "Tenho tentado dormir,mas não tenho conseguido pegar no sono. Os problemas têm aumentado e tenho estado preocupado. Desde o ano ado quando eu abri o negócio, eu tinha conseguido aumentar o volume dos negócios e tinha estado satisfeito. Tinha aberto novas filiais e parecia que tudo ia bem. Mas, ter aberto novas lojas, talvez tenha sido meu grande erro. Se não tivesse aberto tantas lojas, talvez eu estivesse bem. Talvez eu esteja precisando de um psiquiatra. Se não tiver conseguido dormir antes de uma semana, não estarei bem de saúde e muito provavelmente não terei conseguido resolver meus problemas na firma‖.
36 - A EXPRESSÃO “VOU IR” É CORRETA ? Há vários exemplos de locução verbal, em nossa língua, em que aparece o mesmo verbo, tanto na posição de auxiliar quanto na de principal; os mesmos fariseus que condenam «vou ir» aceitam «há de haver», «vinha vindo», «tinha tido». É evidente que o verbo só tem o seu significado pleno, originário, quando está na posição de principal; em «há de haver uma solução para este problema», o auxiliar (há) exprime a idéia de «desejo» (leia-se: eu gostaria que houvesse) ou de «obrigatoriedade» (leia-se: deve haver), enquanto o principal é que tem o sentido usual de «existir». No caso de
«vou ir», vem agregar-se um outro fato lingüístico muito importante: a forma preferida de expressar o futuro, no Português moderno, é uma locução verbal com a estrutura [«ir» no pres. do indicativo + qualquer verbo no infinitivo]. Essa estrutura (vou sair, vou poder, vou ficar, vou ser) concorre com outras possibilidades, também usadas, mas em menor escala: (1) o próprio presente do indicativo - «Amanhã eu posso» ; «No ano que vem eu saio»; (2) o futuro do presente (sairei, poderei, ficarei, serei); (3) a locução [verbo haver + infinitivo]: ―hei de sair, tu hás de entender.‖ 163
Estudos atualizados mostram que as hipóteses (2) e (3) são, no fundo, a mesmíssima coisa. Como herança do Latim tardio, que substituiu a forma única do futuro por uma locução (amare habeo), nosso futuro, que parece ser uma forma una, na verdade é uma locução invertida, com o auxiliar «haver» à direita. Exemplifico: pega «eu hei de comprar, tu hás de comprar, ele há de comprar» e inverte a ordem dos verbos: «comprar hei, comprar hás, comprar há»;uma pequena adaptação ortográfica, com a óbvia queda do «H», e terás «comprarEI, comprarÁS, comprarÁ». Portanto, o que parece ser uma forma verbal simples é, na verdade, uma forma composta (comprar+ei, comprar+ás, etc.). Mas exigiria uma coisa chamada de mesóclise, definida sinistramente como «o pronome no meio do verbo». Na verdade, só existe próclise ou ênclise, mesmo para verbos no futuro: ou usamos o pronome ANTES do verbo, como em «Eu TE PAGARei», ou usamos o pronome DEPOIS do verbo, como em «PAGAR-TE-[ei]». Quando digo «antes» ou «depois», estou falando em relação apenas ao verbo pagar. O «EI», que alguns confundem com uma terminação verbal, é só o nosso velho amigo, o verbo haver, desfigurado pela ausência do «H», e a chamada «mesóclise» é apenas a colocação
do pronome ENTRE o verbo principal e o verbo auxiliar. O que está acontecendo no Português moderno, é uma troca de auxiliar: em vez de usar o auxiliar haver, como nas hipóteses (2) e (3) acima, estamos utilizando cada vez mais o auxiliar ir. Isto é: quando queremos expressar a idéia de futuro, ou empregamos o presente do indicativo (menos usado) ou empregamos a locução [vou + infinitivo]. Como todo e qualquer verbo pode, em tese, ocupar a casa da direita, vão formar-se locuções do tipo vou vir, vou ir. Erradas elas não são; podem soar ainda um pouco estranho para muitos ouvidos, mas muitos outros já se acostumaram a elas, inclusive escritores e compositores de renome. Só para adoçar toda essa explicação, dou um exemplo saudoso, de um escritor de respeito: Vinícius de Moraes, na música «Você e Eu», feita em parceria com Carlos Lyra, usou, muito simplesmente (e em dose dupla): «Podem preparar Milhões de festas ao luar Que eu não vou ir Melhor nem pedir Que eu não vou ir, não quero ir». Sua Língua - Prof. Claudio Moreno
37 - O PARTICÍPIO - ENTREGUE ou ENTREGADO ? Você lembra o que é particípio? São formas como «falado», «beijado», «bebido», «esquecido»... Há verbos, muitos verbos, que têm dois particípios. Na hora de escolherem entre um e outro, as pessoas comumente ficam em dúvida. Dois exemplos: o verbo «salvar» tem dois particípios, «salvo» e «salvado». O verbo «entregar» também: 164
«entregado» e «entregue». Como se diz: «Eu havia entregado o pacote» ou «Eu havia entregue o pacote»? O correto é :»Eu havia entregado o pacote». Este é o que as gramáticas chamam de particípio longo, regular, que termina em «ado» ou «-ido». O particípio longo é usado quando o verbo auxiliar é «ter» ou «haver». Os particípios
curtos, irregulares, como «salvo» e «entregue», são usados quando o verbo auxiliar é «ser» ou «estar». Portanto: Particípio longo : Eu havia entregado o pacote. O árbitro tinha expulsado o jogador. Ele foi condecorado por ter salvado a moça. Particípio curto : O pacote foi entregue. O jogador foi expulso. A moça foi salva, e isso lhe valeu uma condecoração. Claro que essa regra vale apenas para verbos que têm dois particípios. Nos verbos com um único particípio, não há escolha. O verbo «fazer», por exemplo, tem um só particípio. Não se diz «Eu tinha fazido a comida», e sim «eu tinha feito a comida». Cuidado com o verbo «chegar»: apesar de muitos dizerem «Eu tinha chego», na língua culta o particípio desse verbo é «chegado». Em situações formais, diga e escreva sempre «Eu tinha chegado».
38 - CONCORDÂNCIA VERBAL - O DESLOCAMENTO DO SUJEITO «Falta só dois reais», me diz o rapaz da livraria, enquanto procura nos próprios bolsos o troco que não tinha no caixa. Levanto os olhos para ele e hesito; uma vida toda como professor de Português me deu uma grande sem-cerimônia em corrigir o que os outros falam errado, mas a experiência também me ensinou que nem todos aceitam de bom grado uma lição gratuita. Recebo as duas moedas e me afasto, pensando que, ao menos, nem tudo estava perdido, já que ele não disse o «dois real» de sempre. Eu compreendo o balconista: ele sabe (conscientemente ou não, ele sabe) que o verbo deve combinar com o sujeito, nesse fenômeno que chamamos de concordância. Não se trata de caprichar a linguagem que ele está usando; é muito mais profundo. Ele 165
nasceu dentro dessa língua e dentro dela virou gente; logo, este princípio está gravado
tão claramente em algum ponto de seu sistema nervoso quanto os comandos que permitem que ele alterne os pés para caminhar para a frente. Ora, como é que algo tão elementar e fundamental pôde ser desconsiderado, a ponto de ele usar falta em vez de faltam? É muito simples: talvez esta seja a maior fonte de erros de concordância no Português. Estamos acostumados a encontrar o sujeito no começo da frase; quando ele é deslocado para uma posição À DIREITA do verbo, é muito provável que o confundamos com os complementos. Quando escrevemos, com todo aquele tempo que temos para refletir e revisar, um exame um pouco mais detalhado da estrutura identificaria o sujeito; a maioria das pessoas, contudo, deixa de fazê-lo, cometendo este tipo de erro. Veja os exemplos abaixo (as expressões destacadas são o SUJEITO da frase): ERRADO: No ano ado teve início as conferências. Foi anunciado, em São Paulo, os nomes que compõem o Ministério. Ficou provado, desta forma, as tentativas de suborno. Espero que seja explicado a razão de sua atitude. CORRETO: No ano ado tiveram início as conferências. Foram anunciados, em São Paulo, os nomes que compõem o Ministério. Ficaram provadas, desta forma, as tentativas de suborno. Espero que seja explicada a razão de sua atitude. Este erro é ainda mais freqüente com aquele pequeno grupo de verbos que normalmente têm o sujeito à sua direita: EXISTIR, OCORRER, ACONTECER, FALTAR, RESTAR, SOBRAR, BASTAR, CABER. Entre os exemplos abaixo, em que os elementos destacados são o SUJEITO da frase, encontramos o erro de nosso balconista: CORRETO ERRADO Faltam dois reais... Falta dois reais... Existem aí coisas horríveis... Existe aí coisas horriveis... Bastam dois comprimidos... Basta dois comprimidos... Sobraram três fatias .... Sobrou três fatias..... Sua Língua - Prof. Claudio Moreno 166
39 - CONCORDÂNCIA VERBAL – VERBOS IMPESSOAIS (Haver, Fazer, etc.) Para um brasileiro, a frase (1) ―não havia dinheiro no cofre‖ é sinônima de (2) ―não existia dinheiro no cofre‖ e de (3) ―não tinha dinheiro no cofre‖. Se trocarmos dinheiro por cheques, no entanto, está armada a confusão: em (1), vamos ter ―não havia cheques‖; em (2), ―não existiam cheques‖; em (3) ―não tinha cheques‖, embora o uso de ter , com valor existencial, seja classificado como pouco adequado para a escrita culta formal. Se quisermos assim mesmo empregá-lo, vamos ter de escolher qual dos dois modelos (o de haver, impessoal, ou o de existir) ele vai seguir. Todos os falantes sabem que a regra de ouro de nossa sintaxe é a de que todo verbo concorda com o SUJEITO da frase. O que devemos fazer, contudo, com aqueles verbos que não são atribuídos a sujeito algum, os chamados verbos impessoais? O uso culto prefere deixá-los imobilizados na 3a. pessoa do singular. Felizmente esses verbos formam um grupo extremamente reduzido: 1. HAVER - Este verbo, quando usado nos sentidos de EXISTIR ou OCORRER, fica sempre na 3ª do singular (o elemento em destaque é analisado como objeto direto): CORRETO ERRADO Havia dez interessados. Haviam dez interessados Aqui houve alterações Aqui houveram alterações Haverá sessões contínuas Haverão sessões contínuas. Você já deve ter-se acostumado a ouvir ―haviam pessoas”, ―haverão dúvidas” construções provavelmente inspiradas, por analogia, em existiam pessoas e existirão dúvidas, mas com certeza ficaria surpreso se soubesse o quanto se discute, entre os estudiosos, a conveniência de considerar, de uma vez por todas, o verbo haver como um verbo comum com sujeito posposto. Há bons argumentos contra e bons argumentos
a favor desse ―reenquadramento‖ de haver, e tanto um quanto o outro lado têm a defendê-los jovens e velhos gramáticos. Aqui se trata, porém, de definir um item do uso culto escrito; portanto, se você quer se sentir seguro, não invente moda e opte por deixar o verbo sempre no SINGULAR. 2. FAZER (e HAVER, também), indicando tempo decorrido CORRETO: ERRADO Faz três meses. Fazem três meses Amanhã fará dois anos Amanhã farão dois anos. Fazia duas horas que esperava Faziam duas horas que esperava Havia dois dias que não comia Haviam dois dias que não comia. 167
3. FAZER, indicando condições meteorológicas CORRETO: ERRADO Fez dias belíssimos Fizeram dias belíssimos No século XXI fará verões rigorosos No século XXI farão verões rigorosos 4. AR DE, em expressões de tempo: CORRETO ERRADO ava das duas horas avam das duas horas a das três da tarde am das três da tarde Não confunda esta estrutura, que é considerada SEM SUJEITO (note que duas horas, três horas, etc., vêm precedidos da preposição DE), com o verbo AR que aparece nos exemplos abaixo: am três horas do meio-dia. avam três minutos das duas. (Aqui, três horas e três minutos são o SUJEITO do verbo.) 5. BASTAR DE e CHEGAR DE: ―Basta de reclamações‖ (e não bastam de) chega de pedidos (e não chegam de) 6. TRATAR-SE DE, com referência a uma afirmação anterior. CORRETO O clube dispensou Jari e Adão. Trata-se de dois jogadores sem função na atual equipe. ERRADO O clube dispensou Jari e Adão. Tratam-se de dois jogadores sem função na atual equipe CORRETO Lá vêm as duas moças. Não esqueça: trata-se das filhas do prefeito. ERRADO
Lá vêm as duas moças. Não esqueça: tratam-se das filhas do prefeito. Sua Língua - Prof. Claudio Moreno 168
40 - CONCORDÂNCIA VERBAL – VOZ IVA SINTÉTICA Há pessoas que estranham que ainda seja considerado erro deixar no singular o verbo de vende-se casas. Elas - como todo falante brasileiro - não sentem casas como o sujeito dessa construção, nem vêem aí uma equivalência com casas são vendidas. Em qualquer cidade do Brasil, em qualquer estrada, nas páginas dos classificados, nos anúncios da lista telefônica - para onde quer que você olhe, vai enxergar exemplos do famigerado “erro” da iva sintética. Sem dar a mínima para o que dizem os gramáticos mais tradicionais, as pessoas povoam a paisagem brasileira de grandes cartazes e belos letreiros com aluga-se casas, conserta-se fogões, faz-se carretos, aceita-se encomendas, traçados em todas as cores e tamanhos. Por alguma misteriosa razão, os vendedores de terrenos recusam-se a fazer o verbo vender concordar com os terrenos que eles vendem. Em vez de vendem-se, teimam em escrever ―vendese terrenos‖, assim mesmo, com o verbo no singular. Vamos ser sinceros: quando eu escrevo vende-se este terreno, pretendo significar que este terreno é vendido (ou está sendo vendido)? Claro que não. É o interesse de não ser identificado (ou, às vezes, um simples pudor) que me leva a não escrever vendo este terreno (o que seria claro, direto e honesto). Ao optar pelo vende-se, quero anunciar algo assim como alguém vende este terreno. Em outras palavras, estou tentando usar, com um verbo transitivo direto, aquela mesma construção que empregamos com os verbos transitivos indiretos quando queremos indeterminar o sujeito (precisase de operários, necessita-se de costureiras). Como Celso Pedro Luft nos explicou, usamos o SE sempre que não nos interessa
especificar o agente. Em aluga-se uma casa e vende-se este terreno, não interessa saber quem vende ou aluga; interessa a ação e seu objeto. Por isso mesmo, quando o próprio objeto está diante dos olhos do leitor, basta pregar-lhe uma tabuleta com o verbo, e pronto: aluga-se, vende-se. Essa é a realidade; nossa insistência em manter o verbo no singular, a despeito do plural que vem depois, comprova que ninguém sente casas ou terrenos como sujeito dessas frases. O que apresento a seguir é uma suma da concepção tradicional sobre a voz iva sintética; embora eu dela discorde, friso que ela deve ser conhecida por quem quer que precise demonstrar domínio da Norma Culta Escrita. Sua Língua - Prof. Claudio Moreno
41 - CONCORDÂNCIA COM A VOZ IVA SINTÉTICA Ao lidar com a voz iva sintética (também chamada de pronominal, por causa do SE, pronome aivador), nosso maior problema é reconhecer o sujeito da frase. Em estruturas do tipo aceitam-se cheques ou compram-se garrafas, o elemento que vem posposto ao verbo é considerado o sujeito (paciente da ação). Ora, a iva sintética 169
não é sentida como voz iva pela maioria dos falantes, que, vendo em cheques e garrafas um simples objeto direto, deixam de concordar o verbo com eles. Nasce aqui o que um antigo gramático chamava de ―o erro da tabuleta‖: aceita-se cheques, comprase garrafas. Como já disse acima, não vou discutir, aqui, a real existência da iva sintética; contento-me em explicar como é que a doutrina gramatical escolar a descreve. Não esqueça de que ela é ainda encarada como um dos traços que caracterizam o uso culto formal, e você pode ter certeza de que ela estará presente nas questões de vestibulares e concursos. É necessário, portanto, que você saiba identificá-la e que faça a competente concordância.
Para quem tem uma formação mínima em sintaxe, não é tão difícil reconhecê-la: verbos TRANSITIVOS DIRETOS seguidos de SE (não reflexivo) constituem casos inequívocos dessa estrutura. Se ainda assim persistirem dúvidas, lembre que a frase na iva sintética tem forma equivalente na iva analítica: Aceitam-se cheques - Cheques são aceitos ; Compram-se garrafas Garrafas são compradas Se o verbo for transitivo indireto, é evidente que a iva - tanto a sintética quanto a analítica - não pode ocorrer. A construção com VERBO TRANSITIVO INDIRETO + SE é uma das formas do sujeito indeterminado no Português, ficando o verbo sempre na 3ª pessoa do singular: Precisa-se de serventes ; Falava-se dos últimos acontecimentos. Serventes e últimos acontecimentos têm a função de objetos indiretos. Aqui muitas vezes ocorre o erro no sentido inverso: assim como o caipira da anedota, várias vezes oestado a não dizer fia e paia em vez de filha e palha, termina saindo-se com um ―as arelhas da pralha‖, falantes que se preocupam demais com este erro de concordância com a iva terminam por flexionar também essas estruturas com verbo transitivo indireto: INACEITÁVEL : Precisam-se de serventes INACEITÁVEL :Falavam-se dos últimos acontecimentos A maneira mais indicada para assegurar a concordância correta é, aqui, distinguir a regência do verbo. Se for transitivo indireto, certamente não se tratará de caso de voz iva. Com isso, contudo, fica impossível lidarmos com essa estrutura se não formos capazes de fazer todas as distinções sintáticas necessárias; nada mais natural, portanto, que o uso da sintética tenha ficado reduzido à escrita de usuários cultos e extremamente cautelosos. 170
Quando o verbo principal de uma locução verbal é transitivo direto, ocorrerá normalmente
a voz iva, lexionando-se (como é característico das locuções) o verbo auxiliar: (ativa) O rei tinha autorizado as núpcias do poeta. (analít.) As núpcias do poeta tinham sido autorizadas pelo rei. (ativa) A miopia pode estar prejudicando este garoto. (analít.) Este garoto pode estar sendo prejudicado pela miopia (analít.) Essas terras tinham sido compradas (sintét.) Tinham-se comprado estas terras (analít.) As condições do tratado devem ser respeitadas. (sintét.) Devem-se respeitar as condições do tratado. Nessas construções de iva sintética com auxiliar, mais facilmente ainda podemos deixar de fazer a concordância com o sujeito posposto: INACEITÁVEL Tinha-se comprado estas terras. INACEITÁVEL Deve-se respeitar as condições do tratado. Aqui, no entanto, há uma coisa: há vários auxiliares que impedem a transformação iva (analítica ou sintética). Os gramáticos velhos os denominam de auxiliares volitivos: os que indicam vontade ou intenção- QUERER, DESEJAR, ODIAR, etc. - e os que indicam tentativa ou esforço - BUSCAR, PRETENDER, OUSAR, etc. . A frase ―O homem tenta desvendar os mistérios da Natureza‖ não ite a iva . Os mistérios da Natureza tentam ser desvendados pelo homem, da mesma forma que ―Eu quero convidar Fabiana‖ não corresponde a ―Fabiana quer ser convidada por mim‖. Sua Língua - Prof. Claudio Moreno
42 - A TRANSFORMAÇÃO DO CONDICIONAL EM FUTURO DO PRETÉRITO Eu estava acostumado ao velho ―condicional‖; o novo ―futuro do pretérito‖ é longo e parece pedante. Contudo, houve uma razão técnica para a troca. Em primeiro lugar, o Brasil, por conta própria, resolveu promover uma unificação na nomenclatura usada em nossas gramáticas, que nunca chegavam a um acordo sobre o nome a empregar para as partes da frase e para as classes gramaticais. Em 1958, foi publicada a famosa
N.G.B. - Nomenclatura Gramatical Brasileira, que ou a ter uso obrigatório em todo o território nacional. Portugal não participou dessa; parece que por lá não havia as discrepâncias terminológicas que grassavam por aqui. Foi a partir dessa data que amos todos a falar em ―objeto indireto‖ (que uns chamavam de ―complemento relativo‖); em ―pronome demonstrativo‖ (que eu aprendi como ―adjetivo demonstrativo‖); em ―pretérito perfeito‖ (para mim, até hoje o ―ado perfeito‖); e assim por diante. Foi um grande avanço para o ensino de nosso idioma. Houve acertos, assim como houve 171
equívocos - e todos eles, devido ao caráter compulsório da N.G.B., espalharam-se pelas gramáticas e livros didáticos publicados no Brasil. Todos os especialistas concordam que está na hora de fazer uma revisão na N.G.B., até porque a ciência da Lingüística evoluiu radicalmente nesta segunda metade do século. Todavia, enquanto isso não ocorre, é melhor manter a que temos. Quando ao ―condicional‖, a comissão tinha razão: a idéia de condição não está restrita a um tempo verbal específico (o antigo ―condicional‖), mas se expressa por uma estrutura sintática bem característica, independente do tempo do verbo. Observe bem o verbo da oração principal (está sublinhada): ―Se eu não pulo para o lado, ele me pega‖ (presente, com noção de ado); ―Se eu compro esse carro, fico sem dinheiro‖ (presente, com noção de futuro); ―Se eu chegar tarde, perderei meu vôo‖ (futuro do presente); ―Se eu tivesse dinheiro, iria à Europa‖ (futuro do pretérito); ―Se eu fosse você, ficava em casa‖ (imperfeito usado como fut. do pretérito) - e assim por diante, implicando, cada uma dessas formas, sutilezas semânticas quanto a ser realizável ou não o fato enunciado na oração principal. Não foi sem razão que eliminaram o nosso ―condicional‖. Sua Língua - Prof. Claudio Moreno
43 - BIBLIOGRAFÍA
Morfología Nominal do Português Doutor Claudio Moreno – São Paulo – 1997 Avenida Brasil I – Curso Básico de Português para Estrangeiros (Livro de textos e audio) Emma Eberlein Lima; Lutz Rohrmann e outros Editora Pedagógica e Universitária Ltda. – São Paulo – 1998 Bem-Vindo! – A Língua Portuguesa no Mundo da Comunicação (Livro de textos e audio) Ponce, María; Burim, Silvia e outros SBS – Special Book Services – São Paulo – 2000 História do Brasil –Colônia, Império e República Francisco de Assis Silva e Pedro Ivo Bastos 3ª Ed. - Editora Moderna – São Paulo – 1999 Gramática da Língua Portuguesa Pasquale Neto e Ulisses Infante 3ª Ed – Editora Scipione – São Paulo – 2001 Internet www.terra.com.br www.uol.com.br www.falalingua.hpg.com.br www.sualingua.com.br - Prof. Claudio Moreno