O Espírito das Leis Montesquieu Advertência do autor "Virtude na república é o amor à pátria, ou seja, o amor a igualdade", virtude política, motor que move o governo republicano. [p. 3]
Prefácio "Não tirei meus princípios de meus preconceitos, e sim da natureza das coisas" [p. 5] "Numa época de ignorância, não existem dúvidas, mesmo quando se fazem os maiores males; numa época de luzes, treme-se ainda quando se fazem os maiores bens. Sentem-se os antigos abusos, vê-se a sua correção; mas veem-se também os abusos da própria correção. Deixa-se o mal, quando se teme o pior; deixa-se o bom, quando se está em dúvida sobre o melhor". [p. 6] Preconceito não é o que faz com que se ignore certas coisas, mas sim o que faz com que se ignore a si mesmo. [p. 7]
Primeira parte Livro Primeiro - Das leis em geral Cap. I - Das leis em sua relação com os diversos seres As leis, grosso modo, são "as relações necessárias que derivam da natureza das coisas" [p. 11], portanto, todos os seres têm suas leis. Seres inteligentes não podem ser consequência de um acaso, há uma razão primitiva, "e as leis são as relações que se encontram entre ela e os diferentes seres, e as relações destes diferentes seres entre si" [p. 11] Deus possui uma relação com o universo; as leis segundo às quais criou-o são aquelas pelas quais conserva-o, ele as fez porque possuem uma relação com sua sabedoria e sua potência. [p. 11] As regras da criação consistem numa relação constantemente estabelecida; "cada diversidade é uniformidade, cada mudança é constância". [p. 12] Os seres inteligentes possuem, além das leis que elaboram, leis que não elaboram. Antes de existirem seres inteligentes, eles eram possíveis, suas relações e leis eram possíveis; antes da existência de leis elaboradas as relações de justiça eram possíveis. Há, portanto, relações de equidade anteriores às leis positivas que as estabelece. “Os seres particulares inteligentes são limitados por sua natureza e, portanto, sujeitos ao erro; e por outro lado, é de sua natureza que eles atuem por si mesmos. Eles não obedecem, portanto, constantemente às suas leis primitivas; e aquelas mesmas leis que dão a si mesmos, não obedecem a elas sempre”. [p. 12] O homem como ser físico é governado por leis invariáveis, porém “como criatura sensível, torna-se sujeito a mil paixões. Tal ser poderia, a todo instante, esquecer-se de seu criador; Deus chamou-o a si com as leis da religião. Tal ser poderia, a todo instante, esquecer a si mesmo; os filósofos
advertiram-no com as leis da moral. Feito para viver na sociedade, poderia nela esquecer-se dos outros; os legisladores fizeram-no voltar a seus deveres com as leis políticas e civis”. [p. 13]
Cap. II – Das leis da natureza As leis da natureza são as anteriores a todas as outras, derivam da constituição de nosso ser; são as leis que o homem recebe antes do estabelecimento da sociedade. No estado de natureza, todos os homens “se sentem inferiores; no limite, cada um se sente igual aos outros. Não se procuraria atacar, e a paz seria a primeira lei natural”. [p. 14] A segunda lei natural é aquela que inspira o homem a procurar alimentação. Um temor recíproco, o prazer da aproximação de outro de sua espécie e a atração pelo sexo oposto, encorajariam os homens a se aproximarem; é esse “apelo natural que fazem um ao outro” a terceira lei natural. Por possuírem conhecimentos, os homens têm um segundo elo entre si; o desejo de viver em sociedade é a quarta lei natural.
Cap. III – Das leis positivas “Assim que os homens estão em sociedade, perdem o sentimento de sua fraqueza; a igualdade que existia entre eles finda, e o estado de guerra começa. Cada sociedade particular começa a sentir sua força; o que produz um estado de guerra de guerra de nação a nação. Os particulares em cada sociedade, começam a sentir sua força; procuram colocar a seu favor as principais vantagens desta sociedade; o que cria entre eles um estado de guerra”. [p. 15] Como consequência destes dois tipos de estados de guerra, estabelecem-se leis entre os homens: - Direito da Gentes; leis existentes na relação de diferentes povos; - Direito Político; homem considerado como membro de uma sociedade que deve ser mantida, são as leis existentes na relação entre os que governam e os governados; - Direito Civil; leis existentes nas relações de todos os cidadãos entre si. O direito das gentes é baseado em dois princípios: - Todas as nações “devem fazer umas às outras, na paz, o maior bem e, na guerra, o menor mal possível, sem prejudicar seus verdadeiros interesses”. - “O objetivo da guerra é a vitória; o da vitória, a conquista; o da conquista, a conservação”. [p. 15] Uma sociedade não subsiste sem um governo. A reunião de todas as forças particulares forma o Estado Político. A ideia de que, como consequência do poder paterno, o governo de um só é o mais conforme à natureza, não é correta; com a morte do pai, o poder dos irmãos, ou com a morte destes, o dos primos, tem relação com o poder de vários. “O poder político inclui necessariamente a união de
várias famílias”. “O governo mais conforme à natureza é aquele cuja disposição particular se relaciona melhor com a disposição do povo para o qual foi estabelecido” [p. 16] As forças particulares não podem se unir se não forem unidades suas vontades; a união destas vontades é o Estado Civil. “A lei em geral, é a razão humana, enquanto governa os povos da terra; e as lei políticas e civis de cada nação devem ser apenas casos particulares onde se aplica esta razão humana”. [p. 16] Essas leis devem ser próprias ao povo para o qual foram feitas; devem relacionar-se com a natureza e o princípio do governo estabelecido, ou a estabelecer-se. O “Espirito das Leis” são essas relações das leis entre si e com o que foi escrito.
Livro Segundo – Das leis que derivam diretamente da natureza do governo Cap. I – Da natureza dos três diversos governos Republicano – povo em seu conjunto, ou uma parte dele, possui o poder soberano; Monárquico – um só governo, por meio de leis fixas e estabelecidas; Despótico – um só governa, sem leis, impondo sua vontade por meio da força.
Cap. II – Do governo republicano e das leis relativas à democracia “Quando, na república, o povo em conjunto possui o poder soberano, trata-se de uma democracia. Quando o poder soberano está nas mãos de uma parte do povo, chama-se uma aristocracia”. [p. 19] Na democracia o povo é monarca com seus sufrágios, que são suas vontades; a vontade do soberano é o próprio soberano, portanto, as leis que estabelecem o sufrágio são fundamentais na democracia. O povo tem necessidade de ser conduzido por um conselho ou senado, os membros deste conselho ou senado devem ser eleitos pelo povo ou por algum magistrado estabelecido para elegê-los. O povo não é capaz de se autogerir, remedia-se isso dividindo o estado em classes e distribuindo de forma desigual o direito do sufrágio ou o direito de se eleger. A maneira de dar o sufrágio também é uma lei fundamental. “O sufrágio pelo sorteio é da natureza da democracia; o sufrágio pela escolha é da natureza da aristocracia”. Quando o povo dá seu sufrágio, este deve ser público, pois é preciso que a minoria seja “esclarecida pelos principais e contida pela gravidade de certas personalidades”. Sendo o objetivo do senado, na democracia, e do corpo de nobre, na aristocracia, quando são este ou aquele que dão o sufrágio, o impedimento do conluio, os sufrágios nunca serão secretos demais. “Outra lei fundamental da democracia é aquela que diz que somente o povo elabora as leis. Existem, no entanto, mil oportunidades nas quais é necessário que o senado possa legislar” [p. 23]
Cap. III – Das leis relativas à natureza da aristocracia O senado na aristocracia regulamenta as “questões sobre as quais o corpos dos nobres não seria capaz de decidir e prepare as questões sobre as quais ele decide”. “Em toda magistratura, deve-se compensar a grandeza de seu poder pela brevidade de sua duração”. [p. 25] “A melhor aristocracia é aquela na qual a parte do povo que não tem participação no poder é tão pequena e tão pobre, que a parte dominante não tem nenhum interesse em oprimi-la. [...] A mais imperfeita de todas é aquela na qual a parte do povo que obedece se encontra na escravidão civil daquela que manda”. [p. 25-26]
Cap. IV – Das leis em sua relação com a natureza do governo monárquico A natureza do governo monárquico constitui-se de poderes intermediários, subordinados e independentes, estes são canais médios por onde flui o poder político e civil, cuja fonte é o príncipe. Isto, pois, se num Estado apenas a vontade de um só prevalecer, nada será fixo, e nenhuma lei, fundamental. O poder intermediário subordinado mais natural é o da nobreza. “Assim como o poder do clero é perigoso numa república, ele é conveniente numa monarquia, principalmente naquelas que tendem para o despotismo”, pois servem de barreira ao poder do monarca. [?] É insuficiente a existência de grupos intermediários numa monarquia, é preciso um depósito das lei, este só pode estar em corpos políticos, que anunciam as leis, quando elaboradas e as lembram quando esquecidas. Em estados despóticos, em que não há leis fundamentais, também não há depósito das leis, daí que a religião ganha força nesses Estados, pois ela forma uma espécie de depósito e de permanência; se não for a religião, são os costumes que são venerados, neste caso, no lugar das leis. [p. 27-28] [quais são os corpos políticos em que se depositam as leis?]
Cap. V – Das leis relativas à natureza do Estado despótico É lei fundamental o estabelecimento de um único ministro para cuidar dos negócios do Estado.
Livro terceiro – Dos princípios dos três governos Cap. I – Diferença entre a natureza do governo e seu princípio A natureza de um governo é o que o faz ser como é, é sua estrutura particular; seu princípio é o que o faz agir, são as paixões humanas que o fazem mover-se.
Cap. III - Do princípio da democracia Para que um Estado popular se mantenha é necessário a Virtude. É necessário mais virtude num governo popular em que aquele que faz as leis sente que está à elas submetido. Quando num governo popular as leis tiverem cessado de ser executados, como isto só pode
resultar da corrupção da república, o Estado estará perdido.
Cap. IV - Do princípio da aristocracia Aqueles que devem executar leis contra os nobre sentirão que estão agindo contra eles mesmo, é preciso, então, ter virtude neste corpo. Na aristocracia os nobres formam um corpo que por interesse particular, reprime o povo, por meio de leis elaboradas; ao mesmo tempo em que não se reprime. Tal corpo só pode ser reprimido, ou por uma virtude mario, que coloca de alguma forma os nobres em igual posição ao povo, ou uma virtude menor, que torna os nobres desiguais enter si, promovendo a coservação desse corpo. Assim, a moderação é a alma destes governos.
Cap. V - A virtude não é o princípio do governo monárquico Nas monarquias "o Estado subsiste independentemente do amor à pátria", as leis ocupam o lugar da virtude. [p. 35]
Cap. VI - Como se substitui a virtude no governo monárquico A honra, ou, preconceito de cada pessoa e de cada condição toma o lugar da virtude política na monarquia.
Cap. VII - Da princípio da monarquia O governo monárquico pressupõe hierarquia; a natureza da honra é requerer preferências e distinções. A ambição dá vida a este governo e nele, ela não é perigosa, pois pode ser reprimida incessantemente.
Cap. VIII - A honra não é o princípio dis Estados despóticos Sendo todos os homens iguais e escravos, a honra não é o princípio deste Estado. Ela tem suas regras e leis e como depende de seu próprio capricho, ela não pode ser encontrada num Estado onde o déspota não tem regras e seus caprichos destroem todos os outros.
Cap. IX - Do princípio do governo despótico O imenso poder do príncipe a para aqueles aos quais o confia; pessoas capazes de se estimarem muito a si mesmas seriam capazes de promover revoluções; é preciso que o temor acabe com todas as coragens e sentimentos de ambição. Quando não pode destruir aqueles que possuem os primeiros lugares, o temor cessa, e o povo fica sem protetor; é preciso que o povo seja julgado por leis, e os grandes pela fantasia do príncipe.
Cap. X - Diferença entre a obediência nos governos moderados e nos governos despóticos
No Estado despótico, a natureza do governo requer extrema obediência; a vontade do príncipe, assim que conhecida, deve produzir efeito imediato; no despotismo "o homem é uma criatura que obedece a outra criatura que quer". [p. 39] Só há uma coisa que pode se opor ao príncipe: a religião. As leis dela são de um preceito superior, pois foram dadas acima do príncipe e de seu súditos. "Mas, quanto ao direito natural, não é a mesma coisa; supõe-se que o príncipe não seja mais um homem". [p. 39] Nos Estados monárquicos o poder é limitado pela honra, que reina como um monarca acima do príncipe e do povo. Mesmo que a maneira de obedecer seja diferente, o poder, nestes dois Estados, é o mesmo; "o monarca carrega e precipita a balança e é obedecido". [p. 40]
Livro quarto - As leis da educação devem ser relativas aos princípios do governo Cap. V - Da educação no governo republicano “É no governo republicano que se precisa de todo o poder da educação. O temor dos governos despóticos nasce espontaneamente entre as ameaças e os castigos; a honra das monarquias é favorecida pelas paixões e as favorece, por sua vez; mas a virtude política [amor às leis e à pátria] é uma renúncia a si mesmo”, ela exige “que se prefira continuamente o interesse público ao seu próprio interesse”. [p. 46] Este amor está ligado à democracia, única forma de governo em que este é confiado à cada cidadão, dessa forma, tudo depende da introdução deste amor na república, este é o papel da educação. Há também a transmissão de pai para filho deste amor; se esta transmissão não acontece, “é porque o que foi feito em casa foi destruído pelas impressões de fora. Não é a nova geração que degenera; ela só se perde quando os adultos já estão corrompidos”. [p. 46]
Livro quinto - As leis que o legislador cria devem ser relativas ao princípio de governo Cap. I – Ideia deste livro As leis que o legislador dá a uma sociedade devem ser relativas ao princípio de cada governo; esta relação fortifica o governo e o princípio deste.
Cap. II – Que é a virtude num Estado político A virtude é um sentimento, não uma série de conhecimentos, podendo, assim, o último homem do Estado possuí-la. “Uma vez que o povo possui boas máximas, ele as guarda por mais tempo do que o que chamamos os homens de bem. É raro que a corrupção comece com ele”. [p. 53] “O amor à pátria leva à bondade dos costumes, a bondade dos costumes leva ao amor à pátria. Quanto menos conseguimos satisfazer nossas paixões particulares, mais nos entregamos às gerais”.
Cap. III – Que é o amor à república na democracia
“O amor à república, numa democracia, é o amor à democracia; o amor à democracia é o amor à igualdade”; é também o amor à frugalidade. A igualdade numa democracia constitui-se no dever de todos, igualmente, prestar algum serviço à pátria. “O amor à frugalidade limita o desejo de possuir ao cuidado que requer o necessário para sua família e para si mesmo, e até mesmo o supérfluo para sua pátria. [...] Assim, as boas democracias, ao estabelecerem a frugalidade doméstica, abriram a porta para os gasto públicos”. [p. 54]
Cap. IV – Como se inspira o amor à igualdade e à frugalidade “Para que se ame a igualdade e frugalidade numa república, é preciso que as leis as tenham estabelecido”. [p. 55]
Cap. V – Como as leis estabelecem a igualdade na democracia Dividir igualmente as terras e criar leis que possam manter esta divisão; devem ser regulados os dotes das mulheres, as doações, as sucessões, os testamentos etc. “Ainda que na democracia a igualdade real seja a alma do Estado, ela é, no entanto, tão difícil de ser estabelecida que uma extrema exatidão neste sentido nem sempre seria conveniente. Basta que se estabeleça um censo que reduza ou que fixe as diferenças num certo ponto; depois é função das leis particulares igualar, por assim dizer, as desigualdades, com os encargos que impõem aos ricos e com o alívio que dão aos pobres”. [p. 58] “Toda desigualdade na democracia deve ser tirada da natureza da democracia e do próprio princípio da igualdade”. [?]
Cap. VI – Como devem as leis manter a frugalidade na democracia “Não basta que numa democracia as porções de terra sejam iguais, elas devem ser pequenas [...]. Assim como a igualdade das riquezas mantém a frugalidade, a frugalidade mantém a igualdade das riquezas”. [p. 58] Numa república comerciante “o espírito do comércio traz consigo o espírito de frugalidade, de economia, de moderação, de trabalho, de sabedoria, de tranquilidade, de ordem e de regra. Assim, enquanto subsiste este espírito, as riquezas que ele produz não têm nenhum mau efeito. O mal acontece quando o excesso de riquezas destrói este espírito de comércio”. Para manter o espírito do comércio é preciso que os cidadãos principais o pratiquem; é necessário que as leis os favoreçam e que estas mesmas leis, dividindo as fortunas, proporcionem a cada cidadão pobre um conforto razoável para que possa trabalhar como os outros, e a cada cidadão rico uma tal mediocridade, que ele precise de seu trabalho para conservar ou adquirir. [p. 59] Neste ripo de república, é boa a lei que dá a todos os filhos igual parte da herança do pai, pois, assim, os filhos sempre serão menos ricos que o pai e são levados a fugir do luxo e a trabalhar como ele.
Cap. VII – Outros meios de favorecer o princípio da democracia
Se percebemos, numa democracia, que a divisão igual das terras, que deveria garantir os costumes, não convém, devemos recorrer a outros meios; se estabelecemos um corpo fixo que seja por si mesmo a regra dos costumes, este corpo inspirara sentimentos que serão levados para o seio das famílias. É necessário que este corpo seja ligado às instituições antigas e faça com que o povo e o magistrado nunca se afastem dela. “Povos corrompidos raramente realizam grandes coisas, já que não estabeleceram sociedades ou fundaram cidades ou criaram leis, e como, pelo contrário, aqueles que tinham costumes simples e austeros realizaram a maioria dos estabelecimentos, lembrar aos homens as antigas máximas significa, normalmente, devolvê-los à virtude. Se houve alguma revolução e se se tiver dado ao Estado uma nova forma, tal coisa só pôde realizar-se com penas e trabalhos infinitos”, e os mesmos que a fizeram, só a mantiveram por meio de boas leis. [p. 60] “Numa senado feito para ser a regra e, por assim dizer, o depósito dos costumes, os senadores devem ser eleitos de modo vitalício; num senado feito para preparar os negócios, os senadores podem mudar”. [p. 61] “Nada preserva melhor os costumes do que uma extrema subordinação dos jovens em relação ao velhos. Uns e outros serão contidos, aqueles pelo respeito que terão pelos velhos, estes pelo respeito que terão por si mesmos”. [p. 61] Numa república não existe uma força repressiva como nos outros governos, isto é corrigido pela autoridade paterna, muito útil para preservar os costumes.
Cap. VIII – Como as leis devem estar relacionadas com o princípio do governo na aristocracia Num Estado onde as fortunas dos homens são muito desiguais, é preciso que as leis tendam a promover um espírito de moderação que ocupa o lugar da igualdade numa aristocracia; o espírito de moderação é a virtude da aristocracia. "Os privilégios devem ser para o senado, e o simples respeito para os senadores". [p. 62] São duas as fontes principais de desordem no Estado aristocrático: a desigualdade extrema entre os que governam e os que são governados ["quando os privilégiosdos principais só são honrosos porque são vergonhosos para o povo"] e a mesma desigualdade entre os diferentes membro do corpo que governa. [p. 63] "As distribuições feitas ao povo numa democracia têm tantos efeitos perniciosos quanto bons efeitos têm no governo aristocrático. As primeiras fazem com que se perca o espírito de cidadania, as segundas levam a ele". [p. 63] "Numa aristocracia onde os nobres cobrassem os tributos, todos os particulares estariam sujeitos aos homens de negócios; não existiria tribunal superior que os corrigisse. Aqueles indicados para coibir os abusos prefeririam aproveitar-se deles". [p. 64] Os lucros da tributação seriam encarados comoum patrimônio que a avareza aumentaria à sua fantasia. "É preciso que as leis lhes proíbam também o comércio: mercadores tão bem colocados fariam todo tipo de monopólio. O comércio é a profissão das pessoas iguais". [p. 64] As leis devem mortificar o orgulho da dominação; é necessário que haja um magistrato que faça os nobres tremerem, que não estejam submetidos a nenhuma formalidade. "Este governo precisa de forças bastante violentas". [p. 64] "As leis devem suprimir o direito do primogênito entre os nobres, para que, pela divisão contínua de sucessões, as fortunas sempre voltem à igualdade". [p. 65]
Cap. IX - Como as leis são relativas a seu princípio na monarquia As leis devem relacionar-se com a honra numa monarquia, elas devem trabalhar para sustentar a nobreza de quem a honra é filho e pai. "É preciso que a leis favoreçam todo o comércio que a constituição deste governo pode promover [e que só o permita ao povo]; para que os súditos possam, sem definhar, satisfazer às necessidades sempre novas do príncipe e de sua corte". [p. 66] "É preciso que as leis coloquem certa ordem na forma de se levantarem tributos, para que esta não se torne mais pesada doque os próprios encargos". [p. 67]
Cap. X - Da presteza de execução na monarquia Os negócios, conduzidos por um só, são executados com mais presteza; mas esta presteza, para não se degenerar em pressa, deve ser retardada pelas leis.
Cap. XI - Da excelência do governo monárquico "Sendo de sua natureza que haja sob o príncipe várias ordens que dependem do regime,o Estado é mais fixo, o regime mais inabalável, a pessoa de quem governa mais garantida". [p. 68]
Cap. XIII - Ideia do despotismo "Quando os selvagens da Luisiana querem ter frutas, cortam a árvore e apanham a fruta. Eis o governo despótico". [p. 69]
Cap. XIV - Como as leis são relativas ao princípio do governo despótico O princípe é as leis e o Estado, a conservação deste resume-se a conservação daquele. "Tudo se reduz a conciliar o governo político e civil com o governo doméstico, os oficiais do Estado com os do serralho". [p. 71] O princípio deste governo é o temor, e seu objetivo é a tranquilidade, não a paz, mas o silêncio. "Sendo que a força não se encontra no Estado, mas no exércitoque o fundou, seria necessário, para defender o Estado, conservar este exército; mas ele é formidável demais para o príncipe. Então, como conciliar a segurança do Estado com a segurança de sua pessoa?" [p. 71] "Em Estados donde não há leis fundamentais, a sucessão do império não poderia ser fixa. [...] O sucessor é declarado pelo próprio príncipe, ou por seus ministros, ou por uma guerra civil. Assim, este Estado possui uma razão de dissolução a mais do que uma monarquia". [p. 72] A razão pela qual muitos povos se encontram submetidos à um governo despótico é que este, diferente de um governo moderado, só precisa de paixões para ser estabelecido.
Cap. XV - Continuação do mesmo assunto São nos climas quentes, em que as paixões aparecem mais cedo nos homens, onde o despotismo normalmente reina. Neste Estado não é possível a "cessão dos bens" [?], já que ninguém tem sua riqueza garantida, empresta-se mais à pessoas do que aos bens. "A pobreza e a incerteza dasfortunas, nos Estados despóticos, tornam natural a usura; todos aumentam o preço de seu dinheiro na proporção do risco que existe em emprestá-lo. Logo, a miséria vem de todos os lugares nestes países infelizes; tudo é suprimido, até o recurso aos empréstimos". [p. 75] Um mercador não poderia fazer um grande comércio por conta dos altos juros que pagaria; as leis do comércio quese não existem; reduzem-se à simples polícia. O governo precisa de mãos que pratiquem suas injustiças, é impossível que estas mão não trabalhem para si mesmas, assim, o peculato é natural nos Estados despóticos.
Cap. XVI - Da comunicação do poder "No governo despótico, o poder a por inteiro para as mãos daquele a quem foi dado", diferentemente do governo monárquico em que o poder se aplica menos imediatamente; quando é exercido, é moderado pelo monarca, de certa forma que, este, nunca dá uma parte sem que tenha ficado com outra maior. [relação príncipe e intermediários] "No despotismo, onde a lei não é nada além da vontade do príncipe, ainda que o príncipe fosse sábio, como um magistrado poderia seguir uma contade que não conhece? Deve seguir a sua própria. [...] Enfim, sendo que a lei é a vontade momentânea do príncipe, é necessário que os que querem por ele queiram subitamente como ele". [. 76-77]
Cap. XVII - Dos presentes "É um costume, nos países despóticos, não nos dirigirmos a ninguém acima de nós sem lhe darmos um presente, nem mesmo os reis. [...] Assim deve ser num governo onde ninguém é cidadão; num governo convencido da idéia de que o superior não deve nada ao inferior". [p. 77] "No Estado despóticos, onde não há nem honra nem virtude, só pode estar determinado a agir na esperança das comodidades da vida". [p. 77]
Cap. XVIII - Das recompensas que o soberano dá "Nos governos despóticos onde, como dissemos, só se é determinado a agir pela esperança das comodidades da vida, o príncipe que recompensa só pode dar dinheiro. Numa monarquia, onde a honra reina só, o príncipe só recompensaria com distinções, se as distinções que a honra estabelece não estivessem acompanhadas por um luxo que provoca obrigatoriamente necessidades: assim, o príncipe recompensa com honras que levam à riqueza. Mas numa república onde reina a cirtude, motivo que é suficiente e exclui todos os outros, o Estado só recompensa com os testemunhos desta virtude". [p. 78]
Cap. XIX - Novas consequências dos princípios dos três governos
"Devem as leis forçar um cidadão a aceitar os empregos públicos?" - Numa república sim, pois, nesta, as magistraturas são testemunhos de virtude, depósitos que a pátria confia a um cidadão. Numa monarquia, por serem as magistraturas testemunhas de honra, e esta aceitar apenas aquio que lhe agrada, não se deve forçar a aceitar o emprego público. "Um cidadão pode ser obrigado a aceitar, no exército, um lugar inferior àquele que ocupou?" - Nas repúblicas, a virtude exige que nos sacrifiquemos pelo Estado; nas monarquias, a honra não tolera aquilo que chama de degradação; nos governos despóticos, "faz-se indiferentemente de um príncipe um grosseirão, e de um grosseirão um príncipe". "Dar-se-ão a uma mesma pessoa os empregos civis e militares?" - "Pega-se em armas, na república, somente na qualidade de defensor das leis e da pátria; é por ser cidadão que um homem se torna, por certo tempo, soldado. [...] Nas monarquias, os militares só têm como objetivo a glória, ou pelo menos a honra ou a riqueza. Deve-se evitar dar empregos civis a tais homens; é preciso, pelo contrário, que sejam contidos pelos magistrados civis e que as mesmas pessoas não tenham ao mesmo tempo a confiança do povo e a força para dele abusar". "É conveniente que os cargos sejam venais?" - "Não devem sê-lo nos Estados despóticos, onde é preciso que os súditos sejam colocados ou retirados num instante pelo príncipe". A venalidade é boa nos Estados monárquicos "porque faz que se faça [...] o que não se faria em nome da virtude; porque destina cada um a seu dever e torna as ordens do Estado mais permanentes. [...] A maneira de progredir pelas riquezas inspira e mantém a indústria, coisa de que este tipo de governo precisa bastante". "Em que governo se precisa de censores?" - Na república cujo princípio é a virtude, os censores são necessários para impedir com que maus exemplos, sementes de corrupções, negligencias e indolências, que não fere nem destrói as leis, mas as desvia e enfraquece, devem ser punidos pelos censores. Por ter por base a honra, nas monarquias os censores não são necessários, pois ela tem como censor todo o universo
Livro oitavo – Da corrupção dos princípios dos três governos Cap. I – Ideia geral deste livro “A corrupção de cada governo começa quase sempre pela corrupção de seus princípios”. [p. 121]
Cap. II – Da corrupção do princípio da democracia “O princípio da democracia corrompe-se não somente quando se perde o espírito de igualdade, mas também quando se adquire o espírito de igualdade extremo e cada um quer ser igual àqueles que escolheu para comandá-lo. A partir deste momento, o povo, não podendo ar o próprio poder que delegou, quer fazer tudo sozinho, deliberar pelo senado, executar pelos magistrados e despojar todos os juízes”. Não havendo, então, respeito aos senadores e magistrados, e consequentemente, os mais velhos, não haverá mais respeito aos costumes, e assim, à pátria. Por fim a virtude acaba. O que causa essa vontade [?] no povo é a tentativa feita por aqueles que o governa de esconder a sua corrupção; corrompem o povo. Para que este não perceba sua ambição, só falam das grandezas do povo para o mesmo. “A democracia deve evitar dois excessos: o espírito de desigualdade, que leva à aristocracia, ou ao governo de um só; e o espírito de igualdade extrema, que a leva ao despotismo de um só, assim como o despotismo de um só termina com a conquista”. [p. 122-123]
Cap. III – Do espírito da igualdade extrema O espírito de igualdade consiste em obedecer e comandar seus iguais, e só ter iguais como senhores. “No estado de natureza, os homens nascem realmente na igualdade; mas não poderiam nela permanecer. A sociedade faz com que a percam, e eles só voltam a ser iguais graças às leis”. [p. 123] “A diferença entre a democracia regrada e a que não o é é que, na primeira, só se é igual enquanto cidadão, e que. na outra, se é igual também enquanto magistrado, enquanto senador, enquanto juiz, enquanto pai, enquanto marido, enquanto senhor”.
Cap. IV – Causa particular da corrupção do povo “Os grandes sucessos, principalmente aqueles para os quais o povo contribui muito, dão-lhe tal orgulho que não é mais possível conduzi-lo. Com inveja de seus magistrados, ele logo se torna invejoso da magistratura; inimigo dos que o governam, logo o é da constituição”. [p. 124]
Cap. V – Da corrupção do princípio da aristocracia “A aristocracia corrompe-se quando o poder dos nobres torna-se arbitrário; não pode mais haver virtude nos que governam nem naqueles que são governados”. [p. 124] Quando os nobres não observam as leis, eles não estão mais atados por elas; o Estado é despótico e tem vários déspotas. A república se mantém entre os nobres, ela está no corpo que governa e o Estado despótico está no corpo que é governado. “Uma aristocracia pode manter a força de seu princípio se as leis forem tais que mostrem mais aos nobres os perigos e fadigas do comando do que suas delícias; e se o Estado estiver em tal situação que tenha algo a temer; e se a segurança vier de dentro, e a incerteza de fora”. [p. 125]
Cap. VI – Da corrupção do princípio da monarquia “As monarquias corrompem-se quando se suprimem pouco a pouco as prerrogativas dos corpos ou os privilégios das cidades. No primeiro caso, vai-se em direção ao despotismo de todos; no outro, ao despotismo de um só”. [p. 125] “A monarquia se perde quando um príncipe acha que demonstra melhor seu poder mudando a ordem das coisas do que seguindo-a; quando retira as funções naturais de uns para dá-las arbitrariamente a outros e quando está mais apaixonado por suas fantasias do que por suas vontades”. [p. 126]
Cap. VIII – Perigo da corrupção do princípio do governo monárquico “O inconveniente não ocorre quando o Estado a de um governo moderado para outro governo moderado [...] e sim quando cai e é lançado do governo moderado para o despotismo”. [p. 127]
Cap. X - Da corrupção do princípio do governo despótico "O princípio do governo despótico corrompe-se incessantemente, porque ele é corrupto por natureza." [p. 128] Ele se mantém quando circunstâncias exteriores o obrigaram a seguir certa ordem ou regra; essas coisas forçam sua natureza sem transformá-la.
Cap. XI - Efeitos naturais da excelência e da corrupção dos princípios "Uma vez que os princípios do governo foram corrompidos, as melhores leis tornam-se más e se voltam contra o Estado". [p. 128]
Cap. XII - Continuaçãodo mesmo assunto "Quando uma república está corrompida, só se pode remediar aos males que nascem extirpando a corrupção e trazendo de volta os princípios". [p. 129]
Cap. XIII - Efeito do juramento num povo virtuoso "Roma era um navio mantido por duas âncoras na tempestade: a religião e os costumes". [p. 131]
Cap. XVI - Propriedades distintivas de uma república "É da natureza da república que ela só possua um pequeno território"; do contrário, a grandeza das fortunas causaria a pouca moderação dos espíritos; os interesses particularizariam-se; o bem comum seria sacrificado por milconsiderações, excessões, acidentes. "Numa república pequena, o bem comum é mais bem sentido, mais bem conhecido, mais próximo de cada cidadão; os abusos são menores e, consequentemente,menos protegidos". [p. 132] O espírito da monarquia é mais voltado para o crescimento. "É difícil que qualquer outro governo que não o republicano possa subsistir numa só cidade"; um princípe de um Estado pequeno procuraria oprimir o povo em busca de meios [escassos] para usufruir de seu grande poder; uma força estrangeira ou doméstica poderia ir contra o príncipe, com uma só cidade, o processo de tomada acaba, se ele possuir várias cidades, apenas inicia. [p. 132133]
Cap. XVII - Propriedades distintivas da monarquia Um Estado monárquico deve ter um tamanho médio; se muito pequeno, formar-se-ia uma república; se muito extenso, "os principais do Estado, grandes por si mesmos, não estando sob a vigilância do príncipe [...] poderiam parar de obedecer; eles não temeriam um castigo lento e distante demais". [p. 133] Os grandes impérios foram divididos com a morte de seus fundadores [ou conseguintes], pelas causas ditasacima; isso poderia ser remediado por um poder sem limites, o despotismo.
Cap. XIX - Propriedades distintivas do governo despótico "um grande império supõe uma autoridade despótica naquele que governa. É preciso que a rapidez das resoluções supra a distância dos lugares para onde foram levadas; que o temor impeça a negligência do governador ou de um magistrado distante; que a lei esteja numa só cabeça e mude incessantemente, como os acidentes, que sempre se multiplicam no Estado, na proporção de sua grandeza". [p. 134]
Cap. XX - Consequência dos capítulos anteriores “Para conservar os princípios do governo estabelecido, é preciso manter o Estado na grandeza que já possuía, e que este Estado mude seu espírito, na medida em que se estreitarem ou aumentarem seus limites”. [p. 134-135]
Cap. XXI – Do império da China Circunstâncias particulares [condições climáticas, físicas do território] impedem com que o governo da China seja tão corrupto quanto deveria ser. O clima na China favorece a propagação do homem; o crescimento populacional é grande; a fome do povo força-o à se dispersar para procurar subsistência, formam-se bandos de ladrões, alguns destes são exterminados, outros aumentam e fazem fortuna; estes podem se fortificar e por um membro no trono. A desordem tem por causa a falta de alimentos, o povo, que só cresce, precisa de trabalhar para se sustentar; para isto é necessário que possam trabalhar sem medo, o que demanda atenção do governo. Ele dever ser menos civil do que um governo doméstico.