Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
U416. 17
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Autor: Prof. Mário Destro Monteiro Colaboradores: Profa. Cielo Festino Profa. Valéria de Carvalho
Professor conteudista: Mário Destro Monteiro Mário Destro Monteiro nasceu em São Paulo, onde vive e trabalha atualmente. Possui graduação em Educação Física e Técnicas Desportivas pelas Faculdades Integradas de Guarulhos e mestrado em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente, é professor adjunto da Universidade Paulista e coordenador de estágios em educação na mesma instituição. Tem experiência na área educacional, com ênfase em psicologia escolar, atuando principalmente a partir dos seguintes temas: educação física escolar, psicologia educacional, psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, didática geral e específica, prática de ensino, recreação e estrutura e funcionamento do ensino. Estuda as relações entre psicologia e educação e leciona e produz materiais e pesquisas relacionados a esses assuntos há mais de dez anos. Sua atenção se desdobra principalmente sobre as questões que envolvem a aplicação dessa relação na dinâmica professor-aluno, na forma como trabalhar com os alunos produtiva e respeitosamente, na compreensão sobre as necessidades de cada fase na qual os alunos possam estar inseridos, na resolução de problemas de relacionamento em sala de aula, na indisciplina, na motivação etc. Desde 2005, leciona as disciplinas ligadas à área de educação e psicologia educacional na Universidade Paulista.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M775p
Monteiro, Mário Destro Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem / Mário Destro Monteiro. – São Paulo: Editora Sol, 2012. 164 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-049/12, ISSN 1517-9230 1. Psicologia do desenvolvimento. 2. Psicologia da aprendizagem. 3. Psicologia e educação I. Título. CDU 159.922
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista.
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Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli
Material Didático – EaD
Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Simone Oliveira Andréia Andrade
Sumário Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7 Unidade I
1 O DESENVOLVIMENTO E A APRENDIZAGEM............................................................................................9 1.1 Três teóricos do desenvolvimento: Piaget, Vygotsky e Wallon........................................... 12 2 JEAN PIAGET....................................................................................................................................................... 14 2.1 Psicologia genética ou epistemologia genética....................................................................... 15 2.2 Construtivismo-interacionismo....................................................................................................... 15 2.3 A inteligência.......................................................................................................................................... 16 2.4 Equilibração majorante....................................................................................................................... 17 2.5 Esquemas e estruturas........................................................................................................................ 17 2.6 Assimilação.............................................................................................................................................. 18 2.7 Acomodação............................................................................................................................................ 19 2.8 As fases do desenvolvimento cognitivo....................................................................................... 19 2.9 Estágio sensório-motor...................................................................................................................... 20 2.10 Estágio pré-operatório ou objetivo-simbólico........................................................................ 22 2.11 Estágio operatório concreto........................................................................................................... 24 2.12 Estágio operatório formal............................................................................................................... 26 2.13 A formação do juízo moral............................................................................................................. 27 2.14 Desenvolvimento da prática das regras.................................................................................... 30 2.15 Consciência das regras na criança............................................................................................... 32 2.16 A coerção dos adultos e o realismo moral............................................................................... 33 2.17 A ideia de justiça na criança.......................................................................................................... 35 2.18 A moral da coerção e a moral de cooperação........................................................................ 37 3 Lev Semenovich VYGOTsKY...................................................................................................................... 40 3.1 A proposta de uma nova psicologia.............................................................................................. 41 3.2 Um pouco da teoria............................................................................................................................. 42 3.3 O uso de instrumentos e a mediação simbólica....................................................................... 45 3.4 Pensamento e linguagem.................................................................................................................. 48 3.5 Aprendizagem e desenvolvimento................................................................................................. 51 3.6 As zonas de desenvolvimento.......................................................................................................... 53 4 HENRI WALLON: PSICÓLOGO E EDUCADOR.......................................................................................... 56 4.1 Pressupostos teórico-metodológicos............................................................................................ 57 4.2 As leis que regem o desenvolvimento e os princípios teóricos para se compreender a teoria.................................................................................................................................. 61
4.3 Os conjuntos funcionais..................................................................................................................... 63 4.3.1 O ato motor................................................................................................................................................ 64 4.3.2 A afetividade.............................................................................................................................................. 67 4.3.3 O cognitivo................................................................................................................................................. 71
4.4 As fases do desenvolvimento propostas por Wallon.............................................................. 74 Unidade II
5 SKINNER E O COMPORTAMENTALISMO.................................................................................................. 97 5.1 O behaviorismo ou ciência do comportamento humano..................................................... 97 5.2 Watson e o comportamento respondente.................................................................................. 98 5.3 O behaviorismo radical de Skinner................................................................................................ 99 5.4 O comportamento operante...........................................................................................................104 5.5 Reforçamento.......................................................................................................................................105 5.6 Estímulos aversivos: fuga e esquiva, dois destaques do reforçamento negativo..................106 5.7 Outros tópicos fundamentais decorrentes do reforçamento............................................ 107 5.7.1 Generalidades da espécie...................................................................................................................107
5.8 Controle de estímulos.......................................................................................................................109 5.9 Controle e contra-controle............................................................................................................. 110 5.10 A educação na visão de Skinner................................................................................................. 110 5.11 Análise e discussão sobre as possibilidades de aplicação da teoria de Skinner..................113 6 DAVID AUSUBEL E A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA................................................................... 116 6.1 A teoria de Ausubel............................................................................................................................ 117 7 Howard Gardner.....................................................................................................................................125 7.1 Os testes de Q.I. e as Inteligências Múltiplas (IM)..................................................................126 7.2 O que significa o termo Inteligência na teoria de Gardner?.............................................129 7.3 As primeiras Inteligências descritas e alguns importantes princípios teóricos....................130 7.3.1 Inteligência linguística........................................................................................................................131 7.3.2 Inteligência espacial............................................................................................................................ 133 7.3.3 Inteligência musical............................................................................................................................. 134 7.3.4 Inteligência corporal cinestésica.................................................................................................... 135 7.3.5 Inteligência interpessoal.................................................................................................................... 136 7.3.6 Inteligência intrapessoal.................................................................................................................... 136
7.4 Surgem duas novas inteligências: a naturalista e a pictórica..........................................137 7.5 Comentários importantes sobre a teoria...................................................................................138 8 Considerações finais.............................................................................................................................140 8.1 Uma importante discussão sobre as similaridades e diferenças entre Piaget, Vygotsky e Wallon.......................................................................................................................140 8.2 Skinner e Ausubel e Howard Gardner.........................................................................................142
APRESENTAÇÃO
O presente material foi escrito na perspectiva de criar um arcabouço teórico de fácil o, tomando por base todos os princípios que guiam as teorias psicológicas consagradas pelos meios educacionais, teorias essas capacitadoras de uma visão real, humana e condizente com os conhecimentos necessários a todos os professores que pretendem educar, ensinar e proporcionar o desenvolvimento de seus alunos como fruto de seu trabalho. Para isso, o texto foi dividido em duas unidades, uma basicamente para a psicologia do desenvolvimento e a outra para a psicologia da aprendizagem. Ressaltamos que a junção de ambas permite compreender a psicologia educacional como um todo. São quatro capítulos para cada unidade, o que indica uma divisão facilitadora e delimitada por assuntos que se encadeiam na ordem em que devem ser lidos para um melhor aproveitamento do material. Ao final de cada unidade, há um resumo e exercícios que exigem a releitura do texto como forma de buscar a fixação da matéria pela leitura seletiva, necessária para se conseguir responder às questões propostas. Os estudos de caso foram incluídos a fim de fazer com que haja uma aplicação prática dos conteúdos. Quase todos foram vinculados a situações práticas do cotidiano, de modo a se tornarem mais motivantes e fáceis do que outras formas de aplicação. Além disso, procuramos ilustrar o material com figuras e quadros esquemáticos, por considerarmos o aspecto visual como facilitador da compreensão humana. Nesse sentido, pedimos ao leitor o esforço de fazer as relações entre texto e imagem, a fim de obter uma compreensão mais imediata das teorias apresentadas. Algumas tabelas visam separar, categorizar e resumir os princípios apresentados. Assim, é necessário dar uma atenção especial a cada uma delas e, às vezes, fazer uma releitura dos tópicos após seu estudo. INTRODUÇÃO
Esta disciplina tem por objetivo fornecer um olhar pelas lentes da psicologia aos assuntos relacionados ao desenvolvimento da pessoa humana e de como a aprendizagem ocorre por meio de questões de ensino. Esse olhar deve proporcionar ao professor uma familiaridade com as questões provindas do crescimento e da evolução de seus alunos. Para ensinar, o professor deve conhecer como os alunos pensam, sentem e agem diante das circunstâncias da vida diária. A interação entre o tripé professor, aluno e conhecimento pode se dar de uma forma muito natural, desde que respeitadas as características tanto do desenvolvimento como da aprendizagem de nós, seres humanos. Dessa forma, objetivamos a transformação da visão do professor, de modo que ele possa estar apto a reconhecer as características comuns do desenvolvimento de seus alunos. Com isso, será possível a 7
Unidade I adequação de suas técnicas de ensino às dinâmicas de aprendizagem que as teorias apontam como facilitadoras. Para que os professores possam exercer sua atividade de ensino, eles precisam se situar sobre todas as variáveis envolvidas por essa atividade. As formas de crescimento e as etapas de aprendizagem são duas dessas variáveis. A psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem preocupa-se em estudar como os aspectos físico-motor, intelectual ou cognitivo, afetivo-emocional e social se comportam do nascimento à idade adulta e como eles interferem na capacidade de aprender do aluno, evitando uma atividade desvinculada das capacidades humanas e dos limites de cada um. O professor que negligencia alguns fatores importantes das dinâmicas de desenvolvimento e aprendizagem corre o risco de não apenas deixar de ensinar, mas também de trazer problemas sérios à capacidade dos alunos de aprender e se desenvolver. Todos nós temos uma maneira de nos comportar, seja por conta da cultura, da influência genética, das nossas escolhas ou das pessoas ao nosso redor, que nos influenciam a todo instante. Algumas regras que explicam como acontece o desenvolvimento já existem graças à ciência moderna, da mesma forma acontece no que se refere à capacidade dos seres humanos aprenderem: a ciência moderna também pode explicá-la de diversas maneiras. Frente a isso, surgem as questões: é possível aprender sem se desenvolver? Ou, por outro lado, é possível se desenvolver sem aprender? As respostas a essas perguntas estarão nas interessantes teorias do desenvolvimento e da aprendizagem que veremos neste texto. Por serem perguntas complexas, as respostas também o serão. O único fato irrefutável é que ser professor sem conhecer cientificamente como uma criança aprende e se desenvolve pode gerar erros que o conhecimento teórico poderia ter evitado. Conheçamos agora mais sobre o assunto.
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Unidade I 1 O DESENVOLVIMENTO E A APRENDIZAGEM1
O termo desenvolvimento é utilizado aqui no sentido de mudanças, evolução. Há uma dinâmica própria que provoca isso, e é exatamente o que vamos estudar. Os seres humanos se desenvolvem mental e organicamente. O primeiro tipo de desenvolvimento se caracteriza pelo aparecimento de estruturas mentais que se aperfeiçoam e modificam ao longo da vida, porém, com períodos de grandes modificações antes de atingir certa estabilidade, na idade adulta. São as regras que garantem o funcionamento harmônico da inteligência, da vida afetiva, das habilidades em geral e das relações sociais.
Figura 1 – Hereditariedade: transmissão genética de gerações anteriores
Estudar o desenvolvimento humano é conhecer as características comuns de cada uma de suas fases, permitindo o respeito a cada necessidade e interesse próprio das faixas etárias e jamais tratando a criança como um adulto em miniatura. Segundo Bock et al. (2000), os fatores que influenciam o desenvolvimento e a aprendizagem são: • hereditariedade: o potencial genético que trazemos conosco por herança da espécie humana e de nossa família permite a aquisição de determinadas características físicas e psicológicas, tais como a predisposição a ser mais introspectivo, mais ágil ou até mais forte. As predisposições 1
O tópico foi baseado na obra Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia, de Ana Mercês Bahia Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Trassi Texeira, lançada pela editora Saraiva no ano de 2000.
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Unidade I genéticas podem ou não se desenvolver, pois elas dependem de um ambiente propício para isso, um ambiente que as estimule. Alguns cientistas dessa área dão um peso maior às questões genéticas, ou seja, eles afirmam que estamos pré-programados e que algumas de nossas funções se desenvolveriam de qualquer maneira, o que indica que eles não acreditam na contribuição da convivência com o outro, da relação com o ambiente ou do contexto no qual o indivíduo está inserido;
Figura 2 – Crescimento orgânico
• crescimento orgânico: refere-se a questões físico-motoras e biológicas que envolvem como as crianças podem fazer contato com o ambiente em que habitam. Conforme o organismo cresce, várias oportunidades se abrem, assim como é necessário que haja algumas adequações. O corpo, por exemplo, cresce e se alonga, permitindo um maior alcance a objetos até então iníveis. A interação do crescimento com a alimentação pode ou não proporcionar um desenvolvimento mais rápido. Alguns exemplos de crescimento são o aumento da altura e do peso, a formação da postura e da estrutura corporal óssea etc.;
Figura 3 – Maturação neurofisiológica
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem • maturação neurofisiológica: é a que torna possível a ligação entre o cérebro e o restante do corpo com o mundo, a vida e seus desafios. Para manipular um objeto, jogar videogame ou até mesmo aprender a escrever, as estruturas neurológicas precisam estar suficientemente amadurecidas para dar conta de tais demandas. A coordenação exigida pelo jogador de futebol ou pelo artista plástico, por exemplo, é fruto desse amadurecimento; • meio, contexto, ambiente: trata-se do conjunto de influências que possibilitam um estímulo que provocará certas manifestações no sujeito. Em conjunto com seu potencial orgânico (hereditário), sua condição de crescimento físico e seu grau de maturação neurofisiológica, esses desafios irão moldar e configurar o ser humano. Isso tudo está relacionado ao conjunto de condições oferecidas pelo meio, como alimentação, fatores favoráveis ou desfavoráveis, problemas, dificuldades, facilidades etc. Certas dificuldades que vivenciamos em nosso cotidiano são como uma mola propulsora, pois nos obrigam a um esforço que influenciará nosso desenvolvimento. É como uma forma de encontrar soluções para os problemas que surgem e, com isso, aprender coisas novas que, consequentemente, nos desenvolverão nas capacidades exigidas para resolver tais problemas.
Figura 4 – Exemplo de meio, contexto, lugar onde vivemos
Ainda segundo Bock et al. (2000), os aspectos do desenvolvimento humano são: • aspecto físico-motor: trata-se da capacidade de movimento ou não movimento (postura) do corpo, da tensão gerada pelos músculos, da manipulação de objetos, da locomoção e de toda a visibilidade das ações humanas; • aspecto intelectual (cognitivo): trata-se da racionalidade humana, aspecto estudado e destacado por Jean Piaget. É aquilo que garante o pensamento, a identificação de objetos, o nomear, o separar, o organizar etc. Nossa comunicação e organização mental estão vinculadas a uma organização cognitiva; • aspecto afetivo-emocional: refere-se às emoções, sentimentos, sensações etc., àquilo que confere um valor, uma estima sobre o mundo, sobre nós mesmos e sobre outras pessoas, garantindo que possamos dizer por quem ou pelo que nos interessamos, temos medo etc. 11
Unidade I Formação do ser humano Aspecto motor
Aspecto cognitivo
Aspecto afetivo
Os três aspectos se articulam mutuamente
Todos se encontram sempre presentes
Figura 5 – Representação dos aspectos funcionais humanos
Algumas teorias ainda incluem o aspecto social como do desenvolvimento humano. No entanto, é possível ver em diversos textos, como na visão do psicólogo do desenvolvimento Henri Wallon, que podemos considerar o aspecto social como a razão e os limites dados para o desenvolvimento do sujeito, pois o âmbito social estimula o aparecimento e o desenvolvimento de uma série de funções que, junto com o potencial genético, determinarão até que ponto cada sujeito se desenvolve. No que se refere à aprendizagem, podemos entendê-la como a aquisição de um repertório de conhecimentos, habilidades e características comportamentais. A partir do ponto que dizemos acrescentar algo novo a esses itens, podemos dizer que o sujeito aprendeu. 1.1 Três teóricos do desenvolvimento: Piaget, Vygotsky e Wallon
Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henri Wallon são conhecidos mundialmente por serem, atualmente, os psicólogos do desenvolvimento mais representativos nessa área. Podemos afirmar que, apesar de se diferenciarem em suas teorias – chegando até mesmo a caminhos opostos –, eles são complementares para o complexo entendimento dos aspectos psicológicos que auxiliam a compreensão do desenvolvimento humano para a educação. Dessa forma, ao se apropriar desses três pensamentos psicológicos, o educador terá a possibilidade de compreender melhor a forma como se desenvolve o ser humano e poderá se munir de estratégias mais eficazes para preparar suas aulas e desenvolvê-las com naturalidade e fluidez, características necessárias para um trabalho educativo de qualidade. Para entrar na obra desses autores, vários esclarecimentos se fazem necessários. Assim, discorremos sobre cada um deles, separadamente, e veremos suas contribuições para as visões educativas modernas. Em seguida, abordaremos os três em conjunto, para verificarmos como cada um difere do outro em sua abordagem teórica. Assim, evitaremos falar sobre eles como se fossem um extensão do pensamento do outro, o que seria um grande erro. Jean Piaget deixou uma grande marca no meio educativo e chegou a influenciar imensamente a educação no Brasil em uma época conhecida como movimento da Escola Nova. Esse movimento, 12
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem por um lado, era regido pela questão política e, por outro, pela psicologia educacional, em ascensão. A maneira de construir sua teoria pautava-se em uma forma de estimular e observar o desenvolvimento e a aprendizagem. Apesar de Piaget não ter construído sua teoria como um educador, os educadores se apropriavam dela como se fosse um decalque do método de pesquisar, como uma forma de educar. No entanto, infelizmente não era isso que sugeria Piaget. Muitos educadores assumiram o construtivismo piagetiano como um observar e deixar o sujeito construir seu próprio conhecimento de maneira espontaneísta2 e sem grandes intervenções. Isso é um grande erro, pois, mesmo no método empregado por Piaget, havia a problematização constante para ver como as crianças resolviam os problemas propostos pelo teórico. A sua intenção era observá-las construindo seu próprio desenvolvimento, entretanto, ele intervinha como um pesquisador. Se aproveitássemos parte desse método de pesquisa para um trabalho educativo, teríamos a necessidade de ser professores mediadores, que problematizam as condições que a criança possui dentro da escola como forma de estímulo, para que ela resolva ativamente tais problemas e construa novas bases de desenvolvimento. Ao contrário disso, porém, muitos lançaram mão das bases teóricas piagetianas distorcendo-as, afirmando que a intervenção não permitiria que a criança construísse ativamente seu próprio desenvolvimento. Já Vygotsky, que viveu aproximadamente cinquenta anos menos que Piaget e Wallon, teve mais repercussão no Brasil por volta dos anos 1980, muitos anos depois da influência de Piaget e aproximadamente na mesma época da de Wallon. Vygotsky surgiu com uma nova proposta, em duas obras marcantes, intituladas Pensamento e Linguagem e Formação Social da Mente. Nelas, discute respectivamente a questão de como se desenvolve o pensamento e a linguagem na perspectiva sócio‑histórica e como as questões sociais interferem na formação do sujeito. Wallon, que visitou o Brasil em 1935, influenciou, assim como Piaget, o pensamento educativo. No entanto, o estudo mais aprofundado de sua obra se deu somente por volta dos anos 1980, por pesquisadores de grandes universidades do país (Heloysa Dantas e Izabel Galvão, da Universidade de São Paulo, e Abigail A. Mahoney e Laurinda R. de Almeida, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Quadro 1 – Síntese comparativa Jean Piaget
Construtivista-interacionista: maior consideração à base biológica e orgânica dos indivíduos.
Lev Vygotsky
Sócio‑histórico: maior consideração aos fatores sociais e culturais do desenvolvimento.
Henri Wallon
Interacionista: maior consideração à interação de ambos os fatores, orgânicos e sociais, equilibradamente.
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Grosso modo, poderíamos dizer que deixar a criança aprender espontaneamente e não fazer absolutamente nada para intervir foi uma desculpa de muitos colegas educadores para não trabalhar.
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Unidade I Essas teorias possuem grande valia no pensamento educacional, pois, da mesma forma que um médico estuda biologia para compreender aspectos importantes da formação dos seres humanos, a educação precisa estudar outras ciências, como a psicologia, que instrumentaliza o professor sobre como o ser humano é, ou seja, como seu aluno funciona, como se desenvolve e como aprende em decorrência da interação exercida entre eles. Não devemos nos apropriar de qualquer uma dessas três teorias utilizando os instrumentos teóricos das demais. Explicaremos melhor os motivos desse alerta após explicarmos mais detidamente os preceitos teóricos de cada um desses três psicólogos. Começaremos por um dos mais famosos, o epistemólogo Jean Piaget. 2 JEAN PIAGET
Jean Piaget (1896-1980) é um dos mais conhecidos teóricos da psicologia educacional. Formou-se em biologia e filosofia e, desde muito cedo, se destacou por sua capacidade de observação e descrição: aos 11 anos de idade, percebeu um pássaro albino em uma praça de sua cidade, o que gerou seu primeiro trabalho científico. O teórico nasceu em 1896, em Neuchâtel, na Suíça. Seu pai, Arthur Piaget, foi um professor de literatura medieval na Universidade de Neuchâtel. Piaget se tornou doutor em ciências naturais pela Universidade de Neuchâtel e, após isso, estudou na Universidade de Zürich. No início de sua carreira acadêmica, Piaget se interessou pela psicanálise. Assim, mudou-se para Paris, na França. Lá, fez pesquisas no colégio Grange-Aux-Belle, dirigido por Alfred Binet, onde desenvolveu o teste de inteligência de Binet (Q.I.). Foi durante seu trabalho com os resultados desses testes que Piaget percebeu regularidades nas respostas erradas das crianças de mesma faixa etária. Tais dados permitiram o lançamento da hipótese de que o pensamento infantil é qualitativamente diferente do pensamento adulto. Em 1921, ele retornou à Suíça a convite do diretor do Instituto Rousseau, situado em Genebra. No ano de 1923, Piaget se casou com Valentine Châtenay, uma de suas ex-alunas. Juntos, tiveram três filhos, cujos desenvolvimentos cognitivos foram minuciosamente estudados pelo pesquisador suíço. Em 1929, Jean Piaget aceitou o posto de diretor do Internacional Bureau of Education e permaneceu à frente do instituto até 1968. Em 1964, o teórico foi convidado como consultor-chefe de duas conferências na Cornell University e na University of California. Ambas as conferências debatiam possíveis reformas curriculares baseadas nos resultados das pesquisas de Piaget quanto ao desenvolvimento cognitivo. Em 1979, ele recebeu o Balzean Prize for Political and Social Sciences. Ao longo de sua brilhante carreira, Piaget escreveu mais de 75 livros e centenas de trabalhos científicos. Ele morreu no dia 19 de setembro de 1980, com 84 anos. 14
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Cabe esclarecer que Piaget não foi um pedagogo propriamente dito, mas os profissionais da educação viram em sua teoria algo que poderia ser aproveitado na prática educativa. Portanto, é imprescindível que saibamos não ser correto usar o termo “pedagogia de Piaget”, mas sim o termo “psicologia do desenvolvimento de Piaget”, o que indica princípios teóricos e fases de desenvolvimento que podem ajudar muito a prática docente. O principal campo de estudos do pesquisador foi o desenvolvimento da inteligência humana e, dentro dessa perspectiva, captou a transformação do sujeito em cada ganho na estrutura cognitiva que este obtinha ao enfrentar os desafios que os objetos de conhecimento impunham-no. Assim, Piaget desenvolveu sua teoria pelo viés da epistemologia genética. 2.1 Psicologia genética ou epistemologia genética
A epistemologia genética, nome dado por Piaget à sua obra, denota sua principal preocupação. Ele próprio se definia em primeiro lugar como um epistemólogo. A epistemologia é apontada como uma reflexão sobre os métodos empregados nas ciências ou na filosofia da ciência: epistêmê (ciência) + logos (tratado, estudo). Portanto, a primeira preocupação de Piaget diz respeito à forma como o conhecimento surge no ser humano. A epistemologia genética objetiva explicar a continuidade entre processos biológicos e cognitivos, partindo dos primeiros, ou melhor, da gênese (o que explica o termo “genética”). A obra do pesquisador veio pelo caminho daquilo que o próprio Piaget chamou de construtivismo‑interacionista. 2.2 Construtivismo-interacionismo
Além de se intitular epistemólogo, Piaget também se dizia construtivista-interacionista. A significação do último termo parte de uma visão inatista do sujeito, ou seja, este não se desenvolve espontaneamente nem única e exclusivamente pelas demandas do meio, seguindo uma visão ambientalista que dá valorização excessiva às experiências do sujeito como exclusivas para seu desenvolvimento. O termo, portanto, refere-se à junção dessas duas correntes, inatista e ambientalista, pois Piaget afirma que o sujeito somente constrói seu conhecimento na interação entre as demandas do meio e suas iniciativas. É na interação entre sujeito e objeto de conhecimento que o sujeito constrói suas bases e evolui. Seu principal foco de estudo foi o campo da inteligência humana e todos os seus desdobramentos. Lembrete Na abordagem construtivista-interacionista, o sujeito constrói seu conhecimento com base em sua interação com o meio/contexto. 15
Unidade I 2.3 A inteligência
Na visão construtivista-interacionista, a inteligência é o que permite a existência de duas capacidades distintas e complementares, a saber: a organização e a função.
Figura 6 – Inteligência manifestada na escola
A primeira capacidade trata a inteligência como uma aptidão de organização do sujeito, pois, para fazermos qualquer coisa, necessitamos organizar nossas ações. Por exemplo, para explicar este texto, a inteligência ajuda a organizar as palavras coerentemente e o mesmo ocorreria se ele tivesse que ser explicado oralmente. Uma criança brincando utiliza sua inteligência para organizar suas ações com os brinquedos, como o que fazer, onde levá-los etc. Um jovem que vai a uma festa deve organizar sua mente para selecionar a roupa que vestirá, tomar seu banho conscientemente, vestir tal roupa, selecionar o caminho até o local, sua maneira de agir etc. Assim, podemos dizer que uma pessoa escolhe o que fazer, o que falar, o que deixar de fazer etc. pelo uso de sua inteligência. A segunda capacidade da inteligência, por sua vez, corresponde à aptidão adaptativa do sujeito, pois, desde o nascimento, somos submetidos a inúmeras circunstâncias com as quais ainda não estamos preparados para lidar. Por exemplo, um bebê nasce em um mundo falante e ainda não fala. O enfrentamento dessa situação, dependendo dos estímulos oferecidos pelo meio, da capacidade biológica e genético/hereditária, da maturação neurofisiológica e das condições sociais do sujeito, pode lhe dar as condições adequadas para a adaptação. Precisamos nos adaptar a toda condição que a vida nos oferece e a inteligência possui a capacidade de prover as condições de desenvolvimento e aprendizagem necessárias a todos. Há um detalhe importante no âmbito da inteligência que é provocado pelo desequilíbrio intelectual ou de compreensão. Somos sempre postos em situações desestruturantes que exigem de nós uma busca incessante por uma nova estabilidade intelectual. Em uma situação nova, há sempre uma falta de adaptação do sujeito, o que exige um esforço dinâmico para sua condição de adaptação. Piaget chamou esse processo de equilibração majorante.
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem 2.4 Equilibração majorante
A evolução intelectual, como uma escada que leva a inteligência do sujeito para um nível superior ao anterior, caminha sempre para algo maior e mais organizado que a estrutura precedente. Piaget afirma que a situação que coloca o sujeito diante de um conflito cognitivo faz com que ele se empenhe em buscar uma situação que o conduza a se reequilibrar em termos de compreensão. Essa busca conduz a um equilíbrio (provisório, por isso o termo equilibração) cada vez mais estável e consistente, maior (majorante) do que o anterior. Isso acontece até o final da vida de cada ser humano.
Figura 7 – A equilibração majorante é como uma escada, sempre leva a algo acima do precedente
Ao reequilibrarmo-nos dinamicamente, montamos o que podemos chamar de esquemas e estruturas intelectuais para continuarmos a aprender e nos desenvolver intelectualmente. 2.5 Esquemas e estruturas
No processo de adaptação, o indivíduo cria estruturas nas trocas que desenvolve com o meio em que habita. São padrões de ação física e mental que se referem a atos específicos de inteligência e correspondem a estágios de desenvolvimento. Assim, o esquema é uma dessas estruturas cognitivas referente a uma classe de sequências de ações semelhantes, constituindo totalidades bem delimitadas mentalmente (um todo organizado), o que possibilita ações encadeadas. Os esquemas são estruturas que possibilitam que uma criança disponha de suas ações de maneira organizada, por exemplo: olhar procurando seu carrinho de brinquedo, levantar e se locomover até o objeto, pegar o objeto e fazer com ele ações típicas de seu jeito de brincar. Existe uma estruturação de nossas ações motoras e mentais que esquematizam e organizam nossas ações. Porém, são as demandas do meio que desequilibram o sujeito e lhe dão a oportunidade do enfrentamento. Com isso, a equilibração se dá na montagem dos esquemas e das estruturas. 17
Unidade I
Figura 8 – A inteligência se monta, formando estruturas, como se fosse uma espécie de quebra-cabeças
Observação O ciclo adaptativo é constituído por dois subprocessos: assimilação e acomodação. 2.6 Assimilação
A assimilação é a aplicação dos esquemas anteriores do sujeito a uma nova situação, incorporando a esses esquemas os novos elementos. Ao entrar em contato com a realidade, o sujeito tenta retirar desta uma forma de interpretação e incorporá-la, ou, utilizando uma linguagem mais próxima da de Piaget, no contato do sujeito com o objeto de conhecimento, há uma tentativa de interpretação a partir da ajuda de seus conhecimentos prévios. Esse conceito é derivado diretamente da biologia (ciência de origem de Piaget) e diz respeito à capacidade do organismo de incorporar objetos da cognição à sua estrutura cognitiva. Para que isso ocorra, é necessário que certas transformações sejam executadas pelo organismo sobre o objeto da realidade, de modo a colocá-lo na “forma” adequada para que a absorção aconteça.
Figura 9 – A assimilação é um processo de interpretação da realidade
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Dessa forma, assimilar é incorporar o objeto de conhecimento, ligando-o ao saber prévio que o sujeito possui. Por exemplo, ao tentar explicar a uma pessoa o funcionamento do corpo humano, o professor deve buscar compreender o que o aluno já sabe sobre esse tópico. Assim, a utilização de uma linguagem que o aluno compreende facilitará sua assimilação.
Figura 10 – A acomodação é a transformação das estruturas anteriores do sujeito
2.7 Acomodação
A acomodação é o que torna possível a adaptação do sujeito, pois pode complementar o processo de assimilação. Ela diz respeito à reestruturação ou modificação dos esquemas assimilatórios do indivíduo para lhe dar condições de adquirir um novo conhecimento. Podemos afirmar que, em muitos momentos, o conhecimento não se deixa apreender tão facilmente. Por isso, as estruturas do sujeito precisam se modificar para que ele tenha condições de assimilação. Essas modificações acontecem ao mesmo tempo em que o sujeito tenta assimilar o novo objeto de conhecimento, fechando, assim, o ciclo adaptativo da equilibração majorante. Cabe alertar que o significado do termo acomodação costuma ser confundido com estagnação, com o não fazer nada para mudar algo. A acomodação, no sentido piagetiano, é exatamente o oposto desse tipo de interpretação, pois o sujeito, para acomodar, precisa de um esforço de compreensão para conseguir assimilar o objeto de conhecimento, que não se deixa absorver tão facilmente, obrigando-o a se transformar para dar conta de apreendê-lo. 2.8 As fases do desenvolvimento cognitivo
Jean Piaget desenvolveu ao longo de sua vida uma teoria bastante consistente para descrever o desenvolvimento cognitivo, sem nunca ter deixado de lado os outros campos funcionais (motor e afetivo). No entanto, ele se ateve exclusivamente ao aspecto cognitivo e também recebeu críticas sobre a questão social, como se não tivesse dado a ela a devida 19
Unidade I importância. Entretanto, não foi exatamente o que ocorreu, pois Piaget teve inclusive uma obra chamada Estudos Sociológicos . 3 Em relação ao desenvolvimento intelectual, Piaget deixou uma vasta obra que explica muitos detalhes desse aspecto na transformação qualitativa que a criança paulatinamente sofre até se tornar um adulto. Sobre tais transformações, Piaget deixa para nós fases universais pelas quais a criança a durante seu crescimento. Essas fases são organizadas pelas características manifestadas por todas as crianças, independentemente da cultura na qual vivam. No entanto, conforme afirma Piaget, a criança sempre desenvolve as características que as demandas do meio social ofertam. A criança constrói ativamente suas funções sempre em contato com a resolução de problemas que ela aceita enfrentar. Esses estágios são os seguintes: estágio sensório-motor (de zero a dois anos, aproximadamente); estágio pré-operatório ou objetivo-simbólico (de dois a sete anos, aproximadamente); estágio operatório concreto (de sete a 11 anos, aproximadamente); estágio operatório formal (a partir de 11 anos, aproximadamente). Vejamos a seguir a descrição de cada estágio com um pouco mais de detalhes. 2.9 Estágio sensório-motor
Pensava-se antigamente que nesse primeiro estágio de desenvolvimento a criança não possuía inteligência e que esta somente viria com a fala e o pensamento. Piaget demonstrou com uma grande clareza que, justamente nessa fase, a criança pode estruturar sua compreensão do mundo, ainda que de maneira muito rudimentar. A criança conquista todo o universo que a cerca por meio da percepção e dos movimentos. Podemos dizer que o recém-nascido, com apenas os movimentos reflexos herdados pela hereditariedade, vai aprimorando e elaborando esquemas coordenados. O estágio sensório-motor dá todas as bases para a preparação do que é a fala. Na verdade, poderíamos dizer que a criança só terá o que falar no próximo estágio graças a todas as aprendizagens dos esquemas que ela estrutura em seus dois primeiros anos de vida. Observação O estágio sensório-motor é uma fase de inteligência prática pautada nas ações e percepções da criança em contato com o mundo que a cerca. É uma inteligência ainda não verbal e não representativa, mas ela possibilita a construção do conceito de objeto e do objeto permanente. 3
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Lançada em 1973 pela editora Forense, do Rio de Janeiro.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Figura 11 – Bebê aplicando sua inteligência prática do período sensório-motor
Por volta de aproximadamente nove meses, a criança começa a saber que os objetos existem e permanecem existentes mesmo quando ela não consegue vê-los, como um brinquedo guardado, um cachorro que tenha visto etc. Ela demonstra se lembrar de um objeto que até pouco ela só reconhecia se presente diante de seus olhos. Por exemplo, se o cachorro se esconde atrás da porta, a criança demonstra querer buscar o contato com ele mesmo sem tê-lo diante de seu campo de visão. Nessa fase, a criança também forma a noção de causalidade, desenvolvida quando ela supera o que Piaget chama de onipotência infantil. Esse é um estágio em que a criança associa suas ações a tudo o que rege o funcionamento das coisas, como se acontecesse uma mágica, por exemplo: a criança empurra um brinquedo no momento em que a mãe acende a luz no interruptor. A criança costuma demonstrar que o empurrar do brinquedo magicamente acendeu a luz. Ainda nessa fase, a criança faz a diferenciação entre meios e fins, aproximadamente entre os nove e dez meses de idade. Até então, ela via um brinquedo, por exemplo, mexia nesse brinquedo e, quando se colocava um objeto maior que cobrisse esse brinquedo, não ocorria a ela a ideia de retirar o objeto da frente (meio) para que pudesse pegar o brinquedo que lhe interessava (fim). Nesse primeiro estágio, também se forma a configuração espacial da criança, que a a reconhecer as três dimensões dos objetos por volta de um ano de idade. Antes dessa fase, ao colocarmos uma mamadeira com a ponta virada para trás na frente da criança, não ocorria a ela virar a mamadeira com sua mão para que pudesse mamar. Logo, ela não diferenciava as dimensões do objeto apresentado. Para explicitar melhor o que significa essa inteligência prática, ela remete ao envolvimento no mundo antes da fase verbal, à montagem de vários esquemas encadeados para a interação com as coisas presentes. Por exemplo, o bebê pega o que está em sua mão, mama o que é posto em sua boca, vê o que está diante de si. Ao aprimorar seus esquemas, ele se torna capaz de ver um objeto, pegá-lo e levá-lo à boca. No final desse período, a criança já consegue usar um instrumento como meio para atingir um objeto.
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Unidade I
Figura 12 - Criança de sete anos, no período pré-operatório, caracterizada em festa comemorativa
2.10 Estágio pré-operatório ou objetivo-simbólico
Nesse estágio, surge a função simbólica (aproximadamente de dois a quatro anos): é o início da interiorização dos esquemas de ação na representação (na linguagem, no jogo simbólico, na imitação etc.). A presença da mãe é muito importante e o principal elo com o mundo. A representação é a ação de pensar um objeto por meio de outro. Por exemplo, se dizemos carro, por meio dessa palavra compreendemos o objeto carro. É claro que não temos o carro presente conosco, mas ele se reapresenta por meio de um som emitido pela palavra, que permanece na memória e é representado simbolicamente. Observação Esse estágio é conhecido mais popularmente como pré-operatório, por se caracterizar pela preparação e organização das operações concretas; no entanto, Piaget também o chama de objetivo-simbólico, por ser possível a criança objetivar simbolicamente sua visão de mundo.
Figura 13 – A criança costuma falar como se o outro soubesse o que ela está pensando. É esse comportamento ingênuo que Piaget denomina de egocentrismo intelectual
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem A partir de quatro anos, o raciocínio dominante é a intuição. Nesse momento, o estágio a a ser chamado de estágio do pensamento intuitivo – a criança pensa e dá explicações com base em intuições e percepções e não pelo uso da lógica. Ela explica ingenuamente as coisas com aquilo que lhe vem à mente. Se lhe perguntarmos, por exemplo, o que é céu, a criança no início dessa fase pode responder com qualquer coisa que lhe venha à cabeça – com vento, por exemplo. Nessa etapa, a linguagem começa a operar como veículo de pensamento. Segundo Piaget, o crescimento do envolvimento social da criança por esses anos impulsiona o desenvolvimento de seus processos intelectuais. Para aqueles que devem aprender a pensar simbolicamente e interpretar o mundo, assimilando-o e acomodando novas estruturas de conhecimento e, principalmente, interiorizar esquemas de ação construídos no estágio anterior (sensório-motor), esse período possui algumas características peculiares. Nesse estágio, por exemplo, a criança é egocêntrica, centrada em si mesma, e não consegue se colocar, abstratamente, no lugar do outro.
Figura 14 – Simular é parte das atividades infantis. Fingindo ser algo ou alguém é que se aprende
A egocentricidade da criança nessa fase não deve ser interpretada com o significado correspondente à pessoa que só pensa em si mesma. Não se trata disso. Na concepção de Piaget, se a criança for recontar uma história que lhe foi contada, por exemplo, ela a contaria como se a outra pessoa já soubesse a narrativa. Ou, ainda, se fosse perguntar onde está sua boneca, mesmo que ela tenha várias bonecas, ela perguntaria como se a pessoa soubesse de qual boneca ela está falando. Isso porque ela ainda não é capaz de compreender como seu interlocutor pensa, interpreta e compreende o que é dito. Além disso, nessa fase de desenvolvimento a criança não aceita a ideia do acaso, tudo deve ter uma explicação. É a famosa fase dos porquês. O estágio pré-operatório é o da socialização da inteligência, ou seja, a criança tenta interpretar o mundo com sua capacidade comunicativa. Mesmo não conseguindo absorver uma quantidade considerável de informações com alto grau de abstração, ela pergunta sobre tudo e sobre todos. Ela retém muito pouco da explicação, uma vez que ainda não possui um pensamento com capacidade complexa. 23
Unidade I Além disso, nessa fase a criança já pode agir por simulação, como se fosse alguma coisa ou alguém. Trata-se de seu envolvimento com desenhos, com o mundo do faz-de-conta, com a imitação etc. Tudo isso demonstra uma capacidade de iniciar a representação e o simbolismo. Por exemplo, se a criança imita um personagem do desenho, ela o faz por conseguir reter mentalmente os gestos que são executados diante de seus olhos. Quando ela brinca de faz‑de‑conta, também simboliza gestos de maneira imaginária e possibilita pensar concretamente uma circunstância inventada. A criança nesse estágio não possui tanto conhecimento que a permita distinguir grandes detalhes quanto uma criança do próximo estágio faria facilmente. Nesse caso, a criança se atém ao todo e ainda não pode perceber os requintes que as partes envolvem, ou seja, ela possui uma percepção global sem discriminar detalhes. Por exemplo, se pedirmos que descreva como é seu amiguinho ou sua casa, pouco ou quase nada ela saberia explicar. Ela também se deixa levar pelas aparências sem relacionar fatos, como quando alguém mostra para ela duas bolinhas de massas iguais e molda uma delas em forma de salsicha. A criança nega que a quantidade de massa continue igual, pois as formas são diferentes. Logo, ela não relaciona as situações entre si. Por último, é importante salientar que é nesse estágio que a criança faz sua entrada no mundo da moralidade, como explicaremos mais adiante. 2.11 Estágio operatório concreto
A principal conquista desse estágio é o pensamento mais estruturado. Segundo Piaget, o conceito de pensamento operatório é uma ação interiorizada reversível.
Figura 15 – Aprendizagem com objetos concretos
Em outras palavras, podemos comparar essa fase com as conquistas dos estágios anteriores, ou seja, no período sensório-motor, a criança apenas domina as ações, manipulando o próprio corpo e os objetos no mundo. Já no período seguinte, o pré-operatório, a conquista é a ação interiorizada, ou seja, imaginar internamente algo sendo feito externamente, o que, nesse caso, é uma forma de representação simbólica da realidade. 24
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Assim, no estágio operatório concreto, a criança vai aprender a realizar uma ação interiorizada reversível, ou seja, imaginar uma ação, internamente, e voltar ao ponto de partida. Por exemplo, na matemática pergunta-se à criança quanto são quatro laranjas mais quatro laranjas. No estágio pré-operatório, a criança poderia ter decorado a resposta como sendo igual a oito. No entanto, se perguntássemos logo após retirarmos quatro das oito laranjas quantas sobraram, somente a criança no estágio operatório concreto seria capaz de fazer a reversão do raciocínio e responder, por boa lógica, que sobrariam as mesmas quatro do início da pergunta. Isso é uma ação interiorizada reversível. A diferença é que, no período anterior, com apenas a capacidade da ação interiorizada ainda não reversível, a criança não teria instrumentos cognitivos para compreender o fazer e desfazer dessa simples conta, pois ainda lhe falta a capacidade operatória. As operações são processos mentais, um conjunto de ações correlatas que formam um todo integrado. Uma operação mental não tem uma propriedade, mas um grupo de propriedades. Uma de suas características é a reversibilidade, seja pela inversão de combinações (formas alternadas: classes), seja pela reciprocidade (formas equivalentes: relações). No estágio das operações concretas, a criança desenvolve conceitos de número, relações, processos etc.; no entanto, ela pensa sempre em objetos reais ou concretos e não em abstrações, isto é, as operações mentais derivam em primeiro lugar de ações físicas que se tornam internas mentalmente. A criança é capaz de realizar uma ação interiorizada, executada em pensamento, e reversível, pois ite a possibilidade de uma inversão e coordenação com outras ações também interiorizadas. Ela necessita de material concreto para realizar essas operações, porém, já está apta a considerar o ponto de vista do outro, pois está saindo do egocentrismo intelectual. A criança desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade, ordem, causalidade, entre outras, e já é capaz de relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Ela não se limita a uma representação imediata, mas ainda depende do mundo concreto para chegar à abstração. Além disso, a criança desenvolve a capacidade de representar uma ação no sentido inverso de uma anterior, anulando a transformação observada (reversibilidade). Ao despejarmos a água de dois copos em outros de formatos diferentes para que a criança nesse estágio diga se as quantidades continuam iguais, por exemplo, a resposta geralmente é afirmativa, uma vez que ela já diferencia aspectos e é capaz de “refazer” a ação. Por fim, a criança nessa fase é capaz, em nível de pensamento, de: • sequenciar ideias e eventos; • estabelecer corretamente as relações de causa e efeito e de meio e fim; • formar o conceito de número (no início do período, sua noção de número está vinculada a uma correspondência com o objeto concreto); • trabalhar com ideias sob dois pontos de vista simultaneamente. 25
Unidade I
Observação A noção de conservação da substância do objeto (cumprimento e quantidade) surge no início do período; por volta dos nove anos, surge a noção de conservação de peso; e, ao final do período, temos a noção de conservação de volume. 2.12 Estágio operatório formal
No estágio operatório formal, a criança é capaz de lidar com conceitos como liberdade e justiça, uma vez que domina progressivamente a capacidade de abstrair, generalizar e criar teorias sobre o mundo, principalmente sobre os aspectos que gostaria de reformular. Isso é possível graças à capacidade de reflexão espontânea que, cada vez mais, se descola do real e é capaz de tirar conclusões a partir de puras hipóteses. Lembrete As operações são processos mentais, um conjunto de ações correlatas que formam um todo integrado. Uma operação mental não tem uma propriedade, mas um grupo de propriedades. Uma de suas características é a reversibilidade, seja pela inversão de combinações (formas alternadas: classes), seja pela reciprocidade (formas equivalentes: relações). A estratégia cognitiva tem caráter hipotético-dedutivo, o que indica que não depende mais de dados concretos, mas de enunciados ou proposições que contenham esses dados. Outra característica desse estágio é que o adolescente é capaz de isolar sistematicamente todas as variáveis individuais e de submetê-las a uma análise combinacional. Ele pode imaginar transformações possíveis para colocar à prova empiricamente e interpretar logicamente os resultados empíricos. O adolescente tem as estruturas intelectuais para combinar as proporções, as noções probabilísticas e o raciocínio hipotético-dedutivo de forma complexa e abstrata.
Figura 16 – No período operatório formal também se trabalha com hipóteses
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem A representação agora permite a abstração total. O jovem não se limita mais à representação imediata nem somente às relações previamente existentes, mas é capaz de pensar logicamente em todas as relações possíveis, buscando soluções a partir de hipóteses e não apenas pela observação da realidade. Em outras palavras, as estruturas cognitivas do adolescente alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas. Por exemplo, se lhe pedirmos para analisar um provérbio como “de grão em grão, a galinha enche o papo”, o adolescente trabalhará com a lógica da ideia (metáfora) e não com a imagem de uma galinha comendo grãos, como seria o caso da criança no estágio anterior. 2.13 A formação do juízo moral
Jean Piaget escreveu em 1932 (com publicação no Brasil em 1994) um dos livros mais interessantes entre todas as suas publicações: O juízo moral na criança.4 A construção intelectual da criança é um tema que não foi o foco de sua obra, pois, após essa publicação, houve apenas alguns artigos com menções a respeito e sem aprofundar o tema. Alguns deles estão reunidos na obra Estudos Sociológicos, também do pesquisador.5 Em O juízo moral na criança, Piaget escreve: “toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por estas regras” (1994, p. 23). Dessa forma, ele justifica sua opção por investigar a moralidade pelo viés do jogo infantil. Em sua obra, ele observa os meninos jogando bolinhas de gude e as meninas jogando amarelinha. O foco era: cada criança pesquisada tinha que o ensinar a jogar e jogar com ele, para que pudesse observar a prática e a consciência das regras pelas crianças nos jogos coletivos. Em caráter de síntese e análise geral das fases encontradas, três etapas podem ser destacadas na evolução da prática e da consciência das regras pelas crianças. A primeira é a da anomia, a segunda chamase heteronomia e a terceira é a autonomia. Vamos a cada uma delas para compreender melhor tudo isso.
Figura 17 – A criança na fase da anomia não sabe respeitar regras, pois não pode entendê-las 4 5
Publicado pela editora Summus, de São Paulo. Publicada em 1973 pela editora Forense, do Rio de Janeiro.
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Unidade I A palavra anomia tem origem grega e vem de a (ausência, falta, privação, inexistência) e nomos (lei, norma). Etimologicamente, portanto, anomia significa falta de lei ou ausência de norma de conduta. Nessa fase, a criança de até cinco ou seis anos segue suas próprias vontades e, nesse caso, sem muitas regras. Trata-se apenas de um prazer de envolver-se com o objeto ou o brinquedo, fazer gestos motores ou simplesmente brincar. É o prazer funcional que está à frente de tudo. A palavra heteronomia, que nomeia a segunda etapa, significa condição de pessoa ou grupo que recebe de um elemento que lhe é exterior ou de um princípio estranho à razão, à lei a qual se deve submeter. Nessa fase, é possível notar um interesse das crianças de nove a dez anos pela participação em atividades coletivas e regradas. Piaget escolheu esse termo porque a criança não entende a si própria como aquela que fez as regras ou leis, mas tais leis são vistas como algo sagrado, sem possibilidades de mudança, algo pertencente à tradição. Quando questionada sobre a origem das regras, a criança nessa fase costuma atribuí-las a algum senhor ou até mesmo a Deus, pois as vê como algo importante, ao menos em seu discurso. No entanto, a contradição interessante nessa fase ocorre na distinção entre o discurso e a prática das regras. A criança heterônoma costuma não seguir à risca as regras e não é muito incomum ela inserir no conjunto delas algo que a beneficie. O mais importante é que isso ocorre porque a criança não compreendeu ainda o porquê da existência das regras, não as entende como necessárias para controlar as ações dos participantes e favorecer o andamento da partida em um sentido organizado. Assim, podemos vislumbrar o motivo de a criança agir sem obediência às regras. Outra coisa que reforça isso é o fato de a criança mais comumente jogar com os outros, e não contra eles. Isso se comprova quando perguntamos a uma criança quem ganhou o jogo ou a brincadeira: todos respondem “eu”. A última etapa, a da autonomia, remete àquele que é autônomo, independente, ou seja, ao que toma suas próprias decisões “sem interferências exteriores”. O termo possui radicais gregos: auto (sozinho, por si próprio) e nomia (lei). Assim, a autonomia se refere àquilo ou àquele que segue as próprias leis. Essa é uma fase na qual a criança já possui um posicionamento semelhante ao do adulto no jogo, pois segue as regras com presteza. Cada uma das crianças participantes da interação reconhece a si própria como uma possível legisladora, pois pode elaborar outras regras e submeter à opinião do grupo, que aceitará ou não a mudança. Nesse caso, já existe uma flexibilidade na consciência e na prática das regras. Vale ainda registrar que a prática das regras na fase da autonomia precede a consciência desta. Anomia
Heteronomia
Autonomia
Figura 18 – Direção do desenvolvimento moral na criança
Para um detalhamento e também uma reflexão sobre o desenvolvimento moral, pode-se partir de uma análise teórica de alguns temas abordados na referência deixada por Jean Piaget (1994): • o desenvolvimento da prática das regras; 28
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem • a consciência das regras na criança; • a coerção dos adultos e o realismo moral; • a ideia de justiça na criança; • a moral da coerção e a moral da cooperação. A regra é uma forma de normatizar a relação entre dois ou mais elementos. Entretanto, é importante o esclarecimento de que, embora toda regra moral implique uma prática e uma consciência, as regras de um jogo infantil se diferenciam das regras morais, como não roubar e não mentir. A diferença básica está na natureza mutável e arbitrária das regras do jogo/esporte e na natureza moral das regras que traduzem um juízo de valor. O respeito às regras de um jogo é uma atitude moral que expressa honestidade e respeito pelos companheiros de jogo; entretanto, a própria regra do jogo em si não é moral, mas uma norma (temporal, espacial ou do objeto) que, se não cumprida, implica sanções previstas no próprio regulamento do jogo.
Figura 19 – Piaget investigou crianças jogando bolinhas de gude
Dessa forma, respeitar as regras de um jogo diante de seus participantes constitui a razão central da existência da atividade, além de existir o esforço e o empenho por parte dos participantes para que possam vencer. Nesse contexto, a vitória sem regras não pode ser verdadeiramente chamada de vitória. Em situações de jogo, é frequente a prática sem consciência e a prática consciente do jogador que simplesmente escolhe não praticar as normas. Na primeira situação, trata-se de uma amoralidade, pois o sujeito pode seguir bem as regras, mas não faz um juízo moral delas. Na segunda situação, trata-se de uma imoralidade, pois o sujeito demonstra saber bem das regras, mas não as respeita nem as segue. Esse é um tema importante aos professores, pois muitas crianças deixam de seguir as regras por falta de consciência de que estas existem. Nesse caso, trata-se de uma ação amoral. Outras crianças conhecem as regras e as descumprem propositalmente. Conforme mencionado no início deste tópico, a teoria de Piaget investigou as crianças em situações de jogo e, por essa razão, apresenta importantes elementos teóricos para esse tipo de análise, pois, em sua pesquisa, ele perguntava sobre as regras do jogo e ainda pedia que os jogadores explicitassem suas razões. 29
Unidade I Em síntese, os resultados encontrados nas pesquisas permitem responder a questões sobre: • como os indivíduos se adaptam, em sua prática, às regras, em função de sua idade e nível de desenvolvimento; • que consciência esses indivíduos possuem dessas regras. Para responder à primeira questão, Piaget, fingindo-se ignorante no assunto, pedia à criança que descrevesse as regras de um jogo a fim de, assim, poder avaliar o conhecimento que tal criança possuía daquelas regras. Depois, jogando com a criança, o teórico observava o quanto esta seguia as regras que havia mencionado. Em relação à segunda questão, Piaget perguntava às crianças sobre a origem dessas regras ou sobre a possível modificação de algumas normas ao longo dos jogos. Ao propor que a criança inserisse alguma regra que ela inventou, o pesquisador perguntava a ela se a regra era justa ou até se seria aceita pelos seus companheiros no jogo. Por meio desses experimentos, Piaget chegou a quatro níveis para a prática da regra e três níveis para a consciência da regra. 2.14 Desenvolvimento da prática das regras
Figura 20 – Brincando sem regras (motor individual)
A seguir, descrevemos os quatro níveis para a prática da regra, instituídos por Piaget a partir de sua pesquisa: • motor individual: nessa fase, não é da relação social implicada pelo jogo que a criança participa, mas sim de uma aplicação simples de seus esquemas de ação, como, por exemplo, a criança que joga uma bola no chão repetidas vezes sem maiores pretensões. Assim, é precipitado falar de regras, por mais que haja repetições de alguns movimentos. Talvez, essa configuração seja o prenúncio do aparecimento futuro das regras que ela utilizará quando com mais idade. Essa fase permanece até por volta dos cinco anos de idade; 30
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem • egocêntrico: nessa fase, a criança costuma imitar superficialmente as regras de um jogo, como se as tivesse aprendido com crianças maiores ou com adultos. No entanto, elas utilizam apenas alguns pequenos detalhes dessas regras, pois um bom observador logo percebe que não há o menor esforço por parte das crianças para segui-las, tampouco algum grau de compreensão dessas normas. É frequente ainda observar todos dizendo que venceram e ninguém dizendo ter perdido. A aparência é a de que o prazer surge com o exercitar das habilidades motoras e êxito nas jogadas que a criança se propõe a realizar. Essa fase se dá entre os cinco anos e sete anos de idade, aproximadamente;
Figura 21 – No jogo egocêntrico ainda não há um respeito às regras
• cooperação nascente: existe agora uma necessidade de controle de uns sobre os outros. Há uma regra única para todos e eles costumam respeitá-la. No entanto, existe uma discrepância de explicação e algumas modificações fogem do controle deles, assim, quando solicitada alguma explicação individual de como se pratica determinada atividade, alguns podem titubear e variar suas versões contraditoriamente. Além disso, eles costumam se preocupar em vencer seus oponentes. Esse estágio aparece por volta dos sete ou oito anos;
Figura 22 – Na cooperação nascente parece já existir a necessidade de controle mútuo entre eles
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Unidade I • codificação das regras: nesse último estágio, não somente as partidas são muito reguladas por todos os detalhes a ela inerentes, como também todos os códigos das regras a serem seguidas são conhecidos por todos. Nessa fase, as crianças dão informações com plena convicção, diferentemente do estágio anterior. Elas falam inclusive das possíveis variações das regras. 2.15 Consciência das regras na criança
A seguir, descrevemos, por sua vez, os três níveis para a consciência da regra, instituídos por Piaget a partir de sua pesquisa: • não obrigatoriedade: relacionado à prática das regras, esse nível vai até a metade do nível egocêntrico, aproximadamente. Nele, a criança demonstra não possuir a menor necessidade da regra. Além do fato de não colocá-la em prática, a criança mostra, intelectualmente, não possuir o menor respeito por regras em geral. Exatamente por essa razão, qualquer modificação pode ser aceita por ela facilmente. No que concerne às origens das regras, elas geralmente são atribuídas a uma criação divina, mitológica ou paterna;
Figura 23 – Na codificação das regras, é mostrada uma clara autonomia
• obrigatoriedade sagrada: esse nível, relacionado à prática das regras, corresponde aproximadamente até a metade da cooperação nascente. Caracteriza-se por não dar como legítima quaisquer modificações ou adaptações, apesar de demonstrar capacidade de inventar regras. As origens destas ainda são dadas como criação paterna ou divina; • obrigatoriedade devido ao consentimento mútuo: segundo palavras do próprio Piaget (1994, p. 60), “a democracia sucede a teocracia e a gerontocracia”. Assim, nesse nível a criança se conscientiza do caráter arbitrário e necessário das regras, resultado de uma cooperação e aceitação mútua entre todos os competidores. A criança também já compreende que a origem da norma é resultado de uma convenção social. Percebe-se agora também que a evolução da prática da regra não se dá apenas no aspecto quantitativo, ou seja, no aumento do número de normas, mas é, em essência, uma mudança qualitativamente expressa pela consciência do jogador. 32
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Quadro 2 – Correspondência entre os níveis para a prática da regra e os para a consciência da regra Desenvolvimento da prática das regras
Consciência das regras
Motor individual
Não obrigatoriedade
Egocêntrico Cooperação nascente
Obrigatoriedade sagrada
Codificação das regras
Obrigatoriedade devido ao consentimento mútuo
2.16 A coerção dos adultos e o realismo moral
Piaget continuou suas pesquisas tratando de como foi posto, por parte dos adultos, a questão dos deveres que as crianças deveriam cumprir, pois estes funcionam como regras e estas, por sua vez, correspondem à moral imposta. Nesse jogo social, a criança não tem as condições de compreensão dos adultos, que, de algum modo, impõem de maneira coercitiva suas regras para o comportamento das crianças. Essas regras, por exemplo, podem ser: não mentir, não pegar as coisas dos outros, não falar palavrão etc. Essa imposição é perfeitamente possível na fase de heteronomia da criança, pois, se ela já está inclinada a aceitar sem questionar as regras impostas pelos jogos, ocorrerá da mesma maneira com a autoridade do adulto. Além disso, da mesma forma como ela burlava equivocadamente no jogo infantil, acontecerá no jogo das relações sociais. Para que Piaget pudesse testar essa hipótese, ele teve de investigar as concepções morais infantis sobre a questão dos deveres em três situações distintas: o dano material, a mentira e o roubo. Sobre o papel atribuído às crianças nessa pesquisa, tratou de torná-las pequenas juízas com a incumbência de tomar posições sobre inúmeros dilemas morais. Por exemplo, foram contadas duas histórias. Na primeira, menciona-se um menino que quebra dez copos acidentalmente, sem querer; na segunda, falou-se de outro menino que quebrou somente um, contudo, fez isso de propósito. Foi pedido à criança que ela dissesse se os dois são culpados pelo ocorrido ou qual dos meninos é o mais culpado nesse caso e a razão disso. Nesse tipo de método, temos exposto o juízo moral da criança no momento em que ela vive. Infelizmente, nesse caso, não é possível verificar sua prática. Um sujeito que diz ser proibido o uso da mentira nunca mente? É complicado afirmar tal sentença, pois é incerta, e Piaget menciona essa limitação. As informações obtidas com essa pesquisa ratificam que há um primeiro momento de heteronomia no que se refere ao desenvolvimento do juízo moral (na primeira fase, na anomia, a pesquisa não seria ível de ser feita, graças à pouca idade da criança e de sua falta de compreensão). Essa heteronomia foi chamada por Piaget de realismo moral.
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Unidade I No realismo moral, foram notadas três características: • foi considerado como bom toda atitude que revelava a criança como obediente às regras impostas ou aos adultos que as elegeram; • as regras acabaram por ser interpretadas literalmente; • existe um conceber objetivo sobre a responsabilidade, ou seja, um julgamento pelas consequências provocadas pelos atos e não pela intenção daqueles que cometeram as ações. A fase seguinte chama-se autonomia moral. Trata-se da superação do realismo moral, o que ocorre aproximadamente entre os nove ou dez anos de idade. Vejamos alguns exemplos para ilustrar o desenvolvimento moral na criança, começando pelo caso citado de dano material aos copos. No que se refere à criança em fase de realismo moral, julga-se como mais culpado alguém que possa ter quebrado aqueles dez copos acidentalmente em vez de o sujeito que quebrou apenas um de propósito. Isso pode significar que o julgamento foi feito pelo aspecto externo à ação – a questão de ter quebrado muito ou pouco –, e não apenas sobre a intenção de ter quebrado. Em outro caso, dessa vez sobre mentira, a criança heterônoma coloca como mais culpada aquela pessoa que distorceu a verdade de maneira clara, embora não com a intenção de enganar o interlocutor (dizendo, por exemplo, que tinha visto um rato grande como um cachorro, expressando um susto pelo tamanho anormal do animal), em vez de dizer algo falso a fim de levar alguma vantagem na situação (que estava com dores de barriga somente para não ir à escola naquele dia, por exemplo). Naquele momento, podemos perceber que o dever moral “não mentir” é assimilado literalmente: a mentira está sendo vista como pura distorção da realidade, e não como algo que intencionalmente provoca algum benefício próprio ao enganar o interlocutor. Um último exemplo, para fechar a explicação de como funciona a fase de realismo moral: um sujeito tenta explicar o caminho para um determinado local a uma pessoa e esta se engana e se perde; outro sujeito tenta enganar propositalmente essa mesma pessoa e explica o caminho incorreto a ela, no entanto, a pessoa não se perde e acha o caminho certo para chegar ao local desejado. A criança heterônoma julga o primeiro sujeito mais culpado, pois o resultado do dano foi pior do que a mentira premeditada pelo segundo sujeito. Os dados encontrados em relação ao dever imposto pelos adultos são coerentes com aqueles revelados pela pesquisa sobre as regras do jogo. A heteronomia, expressa pelo realismo moral, corresponde a uma fase durante a qual as normas morais ainda não são bem estabelecidas pela consciência da criança. Portanto, elas não são entendidas a partir de sua função social. O dever significa tão somente a obediência a uma lei revelada e imposta pelos adultos. A razão de como essas leis aparecem não é conhecida, dessa forma, não entra como critério para o juízo moral. Esse fato fica claro especificamente em relação à intencionalidade, elemento subjetivo essencial à nossa moralidade. A criança dessa etapa não desconhece o fato de haver ações propositais e outras casuais (o “sem querer”). Entretanto, esse conhecimento ainda não se manifesta no seu universo moral, não há ainda este critério para julgar as próprias ações e as alheias. Somente aparecerá quando ela puder compreender os deveres como um 34
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem acordo de obrigações mútuas que implicam coordenação e cooperação entre consciências e não em mera conformidade das ações a determinados mandamentos. 2.17 A ideia de justiça na criança
Piaget fechou o tema da moralidade discutindo sobre a questão da justiça. Por ter tratado antes sobre o tema dos deveres que os adultos propõem às crianças, em formato de coerção, a prática de cumprir esses deveres ocasiona o que se entende por “justiça feita”.6 Geralmente, os deveres vêm de uma maneira acabada, pronta e com a necessidade de serem rigorosamente respeitados. A noção de justiça representa, usualmente, uma meta, um ideal a ser atingido, como alguma coisa que deve ser conquistada ou algo bom a ser feito. A todo momento, devemos cumprir a missão de decidir como fazer justiça e, geralmente, não há procedimentos exatos para se fazer essa tarefa. Devemos justamente pesar, avaliar e interpretar as inúmeras situações e somente então decidir sobre o que deve ser feito. Mesmo que sejam coisas visualmente simples para serem definidas, elas podem exigir muita reflexão. Como é o caso da ideia de igualdade, que só pode receber plena expressão moral respeitando as condições particulares de cada pessoa (o que compreendemos por equidade) e não somente pensando pela individualidade. Piaget escreve o maior entre todos os outros capítulos de seu livro sobre moralidade justamente sobre a noção de justiça. Os temas abordados são os seguintes: a justiça retributiva, distributiva, “imanente”, a entre crianças, a responsabilidade coletiva, a igualdade e a autoridade. Dessa mesma maneira, Piaget encontra a fase de heteronomia antes da autonomia, que se revela simplesmente pelo seguinte fator: para a criança ainda muito jovem, a justiça acaba por se confundir com a lei e com a autoridade. Vamos discutir apenas alguns de todos os itens citados: a “justiça imanente”, as sanções e a relação entre justiça e autoridade. No caso da ideia de “justiça imanente”, pode-se dizer que toda transgressão será definitivamente castigada, ainda que seja por forças da natureza ou divinas. É a forma na qual as crianças mais jovens costumam acreditar. Visualizem a seguinte história: um menino que, ao roubar as maçãs do vizinho no terreno ao lado, a por uma ponte deteriorada e cai bem fundo na água. Se não tivesse roubado aquelas maçãs, ele teria caído no rio da mesma forma? Geralmente, a criança de sete anos costuma dizer “bem feito pra ele”, explicando que foi um castigo, pois, se ele não tivesse roubado, nada daquilo teria acontecido. Essa é a reação de crianças de até oito anos, aproximadamente. Para elas, a justiça retributiva (punição) é algo necessário depois de uma transgressão. Para isso, as próprias forças da natureza agiriam. As crianças dessa idade geralmente pensam em um tipo de “mecânica universal” ativada após todo e qualquer crime que foi cometido, e o castigo deve ser sempre uma punição aplicada. 6
Grifo do autor deste texto.
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Unidade I Sobre essas punições, Piaget as diferencia em duas categorias: as punições expiatórias (quando a forma do castigo é diferente da transgressão: deixar sem sobremesa alguém que contou uma mentira, por exemplo) e as punições por reciprocidade (por exemplo, excluir do grupo a pessoa que tenha mentido, pois a mentira é exatamente algo que quebra toda a confiança mútua em um grupo). Para diferenciar, Piaget contou a algumas pessoas uma história que explicava sobre pais que estavam em dúvida sobre qual forma de castigo aplicar a um filho que cometa um delito. A criança que mentiu, por exemplo: mandá-la copiar 50 vezes uma frase (punição expiatória) ou avisar que não haverá mais aquela confiança que se depositava nela (punição por reciprocidade). Na sequência, pede-se que o sujeito escolha qual é o castigo mais adequado e que justifique sua resposta dizendo qual dos castigos é mais eficiente para evitar que a transgressão se repita. Em termos de resultados, as entrevistas foram interessantes: quanto mais jovens as crianças, maior a tendência da escolha de punições expiatórias. As punições por reciprocidade têm muito pouco significado no universo moral de uma criança ainda muito jovem. Escreve Piaget (1994): Fica claro que estas crianças não pensam em marcar, pela sanção, a ruptura do laço de solidariedade, ou em fazer sentir a necessidade da reciprocidade: há predominância nítida da função expiatória (PIAGET, 1994, p. 170).
Além de tudo, essas crianças se mostram extremamente rígidas: quanto mais severo o castigo, mais justo ele é considerado. Para finalizar, elas pensam que apenas uma severa punição expiatória é eficiente a fim de evitar qualquer reincidência daquela transgressão. Sobre como elas usualmente costumam relacionar a justiça distributiva e a autoridade, vamos a outras das histórias que são contadas na pesquisa. É descrito um caso de um adulto que faz algo claramente considerado injusto para uma criança. Por exemplo, a mãe que sempre pedia que um mesmo filho lime toda a sujeira de seu cachorro, pois seu outro filho sempre reclamava quando ela pedia, agia corretamente? Sobre as crianças mais jovens, a opinião era de que a ordem do adulto é “justa”, pois está partindo justamente de um adulto e por isso precisa ser obedecida. Em alguns momentos, certas crianças, a partir dos seis anos, sinalizaram achando sua mãe injusta, mas, da mesma forma, afirmam como correta aquela obediência. Podemos dizer que tais crianças devem estar em uma espécie de fase de transição, uma vez que julgaram como injustas algumas ações adultas, entretanto, ainda não consideram moralmente lícito a oposição a eles. Já a partir de oito ou nove anos de idade, mais ou menos, a desobediência pode ser vista como algo correto, como uma atitude legítima quando existe uma situação que denote injustiça. Um menino de doze anos, por exemplo, sugere uma explícita discussão com a “autoridade”. “Ela deveria ter falado à sua mãe: ‘não é justo, eu não devo fazer o dobro do trabalho que o outro’”. Esse sujeito já é capaz de separar a ideia de justiça e desvencilhá-la da autoridade dos adultos, o que, nas palavras de Piaget, são traços essenciais de uma autonomia no campo da moral. 36
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Saiba mais Para conhecer mais sobre Jean Piaget, assista ao vídeo sobre ele, gravado por Yves de La Taille, na coleção Grandes Educadores da Atta: Mídia e Educação:
. o em: 21 maio 2012.
Saiba mais No texto de Lino de Macedo, é possível conhecer um pouco mais das características dos estágios de desenvolvimento propostos por Piaget, relacionados ao período pré-escolar. Além disso, Macedo indica questões importantes para uma possível aplicação da teoria piagetiana na pedagogia. e: MACEDO, L. A Perspectiva de Jean Piaget, s. d. Disponível em:
. o em: 11 maio 2012. 2.18 A moral da coerção e a moral de cooperação
Há uma divisão piagetiana sobre as relações interpessoais para duas grandes categorias: a da coação e a da cooperação. No caso da coação, trata-se de uma relação desigual, pois um dos lados impõe ao outro seus critérios, suas verdades e formas de pensar. Em suma, é uma relação na qual não há reciprocidade. Também podemos dizer que se trata de uma relação definida antecipadamente, como uma forma de ditadura praticada por alguém ou por um grupo de pessoas. A tradição, por exemplo, pode ser uma forma de coação, pois costuma se limitar à explicação de que “tem que ser assim, pois sempre foi assim”. Um ótimo exemplo sobre como a coação, como relação social, é dada pela família: por mais que os pais tentem não ser autoritários, as dependências afetiva, cognitiva e vital de seus filhos definem uma relação desigual. Entretanto, nem tudo pode ser visto como coação nessa relação: “existe uma afeição espontânea que leva a criança, desde o começo, a atos de generosidade e mesmo de sacrifício, a demonstrações tocantes que não são prescritas” (PIAGET, 1994, p. 155). Segundo Piaget, essas relações que significam coação são opostas ao desempenho intelectual das pessoas a elas expostas. No que concerne especificamente às crianças, essas relações podem reforçar o egocentrismo, uma vez que, entre outras coisas, podem representar exatamente a dificuldade em se colocar sob o ponto de vista do outro e assim desenvolver relações mais equilibradas. 37
Unidade I A coação praticamente não facilita que algo de recíproco aconteça e, assim, inviabiliza à criança uma construção de estruturas mentais operatórias importantes para suas conquistas. Ela faria com que a criança acreditasse em muito e pouco soubesse. Sobre a questão da moral, a coação pratica somente o respeito unilateral (pelas autoridades reveladas ou pelas leis impostas), além de uma assimilação completamente descontextualizada das razões de ser das diversas regras (realismo moral). Da coação deriva-se a heteronomia moral. Nas relações de cooperação, como escrevia Piaget, há um aspecto igualitário, assim, guiado por uma relação recíproca. Trata-se de uma relação que se constrói pela mutualidade. Apenas pela cooperação o desenvolvimento intelectual e moral pode ocorrer satisfatoriamente, pois ele obriga os sujeitos a se deslocarem para poder compreender o ponto de vista do outro. Referindo-se à moral, da cooperação provém o respeito mútuo e a autonomia. Piaget explica que as relações das crianças entre si promovem a cooperação, necessariamente por se estruturarem como relações a serem constituídas entre seres iguais, além de serem uma boa base para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Saiba mais O texto “Alfabetização: teoria e prática”, de Marília Claret Geres Duran, aborda as contribuições das pesquisadoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky com relação à alfabetização e também esclarece noções e termos usados dentro do referencial construtivista. e: DURAN, M. C. G. Alfabetização: teoria e prática. s. d. Disponível em:
. o em: 11 maio 2012.
Saiba mais Em entrevistas, o psicólogo Yves de La Taille, especializado em desenvolvimento moral, fala sobre como, apesar da crise por que am, sobretudo na família e na escola, a moral e a ética continuam a ser pontos fundamentais na educação e no desenvolvimento das crianças. e:
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. o em: 11 maio 2012. 38
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Saiba mais O texto “A psicogênese dos conhecimentos e a sua significação epistemológica”, de Jean Piaget, discorre sobre a não existência de conhecimentos resultantes de um registro simples de observações sem uma estruturação devida às atividades do sujeito. Leia-o: PIAGET, J.; CHOMSKY, N. (org.) A psicogênese dos conhecimentos e a sua significação epistemológica. In: Teorias da linguagem, teorias da aprendizagem. Trad. Rui Pacheco. Lisboa: Ed. 70, 1985, pp. 51-62. Disponível em:
. o em: 11 maio 2012. Exemplo de aplicação
Proposta de estudo de caso com base na teoria de Piaget Para compreender melhor os conceitos da teoria piagetiana, propõe-se que se faça a seguinte investigação, sem necessidade de publicação, apenas para exercitar a visão da teoria: • verifique uma escola próxima de seu bairro e, com autorização do diretor da escola, peça para fazer uma pesquisa com algumas crianças de séries diferentes; • após selecionar as crianças, para descontrair, pergunte o nome delas e as respectivas idades de cada uma; • proponha um determinado jogo que cada criança possa acompanhar, sem haver a necessidade de grande contato físico. A partir disso, deve ser possível observar a forma como elas se portam no jogo e fazer pequenas intervenções que permitam classificar as crianças devido às faixas propostas na teoria; • bem antes de chegar à escola, conclua as seguintes tarefas: - releia o texto de Piaget e procure notar características das fases de inteligência propostas e características do desenvolvimento moral da criança; - pense em qual jogo pode ser proposto para que se possa analisar essas fases de desenvolvimento, tanto da inteligência quanto do aspecto moral, para se comparar com o que a teoria propôs. Lembre-se de que a teoria foi formulada há mais de cinquenta anos e, conforme Piaget, não se deve ficar às idades das crianças, pois se depende da interação do sujeito com seu meio, ou seja, cabe uma investigação; 39
Unidade I - faça um roteiro de aplicação das atividades, guiando como cada coisa deve acontecer, com as intervenções e perguntas a serem feitas para se notar as fases em questão; - faça também um roteiro de observação com as características de cada fase a serem notadas e como selecioná-las para que tudo ocorra controladamente; - tente pensar em tudo o que pode envolver a atividade, inclusive num plano B, caso algo não ocorra conforme o esperado. Bons estudos!
3 Lev Semenovich VYGOTsKY
Lev S. Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896, na cidade de Orsha (Bielorrússia), numa família judaica que, segundo consta, possuía uma situação financeira bastante favorável. Viveu em Gomel, na mesma região da Bielorrússia, em um ambiente intelectualmente desafiador, com uma mãe formada como professora (sem que exercesse a profissão) e um pai tido como uma pessoa culta, bem empregado em um banco e numa empresa de seguros. Até os 15 anos, Vygotsky teve uma educação feita totalmente em casa, por tutores. Formou-se com 17 anos no curso secundário e teve grandes dificuldades de ingresso nas universidades por conta da perseguição que os judeus sofriam naquele momento histórico. Entretanto, Vygotsky sempre foi um grande estudioso. Participava de muitos grupos de estudos sobre os mais diversos assuntos, desde literatura até medicina. Lia muito, sozinho ou em conjunto, sobre uma diversidade impressionante de temas. No período entre 1914 e 1917, estudou direito e literatura na Universidade de Moscou onde, ao final do curso, defendeu a tese A Tragédia de Hamlet – príncipe da Dinamarca. Após o término de seu curso, Vygotsky continuou frequentando aulas no curso de história e filosofia da Universidade Popular de Shanyavskii e, mesmo não tendo recebido diploma dessa universidade, conseguiu aprofundar seus estudos sobre psicologia, filosofia e literatura, o que teve grande valor para tudo que se propôs a fazer posteriormente. Vygotsky foi professor e pesquisador nas áreas de psicologia, pedagogia, filosofia, literatura e deficiência física e mental, atuando em várias instituições diferentes de ensino e pesquisa, onde lia, escrevia e dava conferências, tudo ao mesmo tempo e de maneira bastante intensa. Produziu cerca de 200 trabalhos científicos, com temas que vão desde neuropsicologia até crítica literária. Também escreveu sobre linguagem, psicologia, educação, deficiência e sobre questões teóricas e metodológicas das ciências humanas. Vygotsky casou-se em 1924 com Roza Smekhova e teve duas filhas. Lamentavelmente, sabia desde 1920 que havia contraído tuberculose, doença que o levou à morte em 1934, aos 37 anos. 40
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem 3.1 A proposta de uma nova psicologia
Trabalhando junto com Luria e Leontiev, Vygotsky estruturou um grupo de jovens intelectuais da Rússia pós-revolução, momento em que toda a sociedade buscava uma reforma geral, de grande idealismo e efervescência intelectual. A empreitada deles se baseava em um novo modelo de psicologia, uma vez que os modelos atuais (daquele contexto e época) eram por eles criticados. Tratava-se de, por um lado, uma psicologia como ciência natural ou experimental que, tomando o homem basicamente como corpo, buscava explicar processos elementares reflexos e sensoriais, aproximando-se de outras ciências igualmente experimentais como a física, a química etc. Por outro lado, havia outra perspectiva da psicologia como uma ciência mental, que dava uma entonação mais próxima da filosofia e das ciências humanas, com uma abordagem mais descritiva, subjetiva e dirigida a fenômenos globais, sem uma aceitação maior pelos representantes da ciência. O problema, segundo o que foi possível compreender da crítica, era que uma linha voltava-se demasiadamente para um mecanicismo pouco aprofundado e a outra atuava de maneira a divagar demais sobre coisas pouco palpáveis. A proposição de Vygotsky visava à superação de ambas as linhas por meio da síntese delas como produto do que ele adotou como influência marcante de sua psicologia: o materialismo histórico e dialético de Marx e Engels.7
Figura 24 – O cérebro é o e biológico para a formação social da mente
Vejamos o que propunham Vygotsky e seus colaboradores em três enunciados básicos: • a relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos; • o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico; • as funções psicológicas têm um e biológico, pois são produtos da atividade cerebral. O materialismo histórico é uma abordagem metodológica ao estudo da sociedade, da economia e da história que foi elaborada pela primeira vez por Karl Marx e Friedrich Engels (1818-1883), apesar de os próprios autores nunca terem empregado essa expressão. O materialismo histórico, na qualidade de sistema explanatório, foi expandido e refinado por milhares de estudos acadêmicos desde a morte de Marx. 7
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Unidade I Detalharemos essas concepções tomando por início um embasamento teórico sobre as questões centrais da obra de Vygotsky. 3.2 Um pouco da teoria
Figura 25 – Entre o mundo e sua compreensão, existem mediadores simbólicos
Vygotsky, motivado pela renovação teórica necessária em seu contexto e época, estruturou uma forma de olhar para os fenômenos estudados pela psicologia de maneira bastante interessante. Trata-se de se apropriar do materialismo histórico e dialético, que, por sua vez, visa aos seguintes princípios: • A) O homem se forma historicamente. Isso significa que o homem, enquanto espécie produz a história de sua existência e também é produzido em função desta, pois sofre os efeitos de seus próprios percursos dialeticamente. • B) A grande diferença entre os seres humanos e os demais animais viventes está na capacidade de produzir cultura e ser o resultado dela. Somos produtores e resultado da cultura, pois, quando modificamos o meio introduzindo materiais culturalmente estabelecidos, somos igualmente modificados para as adaptações necessárias à continuação da vida. • C) O trabalho produz modificações no mundo material, assim como produz em nossa personalidade a modificação adaptativa a seu resultado. As relações entre o trabalho produzido pelos homens e seu desenvolvimento estão em tudo ao nosso redor.
Figura 26 – Ao inventar coisas novas, o homem modifica o meio e se modifica para se adaptar a suas próprias invenções
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Figura 27 – A espécie humana evolui e deixa, a cada geração, heranças genéticas
• D) As funções mentais superiores (atenção voluntária, memória, percepção etc.), tipicamente humanas, surgem na superação das funções elementares (naturais ou biológicas) graças à interação simbólica à qual nos submetemos na sociedade e na cultura, historicamente.
Figura 28 – Os diversos períodos da vida constroem uma história
O item A refere-se às quatro formas históricas que interferem no desenvolvimento humano, segundo Vygotsky. São elas: a filogênese, a ontogênese, a sociogênese e a microgênese. A história filogenética ou filogênese, que determina as heranças que a espécie humana foi estruturando desde seus primórdios, determina, por exemplo, que hoje sejamos bípedes e tenhamos uma visão por dois olhos frontais, os braços não tão longos, as mãos em determinado formato etc. Essas características foram adquiridas durante a existência da espécie e determinam boa parte do desenvolvimento potencial que podemos alcançar. A história ontogenética ou ontogênese trata de uma série de transformações pelas quais cada indivíduo a desde suas origens até sua forma adulta. Essas transformações abrangem também 43
Unidade I todas as formas biologicamente determinadas de agem de uma fase de existência a outra. Um bom exemplo é o caso do bebê que fica deitado quando pequeno e, ao crescer, começa a engatinhar, pois ganhou aparatos biológicos como musculatura, estrutura nervosa capaz de controlar movimentos etc.
Figura 29 – A história microgenética corresponde à distância temporal entre não saber algo e o depois de o ter aprendido
A história sociocultural ou sociogênese estabelece como a cultura dá as condições de desenvolvimento do sujeito, obrigando-o a uma adequação quanto aos modos de vida constituídos socialmente. Por exemplo, ao criarmos o computador, criamos conjuntamente tanto a necessidade de adequação dos sujeitos a seu uso quanto as características que devem ter os que utilizarão esse tipo de aparelho. Da mesma forma, na pré-história, o homem criou a linguagem e determinou que todos se adaptassem ao uso desta na vida social, o que deu condições para a comunicação dos grupos.
Figura 30 – A história sociocultural constituída determina o mundo em que vivemos agora
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem A quarta forma histórica de influências explicitada por Vygotsky em sua obra é a microgênese. Trata-se da história das características particulares de cada sujeito. Por exemplo, até que possa falar adequadamente, um bebê possui uma história que remonta à construção social dessa habilidade. Essa microparticularidade refere-se apenas àquela habilidade e não a outra. Temos, ao longo da vida, a história particular de cada capacidade que construímos durante nosso desenvolvimento. Sobre o item B, podemos nos referir a todos os costumes e práticas que a espécie humana constituiu como hábitos estabelecidos. Esses hábitos e práticas são tidos como cultura. Criamos carro, fogão, geladeira, TV, computadores, o dinheiro, o comércio, as palavras, os dialetos etc. No entanto, ao fazermos essas criações, modificamos o ambiente, pois, ao introduzirmos nele inovações, acabamos por nos obrigar a uma adaptação. Um exemplo simples é que, ao comprarmos um celular de última geração, produzido pela nossa cultura, somos impelidos a uma interação que nos obriga a determinados comportamentos que se compatibilizam com o uso do aparelho (como fazer ligações, quais são as funções do telefone, como utilizá-las etc). O conceito de adaptação cultural também está relacionado ao item C, que trata da questão do trabalho, pois, ao trabalharmos em um produto – como escrever este texto didático sobre psicologia, por exemplo –, temos a oportunidade de nutrir características da capacidade explicativa. Ou seja, a criação dada pelo trabalho constrói coisas na sociedade, modificando-a e gerando também a necessidade de modificação para a adaptação às novas criações. O item D complementa tudo o que explicamos até o momento. Vejamos os quatro planos genéticos citados anteriormente e relacionados com a história. Os dois primeiros, a filogênese e a ontogênese, tratam mais da questão biológica, que abre potenciais de desenvolvimento. A filogênese lida com os milhões de anos de transformação das características do homem para que ele tenha chegado ao que é hoje. A ontogênese se refere à concepção do embrião até que ele se torne um ser adulto. Esses dois primeiros planos genéticos permitem entender apenas o que são as funções elementares (naturais ou biológicas), assim consideradas por Vygotsky. Os dois últimos planos genéticos, a sociogênese e a microgênese, vão permitir que se formem as linguagens, os símbolos e os códigos culturalmente inventados e estabelecidos, o que obriga o surgimento de funções superiores (atenção voluntária, memória, percepção etc.), que aparecerão na história microgenética de cada sujeito a partir de sua interação com a sociedade cultural. O contato com a realidade cria um universo simbólico e este, por sua vez, nos permite participar de muito mais do que o mundo imediato nos permite. O simbolizar nos dá a condição de carregar conosco as coisas, os objetos, as palavras etc. e projetar no tempo ações do ado, do presente e do futuro. Trata-se da capacidade representativa adquirida pela mediação simbólica. 3.3 O uso de instrumentos e a mediação simbólica
Para Vygotsky, a atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de mediação, inclusive sua transformação para uma atividade mental. 45
Unidade I O uso de instrumentos retrata um meio de interação com as coisas do mundo. Por exemplo, ao usar um martelo para fixar um prego em uma madeira, o sujeito está utilizando um instrumento como meio de conseguir pregar o prego sem utilizar diretamente suas mãos. O mesmo acontece com a utilização de um prato para se colocar a comida e alimentar-se, de um copo para se colocar água e ingeri-la, de uma chave de roda que proporciona uma alavanca que ajuda a girar o parafuso que fixa as rodas de um carro etc. Conforme explicado anteriormente, o homem transforma o mundo por meio do trabalho. Por exemplo, ao construir uma colher, muda a relação que havia entre o sujeito e o alimento a ser consumido, portanto, muda a si mesmo. O que leva o homem a esse tipo de invenção é a obtenção de facilidades para manipular o ambiente e para trabalhar a partir dos resultados de suas invenções, conquistadas culturalmente.
Figura 31 – A utilização de instrumentos modificou a relação do homem com o mundo, assim como aconteceu com a linguagem
O mesmo acontece em relação ao contato com o abstrato, de natureza psicológica, que permite ao homem transitar pelo mundo por meio de sua mente, reconhecer objetos, lembrar-se de seus nomes, falar sobre eles e pensá-los enquanto formas em transitoriedade temporal (ado, presente e futuro). Não há como contatar o mundo diretamente, pois o o a tudo é mediado, com pequenas exceções de primeiras experiências, como é o caso de uma criança que entra em contato com alguma coisa desconhecida que lhe provoca alguma reação, como o ato de mexer em um fio desencapado e tomar um choque. Após esse tipo de experiência, forma-se psicologicamente um conceito de perigo não muito bem definido, mas que permite que um segundo contato com outro fio desencapado faça a criança se afastar com medo de tomar um novo choque. Tirando essas pequenas novas experiências, que são dadas como um o direto da criança ao mundo, praticamente tudo se forma simbolicamente dentro de sua mente. O contato com as pessoas, os objetos, as redes de comunicação etc. pode dar às pessoas uma formação de conceitos que levarão consigo em suas mentes. Esse é o conceito de mediação simbólica.
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem A mediação é um conceito fundamental para que possamos compreender as concepções sobre o desenvolvimento humano como processo da psicologia sócio-histórica. Trata-se de compreender que o homem não tem o direto aos objetos de conhecimento, mas um contato mediado por meio de recortes da realidade, guiados por sistemas simbólicos que já possuem. Assim, podemos reforçar que a construção do conhecimento acontece como uma interação mediada por várias relações. O conhecimento não está sendo interpretado como um agir do sujeito sobre aquela realidade, mas sim por uma mediação feita no contato com outros sujeitos. Mas o outro social pode se apresentar por meio da organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia o indivíduo, de objetos etc.
Figura 32 – Não precisamos ter uma bola em nossa frente para entendermos quando alguém emite o som da palavra bola. Isso é representação simbólica
Sobre a cultura, podemos dizer que ela fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade e a infinidade de significações que dá a permissão de construir uma interpretação sobre o mundo real. Ela dá um campo de negociações sobre o qual os homens estarão em constante processo de reinvenção e reinterpretação de significações, informações e conceitos.
Figura 33 - Entre o sujeito e o conhecimento abstrato, existe o que chamamos de mediação
Ao falar sobre um brinquedo, a criança não precisa estar com o referido brinquedo, mas o reconhece graças à mediação simbólica feita pelo nome do brinquedo (carrinho, boneca, bola de gude etc.), assim, uma ideia do objeto em si se revela simbolicamente, representando o objeto pelo som emitido como nome. 47
Unidade I Ao viver nesse mundo culturalmente construído, temos uma infinidade de coisas que inventamos: o nome, descrevemos características, criamos uma linguagem etc. Com isso, nos libertamos de um contato mais concreto no plano material. O homem primitivo vivia concretamente, pois ainda não possuía as conquistas em termos de linguagem e simbolismo, portanto, somente com o objeto em sua frente ele saberia utilizá-lo inteligentemente, como era o caso de um pedaço pontudo de madeira que lhe servia para caçar animais. Ele sabia manifestar apenas uma inteligência prática e concreta, pois não tinha um simbolismo que o permitisse falar a respeito dos objetos e traçar metas de planejamento para suas ações. Podemos dizer que a linguagem é um meio simbólico de compreendermos o mundo, assim como um professor pode ser um meio simbólico para compreendermos o funcionamento da matemática, um livro pode servir como uma mediação entre o conhecimento e o sujeito etc. 3.4 Pensamento e linguagem
Figura 34 - Vygotsky fez muitas pesquisas com macacos, por dizer que esse animal é o que chega mais próximo da capacidade simbólica e representacional que o homem possui
Figura 35 – Os animais se comunicam emitindo sons, o que se trata de uma forma de linguagem, e cumprem uma função comunicativa, contagiando-os por seu medo ou algo parecido. Mais nada além disso
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Figura 36 – Função comunicativa da linguagem
Sobre a linguagem, um sistema simbólico utilizado pelos grupos humanos, há a representação de um salto qualitativo na evolução da espécie, uma vez que o homem é a única espécie que possui essa capacidade representacional e simbólica. Ela é capaz de fornecer os conceitos, as inúmeras formas de organização da realidade, a mediação entre todos os sujeitos e o objeto a se tornar conhecimento. É por meio da linguagem que as funções mentais superiores, presentes apenas nos homens, são socialmente formadas e culturalmente transmitidas, assim, sociedades e culturas diferentes podem produzir estruturas diferenciadas. Vygotsky utiliza o termo de ‘função mental’ para se referir aos processos de percepção, memória, atenção e pensamento. Ele explica que o pensamento origina-se na emoção, necessidade, impulso, motivação, interesse e afeto.
Figura 37 – A função do pensamento generalizante é carregar o mundo mentalmente
Podemos dividir a linguagem a partir de duas de suas funções: a função comunicativa e a função do pensamento generalizante. Vamos a elas. É possível identificar nos animais, assim como nos seres humanos em todas as idades, a função comunicativa da linguagem, que se desenvolve desde um aspecto mais primitivo, como quando um bebê chora e expressa a intenção de comunicar algo (mesmo que emocionalmente e não cognitivamente) pela linguagem possível. Sabemos que a linguagem do bebê ou de um animal não tem por função elaborar algo ou transmitir ideias. Assim, não podemos caracterizá-las como verbais, pois buscam simplesmente transmitir uma mensagem a partir de um som específico e/ou uma gestualização qualquer. 49
Unidade I Essa função comunicativa se aperfeiçoa quando o sujeito consegue, mais tarde, aprimorar sua capacidade simbólica e representativa, pois surge, assim, a função de pensamento generalizante. Trata-se agora de uma função organizadora que remonta a realidade em termos simbólicos (semióticos) representativos, dando a possibilidade de “carregar” o mundo mentalmente. Quando o homem é capaz de se apropriar da cultura construída e remontá-la individualmente, ele será detentor dos meios objetivos que, além da comunicação, lhe darão a capacidade de planejamento, pensamento, manipulação e nomeação das categorias de coisas, objetos e pessoas. Assim, ao falarmos a palavra “mesa”, estamos definindo ao menos duas coisas: o que é mesa e o que não é mesa. Dessa forma, categorizamos o mundo em termos simbólicos e representativos e podemos projetá-lo no tempo, pois existem verbos que possibilitam isso. Para Vygotsky, a fala se desenvolve do aspecto social para o individual. Portanto, as primeiras manifestações de fala da criança têm um aspecto social, de exercício socializado. O que nós costumamos dizer que é um pensar consigo mesmo, falando algo para fora como se estivéssemos pensando, é, na criança, uma fala que pretende se internalizar. Para isso, as ações interpessoais ocupam um lugar de destaque na formação do pensamento infantil, pois, ao falar, a criança pretende organizar sua fala e seu pensamento.
Figura 38 - As relações interpessoais auxiliam na formação de conceitos e na internalização de ideias
Ao que se refere às concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de conceitos, elas se direcionam às relações entre pensamento e linguagem, à questão da cultura no processo que caminha para a construção dos significados pelos indivíduos, ao processo de internalização e ao papel da escola na transmissão de todo o conjunto de conhecimentos (de natureza diferente daqueles aprendidos no cotidiano). Há a proposição de uma visão de formação de funções psíquicas superiores como forma de internalização mediada pela cultura. 50
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem A explicação de Vygotsky diz que o pensamento se constrói de fora para dentro. Ele monta sua teoria baseado no desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, com ênfase no papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento. A principal questão é a aquisição de conhecimentos por meio da interação do sujeito junto ao meio. Vygotsky concebe o funcionamento do cérebro humano como a base biológica e, por sua vez, suas peculiaridades acabam por definir limites e potencialidades para o desenvolvimento humano. Essa concepção fundamenta a ideia de que as funções psicológicas superiores (linguagem, memória etc.) são desenvolvidas e construídas ao longo de toda a história social do homem em sua relação com o mundo. Dessa maneira, as funções psicológicas superiores buscam referência conscientes em processos voluntários e mecanismos intencionais e dependem de processos de aprendizagem. Sem a interação social e a linguagem, não seria possível o desenvolvimento humano. 3.5 Aprendizagem e desenvolvimento
Figura 39 – O processo de internalização corresponde à agem do interpsíquico para o intrapsíquico
Na concepção que vê as questões social e cultural como formadoras dos processos de aprendizagem e desenvolvimento humano, não há nada mais verdadeiro do que a compreensão de que é necessária a interação do sujeito com seu meio para que esses processos ocorram. Entretanto, como há muito valor no fazer socialmente para que ele se faça individualmente, a aprendizagem é vista como capaz de promover o desenvolvimento humano, uma vez que aprender exercita funções que são a mola propulsora da evolução do sujeito. Lembrete Para Vygotsky, o sujeito não pode ser considerado apenas ativo, mas também interativo, pois ele é capaz de formar conhecimentos e se constituir a partir de suas relações intrapessoais e interpessoais. 51
Unidade I É pelo intercâmbio com outros sujeitos e consigo mesmo que se torna possível a internalização de conhecimentos, papéis e funções sociais, o que pode permitir uma formação de um corpo de conhecimentos e da própria consciência humana. Estamos tratando de um processo que caminha de um plano social – de relações interpessoais – para o plano individual e interno – de relações intrapessoais. Lembrete Esse processo de internalização a a ser fundamental para o desenvolvimento e o funcionamento psicológico humano. Por meio da internalização, há um envolvimento de uma atividade externa que deve ser modificada para, só então, tornar-se uma atividade interna. a-se do interpessoal (entre pessoas, externo) ao intrapessoal (consigo mesmo, interno). Sobre a escola, lugar privilegiado e onde existe uma intervenção pedagógica intencional, há um desencadear do processo de ensino-aprendizagem. Vygotsky explica que o professor possui um claro papel de interferir nesse processo, ao contrário de situações informais nas quais a criança aprende por estar presente em um ambiente cultural. Sobre o aluno, ele não é somente um sujeito que aprende, mas é aquele que, junto ao outro social, constrói o que seu grupo social produz: valores, linguagem e o próprio conhecimento.
Figura 40 – Ao aprender, a pessoa estimula o desenvolvimento
A formação dos conceitos espontâneos ou cotidianos, que se desenvolvem ao longo de interações sociais, se diferencia dos conceitos científicos, adquiridos por meio do ensino e vindos de um sistema organizado de saberes. Assim, considera-se como papel do docente provocar avanços nos alunos. Isso só é possível com uma interferência na zona de desenvolvimento proximal. A atuação de outras pessoas do grupo social na mediação entre a cultura e o sujeito se torna também primordial, uma vez que a intervenção 52
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem deliberada desses integrantes da cultura, nessa visão, a a ser fundamental no processo do desenvolvimento. 3.6 As zonas de desenvolvimento
Podemos dizer que Vygotsky tinha uma visão bastante interessante no que concerne ao desenvolvimento humano, pois, em geral, costumamos perguntar o que a pessoa já faz, consegue ou pode apresentar. Isso indica uma visão retrospectiva do desenvolvimento, ou seja, olhamos as conquistas adas do aprendiz.
Saiba mais Para conhecer mais sobre o autor, assista ao vídeo sobre Vygotsky gravado por Marta Kohl de Oliveira. Ele se encontra disponível para aquisição ou consulta na coleção Grandes Educadores da Atta: Mídia e Educação. No caso da aprendizagem e do desenvolvimento, Vygotsky apregoa uma visão de possibilidades futuras, pois ele procura enxergar o que ainda há para o sujeito aprender. Assim, provoca-se novas zonas de desenvolvimento no sujeito. Isso pode ser visto como uma valorização do trabalho que será feito pelos professores e tutores do sujeito, pois pode dar crédito a um trabalho que procurará enxergar possibilidades de avanço nos níveis de conhecimento do sujeito e elaborar estratégias de mediação nas intervenções a serem feitas. Vamos compreender melhor isso explicando mais sobre os níveis de desenvolvimento da teoria de Vygotsky. Há, ao menos, dois níveis de desenvolvimento colocados pela teoria de Vygotsky: um nível real, com um conhecimento já adquirido ou formado e que pode determinar o que a criança já é capaz de fazer por si própria, e um nível de desenvolvimento potencial, ou seja, a capacidade de, potencialmente, aprender com a ajuda de outro ou com a de qualquer outro recurso mediador. Observação No que se refere à aprendizagem, esta é capaz de interagir com o desenvolvimento e produzir aberturas nas zonas de desenvolvimento proximal do sujeito (distância entre aquilo que a criança já faz sozinha e o que ela é capaz de fazer se tiver a intervenção de um adulto). Para estas, as interações sociais são primordiais. Assim, ambos os processos, aprendizagem e desenvolvimento, estão diretamente ligados. 53
Unidade I Dessa forma, qualquer conceito que se pretenda ensinar irá requerer sempre um grau de experiência anterior para a criança, ou seja, um conhecimento prévio. Zona de desenvolvimento real
Zona de desenvolvimento proximal
Zona de desenvolvimento potencial
Figura 41 – Entre a zona de desenvolvimento real e potencial é o que entendemos por zona de desenvolvimento proximal, pois é o que está mais próximo do sujeito aprender e se desenvolver
Figura 42 – Aquilo que a criança já faz sozinha é considerado sua zona de desenvolvimento real
Conforme mencionado no início do tópico, nessa visão, aquilo que retrospectivamente já foi conquistado pelo aprendiz é como uma zona de desenvolvimento real, pois já foi aprendido e provocou o desenvolvimento necessário. Dito isso, falta apenas reforçar que um grau de experiência anterior, em qualquer assunto, pode ser o suficiente para proporcionar um potencial para aprender mais sobre o mesmo assunto, o que é tido como zona de desenvolvimento potencial. Observar o que está entre o que eu já consegui aprender (conhecimento prévio) e aquilo que eu tenho o potencial para aprender (conhecimento a ser conquistado) estabelece uma zona de desenvolvimento proximal, que fica entre ambos os campos. Vygotsky assim a denomina porque, além de estar próximo de ser aprendido, esse conhecimento pode ser conquistado por meio de uma ação importante para que ele ocorra. Essa ação é exatamente uma mediação, que servirá de ponte entre o conhecimento a ser conquistado e o aprendiz. Utilizando a zona de desenvolvimento proximal, o professor poderá orientar o aprendizado de seus alunos no sentido de acelerar o desenvolvimento potencial de uma criança, transformando-o em conhecimento real. Dessa forma, a atividade de ensino deve ar do grupo para o indivíduo, ou seja, o ambiente influenciará a internalização das aprendizagens no indivíduo de forma que o aprendizado gere o desenvolvimento. Portanto, o desenvolvimento mental só poderá se realizar tendo por intermédio o recurso da aprendizagem. Dessa forma, na visão vygotskyana, podemos ressaltar o valor que os outros membros do grupo possuem, pois são membros que já conquistaram a aprendizagem almejada e que podem servir 54
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem para facilitar a aprendizagem de seus colegas. Assim, o professor não apenas ensina, pois todos os presentes na sala de aula convivem entre si, aprendem e ensinam coisas e abrem brechas nas zonas de desenvolvimento uns dos outros. É importante esclarecer que existem muitos outros instrumentos de mediação, como vídeos educativos, apostilas, livros, pessoas de fora do ambiente escolar etc. Portanto, fica evidente que o professor não é a única fonte, mas talvez seja uma das mais relevantes.
Figura 43 – Quando a pessoa tem o potencial para aprender algo, ela precisa apenas de algum tipo de mediação, pois está no que Vygotsky chama de zona de desenvolvimento proximal
Para fechar este tópico, é necessário dizer que o conceito de zona de desenvolvimento proximal é muito bem-visto nos dias de hoje, por dar parâmetros para o desenvolvimento do trabalho do professor em situação de ensino-aprendizagem. No entanto, esse não é um conceito instrumental, ou seja, não é possível imaginar um professor medindo a zona de desenvolvimento proximal de 40 alunos em uma sala de aula, ainda mais porque, em cada assunto (tratados em cada disciplina), essa medida é completamente diferente, além do fato de que isso fica sempre em constante movimento, pois o que é proximal agora poderá ser real em poucos minutos. Dessa maneira, quantificar tal medida não deve se tornar uma obsessão do professor, mas este deve utilizar-se fluentemente dessa teoria em seu dia a dia, como algo que clarifica as dificuldades de alguns, as facilidades de outros e o real valor que pode ter uma boa interação entre os membros de uma equipe.
Saiba mais O texto indicado a seguir apresenta importantes argumentos da teoria de Vygotsky a respeito do desenvolvimento cognitivo. Esses conceitos ajudam a refletir sobre a importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil. e:
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Unidade I Exemplo de aplicação
Proposta de estudo de caso com base na teoria de Vygotsky Para entender melhor os conceitos da teoria vygotskyana, propomos que você, aluno, faça a seguinte investigação, sem a necessidade de publicação, apenas para exercitar a visão da teoria: • verifique uma escola próxima de seu bairro e, com autorização do diretor da escola, peça para fazer uma pesquisa com algumas crianças de algumas séries diferentes; • após selecionar as crianças, para descontrair, pergunte o nome delas e as respectivas idades de cada uma; • proponha um determinado jogo que cada criança possa acompanhar, sem haver a necessidade de grande contato físico. A partir disso, deve ser possível observar a forma como elas se portam no jogo e fazer pequenas intervenções que permitam classificar as crianças devido às faixas propostas na teoria; • bem antes de chegar à escola, conclua as seguintes tarefas: - releia o texto de Vygotsky e procure compreender bem os conceitos de mediação, internalização e de zonas de desenvolvimento; - pense qual jogo pode ser proposto para que se possam analisar as interações entre as crianças, verificando em que zona de desenvolvimento cada uma se encontra naquela atividade (se na zona real ou na zona potencial); - faça um roteiro de aplicação das atividades, guiando como cada coisa deve acontecer a partir de suas intervenções e perguntas, que devem ser feitas a fim de que os detalhes em questão sejam notados e que seja possível verificar se há possibilidades de mediação entre as crianças ou se você deverá mediar alguma coisa para que a aprendizagem ocorra; - faça ainda um roteiro de observação com as características a serem notadas e com a seleção delas para que tudo ocorra controladamente; - tente pensar em tudo o que pode envolver a atividade, inclusive em um plano B, caso algo não ocorra conforme o esperado. Bons estudos!
4 HENRI WALLON: PSICÓLOGO E EDUCADOR
Henri Wallon nasceu e se fixou por toda a vida em Paris, no período de 1879 a 1962, ano de seu falecimento. Sua formação teve grande influência familiar, principalmente do avô, por desenvolver-se em um ambiente que valorizava discussões e um envolvimento social e político. Wallon mostrou esse 56
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem engajamento ético e político e voltou seu olhar humanista à importância do desenvolvimento pessoal integrado para a formação de uma sociedade justa e igualitária. Formou-se na escola normal superior em 1902, ano em que deu início a sua atividade de professor agregado de filosofia. Entre 1903 e 1908, estudou medicina em Paris, e, ao final do curso, defendeu sua primeira tese sobre delírio de perseguição. Wallon teve a oportunidade de tratar dos feridos da Primeira Guerra e trabalhou numa clínica com crianças que possuíam distúrbios psicomotores, o que possibilitou seu doutoramento em Letras,8 defendido em 1925. Nesse estudo, ele projeta uma visão voltada para a localização orgânica das causas psíquicas no desenvolvimento motor e mental (WALLON, 1995). Um dos mais importantes elementos dessa tese é sua forma de análise, que demonstra um novo olhar para a ciência do desenvolvimento e para os estudos das patologias neurofisiológicas, além de haver a comparação com o desenvolvimento normal do indivíduo (WALLON, 1995). Depois disso, sua produção se ampliou e o teórico escreveu, entre outras obras, As origens do caráter na criança (1934), A vida mental (1938), A evolução psicológica da criança (1941) e As origens do pensamento na criança (1945). Muitos de seus artigos foram reunidos em edições especiais da revista Enfance, fundada por ele e depois transformada em coletâneas, tais como Psicologia e educação da infância (1959) – a qual evidencia sua forte ligação com a questão educativa – e Objetivos e métodos da psicologia (1963). Sua vida social e profissional foi intensa. Wallon era professor, médico e pesquisador e teve uma ativa participação política: uniu-se ao movimento da Resistência sa durante a Segunda Guerra Mundial e foi deputado na Assembleia Constituinte de Paris, em 1946. Sua experiência e interesse voltados à área pedagógica fizeram com que elaborasse, juntamente com o físico Paul Langevin e um grupo de educadores, um projeto modelar para a Reforma do Sistema do Ensino Francês, o projeto LangevinWallon. Nesse projeto, são discutidas questões para uma mudança profunda no ensino francês, visando acabar com a seletividade perversa do sistema. A justiça social era um dos pilares que sustentavam as ideias desse plano, que carregava implicitamente grande parte da teoria construída por Wallon ao longo de sua vida profissional e acadêmica. 4.1 Pressupostos teórico-metodológicos
Da mesma forma que Vygotsky, Wallon foi adepto da corrente epistemológica materialista histórica e dialética. Ele buscou a construção do psiquismo humano e construiu sua teoria pela psicogênese, ou seja, é no início da vida que a história do sujeito começa a se constituir. Ele afirma que não adianta buscar uma compreensão sobre o comportamento de uma pessoa começando por algum momento de sua vida, mas sim deve-se partir de sua gênese. Do nascimento à idade adulta, muitas características se desenvolvem pelo contato do sujeito com as determinações que o meio em que vive lhe impõe. 8
Com a tese L’enfant turbulent: Étude sur lês retards et lês anomalies du développement moteur et mental.
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Unidade I
Observação É no encontro do orgânico com o social que os sujeitos se desenvolvem. Por um lado, existem os aspectos biologicamente determinantes que são de natureza mais orgânica e genética, como a maneira como nascemos, por exemplo; por outro, existem os fatores do meio e o contexto em que vivemos, que nos impõem uma série de desafios e nos obrigam ao desenvolvimento necessário a uma adaptação. Os acontecimentos históricos9 surgem constantemente e modificam a relação existente com o sujeito. Portanto, conforme apregoa a corrente epistemológica materialista histórico e dialética, o homem transforma a cada momento o mundo em que habita e, por sua vez, é transformado pelas condições que ele mesmo produz. Na teoria walloniana, não há como compreender o ser humano longe de suas condições de existência. Essas condições são fatores que implicam diretamente o ritmo do desenvolvimento. A relação entre organismo e meio constitui um par indissociavelmente complementar, colocando as disposições genéticas como potenciais que só se desenvolverão se encontrarem possibilidades do meio em que o organismo habita. Conforme as próprias palavras de Wallon: [...] a sociedade coloca o homem em presença de novos ambientes, de novas necessidades e de novos meios que aumentam as suas possibilidades de evolução e de diferenciação individual. A constituição biológica da criança no nascimento não será a lei única do seu destino posterior. Os seus efeitos podem ser amplamente transformados pelas circunstâncias sociais da sua existência, de onde a opção pessoal não está ausente (WALLON, 1979, p. 163).
Figura 44 – Entre o orgânico (potencial genético, biológico) e o social (as pessoas, o contexto, o meio em que vivemos), existe uma interação dinâmica que produz desenvolvimento
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Entenda-se histórico como cada acontecimento que se reflete nas condições de existência do sujeito, e não apenas os fatos históricos impactantes em sua cidade, estado, país ou no mundo.
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Para Wallon, portanto, o contexto é importante para se compreender o desenvolvimento humano. O contexto pode propiciar o aparecimento ou a extinção de formas de ações que modificam e são modificadas dialeticamente, ou seja, isso ocorre como uma via de mão dupla, pelas condições que o meio oferece. Assim, o desenvolvimento se dá pela união entre o orgânico e o social. Por exemplo, digamos que o sujeito tenha nascido com um potencial genético para ser um grande cantor. No entanto, caso ele nunca tenha a oportunidade de cantar no meio/ contexto em que vive porque este não lhe propiciou essa experiência, ele nunca desenvolverá a sua capacidade de cantar. Nesse sentido, é importante compreender que, no social, temos os meios e os grupos, que são a ele inerentes. O ser humano é geneticamente social, pois já nasce em uma sociedade que lhe acolhe e participa dos meios e grupos para se integrar à realidade concreta e se desenvolver. Wallon (1995) explica que há três tipos de meios: o físico-químico, que oferece as condições no ambiente, como oxigênio, água etc.; o meio biológico, que se superpõe ao físico-químico e diz respeito à inter-relação que nós humanos temos com outras espécies vivas (desde microorganismos e vegetais até outros mamíferos, como as baleias); e o meio social, que se reúne aos outros dois para também estabelecer condições coletivas de existência, porém, muito mais variadas. Wallon diz que essas condições do meio social são mais móveis e frequentemente transitórias. Sobre elas, podem ser destacadas as diferenciações individuais, ou seja, as pessoas se utilizam das características das personalidades daqueles com quem convivem para se constituir e, ao mesmo tempo, se tornar uma pessoa singular, originalmente diferente. Pode-se notar que ninguém é igual a ninguém, em termos de personalidade, e, apesar de existirem gostos em comum e afinidades, todos somos diferentes uns dos outros.
Figura 45 – Para Wallon, os grupos fazem um importante papel na formação da personalidade da pessoa
Assim, temos os meios que determinam as condições de interação do indivíduo pelas circunstâncias que este oferece. Sobre os grupos, Wallon (1979) diz serem indispensáveis à criança não apenas para sua aprendizagem social, mas para o desenvolvimento da personalidade e da consciência que 59
Unidade I ela mesma possa tomar de si. Ele define que o “grupo é o veículo ou iniciador de práticas sociais. Ultraa as relações puramente subjetivas de pessoa para pessoa” (p. 178). É possível notar o quanto os grupos são valorizados principalmente para o adolescente, pois ele precisa de algum grupo com o qual se identifique para ar seu tempo e fazer suas atividades preferidas e, dessa forma, se desenvolver socialmente. Esses são os fatores que interferem no olhar sobre a constituição da pessoa na proposta walloniana. Ainda sobre o método – chamado por Wallon de análise genética multidimensional, utilizado para constituir sua teoria –, ele nada mais é do que sua forma de captar a realidade na constituição da criança, o que será explicado detalhadamente. A análise é genética, pois visa buscar a gênese na formação dos processos psicológicos da criança, buscando captar as transformações que acontecem em cada momento da agem qualitativa que sofre o bebê recém-nascido até que se torne um adulto. O termo multidimensional refere-se a todos os referenciais tomados por Wallon para tentar compreender a complexidade dos comportamentos manifestos pela criança. Assim, ele compara a criança normal com a criança patológica, com outras de maior idade, com o homem primitivo e de diferentes culturas etc. Sua meta é ressaltar diferenças e semelhanças que o ajudem a interpretar melhor o comportamento manifestado em cada etapa e analisar o fenômeno em suas várias determinações (orgânicas, neurofisiológicas e sociais) e as relações entre esses fatores. Wallon dizia que algumas patologias mostravam uma espécie de congelamento de uma etapa do desenvolvimento e que, numa criança normal, seriam muito difíceis de serem observadas, por conta da extrema complexidade dinâmica que o desenvolvimento possui. Dessa forma, ele pôde perceber em suas pesquisas, enquanto ainda trabalhava como médico atendendo feridos de guerra, que a criança normal se revela na criança patológica. Outra característica de sua teoria é o fato de que o conflito é visto como algo muito importante para o desenvolvimento do indivíduo, pois ele impulsiona o sujeito a uma saída e, para isso, existe uma interação que provoca desenvolvimento e algumas aprendizagens. Por exemplo, a criança nasce em um mundo organizado pela lógica e, quando ainda está se desenvolvendo, não a possui. A interação ativa e dinâmica por parte da criança proporciona a aprendizagem da fala e o desenvolvimento no campo da linguagem e do pensamento, em aspectos mais objetivos e pautados numa lógica que rege nosso mundo objetivamente. Observação Wallon coloca o conflito como uma mola propulsora, ou seja, ninguém permanece no conflito senão por conta de uma patologia. Conforme citado há pouco, o conflito da criança que está em um mundo falante e ainda não fala é algo que incomoda. 60
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Dessa forma, o enfrentamento dos conflitos pelo esforço ativo e interativo do sujeito provoca o desenvolvimento. Outro exemplo é o caso da criança que entra na escola e, ao dedicar-se a superar as tarefas que, para ela, ainda são confusas, ela aprende e, ao aprender, se desenvolve. Vemos agora uma similaridade com Vygotsky. 4.2 As leis que regem o desenvolvimento e os princípios teóricos para se compreender a teoria
Para Wallon, o desenvolvimento segue algumas leis que foram por ele identificadas por serem universais e caracterizadas em todas as culturas. Tais leis influenciaram tremendamente sua maneira de construir a teoria, pois regeram sua escrita e sua forma de expressar seu pensamento. São elas: Lei da Alternância Funcional, Lei da Alternância da Predominância e Lei da Integração Funcional. Observação Na agem dos estágios de desenvolvimento descritos pelo autor, a alternância funcional orienta a direção do movimento predominante em sentidos opostos: ora se alterna para o conhecimento de si próprio, para a direção centrípeta; ora se alterna para o conhecimento do meio, do outro, para a direção centrífuga. Para ilustrar o primeiro estágio de desenvolvimento descrito por Wallon, o impulsivo-emocional10, o sujeito volta-se durante a maior parte do tempo para conhecer a si próprio e as sensações vivenciadas por ele em vários momentos dessa fase. Quando a para o estágio seguinte, o sensório-motor e projetivo, o sujeito volta-se na maior parte do tempo para conhecer as coisas exteriores a ele, como os objetos, as pessoas, as cores, as formas, os sons etc.
Figura 46 – Segundo Wallon, o conflito exerce um grande impulso para que o desenvolvimento ocorra
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Todos os estágios serão explicados mais à frente neste texto.
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Unidade I Outra lei reguladora do desenvolvimento, segundo Wallon e apontada por Mahoney e Almeida (2003), refere-se à: Alternância na predominância de conjuntos diferentes a cada estágio e a cada momento vivido: configuração das relações entre eles mostra qual deles fica mais em evidência ou é o motor (estágio impulsivo-emocional) ou o afetivo (estágio do personalismo, puberdade e adolescência) ou o cognitivo (estágio sensório-motor e projetivo, categorial). Cada um deles predomina em um estágio e se nutrem mutuamente; o exercício e amadurecimento de um interfere no amadurecimento dos outros. É o que nos mostra a lei da sucessão da predominância funcional (MAHONEY; ALMEIDA, 2003, p. 14).
Figura 47 – Quando alguma coisa nos provoca medo, a predominância é afetiva
Nos diferentes estágios apontados por Wallon, um dos conjuntos funcionais predomina sobre os outros. No estágio categorial, por exemplo, o conjunto funcional predominante é o cognitivo. Nesse estágio, a criança precisa organizar e melhorar sua compreensão do mundo em que vive e, para isso, há uma predominância do conjunto cognitivo com o e dos conjuntos motor e afetivo, esses três integrados e se expressando no quarto conjunto, a pessoa. Atente-se ao fato de que existe uma alternância momentânea também, independentemente do estágio de desenvolvimento em que a pessoa esteja. Por exemplo, nas aulas de educação física, temos a pessoa completa, como em outras aulas também (conjuntos motor, afetivo e cognitivo, todos integrados), no entanto, há uma predominância do conjunto motor nesse tipo de situação. O mesmo pode acontecer em uma aula de matemática, entretanto, se o raciocínio predominar nas situações de aula, a predominância será o conjunto funcional cognitivo. Da mesma forma como Wallon integra o par organismo-meio como complementares e interdependentes, os conjuntos funcionais também são integrados e complementares um ao outro, divisíveis somente como artifício de compreensão e verdadeiramente compreendidos no contexto de integração funcional (WALLON, 1995). O motor, o afetivo, o cognitivo, a pessoa, embora cada um desses aspectos tenha identidade estrutural e funcional diferenciada, estão tão integrados que cada um é parte constitutiva dos outros. Sua separação se faz necessária apenas
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem para descrição do processo. Uma das consequências dessa interpretação é de que qualquer atividade humana sempre interfere em todos eles. Qualquer atividade motora tem ressonâncias afetivas e cognitivas; toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e cognitivas; toda operação mental tem ressonâncias afetivas e motoras. E todas têm um impacto no quarto conjunto: a pessoa, que, ao mesmo tempo em que garante essa integração, é resultado dela (MAHONEY; ALMEIDA, 2003, p. 15). Pessoa Cognitivo
Afetivo
Motor
Figura 48 - Os três conjuntos abaixo se expressam no quarto conjunto, a pessoa, que é o resultado da integração funcional. Todos estão presentes em todos os momentos
É por meio dessa integração de todos os conjuntos funcionais que constituem a pessoa humana que cada indivíduo se expressa no desenvolvimento humano, assim como podem ser identificados por suas diferenças nas fases estabelecidas. Tais fases, coerentes com os princípios estabelecidos pelo autor para construção de sua teoria, não buscam uma inflexível fixação nas idades sugeridas, mas sim uma caracterização de similaridades desenvolvidas na relação do sujeito com o meio em suas condições socioculturais que possibilitam aflorar funções e instrumentos de interações do indivíduo integrado em seu meio, como apresenta Wallon (1995): O conjunto da vida mental não é mera sucessão de acontecimentos, de etapas, de idades, mas sim integração e conquista. Conquista da personalidade de cada um, através de si mesmo. Integração na pessoa das situações em que se viu envolvida e arrastada em sua vida. Integração dos fatores biopsíquicos que animam os objetivos de sua vida. A integração pode ser mais ou menos firme, exclusiva e rigorosa. Mas é indispensável à existência e à consciência do adulto11 (WALLON, 1995, p. 231).
Uma importante observação a ser feita refere-se aos avanços e retrocessos no desenvolvimento. Sobre a questão dos avanços e retrocessos, Wallon diz que a agem de estágios no desenvolvimento da criança é sujeita a avanços, mas também a alguns retrocessos. Alguns pais ou professores costumam ficar espantados quando crianças superam alguma fase, como a aprendizagem da fala, e depois parecem perdê-la, como que por acaso. Esses retrocessos fazem parte do desenvolvimento humano. Nada mais normal, nas palavras de Wallon, que um retroceder para reconstruir bases mais sólidas. 4.3 Os conjuntos funcionais
Devido à importância dos conjuntos funcionais para se compreender a dinâmica do ser humano contextualizado em seu meio de existência, os abordaremos de forma mais detalhada. 11
Tradução livre do autor.
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Unidade I O conjunto funcional da afetividade merece destaque, uma vez que tem grande aplicabilidade na área educacional como um todo. Na visão walloniana, esse conjunto corresponde a um dos domínios funcionais. Olhar a afetividade separadamente para compreendê-la pode ser útil quando feito de maneira apropriada, porém, considerá-la como funcionamento isolado ou independente é descaracterizar o pensamento na ótica dessa teoria. Deve-se sempre pensá-la no contexto da integração funcional e vinculá-la a seus motivos exteriores, às circunstâncias que o meio oferece. Por ser o primeiro meio de expressão na criança, junto com a afetividade, começaremos pelo conjunto funcional motor, ou, em outros termos, o ato motor. 4.3.1 O ato motor O conjunto funcional motor corresponde à questão muscular do corpo e é responsável pela postura física e pelo movimento e deslocamento dos seguimentos, além de ser o recurso de expressão para as emoções. Wallon (1995; 1979) explica que o sentido humano do movimento é definido pela capacidade de os músculos não apenas gerarem tensão para os deslocamentos corporais, mas também por serem a base estrutural das atitudes.
Figura 49 – Assim como a estática (postura), o ato motor corresponde às questões do corpo em movimento
Sobre o movimento, um tópico essencial é a imperícia. É importantíssimo refletir sobre quando se pede ao aluno que faça algo, observando-o, de perto. O olhar de outra pessoa pode fazer com que ele não saiba executar o que foi pedido ou elaborado devido a uma espécie de nervosismo que impede a demonstração de perícia em algo. A imperícia é a imperfeição habitual dos movimentos. Dizemos que uma pessoa é desajeitada quando não consegue executar o que desejaria fazer ou o que nós gostaríamos de vê-la fazer. Assim, todos os fatores que intervêm na execução de um movimento podem, pela sua insuficiência, tornar-se uma causa de imperícia (WALLON, 1979, p. 124).
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem De posse do que é a imperícia nesse aporte teórico, é possível refletir sobre o assunto e arriscar dizer que todos, de alguma ou de muitas maneiras, já aram por situações que provocaram a imperícia. Para nós, professores, por exemplo, a relação pedagógica é repleta de situações de imperícia, seja do aluno ou mesmo do professor. Segundo as palavras do próprio Wallon (1979): A imperícia – não existe nada que nos possa ser mais familiar. Conhecemo‑la por nós mesmos e como educadores. De cada vez que desejamos aprender um movimento novo ou ensiná-lo, debatemo-nos com a nossa imperícia ou com a do nosso aluno (WALLON, 1979, p. 123).
Não saber exatamente como fazer um determinado movimento ou, então, o educador não saber como ao certo deve ensiná-lo ao aluno pode se tornar algo frustrante e provocador de sentimentos ou emoções negativas como a própria frustração, a raiva, o medo de não saber fazê-lo, o receio do contato ou do julgamento de terceiros etc.
Figura 50 – Uma sensação de imperícia pode fazer o sujeito entrar em sincretismo, uma espécie de confusão inicial
Wallon (1979) alerta ainda que certos casos de imperícia não se referem exatamente à imperícia, mas sim a situações reflexas que se desenvolvem no sujeito devido à impressão de estar em presença ou sob o olhar do outro. Todo o sistema de atitudes, nesses casos, é afetado, e a mesma incontinência de reações se manifesta no aparelho motor, como um estado de rigidez ou contratura excessiva que normalmente acomete o indivíduo sob tais circunstâncias. Wallon (1979) diz serem perfeitamente normais essas reações e, diante da observação alheia, alguns indivíduos perdem a cabeça, de modo que os movimentos a executar são contrariados ou paralisados pela rigidez ou por tremores intempestivos. O sincretismo, termo usado por Wallon, é a sensação de confusão, ainda que inicial, provocada por uma situação nova; é algo, às vezes, inevitável. Podemos reconhecer uma grande variabilidade de maneiras e diferentes níveis de interação entre cada indivíduo com seu meio. No que concerne à interação com as tarefas ou desafios que surgem na vida, alguns sujeitos possuem mais dificuldades e 65
Unidade I outros, menos. Isso muitas vezes ocorre graças ao fato de os sujeitos estarem sincreticamente envolvidos, ou seja, confusos inicialmente em cada tentativa de interação com o meio, porém buscando a superação dessa situação. Por exemplo, ao comprarmos um computador pela primeira vez, somos tomados pelo desafio de tentarmos dominar seu uso.
Figura 51 - A alegria nasce quando estamos livres em nossos movimentos
Observação Coerentemente a esse raciocínio, está o conceito de aprender, que, na concepção walloniana, significa superar a situação de sincretismo em direção à diferenciação. Quando compramos um telefone celular, por exemplo, e começamos a tentar usá-lo, encontramos uma dificuldade inicial. Esse momento ainda é de sincretismo, confusão e indiferenciação. Ao interagir por certo tempo com o aparelho, suas partes e funções vão se diferenciando, o que permite uma melhor utilização. Quando começamos a trabalhar em um novo emprego, ocorre a mesma coisa. No começo, tudo é confuso por nos ser desconhecido. Esse o sincretismo inicial é superado com o ar do tempo, com a interação ativa do sujeito junto ao novo meio.
Figura 52 – Veja o que a atitude corporal demonstra. Ela sempre revela a intenção do sujeito
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Quanto ao movimento, Wallon refere-se a ele como provocador de alegria, uma vez que, para se fazer menção à área escolar, por exemplo, se fala diretamente de uma educação que utilize o movimento como meio e/ou fim educacional. Portanto, Wallon possibilita compreender a importância desse fator (que predomina na postura pedagógica do professor) no processo de ensino-aprendizagem. Nesse mesmo sentido, pode ser utilizada uma metáfora para dizer que o corpo é como uma janela para as emoções, uma vez que é por meio dele que se mostra o que se sente. Conforme afirmam Mahoney e Almeida (2005), embasadas na obra de Wallon, as: [...] emoções são sistemas de atitudes, reveladas pelo tônus. Atitude é a expressão da combinação entre tônus (nível de tensão muscular) e intenção; cada atitude é associada a uma ou mais situações (MAHONEY; ALMEIDA, 2005, p. 20).
O aluno, por exemplo, pode demonstrar que está com vergonha, cansado, desinteressado etc. O corpo mostra, mas o professor precisa saber e se empenhar a enxergar esses sinais. Às vezes, quando o professor exige que o aluno fique sentado por horas, uma inquietude pode tomar conta da situação, o que o professor poderia chamar de indisciplina. Entretanto, essa situação nada mais é do que a expressão de necessidades motoras. Somos feitos para o movimento e as atitudes corporais são reveladoras. Atitudes são compreendidas como expressões corporais estruturadas na integração de emoções, pensamentos e intenções, revelando uma predisposição para alguma ação. É por meio das atitudes que, às vezes, podemos nos comunicar. Ele chamou essas comunicações de não verbais e elas acontecem entre os indivíduos como um diálogo tônico. As emoções têm sua base tônica e são produtoras de uma postura física, assim, são expressivas. Essa é uma base para o contágio emocional (WALLON, 1995). Nesse lento desenvolvimento da atividade psíquica, portanto, o ato motor representa um importante papel. Ele está ligado à afetividade, manifesta‑se pela emoção, pelo sentimento e pela paixão e se expressa tendo por base o e da tônica no corpo, utilizando, para isso, o ato motor como via de o. 4.3.2 A afetividade Wallon entende afetividade ou conjunto funcional afetivo como a predisposição ou capacidade de ser afetado pelo mundo interno e externo, por sensações agradáveis ou desagradáveis, prazerosas ou desprazerosas. A afetividade é considerada um conceito maior que engloba as emoções, os sentimentos e a paixão. Na emoção, há um predomínio da ativação fisiológica de base orgânica; já o sentimento é representacional, pois a leitura e a análise cognitiva das sensações são o que caracterizam o sentimento. Na paixão, é predominante o autocontrole cognitivo, que fornece os meios de adiar a satisfação, dando tempo ao raciocínio para elencar a maneira estratégica de agir. 67
Unidade I
Figura 53 - Wallon diz que somos geneticamente sociais pela capacidade de afetar o outro, como no caso do bebê humano, que só sobrevive graças à sua capacidade de afetar os adultos, que provêm seus cuidados básicos de subsistência. É muito difícil não ser afetado pelas manifestações de um bebê
A afetividade ocupa um lugar central na teoria walloniana. Ela é o primeiro meio de sobrevivência, por ser responsável por conduzir as manifestações da criança recém-nascida a fim de afetar e mobilizar os adultos para o atendimento de suas necessidades. É nesse sentido que Wallon coloca que a criança é geneticamente social (WALLON, 1995). Para que o sujeito possa ser afetado, ele depende de canais que o sensibilizem com fatores internos ou externos. Essa sensibilidade é dividida por Wallon em três formas: interoceptiva, proprioceptiva e exteroceptiva. A sensibilidade interoceptiva é ligada às vísceras e permite sentir como estão os órgãos internos, que desempenham algumas funções de expressão importantes para a sobrevivência, como a indicação da fome, as cólicas intestinais etc. Já a sensibilidade proprioceptiva é responsável pela consciência corporal, pois está ligada à musculatura estriada-esquelética e responde principalmente pela manutenção da postura, pelo deslocamento do corpo e pelo equilíbrio. Estar numa mesma posição por muito tempo pode gerar um incômodo que, por sua vez é percebido graças à sensibilidade proprioceptiva (WALLON, 1995). Somando-se às duas primeiras sensibilidades, aparece no desenvolvimento ontogênico a sensibilidade exteroceptiva, que corresponde ao canal que liga a pessoa ao mundo exterior. Essa sensibilidade também é vista como o mundo dos cinco sentidos: a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato. É por meio dessas sensibilidades que o conjunto funcional afetivo se desenvolve (WALLON, 1995). Quando faz referência específica à emoção, Wallon destaca sua estreita dependência frente a todo o sistema postural, a reações tônicas dos músculos e das vísceras e a reações vegetativas e glandulares. Trata-se de uma forma de comunicação primitiva e ancestral que foi conservada ao longo da evolução. Porém, a cultura que a pessoa desenvolve pode constituir a maneira de ela expressar sua afetividade, ou seja, ela pode optar por exteriorizá-la ou reprimi-la, além de selecionar a forma mais apropriada de 68
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem manifestá-la. Isso é indicativo do desenvolvimento na direção de uma afetividade orgânica para uma de caráter moral ou social (WALLON, 1995).
Figura 54 – A emoção é a manifestação primária, arrebatadora e quase sempre menos duradoura
A emoção garante a agem do orgânico para o social e atrai as pessoas para que participem, se integrem mutuamente, interajam e produzam sua cultura. A emoção possui uma base tônica, ligada à questão muscular do corpo. É ela a responsável pela expressão da afetividade, porém, o movimento tem um papel importante. É fundamental ainda que se diga o que a relação entre tônus, afetividade e movimento representa para Wallon (1995): [...] fonte de impressões agradáveis é o movimento. Pelas sensações que lhe correspondem no aparelho muscular e articular, ele suscita uma excitação que se traduz, como a ação de carícias íntimas, em uma exaltação de gestos (...) são exatamente comparáveis à expressão de alegria. A alegria nasce com a facilidade dos movimentos (WALLON, 1995, p. 120).
O contágio emocional é explicado por Wallon como possibilitador da mobilização do adulto frente às manifestações da criança. O contágio garante a sobrevivência desta última que, por ser geneticamente social, se manifesta e tem pelo adulto o suprimento de suas necessidades (WALLON, 1995). Mas essa comunicação envolvendo apenas as emoções e sua expressão por meio do corpo é insuficiente para os seres humanos diante dos avanços sociais e culturais. Há muito tempo temos a linguagem, que dá base para as relações humanas. As emoções sob influência da linguagem mudam suas características e am a ter uma espécie de domínio cognitivo, além da possibilidade de serem explicadas ou terem um nome, como tristeza, alegria, medo etc. É nesse contexto que os sentimentos são caracterizados. O sentimento é a representação cognitiva da emoção. Não possui a característica de arrebatamento, como a emoção, mas tende a reprimi-la e a impor controles e obstáculos. Há um antagonismo entre a 69
Unidade I emoção e a atividade intelectual, pois quando a atividade intelectual entra em cena, a emoção tende a diminuir; assim, o sentimento pode ser visto como uma emoção diminuída (WALLON, 1995).
Figura 55 – O sentimento é uma forma de emoção com influência racional, pois podemos falar a respeito do que sentimos
Essa relação inversamente proporcional coloca o pensamento e a emoção em embate constante, já que, quando a emoção se intensifica, o pensamento se confunde, se atrapalha, e, quando a emoção abre espaço para uma representação cognitiva (podendo transformar-se em sentimento e abrir possibilidade para análise), a emoção diminui seus efeitos. Pode-se dizer que, dessa forma, é possível o controle a respeito de quando e onde expressar o que se sente (WALLON, 1995).
Figura 56 – A paixão é uma manifestação emocional sob um autocontrole cognitivo que o sujeito é capaz de manter
Já a paixão não aparece antes do estágio personalista, pois necessita da representação para seu autocontrole; ela tenta silenciar a emoção, esperando um momento para agir apropriadamente. Geralmente, a paixão é vista nas manifestações de ciúmes, exigências e exclusividade. Um bom exemplo é o caso de uma criança que ganha um irmãozinho e este a a ter mais atenção de seus pais, despertando um sentimento de ciúmes na primeira criança. Para se vingar do novo irmão, essa criança é capaz de esperar a saída de seus pais para dar um beliscão ou fazer algo ruim a ele. Um caso como esse mostra o autocontrole cognitivo do sentimento de ciúmes, que aguarda o momento apropriado para se manifestar. Fazendo uma análise nessa direção, podemos perceber que não há influência direta da emoção pura no cognitivo, porém, há no sentimento, que nada mais é do que uma emoção cognitivizada, já com uma forte 70
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem influência racional. Na paixão, o conjunto funcional cognitivo toma conta da situação emocional e mantém um autocontrole para que possa se manifestar em um momento mais apropriado, segundo a avaliação racional. Lembrete Na emoção, há um predomínio da ativação fisiológica de base orgânica; já o sentimento é representacional, pois a leitura e a análise cognitiva das sensações é o que caracteriza o sentimento. Na paixão, o autocontrole cognitivo é predominante, pois ele fornece os meios de adiar a satisfação. Assim, a paixão permite que uma maneira estratégica para o agir seja pensada. 4.3.3 O cognitivo Em relação à racionalidade, o conjunto funcional cognitivo pode ser entendido como um dos domínios funcionais que os filósofos antigos chamavam de razão (esse termo ainda é utilizado). Trata-se do recurso de apreensão do conhecimento, da análise e da explicação do mundo, das coisas e dos fenômenos. O conjunto funcional cognitivo é o material que pode compor a linguagem e a comunicação verbal e escrita e outras formas de conhecimento. Esse campo do conhecimento se desenvolve de acordo com as possibilidades que a maturação orgânica e as determinações sociais permitem, da mesma forma como ocorre com os outros campos funcionais. Assim, pelas características da espécie humana, há uma dada direção que é possibilitada pela agem de uma inteligência prática, ligada ao fazer, para uma mais abstrata, a discursiva. Para Wallon, a transição da inteligência prática à discursiva é possibilitada pelos avanços nos quais o ato motor é o principal e para a representação e a capacidade simbólica.
Figura 57 – O cognitivo é o campo funcional da inteligência. Trata-se da capacidade de compreensão, de análise e dá a base necessária para o discurso verbal
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Unidade I Segundo Wallon (1979), a inteligência evolui do gesto feito, ou seja, a atividade mental parte da ação do sujeito no mundo. Aparece, primeiramente, uma inteligência simbólica e representativa que evolui de um pensamento sincrético, quando a primeira unidade é o par, para depois evoluir até um pensamento mais complexo e explicativo, a inteligência discursiva. Esse pensamento aos pares se forma tendo por referência a predominância afetiva do estágio anterior ao categorial (o personalismo12), que se expressa pela escolha explicativa que agrada mais ou tem aproximação sonora com um tom, palavra semelhante ou uma palavra que tenha ouvido há pouco tempo e tenha chamado atenção etc. Não há uma lógica formal e compreensível como a do adulto nessa fase da criança. Alguns exemplos que podem ilustrar esse pensamento são as parlendas, as rodas cantadas e outras brincadeiras infantis que se valem do jogo de palavras (WALLON, 1979). A contradição de estar em um mundo falante e não saber se expressar de acordo com o que é exigido pelo meio para manter as relações sociais gera um conflito. A afetividade possui um importante papel para solucionar o conflito e usá-lo a favor do desenvolvimento cognitivo. A afetividade possibilita essa evolução intelectual e, ao mesmo tempo, nesse estágio, ela começa a ser expressa de forma mais cognitivizada, pois, como nos explica Dantas (1993), ela expressa a superação da afetividade da lambida13, ou seja, das necessidades mais epidérmicas. Esse momento a a ser uma forma mais elaborada de expressão afetiva a partir do progresso e das conquistas da linguagem verbal e do campo cognitivo. Outro princípio fundamental dessa teoria relaciona-se com as necessidades da pessoa nos conjuntos funcionais. Observação Todas as pessoas, indistintamente, possuem necessidades funcionais a todos os momentos. Essas necessidades correspondem a cada circunstância oferecida pelo meio em que vivem. Em uma sala de aula, por exemplo, as crianças possuem necessidades afetivas (emocionais), motoras (movimentação e postura) e cognitivas (compreensão, conhecimento, expressão verbal etc.). Para que esse conceito seja entendido melhor, considere o seguinte exemplo: as crianças, ao chegarem à escola, estão sob os cuidados das pessoas que ali trabalham. Portanto, a relação entre o professor, o diretor e os funcionários com as crianças afeta todos os indivíduos envolvidos. O professor, ao falar com uma criança, a afeta e esta interage, em contrapartida e ao mesmo tempo, afetando-o. Existe um diálogo afetivo ocorrendo o tempo todo e ele predispõe o indivíduo 12
Estágio que tem a função da formação da personalidade na criança, a afirmação do eu psíquico. Ele vai dos três aos seis anos de idade em média e possui três fases distintas e complementares – a oposição, a sedução e a imitação – a fim de poder dar condições para o desdobramento psíquico da criança (WALLON, 1956). 13 Termo utilizado por Heloísa Dantas, referindo-se a uma primeira forma de manifestação da afetividade.
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem a afetar e ser afetado mutuamente numa inter-relação, que se dá em todos os lugares que o sujeito frequenta. Entendido isso, é importante evidenciar que cada vez que somos afetados surge uma das três manifestações: a emoção, o sentimento ou a paixão. Todos os humanos possuem a necessidade de ter mais emoções prazerosas e positivas do que negativas para buscar a felicidade. Não se nega o valor que possam ter as emoções negativas no que se refere ao desenvolvimento do sujeito – pois a vida não foi feita apenas de coisas boas. Assim, conforme dito anteriormente, o conflito tem um papel essencial para o desenvolvimento. Dessa forma, voltando àquela criança na escola, ela precisa se sentir feliz, segura e bem recebida, ou seja, ser afetada positivamente. Trata-se de uma necessidade afetivo-emocional, pois, ao contrário, a criança não iria querer ficar nessa escola. Além disso, somando-se às necessidades afetivas, vêm as necessidades motoras e cognitivas. No caso das necessidades motoras, estas correspondem à questão do movimento e da postura. Por exemplo, digamos que uma criança seja obrigada a ficar sentada por mais de três horas na sala de aula, prestando atenção às aulas de determinado professor. Sabe-se que, mesmo os adultos, após arem muito tempo sentados e ouvindo na mesma posição, possuem muita dificuldade de concentração. Isso ocorre porque o movimento é essencial para o bem-estar. Conforme já mencionado no tópico sobre o conjunto funcional motor, é na liberdade de movimento que se sente uma espécie de prazer. Somado a isso, de acordo com Wallon, a criança evolui do ato ao pensamento e, desse modo, somos levados a entender o porquê de a criança muito nova ter tanta dificuldade de ficar parada, quieta. O movimento é sua principal fonte de aprendizagem. Portanto, quanto mais jovem a criança, maior a necessidade de movimentos. Lembrete Tentar aprisionar a criança estaticamente e proibi-la de se movimentar é ir totalmente contra sua natureza. Algumas escolas já compreenderam isso e possuem um jeito de aprender brincando, movimentando‑se muito e interagindo de maneira bem dinâmica, atendendo à necessidade motora. Por último, mas não menos importante, temos a necessidade cognitiva. Todos possuem necessidades de compreensão, comunicação e diálogo. Basta perceber como um sujeito fica quando outra pessoa não o deixa falar. Dessa forma, uma criança que, na escola, não pode falar com o colega de sala, não se sente à vontade para falar ou perguntar algo ao professor, não sabe expressar/escrever sua compreensão sobre o que está aprendendo e, o mais importante, não compreende o que está sendo ensinado a ela. Ela fica completamente desmotivada afetivamente, por não ter sua necessidade cognitiva atendida. Assim, deve ficar claro que, nessa visão, buscar atender às três necessidades da criança é a melhor forma de se preocupar com a aprendizagem e o desenvolvimento que deve ser proporcionado a ela. 73
Unidade I Vamos agora às fases de desenvolvimento que Wallon propôs.
Figura 58 – Deve-se atentar para as necessidades cognitivas, afetivas e motoras dos alunos
4.4 As fases do desenvolvimento propostas por Wallon
As fases de desenvolvimento devem respeitar a cultura na qual as crianças estão inseridas, assim, sua teoria não se trata do estabelecimento de idades rigidamente fixadas, mas são fases descritas pelas características que possam ser expressas e identificadas em cada criança em particular e com certa regularidade durante o desenvolvimento infantil. Por meio do método já exposto e explicado, Wallon observou e tratou suas minúcias teóricas com base nas realidades da cultura sa do século XX. Assim, alerta‑nos para que o uso dessa teoria seja posto em reavaliação crítica sempre que se queira submeter a uma aplicação em um novo contexto. Observação As fases de desenvolvimento, que nessa teoria são vistas de forma integral, são as seguintes: impulsivo-emocional (0 a 1 ano); sensório‑motora e projetiva (1 a 3 anos); personalismo (3 a 6 anos); categorial (6 a 11 anos); puberdade e adolescência (11 a 18 anos) e, por fim, a fase adulta, a partir do término da puberdade e da adolescência. A fase adulta da vida não é discutida por Wallon, uma vez que se encontra dentro de uma aparente estabilidade em relação a seus conjuntos funcionais. Tendo em mente a não fixação em idades nas fases de desenvolvimento, abordaremos as minúcias das próprias fases em si, conforme propostas por Wallon (1979). O teórico diz que somos geneticamente sociais. Isso significa que desde o nascimento estamos sujeitos às condições do meio social no qual nos inserimos. 74
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem O primeiro estágio, chamado de impulsivo-emocional, se dá a partir do nascimento até por volta de um ano de idade. Nesse estágio, a predominância é centrípeta, ou seja, voltada para o autoconhecimento, e o conjunto funcional predominante é o afetivo. Nesse estágio, foram observados por Wallon alguns movimentos desordenados e estes foram chamados de descargas motoras, manifestadas pela criança de maneira difusa e com o intuito de expressar dois estados do organismo: prazer ou desprazer (mal-estar ou bem-estar). Essa impulsividade motora se dá por volta de zero a três meses de vida. Nesse período, foram identificadas apenas as sensibilidades interoceptiva e proprioceptiva. A primeira se manifesta pela região visceral e é caracterizada, por exemplo, pela fome, pelas dores provocadas pela região intestinal etc. A segunda é aquela ligada às questões musculares, como o incômodo postural gerado por deixar o bebê por muito tempo na mesma posição, o prazer de se movimentar livremente etc. A simbiose fisiológica é a dependência funcional da criança (da alimentação e dos cuidados, por exemplo) e corresponde a um prolongamento da simbiose fetal. Ela ocorre nesse começo da vida. Após os três meses de idade da criança, somam-se às duas primeiras a sensibilidade exteroceptiva, que nada mais é do que os cinco sentidos. Wallon diz que a criança é geneticamente social, o que significa dizer que suas manifestações afetam e mobilizam os adultos para a atenderem e proverem suas necessidades. Assim, em oposição a Piaget, que coloca o desenvolvimento do egocentrismo para a socialização, Wallon coloca uma fusão entre o indivíduo e o meio, para que aquele se diferencie deste ao longo de seu desenvolvimento. Essas manifestações da criança se desenvolvem e am gradativamente à constituição da intencionalidade, voltando-se para a atividade de relação afetiva. Por isso, essa fase se chama emocional. Aparecem nesse período as primeiras manifestações intencionais de emoção. Há uma importante ligação entre emoção e tônus. Por meio do escoamento do tônus, provocado pelos movimentos e gestos (musculatura estriada), a criança pode manifestar a alegria. Já movimentos excessivos ou acumulação do tônus são sinais de sofrimento ou cólera. Após os três meses, temos o que Wallon chamou de simbiose afetiva, que significa uma dependência emocional que a criança manifesta frente à sua relação com os adultos. Seus movimentos vão se tornando cada vez mais expressivos e, dessa forma, ela a a se entender melhor com o adulto que cuida dela, uma vez que, emocionalmente, um diálogo entre eles é tecido por meio do corpo. Ainda não há fala na criança, mas esta vai aprendendo cada vez mais como manifestarse e como conseguir do adulto o que precisa. Surgem agora as primeiras atividades circulares, que são movimentos repetitivos que giram em torno do mesmo eixo, como o ato de balançar um chocalho. A criança parece sentir prazer em repetir movimentos e gestos, como se pudesse perceber que está exercitando funções. 75
Unidade I Quadro 3 Estágio
Impulsivo-emocional (do nascimento até um ano de idade)
Predominância de direção e do conjunto funcional
Centrípeta (para dentro, para o conhecimento de si) Afetiva
Características
0 a 3 meses (impulsivo): sensibilidades intero e proprioceptivas, atividade generalizada do organismo; movimentos reflexos e impulsivos; simbiose fisiológica (alimentar), que é um prolongamento da simbiose fetal. 3 a 12 meses: sensibilidade intero e proprioceptivas + exteroceptiva: pela resposta do outro, as atividades descoordenadas vão se transformando em sinalizações cada vez mais precisas para expressar mal-estar e bem-estar: medo, alegria, surpresa, raiva etc.; simbiose afetiva; movimentos expressivos; atividades circulares.
Principais aprendizagens
“O que eu sou?” Recorte corporal
Recursos de aprendizagem
Fusão com o outro
Figura 59 - É a fusão com os adultos que proporciona toda a gama de características no desenvolvimento da criança no período impulsivo-emocional
Suas principais aprendizagens se destinam a reconhecer “o quê” é e a fazer um recorte entre ela e o mundo, pois ela ainda não se reconhece como diferente de qualquer objeto que encontra em seu meio. Não raro, encontramos bebês beliscando a si próprios por não se reconhecerem como donos do próprio braço, e começarem a chorar por sentir a dor. Em outras situações, podemos presenciar uma criança puxando seu próprio cabelo e, naturalmente, chorando pela dor que sente. O recurso principal de aprendizagem nada mais é do que a fusão com o adulto. É como se a criança e o adulto fossem uma pessoa só graças à forte ligação entre os dois. Essa interação é que proporciona o avanço em todos os conjuntos funcionais da criança, pois a estimula de inúmeras maneiras. 76
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem O próximo estágio, sensório-motor e projetivo, por volta de um a três anos de idade, tem por base a exploração do mundo exterior. A predominância nesse estágio é centrífuga, ou seja, voltada para o mundo exterior. O conjunto funcional predominante é o cognitivo.
Figura 60 - A criança desenvolve sua capacidade inteligente quando imita ou simula uma realidade
Os ganhos do estágio anterior possibilitam que a criança tenha mais instrumentos de exploração dos locais onde vive. O desenvolvimento neuromotor alcançado até então permite mais possibilidades de interação com os objetos exteriores e, com estes, há uma relação para um exercício das funções. Movimentos e atividades da criança se repetem para testar os efeitos e modular seus órgãos sensórios‑motores. Essas são as tais atividades chamadas circulares, que agora se ampliam. Assim, aparece a capacidade de locomoção, entre o engatinhar e a aquisição da marcha. Isso gera para a criança oportunidades de contato e conhecimento dos locais por si própria e com a ajuda dos adultos. A fala é outra grande conquista, pois ela dá mais recursos para se comunicar com os adultos, o que permite um forte avanço em termos de aprendizagem e desenvolvimento. A segunda etapa desse estágio chama-se projetiva, pois o pensamento projeta-se em atos motores e em gestos e por eles se desenvolve. A criança evolui tendo o movimento como base de sustentação do pensamento antes da conquista do simbolismo e da representação. O surgimento da capacidade representativa e simbólica coloca a criança em contato com um mundo mental e abstrato, fazendo com que surja o pensamento e a posse da compreensão de mundo pelo recurso mental. O ato mental projeta-se em atos motores, o que significa a utilização dos movimentos e do corpo como um todo para que a inteligência seja altamente favorecida. É o prenúncio das conquistas mentais. A criança utiliza a imitação como modelo de sua conduta motora e inicia manifestações do simulacro, ou seja, as atividades que manifestam a fantasia são o prenúncio da representação. Ao imitar, a criança demonstra ser capaz de guardar na mente imagens de coisas que captou visualmente. Ninguém conseguiria imitar algo que não tivesse captado, interpretado e armazenado mentalmente. Por isso, para Wallon, a imitação é o primeiro e mais rico meio de aprendizagem da criança nessa fase de desenvolvimento. 77
Unidade I Após conquistar avanços representativos por meio da imitação, a criança começa a simular as coisas existentes em seu meio. Por exemplo, ao pegar uma pedra e brincar como se esse objeto fosse uma batata, ela projeta na mente o objeto batata e simula uma realidade (por isso o termo simulacro). A brincadeira do faz-de-conta, para Wallon, é uma conquista ainda maior que a anterior, a imitação, pois dá a chance de a criança incorporar papéis sociais, estruturar em sua mente uma melhor noção dos costumes, formas de vida existentes em seu meio etc. É brincando que ela conquista esse avanço mental, por isso, a brincadeira do faz-de-conta deve ser muito valorizada nesse estágio de desenvolvimento. Nessa fase, a criança deve aprender que é diferente dos outros objetos e fazer o recorte entre seu corpo e o restante do mundo, noção que começou no estágio anterior a esse, o impulsivo-emocional. Os principais recursos que garantem a aprendizagem dessas necessidades que a criança possui nessa fase são as vivências em diferentes locais e o contato com todas as formas possíveis, isto é, com objetos variados e com tudo aquilo que o adulto sentir ser seguro para permitir que a criança explore sem riscos. Como a ênfase é a descoberta das coisas do mundo, essa multiplicidade de oportunidades de interação é a grande oferta que o adulto pode proporcionar à criança, pois, ao engatinhar e, logo após, andar, ela amplia seu campo de exploração e pode interagir com mais lugares e coisas que na fase anterior lhe pareciam fora de alcance. Além disso, ainda existe a fala que, nessa fase, alcança o nomear – ela identifica objetos e pessoas e seleciona melhor seus interesses em relação ao que o mundo pode lhe oferecer. Apesar de a fala ainda ser algo rudimentar, ela pode contribuir e muito para que a criança refine seu contato com os adultos em busca da satisfação de suas vontades e necessidades. Porém, isso ainda não permite que ela se diferencie de outras pessoas e forme sua personalidade, o que irá se manifestar na próxima fase (o personalismo). Quadro 4 Estágio
Sensório-motor e projetivo (um a três anos)
Predominância de direção e Centrífuga (para fora, para o conhecimento do mundo exterior) do conjunto funcional Cognitiva
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Características
Marcha e fala 12 a 18 meses: sensório-motor 18 a 36 meses: projetivo Movimentos instrumentais (praxias) Comunicação simbólica Exploração sistemática do real: nomear, identificar, localizar objetos e pessoas Atividade circular mais elaborada: coordenação mútua dos campos sensoriais e motores (ajustamento dos gestos aos seus efeitos) Ato mental prolonga-se em atos motores Dois movimentos projetivos: imitação e simulacro (prenúncio da representação)
Principais aprendizagens
“Eu sou diferente dos objetos” Recorte corporal
Recursos de aprendizagem
Como a ênfase é a descoberta do mundo exterior, ela precisa de contato com os diferentes espaços e situações Disponibilidade de responder a diferentes perguntas
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem No estágio personalista, aproximadamente dos três aos seis anos de idade, a direção do desenvolvimento inverte-se novamente para o conhecimento de si própria, numa direção centrípeta. A predominância funcional é afetiva. Esse é o estágio do enriquecimento da personalidade, da formação do eu. A personalidade é compreendida por Wallon “no sentido do ser total, físico-psíquico e tal como ele se manifesta pelo conjunto do seu comportamento” (WALLON, 1979, p. 131). Existe um progresso da sensibilidade proprioceptiva (captação pelos cinco sentidos) nessa fase. Pode-se notar também que a criança começa a resolver problemas culturalmente impostos a ela, como alimentar-se sozinha, amarrar os sapatos, escovar os dentes etc.; o que Wallon define como praxias culturais. Três fases de relações interpessoais distintas mostram-se nesse estágio com o objetivo de, ao final, ter-se conseguido o desdobramento do eu psíquico, a individuação. Trata-se de romper com seus cuidadores, simbolicamente, pois dependerá deles para adquirir um jeito próprio de ser. São elas: a oposição, a sedução e a imitação.
Figura 61 – No personalismo, a criança precisa formar sua personalidade com base em suas convivências
A oposição mostra-se pela necessidade de se autoafirmar, de ganhar a autonomia e se descolar do comportamento do adulto. É uma fase de recusa e reivindicação. Trata-se da necessidade de romper a característica de seguir os pedidos dos adultos como forma de tentar galgar seu próprio espaço. A criança parece ter se virado contra os adultos, mas nada é tão natural nessa fase. Muitos dizem ser a fase de autoafirmação e, por isso, a criança costuma não obedecer da maneira que fazia anteriormente. Uma boa maneira de lidar com essa situação, uma vez que parece ser a autonomia o interesse da criança, seria oferecer pequenas responsabilidades para ela. Tomar conta de algo, ajudar com uma tarefa ou outra, pois isso fará com que venha a valorizar seu jeito de fazer as coisas. Alguns pais que têm filhos nessa faixa de idade costumam pedir que estes ajudem a cuidar do irmão mais novo e, mesmo isso sendo algo não tão sério (pois não se relegaria aos cuidados de uma criança nessa idade a vida de outra mais nova), costuma dar certo, pois valoriza a participação ativa da criança, proporcionando a autoafirmação que ela tanto desejava. 79
Unidade I A segunda fase, da sedução, é também chamada de “idade da graça”, pois é quando a criança mostra necessidades de ser aceita e irada. Nessa fase, há uma exuberância motora que precisa ser mostrada. Nela, a criança se exibe na busca de reconhecimento. Agora, nessa busca que parece ser mais um fortalecimento da autoestima, ela busca a iração daqueles com quem antes havia rompido. Costuma ser muito comum brigar pela atenção daqueles que ela ira, fazendo coisas das mais chamativas. Mostrar os saltos que ela aprendeu a fazer, o brinquedo que ela ganhou, a nova habilidade que ela desenvolveu etc. Esses são os instrumentos que ela usa para arrancar elogios, reconhecimento e iração. As respostas dos adultos parecem ser uma coisa bem importante para ela. Entretanto, não se pode pensar que qualquer forma de elogio é valorizada pela criança, pois mesmo ainda muito nova, ela não se deixa enganar. Caso seja elogiada em vão, ela perceberá e não aceitará o elogio como algo sincero. Ela não quer ser enganada, mas sim reconhecida para que seu conceito de valor próprio (autoestima) seja preenchido positivamente. A última fase desse estágio, a de imitação, distingue-se da imitação realizada no estágio anterior, pois, naquele momento, o interesse estava no gesto motor como modelo de aprendizagem e formação do eu corporal. Assim, nesse estágio, a imitação caracteriza-se pelo modelo de comportamentos da pessoa. Os detalhes de uma personalidade não são apenas copiados, mas interiorizados, e servem de exemplo a ser irado e suplantado pela criança. A necessidade é o desdobramento do eu psíquico, da afirmação de que ela é diferente dos outros. Portanto, a criança precisa copiar alguns trejeitos e comportamentos que ira. Assim, ao ver um personagem de desenho, ídolos de filmes, programas infantis, seu pai, sua mãe, seu irmão, seu professor etc., ela costuma os imitar. Com esses modelos servindo-lhe de parâmetro, ela pode formar sua própria personalidade, que é o objetivo dessa fase de desenvolvimento. Outra importante característica dessa fase é a inércia mental, que faz com que a criança seja totalmente absorvida por suas ocupações. Ela costuma ser atraída por qualquer estímulo que chame sua atenção, mudando de atividade ou persistindo nela sem que se possa explicar ao certo o motivo disso. É também nessa fase que Wallon pôde ver a primeira manifestação afetiva que ele chamou de paixão. Paixão é quando se possui o autocontrole cognitivo para retardar uma manifestação emocional. Por exemplo, uma criança de quatro anos teve o autocontrole de seus ciúmes pelo irmão mais novo esperando sua mãe sair do quarto para que ela fosse dar um beliscão no bebê. A escola ocupa um papel muito importante para a criança nessa fase, pois, para formar sua própria personalidade, ela precisa se autoafirmar psiquicamente e reconhecer que é diferente de outras pessoas. Para isso, ela precisa de oportunidades de convívio com muitas pessoas diferentes. Nada tão positivo quanto o ambiente escolar para proporciona-lhe esse convívio, uma vez que, em casa, essas oportunidades ficam limitadas. Outro detalhe importante é que a criança precisa aprender a lidar com a negação, pois a frustração é uma coisa comum na vida social de um adulto e, desde cedo, precisamos aprender que as coisas não estão sempre a nosso favor, do jeito que queremos que seja etc.
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Quadro 5 Estágio
Personalismo (três a seis anos de idade)
Predominância de direção e do conjunto funcional
- Centrípeta (para dentro, para o conhecimento de si). - Afetiva.
Características
- Progresso das sensibilidades exteroceptivas. - Praxias culturais. - Relações interpessoais características em três fases distintas: - fase da oposição ao outro (relações negativistas): recusa e reivindicação; fase da sedução ou idade da graça (relações sedutoras); - fase da imitação (relações imitativas para usar o outro que negou antes como modelo para a ampliação das competências); - necessidade de autossubstituir os outros. - Inércia mental (absorvida pelas próprias ocupações: instabilidade ou perseveração). - Aparecimento de paixão e ciúmes.
Principais aprendizagens
- “Eu sou diferente dos outros”. - Afirmação do eu psíquico.
Recursos de aprendizagem
- Oportunidades variadas de convivência com outras pessoas (crianças e adultos). - Aceitar e compreender a negação.
O estágio categorial se dá por volta dos seis anos de idade, coincidindo com a entrada na escola em praticamente todos os países. Graças ao amadurecimento da função simbólica e a diferenciação da personalidade que acontecem no estágio anterior, o estágio categorial traz importantes avanços no plano da inteligência, como a direção do interesse da criança para conhecimento e conquista do mundo exterior (centrífuga), vertendo suas relações com o meio à preponderância do aspecto cognitivo. No plano motor, a criança já manifesta gestos mais precisos e elaborados, podendo planejar como faria, por exemplo, um salto em distância, assim como as consequências de alguns gestos motores. Desse modo, ela pode tomar maiores cuidados com seu próprio corpo em situações de risco. Com o aparecimento da função simbólica e a conquista da atenção voluntária (rompendo com a inércia mental), é possível o surgimento do pensamento discursivo, que Wallon estuda pormenorizadamente no livro Origens do Pensamento na Criança (1941).
Figura 62 – No estágio categorial, a conquista da atenção voluntária possibilita outras formas de interação que propiciam o avanço intelectual. A criança tem a missão de organizar seus conhecimentos em categorias
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Unidade I Nessa obra, ele analisa o pensamento discursivo por meio de entrevistas com crianças que se encontravam entre as idades de cinco e nove anos, com o intuito de buscar compreender como elas pensavam. Para isso, abordou temas de seus cotidianos, com perguntas do tipo “o que é o sol?”, “o que é o vento?”, “o que é a lua?” etc. Por meio desse estudo, Wallon conseguiu perceber que o pensamento se processa no início dessa fase de maneira sincrética, ou seja, inicialmente confuso e global. No pensamento sincrético, são constantes as misturas de aspectos fundamentais, como o sujeito e o objeto pensado, os objetos entre si, os vários planos do conhecimento, ou seja, aquilo que só pode ser modificado no pensamento com o progresso da inteligência por meio dos processos de diferenciação. A menor unidade do pensamento é o par. Ele é a base do raciocínio infantil. Na infância, não se pode considerar uma palavra isoladamente, pois ainda não há essa diferenciação nesse período da vida. Wallon nos mostra que o pensamento sincrético mistura aleatoriamente uma coisa à outra, sem uma lógica definida, por ainda ter uma forte base afetiva. Essa base guia boa parte das escolhas no uso dos termos empregados. Por vezes, uma palavra que sustenta a outra é seu oposto, em outras, o motivo dessa ligação são as semelhanças nos sons ou na construção da palavra. Mas esse pensamento preso a contradições provoca um importante conflito que mobiliza a criança a superar essa fase de confusões conceituais, pois a condução desse pensamento é dispersiva e insustentável por não conseguir apoio na representação. Além disso, a criança ainda não desenvolveu a atenção, não podendo dar parâmetros de análise e definição de um pensamento mais coerente e organizado. Nessa fase, o pensamento tenta se livrar de certa predominância afetiva. Com o desenvolvimento da atenção, é possível a formação de um pensamento mais estruturado, o que ocorre durante os cinco e os nove anos de idade, com a agem do sincretismo para o que Wallon nomeia como pensamento categorial, pois, a partir dele, é possível organizar o real em categorias, séries e classes, apoiadas em um fundo simbólico estável. É uma diferenciação que favorece a objetivação do real ou o ajustamento gradativo do pensamento à realidade.
Figura 63 - Neste estágio a criança deixa para trás aquela sua forma de expressar-se afetivamente apenas pelo toque (sensações epidérmicas)
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Isso também é possível graças ao amadurecimento dos centros de inibição (neurológicos), nos quais se dá organicamente a possibilidade de estabilizar o pensamento e persistir em um foco definido. Wallon relata essa configuração como um poder capaz de lhes dar a eficácia desejada e o prolongamento e a perseverança num determinado foco. Para Dantas (1993), de todas as alterações processadas, essa é a mais fundamental, pois aponta a separação real das qualidades e possibilita um ganho verdadeiramente significativo na compreensão da realidade. Assim, seria compreensível para o pensamento da criança, por exemplo, o fato de o barco (antes confundido com suas características grande e pesado) não afundar e a faca (pequena e aparentemente leve), afundar, além de também ser ível de aceitação o fato de que outras mães possam ter o mesmo nome que a dela. Quadro 6 Estágio
Categorial (de seis a onze anos)
Predominância de direção e do conjunto funcional
- Centrífuga (para fora, para o conhecimento do mundo exterior).
Características
- Aparecimento de uma habilidade nova: autodisciplina mental (atenção voluntária) pela maturação dos centros nervosos.
- Cognitiva.
- No plano motor: gestos mais precisos e elaborados; pode planejar mentalmente o gesto e prever etapas e consequências como resultado de imposições do meio. - Superação lenta do sincretismo em duas etapas: - pensamento pré-categorial (até mais ou menos os nove anos): ainda marcado pelo sincretismo e pelo par que sustenta o pensamento sincrético; pensamento categorial (a partir de mais ou menos os nove anos): formação de categorias intelectuais. - As tarefas essenciais do conhecimento: definir e explicar (um objeto se define quando se recorta e diferencia dos demais e só se explica quando as relações entre ele e os demais estão claras. A tarefa de representação das coisas terminará por defini-las, tarefa essa árdua, tanto de definição como de explicação). - Até que se atinjam os conceitos propriamente ditos (categorização), o pensamento vai das duplas (o par) para as constelações e as séries. Exemplo: Alice (mãe de) Ester (mãe de) Miriam. Principais aprendizagens
- “O que é o mundo?” - Descoberta de diferenças e semelhanças entre objetos, ideias, representações etc.
Recursos de aprendizagem
- Variedade de atividades. - Levar em conta o que a criança já sabe (pré-requisito). Aceitação da imperícia.
A afetividade nesse estágio começa a ser expressa de forma mais cognitivizada, pois, como nos explica Heloysa Dantas14 (1993), é a superação da afetividade da lambida e das necessidades mais epidérmicas que permite a chegada a uma forma mais elaborada de expressão, com o progresso e as conquistas da linguagem verbal e do campo cognitivo. 14
DANTAS, H. Emoção e ação pedagógica na infância: contribuição de Wallon. Temas em Psicologia, São Paulo, v. 3, 1993, p. 73-76.
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Unidade I Esse estágio termina aproximadamente aos onze anos de idade, com a chegada da puberdade, momento em que a preponderância muda novamente para o campo afetivo, oferecendo uma nova gama de desafios e superação de grandes conflitos para a edificação do indivíduo integrado às exigências da sociedade na qual está inserido. A criança, nessa fase, precisa aprender o que é o mundo, as diferenças e semelhanças entre as coisas, elaborar ideias, representações, enfim, pôr a realidade em categorias racionalmente organizadas. Para isso, ela precisa de uma variedade de atividades (típicas como as oferecidas pela escola). E é importante levar em conta aquilo que a criança já sabe, para que os novos conhecimentos sejam construídos com base nos antigos, e aceitar a imperícia que ela tem, pois não se trata de um míniadulto, mas de uma criança que tem valor por aquilo que é, com suas necessidades, capacidades e limitações.
Saiba mais Para obter mais informações sobre Wallon, leia os livros de Abigail Alvarenga Mahoney e Laurinda Ramalho de Almeida: MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. (orgs.) Henri Wallon: psicologia e educação. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2003. ______. A constituição da pessoa na proposta de Henri Wallon. São Paulo: Loyola, 2004. Há também um vídeo sobre Henri Wallon, gravado por Izabel Galvão, presente na coleção Grandes Educadores da Atta: Mídia e Educação.
Figura 64 – Inúmeras crises perturbam o equilíbrio do adolescente. A real necessidade é a valorização de sua pessoa a fim de obter autoafirmação
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem O estágio da puberdade e da adolescência começa por volta dos doze anos e vai até a idade adulta, pois se trata da última e movimentada etapa que separa o adulto da criança. Assim como no estágio do personalismo, o sujeito se volta agora para o conhecimento do eu (direção centrípeta). Além disso, ele está novamente submetido à mudança na predominância funcional. Mas as semelhanças entre esses estágios são ainda maiores, pois, como explica Wallon, são as necessidades da personalidade que am novamente para o primeiro plano. Nela, o indivíduo está sujeito a inúmeras crises, onde “os sentimentos possuem a mais evidente ambivalência: timidez e arrogância, vaidade e gozo dos outros alternam-se e muitas vezes combinam-se” (WALLON, 1975, p. 139). É importante explicarmos a diferenciação entre os termos puberdade e adolescência para que possamos compreender como Wallon trata ambas as questões. Puberdade nada mais é do que um fenômeno biológico e endocrinológico que acomete as pessoas nessa fase de desenvolvimento. Exatamente por conta desse fenômeno é que se coloca um fim na infância, abrindo espaço para uma nova condição: a adolescência. Esta, por sua vez, é um período socialmente criado para alocar aqueles que não são mais crianças e ainda não são considerados adultos. Junto à puberdade, vem a modificação de características, a saber: transformações sexuais que acentuam a diferença entre os organismos masculino e feminino, aparecimento dos caracteres sexuais secundários, aparecimento de pelos em alguns lugares do corpo, posse da função reprodutora, mudanças na fisionomia facial, crescimento repentino (estirão), aparecimento de espinhas, mudanças na voz (principalmente do rapaz) etc. Pode-se notar que são muitas as mudanças que ocorrem em um curto espaço de tempo, o que exige uma readequação de todos os conjuntos funcionais do sujeito que, dinamicamente, precisa também dar conta da vida que se desenrola normalmente diante de seus olhos. Logo, convém perceber que não é nada fácil para o adolescente ser fonte de comentários por todas as suas mudanças, pois, não bastasse o fato de ter de se adequar a elas sozinho, ele ainda deve ar os outros que ativamente o observam durante essa fase. Pensando por esse lado, o rótulo de revoltado é, no mínimo, injusto, uma vez que não se dá atenção aos inúmeros conflitos que vivem os adolescentes para se desenvolverem no meio de todo o tipo de pessoas e com todas as dificuldades típicas dessa etapa. Para termos uma ideia melhor do que se trata, vamos a algumas análises sobre quais as adequações necessárias nessa fase de desenvolvimento. Quanto ao crescimento, o sujeito precisa reestruturar seu esquema corporal, ou seja, readequar‑se às suas dimensões de corpo (braços e pernas mais longos), pois elas às vezes o tornam um pouco desajeitado. 85
Unidade I Quanto à função sexual, Wallon destaca que o sujeito leva boa parte da adolescência para se reconhecer sexualmente. As necessidades sexuais carecem muito mais de orientações do que de julgamento, punições ou comentários que coloquem o adolescente em situações vexatórias. Às meninas, vem a menarca15, que propicia à adolescente a posse da função reprodutora. Aos meninos, vem a espermarca16, que também abre espaço para a possibilidade reprodutora. Psicologicamente, muita coisa muda, pois o desejo sexual aparece, dando espaço a tentações típicas dessa energia estimulada pelos hormônios. ar a ter a função reprodutora pode vir a gerar inúmeros problemas, como os advindos do risco de uma gravidez precoce, de uma doença sexualmente transmissível ou de outros problemas tão graves quanto os citados. Assim, em termos de psicologia educacional, quais seriam as necessidades do adolescente nessa fase para que chegue mais tranquilamente à idade adulta?
Figura 65 – O espelho costuma ser muito requisitado pelos adolescentes
Uma série de mudanças físicas acompanhadas por desejos lhe aproximam de outras pessoas para a construção de um relacionamento, no entanto, sua necessidade é, além de física, de autoestima. Se o adolescente quer conquistar a outra pessoa, ele precisa se sentir bonito. Os espelhos são constantes, pois, como as mudanças são bruscas, existe uma espécie de necessidade de se reconhecer misturada com a de se irar ou se preparar para se expor na presença do outro. O reconhecimento é necessário, já que, para irar a si mesmo, ele precisa que lhe mostrem algum grau de iração. Nesse período, os julgamentos não são bem-vindos, pois soam como moralistas e só afastam o adolescente daquele que o julga. A questão central da felicidade de um adolescente está atrelada ao fato de ser bem aceito. Pertencer a um grupo é um dos elementos necessários para o sentimento de identificação. Quando, por exemplo, 15 16
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Refere-se à primeira menstruação. Primeira ejaculação.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem na escola, o sujeito não se sente bem aceito ou não se sente feliz, ele pode procurar outros grupos. Por isso, é comum os grupos musicais ou outros grupos serem formados nessa fase. É pela necessidade de expressão que isso acontece. Por essa razão, a escola deve ser um local prazeroso, agradável e acolhedor, acompanhando o desejo de aventura, o aspecto idealista, a vontade de mudar o mundo e transformar as coisas. Existe uma necessidade grande de revolução no adolescente, necessidade essa acompanhada por uma energia altamente produtiva que só precisa de um bom guia, no caso, a educação. Muitos professores já percebem isso e sabem utilizar uma linguagem mais adequada a seus alunos, pois aprenderam a trabalhar com projetos para estimular a autonomia que o jovem tanto quer adquirir. Desse modo, esses docentes organizam torneios inclusivos que obrigam todos os alunos a participar, fazem trabalhos educativos em espaços alternativos, mostram-se descolados da tradicionalidade e da formalidade que sempre guiaram a visão do professor etc. Wallon destaca a importância da participação em grupos, pois, neles, o adolescente inicia o questionamento sobre quem é, quais são seus valores, quem ele será no futuro. Além disso, a configuração de um grupo permite opor-se ao outro e percorrer diversas posições de liderança, o que, segundo Wallon, pode vir a ajudar a formar a identidade do sujeito, já que essa é uma maneira de identificar a si próprio e aos demais. A justiça, o respeito e a solidariedade são muito importantes nessa fase, entretanto, o adolescente não aceita “dois pesos e duas medidas”, ou seja, se um direito foi concedido a uma pessoa, às outras ele também deve ser. Os adolescentes não toleram nada que fuja de sua noção de justiça. Além disso, é preciso levar em consideração a instabilidade provocada pela oscilação hormonal nessa etapa, pois, como diz Wallon, existe uma situação de forte ambivalência: em um momento, o jovem quer uma coisa e, no seguinte, quer outra, oposta à anterior. Wallon coloca que o mais absoluto egoísmo e sacrifício pessoal andam lado a lado nessa fase. Só as circunstâncias parecem às vezes decidir qual dos dois prevalecerá. Isso tudo provoca a sensação de que o sujeito mal se reconhece e espanta-se consigo próprio, achando-se deslocado de sua pessoa ou de sua história pessoal. A necessidade que o adolescente tem de adquirir autonomia e fortalecer sua personalidade guia essa etapa do desenvolvimento, que tem como e os progressos anteriores, principalmente os adquiridos na linguagem (estágio categorial). Conforme diz Wallon sobre a relação entre personalidade e conhecimento: “(...) todas as etapas que conduzem a criança do nascimento à idade adulta mostram uma ligação estreita entre a evolução de sua personalidade e de sua inteligência” (WALLON, 1975, p. 140).
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Unidade I
Figura 66 – Compreender o adolescente é fundamental para saber como deve ser o trabalho educativo
Quadro 7 Estágio
Puberdade e adolescência (acima de onze anos)
Predominância de direção e do conjunto funcional
- Centrípeta (para dentro, para o conhecimento de si).
Características
- Última e movimentada etapa que separa a criança do adulto.
- Afetiva. - Fortalecimento do pensamento categorial. - Apreensão do tempo completa a consciência de si e alteração do esquema corporal. - Nova crise de personalidade, como na fase do personalismo.
Principais aprendizagens
- ”Quem sou eu? Quais são os meus valores? Quem serei no futuro?” - Consequência temporal de si.
Recursos de aprendizagem
- Permitir oposição ao outro e identidade. - Respeito, justiça, solidariedade etc.
Para finalizar a discussão sobre essa etapa, é importante apontar que nessa fase existe a preocupação com o futuro. A apreensão do tempo faz com que o sujeito se destine a escolher uma carreira e um modo de vida, mas, ao mesmo tempo, seus planos mudam tão facilmente quanto surgem.
Saiba mais O texto “Uma reflexão sobre o pensamento pedagógico de Henri Wallon”, de Izabel Galvão, aponta as contribuições da obra de Wallon ao pensamento pedagógico, oferecendo subsídios para os educadores compreenderem e refletirem sobre sua relação com seus alunos e a organização do trabalho em sala de aula. Leia-o:
. o em: 20 maio 2012. 88
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Saiba mais Para conhecer melhor como se dá a afetividade em situações de ensino e aprendizagem, sugerimos a leitura de: MONTEIRO, M. D. As manifestações afetivas nas aulas de educação física: análise de uma classe de 3ª série do ensino fundamental na perspectiva de Henri Wallon. 2006. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2006. Disponível em:
. o em: 20 maio 2012. Exemplo de aplicação
Proposta de estudo de caso com base na teoria de Wallon Com base na teoria walloniana, analise a seguinte história17 que, mesmo sendo fictícia, costuma ocorrer constantemente no cotidiano de muitas crianças atualmente. “Sergipe era um adolescente de 13 anos que costumava ir todos os dias para o treino de natação em um clube próximo de sua casa. Ele saia de casa às 6 h da manhã e voltava às 10 h. Quando chegava em casa após o treino da manhã, tomava um banho e almoçava para ir à escola. Voltava da escola às 18 h, jantava, fazia suas lições e ia dormir por volta das 21 h. No treino, ele era muito cobrado por parte de seu treinador, Joaquim, um sujeito de pouca conversa, mas que exigia muito esforço por parte de seus atletas. Durante o treino, era frequente que Joaquim fizesse incontáveis intervenções para que fossem corrigidos todos os gestos técnicos que julgava necessários. Sergipe costumava seguir todas as recomendações do treinador, uma vez que estava lá para conseguir se aprimorar e poder competir com outros atletas em eventos esportivos que surgissem. Frequentemente, Joaquim gritava de modo enérgico com Sergipe, como alguém que já tivesse perdido toda a paciência com ele. Isso ocorria diariamente, várias vezes ao dia. Quando houve a primeira competição, para a surpresa do treinador Joaquim, Sergipe ganhou uma medalha de ouro em uma competição. Contudo, o que aconteceu após a competição chamou a atenção de todos. 17
Os nomes e toda a situação narrada são puramente frutos da criação do autor.
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Unidade I Ao ver o resultado e saber que havia ganhado a competição, Sergipe correu na direção do treinador Joaquim. Entretanto, novamente o treinador começou a gritar com ele afirmando que mais uma vez errara o mesmo gesto que havia sido corrigido durante a semana inteira. Além disso, como forma de castigo, Sergipe teria de ficar por toda a semana seguinte treinando forte o gesto em questão. Logo, a expressão facial de Sergipe mudou repentinamente. Seus olhos marejaram, não conseguiu evitar o choro, seus ombros se abaixaram e sua postura caiu. Sergipe correu para o vestiário e nem ao menos conseguiu voltar para pegar sua medalha de ouro. Na segunda-feira após a competição, Sergipe voltou ao treino no seu horário habitual e pediu desculpas ao treinador, porém, o treinador ainda o chamou para conversar e falou por aproximadamente mais 40 minutos. Na manhã seguinte, Sergipe não foi ao treino. Ele havia definitivamente desistido da natação.” Analise a situação descrita com base em todo o texto de Wallon, lembrando-se de utilizar os elementos propostos na teoria, como os conjuntos funcionais e as fases de desenvolvimento. Aborde a relação entre o treinador Joaquim e o menino Sergipe a partir de um olhar projetado pela teoria. Bons estudos!
Resumo Jean Piaget chama sua teoria de construtivista-interacionista, pois ele observa como o sujeito constrói seu próprio conhecimento (cognitivo) a partir da interação estabelecida com o meio em que vive. A inteligência, nessa visão, possui duas funções: uma de adaptação e outra de organização. O sujeito se adapta às novas demandas do meio e se organiza inteligentemente para viver. Com isso, sua inteligência se expande. Piaget chama esse processo de equilibração majorante. Piaget organizou uma sequência de fases no desenvolvimento cognitivo da criança e mostrou quais são as características de cada uma delas. A primeira, que vai de zero a aproximadamente dois anos de idade, é chamada de período sensório-motor. A segunda fase é o período pré-operatório, que vai de aproximadamente dois a seis/ sete anos de idade. A terceira fase, denominada período operatório concreto, vai de aproximadamente seis/sete a onze/doze anos. A quarta 90
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem e última fase, o período operatório formal, vai se desenvolver a partir de aproximadamente onze/doze anos. Em relação ao juízo moral nas crianças, Piaget categorizou três etapas mais gerais na evolução da prática e da consciência das regras por parte delas. A primeira etapa é a da anomia, a segunda, da heteronomia, e a terceira, a da autonomia. No que se refere especificamente às práticas das regras, são quatro as fases encontradas pelas pesquisas de Piaget: motor individual, egocêntrica, cooperação nascente e codificação das regras. Sobre os níveis de consciência das regras, Piaget os categoriza em três estágios: o da não obrigatoriedade, o da obrigatoriedade sagrada e o da obrigatoriedade devido ao respeito mútuo. Vygotsky, como muitos em sua época, buscava a superação das teorias psicológicas existentes até então. Assim, em uma síntese típica da dialética marxista, ele trouxe um modelo que não era mecanicista tampouco idealista, como as teorias daquela época. Calcado no materialismo histórico e dialético, ele procurou enxergar a evolução do psiquismo numa perspectiva histórica e sociocultural. O teórico acredita que o sujeito se constrói historicamente com base em quatro fontes que determinam a forma de os homens existirem. São elas: a filogênese, que trata da evolução da espécie humana; a ontogênese, que trata da história do ser humano em vida, biologicamente, pelas etapas que precisa ar; a sociogênese, que determina como a cultura, historicamente produzida pelos homens, constrói o sujeito; e a microgênese, que determina como cada conhecimento em particular será moldado na interação com o meio. Vygotsky diz que não temos um o direto ao conhecimento, mas temos um o mediado por instrumentos simbólicos e representacionais, criados por cada cultura existente. Esse conceito de mediação simbólica é o que nos faz entender que existe um mundo abstratamente construído em nossa mente. Isso se dá pelo o à cultura e aos membros nela presentes, que permitem que essa representação seja transportada em nossa linguagem, pensamento, relação com os outros etc. Sobre a aprendizagem, Vygotsky diz ser ela a responsável pelo desenvolvimento, o que valoriza o papel do professor. Para que haja a aprendizagem e o desenvolvimento, existe um processo de internalização. Ele afirma que, ao interagir com outros indivíduos em um processo interpessoal ou interpsíquico, o sujeito caminha para a construção do conhecimento socioculturalmente produzido, tornando-o internalizado ou intrapessoal (intrapsíquico). 91
Unidade I Para que haja essa evolução no conhecimento, Vygotsky traça zonas de desenvolvimento e olha para a aprendizagem de maneira prospectiva (futura). Ele afirma que o sujeito possui duas zonas de desenvolvimento: uma real, que é aquilo que já foi internalizado (aprendido e desenvolvido), e uma potencial, que é o que temos o potencial de aprender e desenvolver. Esta necessita apenas de uma mediação apropriada, que pode vir por outros membros da cultura. Vygotsky chama a distância entre a zona real e potencial de zona de desenvolvimento proximal, pois ele a vê como próximo de ocorrer, aguardando apenas um processo interpessoal eficaz. Henri Wallon construiu sua teoria com base no materialismo histórico e dialético e buscou na psicogênese da pessoa completa uma forma de caracterizar melhor os comportamentos dos seres humanos desde o nascimento até a idade adulta. É no encontro do orgânico com o social que o desenvolvimento humano acontece. Os aspectos orgânicos (biológicos, genéticos) predispõem o sujeito a determinadas características e só se desenvolvem se o social (seu meio, contexto em que vive e que determina sua condição de existência) lhe permitir. O conflito também é visto como mola propulsora do desenvolvimento, uma vez que, para superá-lo, o esforço dinâmico do sujeito propicia aprendizagens e desenvolvimento. Wallon destaca três leis reguladoras do desenvolvimento humano: a alternância funcional, que determina o sujeito ora voltado ao conhecimento de si próprio (direção centrípeta), ora voltado ao conhecimento do mundo exterior (direção centrífuga); a alternância da predominância, que revela cada conjunto funcional destacado em um estágio diferente e em todos os momentos de interação do sujeito em seu contexto de existência; e a integração funcional, que diz respeito ao fato de os conjuntos funcionais (cognitivo, afetivo e motor) estarem integrados todo o tempo, sempre fazendo parte de todos os momentos do sujeito, e se expressarem no quarto conjunto, a pessoa, resultado dessa integração. Os conjuntos funcionais são assim definidos por Wallon: o conjunto funcional motor é responsável pela movimentação corporal, pelas posturas, pela expressão do conjunto afetivo (pois o corpo mostra aquilo que se sente), pelos movimentos involuntários e pela manipulação dos objetos e da interação com o mundo. Existe um sistema de atitudes que determinam que o corpo mostre sua predisposição a determinadas ações com base na interação com o afetivo e o cognitivo. 92
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem O conjunto funcional cognitivo é responsável pela racionalidade, por aquilo que nos permite reconhecer, separar mentalmente, distinguir, selecionar, decidir e organizar. A fala é uma das interações com o aspecto motor, que cuida dos movimentos, e com o cognitivo, que seleciona o que será falado. Além disso, a fala é influenciada pelo conjunto afetivo, que determina a vontade de falar, o tom emocional da fala etc. O conjunto funcional afetivo é a predisposição em ser afetado por fatores internos ou externos, influenciados pelas três sensibilidades: interoceptiva, proprioceptiva e exteroceptiva. A sensibilidade interoceptiva diz respeito às sensações viscerais. A proprioceptiva se relaciona com o corpo e às sensações provocadas pela musculatura e pelas estruturas de sustentação, assim como pela postura física. Já a sensibilidade exteroceptiva está ligada ao que conhecemos por cinco sentidos. Essas sensibilidades nos afetam, provocando três formas de manifestação: a emoção, o sentimento e a paixão. A emoção é primária, mais orgânica e temporária e, por isso, mais intensa. Entretanto, quando sofre a influência do cognitivo, ela reduz sua intensidade e muda de forma, sendo vista como um sentimento, com base na influência racional de uma emoção. Com um controle fortemente armado pelo aspecto cognitivo, somos capazes de disfarçar nossas emoções, aprisioná-las para em outro momento darmos a elas a vazão que queremos. Isso seria o que Wallon chama de paixão. Nessa visão teórica, aprender é superar as situações iniciais e confusas, chamadas de sincretismo. Superar o sincretismo é diferenciar, conhecer melhor o objeto de conhecimento. As fases de desenvolvimento que Wallon traçou não devem ser vistas como fixadas nas idades sugeridas, pois, como dependem da interação do orgânico com o social, podem fugir dessa classificação se tiverem uma genética privilegiada ou se forem muito estimuladas pelo meio em que se encontram. Elas são as seguintes: • impulsivo-emocional (0-1 ano de idade, aproximadamente): é uma fase que mostra como a afetividade proporciona um desenvolvimento na criança pelo contato que ela estabelece com quem cuida dela; • sensório-motor e projetiva: (1-3 anos de idade, aproximadamente): determina a aprendizagem da fala e a marcha como êxitos. A projeção no ato motor da aprendizagem mental é a principal conquista da 93
Unidade I criança que, ao imitar e simular a realidade, desenvolve o simbolismo e a representação; • personalismo: (3-6 anos de idade, aproximadamente) visa à formação da personalidade na criança, ando por três fases distintas e complementares (a oposição, a sedução e a imitação), a fim de adquirir um modelo de personalidade próprio e se diferenciar das outras pessoas; • categorial: (6-11 anos de idade, aproximadamente) coincide com a entrada da criança na escola em quase todo o mundo. A criança desenvolve a atenção voluntária e o planejamento. Ela estrutura sua visão do mundo em categorias intelectuais, aprendendo a separar, agrupar, distinguir, selecionar e organizar com mais critérios e objetivamente; • puberdade e adolescência: (a partir de 11 anos de idade) a principal função dessa fase é ar da inocência da infância e chegar mais equilibrado e estável na idade adulta, portanto, a meta é formar uma personalidade bem definida, com todas as características que levam o sujeito a uma vida social bem estabelecida. Para isso, o sujeito enfrenta, nessa fase, difíceis missões: lidar com seus instintos, adequar‑se a seu novo corpo em constante e extrema modificação e ajustar‑se às demandas que o mundo lhe impõe enquanto participa ativamente dele. Exercícios Questão 1. (Enade 2008) A professora afirmou que a baleia é um mamífero. Inconformado, Pedro argumentou: “Mamífero é vaca, gato, cachorro, cujos filhotes mamam. A baleia vive dentro d’água, tem nadadeiras, é um peixe”. A maioria dos colegas concordou com Pedro, mas todos começaram a mudar de ideia ao assistir a um filme em que apareciam baleias pequenas sendo amamentadas. Pedro começou a perceber que morar fora d’água não é algo que defina os mamíferos, e que ter rabo de peixe, nadadeiras e morar na água não são características apenas dos peixes. A aprendizagem de Pedro foi gerada, segundo a teoria piagetiana, pelo processo de: A) anulação do conhecimento anterior e substituição deste por conteúdos novos e diferentes. B) associação de novos conteúdos àqueles que já faziam parte da sua estrutura cognitiva. C) comparação entre informações contrastantes e o reforço do conhecimento anterior. D) desequilíbrio, por conflito cognitivo, e acomodação do novo conhecimento ao anterior. 94
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem E) reforço positivo por parte da professora, dos colegas e da família. Resposta correta: alternativa D. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: na teoria de Piaget, os conhecimentos são cumulativos e necessitamos dos conhecimentos anteriores para construir as hipóteses que serão responsáveis pelo surgimento dos novos conhecimentos. B) Alternativa incorreta. Justificativa: o processo de aprendizagem, segundo Piaget, não é uma simples soma ou associação de novos conteúdos, mas uma experiência complexa, que se dá na sucessão de desequilíbrio e reequilíbrio. Portanto, a ideia de estrutura cognitiva como algo estanque não é a adequada. C) Alternativa incorreta. Justificativa: para Piaget, o processo de aprendizagem é dialético. Podemos fazer uma comparação de informações contrastantes nesse percurso, porém o resultado é uma síntese do conhecimento anterior com o novo e não um reforço do existente. D) Alternativa correta. Justificativa: esse é o processo pelo qual Piaget demonstra a construção do conhecimento: a nova informação gera desequilíbrio cognitivo, que leva à acomodação ou ao reequilíbrio após a aquisição do novo conhecimento. E) Alternativa incorreta. Justificativa: os conhecimentos trazidos pelos outros nem sempre nos colocam em estado de conforto ou reforçam positivamente as nossas hipóteses. O processo de construção do conhecimento é feito de conflitos e desequilíbrios cognitivos, que nos provocam a buscar respostas e novos conhecimentos. Questão 2. (Enade 2005) Na figura abaixo, de sco Tonucci, a professora reage ao “erro” do aluno de forma contundente, desvalorizando o seu raciocínio analógico. O erro e sua correção tiveram, ao longo do tempo, diferentes abordagens relacionadas a concepções e reflexões sobre a avaliação da aprendizagem.
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Unidade I
Fonte: TONUCCI, F. Com olhos de criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p. 83.
O procedimento docente que caracteriza uma concepção mediadora de avaliação é: A) determinar a correspondência entre as intenções e as observações, verificando se os dados observados correspondem às intenções formuladas. B) respeitar as diferenças individuais e, sem comparar um aluno em relação a outros, fazer um julgamento com base nos objetivos alcançados por ele. C) analisar as várias manifestações dos alunos em situações de aprendizagem, considerando suas hipóteses, para exercer uma ação educativa. D) valorizar a produção individual sobre a coletiva, acompanhando os alunos em diversas situações de aprendizagem, para estabelecer as estratégias de ensino. E) considerar o resultado obtido pelo aluno como consequência do seu empenho em reproduzir os conteúdos dados e as normas estabelecidas pela instituição onde ele estuda. Resolução desta questão na plataforma.
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Unidade II 5 SKINNER E O COMPORTAMENTALISMO
Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) foi um psicólogo estadunidense que conduziu trabalhos pioneiros em psicologia experimental. Ele foi o propositor do behaviorismo radical, abordagem que busca entender o comportamento em função das inter-relações entre história filogenética e ambiental do indivíduo. Ele também escreveu trabalhos nos quais advoga o uso de técnicas para a modificação de comportamento (principalmente o condicionamento operante), com a finalidade de melhorar a sociedade e tornar o homem mais feliz. Contudo, a maior originalidade de seu trabalho (pouco reconhecida) é o tratamento dado à subjetividade humana, analisada segundo fatores histórico-ambientais envolvidos com o chamado comportamento verbal. 5.1 O behaviorismo ou ciência do comportamento humano
J. B. Watson (1878-1958), em oposição aos funcionalistas, propõe uma psicologia cujo objeto de estudo se desloca da mente e a para o comportamento e suas interações com o ambiente. O método de estudo do comportamento “deve ser o de qualquer ciência: observação e experimentação, mas sempre envolvendo comportamentos publicamente observáveis e evitando a auto-observação” (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 42). Apesar de tomar por base muitas das posições defendidas por Titchener e os funcionalistas – como a psicologia como ciência da natureza e a adoção de métodos objetivos de análise teórica –, Watson, na tentativa de superá-los, redefine a psicologia como ciência do comportamento, na qual a introspecção não tem lugar, pois o que se estuda nessa ciência são os comportamentos observáveis, aquilo que visualmente se nota e suas relações com o ambiente. Desse ponto de vista, Watson supunha não ser necessário dizer que mente e corpo interagem ou caminham lado a lado, pois o sujeito que se comporta [...] não é um sujeito que sente, pensa, decide, deseja e é responsável pelos seus atos: é apenas um organismo [que, como tal,] se assemelha a qualquer outro animal [...] (WATSON apud FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 67).
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Unidade II
Figura 67 – Da mesma forma que em outras ciências, a psicologia quis adotar um método experimental e com a exigência que fosse observável
Watson (para uma psicologia observável): psicologia experimental Dessa forma, temos o esquema de análise a partir do que se chama de estímulo (E), que incita uma resposta (R) em termos de comportamento: E
R
Observação O comportamentalismo é visto como o estudo das interações entre indivíduo e meio (ambiente ou contexto) e tem por base a análise dessas interações. 5.2 Watson e o comportamento respondente
Ao continuar suas pesquisas em confluência com os estudos precedentes (de Pavlov1, por exemplo), Watson pôde perceber que, quando se estimula as pessoas ou animais de maneira não voluntária (independentemente das condições), são gerados reflexos incondicionados de resposta. Os estímulos não voluntários são, portanto, incondicionados.
Figura 68 – A pupila se contrai em um foco de luz. Essa é uma forma de reflexo incondicionado Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) foi um fisiólogo russo. Premiado com o Nobel de fisiologia ou medicina de 1904, por suas descobertas sobre os processos digestivos de animais, entrou para a história por sua pesquisa em um campo que se apresentou a ele quase que por acaso: o papel do condicionamento na psicologia do comportamento (reflexo condicionado). 1
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Assim, independentemente das condições, sofremos as reações ou respostas elencadas a seguir: • reação pupilar quando estimulada pela luz à frente dos olhos; • salivação quando nos é apresentada uma boa comida; • o músculo do joelho sofre contração quando se bate com um martelinho nele. Observação Com um estímulo apropriado, geram-se respostas incondicionadas, involuntárias. Já uma resposta condicionada (pareada, aprendida) foi descoberta com uma experiência como a de Pavlov, feita a partir de um cão, uma campainha e a salivação do animal à vista de um pedaço de carne. Sempre que se apresentava ao cão o pedaço de carne, a visão da carne e sua olfação provocavam salivação. Ao ouvir a campainha, o mesmo cão sofria uma reação de orientação. Ele simplesmente olhava e virava a cabeça para ver de onde vinha aquele estímulo sonoro. Se, por repetidas vezes, a campainha tocasse e, em seguida, se mostrasse o pedaço de carne a ele, ofertando-a para que comesse, depois de certo número de vezes o simples tocar da campainha já provocava salivação no animal, preparando seu aparelho digestivo para receber a carne. A campainha se tornara um sinal da chegada da carne, e todo o organismo do animal se preparava e reagia como se a carne já estivesse ali presente, com salivação, secreção digestiva, motricidade digestiva etc. Um estímulo meramente sonoro que nada tem a ver com a alimentação ou a ser capaz de provocar modificações digestivas.
Figura 69 – Estando diante da presença de um estímulo condicionado, o sino antes da comida, o cachorro salivava como sinal de um reflexo condicionado, aprendido
5.3 O behaviorismo radical de Skinner
A proposta de Skinner (2000) era: [...] embora se trate de um comportamentalismo, (...) afasta-se imensamente do de Watson, sendo um erro absurdo reuni-los numa mesma análise. Skinner
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Unidade II deu enormes contribuições ao estudo das interações entre organismos vivos e seus ambientes, adotando de forma rigorosa os procedimentos experimentais (SKINNER, 2000, p. 125).
Skinner concorda com Watson quanto à questão da ciência do comportamento, ao objeto de estudo e ao alocamento dessa ciência no rol das ciências naturais. Entretanto, discorda frontalmente no que tange ao banimento do privado, isto é, da subjetividade no estudo do comportamento. Para ele, existe um mundo privado das sensações, dos pensamentos e das imagens. Segundo explicam Figueiredo e Santi (2002), Skinner não rejeita a experiência imediata, mas trata de entender a sua gênese e sua natureza. Ele não duvida que os homens sintam sem expressar seus sentimentos, que se iludam, alucinem, reflitam sobre as coisas e sobre si mesmos e relatem temores, aspirações e desejos. Tudo isso é real, mas, segundo Skinner, devemos investigar em que condições a vida subjetiva privatizada se desenvolveu. Ele diz ainda que esse mundo privado é fruto das relações sociais. É uma construção social. Desse modo, também a capacidade que o indivíduo tem de falar de si mesmo é aprendida na convivência com os outros. Segundo o estudioso, esse mundo privado é fruto das relações sociais, ou seja, é uma construção social. Desse modo, a capacidade que o indivíduo tem para falar de si mesmo também é aprendida na convivência com os outros. Logo, toda a linguagem é social, até mesmo quando diz respeito ao mundo privado. Vejamos mais detalhadamente alguns elementos da teoria de Skinner. A interação entre organismo e ambiente O objeto de estudo de Skinner foi a interação entre o organismo e o meio em que vive. Entretanto, como se trata de uma teoria que dá mais valor para a intervenção do meio, ela é considerada uma teoria da aprendizagem (ensino-aprendizagem). O estudioso vê o comportamento como resultado da interação entre o organismo e o meio e expresso pelas respostas apresentadas pelo sujeito da ação. Lembrete Skinner prevê que o comportamento é resultado de interações entre organismo e ambiente, o que permite estabelecer leis descritivas do comportamento, ou seja, é possível identificar em função do quê o organismo age e, portanto, agir sobre os determinantes da ação. O behaviorismo radical de Skinner pode ser considerado a filosofia da ciência do comportamento e, como tal, é “(...) uma filosofia da ciência que diz: olhe cuidadosamente para as relações entre os eventos observáveis ambientais e comportamentais e suas mudanças” (SKINNER, 2000, p. 159). Tendo por objeto de estudo a interação organismo (integral)-ambiente, o behaviorismo radical apresenta uma 100
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem visão determinista do comportamento, opondo-se às concepções tanto de indeterminação quanto de predeterminação do comportamento. Visão determinista do comportamento Na concepção de indeterminação, supõe-se que o homem aja por vontade própria, sem sofrer interferências externas à própria decisão. Já a visão predeterminista supõe que a ocorrência da ação seja dada antecipadamente, como se seu curso já estivesse traçado pela conjunção social. Skinner defende o determinismo porque para ele é possível exprimir as leis das interações organismo‑ambiente, leis que, ao serem conhecidas, permitirão ao homem atuar sobre os determinantes da ação. Referindo-se ao determinismo, Skinner afirma: Não há nada, entretanto, em uma posição determinista que ponha em dúvida a absoluta unidade do homem. Cada ser humano é produto de uma dotação genética e de uma história ambiental peculiares e que são dele. [...] O determinismo é uma concepção útil porque encoraja a busca de causas (SKINNER, 2000, p. 160).
Ao itir ser possível chegar a leis descritivas do comportamento, Skinner defende a possibilidade de as relações organismo-ambiente poderem ser observadas, mensuradas, isto é, de serem íveis de estudo científico. As leis a que Skinner se refere expressam-se em termos funcionais. Em outras palavras, para Skinner é preciso identificar em função do que o organismo age. Para tanto, é necessário focalizar a ação, sua relação com o contexto em que ocorre e as consequências que produz. Há três formas de variação e seleção responsáveis pela história do comportamento. São elas: a seleção natural, teoria de Charles Darwin; o condicionamento operante, em nível ontogenético; e a evolução da cultura, que operam nos níveis: filogenético (da espécie), ontogenético (do indivíduo) e cultural (das práticas sociais). Vejamos a seguir cada um desses níveis. O processo de seleção natural proposto por Charles Darwin2 No nível de seleção por consequências, denominado filogenético (seleção natural), a variação ocorre na reserva genética da espécie. Tal nível possibilita que o homem seja sensível às consequências de sua ação e o prepara para viver em um ambiente semelhante àquele no qual se deu a seleção. Variações ocorridas aleatoriamente nos genes podem possibilitar aos organismos habilidades importantes para enfrentar diversos tipos de ambientes, o que tem por função ampliar as chances de Charles Robert Darwin (1809-1882) foi um naturalista britânico que alcançou fama ao convencer a comunidade científica da ocorrência da evolução e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual. Essa teoria se desenvolveu no que é agora considerado o paradigma central para explicação de diversos fenômenos na Biologia. 2
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Unidade II sobrevivência, já que, para isso, são dadas as melhores condições ao comportamento a fim de que o sujeito se adapte ao contexto em que vive. Seleção por consequências apoiada em dois processos: variação e seleção Ao se reproduzirem, os seres vivos transmitem aos seus descendentes um conjunto de características que sempre apresentam alguma variação aleatória em relação aos seus progenitores. Quando mudanças ambientais ocorrem, aqueles indivíduos que possuem as características mais adaptadas à sobrevivência nas novas condições são selecionados, isto é, sobrevivem e se reproduzem, transmitindo, a longo prazo, essas mudanças a toda a espécie. Observação Skinner estende ao comportamento o modelo causal que Darwin propôs para explicar a formação, a diferenciação e a transformação das diferentes espécies. O teórico defende que o comportamento é produto da inter-relação de contingências3, ou seja, de eventos que são afetados ou causados por outros eventos. A sobrevivência da espécie possibilita a ação de um segundo nível de seleção, o ontogênico ou ontogenético, pelo qual há a formação de repertórios comportamentais que habilitam o indivíduo, como ser único, a lidar com ambientes mutáveis. Para tanto, a sensibilidade do organismo às consequências de suas ações é fundamental, isso porque tal sensibilidade possibilita que o organismo apresente comportamentos não preparados filogeneticamente e adequados aos ambientes modificados durante o curso de sua vida. Essa segunda espécie de seleção por consequência é o condicionamento operante. No nível de seleção por consequências denominado condicionamento operante, a variação ocorre no repertório comportamental dos indivíduos e é transmitida à sua prole por meio da aprendizagem. Portanto, tal nível garante que o homem possa reagir àqueles aspectos do ambiente que não se mantiveram estáveis o suficiente no processo evolutivo. Já no nível de seleção por consequências denominado cultural (conjunto de contingências de reforçamento social), a variação ocorre tanto no nível filogenético quanto no ontogenético via práticas culturais, ou seja, o grupo adota e implementa comportamentos exibidos por determinados indivíduos (aparecimento de respostas novas) e os dissemina entre outros indivíduos, garantindo a sobrevivência do próprio grupo. O terceiro nível da seleção por consequências está relacionado à evolução dos ambientes sociais, ou seja, ao conjunto de condições que afetam os indivíduos enquanto membros de um grupo. Tais condições são arranjadas por outros indivíduos, no sentido de gerar e sustentar o comportamento de seus membros para garantir a sobrevivência do indivíduo e do próprio grupo. O comportamento 3
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Esse termo será explicado mais adiante.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem verbal (linguagem) permite outro modo de interação: a mediada. Em suas diversas formas de expressão, o comportamento verbal amplia as possibilidades humanas, pois, por meio da mediação do outro, é possível aprender a partir das contingências que este vivenciou, eliminando, dessa forma, a necessidade de outros se submeterem diretamente às contingências. Em outras palavras, é a cultura que possibilita a uma pessoa o aparecimento de novos comportamentos, a partir do comportamento de outros. Referindo-se a uma terceira espécie de seleção, Skinner (2000) afirma que: O comportamento verbal ampliou bastante a importância de uma terceira espécie de seleção por consequências, a evolução de ambientes sociais ou culturas. O processo presumivelmente começa no nível do indivíduo. Uma melhor maneira de fazer uma ferramenta, cultivar alimento ou ensinar uma criança é reforçada por suas consequências – a ferramenta, o alimento ou um ajudante mais útil, respectivamente. Uma cultura evolui quando práticas originadas desse modo contribuem para o sucesso da prática grupal em solucionar seus problemas. É o efeito sobre o grupo, não as consequências reforçadoras para membros individuais, que é responsável pela evolução da cultura (SKINNER, 2000, p. 178).
Esses três níveis se influenciam mutuamente, de modo que o ser humano modificado se torna indivíduo único e, ao mesmo tempo social. Isso garante a modificação de ambientes sociais que, por sua vez, geram e mantêm o comportamento do indivíduo para a própria sobrevivência do grupo enquanto ambiente social. No modelo de seleção por consequências, o ambiente não “indica” nem “provoca” a emissão de comportamentos, mas cumpre um papel selecionador, isto é, o repertório comportamental dos indivíduos foi selecionado e se mantém porque está sendo constantemente selecionado. A seguir, um resumo feito por Skinner de seu texto Seleção por consequências (2000) evidencia a presença dos três níveis de seleção como fatores inter-relacionados de determinação do comportamento humano: O comportamento humano é o conjunto produto de (I) contingências de sobrevivência responsáveis pela seleção natural e (II) contingências de reforçamento responsáveis pelos repertórios dos indivíduos, incluindo (III) as contingências especiais mantidas por um ambiente social evoluído. Seleção por consequências é um meio causal encontrado somente em coisas vivas e em máquinas feitas por coisas vivas. Foi primeiramente reconhecida na seleção natural: reprodução, uma primeira consequência, levou à evolução das células, órgãos e organismos, reproduzindo a si próprios sob condições incrivelmente diversas. O comportamento funcionou bem, no entanto, somente sob condições similares àquelas sob as quais foi selecionado. Reprodução sob uma ampla extensão de consequências tornou-se possível com a evolução de processos pelos quais os organismos adquiriram comportamento apropriado a ambientes novos. Um desses, o condicionamento operante, é uma segunda espécie de seleção por consequências. Novas respostas puderam ser fortalecidas pelos eventos que os 103
Unidade II seguiram. Quando as consequências de seleção são as mesmas, condicionamento operante e seleção natural atuam juntas redundantemente. Mas, porque uma espécie, que adquire rapidamente comportamento apropriado a um ambiente, tem menos necessidade de repertório inato, o condicionamento operante pôde tanto substituir quanto suplementar a seleção natural do comportamento. O comportamento social está dentro do escopo da seleção natural porque os outros membros são uma das características mais estáveis do ambiente das espécies. A espécie humana presumivelmente se tornou mais social quando sua musculatura vocal ficou sob controle operante. O comportamento verbal ampliou fortemente a importância de uma terceira espécie de seleção por consequências, a evolução dos ambientes sociais ou cultura. O efeito no grupo, e não as consequências reforçadoras para os membros individuais, é responsável pela evolução da cultura (SKINNER, 2000, p. 177). 5.4 O comportamento operante
Figura 70 – O comportamento operante tem a característica de responder ao meio e produzir, com isso, consequências que determinarão se o comportamento se repetirá ou não
O conceito criado por Burrhus Frederic Skinner foi o de condicionamento operante, que se refere a um procedimento por meio do qual é dada uma resposta (ação) ao organismo por meio de reforçamento e aproximações sucessivas. Esse conceito se manifesta quando uma resposta gera uma consequência e esta afeta sua probabilidade de ocorrer novamente. Se a consequência for reforçadora positiva, aumentará a probabilidade, se for negativa, além de diminuir a probabilidade de sua ocorrência futura, irá gerar outros efeitos colaterais. Esses tipos de comportamento têm como consequência um estímulo que afeta sua frequência, o que é o comportamento operante. Conceitualmente, o comportamento operante difere do comportamento respondente porque o primeiro ocorre em um determinado contexto, chamado estímulo discriminativo, e acaba por gerar um estímulo que afeta a probabilidade de ele ocorrer novamente; já o segundo é diretamente despertado por algum estímulo e é uma reação fisiológica do organismo. O comportamento operante é construído a partir de nosso repertório desde o nascimento. As respostas que possam gerar mais reforço, em média, costumam aumentar a frequência desse comportamento e se estabelecer no repertório, ou seja, em um contexto semelhante tendem a ser novamente emitidas. 104
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Lembrete O comportamento operante trabalha sobre o mundo quer direta ou indiretamente. Ele tem algum efeito sobre o mundo e abrange as consequências (E = estímulo; R = resposta; e C = consequência).
Figura 71
Observação O conceito de contingência é muito importante nessa visão teórica. Trata-se do mesmo que condições e envolve a análise completa do comportamento. Ele se refere em geral ao que possa envolver o meio (contexto) do indivíduo e que possa modificar seu comportamento, direta ou indiretamente. Além do meio que o estimula, esse conceito inclui também o próprio comportamento e sua consequência (que reforça). 5.5 Reforçamento
O reforço é um tipo de consequência que aumenta a probabilidade de ocorrência da mesma função de resposta em contextos semelhantes. Esses reforçamentos podem ser positivos, quando há a apresentação de um estímulo no ambiente que proporcione um aumento da frequência da resposta que o gerou, ou negativos, quando a resposta emitida busca a remoção de algum estímulo aversivo do ambiente. Ao contrário do que pode pensar o senso comum, o reforço não é uma simples recompensa. Para Skinner, o reforço poderia ser qualquer evento que aumentasse a frequência de uma reação precedente ou a diminuisse. Um reforço pode ser uma recompensa alcançada, um elogio, uma atenção que ganhamos ou uma atividade qualquer, como poder utilizar o carro depois que a louça estiver lavada ou ter as férias depois de um ano de trabalho. Dizemos, portanto, que o reforço funciona assim: depois de uma resposta, altera a probabilidade futura de ocorrência dessa resposta. • reforço positivo: aumentará a probabilidade futura do aparecimento de repetição de uma resposta que o sujeito produz; • reforço negativo: aumentará a probabilidade futura de uma resposta que buscará remover ou diminuir o reforço. 105
Unidade II Essa configuração só pode ser definida em função do que ocorre no comportamento de cada indivíduo, como quando, na escola, duas crianças são repreendidas: uma delas chora enquanto a outra ri diante do adulto. Aqui cabe uma melhor explicação. Reconhecemos que um reforço foi negativo apenas posteriormente, pois, caso o comportamento não mais se repita ou diminua a probabilidade de ele se repetir, tomamos como se ele tivesse sido um reforço negativo (aversivo). O mesmo acontece no caso do reforçamento positivo, entretanto, no sentido inverso. Por exemplo, se uma criança comete uma falta (resposta comportamental) no jogo de futebol (contingências estimuladoras) do colégio e machuca seu adversário, mas, mesmo assim, seus colegas o elogiam (consequências), temos o reforçamento positivo. Caso ele volte a fazer isso (resposta comportamental), ele deve ter tomado as consequências (reforçamento) como positivas.
Figura 72 – Após sentir medo (um estímulo aversivo), o sujeito pode evitar ficar na presença desse estímulo (esquiva) ou até mesmo tentar se livrar da presença dele enquanto ainda está ocorrendo (fuga)
5.6 Estímulos aversivos: fuga e esquiva, dois destaques do reforçamento negativo
Um reforço negativo também aumenta a probabilidade de um comportamento pela ausência/ retirada de um estímulo aversivo após o organismo apresentar o comportamento pretendido. As duas respostas comportamentais típicas de um estímulo aversivo (reforço negativo) são a esquiva e a fuga. No caso da esquiva, trata-se de um processo no qual os estímulos aversivos condicionados e incondicionados estão separados por um intervalo de tempo, o que permite que o indivíduo possa executar um comportamento que previna aquela ocorrência novamente ou reduza o segundo aparecimento. Como exemplo, podemos falar da relação entre ver um consultório de dentista e a antecipação da dor sentida na última consulta. Desviar o rosto é tentar se esquivar dela. Quando os estímulos ocorrem nessa ordem, o primeiro se torna um reforçador negativo condicionado (aprendido) e a ação que o reduz é reforçada pelo condicionamento operante. As ocorrências que já aram, de reforçadores negativos condicionados, são responsáveis pelo mecanismo de esquiva. 106
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Para o caso da fuga, o comportamento reforçado é aquele que termina com um estímulo aversivo já em andamento. A diferença é pequena. Quando é possível colocar as mãos nos ouvidos para não escutar o estouro de um rojão que vimos alguém acendê-lo, este comportamento é de esquiva, pois estará evitando o segundo estímulo antes que ele possa acontecer. Mas se o rojão começa a pipocar e só então se reage, pode-se falar em fuga. Lembrete Esquiva: após o estímulo condicionado (aprendido), o indivíduo apresenta um comportamento que é reforçado pela necessidade de reduzir ou evitar o segundo estímulo. Fuga: é quando o comportamento reforçado é aquele que termina com um estímulo aversivo já em andamento. Só existe um estímulo aversivo incondicionado que, quando está sendo apresentado, buscará ser evitado pelo comportamento de fuga. Foge-se dele depois de iniciado. 5.7 Outros tópicos fundamentais decorrentes do reforçamento
5.7.1 Generalidades da espécie Os reforços primários são intrinsecamente satisfatórios. Trata-se de situações como receber alimento ou ser aliviado de um choque elétrico. No caso de reforços secundários, eles são aprendidos, pareados, como no caso de um rato numa caixa que, aprendendo que uma luz sinaliza de maneira confiável que a comida está chegando, vai se esforçar para acender a luz. Ganhar dinheiro e boas notas são alguns dos inúmeros exemplos de reforços secundários, cada um deles ligado a recompensas mais básicas na vida de cada um.
Figura 73 – A punição não ensina nada, apenas pede a retirada de um determinado comportamento, o que nem sempre é uma vantagem
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Unidade II
Observação Reforçadores primários: água, alimento, afeto etc. Reforçadores secundários (pareados aos primários): dinheiro, aprovação social etc. • extinção: é um procedimento no qual uma resposta deixa abruptamente de ser reforçada. Como consequência, a resposta diminuirá de frequência e até mesmo poderá deixar de ser emitida. Na ausência de reforço, o comportamento deixa de existir. Exemplo: uma criança que deixa de fazer birra (extingue o comportamento) por não ter sido atendida quando o fez;
Figura 74 – Nessa visão, diz-se que o sujeito está motivado quando seu comportamento é reforçado e a a se repetir
• punição: apresenta um estímulo aversivo e gera fuga ou esquiva. Faz o sujeito fugir ou se esquivar do estímulo aversivo, contudo, deve-se pensar se este está reforçando ou aumentando (ensinando) a probabilidade de aparecer o comportamento esperado. Exemplo: não se ensina a ler punindo quem não leu; • motivação: contingências que levam ao prolongamento ou repetição de um comportamento faz com que este se mantenha. Quando uma pessoa continua a manifestar um comportamento que está sendo reforçado pelas contingências, dizemos que ela está motivada. Lembrete Segundo Skinner, o indivíduo é um ser ativo, uma vez que sua ação produz consequências no ambiente. Qualquer comportamento ou repertório que se mantém foi selecionado e só se mantém porque está sendo constantemente selecionado. A cada relação, o homem e o mundo se alteram em sua totalidade. 108
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem 5.8 Controle de estímulos
O controle de estímulos se desdobra em: • discriminação: permite diferenciar comportamentos de acordo com as contingências. Exemplo: o homem discrimina as luzes no semáforo, seu comportamento nos diversos tipos de festas etc.;
Figura 75 – O sujeito deverá discriminar seu tipo de comportamento mais favorável de acordo com as contingências, como numa festa, por exemplo
• generalização: permite aplicar os mesmos padrões de comportamento para estímulos semelhantes. Exemplo: aprende algumas palavras na escola e consegue aproveitar aquele comportamento para levar para sua vida.
Figura 76 – O sujeito generaliza comportamentos aprendidos, como, por exemplo, quando aprende a correr no atletismo e utiliza esse conhecimento para jogar futebol. Logo, os comportamentos se estendem para outras áreas da vida
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Unidade II 5.9 Controle e contra-controle
Sempre há e haverá controle em tudo e em todos sobre todos. No entanto, quando de certa maneira nos comportamos explicitamente e notoriamente controlando ou tentando controlar, podemos estimular um comportamento de contra-controle.
Figura 77 – Quando alguém tenta exercer um controle excessivo sobre nós, tendemos a nos livrar desse controle. Trata-se de um contra-controle
5.10 A educação na visão de Skinner
Para Skinner, a educação é uma forma de estabelecimento de um comportamento que pode vir a ser vantajoso para o indivíduo e para os outros em um tempo futuro. Para isso, devemos organizar as contingências a fim de possibilitar uma formação de nossos alunos para o autogoverno intelectual. Isso só acontece quando se coloca em evidência os elementos de seu comportamento operante. Esses elementos são o estímulo, a resposta e a consequência de seu comportamento. Fazer isso é muito fácil, pois se trata de mostrar ao aluno as vantagens da aquisição de novos padrões de comportamento e programar as aulas de maneira que se possa capacitá-lo a encontrar ou buscar suas próprias contingências por saber antecipar as consequências de seus comportamentos operantes. A seguir, um pouco da história do surgimento desta e de outras correntes teóricas da psicologia. A psicologia, antigamente, não era uma ciência independente. Com suas raízes entre a filosofia e a medicina, ela surgiu de condições socioculturais que levaram os homens a vivenciar experiências da subjetividade privatizada e a crise dessa mesma subjetividade. O resultado desse movimento foi a elaboração de projetos contemplando o estudo, a previsão e o controle científicos do comportamento individual. Desta forma, numa explicação muito sucinta, serão apresentados os principais iniciadores que mais influenciaram esta ciência, inicialmente subordinada a outras ciências, tais como a biologia e a fisiologia e, atualmente, autônoma, de destaque e independente. 110
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem W. Wundt (1832-1920), pioneiro na formulação de um projeto de psicologia como ciência independente, a entende como sendo “uma ciência intermediária entre as ciências da natureza e as ciências da cultura”. Desse modo, sua obra transita entre a psicologia experimental fisiológica e a psicologia social. Para ele, o objeto da psicologia é “a experiência imediata dos sujeitos”. Ou seja, a “experiência tal como o sujeito vive antes de se pôr a pensar sobre ela, antes de comunicá-la, antes de ‘conhecê-la’. É, em outras palavras, a experiência tal como se dá”. Embora privilegie a experiência, Wundt não se pauta tão somente na descrição da experiência subjetiva. Ele propõe estudar a totalidade da experiência, tanto o que ele nomeia de processos elementares da vida mental, isto é, os elementos da experiência imediata e as suas formas de interação (utilizando-se do método experimental), quanto a análise dos fenômenos culturais (linguagem, sistemas religiosos, mitos etc.), pelos quais, na sua visão, se manifestavam os processos superiores da vida mental, tais como o pensamento e a imaginação (utilizando-se dos métodos comparativos da antropologia e da filologia). A análise da experiência imediata tem por objetivo investigar os elementos e suas combinações, que se dão por processos de síntese, visto que, segundo Wundt, a experiência imediata é resultante dos processos de síntese criativa, nos quais a subjetividade se manifesta como vontade e capacidade de criação. Ele entendia que existem duas causalidades na determinação do homem: uma física e outra psíquica. O seu grande problema era compreender como no homem essas duas causalidades se unem, pois, na sua concepção, o homem constitui “uma unidade psicofísica, em que corpo e alma não existem separados”. Na tentativa de solução desse dilema, Wundt propõe duas psicologias: a psicologia psicofísica e a psicologia social ou dos povos, cujo enfoque era estudar, respectivamente, a causalidade física e a causalidade psíquica. Nesta perspectiva, outro problema foi criado e não solucionado por ele: como unir essas duas psicologias. E. Titchener (1867-1927), discípulo de Wundt, tenta colocar a psicologia somente no campo das ciências naturais. Para tanto, redefine o “objeto da psicologia como sendo a experiência dependente de um sujeito – sendo este concebido como puro organismo e, em última análise, como um sistema nervoso –, e não mais a experiência imediata”. Ele não nega a existência da mente, mas coloca-a como dependente do sistema nervoso, assim como será explicada por ele. Ou seja, a experiência é descrita em termos psicológicos, mas explicada em termos emprestados das ciências naturais. Dessa maneira, a psicologia perde sua independência, mas, por outro lado, o problema da unidade entre as causalidades pregadas por Wundt desaparece, pois “Titchener defende a posição denominada paralelismo psicofísico, em que os atos mentais ocorrem lado 111
Unidade II a lado a processos psicofisiológicos. Um não causa o outro, mas o fisiológico explica o mental”. Na ótica de Titchener, mente (experiência) e corpo (sistema nervoso) são instâncias que caminham lado a lado. No que diz respeito à investigação dos fenômenos psicológicos, ele utiliza-se dos métodos das ciências naturais: a observação e a experimentação. A única ressalva em relação à ciência da natureza é que a observação seria realizada sob a forma de introspecção. Para tanto, os sujeitos investigados seriam treinados para observar e descrever objetivamente sua subjetividade em situações controladas em laboratório. As posições de J. Dewey (1859-1952), J. Angel (1869-1949) e H. A. Carr (1873-1954) nascem em oposição ao pensamento Titcheriano, mas mantêm a psicologia como pertencente às ciências naturais. Para eles a psicologia é “uma ciência biológica interessada em estudar os processos, operações e atos psíquicos (mentais) como formas de interação adaptativa”. Eles partem dos pressupostos da biologia evolutiva, isto é, “os seres vivos e, entre eles, os animais, sobrevivem se têm características orgânicas e comportamentos adequados à sua adaptação ao ambiente”. Na visão funcionalista, um nível de adaptação é o psíquico (capacidades de pensar, agir, sentir, decidir etc.) e as operações e processos mentais constituem instrumentos de adaptação e sua visibilidade ocorre por meio dos comportamentos adaptados. Nesta perspectiva, o homem é um ser ativo que age sobre o ambiente. Para os funcionalistas, “o objeto de estudo da psicologia são os processos e operações mentais, mas o estudo científico desses processos exige uma diversidade de métodos”, inclusive o da introspecção, mas de forma diferente da apregoada por Titchener, ressalvando‑se que existem dificuldades com relação a este método, principalmente no que diz respeito ao acordo público sobre seus resultados. Os quatro projetos apresentados constituem projetos que demarcam a independência da psicologia como área de conhecimento. Deles derivam outros projetos que formam o arcabouço teórico da área de conhecimento denominada psicologia. Entre os vários projetos de psicologia – gestalt, behaviorismo radical, cognitivismo e psicanálise –, destacamos o do behaviorismo radical de B. F. Skinner por se constituir outra importante contribuição para a psicologia da aprendizagem (adaptado de FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 95).
Saiba mais Para mais informações sobre esse tema, consulte: FIGUEIREDO, L. C.; SANTI, P. L. R. Psicologia, uma (nova) introdução: uma visão histórica da psicologia como ciência. 3. ed. São Paulo: Educ, 2002. 112
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem 5.11 Análise e discussão sobre as possibilidades de aplicação da teoria de Skinner
Uma vez esclarecidos os conceitos teóricos dessa proposta, a a ser interessante uma discussão em termos de sua aplicabilidade, tentando esboçar formas e maneiras de se aplicar e visualizar uma prática mais concreta dessa teoria da aprendizagem que instrumentalize a ação docente. Existem vários pontos a serem explorados nesse aporte teórico e veremos mais sobre alguns deles a seguir. O primeiro ponto envolve a questão do comportamento na concepção de Skinner. Conforme exposto, para esse psicólogo, o comportamento é operante, ou seja, opera ativamente sobre o mundo e envolve três instrumentos de análise: o estímulo, que vem antes para incitar uma situação e faz parte das contingências que propiciam uma manifestação; a resposta, que é a forma de agir ativamente operando sobre o mundo; e as consequências, que são o resultado expresso como produto do meio provocado pela resposta do sujeito (E – R – C). Dessa forma, a primeira maneira de se compreender isso é considerar o comportamento do sujeito como um todo, não apenas sua resposta. Um aluno que tem o comportamento de pedir ajuda para fazer o que o professor mandou que fosse feito não pode ser analisado apenas pela sua resposta. O que o estimulou e qual a consequência de seu pedido também devem ser considerados, pois isso irá influenciar seus comportamentos futuros. Aqui reside a grande questão dessa teoria: como arrumar as contingências de um trabalho pedagógico que dê resultado. Conforme Zanotto (2000): Cabe ao professor tomar desde as mais simples medidas de organização física da sala de aula e da escola, tornando-as ambientes estimulantes que atraiam a presença do aluno, ando pela criação de reforçadores arbitrários explicitamente contingentes aos comportamentos que pretende ensinar, até chegar às medidas mais complexas que possibilitem a agem para contingências mais sutis e, eventualmente, para contingências inerentes ao ambiente físico e social da vida diária do aluno (ZANOTTO, 2000, p. 76).
Isso significa que deve ser dada a devida importância a todo o comportamento do sujeito e não apenas às suas respostas. Além disso, esse trecho foi citado por dar muita ênfase à questão de como deve ser a escola, o ensino e o posicionamento frente ao andamento do trabalho. O professor deve ter claro qual comportamento esperar de seus alunos e elaborar toda uma forma de estruturar as contingências que preparam os reforçadores arbitrários (artificiais por parte do professor). Estes procuram ser oferecidos para que o comportamento possa ser estimulado a se manter invariável mesmo depois de o aluno não estar mais na presença do professor e nem na escola. Preparar as condições para isso é pensar a realidade dos alunos com os quais lidamos na prática docente. O professor deve conhecer pelo menos em parte o grau de proximidade que seus alunos possuem em relação ao comportamento a ser ensinado. É lógico que não se prega aqui que o professor conheça de 113
Unidade II modo completo o comportamento de seus alunos, já que em salas de aproximadamente 40 alunos isso seria inviável. Apregoa-se, assim, que o professor conheça seus alunos em termos do comportamento que ele espera ensinar e, dessa forma, saiba como estruturar seu trabalho educativo de maneira apropriada. Outro dado importante do trecho citado diz respeito à forma de o professor interferir com suas abordagens. Skinner pede que sejam feitas as intervenções necessárias e que, daí para a frente, seja diminuída a ação do professor até que o aluno caminhe autonomamente. Nas palavras de Skinner, é para o autogoverno intelectual que o aluno deve ser educado, ou seja, para que o professor não seja mais necessário. Dessa forma, falemos sobre os reforçamentos, a punição e o ensino. De acordo com o visto anteriormente, a punição não ensina nada, apenas pede a retirada de um comportamento, já que parte de um estímulo aversivo, ou seja, um reforçamento negativo. A resposta, como vimos, costuma ser a fuga ou a esquiva.
Figura 78 – Skinner foi totalmente contra qualquer forma de castigo ou punição na educação, pois isso nada ensina. Ao contrário, ele afirmou que deveríamos ter a atenção apenas naquilo que deve ser reforçado positivamente
Durante muitos anos na história da educação, a punição serviu como base para tentar controlar o comportamento dos alunos, especialmente o daqueles que não correspondiam adequadamente ao que era solicitado. No início, havia inclusive punições físicas, como ajoelhar no milho durante duas a quatro horas, tomar palmatórias, puxão de orelhas, beliscões etc. Esses castigos evoluíram de físicos para psicológicos, submetendo os alunos a inúmeras humilhações, como ficar depois da aula e escrever inúmeras vezes a mesma frase na lousa, ficar no canto da parede de costas para turma, colocar o chapéu de burro, fazer tarefas extras etc. Não é preciso dizer que todas essas medidas são aversivas (reforços negativos) e não resolviam o problema, pois, conforme já é sabido, não se consegue um comportamento punindo outro, ou seja, não se ensina um aluno a gostar de ler punindo-o por não ter lido, como não se ensina um aluno a fazer os 114
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem exercícios punindo-o por não tê-los feito. Quando muito, esse tipo de abordagem gerará a aversão do sujeito pela presença do professor ou até mesmo pela escola. Muitos alunos deixaram as escolas como forma de esquiva, por não arem mais sofrer inúmeras punições. Para Skinner, a única forma correta de se pensar a esse respeito é reforçando positivamente os comportamentos corretos e esperados. Dessa forma, os comportamentos inesperados não devem tomar a atenção do professor, pois, como pôde ser visto, sem a presença do reforçamento o comportamento se extingue (desaparece). Reforçar positivamente um comportamento de esforço e empenho em uma tarefa é permitir que aquele comportamento possa se repetir inúmeras outras vezes, ou seja, até que o aluno perceba o quão vantajoso é ser esforçado e empenhado em suas tarefas. Além disso, como já mencionado anteriormente, o controle punitivo, além da fuga e da esquiva, ainda pode despertar o contra-controle por parte do aluno, pois, em algum momento, ele irá querer se desvencilhar de um controle abusivo e, às vezes, humilhante. As duas formas para esse desvencilhamento é o desejo de fugir da presença do estímulo aversivo e a agressão verbal ou física. Talvez por isso existam tantos casos nos telejornais de agressões sofridas pelos professores. Skinner, em suas experiências com animais, ao submetê-los a choques, fazia com que estes agredissem coisas e outros animais, estilhaçassem objetos etc. Não deve ser diferente com os humanos. O bom ensino estimula uma relação agradável e proporciona contingências de reforço que permitem aos alunos serem cada vez mais conduzidos a comportamentos favoráveis não somente para eles, mas para todos em um tempo futuro. Exemplo de aplicação
Proposta de estudo de caso com base na teoria de Skinner Para se visualizar melhor os conceitos da teoria skinneriana, propomos que se faça a seguinte investigação, sem necessidade de publicação, apenas para exercitar a visão da teoria: • verifique uma escola próxima de seu bairro e, com autorização do diretor da escola, peça para fazer uma pesquisa dentro do ambiente escolar; • a proposta consiste em observar o comportamento dos alunos, analisando as contingências de reforçamento e quais comportamentos tendem a permanecer por terem sido reforçados; identificar quais foram os estímulos aversivos (reforço negativo) que possam ter sido oferecidos; e analisar a motivação e a extinção; • podem ser observadas situações de sala de aula, com a autorização do professor, assim como situações do intervalo das crianças, quando estas ficam mais livres pelo pátio da escola; 115
Unidade II • faça um roteiro de observação para que a coleta de informações possa ser facilitada quando estiver na escola e se preocupe em aprender bem a teoria antes de ir até a escola fazer o estudo de caso. Bons estudos!
Saiba mais Para conhecer mais sobre Skinner, assista ao vídeo gravado por Martha Hubner na coleção Grandes Educadores da Atta: Mídia e Educação. Outra fonte interessante é a reportagem eletrônica da revista Nova Escola, disponível no site:
. o em: 21 maio 2012. 6 DAVID AUSUBEL E A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
David Paul Ausubel foi um grande psicólogo da educação estadunidense em um momento em que a população judaica estava sendo acometida por uma série de preconceitos e conflitos religiosos naquele contexto. Ausubel nasceu em 1918 e cresceu no Brooklyn, Nova Iorque. Frequentou a Universidade da Pensilvânia, o curso pré-médico e fez especialização em psicologia. Depois de se formar na faculdade de medicina da Universidade de Middlesex, ele fez um estágio de rotação no Gouverneur Healthcare Services (Departamento de Hospitais de Nova Iorque), localizado no Lower East Side de Manhattan, incluindo Little Italy e Chinatown. Desse modo, seu serviço militar começou por meio do serviço de saúde pública dos EUA. Ele foi designado para a Unrra (Nações Unidas de Assistência e Reabilitação de istração), em Stuttgart, na Alemanha, e trabalhou com pessoas deslocadas. Viveu em três residências psiquiátricas: o serviço de saúde pública dos EUA, no Kentucky; o Centro Psiquiátrico de Buffalo; e a unidade psiquiátrica Bronx Center. Com a ajuda da GI Bill, ele ganhou um título de doutoramento em psicologia do desenvolvimento pela Universidade de Columbia e uma série de cátedras psicológicas verificadas na Universidade de Illinois, na Universidade de Toronto, em universidades europeias de Berna e na Universidade Salesiana, em Roma. Além disso, ganhou também um curso de formação no Gestor’s College, em Munique. Ele recebeu uma bolsa Fulbright para investigação em 1957-1958, a fim de fazer um estudo comparativo da motivação profissional dos maoris e dos europeus. Em 1973, ele se aposentou da vida acadêmica para dedicar integralmente seu tempo à prática psiquiátrica. Seus principais interesses em psiquiatria foram psicopatologia geral, desenvolvimento 116
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem do ego, toxicodependência e psiquiatria forense. Doutor Ausubel publicou extensos livros sobre psicologia do desenvolvimento e do ensino e livros sobre temas especializados relacionados às áreas detoxicodependência, psicopatologia e desenvolvimento do ego. Além disso, escreveu mais de 150 artigos em revistas psicológicas e psiquiátricas. Em 1976, recebeu o prêmio Thorndike, da American Psychological Association, por “distintas contribuições psicológicas à educação”. Ele se aposentou da vida profissional em 1994 para se dedicar à escrita e publicou mais quatro livros. Dr. David Paul Ausubel faleceu em 9 de julho de 2008. 6.1 A teoria de Ausubel
Ausubel foi um psicólogo que, baseando-se nas teorias piagetianas do desenvolvimento, pesquisou a fundo a aprendizagem cognitiva e construiu uma teoria importante sobre como as pessoas se apropriam do conhecimento a partir da aprendizagem. Diferentemente de Piaget, que pesquisou como o sujeito constrói seus próprios conhecimentos, Ausubel pesquisou como o sujeito aprende, o que corresponde ao oposto da teoria piagetiana. Por ser uma teoria da aprendizagem, o estudo de Ausubel valoriza o trabalho de ensinar do professor e propicia uma visão bastante interessante sobre como o conhecimento deve ser ensinado para que se atinja uma aprendizagem consistente e duradoura. A aprendizagem cognitiva Ausubel soube bem que aprendemos por todos os conjuntos funcionais: afetivo, motor e cognitivo. No entanto, ele restringiu suas pesquisas ao conjunto funcional cognitivo e aos domínios racionais do conhecimento humano, fazendo deles um arcabouço teórico bem consistente. As fontes: descoberta e recepção O psicólogo afirma que temos duas vias pelas quais se dá a aprendizagem. Uma delas é a descoberta – constatamos fatos e deduzimos coisas por conta própria até chegar a algum tipo de conhecimento – e a outra é a recepção – a aprendizagem vem pronta e organizada, cabendo a nós apenas um esforço ativo de compreensão para tornar a aprendizagem mais consistente. Na descoberta, o conhecimento vem a nós de maneira desordenada e cabe à nossa inteligência a capacidade de encaixar as peças que possam tornar as coisas mais claras. A verdade é que grande parte das coisas na vida é aprendida por conta própria e, apesar de muita gente valorizar isso, enxerga-se essa aprendizagem de maneira ingênua. O que acontece é que constatar que colocar fermento em um bolo o faz crescer não nos dá a condição de explicar as reações químicas sofridas nessa massa de bolo, ou seja, aprende-se algo de maneira quase sempre superficial, exceto quando essas descobertas surgem de uma pesquisa experimental e o pesquisador possui condições de aprofundar os resultados para melhor compreender seu achado. 117
Unidade II Portanto, devemos lembrar que a aprendizagem por descoberta é importante, mas quase sempre desorganizada, em termos de informações, e superficial, em termos de explicações. A aprendizagem por recepção vem geralmente de um professor, que sistematiza uma aula para poder ensinar um tópico o a o, ou de um livro, que organiza as informações para que sejam assimiladas em seus detalhes, ou de alguém que conheça bem o assunto, para que possa nos trazer uma explicação pronta. Não temos o trabalho de descobrir, mas de melhor recepcionar a informação e buscar uma compreensão em seus aspectos lógicos e psicológicos. Os dois tipos ou categorias de aprendizagem: mecânica e significativa Temos dois tipos de aprendizagem, uma é a mecânica e a outra, a significativa. Quando o que estamos aprendendo não tem relação direta com nossa estrutura prévia de conhecimento, tentamos memorizar o novo conteúdo. Essa é a aprendizagem mecânica, tida como memorística e aleatória, pois não tem conexão com nosso conhecimento prévio. Nesse caso, a aprendizagem fica inconsistente, dando mais chances de esquecermos o conteúdo aprendido, e menos útil, por não sabermos dar significado lógico a ele de acordo com o que já conhecemos. Entretanto, a aprendizagem mecânica é nosso único meio quando somos ainda muito pequenos, pois a criança não possui uma estrutura prévia consistente de conhecimentos e, por isso, acaba por memorizar as coisas da maneira como pode e, aos poucos, vai tornando essa aprendizagem significativa durante sua vida. Dessa forma, é importante saber que a aprendizagem mecânica acontece por toda a vida (principalmente na infância) e possui seu valor, apesar de não ser o melhor tipo de aprendizagem. A aprendizagem cognitiva é o foco da teoria de Ausubel, que trata da integração entre o conteúdo aprendido numa construção mental ordenada. Essa mesma estrutura representa toda uma série de conteúdos e informações armazenados por um indivíduo e organizados de certa maneira em qualquer modalidade de conhecimento. Esse conteúdo previamente retido pelo indivíduo a a representar um forte influenciador do processo da nova aprendizagem. Os novos dados serão assimilados e armazenados dependendo da qualidade da estrutura cognitiva prévia desse aprendiz. Tal conhecimento prévio resultará numa espécie de ponto de ancoragem, no qual as novas informações deverão encontrar uma maneira de se integrar àquilo que o sujeito já conhece. Tal experiência cognitiva, entretanto, não se influenciará apenas por um lado. Apesar de a estrutura prévia orientar a maneira como assimilamos os novos conteúdos, estes também deverão influenciar o conteúdo constituinte do conhecimento já armazenado, desembocando numa interação evolutiva entre conhecimentos “novos” e “velhos”. Todo esse processo de associação entre novas e velhas informações é denominado aprendizagem significativa. A aprendizagem significativa é sempre preferível à aprendizagem mecânica ou arbitrária, uma vez que constitui um método mais simples, prático e eficiente de aprender. Geralmente, um sujeito pode aprender algo mecanicamente e só mais tarde perceber que esse algo está relacionado a algum conhecimento anterior já dominado. Nesses casos, precisaríamos nos esforçar tremendamente e perder muito tempo para assimilar esses conceitos, que seriam mais facilmente compreendidos se encontrassem um ponto de ancoragem ou um conceito subsunçor naquela estrutura cognitiva. 118
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Os subsunçores, nosso ponto de ancoragem O subsunçor é aquilo que o sujeito já sabe e que serve como uma estrutura específica por meio da qual uma nova informação pode se integrar ao cérebro humano. Isso se dá porque este é altamente organizado e possuidor de uma hierarquia de conceitos que armazena as experiências prévias do aprendiz. Trata-se daquilo que já possuímos como conhecimento e que acaba por servir de ponto de apoio para conseguirmos compreender as novas informações e assimilá-las ativamente. A importante questão suscitada pela teoria de Ausubel corresponde à origem dos subsunçores: se esses instrumentos não estiverem presentes para viabilizar a aprendizagem significativa, como seria possível criá-los artificialmente? O uso de organizadores prévios
Figura 79 – A lousa é um dos inúmeros recursos que produz organizadores prévios
Ausubel diz que a aprendizagem mecânica é importante, necessária e inevitável para os casos de conceitos inteiramente novos para o aluno, entretanto, após esse primeiro momento de ineditismo, ela ará a se transformar em uma aprendizagem significativa, desde que o aluno se cerque de explicações e saia da memorização. Para que possamos acelerar esse processo, Ausubel propõe o que chamou de organizadores prévios, que funcionam como âncoras, criadas para que se possa manipular a estrutura cognitiva do sujeito e interligá-la a conceitos vistos como não relacionáveis, por meio da abstração autônoma do aprendiz. Esses materiais introdutórios artificializam um conhecimento prévio do sujeito e propõem algo a ser fixado na mente por meio da apresentação de algo visualizável (ponto de ancoragem externo). Isso pode ser exemplificado a partir do uso de figuras, do projetor multimídia (datashow), de um retroprojetor, de um filme etc. na explicação de algo. Existe uma base que serve de apoio à compreensão daquilo que o professor pretende ensinar. É importante dizer que, quando crianças, as pessoas aprendem mecanicamente e, pouco a pouco, vão tornando suas aprendizagens mais e mais significativas, pois vão estabelecendo o significado que as coisas possuem. 119
Unidade II Alguns pré-requisitos Na visão de Ausubel, a fim de que possa ocorrer uma aprendizagem significativa, é fundamental que: - o material a ser assimilado possa ser potencialmente significativo, quer dizer, não tão estranho e aleatório por si mesmo. Mesmo que sejam materiais estranhos ao sujeito, eles poderiam se tornar significativos na utilização de organizadores prévios; - seja possível recorrer-se a um conteúdo mínimo a ser ligado à estrutura cognitiva daquele sujeito, valendo‑se, para isso, de subsunçores suficientes para que seja viável suprir as necessidades de relação assimilativa. - que o aluno apresente alguma predisposição para relacionar os conhecimentos e não apenas para memorizá-los mecanicamente, por vezes até simulando uma associação. É extremamente comum que os estudantes habituados a esses métodos de ensino – exercícios e avaliações que se repetem e são rigidamente padronizados – tentem decorar o conteúdo sem ao menos compreender seu significado. O caminho até a concretização da aprendizagem significativa
Figura 80 – Para assimilar, é necessário diferenciar progressivamente para depois reconciliar as informações de modo integrativo
Conforme mencionamos, a aprendizagem significativa precisa de um conhecimento prévio do sujeito da aprendizagem. Esse conhecimento é o subsunçor do sujeito, que servirá como ponto de ancoragem. Entretanto, para que o sujeito aprenda, ele terá de fazer uma diferenciação progressiva, ou seja, diferenciar pouco a pouco o objeto de conhecimento. Por exemplo, se ele está aprendendo as operações matemáticas, terá de diferenciá-las progressivamente até que consiga separá-las pelos seus devidos sinais em soma, subtração, divisão e multiplicação, sem dificuldades. Após essa diferenciação progressiva dos elementos a serem aprendidos, o sujeito é capaz de reintegrálos pouco a pouco no que chamamos de reconciliação integrativa, a união de tudo o que separamos para compreender melhor. Em seguida, ocorre o que Ausubel chamou de assimilação obliteradora, que reúne a aprendizagem de maneira mais consistente, deixando para trás o processo de separação e reunião. • os três níveis de complexidade na aquisição da aprendizagem significativa são: - aprendizagem representacional: é uma espécie de associação simbólica primária que se dá quando atribuímos alguns significados a determinados símbolos (valores sonoros vocais 120
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem a caracteres linguísticos, por exemplo, o que faz com que saibamos que aquela uma palavra representa algo);
Figura 81 – Ao conseguir aprender que o nome carroça representa esse objeto, podemos dizer que ocorreu uma aprendizagem representacional, entretanto, ao conseguir explicar o que significa, já entramos no terreno da aprendizagem conceitual
- aprendizagem de conceitos: é uma espécie de extensão da aprendizagem representacional, entretanto, lida com um nível ainda mais abrangente e mais abstrato (com o significado de uma palavra, por exemplo);
Figura 82 - Ao unirmos representações e conceitos em forma de teorias que visam explicar a realidade, montamos proposições ou teorias
- aprendizagem proposicional: é o oposto da aprendizagem representacional, uma vez que requer uma ligação clara do conhecimento prévio do indivíduo sobre conceitos e símbolos. Contudo, seu objetivo é angariar uma espécie de compreensão maior sobre uma proposição por meio de uma soma de conceitos mais ou menos abstratos. Como exemplo, podemos citar a compreensão sobre o assunto da marginalidade. O cérebro e sua organização hierárquica de armazenamento Ausubel diz que o cérebro humano é detentor de uma organização hierárquica de armazenamento e, por isso, existem três maneiras de armazenar as informações para que possamos assimilá-las em nossa mente. Assim, a aprendizagem significativa também pode possuir uma das seguintes naturezas: 121
Unidade II - subordinada: nela, a informação nova é assimilada pelo subsunçor e a a alterá-lo. Por exemplo, uma criança que chega a uma aula de biologia já sabendo o que é o corpo humano (seus subsunçores) apresenta um conhecimento prévio que poderá ajudá-la a subordinar o conhecimento das especificidades complexas pertencentes ao funcionamento do corpo humano. Assim, partindo do conhecimento prévio do sujeito como pontos de ancoragem, a aprendizagem por subordinação acontece.
Figura 83 - Por ter subsunçores como noções do corpo humano, o sujeito pode subordinar seus conhecimentos para aprender mais especificidades
Figura 84 – Como não temos subsunçores que abrangem o conhecimento pretendido, teremos de montar o quebra-cabeça e estruturar o conhecimento aos poucos
- superordenada: ocorre quando a informação nova é mais ampla, o que a torna impossível de ser assimilada por quaisquer subsunçores disponíveis no sujeito. Assim, a informação a a assimilá-los. Um sujeito que possui subsunçores para os conceitos de espiritismo, catolicismo e protestantismo, por exemplo, poderá utilizá-los para aprender um conceito mais geral, que abrange esses três, ou seja, o de cristianismo. Desse modo, essa teoria parte de organizadores prévios com explicações e conceitos superordenados. Outro exemplo para que o conceito fique mais claro está na montagem dos famosos quebra-cabeças. Da mesma forma como podemos aprender a montar o motor de um carro pelas partes que o compõem, um quebra-cabeça também é montado, propiciando uma aprendizagem por superordenação. 122
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Figura 85 - O conceito de barco pode utilizar-se de várias maneiras, combinando-as
- combinatória: é um tipo de aprendizagem que ocorre quando a nova informação não é suficientemente ampla para que os subsunçores disponíveis sejam utilizados e é muito abrangente para ser utilizada por eles. Dessa forma, para que possamos associar a informação de maneira mais autônoma àqueles conceitos originais, nós precisamos combiná-los, ou seja, utilizar algo de cada um dos subsunçores disponíveis a fim de ir construir progressivamente o objeto de conhecimento. Algumas correlações As aprendizagens significativas subordinada, superordenada e combinatória podem se ajustar à categorização de aprendizagens representacional, conceitual e proposicional. A aprendizagem representacional é uma assimilação usualmente subordinada. Já uma aprendizagem do tipo conceitual poderá ser subordinada, mas geralmente tende mais a ser superordenada e menos combinatória. Por fim, uma aprendizagem do tipo proposicional tende mais a ser superordenada ou combinatória (como é o caso da teoria que você está aprendendo neste texto). Na aprendizagem representacional, de característica predominantemente subordinada, ocorre uma diferenciação progressiva no momento em que um conceito original vai sendo progressivamente detalhado e especializado. Dessa forma, podemos evoluir por meio de assimilações subordinadas para que cheguemos a um processo de análise. Por fim, em uma aprendizagem de característica superordenada ou combinatória, geralmente tende a ocorrer uma reconciliação integrativa, na qual os conceitos originais buscarão algumas associações entre si, tentando se interligar ao mesmo tempo de maneira mais ampla e sintética. A aprendizagem significativa resumida em uma frase A frase mais conhecida de David Ausubel no mundo dos pesquisadores da aprendizagem costuma ser “o fator isolado mais importante influenciando a aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe; determine isso e ensine-o de acordo”. 123
Unidade II Essa frase resume boa parte do que discutimos aqui neste texto sobre a aprendizagem significativa. Assim, é proposto que a estrutura cognitiva das pessoas pode ser estimulada substantivamente – por meio de métodos que integrem e unifiquem conceitos – e sistematicamente – por uma organização estruturada que use a formação disponível de subsunçores. Dessa forma, o papel pedagógico envolve pelo menos quatro fatores importantes: - uma determinação da estrutura da matéria que se propõe ensinar e o potencial de tornar aquilo significativo ao aluno. A organização sequencial permite melhores possibilidades de assimilação; - a identificação de subsunçores no processo sequencial da atividade de ensino precisa encontrar ancoragem nas estruturas cognitivas do aluno; - compreender a estrutura prévia do aprendiz, pois isso determinará a ligação significante que pode haver naquela atividade de ensino-aprendizagem; - uma forma de aplicação de metodologia de ensino que possa priorizar uma associação de conceitos da matéria com os subsunçores do aluno, de maneira a criar uma aprendizagem significativa e galgar um leque de opções de associação de conceitos como forma de levar a uma consolidação daquele tipo de aprendizagem. Ausubel propõe, portanto, uma valorização da estrutura cognitiva já conquistada pelo aprendiz, propondo uma subordinação do método de ensino à capacidade do aluno de assimilar quaisquer informações. Organização hierárquica de armazenamento
Subordinação Superordenação
Cognitiva
Afetiva Motora Aprendizagem
Combinação
Descoberta Fontes
Recepção Representacional
“O fator mais importante influenciando a aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe; determine isso e ensine-o de acordo.”
Tipos
Significativa Conceitual Subsunçores
David Ausubel Mecânica Organizadores prévios
Proposicional
Pontos de ancoragem Assimilação Diferenciação progressiva Reconciliação integrativa
Figura 86 – Mapa conceitual da teoria
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Assimilação obliteradora
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Proposta de estudo de caso com base na teoria de Ausubel Para visualizar melhor os conceitos da teoria ausubeliana, propomos que você, aluno, faça a seguinte investigação, apenas para exercitar sua compreensão em relação à teoria: • solicite a atenção de uma pessoa próxima a você (um familiar, um amigo etc.); • leia toda a teoria de Ausubel e tente explicá-la à pessoa utilizando o mapa conceitual situado ao fim da teoria; • busque os subsunçores do seu interlocutor e tente tornar a aprendizagem dessa pessoa significativa; • caso não queira explicar a teoria ausubeliana, tente explicar outra coisa, não deixando de utilizar os aspectos fornecidos pela teoria para uma análise das condições de aprendizagem do sujeito. Bons estudos!
Saiba mais Para outra abordagem sobre esse autor, indicamos a leitura do texto do professor Antonio Carlos Caruso Ronca: RONCA, A. C. C. Teorias de ensino: a contribuição de David Ausubel. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto-SP, v. 2, n. 3, dez. 1994. Disponível em:
. o em: 28 maio 2012. 7 Howard Gardner
Howard Gardner é, atualmente, professor de cognição e educação na Harvard Graduate School of Education. Ele também é professor adjunto de psicologia na Universidade de Harvard e diretor‑sênior do Harvard Project Zero. Entre as várias homenagens dedicadas a ele, Gardner recebeu um prêmio MacArthur Fellowship em 1981. E também títulos honoris causa de 26 faculdades e universidades, incluindo instituições da Bulgária, Chile, Grécia, Irlanda, Israel, Itália e Coreia do Sul. Em 2005 e em 2008 ele foi selecionado pelas revistas Política Externa e Prospect como um dos cem intelectuais mais influentes no mundo. Autor de 25 livros traduzidos em 28 idiomas e de várias centenas de artigos, Gardner é mais conhecido no ensino de meios para sua teoria das inteligências múltiplas, uma crítica da noção de que 125
Unidade II existe apenas uma única inteligência humana que pode ser adequadamente avaliada pelo padrão de instrumentos psicométricos. Durante as últimas duas décadas, Gardner e seus colegas estiveram envolvidos na concepção de avaliações de desempenho baseadas na educação para a compreensão e o uso das inteligências múltiplas, a fim de obter um currículo mais personalizado, uma melhor instrução e uma pedagogia adaptada, além de aprimorar a qualidade de esforços interdisciplinares na educação. Desde meados dos anos 1990, em colaboração com os psicólogos Mihaly Csikszentmihalyi e William Damon, Gardner dirigiu o projeto GoodWork, um estudo sobre o trabalho que é excelente, envolvente e ético. Atualmente, após um longo tempo no projeto Zero, junto aos colegas Lynn Barendsen e Wendy Fischman, Gardner faz sessões de reflexão destinadas a reforçar a compreensão e a incidência de um bom trabalho entre os jovens. Com Carrie James e outros colegas do projeto Zero, ele também está investigando a natureza da confiança na sociedade contemporânea e as dimensões éticas inerentes ao uso das novas mídias digitais. Entre as novas empresas pesquisadas pelo professor, existe um estudo de eficácia na colaboração entre as instituições sem fins lucrativos na educação e um estudo das concepções de qualidade nacional e internacional na era contemporânea. Em 2008, Gardner fez um conjunto de três palestras no museu de arte moderna de Nova Iorque com o tema “O verdadeiro, o belo e o bom: reconsiderações em uma época digital pós-moderna”. Atualmente, o Brasil e alguns outros países do mundo o consideram um grande ícone na psicologia educacional graças à sua teoria das Inteligências Múltiplas, que explicaremos a seguir. 7.1 Os testes de Q.I. e as Inteligências Múltiplas (IM)
Há cerca de um século, muitos psicólogos, preocupados com o êxito que as crianças deveriam lograr no processo de escolarização, construíram testes que tinham por propósito medir de maneira padronizada a inteligência e as capacidades intelectuais delas. Esses testes tinham por intuito verificar qual seria a possibilidade de as crianças irem bem nos estudos e alcançarem o sucesso nessa etapa da vida e nas etapas posteriores (idade adulta). Esses são os famosos testes de Q.I. (quociente de inteligência) de Binet, que têm seu resultado expresso por uma numeração que classifica diferentes níveis do que seria desde um gênio até uma pessoa com um nível de inteligência muito abaixo da média.
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Quadro 8 – Teste de Q.I. Veja cinco perguntas de um teste de inteligência* Descubra qual é o seu nível de inteligência fazendo o teste a seguir. Parte superior do formulário 1. Qual dos quadrados da segunda fileira completa a primeira fileira?
A
B
C
D
A B C D 2. Qual a palavra que não pertence a este grupo? Cigarro Pato Sorriso Pensamento Oxigênio 3. Qual é o número que deveria ser o seguinte nesta sequência: 9, 16, 25, 36, ...? 45 43 47 49 44 4. Se 40 cozinheiros podem fazer 20 pizzas em 2 horas, quantas horas serão necessárias para que 2 cozinheiros façam 10 pizzas? 1 2 4 10 20 40 80 5. Um homem foi vender a um colecionador uma moeda de ouro datada de vinte anos antes de Cristo. O colecionador não aceitou a moeda. Você saberia dizer por quê? Era muito cara. Não interessava para a sua coleção. Era roubada. Era falsa. Ele não confiava no homem. *Foram coletadas apenas 5 das 17 questões do teste que nos serviu de modelo. Para um o a todas as questões do teste, e:
. o em: 17 mar. 2011.
A história prova que esses testes não foram o milagre declarado na época em que surgiram – quando tratavam como uma grande descoberta o apontar deste como realmente inteligente e daquele como o futuro possuidor de uma carreira de pouco brilho e destaque. 127
Unidade II Ao longo de quase um século de existência, esses testes já receberam inúmeras críticas quanto à sua eficácia e real utilidade. Classificar uma pessoa como inteligente ou não é realmente necessário? Em que ajuda saber esse tipo de informação? A estigmatização daqueles que são classificados abaixo da média ajuda ou apenas rotula previamente o sujeito como um fracassado, sem nem ao menos lhe dar a chance de se desenvolver e aprender mais em seu percurso de vida. Essas são apenas algumas das inúmeras críticas recebidas por esse tipo de teste, que não leva em conta a cultura que forma o sujeito, nem outras de suas capacidades, como as expressas pelo corpo, a capacidade de articulação entre as pessoas e em relação a si mesmo etc. Além disso, muitas pesquisas mostraram que o teste de Q.I. conseguia compreender apenas o êxito nos aspectos lógico-matemático e linguístico, além do fato de que muitos daqueles que tinham uma pontuação acima da média terminavam a escola com prestígio e todos imaginavam que se tornariam profissionais excepcionais. As pesquisas comprovaram, diferentemente do que as hipóteses apontavam, que uma pessoa com grande pontuação nesses testes e com uma escolarização levada em condições acima da média deveria necessariamente ter sucesso fora das escolas, mas não foi o que foi visto na prática. Assim, alguns daqueles com pontuação bem inferior acabavam sendo profissionais de destaque em várias áreas. Esse foi mais um fator que colocava os testes de Q.I. e a visão que tinham de inteligência como algo não tão vantajoso na vida real a longo prazo. É a esses pontos que Howard Gardner se prende para desenvolver uma rede de pesquisas sobre o conceito de inteligência e todas as características que podem servir para uma definição mais útil e real desse conceito. A partir de seus estudos sobre neurologia, populações especiais, desenvolvimento, psicometria, antropologia, evolução e outras ciências, Gardner aprofunda uma visão que permite valorizar a inteligência muito mais do que a partir de um teste simples que se apega a respostas dadas em frações de minutos, sem expressar a real essência que os conhecimentos de cada pessoa possui. Para se chegar aos conceitos teóricos das Inteligências Múltiplas, Gardner utilizou diferentes populações: grupos de indivíduos talentosos, pessoas ditas prodígios, pacientes com danos cerebrais, sábios idiotas4, crianças normais, adultos normais, especialistas em diferentes tipos de pesquisa e indivíduos de diversas culturas. Estudando essa diversidade de grupos, ele elegeu uma lista preliminar das Inteligências que poderiam ser ditas como válidas por evidências encontradas em cada situação revelada, uma vez que isso se provava a favor dos diversos critérios estabelecidos por Gardner e seus pesquisadores. Tais Inteligências só seriam assim chamadas efetivamente se assem por esses critérios de seleção. Portanto, não foi feito o caminho oposto, ou seja, eleita a Inteligência por critérios empíricos para depois elas serem validadas. Apenas os estudos das populações, de acordo com o método seletivo, puderam revelar quais Inteligências seriam eleitas. A partir do exposto, fica claro que se trata de um estudo exaustivo que parte de uma forte base teórico-prática para ser estabelecido enquanto teoria. São indivíduos que apresentam um comportamento de isolamento, mas que demonstram habilidades especiais, como a capacidade de resolução de cálculos dificílimos, um raciocínio extremamente rápido etc. 4
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Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem A vantagem de se reconhecer essa teoria nas escolas seria a de que, diferentemente do teste de Q.I. e de outros tipos de avaliação – que buscam rotular os indivíduos apenas para direcioná-los a serem considerados inteligentes ou não –, essa teoria visa apontar que, em vez de uma inteligência suprema, todas as pessoas possuem múltiplas inteligências que permitem enxergar mais valor nos seres humanos. Ainda assim, Gardner diz que avaliar qual o grau de cada Inteligência no indivíduo serve apenas para saber o quanto devemos estimular cada uma das Inteligências para que o sujeito se torne potencialmente favorável nos aspectos biopsicológicos a fim de interagir com mais qualidade com o mundo em que vive. Portanto, a teoria de Gardner traz uma inversão de valores e insere uma forma de avaliar que estruturas estratégias de exercício e desenvolvimento dos potenciais que cada Inteligência demanda. 7.2 O que significa o termo Inteligência na teoria de Gardner?
Voltando à visão que predominou sobre o termo Inteligência, diz-se que, fora da teoria em questão, essa palavra significava a capacidade de responder operacionalmente a itens em testes de inteligência. Essa capacidade seria dada a partir de testes estatísticos que apontavam com qual aparato psicológico – inato – o sujeito nasceu e podia ser vista também como uma faculdade psicológica capaz de compreender os significados das coisas. Visões como as descritas não respondem adequadamente ao cenário da psicologia moderna, uma vez que, para sabermos o significado das coisas ou conceituarmos algo, nos basta uma boa memória. Memória e Inteligência, apesar de funcionarem juntas, não são a mesma coisa, assim como não se pode dizer que a Inteligência não é vista como inata e imutável nas definições modernas. Lembrete Abandonando essas antigas visões que reinavam por tanto tempo na cultura social, Gardner ou a conceituar a Inteligência como a capacidade de resolver problemas ou elaborar (criar) produtos que sejam importantes ou valorizados em um determinado ambiente ou comunidade cultural. Assim sendo, o sujeito usa sua Inteligência para um determinado fim a ser atingido (resolver o problema) e traça um procedimento para isso, como no caso, por exemplo, da escrita deste texto (problema) que exige do escritor que organize um procedimento capaz de fazê-lo adequadamente. Esse exemplo também trata de uma forma de criação de produtos importantes à cultura, pois foram assim requisitados como material didático. 129
Unidade II Mais um exemplo, para ilustrar, seria o caso da criação de uma peça de teatro. Para criar algo assim, o sujeito precisa de, culturalmente, apropriar‑se de cenas, imagens, gestos e situações que corporalmente devem ser postas em prática, o que envolve mais que uma inteligência como dito por Gardner. 7.3 As primeiras Inteligências descritas e alguns importantes princípios teóricos
Em suas primeiras obras sobre as Inteligências Múltiplas – Estruturas da mente: a teoria das Inteligências Múltiplas5 e Inteligências Múltiplas: a teoria na prática6 –, Gardner apontou sete Inteligências encontradas em seus critérios de seleção e frisou que o número delas pode ser maior, por isso, ele fez questão de chamá-las de múltiplas, por não saber ao certo qual seria o número final de Inteligências que teríamos. Observação As sete inteligências são: lógico-matemática, linguística, espacial, musical, corporal-cinestésica, interpessoal e intrapessoal. A seguir, caracterizaremos cada uma dessas Inteligências a fim de visualizar melhor como elas se manifestam enquanto capacidade de resolver problemas ou criar produtos valorizados por determinada cultura. Inteligência lógico-matemática Essa Inteligência trata das potencialidades de lidar com questões que demandam um raciocínio lógico, como é o caso da matemática, por exemplo, que é puramente lógica e dedutiva. Segundo Gardner, Jean Piaget se fixou basicamente em questões lógico-matemáticas para desenvolver sua teoria, pois ela tratava de perceber como a lógica da criança resolvia determinados tipos de problemas propostos por ele em forma de experiências variadas. A lógica coordena boa parte das nossas ações e guia o raciocínio de maneira que colocamos limites e possibilidades às nossas ações. O desenvolvimento dessa inteligência permite o que a cultura chamaria de uma “maior racionalidade”. Pensar sobre as probabilidades, encontrar meios e fazer cálculos são habilidades típicas desse tipo de Inteligência. Um bom exemplo que constantemente ocupa as telas de filmes e está expresso em
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Publicado originalmente nos EUA no ano de 1983 e aqui no Brasil em 1994. Publicado originalmente nos EUA no ano de 1993 e aqui no Brasil em 1995.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem livros desde meados do século XIX é a história do personagem Sherlock Holmes,7 com sua famosa frase: “elementar, meu caro Watson”.
Figura 87 - Uma imitação do personagem Sherlock Holmes, famoso por sua capacidade lógica impecável
Ele costumava resolver seus problemas de investigador utilizando o raciocício lógico-dedutivo. Assim, ao proferir o termo “elementar”, suas palavras seguintes explicavam qual seria o raciocínio que responderia adequadamente à resolução do mistério. A matemática é tida como a ciência do raciocínio lógico e abstrato. Ela costuma estudar quantidades, medidas, espaços, estruturas e variações. Um trabalho matemático consiste em procurar por padrões, formular conjecturas e, por meio de deduções rigorosas a partir de axiomas e definições, estabelecer novos resultados e teorias milenares que se mantêm válidos e úteis. A matemática continua a se desenvolver permanentemente, pois vem sendo construída ao longo de muitos anos. Essas são as habilidades dessa Inteligência, pois ela se vale da lógica para responder questões cotidianas, fatos diários, problemas a serem resolvidos, atividades profissionais, questões educativas, construção da ciência etc. 7.3.1 Inteligência linguística Como a própria palavra sugere, a Inteligência linguística está vinculada às questões da linguagem escrita e verbal e ao potencial de tornar inteligível uma mensagem por meio de seus representantes simbólicos. A competência linguística é de fato a Inteligência. Transmitir sentidos, formas, significados, intenções, objetos, sentimentos etc. utilizando-se de palavras é quase uma arte e é precisamente o que esse tipo de Inteligência faz: permite organizar as palavras em termos precisos e favoravelmente interessantes. Sherlock Holmes é um personagem de ficção da literatura britânica criado pelo médico e escritor Sir Arthur Conan Doyle. Holmes é um investigador do final do século XIX e início do século XX que aparece pela primeira vez no romance A Study in Scarlet (Um estudo em vermelho), editado e publicado originalmente pela revista Beeton’s Christmas Annual, em novembro de 1887. Sherlock Holmes ficou famoso por utilizar, na resolução dos seus mistérios, o método científico e a lógica dedutiva. 7
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Unidade II O verdadeiro poeta faz das palavras uma arte sensível e com significado, o grande orador organiza sua fala de maneira tão eficaz que encanta o ouvinte, o grande escritor transmite sua mensagem com maestria e precisão: são essas as habilidades que estão contidas nessa Inteligência. Das diversas formas de expressão que a linguagem exibe, algumas delas dependem de outras Inteligências para que possam acontecer, como é o caso da linguagem escrita, que depende em certa medida das capacidades corporais-cinestésicas, que iremos ver um pouco à frente. “Índios” Quem me dera, ao menos uma vez, Ter de volta todo o ouro que entreguei A quem conseguiu me convencer Que era prova de amizade Se alguém levasse embora até o que eu não tinha. Quem me dera, ao menos uma vez, Esquecer que acreditei que era por brincadeira Que se cortava sempre um pano de chão De linho nobre e pura seda. Quem me dera, ao menos uma vez, Explicar o que ninguém consegue entender: O que é que aconteceu ainda está por vir E o futuro não é mais como era antigamente. Quem me dera, ao menos uma vez, Provar que quem tem mais do que precisa ter Quase sempre se convence que não tem o bastante E fala demais por não ter nada a dizer. Quem me dera, ao menos uma vez, Que o mais simples fosse visto como o mais importante Mas nos deram espelhos E vimos um mundo doente. Quem me dera, ao menos uma vez, Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três E esse mesmo Deus foi morto por vocês É só maldade, então, deixar um Deus tão triste. Eu quis o perigo e até sangrei sozinho. Entenda – assim pude trazer você de volta para mim, Quando descobri que é sempre só você Que me entende do início ao fim E é só você que tem a cura do meu vício De insistir nessa saudade que eu sinto De tudo que eu ainda não vi. Quem me dera, ao menos uma vez, Acreditar por um instante em tudo que existe 132
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem E acreditar que o mundo é perfeito E que todas as pessoas são felizes. Quem me dera, ao menos uma vez, Fazer com que o mundo saiba que seu nome Esta em tudo e mesmo assim Ninguém lhe diz ao menos obrigado. Quem me dera, ao menos uma vez, Como a mais bela tribo, dos mais belos índios, Não ser atacado por ser inocente. Eu quis o perigo e até sangrei sozinho, Entenda – assim pude trazer você de volta para mim Quando descobri que é sempre só você Que me entende do início ao fim E é só você que tem a cura pro meu vício De insistir nessa saudade que eu sinto De tudo que eu ainda não vi. Nos deram espelhos e vimos um mundo doente Tentei chorar e não consegui (RUSSO, 1986).8 7.3.2 Inteligência espacial No caso da Inteligência espacial, as capacidades são as de conseguir se localizar no espaço físico com certa destreza, de maneira que sua condição de se situar seja semelhante à de quem tem um mapa na mente. Resolver mentalmente um caminho para se chegar a um destino é um exemplo desse tipo de habilidade que, em geral, está presente em guias turísticos, feitos por geógrafos que trabalham com mapas e são conhecidos como cartógrafos. Gardner afirma que, nesse tipo de Inteligência, temos a capacidade de perceber o mundo visual com precisão, de efetuar transformações e modificações a partir das percepções iniciais e de recriar aspectos sobre a experiência visual, ainda que esta esteja ausente de estímulos físicos importantes.
Figura 88 - Conseguir se guiar no mar, com poucos sinais, é uma da habilidade da Inteligência espacial
Renato Russo, já falecido, foi um cantor e compositor brasileiro que pode ser considerado exemplo de um bom nível de Inteligência Linguística. 8
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Unidade II Paisagistas, arquitetos e até mesmo decoradores precisam desse tipo de habilidade, pois esses profissionais trabalham muito abstratamente até que possam pôr em prática o que estabeleceram em mente. Gardner menciona muito em seus livros sobre IM9 os sujeitos ligados à navegação, pois eles conseguem se localizar no espaço com sinais mínimos, como a posição das estrelas no céu, algumas ilhas durante o caminho etc. Poderíamos mencionar ainda como exemplo o técnico de futebol que, ao decidir por determinado sistema tático, necessita de sua Inteligência espacial para saber como distribuir adequadamente seus atletas e poder surpreender os adversários durante o jogo. 7.3.3 Inteligência musical Antes mesmo que lhe dessem um nome, a Inteligência musical já se manifestava fortemente desde a Antiguidade. Os povos primitivos produziam sons harmônicos com pedaços de madeira, pedras e outros materiais. Podemos notar que praticamente todos os povos faziam coisas semelhantes a essa. Alguns povos indígenas, por exemplo, produzem melodias diversas para que possam dançar em grupo e para rituais religiosos. A capacidade de lidar com sons, criar músicas ou melodias, combinar harmonicamente os diversos tons sonoros que algo possa produzir e reconhecer essas diversidades envolve essa Inteligência.
Figura 89 – Cantar, tocar instrumentos ou lidar com questões sobre musicalidade são habilidades da Inteligência musical
Existem hoje em nossa cultura muitas pessoas com uma sensibilidade acima da média no que se refere à produção musical. Cantores, compositores – que também se utilizam da capacidade linguística para compor –, instrumentistas, maestros e até mesmo pessoas comuns demonstram saber lidar com maestria com as questões envolvendo ritmo, sons e música. 9
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Inteligências Múltiplas.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem 7.3.4 Inteligência corporal cinestésica
Figura 90 - A inteligência corporal cinestésica permite resolver problemas relacionados ao movimento do corpo, assim como criar coisas com essa habilidade
Essa Inteligência trata das questões do corpo e das destrezas que envolvem sua manipulação. Um atleta de alguma modalidade esportiva geralmente demonstra habilidades acima da média, assim como um dançarino faz em uma apresentação. Resolver como fazer determinado gesto envolve, geralmente, frações de segundos e, em uma pessoa que precisa se manifestar de alguma maneira, a decisão se dá rapidamente. Um escultor deve ter a destreza necessária para lapidar uma pedra e torná-la uma obra de arte. Assim como a maneira de bater em uma bola em um jogo de futebol difere tremendamente entre um atleta profissional e um sujeito não praticante. O fato é que essa Inteligência se manifesta em ambas as situações, mostrando graus de habilidade diferentes.
Figura 91 - A capacidade de compreender melhor o semelhante é típico da Inteligência interpessoal
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Unidade II 7.3.5 Inteligência interpessoal Trata-se da habilidade de reconhecer as outras pessoas no que diz respeito a suas tonalidades emocionais, reações, gestos e personalidades. Esse primeiro tipo de Inteligência pessoal que estamos abordando permite conviver melhor com os demais, pois, conhecendo melhor o outro, saberemos a maneira apropriada de tratá-lo e, assim, viveremos em harmonia. Pessoas dotadas de um bom grau dessa Inteligência costumam ser líderes, pois possuem a exata medida das outras pessoas e sabem como comandá-las. Na presença de um sujeito com boa capacidade interpessoal, nos sentimos acolhidos e compreendidos, pois o tratamento é proporcional ao nosso jeito de ser. Líderes espirituais, políticos, vendedores, professores, apresentadores de programas televisivos e pessoas que lidam com o público precisam ter uma Inteligência interpessoal bem desenvolvida para que possam ter êxito. Muitos dizem que, na vida social e na busca por trabalho, a capacidade de compreender as pessoas e lidar bem com elas é extremamente vantajosa nos dias de hoje. Podemos dizer que essa capacidade é muito mais valorizada do que outras habilidades em termos de mundo moderno, pois de nada adianta ter muitas aptidões e não saber trabalhar em grupo, valorizar as pessoas para ser valorizado, liderar e ser liderado. 7.3.6 Inteligência intrapessoal
Figura 92 – Uma pessoa com boa Inteligência intrapessoal é geralmente alguém com uma boa dose de autoconhecimento
Nesse segundo tipo de Inteligência pessoal, o foco é o autoconhecimento. Essa habilidade nos dá a exata medida de quem somos, do que estamos sentindo e do que está se ando conosco. 136
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
Observação Trata-se de se perceber, saber falar e expressar o que enxerga em sua própria história pessoal, com suas conquistas e o que provocaram em si, suas derrotas e que efeito causaram, lidando com isso com certa naturalidade. Os profissionais ligados à saúde, como enfermeiros, médicos, psicólogos, fisioterapeutas etc., precisam de uma grande dose desse tipo de habilidade psicológica, pois lidam com pessoas em estado enfermo e estas, dotadas de carência afetiva, costumam falar palavras que demonstram sofrimento e podem até ofender o profissional, mas este, como sabe lidar com suas emoções, pode ver o outro como si mesmo e não se deixar levar por suas emoções. Em outras palavras, aquele que se conhece pode dizer que conhece um pouco de todos os outros. Assim, temos um psicólogo que, ao ser ofendido por seu paciente, pode compreender que se trata do perfil patológico deste e não de uma questão pessoal. Mesmo sentindo o impacto provocado pela ofensa, o psicólogo não precisa se deixar levar por esta e tende a lidar bem com tudo isso. 7.4 Surgem duas novas inteligências: a naturalista e a pictórica
A Inteligência naturalista foi reconhecida por Gardner após seus primeiros dois livros previamente citados e corresponde à capacidade de reconhecer, classificar, identificar e manusear padrões e formas que a natureza possui. Uma dos gênios nesse tipo de Inteligência foi Charles Darwin, que elaborou nada mais nada menos do que a teoria da evolução das espécies. Alguns biólogos e geógrafos podem possuir um reconhecimento muito acima do normal no que concerne a aspectos da natureza, o que permite lidar com esta de maneira mais facilitada. No caso da Inteligência pictórica, que vem sendo estudada por muitos pesquisadores no Brasil – em especial pelo Prof. Dr. Nilson José Machado, da Universidade de São Paulo –, ela lida com a capacidade de expressão por traço, desenho ou caricatura. Observação A Inteligência pictórica pode ser entendida como uma sensibilidade para dar movimento e beleza a desenhos e pinturas, como uma autonomia para captar e retransmitir as cores da natureza e movimentar-se com facilidade em diferentes níveis de computação gráfica.
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Unidade II Grandes gênios do mundo atual têm dominado os ambientes gráficos, no entanto, grandes pintores podem ter seus nomes lembrados por ter essa habilidade em nível acima do normal, como Leonardo da Vinci, Salvador Dalí, Pablo Picasso etc. Apesar de ainda não ter sido mencionada por Howard Gardner, a Inteligência pictórica vem ao encontro de tudo o que ele apregoou em sua teoria das Inteligências múltiplas. Portanto, ela seria facilmente reconhecida por ele. 7.5 Comentários importantes sobre a teoria
Antes de mais nada, é importante frisar que as pesquisas apontaram, neurologicamente, que todas as Inteligências se mostraram dentro de um funcionamento isolado no cérebro, pois pacientes lesionados perdiam algumas habilidades típicas de uma Inteligência, mas permaneciam com as outras. Entretanto, Gardner menciona constantemente que, ao mesmo tempo em que funcionam independentemente, todas elas se articulam o tempo todo, combinando‑se para responder à complexidade imposta pela cultura em que vivemos. Portanto, mesmo não dependendo, em termos de funcionamento do cérebro, uma das outras para que desempenhem a vida social que nós vivemos, elas se agrupam e funcionam em constante articulação. Outro importante princípio dessa teoria é o fato de todos nós termos todas essas inteligências em algum grau, mais ou menos desenvolvido. Possuímos cada uma dessas habilidades. Nessa teoria, a avaliação aponta a necessidade de verificar qual Inteligência merece ser mais desenvolvida e carece de aprendizagens para isso ou, ao contrário, qual delas já se encontra em um nível satisfatório de desenvolvimento e poderá ser empregada no dia a dia e continuar seu desenvolvimento. Uma Inteligência bem desenvolvida ganha certa autonomia e pode encontrar maneiras de se manifestar e continuar a se desenvolver. Já uma Inteligência que se encontra num nível menos desenvolvido precisa de mais intervenção, quer seja de um professor, quer seja de outra pessoa que possa ajudar de alguma forma. A transcrição de cada Inteligência descreve o funcionamento puro e descontextualizado, portanto, fora de manifestações naturalmente vistas. Não existe Inteligência pura e isolada em cada pessoa, portanto, as descrições vistas não tratam de todos na vida real. É importante que isso fique claro para que não haja confusão no sentido de pensar que determinada Inteligência é possuída apenas pelos prodígios nela e não pelas pessoas normais. Ao contrário, todos possuem um pouco de cada Inteligência, e os casos de gênios em cada uma delas são apenas exceções. Outra importante recomendação é que seja compreendido o conceito de Inteligência, a fim de diferenciá-lo de outros tipos de práticas escolares. Se tivermos em mente sua definição como capacidade de resolver problemas ou criar produtos valorizados por determinado grupo ou comunidade cultural, não poderemos dizer, por exemplo, que o professor de português está exercitando a Inteligência linguística ao ensinar uma palavra, pois os alunos só se desenvolvem nesse quesito se resolverem problemas pautados na linguagem ou criarem algo novo, como um texto, um poema, ou resolverem algum 138
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem problema utilizando a linguagem que conhecem. Nesse mesmo raciocínio, um professor de educação física não estará desenvolvendo a Inteligência corporal-cinestésica ao ensinar movimentos específicos de uma modalidade esportiva, pois os alunos não teriam, nesse caso, que resolver problemas ligados às habilidades corporais e nem criar nada tendo por veículo o corpo. Os professores poderiam, dessa forma, problematizar sua aula e pedir que os alunos resolvessem os problemas de caráter corporal que ele criou ou que inventassem algo como uma dramatização, uma coreografia de algum tipo de dança ou até mesmo um jogo com a modificação de regras.
Saiba mais Para fazer um teste de inteligências múltiplas, e o site:
. o em: 18 maio 2012.
Exemplo de aplicação
Proposta de estudo de caso com base na teoria de Howard Gardner Para se visualizar melhor os conceitos da teoria das Inteligências Múltiplas, propomos que faça a seguinte investigação, sem necessidade de publicação, apenas para exercitar a visão da teoria: tente, por você mesmo, resolver problemas ou criar algo de acordo com as habilidades propostas nas Inteligências. Veja como você consegue manifestá-las, afinal, antes de percebê-las em qualquer pessoa, nada melhor do que percebê-las em nós mesmos. Bons estudos!
Saiba mais Para conhecer mais sobre Gardner, assista ao vídeo gravado por Kátia Stocco Smole, presente na coleção Grandes Educadores da Atta: Mídia e Educação. Já para conhecer mais sobre o assunto, leia a entrevista de Howard Gardner para a revista Veja, no link:
. o em: 25 maio 2012.
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Unidade II 8 Considerações finais 8.1 Uma importante discussão sobre as similaridades e diferenças entre Piaget, Vygotsky e Wallon
Começando por Piaget e Vygotsky, eles trazem grandes divergências e grandes convergências. Para Piaget, o processo de conhecimento se dá interativamente por meio da percepção de que o sujeito tem de seu mundo dividido em estágios. Cada novo estágio ocorre apenas quando há um equilíbrio, que é fruto das assimilações e acomodações feitas no estágio anterior. O conhecimento se dá apenas a partir da ação do sujeito sobre a realidade. Entretanto, Vygotsky, na teoria histórico-cultural, observou da mesma forma como Piaget que o sujeito é interativo porque constitui seu conhecimento a partir das relações. A diferença entre ambos é que Vygotsky diz ser por meio intra e interpessoais que o conhecimento se internaliza. O conhecimento é proveniente dessas relações, mas o significativo é que ambos os pensadores reconhecem o papel ativo da criança na construção do conhecimento. Entretanto, Vygotsky dá mais peso às questões do social influenciando o desenvolvimento. Para Piaget, a aprendizagem está subordinada ao desenvolvimento de estruturas cognitivas, o que, muitas vezes, determina as formas de aplicações pedagógicas e didáticas. O conhecimento dos estágios, conforme propostos por Piaget, contribui para o levantamento de objetivos e atividades de ensino e aplicação necessários para o desenvolvimento cognitivo e para um trabalho mais proporcionalmente apropriado a cada fase de desenvolvimento dos alunos. Para Vygotsky, criador da teoria sociointeracionista, existem relações recíprocas entre o desenvolvimento e a aprendizagem, pois a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento e este, por sua vez, cria novos patamares para a aprendizagem. Essa é uma divergência crucial em relação a Piaget, que afirma que o sujeito somente aprende se tiver formado bases para isso. Assim, por Vygotsky, o desenvolvimento se expande mediante as interações sociais (intra e interpessoal), nas quais, por meio da internalização, o indivíduo se apropria do conhecimento, ocorrendo, assim, a aprendizagem. Esse processo evidencia a fundamental importância das trocas e aquisições no meio social. As divergências mais gerais estão na diferença de foco dos estudos de cada pesquisador. O principal interesse de Piaget era o de estudar o desenvolvimento das estruturas lógicas, já Vygotsky pretendia entender como a sociedade e as culturas influenciam na relação do pensamento com a linguagem e suas implicações no processo de desenvolvimento intelectual. Enquanto na perspectiva piagetiana o conhecimento se dá a partir da ação do sujeito sobre e na realidade, para Vygotsky, esse mesmo sujeito não só age sobre e na realidade, mas interage com ela construindo seus conhecimentos a partir das relações intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que ele internaliza conhecimentos, papéis e funções sociais. Contudo, outra forte divergência entre os dois estudiosos se dá na relação entre linguagem e pensamento. Para Piaget, a linguagem se desenvolve de dentro (das estruturas internas que estão se 140
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem formando) para fora (sujeito a ser socializado); já para Vygotsky, a linguagem se desenvolve de maneira socializada (de fora do sujeito) para dentro (internalização da linguagem criada socialmente). Portanto, ambos seguem direções opostas. Enquanto a aprendizagem para Piaget depende do estágio de desenvolvimento atingido pelo sujeito, para Vygotsky a aprendizagem favorece o desenvolvimento das funções mentais. Embora Vygotsky concorde que a aprendizagem ocorre muito antes da chegada da criança à escola, ele também atribui um valor significativo à aprendizagem escolar, que, no seu ponto de vista, produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança. Para Vygotsky a linguagem tem um papel definitivo na organização do raciocínio, pois age decisivamente sobre este, reestruturando diversas funções psicológicas, como a atenção, a memória e a formação de conceitos. Entretanto, apesar das diferenças entre a posição teórica dos dois estudiosos, ambos enfatizam a necessidade de compreensão da gênese dos processos de conhecimento. Além disso, eles, igualmente, não consideram os processos psicológicos como resultados estáticos que se expressam em medidas quantitativas, pois tanto Piaget como Vygotsky valorizam a interação do indivíduo com o ambiente e veem o indivíduo como sujeito que atua no processo de seu próprio desenvolvimento. Enquanto Piaget diz que o desenvolvimento se constrói de maneira interativa, dependendo das estruturas prévias do sujeito e, portanto, do indivíduo para a sociedade, Vygotsky afirma que a aprendizagem é como uma ferramenta sociocultural, que intervém fortemente na formação da mente, logo, do social para o indivíduo. Wallon, por sua vez, é visto como o psicólogo do equilíbrio, pois dá igual peso para ambos os fatores, o social e o orgânico. Segundo ele apregoa, tais fatores são igualmente responsáveis pela formação do sujeito, que é interativo e determinado ao mesmo tempo. Wallon destacou o aspecto interativo da mesma forma que o fazem Piaget e Vygotsky. Porém, ele afirma que o sujeito nasce com suas características biologicamente identificáveis que, ao interagir ativamente com as condições determinadas pela sociedade, dão a possibilidade do desenvolvimento do sujeito. Uma similaridade importante sobre as teorias de Vygotsky e Wallon é que ambas utilizam o materialismo histórico e dialético como epistemologia de base. Isso torna as teorias às vezes muito semelhantes. No entanto, muitos aspectos também as diferenciam. Os elementos teóricos de cada uma dessas teorias não devem ser misturados, pois eles provêm de pensamentos divergentes, com bases diferentes e, às vezes, com apontamentos contrários uns aos outros. As teorias possuem seu valor para serem utilizadas individualmente e não agrupadas em conjunto, pois servem para formar as lentes pelas quais os professores irão enxergar as crianças, a escola e sua atividade educativa. 141
Unidade II 8.2 Skinner e Ausubel e Howard Gardner
Em relação às teorias de aprendizagem, devemos olhá-las como a influência que se tem a partir do meio, pois elas visam dar possibilidades de, como professores, atuarmos sobre os alunos e transformarmos suas condutas, comportamentos e capacidades. A aprendizagem caminha pelo terreno das aquisições comportamentais. Em qualquer campo da atividade humana, as pessoas precisam adquirir conhecimentos para poderem interagir, se corresponder mutuamente, se comportar de acordo e conquistar seus objetivos. A sociedade, uma vez constituída como cultura que se modifica constantemente, acumula um conjunto de conhecimentos que precisa ser absorvido pela população para que estes possam dar continuidade ao progresso adquirido e participar da construção social. Cada teoria desta unidade tem contribuições peculiares para tentar facilitar o trabalho dos professores, pois são teorias que servem a esse propósito há anos e, no entanto, continuam atuais e indescritivelmente úteis. Começaremos com a teoria de B. F. Skinner, que buscou compreender o comportamento das pessoas na interação com o meio em que vivem. Ele traçou maneiras de se compreender a relação sujeitomeio de uma forma bastante interessante, que indica possibilidades de se estimular comportamentos esperados, assim como tentar diminuir ou se extinguir formas de comportamentos indesejáveis. Skinner compreendeu a educação como algo importantíssimo a uma sociedade. Ela é tão fundamental que não deveríamos deixar para os educadores fazerem tentativas e erros para conseguirem desenvolver o trabalho educativo, mas sim que as pesquisas conseguissem auxiliá-los a fim de instrumentalizá‑los, de maneira que pudessem ter mais controle e previsão de suas atividades educativas e de seu relacionamento com os alunos. Questões sobre motivação, punição e reforçamento de atitudes comportamentais são abordadas de maneira que se possa compreendê-las e modificá-las em termos de posicionamento educacional. Em relação a David Ausubel, existe uma forte contribuição no que tange ao que se deve fazer em relação à aprendizagem cognitiva, uma vez que uma atenção especial aos conhecimentos prévios dos alunos pode fazer toda a diferença em termos de qualidade do trabalho final de ensinar. Ausubel coloca de forma bem organizada a maneira de o sujeito aprender cognitivamente e, dessa forma, existe uma visão prévia das possibilidades de organização didática do professor que pretende avançar no trabalho educativo tendo como base uma linguagem mais facilitadora. Por último, mas não menos importante, há a contribuição de Howard Gardner e sua teoria das múltiplas inteligências, que consideramos estar entre as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, uma vez que fala sobre como cada pessoa pode aprender mais sobre suas capacidades inteligentes e desenvolvê-las como exercício de função. 142
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Dessa maneira, os estudos de Gardner possibilitam enxergar o aluno como uma pessoa que possui vários potenciais diferentes e, portanto, deve ser estimulado para que, aprendendo, se desenvolva e se desenvolva para aprender mais e mais sobre cada inteligência em potencial que ele possui. Nunca é demais prevenir o leitor para que não misture as teorias e não faça uma leitura como se todas elas fossem a mesma coisa. Elas são completamente diferentes. Entretanto, todas podem fazer grandes contribuições para se preparar uma atividade educativa, uma vez que cada pessoa tem um olhar particular sobre cada teoria. Pode-se dizer que, se as teorias forem aprendidas, os benefícios em termos de possibilidades podem ser bastante vantajosos, uma vez que essas visões nada mais são do que lentes para se enxergar possibilidades em termos de trabalho com a tarefa educativa. Portanto, observe com muita atenção cada uma das contribuições ofertadas neste texto. Resumo O comportamentalismo ou ciência do comportamento humano surge a partir de J. B. Watson (1878-1958), em oposição aos funcionalistas, e propõe uma psicologia cujo objeto de estudo se desloca da mente e a para o comportamento e suas interações com o ambiente. A proposta de B. F. Skinner (1904-1990), por mais que aborde o comportamentalismo, se distancia da de Watson. Skinner adotou de forma rigorosa os procedimentos experimentais a fim de fazer enormes contribuições ao estudo das interações entre organismos vivos e seus ambientes. O behaviorismo radical de Skinner pode ser considerado uma filosofia da ciência que diz para olharmos cuidadosamente para as relações entre os eventos observáveis e mutáveis do ambiente e do comportamento. Tendo por objeto de estudo a interação organismo (integral)-ambiente, o behaviorismo radical apresenta uma visão determinista do comportamento, opondo-se às concepções tanto de indeterminação quanto de predeterminação do comportamento. No caso do comportamento operante, dizemos que o sujeito opera sobre o mundo quer direta ou indiretamente. Ele tem algum efeito sobre o mundo e abrange suas consequências (E = estímulo; R = resposta; e C = consequência). O conceito de contingências é muito importante nessa visão teórica e se refere às condições e envolve a análise completa do comportamento. Em geral, esse conceito corresponde ao que pode envolver o meio do indivíduo 143
Unidade II e modificar seu comportamento direta ou indiretamente e inclui também, além do meio que o estimula, o próprio comportamento e sua consequência (que reforça). A consequência resultante pode aumentar a probabilidade de ocorrência da mesma resposta por parte dos sujeitos em contextos semelhantes. Isso é o reforço. O reforço pode ser positivo, quando há uma soma de um estímulo naquele ambiente que possa resultar no acréscimo de frequência da resposta que o deu origem; ou negativo, quando a resposta dada retira ou diminui algum estímulo aversivo (a pessoa pode tentar não presenciar novamente aquela forma de estímulo aversivo). Entretanto, o reforço só pode ser definido em função do comportamento de cada indivíduo em particular. Um reforço negativo também aumenta a probabilidade de um comportamento pela ausência (retirada) de um estímulo aversivo (que cause desprazer) após o organismo apresentar o comportamento pretendido. As duas respostas comportamentais típicas de um estímulo aversivo (reforço negativo) são a esquiva e a fuga. A punição apresenta um estímulo aversivo e gera fuga ou esquiva. Porém, deve-se ter em mente que ela está reforçando ou aumentando (ensinando) a probabilidade de o comportamento esperado aparecer (por exemplo: não se ensina a ler punindo quem não leu). Para Skinner (2000), a educação é o estabelecimento de um comportamento que é vantajoso para o indivíduo e para os outros em um tempo futuro. Para isso, as contingências devem ser organizadas a fim de possibilitar uma formação dos alunos para o autogoverno intelectual. Isso só acontece quando se evidenciam os elementos de seu comportamento operante, que nada mais são que o estímulo, a resposta e a consequência de seu comportamento. Fazer isso é muito fácil, pois se trata de mostrar ao aluno as vantagens da aquisição de novos padrões de comportamento e programar as aulas de maneira que se possa capacitar o aluno a encontrar ou buscar suas próprias contingências – por saber antecipar as consequências de seus comportamentos operantes. David Ausubel foi um psicólogo que se baseou nas teorias piagetianas do desenvolvimento, pesquisou a fundo sobre a aprendizagem cognitiva e construiu uma teoria importante sobre como as pessoas se apropriam do conhecimento a partir da aprendizagem. Ele afirma que temos duas vias pelas quais a aprendizagem a: descoberta e recepção. 144
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Temos dois tipos de aprendizagem, uma é a mecânica, e a outra é a significativa. Quando o que estamos aprendendo não tem relação direta com nossa estrutura prévia de conhecimento, tentamos memorizar o novo conteúdo. Essa é a aprendizagem mecânica, tida como memorística e aleatória, pois não tem conexão com nosso conhecimento prévio. A aprendizagem significativa precisa de um conhecimento prévio do sujeito da aprendizagem. Esse conhecimento é o subsunçor do sujeito, que servirá como ponto de ancoragem. Entretanto, para que o sujeito aprenda, ele terá de fazer uma diferenciação progressiva, ou seja, diferenciar pouco a pouco o objeto de conhecimento. Por exemplo, se ele está aprendendo as operações matemáticas, ele terá de diferenciá-las pouco a pouco até que consiga separá-las sem dificuldade em soma, subtração, divisão e multiplicação. Após essa diferenciação progressiva dos elementos a serem aprendidos, o sujeito é capaz de reintegrá-los progressivamente. Chamamos a isso de reconciliação progressiva, uma união de tudo o que separamos para compreendermos melhor. Em seguida a isso, ocorre o que Ausubel chamou de assimilação obliteradora, ou seja, aquela que reúne a aprendizagem de maneira mais consistente, deixando para trás o processo de separar e reunir. Os organizadores prévios são materiais introdutórios que, artificializando um conhecimento anterior do sujeito, propõem algo a ser fixado na mente. Isso ficaria como um ponto de ancoragem externo. A aprendizagem significativa possui três níveis de complexidade em sua aquisição: a representacional, a conceitual e a proposicional. Para Ausubel, a aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe. Ao determinarmos esse ponto, temos o fator isolado que mais influencia a aprendizagem. Howard Gardner, por sua vez, pretendeu desenvolver uma rede de pesquisas sobre o conceito de inteligência e todas as características que possam servir para uma definição mais útil e real desse conceito. Em suas primeiras obras sobre as Múltiplas Inteligências, Gardner apontou o número de sete Inteligências encontradas em seus critérios de seleção e frisou que o número pode ser maior do que esse. Por isso, ele fez questão de chamá-las de Múltiplas, por não saber ao certo qual seria o número final de Inteligências que teria. 145
Unidade II As sete Inteligências são: lógico-matemática, linguística, espacial, musical, corporal-cinestésica e as inteligências pessoais: a interpessoal e a intrapessoal. A Inteligência lógico-matemática trata das potencialidades de lidar com as questões que demandam um raciocínio lógico. A Inteligência linguística está vinculada às questões da linguagem, tanto escrita quanto verbal, e do potencial de tornar inteligível uma mensagem por meio de seus representantes simbólicos. No caso da Inteligência espacial, a capacidade é a de conseguir se localizar no espaço físico com certa destreza, de maneira que sua condição de se situar seja semelhante à de quem tem um mapa na mente. A Inteligência musical é a capacidade de lidar com sons, criar músicas ou melodias, combinar harmonicamente os diversos tons sonoros etc. Já a Inteligência corporal-cinestésica trata das questões do corpo e das destrezas que envolvem a manipulação corporal. Na Inteligência interpessoal, lidamos com a habilidade de reconhecer as outras pessoas em suas tonalidades emocionais, reações, gestos e personalidades. Esse primeiro tipo de Inteligência pessoal permite conviver melhor com outras pessoas, pois, conhecendo o outro, sabemos a maneira apropriada de tratá-lo e, assim, poderemos viver em harmonia. No caso da Inteligência intrapessoal, ela nos dá a exata medida do que somos, do que estamos sentindo e do que está se ando conosco. Trata‑se de perceber a si mesmo e saber falar e expressar o que se enxerga em sua própria história pessoal, com suas conquistas, transformações, derrotas etc., e lidando com isso com certa naturalidade. As Inteligências naturalista e pictórica, por sua vez, são as duas novas Inteligências que surgem. A naturalista foi reconhecida por Gardner após seus primeiros dois livros e corresponde à capacidade de reconhecer, classificar, identificar e manusear padrões e formas que a natureza possui. A pictórica diz respeito à capacidade de expressão por traço, desenho ou caricatura. Pode-se dizer que se trata de uma sensibilidade para dar movimento e beleza a desenhos e pinturas, captar e retransmitir as cores da natureza e movimentar-se com facilidade em diferentes níveis de computação gráfica. 146
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Em termos de funcionamento, todas essas Inteligências são independentes, porém, trabalham em conjunto. Todas as pessoas possuem essas inteligências, em graus de desenvolvimento diferentes uns dos outros. Se tivermos como conceito de Inteligência a capacidade de resolver problemas ou criar produtos valorizados por determinado grupo ou comunidade cultural, não podemos dizer, por exemplo, que o professor de português ao ensinar uma palavra está exercitando a inteligência linguística, pois os alunos só se desenvolvem nesse quesito se resolverem problemas pautados na linguagem ou criarem algo novo, como um texto, um poema ou resolverem algo utilizando a linguagem que conhecem. Exercícios Questão 1. (Enade 2010) Um professor corrige a tarefa escolar feita por seus alunos. Eles estão sentados individualmente em carteiras enfileiradas e são chamados um a um para levar o caderno até a mesa do professor. Este age batendo um carimbo que associa uma figura com uma expressão elogiosa como “muito bem”, “ótimo” ou “excelente”. E não usa figura alguma, caso não tenha feito a tarefa. Em seguida, registra quem fez e quem não fez a tarefa, dizendo que o aluno que cumprir todas as tarefas sem erro receberá um ponto na média final bimestral. Depois, fala à classe que quem não realizou a tarefa deverá fazer durante o horário do recreio. A conduta desse professor é corretamente interpretada pela abordagem: A) comportamental, que preconiza a modelagem do comportamento da criança pelo reforço positivo dos comportamentos adequados pela extinção dos inadequados. B) gestáltica, a qual destaca a correção do erro e o controle do comportamento como necessários para que o aluno estabeleça a distinção figura e fundo, criando a boa forma, favorecendo insights (introvisão) e raciocínios específicos sobre os problemas dados na tarefa. C) piagetiana, que preconiza a aprendizagem como envolvendo processos de assimilação e acomodação de novos conteúdos à estrutura cognitiva do aluno, tornada possível, enfatizando o erro cometido. D) rogeriana, a qual compreende a conduta do professor como um convite à heteronomia do aluno como pessoa humana, pois a punição do erro deve acontecer num clima de afetividade e empatia. E) sócio-histórica, que enfatiza o papel do parceiro mais experiente como muito valorizado para a aprendizagem, o que faz com que a correção do erro pelo professor favoreça a zona de desenvolvimento proximal. Resposta correta: alternativa A. 147
Unidade II Análise das alternativas A) Alternativa correta. Justificativa: a situação colocada na questão apresenta os procedimentos utilizados em uma abordagem comportamental para a aprendizagem, ou seja, por meio do planejamento de contingências de reforçamento, aumenta-se a frequência do comportamento do aluno (condicionamento operante). B) Alternativa incorreta. Justificativa: em uma perspectiva gestáltica, a possibilidade de aprender não é desencadeada pela correção ou controle do comportamento. Será o estudo da percepção que irá permitir a distinção de figura-fundo. C) Alternativa incorreta. Justificativa: na perspectiva piagetiana preconiza-se a aprendizagem a partir de processos de assimilação e acomodação de novos conteúdos à estrutura cognitiva do aluno, sendo o erro uma hipótese do aluno, que deve ser sinalizada pelo professor (e não enfatizada) para que o aluno possa reformulá-la. D) Alternativa incorreta. Justificativa: pela teoria rogeriana, a aprendizagem ocorre por meio da aceitação incondicional do professor pelo aluno, além do estabelecimento de uma relação empática e congruente, visando à autonomia (não heteronomia) pela afetividade e nunca utilizando meios punitivos. E) Alternativa incorreta. Justificativa: pela abordagem sócio-histórica, o papel dos mediadores é de fundamental importância para a aprendizagem, especialmente quando esses mediadores atuam na zona de desenvolvimento proximal do aluno podendo favorecer a internalização de novos conhecimentos. No entanto, essa mediação, não significa a correção do erro, mas a criação de situação que gerem processos de aprendizagem no aluno. Questão 2. (Enade 2005) Após discussão pela disputa de um brinquedo, uma das crianças fica quieta, senta-se próximo à casinha de bonecas e chora. A professora a observa sem intervir. Após alguns instantes, conversa com ela e depois a acompanha para que tome um copo d’água e lave o rosto, a fim de retomarem as atividades, incentivando-a a participar. A professora de Educação Infantil, que considera o sentimento como uma construção social e se preocupa em observar, escutar e aprender com a criança entende o choro como manifestação de medo, insegurança, raiva ou tristeza, sensações que: A) exigem a intervenção do professor para acalmar a ansiedade da criança. 148
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem B) provocam a agressividade entre as crianças e, portanto, devem ser impedidas. C) fazem sofrer e, por isso, devem ser evitadas ou reduzidas nas situações escolares. D) precisam ser estimuladas de modo a fortalecer a criança para enfrentar as situações de violência. E) necessitam ser vivenciadas pela criança da mesma forma que as relacionadas à alegria, à curiosidade e ao prazer. Resolução desta questão na plataforma.
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FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Figura 1 FILE0001912826764.JPG. Disponível em:
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Exercícios Unidade I – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2008: Pedagogia. Questão 15. Disponível em:
. o em: 2 jun. 2011. Unidade I – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2005: Pedagogia. Questão 18. Disponível em:
. o em: 2 jun. 2011. Unidade II – Questão 1 INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2010: Psicologia. Questão 27. Disponível em:
. o em: 2 jun. 2011. Unidade II – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2005: Pedagogia. Questão 22. Disponível em:
. o em: 2 jun. 2011. Apêndice Os artigos desta seção discutem questões do processo de aprendizagem a partir das contribuições de renomados psicólogos, educadores e outros especialistas. Neles, são tratados temas como a importância do jogo infantil, o desenho na pré-escola, o desenvolvimento da moral na criança e o trabalho com expressão corporal, e são discutidas concepções teóricas de Vygotsky, Piaget, Wallon, Freinet, entre outros. ANDRADE, E. T. Corpo e fantasia no processo do conhecimento. Série Ideias, n. 10, São Paulo: FDE, 1992. p. 110-121. BARBOZA, L. M. Reflexões sobre a prática. Série Ideias, n. 2, São Paulo: FDE, 1994. p. 66-68. BECKER, F. O que é construtivismo? Série Ideias, n. 20, São Paulo: FDE, 1994. p. 87-93. BRANCO, L. M. C. O desenvolvimento da moralidade na teoria de Jean Piaget. Série Ideias, n. 20, São Paulo: FDE, 1994. p. 63-73. 160
CAMPOS, L. M. L. A rotulação de alunos como portadores de “distúrbio ou dificuldades de aprendizagem”: uma questão a ser refletida. Série Ideias, n. 28, São Paulo: FDE, 1997. p. 125-140. DAVIS, C.; ESPÓSITO, Y. L. Algumas considerações sobre a teoria psicogenética na escola. Série Ideias, n. 8, São Paulo: FDE, 1998. p. 127-132. DE LA TAILLE, Y. A dimensão ética na obra de Jean Piaget. Série Ideias, n. 20, São Paulo: FDE, 1994. p. 75-82. DIAS, R. J. O cotidiano na pedagogia de Freinet. Série Ideias, n. 2, São Paulo: FDE, 1994. p. 69-78. DWORECKI, S. Criança: evitando a perda de sua capacidade de figurar. Série Ideias, n. 10, São Paulo: FDE, 1992. p. 67-71. FRANÇA, G. W. O papel do jogo na educação das crianças. Série Ideias, n. 7, São Paulo: FDE, 1995. p. 46-53. FRIEDMANN, A. Jogos tradicionais. Série Ideias, n. 7, São Paulo: FDE, 1995. p. 54-61. GALVÃO, I. Uma reflexão sobre o pensamento pedagógico de Henri Wallon. Série Ideias, n. 20, São Paulo: FDE, 1994. p. 33-39. ___. O desenho na pré-escola: o olhar e as expectativas do professor. Série Ideias n. 14. São Paulo: FDE, 1992. p. 53-61. KISHIMOTO, T. M. O brinquedo na educação: considerações históricas. Série Ideias, n. 7, São Paulo: FDE, 1995. p. 39-45. LEITE, L. B. As interações sociais na perspectiva piagetiana. Série Ideias, n. 20, São Paulo: FDE, 1994. p. 41-47. LIMA, E. C. A. S. A atividade da criança na idade pré-escolar. Série Ideias, n. 10, São Paulo: FDE, 1992. p. 17-23. ___. A utilização do jogo na pré-escola. Série Ideias, n. 10, São Paulo: FDE, 1992. p. 24-29. MACEDO, L. A perspectiva de Jean Piaget. Série Ideias, n. 2, São Paulo: FDE, 1994. p. 47-51. MARTINS. J. C. Vygotsky e o papel das interações sociais na sala de aula: reconhecer e desvendar o mundo. Série Ideias, n. 28, São Paulo: FDE, 1997. p. 111-122. MOURA, M. O. O jogo e a construção do conhecimento matemático. Série Ideias, n. 10, São Paulo: FDE, 1992. p. 45-52. 161
OLIVEIRA, M. K. Algumas contribuições da psicologia cognitiva. Série Ideias, n. 6, São Paulo: FDE, 1992. p. 47-51. OLIVEIRA, Z. M. R. L. S. Vygotsky: algumas ideias sobre o desenvolvimento e o jogo infantil. Série Ideias, n. 2, São Paulo: FDE, 1994. p. 43-46. RANGEL, L. P.; MOMMENSOHN, M. O corpo e o conhecimento: dança educativa. Série Ideias, n. 10, São Paulo: FDE, 1992. p. 99-109. SASS, O. Construtivismo e currículo. Série Ideias, n. 26, São Paulo: FDE, 1998. p. 87-103. SCARPA, E. M. O jogo, a construção e o erro: considerações sobre o desenvolvimento da linguagem na criança pré-escolar. Série Ideias, n. 10, São Paulo: FDE, 1992. p. 54-64.
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