Sidney·Lwnet
FAZENDO FILMES • Tradução de LUIZ ORLANDO LEMOS
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Rio de Janeiro - 1998
lJftllo Cll'iJinlll MAKJNG MOVIES
Copyrllltt C 1995 by Amjen Enc.rtaiamant ~ pobliclda CCIIII I 'UIPinç:lo da Allral A. Knclpl', lac..
Direia ...- • Unpa P"""IMD reaervados - axdulividade,... o EDITOllA JlOCCO LlDA.. ba Rodrii!O SiM, 26- ~ Ilidir 20011-040 - JUo de Janeiro -lU Tà.: S07-2000- FlllC 507·2244
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Sincticalo Nar:ional doa EdiiUI'IS ckl.ivro~, lJ L9lll
LUIIId, SiciDcr F.-do filmM I SHmq Llnct : tmduçlo da Luh ~
1..cmoe.- JUo de Juro : ~tocco. 1991 • - (Artemldia)
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Tmduçlo de: MlkiDI ~ iDduí IIIIIJOI"'fie ISBN I..S-325~2--4 1. Ci-.- ~ edirt~Çio - Mlaulil, piai-. Cã.u-~dc--)Mmais.plll:. L T11alo.
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SUMÁRIO
• Prefácio ................................................................................. .
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1 - O DIRETOR; O melhor trabalho do mundo ................. . 11 2 - O ROTEIRO: Os escritores serlo necessários? ............ . 33 3- ESTILO: A palavra mais impropriamente usada depois de amor .............................. - .............................. . 52 4 - ATORES: Um ator pode realmente ser tímido? ............ 61 S - A CÂMERA: Sua melhor amiga ................................... 75 . 6 - DIREÇÃO DE ARTE E FIGURINO: Faye Dunaway manda mesmo apertar a saia em dezesseis lugares
diferentes? .................................................................... .. 92 1- RODANDO O FILME: Afinal! ..................................... 101 8 - COPIOES: A agonia e o êxtase ................................... .. 130
9 - A SALA DE MONTAGEM: Sozinho afinal ............... .. 1O- O SOM DA MÚSICA: O som do som .......................... 11 - A MIXAGEM: A única parte monótona da feitura do filme ............................................................. . 12- A PRIMEfRA CÓPIA: Vem ai o bebê .......................... 13- O ESTÚDIO: Tudo para isto? ...................................... .
140 160 175 181 185
Filmes dirigidos por Sidney Lumet ....................................... 204
PREFÁCIO
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Certa vez perguntei a Akira Kurosawa por que decidira fazer uma tomada em Ran de determinada maneira A resposta foi que se tivesse colocado a câmera uma polegada para a esquerda, a fábrica da Sony apareceria na tomada, e se colocasse a câmera uma polegada para a d.ireita veríamos o aeroporto - nenhuma das duas paisagens cabia num filme de época. Somente a pessoa que fez o filine sabe o que pesa nas decisões que resultam em qualquer obra concluída. Pode ser qualquer coisa, de exigências do orçamento à inspiração divina. Este 6 um livro sobre o trabalho implicito na realiza.çio de fiJmes. Como a resposta de Kurosawa enunciou a verdade pura e simples, a maioria dos filmes que abordarei neste livro são filmes que eu dirigi. Nestes, pelo menos, sei exatamente o que pesou em cada decisão criativa. Não existe maneira certa ou errada de dirigir um filme. O meu objetivo 6 contar como eu trabalho. Aos estudantes digo que peguem tudo; peguem o que quiserem e joguem fora o resto; ou joguem tudo fora. Para alguns leitores, talvez isto possa compensar as vezes em que uma equipe cinematográfica os deixou presos no trânsito ou ou a noite toda filmando em seu bairro. Nós sabemos realmente o que estamos fazendo: só que parece que não sabemos. Um trabalho sério está em andamento mesmo quando parece que estamos apenas em pé por ali. Para as demais pessoas, tentarei contar da melhor forma possível como os filmes slo feitos. É um processo técnico e emocional complexo. É arte. É comércio. É doloroso e é divertido. É um excelente modo de viver.
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FAZENDO FILMES
Um aviso sobre o que vocês não encootrarlo no livro. Nlo há revelações pessoais além dos sentimentos que surgem do próprio trabalho - nlo bá fofocas sobre Sean Connery ou Marlon Brando. Geralmente adoro as pessoas com quem trabalhei no que 6 um processo necessariamente íntimo. Portanto, ~ito suas fraquezas e idiossincrasias, assim como tenho certeza de que elas respeitam
1 - O DIRETOR: O MELHOR TRABALHO DO MUNDO
as minhas. Finalmente, devo pedir uma indulgência ao leitor. Quando comecei a fazer filmes., as únicas chances de trabalho para mulheres na equipe técnica eram como continuístas e no departamento de montagem. Daf que eu ainda penso nas equipes tknicas como masculinas. E de fato elas ainda o são predominantemente. Adquiri portanto o hábito de usar pronomes masculinos. A palavra ..actress [atrizr' ou "authoress [autora]" sempre me soou como uma condescendBncia. "Doctor (médico/a]" é "doctor", certo? Por isso sempre me refiro a ••aotors [atores e "writers [escritores]". independentemente de seu sexo. Assim, muitos filmes que fiz envolveram a polfcia antes que as mulheres desempenhassem qualquer papel importante na força policial; portanto, meus elencos foram dominados por homens. Afinal, meu primeiro filme chamou-se Doze homens e uma sentença. Naquela época, as mulheres podiam ser dispensadas do júri simplesmente porque eram mulberes. Os pronomes masculinos que eu uso referem-se sempre a homens e mulheres. A maioria das pessoas que trabalham atualmente no cinema criou-se num mundo mais equilibrado do que o meu. Espero que essas induJg!ncias não tenham de ser pedidas novamente.
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• A entrada da Ukrainian NationaJ Home fica na Segunda Avenida, entre as ruas Oito e Nove, na cidade de Nova York.. Há um restaurante no t6rreo. O aroma de plerogi, borschl, sopa de cevada e de cebola me assalta assim que entro ali. O cheiro é forte mas agradável, até convidativo, especialmente no inverno. Os banheiros ficam embaixo, invariavelmente tresandando a desinfetante, urina e cerveja. Subo um lance de escada e entro no gigantesco salão do tamanho de uma quadra de basquete. Tem luzes coloridas, o inevitável globo espelhado giratório e um baleio ao longo de uma parede, atrás do qual há amplificadores de som em seus estojos, caixas de papelão vazias. caixas de sacos plásticos para lixo. Copos com gelo também slo vendidos aqui. Pilhas d.e cadeiras e mesas dobráveis se amontoam junto às paredes. Este é o sallo de baHe da Ukrainian National Home, onde danças ruidosas acompanhadas por acordeão se realizam nas noites de sexta e sábado. Antes do fun da URSS havia aqui pelo menos duas reuniões por semana do "Libertem a Ucrânia". O salão é alugado sempre que posslvel. E agora nós o alugamos por duas semanas para ensaiar um filme. Ensaiei oito ou nove filmes aqui. Não sei porque gosto deste, mas os salões de ensaio são sempre um pouco sujos e malcheirosos. Dois assistentes de produção estão à minha espera um pouco nervosos. Ligaram a máquina de caf6. Numa caixa de plástico, entre cubos de gelo, estio jarras de sucos (frescos), leite e iogurte. Numa bandeja, bagels, plozinhos dooes, bolo de café, fatias de um maravilhoso pão de centeio do restaurante lá de baixo. Manteiga
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(batida.e em pacote) e requeijão estão esperando, com as faquinhas de plástico ao lado. Outra bandeja tem açúcar, Eq~ Sweet'n Low, mel, saquinhos de chá, chás de ervas (todos os tipos imagináveis}, ljmão, Redoxon (em caso de alguém apresentar os primeiros sintomas de um resfriado). Até àqui tudo bem. É claro que os assistentes de produção arrumaram as duas mesas de ensaio do modo errado. Emendaram uma na outra, de modo que as cerca de doze pessoas que estarlo aqui em meia hora terão de sentar ao comprido como se estivessem num vagão do metrô. Fiz com que colocassem as mesas lado a lado,juntando todos o mais possível. Lápis recém·apontados foram postos diante de cadacadeira.Eumanovacópiad<>roteiro.Emboraosatorestenham recebido o roteiro há semanas é impressionante a freqüência com qu~ o esquecem no primeiro dia Gosto de contar com o m~or número possível de pessoas da produção na primeira leitura. Já estio presentes o designer de produçlo, o figurinista, o segundo assistente de diretor, o estagiário (um aprendiz) da Directors Gujld ofAmerica (DGA), a continuist:a, o montador e o câmera, se não estiver fora realizando testes nas locações. Assim que as mesas estão nos lugares., eles caem em cima de mim - todos eles. Plantas baixas sio desenroladas. Amostras de tecido. Fotos de Polaroid de um Thunderbird vermelho ano 86 e de um Thunderbird preto ano 86. Qual deles eu quero? Ainda não temos a licenya para o bar na Rua Dez com Avenida A. O sujeito quer muito dinheiro. Há outra locação que funcione tio bem? Não. O que ~evo fazer? Pagar o que ele pede. Truffauttem um momento em seu Noite Americana que toca o coração de todo diretor. Ele acabou um dia dificil de filmagem . Está saindo dosei. A equipe de produção o cerca, enchendo.o de perguntas sobre o trabalho do dia seguinte. Ele pára, olha para o céu e grita: "Perguntas! Perguntas! Tantas perguntas que eu não tenho tempo para pensar!" Aos poucos os atores vão chegando. Uma falsa jovialidade esconde o nervosismo deles. Soube da última sobre... Sidney, estou tio contente por estarmos trabalhandojuntos novamente... abraços, beijos. Eu mesmo sou um grande beijoqueiro, gosto de tocar as ~~ ~soas e de abraçá-las, mas não sou um apalpador. Chega o
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produtor. Geralmente é ele o apalpador. Seu objetivo esta manhã é insinuar-se, particularmente junto a estrelas e astros. Agora·uma grande expfosão de risos vem lá de baixo. Um dos astros chegou. O astro também está se insinuando, mostrando como é um cara legal. Às vezes há um entowage. Primeiro, uma seéretá· ria Isto é desanimador, pois significa que de dez em dez minutos a secretária vai lhe levar oito recados tão urgentes que o astro estará no telefone âo invés de ficar descansando ou estudando o roteiro. Em segundo lugar, a pessoa que maquiJa o astro. A maioria dos astros tem direito contra:rua1 a um maquilador/a. Em terceiro lugar, um guarda-costas (seja necessário ou não). Em quarto lugar, um amigo que sairá logo. Efinalmente há o motorista sindicalizado. Ele ganha um piso de cerca de novecentos por semana mais hora extra. E há muita hora extra, já que os astros em sua maioria são os primeiros a ser chamados pela manhã e são o~ últimos a sair à noite. O motorista não tem coisa alguma a fazer desde o momento em que traz o astro para os ensaios até a hora de apanhá-lo à noite afunde levá·lo para casa. Então a primeira coisa que o motorista faz é partir para a máquina de café. Experimenta um pedaço do bolo de café, depois um pãozinho doce. Um copo de suco de laranja para empurrar o café, e depois um bage/ com muita manteiga para tirar o gosto do pãozinho. Um pouco de salada de ovos, uma fruta, e finalmente ele desce a escada na ponta dos pés novamente, para fazer seja o que for que os motoristas sindicalizados fazem o dia todo. Não é todo astro que tem um entourage. Sean Connery sobe a escada de dois em dois degraus, .cumprimenta todos rapidamente depois se joga na cadeira, abre seu roteiro e começa a estudar. Paul Newman sobe a escada lentamente, o peso do mundo sobre seus ombros, põecolírionosolhosefazumapiadaruim.Depoisabreseu roteiro e começa a estudar. Não sei como ele se arranja sem uma . secretária. Paul leva uma das vidas mais generosas e dignas que eu já conheci. Contando seu merchandising de pipoca, molho de salada e outros, tudo para as organizações filantrópicas que ele criou e que atendem a pessoas relegadas por outras instituições,
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paranio falarem seu trabalho no cinema, seus dias são lotados. Mas ele faz tudo isso e nunca parece pressionado. A pessoa encarregada da publicidade também está lá. Os publicitários são irritantes, mas a vida deles não é fácil. Os atores os odeiam porque estão sempre pedindo uma entrevista no dia em que o ator tem de filmar sua cena mais dificil; o estúdio deixa sempre bem claro que o que eles enviam para a Costa Oeste é uma porcaria e inútil; as pessoas que cuidam da publicidade pessoal do astro, guardando com muito ciúme sua fatia, querem que todas as solicitações em por elas; e todos nós sabemos que nada que os publicitários façam agora importa, já que o filme não vai ser lançado antes de pelo menos nove meses e qualquer foto que apareça no Daily News terá sido esquecida- e o nome do filme terá sido trocado. Geralmente o último a chegar é o roteitista. Ele é o último porque sabe que neste ponto ele é o alvo. Neste ponto, qualquer coisa errada só pode serculpadele,jáque ainda não aconteceu coisa alguma. Por isso ele vai devagar até a mesa do café, enche a boca de pllozinho para não poder responder às perguntas e tenta se tomar tão pequeno quanto possível. O diretor assistente está tentando marcar os últimos exames médicos para a companhia de seguros (os principais componentes do elenco estão sempre segurados). E eu fico fingindo que estou ouvindo a todos, com um falso sorriso amistoso na cara, esperando apenas que o ponteiro dos minutos assinale o início da hora para que possamos começaraquiloquejustificatudo isto: Estamosaquipara fazer um filme. Finalmente, não consigo esperar mais. Ainda faltam três minutos, mas olho para o diretor assistente. Nervoso, mas com uma voz cheia de autoridade, ele diz: "Senhoras e senhores'' - ou "Pessoal" ôu "Hei, turma" - ''vamos nos sentar?" O tom que o DA usa~ importante. Se ele parecer Papai Noel entoando "Ho-ho-bo", os atores saberão que ele os teme, e aí ele cortará um dobrado depois. Se parecer pomposo e zeloso demais, eles certamente o pegarão ao longo do tempo. Os melhores são os diretores assistentes britânicos. Com anos e anos de boas maneiras inglesas, eles vão discretamente
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de um ator a outro: "Sr. Finney, estamos à sua disposição agora." "Srta. Bergman, se me permite."
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Os atores se juntam em tomo da mesa Eu dou minha primeira orientação a eles. Digo onde cada um deve sentar. Na verdade estou dirigindo este filme há aJgum tempo. Dependendo do grau de complexidade da produçlo flsica do filme ei· já dois meses e meio a seis meses fora cuidando da pré-produçlo. E dependendo da quantidade de trabalho que teve de ser feito no roteiro, longos me.s es antes que a pré-produção começasse. As grandes decisões já foram tomadas. Não há pequenas decisões quando se faz um filme. Cada decisio contribui para um bom trabalho ou faz todo o filme desabar sobre minha cabeça muitos meses mais tarde. A primeira decisão, é claro, foi se iria fazer o filme. Não sei como os outros diretores decidem. Decido de modo completamente instintivo, quase sempre após uma única leitura. Isto já produziu fdmes muito bons e filmes muito ruins. Mas é assim que eu sempre fiz e agora estou muito velho para mudar. Não analiso um roteiro quando o leio pela primeira vez. Deixo apenas que ele me envolva. As vezes acontece com um Livro. Li Prince ofthl! City em fonna de livro e vi que queria desesperadamente fazer dele um filme. Também procuro me certificar de que tenho tempo para ler um roteiro de uma vez só. Um roteiro pode dar uma sensação muito diferente se a leitura for interrompida, mesmo que por meia hora. O filme fmal será visto sem interrupções; então por que a primeira leitura do roteiro deve ser feita de modo diferente? O material vem de muitas fontes. Às vezes o estúdio o envia com uma oferta finne e uma data para começar o trabalho. Este, logicamente, é o melhor de todos os inundos, porque o estúdio está preparado para fmanciar o filme. Os roteiros vêm de autores, agentes, astros e estrelas. Às vezes é material que eu elaborei, e aí começa o angustiante processo de submetê-lo à apreciação de estúdios e/ou astros para ver se há possibHidade de financiamento. Há muitos motivos para se aceitar um filme. Não creio nisso de esperar por um " grande" material que produzirá uma ••obra~prima". O importante é que o material me envolva pessoalmente em algum
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nível. E os níveis variam. Um longo dia de viagem dentro da noite é tudo que se pode esperar. Quatro personagens se juntam e n1o deixam nenhuma úea da vida por explorar. Mas certa vez fiz um filmecbamadoOencontro. Tinhaumbomdiálogo, de1amesSalter, mas um argumento horroroso que lhe tinha sido fornecido por um produtor italiano. Presumo que Iim precisava do dinheiro. O filme teve de ser rodado na Itália. Até então, eu vinha tendo grande dificuJdadeemdescobrircomousaracor.Fuicriadocomfilmesem preto-e-branco, e quase todos os filmes que fizera até então eram em preto-e-branco. Os dois filmes em coresquetinha feito, Quando o espetáculo termina e O gnJpO, nlo me deixaram satisfeito. A cor parecia falsa. A cor parecia tomar os filmes ainda mais irreais. Por que o pfCto..e..branco parece real e a cor falsa? Obviamente eu a estava usando de maneira errada ou- o que é muito mais sério- não a estava usando de modo algum. Eu tinha assistido a um filme de Antoniooi chamado O dilema de uma vida. A fotografia era de Carlo di Palma. Aqui, fmalmente, a cor foi usada em proveito do drama, para promover a história, para aprofundar os personagens. Telefonei para Di Palma em Roma e ele estava disponivel para O tmCo1rtTo. Feliz, aceitei fazer o filme. Sabia que Carlo me ajudaria a romper meu "bloqueio cromático". E ele assim fez. Essa era uma justificação perfeitamente sensata para fazer o ftlme. Fiz dois filmes porque precisava do dinheiro. Fiz tr& porque adoro trabalhar e nlo podia esperar mais. Como sou um profissional, trabalhei duro nesses filmes como em qualquer outro que fiz. Dois deles ficaram bons e foram sucessos. Porque a verdade é que ninguém sabe o que é aquela combinação mágica que produz um trabalho de primeira ordem. Nio estou sendo modesto. Há um motivo pelo qual alguns diretores podem fazer fllmes de primeira ordem e outros jamais o farão. Mas tudo o que podemos fazer é preparar a base que possibilita os "acasos felizes" que fazem acontecer um filme de primeira ordem. Se isto acontecerá ou n1o é algo que jamais -saberemos. Há demasiados intangfveis, como os capítulos seguintes mostrario.
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Para quem quer dirigir mas não fez ainda um primeiro filme, nlo hâ decisão a tomar. Qualquer que seja o filme, quaisquer que sejam os auspícios, quaisquer que sejam os problemas, se há uma chance ·de dirigir, agarre--al Ponto final. O prinu!iro filme justifica-
se por si mesmo, porque ~ o primeiro filme. · Falei do motivo por que decidi fazer um determinado filme. Agora surge a decisão mais importante que tenho de tomar: De que trata o filme? Nlo estou falando de enredo, embora em alguns melodramas muito bons o enredo seja tudo. E isto não é ruim. Uma história boa, vibrante, assustadora pode ser muito divertida. Mas como é o filme emocionalmente? Qual é o tema do filme, a espinha dorsal, a abrangência? O que o fi lrne significapara mim? Personalizar o filme é muito importante. Estarei trabalhando sem parar pelos próximos seis, nove, doze meses. É melhor que D filme tenha algum significado para mim. Do contrário, o trabalho fisico (na verdade muito pesado) vai se tomar duas ve~s mais extenuante. A palavra "significado" pode abranger um espectro muito amplo. O encontro significava CJile eu tinha a chance de trabalhar com Carlo. E o que aprendi fez. diferença em todos os meus filmes posteriores. A pergunta "De que trata este filme?" será feita repetidas vezes ao longo deste livro. Por ora, bastadiz.erqueotema(oquêdofilme) vai determinar o estilo (o como do filme). O tema decidirá as especificidades de todas as escolhas feitas em todos os capítulos seguintes. Eu trabalho de dentro para fora. Aqujlo de que trata o filme detenninará como será constin.údo o tlenco, como será o resultado final, como será montado, como será sua partitura musical e, com um bom estúdio, como será lanÇado. Aquilo de que trata o filme determinará como ele deve ser feito. Como eu disse antes, o melodrama pode te.r sua própria justificação, porque a pergunta "O que acontece a seguir?" é um dos deleites que trazemos da infincia. Foi uma sensação emocionante a primeira vez que ouvimos "Chapeuzinho Vennelbo" e ainda ficamos emocionados quando assistimos a O .sillncio dos inocentes. Isso nãoquerdi.zerque O.silênciodoslnocentestnrte apenas de sua história. Graças ao primoroso texto de Ted Tally, à extraordi-
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néria direçlo de Jonathan Demme e ao magnffico desempenho de Anthony Hopki.ns, é também uma exploração de dois personagens fascinantes. Mas antes e acima de tudo, é uma história brilhante, de suspense, que mantém você aterrorizado e imaginando o que vai acontecer. O melodrama é uma teatralidade exacerbada que toma plausível o implausfvel.lndo mais além, parece mais real. Assassinato no Oriente Expresso é uma história policial de primeira ordem que mantém você completamente expectante. Lembro-me, quando li o roteiro pela primeira vez, de ter berrado de alegria quando fmalmeotefoireveladoquerodostinhamfeitoaquilo.Faladoimplausível! E depois de pensar um pouco. percebi que falava de algo mais: nostalgia. Para mim, o mundo de Agatha Christie é predominantemente nostálgico. Até os títulos dela são nostálgicos. The Murder ofRoger Acluoyd {que nome!), Assassinato no Oriente Expresso (que trem!), Morte no Nilo (que rio!) - tudo no trabalho dela representa um tempo e um lugar que eu jamais soube que existiam, e na verdade fico imaginando se de fato existiram. Nos capftulos subseqüentes espero ilustrar como o conceito de nostalgia afetou cada um dos departamentos que trabalharam no Oriente Expresso. E no fim um livro quarentão de Agatha Christie acabou recebendo seis indicações para o Oscar. Mas havia outra ruão para eu querer fazer o filme. Sempre achei que havia prejudicado dois filmes por dirigi-los com mão muito pesada. Foram eles O grupo, roteiro de Sidney Buchman, extraído do Livro de Mary McCarthy, e um filme pouco conhecido que chamei Grotesca despedida, que Herb Sargent adaptou do romance de WaUace Markfield, To an Early Grave. EJes sit;nplesmente não foram feitos com suficiente leveza de espírito. Certamente O grupo teria se beneficiado de um toque mais leve de comédia em seus primeiros vinte e cinco minutos, de modo que sua seriedade mais profunda pudesse surgir lentamente. Uma das principais personagens do livro, K.ay, sofria por levar tudo na vida muito a sério. O menor dos problemas, aos olhos dela, tomavãse uma crise; a mais casual observação poderia mudar sua relação com outra pessoa. Já para o fmal do filme, Kay estádebruçada numa
janela, binóculo na mão, procurando aviões alemães durante a ll Guerra Mundial. Está convencida de que um ataque aéreo a Nova York é imi.nente. Ela tanto se inclina para fora da janela que cai e morre. O momento precisava do tipo de loucura cômica que leva à tragédia em que Robert Altman, por exemplo, é muite bom. Grotesca despedida era praticamente um roteiro perfeito. E eu . acabei fazendo uma panqueca em lugar de um suflê. Um elenco de comediantes maravilhosos - Jack Warden, Zohra Lampert, Joseph Wiseman, Phyllis Newman, Alan King, Sorrell Booke, Godfrey Cambridge- foi deixado se debatendo como peixe na praia por um diretor que leva funerais e cemitérios muito a sério. Eu sabia que Assassina/o no Oriente Expresso tinha de ser positivamente alegre em espfrito. Em algumas coisas somos naturalmente talentosos, em outras temos de aprender. Algumas coisas simplesmente não podemos fazer. Mas eu estava disposto a tomar este fiJme alegre, mesmo que tivesse de me ·matar e a todos os outros para consegui-lo. Ninguém jamais viu alguém trabalhando tão intensamente em algo destinado a ser leve de espirito. Mas aprencli. (Novamente, as especificidades serão tratadas em capítulos posteriores.) Não acho que teria lidado tão bem com Rede de intTigas se não fossem as lições que aprendi em Oriente Expresso. Eu poderia percorrer a Lista dos meus filmes, dissecando as razões por que os fiz. As razões se estenderam da necessidade de dinheiro ao fato de estar·envolvido com cada pedaço de meu ser, como estive em Q& A -Sem lei, sem justiça. Todo o processo de fazer filme é mágico, tão mágico, na verdade, que geralmente serve como justificativa suficiente para trabalhar. Só fazer o filme é suficiente. Uma última palavra, porém, sobre por que digo sim ao filme A e não ao filme B. Ao longo dos anos, os críticos e outras pessoas observaram que estou interessado no sistema judicial. É claro que estou. Alguns disseram que minhas raizes teatrais aparecem em função do número de peças que filmei. Claro que aparecem. Há muitos filmes envolvendo pais e filhos. Houve um monte de filmes que falavam de pais e filhos. Houve comédias, algumas ruins. outras melhores. assim como melodramas e um musical. Também
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fui acusado de ocupar todo o espaço, de não contar com um tema absorvente que se aplique a todo o meu trabalho. Não sei se isto é verdade ou não. O motivo por que não sei é que quando abro a primeira página de um roteiro, sou um cativo de boa vontade. Não tenho nenhuma noção preconcebida de que desejo que o conjunto do meu trabalho seja sobre uma idéia determinada. Nenhum roteiro tem de se encaixar num tema predominante em minha vida Não tenho um. Um dia olharei para o meu trabalho ao longo dos anos e direi para mún mesmo: "Ah, era nisso que eu estava interessado na época.'" O que quer que eu seja, o que quer que o trabalho represente, tem deyir do meu subconsciente. Não posso abordá-lo de maneira cerebral. Obviamente isto é justo e correto para mim. Cada pessoa déve abordar o problema da maneira que for melhor para si. Não sei como escolher trabalho que revele como é a minha vida. Não sei como é a minha vida e não a examino. Minha vida se de'fmirá à medida que eu a for vivendo. Os filmes se definirão à medidaque eu os fizer. Desde que o tema seja algo que me interessa naquele momento, é suficiente para me fazer trabalhar. Talvez o próprio trabalho seja o que importa na minha vida. Tendo decidido, por qualquer motivo, fazer um filme, volto àquela ampla discussão critica: De que trata o filme? O trabalho não pode começar enquanto seus limites não estio definidos. e esta é a primeira etapa desse processo. Toma-se o Jeito do rio em que todas as decisões subseqüentes serão canalizadas. • O homem do prego: Como e por que .criamos nossas próprias prisões. Um dia de cbo: As aberrações nio são as aberrações que pensamos que sio. Estamos muito mais ligados ao comportamento mais escandaloso do que sabemos ou itimos. Príncipe da cidade: Quando tentamos controlar tudo, tudo acaba nos controlando. Nada é o que parece. Daniel: Quem paga pelas paixões e compromjssos dos pais? ' Eles pagam, mas também pagam os filhos. que não escolheram as paixões e os compromissos.
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V'zdas em fuga: A luta para preservar o que é sensível e vulnerável em nós mesmos c no mundo. O golpe de Jolrn Anderson: As máquinas estão vencendo. Limite de segurQIJça: As máquinas estio vencendo. Doze homens e uma senrença: Ouvir. Rede de intrigas: As máquinas estão vencendo. Ou. se preferirem: A 1V não corrompe pessoas; pessoas corrompem pessoas. Serpico: Um retrato de um verdadeiro rebelde com uma causa. O mágico inesquecível:O lar, no sentido do autoconhecimento, está dentro de você (isto se aplicava ao brilhante filme de Garland e ao livro de L . Frank Baum). Opeso de um ado: Quem paga pelas paixOcs e compromissos dos país? :A gaivota: Por que todos se apaixonam pela pessoa errada? (Não é por acaso que na última cena os protagonistas jogam cartas em tomo de uma mesa, como se cada um tivesse péssimas cartas e agora precisasse de um pouco de sorte.) Um longo dia de viagem dentro da noite: Devo parar aqui. Não sei qual é o tema; sei apenas que a idéia, seja qual for, é inerente ao titulo. Às vezes um assunto surge e, como neste caso, é expresso num texto tão extraordinário, é tio grandioso, tio envolvente, que nenhum tema i.soladopodedefmi-lo. Tentar defini-lo impõe limites a uma coisa que não deve ter limites. Sou muito feliz por ter tido um texto dessa magnitude em minha carreira. Descobri que o melhor meio de abordá-lo era perguntar, investigar, deixaro texto me falar. Um pouco disto acontece em todo bom trabalho, é claro. Com Prfncipe da cidade eu não fazia a menor idéia de como me sentia a respeito do personagem principal, Danny Ciello. até ver o filme terminado. Com Serpico eu fui sempre ambivalente sobre seu personagem. Ele às vezes era um pé no saco. Sempre se queixando. Al Pacino me fez amá-lo. não ao personagem do roteiro. Á gaivota é totalmente ambivalénte sobre comportamento. Todos se apaix<>nam pela pessoa errada. O professor Medvedenko 81_1la Masha que ama Konstantin que ama Nina que ama Trigorin que pertence a Arkadina que é amada rulmente pelo Dr. Dom que é amado por Paulina. Mas nada disso impede que cada um tenha sua própria
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dignidade e seu próprio patos, apesar da aparente tolice de todos. A ambivalência é uma fonte para explorar cada personagem num nível de profundidade cada vez maior. Cada pessoa é como todos nós. Mas em Um Longo dia de viagem denJro da noite ningum é como qualquer um de nós. Os personagens estio numa espiral descendente de proporções épicas, trágicas. Para mim, Um longo dia de viagem dentro da noite resiste a deitn.ições. Uma das coisas mais belas que me aconteceram aconteceu neste filme: a última tomada. A última tomada do filme é de K.atharine Hepbum, Ralph Richardson, Jason Robards e Dean Stockwell sentados em tomo de uma mesa. Cada um está perdido em sua fantasia intoxicante, os homens na bebida, Mary Tyrone na morfina. Um farol distante varre a sala com seu feixe de luz a cada quarenta e cinco segundos. A câmera recua lentamente e as paredes da sala gradualmente desaparecem. Logo os personagens, sentados num limbo preto, se tornam cada vez menores à medida que a luz bate neles. Fade out. Depois de ver o filme, Jason me contou que lera uma carta de Eugene O'Neill em que ele descreve sua imagem de sua faml1ia "sentada na escuridão, em volta do tampo da mesa do mundo". Eu nlo tinha lido aqueJa carta. Meu coração pulou de felicidade. Isso é o que acontece quando se deixa o material dizer à gente como ele é. Mas o material tinha de ser ótimo. Voca e eu podemos discordar. sobre o significado de um determinado detalhe. Isto não é importante. Quem quer que estej a fazendo o filme tem direito à sua própria interpretação. Gostei e irei muitos fiJmesqueme pareciam tratardeoutracoisaque não aquilo para que eu estava olhando. Em Um lugar ao sol, George Stevens fez uma história de amor maravilhosa e muito romântica. Mas a ressónância do livro de Dreiser em que a história se baseava · tomou-se para mim o centro do filme, embora eu nio o tivesse lido na época. Era realmente "Uma tragédia americana»: o terrível preço que um homem paga por sua crença no mito americano. O importante é que a interpretação do diretor resulte de suficiente convicção para sua intenção, seu ponto de vista ficar claro. Cada pessoa tem então liberdade para concordar, rejeitar ou ser despertada para sua
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própria impressão sobre o detalhe. Nlo estamos em busca de consenso aqui. Estamos em busca de comun.icaçio. E às vezes chegamos ao consenso. E isto é emocionante. Certo ou errado, escolhi um tema para o filme. Como eu pego as pessoas que podem me ajudar a traduzi-lo para a tela? Abonfa.. remos as especificidades mais adiante, quando cada aspecto da realizaçJo de um filme for analisado. Mas há wnaabordagem geral também. Por exemplo, no final da década de cinqOenta, caminhando pelos Cbamps Elysées, vi um anúncio em néon no alto de um cinema: Douze Hommes en Colere- ~~nFilm de Sidney Lumet. Doze homens e uma senten.ça estava entlo em seu segundo ano. Felizmente para minha psique e minha carreira, nunca acreditei que fosse un Film de Sitlney Lumet. Nlo me entendam mal. Não é falsa modéstia. Eu sou o sujeito que diz ••copiem" c é isto que detennina o que a na tela. Para quem nunca esteve num sei: depois de uma cena ter sido ensaiada no set, começamos a fLlmá-la. Cada vez que filmamos fazemos uma tomada. Podemos fazer uma tomada ou trinta do mesmo momento. Sempre que uma tomada parece satisfatória no todo ou em parte, dizemos "Copiem".lsto significa que a tomada será levada ao laboratório para sec revelada e copiada para que possamos examiná-la no dia seguinte. As tomadas copiadas constituem o filme terminado. Mas o quanto sou eu o responsável? É o filme realmente un Film ck Sidney Lumefl Eu dependo das condições do tempo, do orçamento, do que a atriz principal comeu no café da manhã, por quem o ator principal está apaixonado. Dependo dos talentos e das idiossincrasias, dos humores e dos egos, das opiniões e das pe~ oalidades, de mais de cem pessoas diferentes. E isto faz parte da realização do filme. Neste ponto nlo quero nem começar a analisar o estúdio, o financiamento, a distribuição, o marketing e assim por diante. Então o quanto sou independente? Como todos os chefes- e no sei eu sou o chefe- sou o chefe somente até certo ponto. E param im isto é o que é tAo estimulante. Sou responsável por uma comunidade . da qual preciso desesperadamente e que também precisa muito de mim. É nisso que está a graça, na experiência compartilhada.
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Qualquer pessoa dessa comunidade pode me ajudar ou me prejudicar. Por este motivo, é importante ter as pessoas mais criativas em cada departamento. Pessoas que podem nos desafiar a dannos o máximo no trabalho, não c<>m hostilidade, mas em busca da verdade. Claro, posso impor minha autoridade se um desentendimento se toma insolúvel, mas isto só como último recurso. E também um grande alívio. Mas a graça está nas concessões mútuas. A graça está em conversar com Tony Walton, o designer de produção dePrincipedacidade, sobre o tema do filme e depois vêlo chegar com a expressão daquele tema. Contratar bajuladores e puxa-sacos é aviltar o filme e a mim mesmo. Sim,AJ PacinodesafJa a gente. Mas só para nos tomar mais honestos, para nos fazer ir mais fundo. Voca é um melhor diretor por ter trabalhado com ele. Henry Fonda não sabia simular nada, de modo que se tomava um barômetro' da verdade no qual a gente se mede e mede os outros. Boris Kaufmao, o grande fotógrafo do preto-e-branco, com quem fiz oito filmes, contorcia-se de angústia e discutia se sentisse que um movimento de câmera el1l arbitrário e imotivado. · Deus sabe que nio estou querendo um set conturbado. Há diretoreS que pensam que têm de provocar as pessoas para obter o melhor trabalho delas. Acho que isso 6 loucura. A tenslo nunca ajuda coisa alguma. Qualquer atleta pode dizer que a tensio 6 uma forma segura de atrapalhar. Sinto a mesma coisa em relaçlo aos filmes. Tento criar um ambiente bem descontnúdo noset, cheio de brincadeiras e de concentraçio. Parece surpreendente, mas as duas coisas se combinam muito bem. É claro que os bons talentos têm vontade própria e esta deve ser respeitada e encorajada. Parte do meu trabalho é fazer com que todos funcionem dando o meJhor de si. E se contratei os melhores, pense no quanto o melhor deles é melhor do que o dos nlo tio melhores. O centro do meu trabalho - o momento decisivo - ocorre quando digo "Copiem,, pois é entlo que tudo por que venho trabalhando é gravado em definitivo. Como sei quando dizér isto? Realmente não tenho certeza. As vezes fico em dúvida sobre uma tomada, mas mando copiá-la assim mesmo. Nio tenho de usá-la. Às vezessintotantacertezaquemandocopiarsóaquelatomadaeo
para o setup seguinte. (Setup é a preparayão da próxima tomada. ar para setup seguinte é uma tremenda responsabilidade. Temos de desmontar todo da cena anterior, que pode ter exigido horas de trabalho, talvez um dia ou até dias, para preparar. Se é o último setup numa determinada locação, a decisão é mais crucial ainda, já que estaremos indo em frente e talvez não possamos voltar.) Portanto di~ "Copiem" 6 minha maior responsabilidade. Houve ocasiões em que mandei copjar a primeira tomada e fui adiante. Isto é perigoso, porque acidentes acontecem. O laboratório pode arruinar a película. Certa vez houve uma paralisaçllo num laboratório de Nova York. Os cretinos simplesmente deixaram a película no tanque. Um dia inteiro de trabalho não apenas do meu filme, mas de todos os filmes rodados em Nova York naquele dia, se perdeu. Uma vez a película estava sendo levada para o laboratório numa caminhonete, que se envolveu num acidente. Latas de negativo exposto rolaram pela rua, algumas se abriram e as tomadas se perderam. De outravez, em Ogolpe deJohn Anderson, tínhamos preparado o que seria um funeral de um gângster do lado de fora da Catedral de St. Patrick, nas ruas Mulberry e Hooston em Littleltaly. Eu pude sentir a tensão se formando. Alguns valentões começaram de repente a ficar melindrados com o modo como seus parentes estavamsendoretratados.(Nloprecisodizerqueeraumavigarice.) Alan King interpretava um gângster no filme. Ele se postou bem no meio de um grupo de seis sujeitos particularmente entroncados. Suas vozes Jogo ficar&~~\ mais altas. Finalmente eu ouvi um deles dizer."Porquetcmosdeserumbandodedesordeirosotempotodo? Também temos artistas!"
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A1an: "Quem?" ValentAo: "Michelangelo!'' Alan: "Já fizeram esse filme." Valeotlo: "É? Com quem?" Alan: "Chuckles Heston. Foi um fracasso." Mas a situaçlo era séria. O diretor-assistente veio me dizer que tinha ouvido um figurlo do baiJTo falar em "pegar a porra do negativo!" Nossas gangues s!o muito sofisticadas em Nova York. Assim, após cada tomada, separávamos o negativo e o entregáva-
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mos a um aterrorizado assistente de produçlo, que discretamente o levava para o laboratório da Technicolor usando o m~ . Mas o que me leva a dizer "Copiem.. é completamente in.stintivo. As vezes digo isto porque sinto <(Ue foi wna tomada perfeita, que nlo conseguiremos outra melhor. As vezes porque está piorando a cada tomada. As vezes Dlo há escolha. A luz está indo embora c no dia seguinte tem-se de filmarem Paris. Má sorte. Mando copiar c espero que ningu~ veja a concessio. A maior presslo na realização de um filme é quando se tem de fazer a fi.Lm.agcm numa única tomada. Isto aconteceu em Á.Ua.ui1JDio no Oriente Expruso. Imagine o seguinte: Estamos num galplo enorme de uma cstaçlo ferroviária da periferia de Paris. Dentro do galpão está um trem arquejante, resfolegante, com seis vagões. Um trem inteiro! Todo meu! Nlo um trem de brinquedo! Um trem de verdade! Fora montado com carros vindos de Bruxelas, onde a companhia dos Wagon-Lits guarda seus vagões antigos e de Pontarlier, nos Alpes ses, ondeaFerrovia Nacional sa, conserva suas locomotivas. Construímos em Londres um set da cstaç1o ferroviiria de Istambul, que foi levado para Paris, e o colocamos no galplo, de modo que o galpio se tomou o tenninaJ de Istambul dó Oriente Expresso. Trezentos extras estio reunidos na ...plataforma do trem" e na "sala de espera". A tomada é assim: A câmera sobre a Nike, uma dollymotorizada, de quase cinco metros. Está abaixada. Quando o trem parte em nossa direçlo, a cimera avança na dolly ao encontro dele e ao mesmo tempo está sendo levantada até mais ou menos a metade da altura do trem, cerca de dois metros. O trem ganha velocidade vindo em nossa direção enquanto ganhamos velocidade indo em direçio ao trem. No momento em que o centro do quarto carro nos alcança. fazemos um close-up do sfmbolo da Wagon-Lit. É muito bonito, ouro sobre fuódo azul. Enche a tela. Quando a por nós, fazemos uma panorimica com a câmera a fim de seguir o símbolo da Wagon-Lit até girarmos cento e oitenta graus e estarmos de frente para a direçlo oposta. Erguemo-nos então até a altura máxima da grua, cerca de cinco metros, e estamos filmando o trem que se afasta de n6~ ficando cada vez menor. Finalmente vemos somente as duas
luzes vermelhas do 6ltimo vaglo quando o trem desaparece na escuridlo da noite. Geoffrey Unsworth, o brilhante fotógrafo btitin.ico, tinha levado seis horas para iluminar esta área eoonne. Quatro de nossos astros-lngrid Bergman, Vanessa Redgrave, Albert Finney e John Gielgud- estavam fazendo peças em Londres. Terminavam as apresentaçôes de sábado à noite, pegavam o avilo para Paris no domingo pela maohl e tinham de estar de volta em Londres para as sessões de segunda-feira."- tomada tinha de ser feita à noite, já que n1o há muito mistério e nem um pouco de glamour num trem que sai da estação à luz do dia. Além disto, tínhamos de esvaziar o galplo para a Ferrovia Nacional sa às oito da manhã de segunda-feira. Nlo podíamos ensaiar a tomada urna vez sequer, porque Geoff precisava do trem em posição na platafonna para fazer a iluminação de toda a cena. O final do galpio através do qual o trem saia estaria aberto·para o exterior dos pátios de manobra. com toda a moderna Paris por trás, o que era mais um motivo para não tennos luz do dia. Peter McDonald é o melhor operador de câmera com quem já trabalhei. O operador de câmera realmente gira as rodas que ~tam a cimera em qualquer direçlo. Há também um ajustador de foco; o trabaJho dele, obviamente, é manter o foco. Mas isto não é tão fácil quando a câmera se move numa direçlo, o trem se move na outra, e você vai levar a câmera a fazer uma panorâmica sobre as Letras (" Wagon-Lit"), onde é muito fácil ver se o foco não está perfeito. Ele está trabalhando num diafragma de 2,8, o que toma o foco mais dificil ainda. Além disto, bá o homem que guia a dolly para um objeto (o trem) cuja velocidade ele nunca viu, e um carpinteiro na tongue (o braço de contrapeso da grua onde a câmera, o operador da câmera, GeoffUnsworth, e eu estaremos sentados). A umgue permite que a cimera seja levantada ou abaixada. A coordenação entre estes quatro homens tem de ser perfeita. Peter ensaia com eles várias vezes, mas ele está fazendo apenas uma suposição, já que o trem nlo pode se mover enquanto Geoff está fazendo a iluminação.
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Finalmente, são quatro horas da manhã e estou ficando nervoso. Geoffestá acabando, os eletricistas estão correndo, todos dando o máximo de si. Às 4:30 Geoffestá pronto. Meu coração dá um pulo. Agora sei que só poderemos fazer wna tomada, pois o céu vai começar a clarear às 5: I O. Não há como fazer o trem voltar ao pátio, pará-lonamarcaexataenospreparannosparaumasegundatomada em quarenta minutos. Além disto, muito do tráfego regular já terá começado, de modo que alinha secundária não estará mais disponível para nós. Não há outra coisa a fazer senão ir em frente. Os extras. em seus lugares., a locomotiva resfolegando, os corações disparados, rolamos a câmera. Eu grito; "Partida do trem." O assistente francas bilfngüetransm i te a ordem ao maquinista. O trem começa a vir em nossa direção. E nós na direção dele. A tongue se e~e, levantando a câmera. O ajustador do foco já está começando a mudar o foco para o logotipo da Wagon-Lit no quarto vagão. Ele vem em nossa ~ireção tão depressa que é dificil segui-lo com os olhos, muito menos com a câmera. Peter movimenta a.câmera com uma rapidez que me deixou feliz por ele ter insistido em que eu travasse meu cinto de segurança. O trem i.rrompe do pátio e desaparece na noite. Peter olha para mim, sorri, faz um sinal de positivo com o polegar. Geoffsorri, olha para mim. Eu olho para a continuísta lá em baixo e com muita calma digo: "Copiem." Outro elemento que me faz consciente das responsabilidades é o orçamento. Nlo sou daqueles diretores que dizem ''Dape-se acompanhia; vou gastar. o que for preciso". Sou muito grato a qualquer um que me tenha dado muitos milhões para fazer um filme. Eu jamais conseguiria levantar todo esse dinheiro sozinho. .Trabalho no orçamento com o gerente de produção e no cronograma com o diretor-assistente. Depois faço tudo que é humanamente possivel para me manter dentro desses limites. Isto 6 particularmente importante em filmes que não são financiados por um grande estúdio. Alguns das filmes que fiz foram combinações de financiamento privado e da venda de "territórios". A coisa funciona assim: Digamos que o filme está orçado em US$ 1Omilhões. Destes, US$ 3 milhões estão no que chamamos custos ' de "criação": direitos autorais, diretor, produtor, escritor, atores. Os
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outros US$ 7 milhões são para os custos de "produção"- ou seja, tudo o mais: sets, locações, caminhões, aluguel de estúdio, equipes de locações e de estúdio, fornecedores, honorários advocaticios (que são altíssimos), música, montagem, mixagem, aluguel de equipamento, despesas de alojamento, decoração (mobiliário, cor- · tinas, plantas etc.). Os custos "de produção" são os ·custos da produção física do filme. Sem o e de um grande estúdio, o produtor vai a algumas ou a todas .as reuniões anuais em Milão, Cannes ou Los Angeles e tenta vender os direitos de distribuição do filme a distribuidores individuais da França, Itália, Brasil, Japãotodos os países do mundo. Se detém os direitos para a televisão, pode então vendê:-los pais por pafs. Direitos de videocassete. Direitos de 1V a cabo. Deste modo, lentamente ele acumula os US$ tO milhões necessários para fazer o filme: US$ 2 milhões do Japão, US$1 milhão da França, US$ 75 mil do Brasil, US$ 15 mil de Israel. Nenhuma oferta é pequena demais. Para este trabalho, porém, duas coisas são necessárias. Primeiro, o produtor deve ter um acordo americano de distribuição, uma garantia de que o filme será lançado nos Estados Unidos. A segunda necessidade é uma garantia de conclusão, que é exatamente o que o nome diz. Dada por uma companhia com amplos recursos financeiros, a garantia de conclusão assegura que o filme será tenninado. Se o ator principal morrer, se um furacão destruir o set, se um incêndio queimar o estúdio, a companhia garantidora da conClusão, tendo conseguido o din~eiro que puder da companhia de seguro, financiará o término do filme. Mas parte do contrato -e isto é padrão - determina que se a produção estiver atrasada no cronograma e/ou tiver excedido o orçamento durante a filmagem, a companhia garantidora pode assumir o filme! Ela tem direito então a economizar da forma que quiser. Se a cena original se ava no teatro lírico com seiscentos extras, a companhia pode exigir que você rode a cena no banheiro dos homens do teatro. Se você se recusar, ela pode demiti-lo. Se vócê pensou em fazer a mixagem da trilha sonora em estéreo, a companhia pOde mandar você fazer uma mixagem monaural, porque custa muito, muito
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menos. Ela é a dona do filme nesse ponto. A remuneração dela, aliás, fica entre 3 e 5 por cento do orçamento do filme. . Pergunto novamente: o quanto sou livre? Interessante é que não me importo com limitações. Às vezes clãs até estimulam a gente a fazer um trabalho melhor, mais imaginativo. Pode surgir na equipe técnica e no elenco wn estado de espírito que aumenta a paixlo pelo filme, e isto aparece oa tela Em certos filmes trabalhei pelo mínimo do sindicato e os atores também. Fizemos Um longo dia de viagem dentro da noite desse modo. Fizemos isS<J porque amáv~os o material e queríamos ver o filme pronto fosse como fosse. Formamos uma cooperativa, Hepbum, Richardson, Robards, Stockwell e eu, cada um de nós trabalhando pelo mesmo piso salarial. Dividimos os lucros (realmente houve algum lucro) em partes iguais entre nós. Custo total do ftlme: USS 490 mil. OHomem do prego foi feito assim. Custo total: USS 930 mil. Daniel, Q&A Sem lei, semjustiça, At~ os deuses erram foram todos feitos assim. Eles estão entre os filmes mais satisfatórios do ponto de vista artístico que já fiz. Em outras ocasiões, como sentia que o filme tinha pouco potencial comercial e estava grato pelo fato de o estúdio ter colocado dinheiro, fiz o inimaginável. Recebi menos dinheiro do que meu "preço estabelecido", como aconteceu em Opeso de um ado. Nunca me arrependi disso. Descobri também que os atores estão dispostos a fazer esse tipo de acerto se gostam do material, acham que é arriscado e sabem que todos vão trabalhar na mesma base. Além do elenco de Um longo dia de viagem dentro da noite, Sean Connery aceitou ganhar só o piso salarial nesse tipo de aventura. Nick Noite também, assim como Timotby Hutton, Ed Asner, o brilhante designerde produção Tony Walton. o excelente fotógrafo Andrzej Bartkowiack. As vezes cheguei a pedir aos membros da equipe técnica que fizessem .isso; alguns toparam, outros não. Mas adivinhe quem nunca topou. Os motoristas. Muitas das técnicas de economia que aprendi em filmes de baixo orçamento podem e devem ser usadas em filmes com orçamentos normais. Muita economia pode ser feita, sem sacriflcio da qualidade. Por exemplo, filmo uma cena, seja no estúdio ou em
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locação, completando cada parede. Imagine o seguinte: Uma sala tem quatro paredes- vamos chamá-Las parede A, parede 8 , parede C, parede D. Começando com a tomada mais ampla diante da parede A, continuo filmando todas as cenas em que a parede A é o fundo. Depois amos para a parede B e seguimos o mesmo processo. Depois a parede C e finalmente a parede D. A razlo disso é que sempre que a câmera tem de mudar seu ângulo mais de 15 graus, é necessário fazer nova iluminaçlo. flum inar é a parte que maistomatempo(eportantoamaiscara)darealizaçãodeumfilme. A maioria das reiluininações leva no mínimo duas horas. Quatro reilumi.nações levam um dia inteiro! Filmar diante da parede A. depois virar 180 graus para filmar diante da parede C, é geralmente um serviço de quatro horas, metade de um dia de trabalho! Logicamente os atores filmam fora da seqilência. Mas este é um dos beneficios do ensaio. Eu ensaio pelo menos duas semanas, às vezes três, dependendo da complexidade dos personagens. Nio tínhamos dinheiro para fazer Doze homens e uma sentença. O orçamento era deUS$ 350 mil. Isso mesmo: US$ 350 mil. Quando uma cadeira estava iluminada, tudo que acontecesse naquela cadeira era filmado. Bem, nem tudo. Demos a volta na sala íris vezes: uma vez para a luz norma.!, uma segunda vez para as nuvens da chuva se fonnando, o que mudava a qualidade da luz que vinha de fora, e a terceira quando as luzes do alto foram acesas. Lee Cobb discutindo com Henry Fonda teria obviamente tomadas de Fonda (diante da parede C) e tomadas de Cobb (diante da parede A). Elas foram filmadas com sete ou oito dias de intervalos. Isto significava, logicamente, que eu precisava ter uma lembrança emocional perfeita da intensidade alcançada por Lee Cobb sete dias antes. Mas é aí que os ensaios são inestimáveis. Depois de duas semanas de ensaio eu tinha em minha cabeça um gráfico completo de onde eu queria que cada nível de emoção do filme estivesse. Tenninamos em dezenove dias (um dia a menos do que previa o cronograma) e US$ 1.000 abaixo do previsto no orçamento. Tom Landry foi quem disse: tudo depende da preparação. . Detesto os Dallas Cowboys, e não sou muito empolgado por ele e seu chapéu de aba curta. Mas ele acertou em cheio. Tudo depende
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da preparação. Será que muita prepara.çlo mata a espontaneidade? De modo algum. Eu descobri queéexatamenteocontrário. Quando sabe o que está fazendo, a pessoa se sente muito mais livre para improvisar. Em meu segundo filme, Quando o espetáculo termina, uma cena entre Hemy Fonda e Cbristopher Plummer acontecia no Central Park. Eu tinha rodado a maior parte da cena por volta da hora do almoço. Interrompemos por uma hora, sabendo que teriamos somente umas poucas tomadas a fazer depois do almoço para terminar a seqO&lcia. Durante o almoço a neve começou a ca.U. Quando voltamos, o parquejá estava totalmente coberto de branco. Aneveeratiobonitaqueeuquisrefazertodaacena.FranzPlanner, o operador, disse que era impossfvel porque estaríamos sem luz por volta das quatro horas. Rapidamente modifiquei a cena, dando a Plummer uma nova entrada para que ele pudesse ver o parque coberto de neve; depois coloquei os dois num banco, filmei um plano geral e dois close-ups. A lente estava. bem aberta na última tomada, mas conseguimos captar tudo. Como os atores estavam preparados e como a equipe sabia o que estava fazendo, aproveitamos as condições do tempo e tenninamos com uma cena melhor. A preparação permite o "acaso feliz" que no fundo todos nós estamos sempre esperando que aconteça. E aconteceu muitas vezes desde então: numa cena entre Sean Connery e Vanessa Redgrave na Istambul real em Assassbtalo no Expruso Oriente; numa cena entre Paul Newman e Charlotte Rampling em O veredicto; e em muitas cenas com AJ Pacino e vários funciotlários do banco em Um diadecilo.Jáquetodossabiamoqueestavamfazendo, praticamente toda a improvisação terminou fazendo parte do filme acabado. Assim- emos aos assuntos específicos. Que taJ conversarmos sobre escritores?
2 - O ROTEIRO: OS ESCRITORES SERÃO NECESSÁRIOS?
Eu detalhei os motivos pelos quais disse sim ou não a um roteiro. Isto significava, logicamente, que existia um roteiro. Bem, no cinema todos t!m Óque no jargão da classe é chamado de período "quente... Isto acontece quando todo o mund~ quer voe! porque seu último filme foi um sucesso. Se você teve doiS sucessos seguidos, está fervendo. Três sucessos, e o que ouve é: "O que é que você deseja, amigo? É só dizer." Antes que ~ga '1Ioll~ood- o que é que você espera'r acho que deve examtnar a p~pna profisslo. Pelas minhas observações, o mesmo padrão se ventica na área editori8.t, no teatro, na música, advocacia, medicina, espo~ telovisio, tudo. Durante alguns de meus periodos quentes, e mesmo em alguns mais frios, um roteiro que chega de um estúdio vem geralmente acompanhado de uma carta que quase sempre contém a mesma frase: "É claro que sabemos que o roteiro precisa ser trabalhado. E se você achar que o autor em questio nlo pode fazer isso, estamos dispostos a contratar quem vd quiser." ~P-': fiquei~ com isto. É sem~ um mau sina.l. Para mim, mdtca, em pnmetro lugar, que eles não t&n convicção sobre o que ~mpraram. O desprezo com que os escritores tem s1do tratados ~los estúdios ao longo dos anos é conhecido demais para ser anahsado novamente aqui. Em sua maioria as histórias de horror sio verdadeiras, como quando Sam Spiegel contava com dois autores trabalhando no mesmo filme em dois andares diferentes do P1aza Athenée em Paris. Ou quando Herb Oardner e Paddy Chayefslcy, que tinham escritórios contíguos na Sétima Avenida. 850, em Nova
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York, receberam um dia ofertas idênticas para reescreverem o mesmo roteiro. O produtor era estúpido demais ou estava preocupado demais para perceber que os roteiros estavam sendo enviados paraomesmoendereço,umparaasaJa625eooutroparaasala627. Os escritores datilografaram cartas idênticas, recusando a oferta. Eu venho do teatro. Lá o trabalho do escritor é sagrado. Realizar a intençio do autor é o principal objetivo de toda a produçio. A palavra "intençio" é usada no sentido de expressar o ms»tivo de o autor ter escrito a peça. De fato. como determina o contrato do Dramatists Guil~ o autor tem a palavra final em tudo -elenco, cenários, figurino, diretor- inclusive o direito de encerrar a peça antes de ela estrear se não está satisfeito com o que v6 no palco. Sei de uma ocasião em·que isto aconteceu. Fui criado com o conceito de que a pessoa que teve a idéia inicial, que ou pela angústia de colocá-la no papel, era quem tinha de estar satisfeita. Quando me encontro pela primeira vez com o roteiris~ nunca iligo a ele coisa aJguma, mesmo se achar que há muita coisa a fazer. Ao invés disto, faço-lhe as mesmas perguntas que flZ a mim: De que trata esta história? O que foi que você viu? Qual foi a sua inlençiiQ? Em condições ideais, se fizermos isto~ o que você espera que o público sentirá, pensará, vivenciará? Com que disposiç.lo você deseja que as pessoas saiam do cinema? Somos duas pessoas diferentes tentando combinar nossos talentos, e entio é importante que concordemos sobre a intenç.lo do roteiro. Na melhor das circunstinc~ o que surgirá é uma terceira intençlo, que nenhum de nós viu no início. Na pior das circunstâncias, um processo angustiante de intenções opostas pode ocorrer, que resultará em algo sem rumo, confuso ou simplesmente ruim se desenrolando na tela. Conheci certa vez um diretor que sempre se jactava de ter uma fónnula secreta que imaginava poder ••introduzir" no filme. Provavelmente invejava o talento do escritor. O primeiro, e acho que único, romance de Arthur Miller, Focus, era, em minha opinião, tão bom quanto sua primeira peça produzida, A.// My Sons. Uma vez lhe perguntei por que, já que era igualmente talentoso nas duas fonnas1 escolhera escrever peças. Por que desistiria do controle total que um romance dá ao autor em
troca do controle comunal em que uma peça primeiro vai para as mios de um diretor e depois a pelas mios de um elenco, do cen6glúo, do produtor e por af afora. A resposta foi tocante. Ele disse que adorava ver o que seu trabalho provocava nos outros. O ~o
podia conter revelaçôes, sentimentos e idéias que ele jamais imaginou existirem ao escrever a peça. É isso que todos nós ~~· . Depois de termos concordado na resposta à pergunta importante "De que trata o filme?", podemos conversar sobre os detalhes. Primeiro vem um exame de cada cena - em seqO@ncia, é claro. Será que essa cena contribui parao tema geral? De que modo? Co~.b~i para a trama da história? Para o personagem? A trama da histona está avançando num crescendo detenslo ou drama?No caso de uma comédia. está se tomando mais divertida? A história está avançando com os personagens? Num bom drama, a linha em que os personagens e a história se mesclam deve ser indiscemfvel. Certa vez li um roteiro muito bem escrito com di!logos de primeira ordem. Mas~ personagens nlo tinham nada a ver com a trama da história. Aquela história poderia ter acontecido com moitas tipos diferentes de pessoas. No drama, os personagens devem determinar a história. No melodrama, a história determina os personagens. O melodrama faz da trama sua mais alta prioridade e tudo é subserviente à história. Para mim, a farsa é o equivaJente cômico do melodrama e a comédia o equivalente cômico do drama. Mas no drama a história deve revelar e elucidar os personagens. Em Prlncipedacidode,DannyCiellotinhaumdefeitofatalquetomava o fim do filme inevitável. Como homem, como personagem. ele era um manipulador. Achava que podia manipular qualquer coisa e tirar vantagem dela. O filme conta a história de um homem desse tipo que entra nwna situação que ele não pode manipular. Ninguém poderia. Era grande demais, complexa demais, com demasiados elementos imprev lsfveis, inclusive outras pessoas, para que alguém pudesse controlá-la. Inevitavelmente, tudo desabaria em tomo dele. Ele criou a situação e a situaçlo o reduziu à expressão mais simples. História e personagem eram uma coisa só.
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Penso que a inevitabilidade é a chave. Num dnuna bem-feito quero sentir: "É claro- era para isso que tudo se encaminhava.., E contudo a inevitabilidade não deve eliminar a surpresa. Não faz sentido gastar duas horas com algo que se toma evidente nos primeiros cinco minutos. A inevitabilidade não significa previsibilidade. O roteiro ainda deve manter-nos desequilibrados, surpresos, entretidos, envolvidos e, no entanto, quando é atingido o desfecho, dar-nos ainda a sensação de que a história tinha de terminar daquela maneira. Da análise de cada cena amos para um exame de cada fala. A fala do diálogo 6 necessária? Reveladora? Está dizendo a coisa da melhor maneira posslvel? Em caso de ~iscordãocia, geralmente fico com a decisão do autor. Afina~ ele escreveu a fala. Não há coisa mais embaraçosa do que um ator perguntar o significado de uma fala e o diretor não saber a resposta. Isto me aconteceu uma vez, num ftlme chamado Garbo Tailcs. Derepentepercebi que não sabia a resposta para a pergunta que o atorftZera. O escritor tinha voltado para a Califórnia. Eu me enrolei todo até achar uma embromação qualquer sobre um aspecto do personagem que o ator estava empolgado em fazer. Mais tarde, ando os olhos num rascunho do roteiro, percebi que um erro tipográfico se introduzira entre uma vers!o e outra. A fala significava exatamente o oposto do que tinha exp)jcado ao ator. Não que eu itisse isso. Em Um longo dia de viagem dentro da noite, usei o texto da peça. A única adaptação feita para a tela foi o corte de sete páginas de um texto de 177 páginas durante os ensaios. E cortamos porque eu sabia que ia fiJmar aquelas partes em close-~ps. O uso de closeups tomaria estes momentos mais claros antes. A experiência com Um dia de cão foi completamente diferente. O roteiro baseava-se num fato real. O produtor, Marty Bregman, Pacino e eu tínhamos aceito um roteiro muito bom de Frank Pierson. Estruturalmente pe.rfeito, com diálogos bons, mordazes, era divertido, comivo e muito, muito enxuto. No terceiro dia de ensaio fiquei nervoso com uma área que não tinha coisa algwna a ver com a qualidade do roteiro ou ·dos ~tores. Aqui estava uma história que, na trama, trata.va de um homem que assalta um banco
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para que o namorado pudesse conseguir dinheiro para uma operação de mudança de sexo.Uma coisa bem ex6ticá para 1975. Mesmo Os rapazes dtJ bcinda não tinha chegado nem perto daquele aspecto davidagay. Eu venho dé um ambiente operário. Lembro-me de freqüentar quando menino o Loew's Pitkin, em Pitkin Avenue, Brooklyn. Não e.ram as pessoas mais sofisticadas que apareciam por lá nas noites de sábado. Lembro-me de comentários rudes gritados do balcão para Leslie Howard em Pimpinela Escarlate. Como eu já disse, Um dia de cão era um filme sobre o que temos em comum com o comportamento mais chocante, com "anonnalidades". Este era um filme no qual eu queria que o momento mais emocionalmente tocante acontecesse quando Pacino dita seu testa-· mento antes de se aventurar a sair do banco, onde tem quase certeza dé que será morto. O testamento continha uma frase bo.nita e real: ''E paraEmie, que eu amo como nenhum homemjamais amou outro homem, deixo..."' Isto iria ser visto pelo mesmo tipo de público que lotavaLoew'sPitkinnasnoitesdesábado.SóDeussabeoquepodia vir daquele balcão. O objetivo de todo o filme era fazer aquela frase funcionar. Mas podiamos fazer isto? Com a concordância de Frank, no terceiro dia de ensaio eu disse aos atores que estávamos Jjdando com um material que era sensacionalista por natureza. Normalmente, não fico preocupado com a reação do público. Mas quando se toca em sexo e ~orte, dois aspectos da vida que atingem o mais fundo de cada um, não há como saber o que o público fará. As pessoas podiam rir nos lugares errados, assobiar, começar a tentar dar respostas à tela- qualquer uma de uma centena de defesas de que as pessoas lançam mão quando ficam embaraçadas, quando o que está na tela está chegando muito perto, ou quando elas estão vendo algo com que nunca ~ depararam antes. Eu disse aos atores que o único modo de impedtrmos isto era retratar os personagens que eles dese~pe.nhavam tão perto deles quanto possível, pegar de fora o mínimo possivel e não dispensar coisa alguma do interior. Não haveria figurino. Eles usariam suas própriàs roupas. "Quero ver Shelly e Carol e AI e John e.Chris ali"', eu disse. "Vocês estão tomando emprestado tempora-
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riamente os nomes das pessoas do roteiro. Sem caracterizações. Somente vocês." Um dos atores perguntou se eles podiam usar suas próprias palavras quando quisessem. Pela primeira vez em minha carreira eu disse "Sim". Era um grupo fonnidável. Pacino os liderava com uma coragem louca que só vi em duas outras ocasiões. Katharine Hepbum em Um longo dia de viagem dentro da noite e Sean Connery num filme pouco conhecido que fizemos juntos, chamado Até os deuses e"am, assumiram também riscos extremos em seus desempenhos. E o ego de Frank Pierson era saudável o suficiente para que ele pudesse ver o que estávamos procurando. Não estávamos lançando o filme na anarquia. Eu tinha mandado buscar equipamento de gravação para a sala de ensaio. Improvisamos. Cada noite, após o ensaio, as improvisações eram datilografadas e finalmente o diálogo foi criado a partir destas improvisações. A maravilhosa cena no telefone entre Pacino e seu amante, desempenhado por Chris Sarandon, fo.i improvisada no ensaio, sentados em tomo de uma mesa. Seu telefonema a seguir para a esposa foi feito a partir das improvisações de Al e das falas originais do roteiro que cabiam a Susan Peretz (que fazia o papel da esposa dele). É um dos mais memoráveis catorze minutos de filme que já vi. Em três ocasiões deixei as improvisações para o dia da filmagem : duas das cenas entre AJ e Cbarles Duming como o policial encarregado da operação; e a extraordinária cena de Pacino jogando dinheiro para a multidão e sentindo seu poder pela primeira vez, depois de uma vida inteira de fracassos, a cena que termina com ele gritando ..AtticaAttica". Estimo que 60 por cento do roteiro foram improvisados. Mas seguimos fielmente a construção de Pierson cena a cena. Ele ganhou um prêmio da Academia pelo roteiro. E mereceu. Foi generoso e devotado ao trabalho. Os atores podem não ter dito • exatamente o que ele escreveu, mas faJaram com a intenção dele. O verdadeiro assalto a banco acontecera durante um perfodo de nove boras. Não é preciso dizer que a cobertura ao vivo pela televisão foi extensa. Um dos amigos do ladrão vendeu a uma estação localdetelevisãoum videoteipedeumcasamentosimulado entre John e Emie- os personagens da vida real- em Greenwich
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Village. Eu assistià fita: John vestia seu uniforme do exército, Ernie um vestido de noiva. Atrás deles havia uns vinte sujeitos com roupas feoiininas. Damas-de-honra. Eles foram casados por um padre gay, que tinha deixado-4 igreja e posteriormente foi destituído. A mie de John estava sentada na primeira fila. A aliança que Iohn colocou no dedo de Emie foi feita com o aro de wna lâmpada de flash. O roteiro original tinha uma cena em que esta fita era mostrada na televisão. Os reféns no banco estio assistindo e vêem pela primeira vez o amante de Sonny. • Devido às minhas apreensões sobre como isto seria recebido no Loew's Pitkin, achei que se eu reencenasse a fita no filme morreriamos. Nunca nos recuperaríamos. Aquelas pessoas do balcão jamais se permitiriam levar Pacino ou o filme a ~rio novamente. Ficariam fora de controle- talvez uivassem de tanto rir. Por isso cortei a cena. Nem cheguei a filmá-la. Ao invés dis:so, coloquei uma foto deEmie na TV, o que preservava o conteúdo da cena sem correr um risco inaceitável. No cnntrato de todo diretor há uma cláusula que diz que ele filmará "substancialmente" o roteiro aprovado. Como a maioria dos roteiros a por muitas mudanças, a última versão apresentada antes de a filinagem começar é o "roteiro final". Se o estúdio tiver alguma objeção, terá tempo de manifestá-la antes que tenha início a filmagem das principais cenas. Com duas semanas de filmagem, o gerente de produção me procurou e disse que um dos altos executivos do estúdio, na Califórnia, queria conversar comigo. Eu disse que estava filmando e que ligaria para ele na hora do almoço. Um minuto depois o gerente de produção estava novamente ao meu lado. "Ele mandou parar a filmagem. Precisa conversar com você." Fui ao escritório da produção e peguei o telefone. Eu: "Oi, o que há de tio urgente?" Alto executivo do estúdio: "Sidney, você nos eucrou!,' ' No original euchnd, prct~rlto do verbo euchre, usado aqui na acepçlo de fXWIU a pdma, ludibriar, derivado do substantivo euchrtt, que ~ o nome de um jogo de cartas norteamericano. (N. do E.)
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Eu jamais ouvira a palavra "eucrar,. Achei que ele queria dizer
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visualmente interessantes e foram representadas de modo brilhante. OutrQ exemplo é a fala de tr& páginas de Nick Nolte em Q& A - Sem lei, semjustiça, que dá forma a todo o seu personagem e ao tema do filme. Usar Um longo dia de viagem dentro da 110ite e Henrique V como exemplos pode ser um tanto injusto, mas por outro lado as falas foram tio bem tratadas visualmente que continuam completamente satisfatórias num filme. Há algo mais tocante do que afalafinal de Henry Fonda em As vinhas da ira? Pela simpl~ beleza lírica, que tal a fala de Marlon Brando em Vidas em fuga? E o resumo do c~o, feito por Albert Fioney, em Assassinato no Oriente Expresso se eStendeu por dois rolos (cerca de dezessete minutos). Nos primeiros tempos da televisão, quando a escola do realismo da. "pia da. cozinha" dominava, sempz:e chegávamos a um ponto em que "explicávamos" o personagem. A altura dos doiB terços da. história alguém enunciava a verdade psicológica que fazia do personagem a pessoa que ele era. Chayefsky e eu costumávamos chamar a isto a esçola dramática do "patinho de borracha". "Alguém certa vez tirou o patinho de borracha dele e é por isto que ele se transformou num assassino perturbado." Esta era a moda na époéa e para muito.s produtores e estúdios ainda. é. Eu procuro sempre eliminar as explicações do tipo patinho de borracha. Um personagem deve ser claro por seus atos correntes. E seu comportamento à medida que o filme avança deve revelar as motivações psicológicas. Se o autor precisa formular os motivos, alguma coisa estlerrada no modo como o personagem foi escrito. O diálogo é como qualquer outra coisa nos filmes. Pode ser uma muleta ou, quando bem usado, pode intensificar, aprofundar e revelar. O que eu devo ao escritor? Uma investigação completa e depois uma execu.ç io fiel de suas intenções. O que o autor deve a mim? O desprendimento que Fran.k Pierson demonstrou em Um dia de cão ou Naomi Fonerem Opeso de um ado. Naomi é uma escritora sensíveJ, talentosa e original. Por algum motivo ela se encantou com uma cena que para mim era sua única má idéia em todo o filme. O rapaz, interpretado por Ri ver Phoenix, chega numa casa estranha, eram
..ferrou".
Eu: "O que você quer dizer com eucrou7" Alto executivo do estúdio: •'Você cortou uma das melhores e mais importantes cenas do filme." Percebi. que estavam contando com aquela cena para criar notoriedade para o filme, que foi precisamente o motivo pelo qual eu a tinha cortado. Ponderei que tinham ficado duas semanas com o roteiro final e que eu nio recebera nenhuma comunicação deles. Não havia meio de recriar o casamento no teipe porque já tínhamos gravadoacenaemqueoteipeteriasidofeito.Eledesligounaminha cara.
Quando as pessoas do estúdio viram· a primeira montagem, ficaram extaticamente felizes. O alto executivo do estúdio ficou -completamente agradecido, dizendo que agora entendia por que eu tinha cortado a cena. Com exceçlo de dois casos, todo autor com quem trabalhei quis trabalhar comigo novamente. Acho que um dos motivos é porque amo o diálogo. O diálogo nlo é acinematográfico. Muitos dos filmes das décadas de trinta e quarenta que adoramos s1o fluxos constantesdediálogo. ÉclaroquenoslembramosdeJamesCagney espremendo umagrape.fruit no rosto de Mae Clarke. Mas será que isso evoca uma memória mais afetuosa do que "Here•s lookin'at you, kid"{"A tua saóde, beleza'')? Deus sabe que Cbaplin tentando comer milho num alimentador mecânico em Tempos modernos é uma piada visual extraordinária. Mas acho que nunca ri mais do que quando, no final de Quanto 17Ulis quente melhor, Joe E. Brown diz a Jack Lemmon: "Bem ... ninguém é perfeito." A verdade é que nio existe uma guerra entre o visual e o auditivo. Por que nlo o melhor dos dois? Vou mais longe. Gosto de longas falas. Um dos motivos pelos quais o estúdio resistiu em fazer Rede de intrigas foi porque Paddy Chayefsky tinha escrito pelo menos quatro monólogos de quatro a seis páginas para Howard Beale, interpretado por Peter Finch. E para completar. tinha dado uma fala muito longa a Ned Bcatty, chefe da maior empresa do mundo, tentando levar Howard Bcale para o seu lado. Mas as cenas 1
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O JlOTElllO
..-.• ., pimo e começa a tocar uma sonata de Bedbovcn. PiPwlnwlte percebe que está scmdo observado por ama :Joyan da
s1o de grande auxilio. Podc-so ganhar muito dando-<se ouvidos a eles. Pacino nlo seexpr ime muito bem, mas tan um profundo senso
idlde. No roteiro ele emcodavaadlocom um~~· Eçliquei a Naomi por que eu ICbava aquilo uma mi ida&. Havia.a~a~açlo de ceder ao gosto do público: Veja, ele alo 6 de jaiD am imeledual; gosta de j~ como voc6 e eu. Bu tiDba visto a JDCIIU QeOa desde o tempo em que José Iturbi se divertia com11 fle_clu elo piano em algum velho filme de Gloria Jean oa Jeanaae M.lcDoaa1d cantavaswillg em Sala Franci8co, a cidDde dop«odo: ~aomi lutou pela cena, por isso decidi mant6-la pua ver oomo ficavaaoenaaio.Quandocomeceiamontaraceaa,Riverpcquntou s.e podfamos cortarequoletrecbo. Ele• sentia falso toc.wrvlotlqllilo. -
Vi Naomi empalidecer. Começamos a falar sobro o aauato. Rivor mostrou•Naomicomgrau.desimplicidadeoàoriedadecomoaqullo comprometia eeu penonagem. (Era encantador ver um rçaz de dezesaete anos arpmoataDdo com uma escritora com o dobro de .ua i.dadfl,) Fínllm• sugeri quefiz6ssemos aceuaclurut.e.alpu diu pera ver te havia algum valor nela. No fim do eoaio, Naomi 8p'OXimou-se de mim. Disse nlo se importar te n tiveae de IICCliDOdar a QCIOa, ma quo Dlo podia ar v« R..Mr 10 virando do aveuo para faz6.1a fimcionar. Ela adomva a. cena, mas diuo "'Vamos corti-la"'.
Às vezes a relaçlo entre atores e auton1s &a rea1meate muito di&il. Como diretor tenho de ser muito cuidadoso aqui. Preciso de uns e outros. A maioria dos autores odeia atores. B c:omudoos astros slo fundamentai& para que um filme seja aprovado pelo est6dio. Alguns diretores t!m muito poder, mas ninguán tem o poder de um dos grandes astros. Se o astro pedir, qualquer estíldio dospede o autor em menos de trinta segundos - e o diretor também. aliú. Quase sempre adianto o meu trabalho o mais possfve~ de modo que _- • tipo de orise nunca surge. Chego a um acordo com o autorantes que um ator seja abordado, e geralmente discuto com o astro tudo sobre o roteiro antes de decidirmos ir em frente. Estas experlanciu · vuiam. Em sua maioria os atores, apesardadc:clarlçiodeHitclleoclc. alo extremamente brilhantes. Algunssio magnfficos em m.aú§ria de roteiro. Sean Connery. Dustin Hoffinan, Jane Fonda, Paul Newman
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da verdade. Se uma cena ou uma fala o abonoce eu lhe dou atençio. Provavelmet* ele esd certo. Mas os astros também podem destruir um roteiro. David Mamet fez a primeira adaptaçlo de O Yertdicto. Um astro impor- · tanle interessou-se por fazer o filme, mas daava que~ pasooagem precisavade mais recheio. Istob vezes aip.ificaexplicaroque deve sei SJ1enciado, uma verslo do pttinbo de bomlcha. O deselffpnrho deve dar recheio ao personagem. Marnet sempre deixa muita coisa pordizer. Ele quer que o ator~ corpo a isso. Assim se recusau a ~to. Outro escritor foi contristado. Uma escritora. Brilhante como era, ela simplesmente deu ao roteiro de Mamet o recheio que
faltava e ganhou uma gorda remuneraçlo. · O roteiro desandou. O astro perguntou entlo se podia trabalhar no ~iro com um terceiro escritor. fizeram cinco R!Visões adicionais. A essa altura havia um milblo de dólares em despesas com o roteiro do filme. Os roteiros nlo paravam de piorar. O astro estava aos poucos mudando a &úase sobre o personagem. Mam~ tinha criado um beberrlo que ganha a vida .pulando de uma causa medíocre para outra, até o dia em que vê uma clumce de salvação e, cheJo de~ resolve pep-la. O astro cootinuava eliminando o lado desagradável do personagem, tentando torná-lo mais simptiico para que o público se '"identificasse" com ele. Este 6outroclichaenganoso daescritapua o cinema. Chayefsky dizia; "liA dois tipos de ecoa: a cena de alisar oc:aclwrroeacenadechuwocacbono.Oest6dioqucrsempreuma cena de alisar o cachorro para que todos possam dizer quem ~ o herói." Bette Oavis fez uma grande carreira chutando o cachorro, assim como Bogart. como Cagney (que tal Fúria sanguinária aqJlele é um grande desempenho ou Dlo?). Estou certo de que o público se identificou com Anthony Hopklns em O silincto dos inoce.ntts tanto quanto se identificou com Jodie Foster. Do contrário Dio teria havido o estouro de gargalhadas que saudAva a maravilhosa fala Wfenbo um velho amigo para jantar".
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Quando recebi mais um outro roteiro de O veredicto, reli a versão de Mamet, que ele me dera meses antes. Eu disse que filmaria se voltássemos àquele roteiro. Voltamos. Paul Newman o leu e teve início a correria. Às vezes é o autor que se reveJa uma verdadeira prostituta. Eu estava fazendo um filme que precisava de um modo de falar bem articulado, vivo, cerebral, para fazer funcionar o diálogo do perso-. nagem principal. Outro grande astro se apoderou do roteiro e queria fazê-lo. Eu disse ao autor que embora o ator fosse fenomenal, eu não tinha certeza de que ele poderia lidar com este tipo de diálogo. O autor ficou lívido quando eu disse que ia pedir ao ator que lesse o texto para mim. Telefonei para o ator, disse-lhe que para o bem de nós dois eu achava melhor que 'ISssemos o roteiro em voz alta. Marcamos uma data. · Quando desliguei o telefone, o autor - que também era o produtor do filme- aproximou..:se de mim num misto de espànto e ameaça. A ameaça venceu. Numa voz que teria feito um cheflo da máfia parecer um cordeirinho, o autor-produtor disse: "Voca sabe que se o rejeitar o estúdio vài querer se livrar de voc6!'' O autorprodutor (chamamos isso de hifenizado) ia lutar para que o filme · fosse feito, mesmo à custa de arruinar o·que fora escrito. O ator leu, concordou que o papel n!o lhe era adequado e foi embora sem ressentimento. Na verdade, anos depois fizemos outro filme juntos. Mas nunca mais trabalhei com o autor. Quando fizemos Rede de intrigas, Paddy Chayefsky sabia o que queria. Depois de todal as dificuldades para conseguir que o fdme fosse aprovado, eu sabia que ele olo estava em condições de enfrentar quaisquer revisões exigidas pelas estrelas. Eu ouvira dizer, tam~ que Faye Dunaway podia ser difícil (Isto acabou sendo totalmente falso. Ela foi uma atriz desprendida, devotada, maravilhosa.)Comosempre,seháumproblemapotencial,gostode trazê-lo à tona antes de começarmos. Por isso marquei uma hora para ir vê-la. Atravessando a sala do apartamento de~ antes mesmo de alcançá-la, eu disse: "Sei qual é a primeira coisa que você vai me perguntar: Onde está a vuJnerabilidade dela?.Nio pergunte. Elanio ~ nenhuma., Faye pareceu chocada. "Além do mais, se você
tentar introduzi-la, eu a descartarei na sala de corte, de modo que o esforço será vio." Ela parou por wn instante, ·depois deu uma gargalhada. Dez minutos depois eu suplicava a ela que fizesse o papel. Ela disse sim. Nunca tentou ficar sentimental no papel e levou para casa um prêmio da Academia. Meu ponto de vista é que é muito importante discutir essas questões previamente. Se o impulso termina num encontrão, pode-se então dizer a verdade óbvia: "Este é um roteiro com o qual nós dois concordamos. Então vamos fazê-lo." Como se pode depreender, gosto de ter o autor nos ensaios. As palavras são cruciais. E em sua maioria os atores não são escritores; tampouco o são os diretores. As improvisações em Um dia de cão funcionaram porque eu queria que os atores usassem a si mesmos, sem caracterizações. Normalmente, uso a improvisação como uma técnica de-representar, não como uma fonte de diálogo. Se o ator tem dificuldade de encontrar a verdade emocional de uma cena, uma improvisação pode ser inestimável. Mas isto é quase o limite. De modo geral os escritores estão tio acostumados a ser deixados de lado que ficam até surpresosporeu qucri-los no ensaio. Somente duas vezes o tiro saiu pela culatra. Uma vez o escritor se apaixonou pela atriz principal. E mostrava seu amor tentando fazb. la sentir-se totalmente insegura. Esperava que ela lhe pedisse que a ajudasse em seu papel à noite. Ela se queixou a mim e eu tive de pedir a e) e que fosse embora. O segundo caso envolveu um escritor que estava pronto a rentmciar a qualquer coisa que tivesse escrito para que o astro do filme pudesse contratá-lo na próxima vez que precisasse de alguém para reescrever alguma coisa. Se o astro fazia uma pergunta simples, como "NIO estou certo de que a hora do dia está clara aqui", o escritor descia a escada, ouvíamos·o matraquear de sua máquina portátil, e voltava com a cena reescrita para se ar numa fábrica de relógios. Tomou-se embaraçoso. Os atores começaram a chamA-lo de ":vaoillo"..No fim· de uma semana eu disse a ele que o roteiro estava pronto e que ele-podia ir. para casa. Muitas das.minbas relações com escritores têm sido justamente o contrário disso. Meu respeito por eles crescia tanto durante o perfodcr de nosso trabalho que eu os queria em todas as etapas da
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produção. Chayefsky, que também foi um produtor de Rede de intrigas, era um talento formidável. Por baixo daquele exterior cômico havia ·um sujeito realmente muito engraçado. O cinismo dele era em parte estudado, mas uma saudável dose de paranóia também estavà presente em sua personalidade. Ele me disse que Rede de intrigas só foi feito porque era parte de um acordo numa açló jililicial móvida poi ele. Nlo sei se isso era verdade, mas eLe era beügerante. Sua resposta aos conflitos era geralmente: "Posso processar?" • Era um homem que gostava apaixonadamente de seu trabalho e de IsraeL. Quando estávamos escolhendo o elenco, sugeri V anessa Redgrave. Ele disse que não a queria. Eu disse: ''Ela é a melhor atriz do mundo de lingua inglesa!'' E ele: ''Ela é partidáriadaOLP."Eeu: "Paddy, isto é colocá-la na lista negra. "Ele disse: "Não quando um judeu faz isso com um gentio!' Ele obviamente entendia mais de comédia do que eu. Numa cena em que Howard Beale entra no prédio com um ar de lunático, falando sozinho dentro de um pijama e uma capa empapados de chuva, o guarda diziaao abrir a porta: "Claro, claro, Sr.Beale.''Com minha maneira desajeitada eu disse ao guarda que acolhesse Peter Finch em todo o seu desalinho e depois se mostrasse indulgente ao dizer suas palavras. Paddy sussurrou no meu ouvido.num segundo: "Isso é televisão. Ele nem deve reparar no outro." Ele estava certo, naturalmente. A fala teve o riso que merecia. Não teria sido engraçado dita à minha maneira. Mas na cena maravilhosamente bem escrita e interpretada em que William Holden diz a Beatrice Straight que está apaixonado por outra. Paddy aproximou-se de mim com um comentário. Eu levantei a mio e disse: "Paddy, por favor. Entendo mais de divórcio do que você." Tivemos uma convivência magnífica durante o perfodo de ensaios e de filmagem. Não houve problema algum desde a primeira leitura do roteiro até a estréia do filme. Paddy vinha ver os copiões (quando examinamos o trabalho realizado no dia anterior) e eu o convidava para ir à sala de montagem. Neste momento ele estava muito fel iz e recusava. Depois da primeira montagem feita
no filme, nós nos sentamos juntos co~ o roteiro e fizemos cerca de dez minutos de corte de diálogos, e isso foi tudo. Quando vejo alguns absurdos da nossa vida, dos tempos grotescos que vivemos, fico sempre imaginando o que Paddy poderia ter feito desse material Ele teria tido muito sobre o que escrever. Sinto falta dele todos os dias. Outra experiência maravilhosa foi trabalhar com Edgar Doctorow em Daniel. Há alguns anos fui convidado a Paris para wna retrospectiva de meus filmes na Cinémathêque.No jantar após a exibição, muitos diretores ses se queixavam da falta de escritores. Comentei da maneira mais cordial possível que eles talvez estivessem em falta. Devido à tolice em torno do auteur, com o diretortodo-poderoso, de modo geral os autores que se respeitam resistiriam à idéia de se envolver com um filme. Eu disse que não só tínhamos excelentes roteiristas na América como alguns dos nossos melhores romancistas estavam interessados em escrever para o cinema. Doctorow, Bill Styron, Don DeLillo, Norman Mailer, James Salter e John Irving escrevem roteiros, originais e adaptações de seus próprios romances. Edgar era um caso típico. Ele fizera um roteiro de se11romanceThe bookofDaniel pelo menos sete anos antes de conseguirmos o dinheiro para fazer o filme. Eu o li na época e acbei que era um dos melhores que já tinha visto. Durante anos sempre que era contratado para fazer um filme para um estúdio, apresentava Daniel como segunda opç!o. Finalmente apareceu um sujeito se~cional chamado John Heyman. É um dos homens poderosos por trás do financiamento dos estúdios. Ele sabe como financiar através de um banco britânico, registrado nas Bahamas, que então manda o dinheiro para a Paramount Pictures num navio de bandeira panamenha, e de algum modo todos saem ganhando. Depois que começou a trabalhar sozinho, enviou-me um roteiro que achei fantástico. e poT minha vez lhe mandei Daniel. Ele . adorou. Finalmente [amos fazer o filme. Doctorow vibrou, embora tenha ficado preocupado com a possibilidade de q11e o fiLme fosse prejudicado quando fosse entregue a um estúdio para a distribuição. Eu lhe disse que isto não podia acontecer, porque contratualmente me estava assegurada a monta-
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gem final. Isto significa que o que quer que eu entregue como sendo o filme acabado nlo pode ser tocado em nenhum componente auditivo ou visual. Esta é a última coisa da qual qualquer estúdio deseja abrir mão, daí ser tão difícil de conseguir. Eu teria direito à montagem final durante muitos anos d.esde.A..ssassinato no Oriente Expresso.Naquelesanos,creioqueapenasunsdezdiretorestinham esse direito. Antes de começarmos os ensaios de Daniel, Edgar me pediu para fazer a montagem final comigo. Expliquei que a montagem fmal é uma das coisas mais dificeis para um diretor conseguir e portanto era preciosa. Disse-lhe também que os contratos dos diretores se baseavam em precedentes. Se partilhasse a montagem com ele, enfrentaria exigências lguais no futuro, e antes que me desse conta disso, o que levara vinte filmes para conseguir desapareceria. · Prometi-lhe, porém, que nada que ele desaprovasse apareceria na tela. Isto era devido somente a ele, que é um dos nossos melhores romancistas, e eu sabia como TM hook of D(UJiel era caro a seu coração. Ele tinha escrito o roteiro sem a menor garantia de que o filme seria feito um dia e agora, pela primeira vez, tinha de se aventurarnumacolaboraçlo.EscnwerawnapeçaqueMikeNichols dirigira mas que fora concebida como uma peça. Nlo fora uma adaptaçio de um trabalho anterior. Edgar aceitou minha explicaçio e começamos a trabalhar. Ele esteve presente na escolha do elenco, nos ensaios e em todas as filmagens em que quis estar. No primeiro dia de filmagem, rodei a espantosa cena em que as crianças am demloem mio por cima da cabeça da multidão num comício para levantar fundos para seus pais. Eu tinha seis câmeras e cinco mil extras. Olhei para eJe pouco antes de rodar as câmeras. Ele estava chorando: Fora uma longa espera. . Ele estava ~resente na hora de ver os copiões. E eu lhe pedi que se Juntasse a mim na sala de montagem; foi a segunda vez na vida que fiz isto. O filme era difícil de montar porque tanto no livro quanto no roteiro Doctorow tinha fraturado o tempo, de modo que ~ ~çOes adas, presentes e fora de tempo dirigidas ao pubhco estavam todas misturadas. Juntos discutimos, analisamos,
indagamos, duvidamos, ficamos cansados, estimulados ou deprimidos. Saímos em campo quando o filme estreou para fazermos publicidade dele. Apesar de seu fracasso de crítica e de bilheteria, acho que é um dos melhores filmes que já fiz. Geralmente não convido o escritor para ver os copiões ou para a sala de montagem, por motivos que exporei num capitulo posterior. Mas se é possível. quero que o autor veja a primeira montagem. Nos primeiros cortes sempre é retirado algum tempo do filme. A maioria dos autores consegue ver as repetições em seu próprio trabalho. Devido à câmera, parte do que foi escrito pode se tomar claro mais cedo. E numa montagem final disciplinada qualquer duplicação deve sair. O autor pode ser útil nesse prooesso. Num certo sentido, um filme está sempre sendo reescrito. As diversas contribuições do diretor e dos atores, a música, o som, a câmera, a decoração, a montagem são tão fortes que o filme está sempre mudando. Todos estes fatores adicionam digressões, aumentam ou c:funinuem a cl8fCZ8, mudam o espírito ou alteram o
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equiltõriodahistória.É comoobservarumacol~deáguacujacor
vive mudando à medida que diferentes tintas são acrescentadas. Acho que é importante para o autor compreender e~ de modo ideal, desfrutar o processo. Nos filmes isto é inevitável e desde que a intenção principal tenha sido mantida. os novos elementos devem ser bem-vindos. No inicio deste capitulo mencionei que nos melhores filmes surge \UD& terceira intenção, que nem o escritor nem o diretor • podem prever. Nlo sei por que isto acontece, mas acontece. Em todo filme que fiz e que eu sentia que era realme.nte bom, um estranho amálgama foi alcançado que surpreendeu tanto o escritor quanto a mim. Eesta a surpresa de que falou Arthur MiUer. É claro· que o propósito original está p~te. Mas todas as contribuições individuais de todos os diversos departamentos resultam num total muito maior do que as partes individuais. Fazer filme parece muito com uma orquestra: ó acréscimo de várias harmonias pode mudar, aumentar e esclarecer a natureza do tema. Neste sentido, um diretor está "escrevendo" ao fazer um filme. Mas penso que é importante manter as palavras específicas. Escre- '
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ver é escrever. As vezes o escritor inclui orientações no roteiro. Dá longas descrições de personagens ou de ambientes fisicos. Clo.uvps, planos gerais e outras instruçôes para a c4mcra podem estar escritas no roteiro. Leio tudo isto cuidadosamente porque s1o reflexos da intençlo do autor. Posso segui-las literalmente ou encontrar um meio completamente diferente de expressar a mesma intençlo. .Escrever diz respeito a estrutura e palavras. Mas o processo que estou descrevendo - da soma ser maior do que as partes - , isto é modelado pelo diretor. Slo talentos clifereutes. AJgwnas pessoas podem fazer as duas coisas, mWJ nunca conheci ninguém que não fosse melhornwn.a do que na outra. Para mim, Joe Mankiewicz foi sempre melhor escritor do que diretor. John Huston foi um brilhante, talvez grande diretor que também escrevia bem. É dificil falar de c:tiretores cujo idiomanlo sei falar. Nunca esquecerei meu choque ao ver Zabriskie Point, o primeiro filme de Antonioni em inglês. Eu sempre gostei do trabalho dele. Eu a.inda gostava do que ele tinha feito como diretor, mas a linguagem do filme era um problema real. A maioria dos escritores que começaram a dirigir faeram isto para proteger a integridade de seu trabalho. Tinham sido violados tantas vezes por diretores que não tinham a menor i
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vez. A montagem final é uma grande fonte de segurança: Posso eliminar uma cena ou uma fala que olo me agrada ou que não me tenha agradado desde o início. Isto acontcceú mais de uma vez. Mas n1o com freqüência. O diretor, porque diz "Copiem", tem muito poder. Mas os resultados slo melhores quando não precisa usá-lo.
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3- ESTILO: • A PALAVRA MAIS IMPROPRIAMENTE USADA DEPOIS DE AMOR
Não faz muito tempo ü uma resenha do filme O pagamento finalf dirigido por Brian De Palma. O crítico era irador da obra de De Palma, como eu. E escreveu que o diretor tinha encontrado um estilo visual ideal para a tragédia. Mas há um problema aqui. O pagamento.final nlo é uma tragédia. Na mesma resenha o crítico afumava que o filme era " uma obra convencional, de gênero", ~crescentando que ~ealmente não há como considerar este ftlme uma obra coerente unificada" e opinando que o filme era um ••material tosco, comercial,. Se De Palma encontrou "a técnica visual ideaJ para expressar a inexorabilidade incontornável da tragédia" no filme que é descrito nas aspas anteriores, o que ele teria de encontrar para levar Édipo Rei ou Hamlet à tela? Minha discussão nio é com De Palma nem com o filme, mas com o critico. . - Discussões de estilo como algo totalmente desligado do conteúdo do filme me deixam furioso. A fonna segue a função- nos · filmes também. Eu percebo que há muitas obras de arte que São tão belas que não precisam de qualquer justificativa. E talvez alguns filmes nlo quisessem outra coisa senão ser belos, ou ser apenas um exercfcio ou experimento visuaJ. E os resultados podem ser extre-mamente emocionaisporque só devem ser belos. Mas nlo comecemos. a usar tennos empolados como "técnica visual ideal da
tragédia,. Fazer filme sempre gira em tomo de contar uma história.
AJguns filmes contam uma história e nosdeixam com uma impres-
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são. Alguns contam uma história e nos deixam com uma impressão e nos dão uma idéia. Outros contam uma história, nos deixam com uma impressão, nos dão uma idéia e revelam alguma coisa sobre nós mesmos e os outros. E certamente o modo como se conta a história deve relacionar-se de alguma forma com o que a história é. Porque isto é o que é estilo: o modo como se conta uma determinada história. Depois da primeira decisão critica ("De que trata esta história?") vem a segunda decisio mais importante: "Agora que sei sobre o quê é o filme, como devo contá-lo?"~ esta decisão afetará todos os departamentos envolvidos no filme que está para.ser feito. • Deixem-me dar vazão à minha raiva primeiro, porque assim não fica incomodando. Os criticas falam de estilo como de alguma coisa fora do filme porque precisam que o estilo seja óbvio. O motivo por que precisam que seja óbvio é que realmente nlo vêem. · Se o filme parece um comercial da Ford ou da Çoca-Cola, eles pensam que isso é estilo. E é. Está tentando vender alguma coisa de . que você não precisa e é estilisticamente feito com este objetivo. Quando uma t~leobjetiva aparece, isso é "estilo". (Um~ teleobjetiva fotografa objetos ou pessoas que estão muito longe e as traz para bem perto. Mas seu foco é tão pouco profundo que tudo atrás ou na frente da pessoa ou do objeto fica tio distorcido que se toma irreconhecível. Mais sobre lentes depois.) Pelas exclamações:des... Ium bradas que saudaram Um homem, uma mulher, de Leloucb, era • possível pensarqueoutroJean.Renoirtinhasurgido. Uma historinha romântica perfeitamente agradável foi proclamada "arte.., porque era muito fácil identificar como algo que não era realismo. Não é muito diflcil ver o estilo em Assassinato no Oriente Expresso. Mas quase nenhum crítico reconheceu a estilização em Príncipe da cidade. É wn
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decoradores são fáceis de reconhecer. É por isto que os crfticos os adoram. Pronto! ou meu o de cólera. Isto, é claro, faz surgir a questão do autew. O "estilo" de fulano está presente em todos os seus filmes. Claro que está. Ele os dirigiu. Uma das razões por que Hitchcock era tão merecidamente adorado era porque seu estilo pessoal era sentido de modo muito forte em cada filme seu. Mas é importante compreender por quê: Ele sempre fazia essencialmente o mesmo filme. As histórias não eram as mesmas, mas o gSnero era; um melodrama, com camadas de comédia ligeira, interpretado pelos atores mais glamourosos que ele podia encontrar (também os mais comercialmente populares na época), fotografado quase sempre pelo mesmo operador, com música feita pelo mesmo compositor. A equipe de Hitcbcock estava disponivel para todos os filmes. Você tem razão, sim: havia um estilo prontamente identificável. Sua maneira de fazer era a mesma porque o que ele fazia era o mesmo. Isto não pretende, de modo nenhum, ser uma critica. Eu sentia mais alegria vendo os filmes dele do que os de muitos dos chamados diretores sérios. Só estou dizendo que com Hitchcock a forma também seguia a função. Ou talvez fosse o contrário. Talvez ele escolhesse os assuntos que intensificavam sua força criadora, o que ele sabia ser seu "estilo". Ent!o chegamos a outra teoria precipitada. "E Matisse? Sempre se pode reconhecer um Matisse." É óbYio que se pode. É a obra de uma pessoa trabalhando sozinha! Os diretores de filmes não trabalham sozinhos. Haverá uma diferença visual se trabalharmos com o operador A ou o operador B, o designer de produção C ou designer de produção D. Tentei trabalhar no maior número possível de gêneros. Escolho operadores ou compositores da mesma maneira que escolho atores: São adequados para este filme? Boris Kaufman, com quem fiz oito filmes, era um grande ope.rador dramático. Fizemos filmes maravilhosos juntos: Doze homens e uma sentença, O homem do prego, Vidas em.fuga. Mas quando era necessário um toque mais leve, enfrentávamos problemas. Um romance bobinbo que ftz.emos,Mulher daquela espécie, fracassou visualmente; O grupo e Grotesca despedida sofreram porque fotograficamente eram pesados demais. Boris não sabia ser mais
leve, literalmente. (Havia razões para seu coração pesado.) E aqueles para os quais ele era talhado, como, entre outros, Sindicato de ladrões e Boneca de cante, estio entre os melhores filmes em preto-e-branco já realizados. Trabalhei com o mesmo fotógrafo nos meus dez últimos filmes, Andrzej Bartkowiack, porque seu raio de açlo é incrivelmente amplo. Mas na minha lista secreta tenho quatro ou cinco outros fotógrafos com quem desejo trabalhar caso chegue um dia a filmar certos roteiros. E por mais variado que tedha sido seu trabalho comigo, o trabalho de Andrzej assumiu uma dimensão bem diferente com John Hustoo em .A. honra do poderoso P,.izzi ou com Joel Schnmacher em Um dia de fúria Bom estilo, para mim, é o estilo que nlo se vê. O estilo de Ran, de Kurosawa, é totalmente diferente do estilo de' Os sete samurais ou de Sonhos de Kurosawa. E contudo sio ce~ente filmes de Kurosawa. Estilisticamente,.A.pocalip.s-e e O Poderoso chsjão I eU não têm nada em comum. No entanto, todos slo nitidamente obra de Francis Ford Coppola. Uma fonte das grandes diferenças visuais nesses filmes é o fotógrafo. Gordon Willis filmou o primeiro e o segundo Opoderoso chefão e Vittorio Storaro filmou .A.poca/ipse. Qualquer filme é por defmiçã.o uma criação artificial. É feito por pessoas que se reúnem para explorar uma história. As histórias assumem várias formas. Há.quatro formas principais de contar uma história: tragédia, drama, comédia e farsa. Nenhuma categoria é absoluta. Em L'IIZeS da cidade, Chaplin a de uma fonna a outra comtantagraçaqueagenteouncaestáconscientedaformaquetem diante dos olhos. Além disso, há subdivisões no drama e na comédia. No drama há naturalismo (Um dia de clio) e realismo (Serpico). Na comédia há a alta comédia (Núpcias de escândalo) e a baixa comédia (Abhott and Costello Meet You Name Jt). Alguns filmes deliberadamente contêm mais de urna forma. As vinhas da ira é uma combinação de realismo e tragédia, Banzé no oeste uma combinação de baixa comédia e farsa. Estes olo slo elementos exatos, quantificáveis, e com muita freqüência se sobrepõem. O que eu sempre tento determinar é a área geral a que no meu entender o
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filme pertence, porque o primeiro o para descobrir o estilo é começar a estreitar as escolhas que terei de fazer. Quando começa esse desbaste, um fenômeno interessante a a acontecer. De modo nítido a produção começa a se tornar mais estilizada. A crescente estilização pode revelar uma verdade mais profunda. O martírio de Joana d'Arc de Carl Dreyer é um exemplo perfeito. O filme foi feito dentro de um vocabulário muito limitado (sumamente estilizado). À medida que se reduzia a gama da linguagem visual, o filme adquiria implicações cada vez mais amplas. Finalmente, um simples close-up de Falconetti no último instante do sofrimento de Joana dizia tudo: guerra, morte, religilo, transcendência. Quanto mais limitadas e especificas eram as escolhas, mais universais se tomavam os resultados. Pará ir literalmente do sublime ao ridículo, Hollywood geralmente pensa que universalidade significa generalizaçi.o. Há muito anos eu queria muitíssimo dirigir o filme A té o último alento. Era um mundo que eu conhecia bem, adorei o roteiro e, principalmente porqué envolvia a vida da classe méc:lia judia de Nova York, eu temia pelos judeus se eu não o dirigisse. Assim~ uma bela. manhã voei para a Califórnia para uma reunilo com Jack Wamer. Quando entrei na sala dele, vi croquis da colônia de férias judia de CatskiU Mountain, onde grande parte da açlo se desenrolava. Dick Sylbert, o designer de produçio, estava lá. Tfnhamos trabalhado juntos muitas vezes. Os croquis davam a impresslo de que todo o local ficava em Beverly Hills ou Brentwood. Eu disse a Dick que nunca tinha visto um clube do circuito do borscht que se parecesse com aquilo. Dick respondeu: "Bem, se vaca quer que pareça reaL." e interrompeu a frase. Neste ponto Jack Warner entrou. "Está vendo, Sidney", disse ele, "nlo queremos um filme para um público . Queremos algo mais universaL" Eu disse: "Isso significa que nlo teremos nenhum judeu no elenco, certo?" Eu estava de volta para. casa no avilo das tr&. · Para mim. chegar ao estilo do filme acontece de uma de·tr& maneiras. Á5 vezes se dá por um processo de eliminaç.lo: Bem, não é isto... nlo é aquilo ... Foi o caso de Principe da cidade, por
exemplo. Como eu disse, o quê desse filme era: Num mondo de segredos, nada é o que parece. Mostrarei em capítulos posteriores como isto influiu sobre a câmera, os sets e o figurino, a montagem, etc.,masparacomeçar,otemaeliminoucertasescolhasestilísticas. Mesmo sendo umahistória verldic~ não ia serum filme naturalista.· Por naturalista entendo o mais próximo da filmagem de um documentário que se pode chegar num filme roteirizado. Aquela nlo era uma história estruturada de modo convencional, em que o personagem principal vai de A a B a C, surgindo triunfante ou derrotado em termos absolutos. Na verdade, a ambigüidade do fjlme em todos os níveis e~ uma de suas coisas mais excitantes. Eu nem mesmo sabia como via o personagem principal: ele era um herói ou um vilão? Nunca descobri antes de ver o filme terminado. Os bons sujeitos eram maus sujeitos boa parte do tempo, e viceversa. Não era uma história de ficçio, mas seus problemas morais eram de uma dimenslo que poucos incidentes da vida real atingem. Eu nlo estava certo se estávamos no território do drama ou da
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tragédia. Sabiaquequeriaalgumacoisaentreosdoi~tendendopara
o trágico. A tragédia, quando funciona, nlo deixa espaço para lágrimas. As lágrimas teriam sido fáceis demais naquele filme. A. definiçio clássica de tragédia ainda funciona: piedade e terror ou temor religioso, che~ando à catarse. Este sentido de temor exige uma certa c:iistância. É dificil sentir temor religioso de alguém que a pessoa conhece bem. A primeira conseqO&lcia foi a escolha do elenco. Se o papel principal de Danny Ciello fosse interpretado por De Niro ou Pacino, toda a ambivalência desapareceria. Por sua natureza, os astros provocam a faculdade. de identi.ficaçio do espectador. V oca empatiza com eles imediatamente, mesmo que estejam representando monstros. Um grande astro derrotaria o filme apenas com a publicidade. Escolhi um ator extraordinário mas nlo muito bem conhecido, Treat Williams. Isto talvez tenha anuladooapelocomercialdofilme,masfoiaescolhacertadoponto de vistadramático. Depois fui mais longe. Escolhi o maior número possível de caras novas. Se o ator tinha feito muitos filmes eu não o usava. De' fato, pela primeira vez num dos meus fllmes, dos 125 personagens falantes escoJ.hj 52 "leigos", gente que nunca tinha
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atuado antes.lsto ajudou muito em duas áreas: primeiro, ao distan-
tamanho maior do que o natural. Para o pequeno papel do médico escolhj George Coulouris. Excelente ator, ele ainda assim despeja dez litros de água num balde de cinco litros quando representa. Perfeito. Os astros ajudaram a tomar plausível o implausivel. Outro exemplo de percepção imediata foi Um dia de cão. Por causa do material então chocante. senti que minha primeira obrigação era deixar que o público soubesse que aquilo tinha de fato acontecido. Isto explica toda a cena de abertura do filme. Saimos com uma câmera escondida e filmamos todos os incidentes comuns que pudemos flagrar num dia quente de agosto. Quando ftnalmente cortanios para Pacino, John Cazale e Gary Springer sentados num carro diante de um banco, eles pareciam mais uma tomada de um grupo de pessoas naquele opressivo dia de verão em Nova York. O púbHco nem se deu conta de que a história tinha começado. O terceiro modo é um processo lento de investigação em que o estilo surge de uma reiteração constante do tema. Longas discussões com o escritor, o fotógrafo, o designer de produção e o montador pennitem que o estilo, em certo sentido, "se apresente". Um dia de repente você sabe como fazer o filme.lsto aconteceu com Daniel. Tema: Quem paga pelas paixões e compromissos dos pais? Os filhos, que nunca escolhem aquelas paixões e compromissos. Além disso, o tempo estava fraturado. O roteiro saltava para a frente e para trás no tempo. Às vezes estávamos no presente, às vezes vinte anos antes, depois cinco anos antes, em seguida de volta ao presente, depois quinze anos antes. O que lentamente "se apresentou" foi que se separássemos visualmente a vida dos pais da vida dos filhos surgiriam dois mundos. Conseguimos isto através do uso de cor na decoração, filtros na câmera, andamentos na montagem. Darei detalhes disso em outros capítulos. O essencia~ por enquanto, é que uma comple.xa série de conversas permitiu que encontrássemos uma solução que deu peso emocionaJ a cada personagem, resolveu a história em termos teniàticos e, ao mesmo tempo, permitiu que o público soubesse onde se situava no tempo. Há muito mais a dizer sobre estilo nos filmes. Mas tenho de deixar isto para os capítulos específicos que analisam os componentes visuais e auditivos de um filme. Uma vez me perguntaram
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ciar o público não lhe dando atores com os quais tinha associações; e em segundo lugar ao dar ao filme um "naturalismo" disfarçado, que seria lentamente erodido à medida que o filme asse. Numa verdadeira tragédia, Um longo dia de viagem dentro da noite, segui o caminho oposto. Tínhamos de alcançar na produção as dimensões trágicas do roteiro. Eu queria não somente astros, mas gigantes. Eles tinham de ser os melhores atores-grandes atores, se possfvel-e, além disso, ter grandes personas. Pensei imediatamente em Katharine Hepbum para o papel fundamental de Mary Tyrone. Meu primeiro encontro com Hepbum não correu bem. (Mais detalhes depois.) Senti que ela éstava lutando para dominar a situação, o que poderia levar a problemas durante as filmagens. Quando saíamos do encontro, Ely Landau, o produtor, perguntou se eu queria procurar outra pessoa. "Não", respondi. ''Ela é magnífica. Quando Mary Tyrone cair será como um carvalho gigante tombando. Eu enfrentarei todos os problemas que surgirem. Vamos com ela." Ralph Richardson e Jason Robards também tinham personaLidades poderosas, a sustentar seus talentos brilhantes. O papel de Dean Stockwell é pobre quanto à redação, mas visualmente Dean era a personificação do jovem poeta torturado. E este foi o elenco. As vezes o estilo do filme se torna visível quando fecho o roteiro após a primeira leitura: Esta é a segurida maneira - e a mais fácil- de decidir sobre um estilo. Assassinato no Oriente Expresso é um exemplo. Lidávamos ali com um melodrama que tinha uma trama irável. Mas também tinha de ter outra característica; nostalgia romântica. O que poderia ser mais nostálgico ou romântico do que um elenco somente de astros? Isto não se fazia desde muitos anos, embora tivesse havido muitos elencos estelares nas décadas de trinta, quarenta e cinqüenta. A trama era maravilhosa mas complicada. Assim, o que poderia fazer você ouvir com mais atenção do que um "astro" dando as deixas? No fim contamos com Sean Connery,lngrid Bergman, Lauren Bacall, Jacqueline Bisset, Vanessa Redgrave, Jobn Gielgud, Michael York., Wendy Hiller, Albert Finney, Richard Widmark, Rachei Roberts e Tony Perkins. Mesmo os papéis secundários foram tratados como se fossem de
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qual eraasensaçiode fazer um filme. Respondi que era como fazer um mosaico. Ca.dasetup é como uma pedrinha. Você lhe dá cor, forma, polimento, fazendo o melhor que pode. Você fará seiscentas ou setecentas delas, talvez mil. (Num filme pode haver facilmente inúmerossetups.)Depoisvoc!literalmenteascolaeesperaqueisso seja o que voe! pretendeu fazer. Mas se você espera que o mosaico definitivo se pareça com alguma coisa, 6 melhor saber o que está procurando quando trabalha em cada pedrinha. Quando nos sentamos para ver os copiões, assistindo ao trabalho do dia anterior, o maior cumprimento que podemos dar uns aos outros é ..Bom trabalho. Estamos todos fazendo o mesmo filme." Isso 6 estilo.
4 -ATORES: UM ATOR PODE REALMENTE SER TÍMIDO:?
Tentemos pôr de lado todos os conceitos anteriores a respeito de atores: irracionais, patetás, mimados, super-remunerados, obcecados por sexo, egoístas, temperamentais etc. Os atores são.uma parte importante de qualquer filme. Com muita freqüência são a razão de nossa ida ao cinema. (Eu só queria que o teatro tivesse estrelas com seguidores tão fiéis.) São artistas do espetáculo, e artistas do espetáculo são pessoas complexas. Adoro atores. Adoro-os porque são corajosos. Todo bom trabalho requer auto-revelação. Um músico transmite sentimentos através do instrumento que toca, um dançarino através do movimento do corpo. O talento de representar é aquele em que os pensamentos e sentimentos do ator são comunicados instantaneamente ao público. Em outras palavras, o "instrumento., que o ator usa é ele mesmo. São seus sentimentos, sua fisionomia, sua sexualidade, suas lágrimas, seu riso, sua núva, seu romantismo, sua ternura, sua depravação, que estão ali na tela para que todos vejam. Isto nlo 6 fácil. De fato, geralmente é doloroso. Há muitos atores que podem fazer uma cópia da vida de modo brilhante. Cada detalhe eStará correto, belamente observado e perfeitamente reproduzido. Falta uma coisa,'porém. O personagem não tem vida. Não quero a vida reproduzida lá na tela. Quero a vida criada. A diferença está no grau de revelação pessoal do ator. Mencionei anteriormente o quanto iro o que Paul Newman fez de sua vida. Ele. é um homem digno. É também um homem muito reservado. Trabalhamos juntos na televisão no 'início da década de cinqüenta e fizemos urna pequena cena juntos· num
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documentário sobre Martin Luther King, de modo que quando nos encontramos em O veredicto ficamos imediatamente à vontade um com o outro. Ao fim de duas semanas de ensaio fiZ uma recapitulação do roteiro. (Uma recapitulação é um ensaio que vai direto do princípio ao fim do roteiro, sem paradas entre as cenas.) Não houve grandes problemas. Na verdade, pareceu muito bom. Mas de algum modo parecia um pouco insípido. Quando paramos no final do dia, pedi a Paul que ficasse um instante. Contei-lhe que embora as coisas parecessem promissoras, não tínhamos realmente alcançado o nível emocional que ambos sabíamos estar presente no roteiro de David Mamet. Eu disse que a caracterização dele estava boa mas que ainda não tinha se desdobrado numa pessoa de verdade. Havia algum problema? Paul disse que ainda não tinha as falas memorizadas e que quando tivesse, tudo fluiria melhor. Eu disse que não achava que fossem as falas. A meu ver havia um certo aspecto do personagem de Frank Galvin que faltava até então. Não queria invadir a privacidade dele, acrescentei, mas só ele podia escolher revelar ou não aquela parte do personagem e portanto aquele aspecto dele mesmo. Eu não podia ajudá-lo na decisão. Morávamos perto um do outro e fomos para casajuntos. A viagem naquela noite transcorreu em silêncio. Paul estava pensando. Na segunda-feira Paul chegou no ensaio e as centelhas voavam. Ele estava espetacular. Seu personagem e o ftlme ganharam vida. Sei que a decisão de revelar a parte dele mesmo que o personagem exigia foi dolorosa para ele. Mas ele é um ator dedicado e também um homem dedicado. E, para responder ao título do capítulo, sim, Paul é um homem tímido. E um ator maravilhoso. E piloto de carro de corrida. E brilhante. Se aquela revelação pessoal foi tão dolorosa para Paul, tente imaginar o quanto deve ser dolorosa para as atrizes. Elas não são apenas solicitadas a atingir o mesmo grau de auto-revelação como são, além disso, tratadas como mercadorias sexuais. Podem ser solicitadas a desnudar os seios e/ou as nádegas ou uns e outras. Sabem que terão de perder cinco quilos antes de começar a filmagem. Podem ter colágeno bombeado em seus lábios, se submeter a lipoaspiração para retirar gordura das coxas, mudar a
cor do cabelo e a forma das sobrancelhas, levar pontos atrás das orelhas para esticar a pele em volta do pescoço. Tud<>
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instinto se desgasta depressa na representação por causa da repetição. A natureza do cinema é a repetição. Assim é preciso recorrer a " ações" que podem estimular emoções para compensar a perda do instinto. Para isso 6 quo serviram õs dois dias de discussão. Em
avança sobre-os-nossorpés pode levar outros dois dias e meío. Assim chegamos ao nono dia. Peço ao operador que venha assistir a um ensaio. O escritor esteve presente o tempo todo. E se gosto do produtor, convido-o para o ensaio da câmera No último dia de preparação fazemos um ou dois ensaios. É . claro que sempre ensaio em seqüência. É por isso que os filmes nunca são rodados em seqüência. o às locações, orçamento, a disponibilidade dos atores que fazem papéis menores, a proximidade das locações para que os caminhões nlo tenham de viajar muito- muitas prioridades diferentes existem que fazem com que a filmagem seja program~ de determinada maneira. Ensaiar em seq1l!ncia dá aos atores o sentido de continuidade, o "arco" de seus personagens, para que conheçam exatamente onde estio quando a filmagem começa, independentemente da ordem de filmagem. Howard Hawks foi certa vez solicitado a apontar o elemento mais importante no desempenho de um ator. Sua resposta foi "confiança". Em certo sentido, isto é realmente o que acontece durante o ensaio: os atores estio ganhando confiança na revelaçio de SWl5 individualidades. Estão aprendendo a meu respeito. Eu nlo escondo nada. Se os atores nlo vAo esconder nada diante dacimera, eu nlo posso esconder nada diante deles. Eles t!m de poder confiar em mim, saber como eu os "sinto" e o que estão fazendo. Esta confiança mútua é o elemento mais importante eo1re mim e o ator. Trabalhei com Marlon Brando em Vidas em fuga. Ele é um sujeito desconfiado. Nio sei se ele ainda se dá a esse trabalho~ mas Brando testa o diretor no primeiro ou segundo dia de filmagem. O que ele faz é lhe dar duas tomadaS aparentemente idSnticas. S6 que numa ele está realmente trabalhando com seu interior; e na outra está apenas lhe dando uma indicaç6o de como erll a emoçlo. Af observa qual é a que voca decide copiar. Se o diretor copia a errada, a "indicada", Marlon ganha a parada. E va.i assim até o fim ou toma a vida.do diretor um inferno, ou faz as duas coisas. Ninguém tlml o d.ireito de testar as pessoas desse modo. mas posso entender por que ele faz isto. Ele não deseja expor sua vida interior a algu6m que nlo sabe ver o quo ele está fazendo.
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outras palavras, começamos a usar a técnica. Quando chegamos àquela segunda leitura, o instinto já foi gasto. mas ainda não tivemos tempo suficiente para encontrar todos os gatilhos emocionais de que os atores necessitam. E é por isso que a leitura olo é tio boa.
Nesse mesmo período vemos se é preciso reescrever alguma parte do roteiro. Estamos começando a sentir se faltam transições no personagem ou na trama, se toda a informaçlo necessária é transmitida de modo claro, se o filme é longo demais ou se o diálogo n1o é bastante vivo. Se há trabalho importante a fazer, o escritor
pode desaparecer por alguns dias. Pequenas revi~ podem ser \ feitas na própria sala de ensaio. No quarto dia começo a esboçar as cenas. Cada interior que usaremos no filme foi demarcado com fita no chio em suas dimensões reais. AB fitas slo decores diferentes, de modo que todos possam ver que espaços elas representam. Os móveis slo colocados nos mesmos lugares em quo aparecerão nos sets reais. Telefones, mesas. camas, facas, armas, algemas, canetas, livros, papéis- está tudo lá. Duas cadeiras lado a lado tomam-se um carro, seis cadeiras um vaglo do metrô. Os atores estio de pé e o que se ouve é "Cruza aqu.i''. "Senta nesta linha", "Sidney, eu ficaria mais à vontade nlo olhando para ela nesta parte". Encenamos tudo: perseauições. lutas (protetores de joelho, cotovelo e bacia sio obrigatórios), caminhadas pelo Central Parte, tudo, seja interior ou exterior. Chamo isto de "botar as coisas em pé". O processo leva cerca de dois dias e meio. Depois recomeçamos do início, parando agora para ter certeza de que cada movimento em cena decorre do que foi discutido em volta da mesa.. NAo enceno o que está na minha cabeça antes dos ensaios. Nem penso muito em como será o movimento da câmera. Quero veraonde o instinto dos atores os leva. Quero que cada o flua organicamente do o anterior: da leitura para a eocenaçlo e a decislo de como rodar o filme. Esse procedimento de pára-e-
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Ao mesmo tempo que estão aprendendo a meu respeito, estou descobrindo coisas sobre os atores. O que os estimula, o que detona suas emoções? O que os aborrece? Como está a concentração deles? Elestêmumatécnica?Quemétododeatuarelesusam?O"Método" tomado famoso no Actor's Studio, com base nos ensinamentos de Stanislavsky, não é o único. Ralph Richardson, que eu vi dar pelo menos três grandes interpretaçpes no teatro e no cinema, usava um sistema completamente auditivo, musical. Durante os ensaios de Um longo dia de viagem dentro da noite, ele fez uma simples pergunta. Quarenta e cinco minutos depois eu terminei minha resposta. (Eu falo demais.) Ralph parou um instante e depois disse sonoramente: "Sei o que você quer dizer, meu rapaz: um pouco mais de ce//o, um pouco menos de flauta." Eu fiquei encantado, é claro. E é claro que ele estavame gozando, dizendo que eu não fosse tão prolixo. Mas a partir daí falamos em termos musicais: "Ralph, um pouco mais de staccato." ''Um andamento mais lento, Ralph.'' Depois descobri que quando trabalhava no teatro ele tocava violino no camarim como aquecimento antes de uma representação. Ele se usava literalmente como um instrumento musical. Outros atores trabalham com ritmos: "Sidney, me dê o ritmo disso.'' A resposta é "Dum-de-dum-de-dum-de-DUM"'. Ou querem a leitura das falas, uma técnica que outros atores detestam. Os atores estão também aprendendo uns sobre os outros. Estão se revelando uns aos outros, compartilhando, cada vez mais, seus sentimentos pessoais. Henry Fonda me contou que no primeiro dia de trabalho num filme de Sergio Leone teve de rodar uma cena erótica com Oina Lollobrigida. Sem ensaio. Direto. Os atores diferem muito quanto a cenas de amor e sexo. Alguns fogem delas por timidez. A esposa de um ator com quem trabalhei não permitia · que ele fizesse essas cenas. Eu sei que se surge um caso entre dois atores, geralmente começa ou no dia em que eu ensaio a cena de amor ou no dia em que a rodo. Um ator cujo nome não deve ser revelado queria estar presente na hora de escolher a mulher que ia contracenar com ele. Quando perguntei por que, ele disse que tinha de poder se relacionar com ela sexualmente se quisesse fazer as cenas de amor adequadamente. Então eu perguntei a ele: e se 0
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roteiro exigisse que ele a matasse? Precisaria se relacionar com ela criminosamente para fazer o papel? As coisas ficaram meio azedas entre nós durante alguns dias. O exemplo mais comovente de quanto de si mesmos devem os atores ar para um personagem aconteceu em Rede de intrigas. William Holden era um ator maravilhoso. Era também muito experiente. Tinha feito sessenta ou setenta filmes na época em que trabalhamos juntos, talvez até mais. Notei que durante o ensaio de uina determinada cena com Faye Dunaway, ele olhava para todos os lugares menos diretamente nos olhos dela. Olhava para as sobrancelhas, para o cabelo, para os lábios, mas não para os olhos. Eu não disse nada. A cena era uma confissão do seu personagem de que estava irremediavelmente apaixonado por ela, que eles v.inham de mundos muito diferentes, que ele era muito vulnerável para ela e que portanto precisava da ajuda e do apoio dela. No dia da fi.lmagem fizemos uma tomada. Depois da tomada eu disse: "Vamos de novo, e Bil~ nesta tomada você faria uma coisa por mim? Olhe firme nos olhos dela e não se afaste deles." Ele assim fez. E a emoção jorrou. É uma de suas melhores cenas no filme. O que quer que ele estivesse evitando não poderia mais ser negado. O período de ensaio tinha me ajudado a reconhecer esta reticência emocional nele. É claro que eu nunca perguntei o que ele vinha evitando. O ator tem direito à sua privacidade; nunca violo suas fontes intimas conscientemente. Alguns diretores violam. Não há certo nem errado aqui. Mas aprendi minha lição muitos anos antes, num filme chamado Mulher daquela espécie. Eu precisava das lágrimas de uma atriz numa determinada fala. Ela não conseguia produzi-las. Finalmente, eu lhe disse que independentemente do que eu fizesse durante a próxima tomada ela deveria continuar a dizer a fala. Rodamos a câmera. No momento em que ela ia dizer a fala, levantei a mão e dei-lhe uma bofetada. Os olhos dela se arregalaram. Ela ficou aturdida. As lágrimas jorraram, em profusão, ela disse a fala e fizemos uma tomada sensacional. Quando eu gritei "Corta, copiem!" ela atirou os braços à minha volta, me beijou e disse que eu era brilhante. Mas eu me sentia simplesmente abomináveL
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Mandei buscar uma bolsa de gelo.p araqueorostodelanão inchasse e tive a certeza de que nunca mais faria uma coisa daq11elas. Se nio podemos conseguir uma coisa por meio da habilidade artística, diabos a levem. Encontraremos outra coisa q11e sirva tio bem quanto ela. No capítulo sobre estilo mencionei que em Um longo dia de viagem dentro da noite eu queria Katharine Hepbum por causa de sua atuação como atriz, e de sua forte persona. O problema de integrar as próprias qualidades pessoais vigorosas com o personagem que a estrela está interpretando é fascinante. Se temos um grande astro, temos esta qualidade pessoal forte aflorando em cada desempenho. Mesmo quando se trata de um ator tio versátil como Robert De N iro, o próprio De Niro se sobressai. Em parte porque ele se usa de modo brilhante. Como eu já disse, o único instrumento do ator é ele mesmo. Mas acho que é mais que do isto. Há uma misteriosa alquimia entre astro e público. Às vezes ela se baseia na beleza fisica ou no sex appeal do astro. Mas nio acredito que seja só uma coisa. Certamente havia outras muJheres tão atraentes quanto Marilyn Monroe ou homens tio charmosos quanto Cary Grant (embora nlo mwtos). AJ Pacino tenta adaptar sua apa16ncia aos personagens- uma barba aqui, lliD cabelo longo ali - mas, seja como for, é o modo como seus olhos expressam wna imensa raiva, mesmo em momentos de ternura que me impressiona e a todo o mundo. Acho que todo astro desperta uma Sensação de perigo, algo incontrolável. Talvez cada pessoa do público sinta q11e é a única que pode controlar. domar. satisfazer a qualidade maior do que a vida que um astro tem. Clint Eastwood não é reaJmente o mesmo que você ou eu. 6? Ou MicheUe Pfeiffer, ou Sean Connery, ou sei lá quem. Nlo sei realmente o que constitui 11m astro. Mas a persona que surge diante de vod é certamente um elemento importantíssimo. Corno eles geraJrnente slo a razão pela qual um filme consegue financiamento, os atores tendem a ser mimados. Detesta aqueles trailers enormes. Já vi trai/ers que são verdadeiros ônibus adaptados. A cama é imensa. A TV tem antena parabólica retrátil Já vi a companhia de produção pagar cozinheiros particulares, secretárias
particulares, pessoal de maquilagem e cabeleireiro que não são melhores que seus colegas mas que recebem um salário quatro vezes maior. Muitos dos maq11iladores e cabeleireiros dos astros empregamumjeitosutildeminarocampo,demodoqueoastroaos poucos se torna dependente deles.· Tlldo isto é perigoso de duas maneiras: custa muito dinheiro que nio aparece na tela; e mesmo sem querer, os astros começam a ter uma sensaçlo de poder que
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pode estragar o trabalh_o deles.
Hepbum mmca desceria a esse n1vel. Ela tinha sido, porém, um fator dominante em sua própria carreira. Isto aconteceu durante seu período na Metro, nas décadas de trinta e quarenta. A maioria dos astros tinha um medo abjeto de Louis 8 . Mayer, menos Kate. Ela às vezes criava seu próprio materiaL Nlo sei se encomendou a Philip Barry que escrevesse Núpcias de escândalo para ela, mas detinha os direitos. Quando nos encontramos pela primeira vez, em Um longo dia tk viagem dentro da noite, ela estava morando na antiga casa de John Banymoreem Los Angeles. ei pelas portas do que me parecia ser uma sala de estar de quinze metros de comprimento. Ela se levantou na outra extremidade da sala e começouaandarnaminhadireção. Tínhamostranspostometadeda distância quando ela disse: "Quando quer começar a ensaiar?" (Nada de "Olá" ou "Como vai?j "Dezenove de setembro", eu disse. "'Só posso começar dia vinte e seis". ela disse. " Por quê?", perguntei "J>orque entlo", ela disse, "você saberia mais sobre o roteiro do que eu." Divertida. channosa, mas falava sério. Para mim estava tudo bemseelasabiamaissobreopersonagem.Afinal,elaia·representálo, e eu tinha uma porçiode outras coisas para pensar. Mas o desafio era inconfundível, e eu podia ver os percalços ao longo do caminho. O jeito era deixá-la em paz. Embora ela tivesse feito grandes papéis, nada poderia~ comparar a Mary Tyrone em complexidade psicológica, exigSncia flsica. e emocional e dimensão trágica. Durante os três primeiros dias de ensaio eu nio disse coisa algllma a ela sobre a personagem de Mary Tyrone. Conversei muito com Jason, que fizera seu papel antes, com Ra.lpb e Dean e naturalmente falamos da peça. Quando acabamos a leitura geral no terceiro dia, ,
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houve uma longa pausa. E então, do canto da mesa onde Kate estava, uma voz fraquinha disse "Socorro!" A partir dai o trabalho foi emocionante. Ela perguntava, falava, queixava-se. tentava, fracassava, acertava. Construía aquela personagem pedra a pedra. Faltava ainda alguma coisa à interpretação no ftnal da segunda semana. Hâ um momento no roteiro em que seu filho mais novo, tentando romper o atordoamento em que a deixava a morfina, diz a ela aos gritos que ele está morrendo de consumpção. Eu disse: c'Kate, eu gostaria que você lhe aplicasse um tapa com toda a força possível." Ela começou a dizer que não podia fazer aquilo, mas a frase foi morrendo em sua boca. Pensou nisso durante uns trinta segundos depois disse: "Vamos tentar." E bateu nele. Olhou para a cara chocada de Dean e seus ombros começaram a tremer. Afundou-se na prostração amedrontada que era um aspecto tão importante de Mary Tyrone. A visão daquela Bepbum colossal em tal estado era a personificação da representação trágica. Quando os gregos diziam que a tragédia é para a realeza, estavam apenas dizendo que a tragédia era para gigantes. Não houve mais represamento. Kate estava em ascensão. No fim do ensaio, pouco antes da filmagem, reuni os atores para lhes falar sobre meu sistema e meus hábitos de filmagem e para saber se havia alguma coisa de que tinham necessidade durante a filmagem que pudéssemos provi
anos porque sabia que eles interfeririam no trabalho. Aquela é uma das grandes. ' Em Assassinato no Oriente Expresso eu queria que Ingrid Bergmãn interpretasse a princesa russa Dragomiroff. Ela queria fazer·a retardada criada sueca. Deixei-a interpretar a criada. Ela ganhou um (>rêmio da Academia. Toco neste assunto porque o autoconhecintento é importante de muitas maneiras para um ator. Já mencionei como a improvisação pode ser uma ferramenta eficaz no ensaio como meio de descobrir c"rrio a pessoa realmente fica quando, por exemplo, está com raiva. Conhecer seus sentimentos permite que você saiba quando esses sentimentos são verdadeiros em contraste com o momento em que vaca os está simulando. Por mais inseguros que estejam, quase todos os astros com quem trabalhei têm um alto grau de autoconhecimento. Podem odiar o que vêem, mas eles se vêem, sim. E você pensava que toda aquela contemplação no espelho era só vaidade. Acho que é o autoconbecimento que serve como elemento integrador entre a persona natural do ator e o personagem que ele interpreta. Temos sorte neste pafs. Quase todos os nossos astros slo muito bons atores. E dos que não são, a maioria quer ser. Por isso muitos estudam interpretação quando não estão trabalhando. Muitos têm aulas de diferentes tipos na costa leste e na costa oeste. Em Londres, também, são ensinadas diferentes t6cnicas. Como Pau] Newman (o M6todo) consegue trabalhar com Charlote Rampling (sem nenhum método, mas maravilhosa); Alan King (boates) com Ali MacGraw (nenhum treinamento formal); Ralph Richardson (Real Academia Clássica) com Dean StockweU (uma versão do Método); Marlon Brando (o Método) com Anna Magnani (autodidata)? Como conseguimos que atores com experiências de vida e técnicas de representação totalmente diferentes pareçam estar fazendo o mesmo filme? A resposta é notavelmente simples, mas como todas as coisas simples, é ditlcil de realizar. Como na vida falar e escutar realmente um ao outro é muito, muito diflciL Na representação essa é a base na qual tudo é construido. A essa altura eu tenho um discurso quase pronto que faço antes da primeira leitura do roteiro. Digo aos atores:
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''Vão até onde sintam que podem ir. Façam o máximo ou o mínimo que quiserem. Se sentirem a coisa, deixem que ela alce vôo. Não se preocupem se é a emoção certa ou errada. Descobriremos. É para isso que servem os ensaios. Mas, no mínimo, conversem uns com os outros e ouçam uns aos outros. Nlo se preocupem com a perda do seu lugar no roteiro enquanto estiverem realmente falando ou ouvindo uns aos outros. Tentem captar o que vods acabaram de ouvir." Stanford Meisner foi um dos melhores professores de repJeSelltaçlo do meu tempo. Com os estudantes iniciantes, ele ava o primeiro mês ou mês e meio reunindo-os para que realmente conversassem e ouvissem uns aos outros. Nada mais. É o grande denominador comum onde os diferentes estilos e técnicas de representar se encontram. Uma coisa fascinante aconteceu na primeira leitura do Assassinato no Oriente Expresso. Cinco estrelas do teatro inglês estavam em cartaz no West End na época- John Gielgud, Wendy Hiller, VanessaRedgrave, Colin Blakely e R.acbel Roberts. Sentados com eles estavam seis estrelas do cinema: Sean Connery, Lauren Bacall, Richard Widmark, Tony Perkins, Jacqueline Bisset e Michael York; lngrid Bergman e Albert Finney eram a ponte entre os dois mundos. Começaram a ler. Eu não conseguia ouvir coisa alguma. Todos murmuravam suas falas tio baixinho que eram i:nawtfveis. Finalmente percebi o que estava acontecendo. Os astros do cinema reverenciavam os astros do teatro; os astros do teatro reverenciavam os do cinema. Um caso clássico de terror do palco. Mandei parar a leitura e, dizendo que não conseguia·ouvir co~guma, pedi que fizessem o favor de falar \J!lS com os outros como se estivessem na casa de Gielgud para jantar. Jobn disse que nunca tivera convidados tio ilustres para jantar, e demos a partida A maioria dos bons atores tem seu melhor momento de filmagem cedo. Geralmente na Tomada 4 já destilaram o CU~e há de melhor neles. Isto é verdade sobretudo nas grandes cenas de emoçio. O cinema, porém, é um meio técnico. As coisas saem erradas apesar dos preparativos. Uma porta bate do lado de fora do set, o microfone aparece na tomada, o operador de câmera erra, o
empurrador da dolly perde a deixa. Quando isto acontece, o ator a por maus mom~ntos. Tendo "esvaziado" uma vez, ele agora precisa se recarregar. O único meio de contornar o problema é filmartomadaatomadaporqueo"recarrega.mento"podeacontecer · a qualquer instante depois da Tomada 8 ou Tomada 1Oou Tomada· 12. Eu tento dar ao ator algo novo a cada vez para estimular seus sentimentos, mas depois de algum tempo minha imaginação se esgota. Uma história resume todos os penosos problemas de que falei nestecapítQ.lo.Aconteceuem Vidasemfoga.NumacenacomAnna Magnani, Brando tinha uma longa fala que continha um dos melhores textos de Tennessee Williams. Usando belas imagens ele se compara a um pássaro que nunca consegue se sentir em casa em parte alguma da terra. Condenado a voar sem destino pelo mundo, não pousa nunca até morrer. Boris Kaufman tinha preparado complexas mudanças de iluminação. A lnz sobre as paredes do fundo diminuía até que somente Marlon ficava iluminado, numa espécie de limbo. Um complicado movimento de câmera também fazia parte da tomada. · Marlon começou a Tomada 1. Por volta de dois terços da fala, ele parou. Tinha esquecido o restante. Começamos a Tomada2. As luzes não desapareceram corretamente. Tomada 3: Marlon esque-ceu a fala exatamente no mesmo ponto. Tomada 4: Marlon parou novamente no mesmo ponto. Até entlo, eu nunca fora além de quatro tomadas com Marlon em coisa alguma. Tomada 5: O movimento de câmera saiu errado. Tomada 6. Tomada 7. Tomada 8. A memória de Marlon estava falhando no mesmo trecho. Já eram 5:30. Tínhamos ado da hora. Marlon tinha me falado de alguns problemas pessoais que estava enfrentando na época. De repente percebi que havia uma ligação direta entre os seus problemas e a fala que ele nio conseguia lembrar. Tentamos de novo. Ele parou. Fui até ele e disse que se ele quisesse poderiamos suspender a filmagem até o dia seguinte, mas eu não queria que esse bloqueio aumentasse durante a noite. Achei que devíamos atravessá-lo de qualquer maneira, levasse o tempo que levasse. MarJon concordou. Tomada 12. Tomada 18. Estava ficando embaraçoso. Magnani, a equipe,
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todos nós estávamos angustiados por ele. Tomada 22. Nlo foi bem para a câmera. Era quase um alivio quando o erro não era culpa de Marlon. Fiquei conjeturando se devia dizer o que eu achava que o estava incomodando. Decidi que seria uma violação pessoal grande demais de uma confidência. Tomada 27, 28. Eu disse a Marlon que já que eu tinha de cortar para Magnani de qualquer maneira, podiamosfazerumpiclc:up. Pic/c:upéquandovodcomeçaumanova tomada no ponto em que a outra foi interrompida. Marloo disse que nio. Ele queria fazer tudo numa única tomada. O fUlAI da fala ficaria mais forte assim. Finalmente, na Tomada 34. duas horas e meia depois de termos começado, ele conseguiu. E iravelmente. Quase chorei de alfvio. Voltamos juntos ao camarim dele. Assim que entramos, eu lhe disse que poderia tê-lo ajudado mas achei que não tinha esse direito. Ele olhou para mim e sorriu como somente Brando pode sorrir, e ar a gente pensa que um novo dia surgiu. "Fico feliz por voc6 nlo ter ajudado", ele disse. Nós nos abraçamos e fomos para casa. Tudo acerca de atores e representação no cinema está nessa história. O uso de si a qualquer custo, o autoconhecimento, a confiança que um diretor e um ator têm de desenvolver um no outro, a devoção a um texto (Marlon nunca questionou as palavras), a dedicação ao trabalho, a arte. São experiências como esta que me fazem amar os atores.
5 -A CÂMERA: SUA MELHOR AMIGA
• Em primeiro lugar. a câmera não pode responder. Não pode fazer perguntas estúpidas. Nlo pode fazer perguntas penetrantes que fazem voeS perceber que esteve errado o tempo todo. Ei. ela é uma câmera/ Mas: • Pode compensar um desempenho deficiente. • Pode melhorar um bom desempenho. • Pode criar clima. • Pode criar feiúra. • Pode criar beleza. • Pode provocar emoção. • Pode captar a essência do momento. • Pode parar o tempo. • Pode mudar o espaço. • Pode definir um personagem. • Pode proporcionar explicação. • Pode fazer uma piada. • Pode fazer um milagre. • Pode contar uma história! Se meu filme tem dois astros, sempre sei que realmente tem três. O terceiro astro é a cimera.. Mecanicamente, uma câmera~ muito simples. Um carretel de negativo virgem é colocado na parte dianteira. Um carretel de tração, que puxa o negativo exposto e enrola-o. fica na parte traseira. No meio ficam as rodas dentadas que mantem a pelfcuJaesticada o tempo todo. Elas rodam a uma velocidade constante, ando
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pelas perfurações existentes no negativo, de modo que durante uma tomada a peUcula estA se movendo. No centro desse mecarusmo está uma lente. A luz atravessa a lente e impressiona o negativo. A câmera na verdade fotografou uma imagem parada. chamada fotogramL Depois que o fotograrna foi exposto. o mecanismo da câmera começa a puxar o próximo fotograma para a posiç.lo atrás da lente. Mas quando a peUcula se move um obturador se fecha e impede que a luz atinja o negativo. Então o fotograma seguinte outra fotografia parada- é exposto. Slo vinte e quatro fotogramas por segundo, dezesseis fotogramas para cada pé de filme. um p6 e meio para vinte e quatro fotogramas. Quando projetados numa tela por um mecanismo exatamente igual, parece que as imagens estio em constante movimento, apesar de estarmos de fato vendo vinte e quatro fotos pa.radti por segundo. Ao olho humano o movimento parece continuo. Como Jean-Luc Godard disse certa vez, filmes "são vinte e quatro fotogramas de verdade por segundo". Como os mecanismos de dedilhaçlo da maioria dos instrumentos musicais, esta engenhoca simples, deselegante, pode produzir um resultado estético profundo. Hi quatro elementos básis que atuam sobre a imagem produzida na câmera. Primeiro, há a luz que existe antes mesmo de penetrar na lente. Esta luz pode ser natural, artificial ou uma combinaçlo de ambas. Em segundo lugar, há filtros e redes de cor, .geralmente colocados atrás da lente, para controlar a cor e mudar a qualidade da luz. Em terceiro há o tamanho da própria lente. Em quartohiodiafragma,quedeterminaaqtantidadedeluzquea pela lente e chega à película. Há outros fatores: o ângulo do obturador, o material de que foi feito o negativo e fSSim por diante. Mas estes quatro elementos básicos slo suficientes por enquanto. A escolha fotogrüica mais fundamental que eu faço é que lente usar para uma determinada tomadL As lentes variam numa enorme gamaqucvaide9mllúnetrosa600milímetrosemais. Tecnicamente denominamos as lentes da faixa menor de milimetros (9rnm, 14mm, 17mm, 18mm, 21mm) como lentes grao'lles angulares e as de 7Smm para cima como teleobjetivas. Espero tomar isto mais claro com os seguintes desenhos:
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LENTES
LUZ
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A distância de onde a imagem se volta para a superflcie gravadora (a película) é o que determina o número de miUmetros da lente. No desenho A observe que há muito mais espaço em cima e embaixo do objeto fotografado do que no desenho B. A lente de 35mm (A) abarca uma área significativamente maior do que a lente de 75mm (B). A lente grande-angular (35mm) tem muito mais ~·campo" do que a lente de 75mm. A lente de 75mm tem um tubo · longo desenhado nela porque precisa de mais distância em relação àsuperficie gravadora. Teoricamente, dado todo o espaço de que se precisa, pode-se conseguir o mesmo tamanho de qualquer objeto fotografado usando-se uma lente maior mediante o simples recuo da câmera. Mas trocar de lente pela quantidade de informação que a lente capta (seu "campo") é apenas um uso parcial de uma lente. As lentes têm diferentes sensibilidades. Lentes diferentes contarão uma história de modo diferente. Assassinato no Oriente Expresso ilustrou isto muito claramente.Nocorpodofilmeaconteceramváriascenasqueseriamrecontadas no final do filme por Hercule Poirot, nosso detetive-gênio, usando a recapitulação como parte de sua prova da solução do crime. Enquanto ele descrevia os incidentes, as cenas que tínhamos visto antes eram repetidas como flashhacks . Somente agora, porque tinham adquirido um significado melodramático maior como prova, apareciam na tela de forma muito mais dramática, vigorosa, gravada em traços firmes. Isto foi conseguido mediante o uso de diferentes lentes. Cada cena que seria repetida era ftlmada duas vezes- a primeira vez com as lentes normais do filme (SOmm, 75mm, lOOmm) e a segunda vez com uma l~te grande-angular (21 mm). O resultado foi que da primeira vez que vimos a cena, ela parecia uma parte normal do filme. Vista da segunda vez, era rllelodramática, concordando com o drama da solução de um assassinato. As lentes têm características diferentes. Nenhuma lente vê realmente o que o olho humano vê, mas as lentes que chegam mais perto são as lentes de meia distância, de 28mm a 40mm. As lentes · grandes-angulares (9mm a 24mm) tendem a distorcer o quadro; quanto maior a lente, maior a distorção. As distorções são espaciais.
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Os objetos parecem mais separados, especialmente objetos alinhados do primeiro para o último plano. As linhas verticais parecem ser forçadas a ficar mais juntas no alto do fotograma. As lentes mais longas (de 50mm para cima) comprimem o espaço. Os objetos que estio alinhados do primeiro para o último plano parecem mais juntos. Quanto mais longa a lente, mais perto o objeto parece, tanto para a câmera quanto um para o outro. Estas distorções sio tremendamente úteis. Por eXcemplo, se eu estivesse fazendo um travelling ou simplesmente panoramizando da direita para a esquerda, poderia criar a ilusão do objeto fotografado viajando a uma velocidade muito maior usando uma lente longa. Como parece mais .Próximo, o objeto parece ar pelo plano de fundo a uma velocidade muito maior numa lente longa. O objeto no primeiro plano (um carro, um cavalo, uma pessoa correndo) parece estar cobrindo um percurso maior mais depressa. Inversamente, se eu quisesse aumentar a velocidade de um objeto que se aproxima ou se afasta de mim, usaria uma lente grande-angular. Isto porque o objeto parece cobrir distâncias maiores quando se aprox:íma ou se afasta da gente. As lentes têm outra característica. As lentes grandes-angulares têm uma profundidade focal de campo muito maior-~:t quantidade de espaço em que um objeto que se aproxima ou se afasta da câmera fica em foco sem mudar o foco da lente mecanicamente. Também isto pode ser de pde utilidade. Se eu quisesse me livrar tanto quanto possível do plano de fundo, usaria uma lente longa. O fundo, mesmo parecendo mais próximo, está tão fora de foco que se toma irreconhecível. Mas com uma lente grande-angular, embora pareça mais distante, o fund~ estará mais nítido e portanto mais reconhecível. ·Às vezes, quando preciso de uma lente longa mas quero manter a imagem mais nítida, colocamos mais luz. Quanto mais luz, mais profundidade de foco e vice-versa. A luz adicional nos dará maior profundidade de foco, compensando um pouco a perda de profundidade que a lente longa criou. . . Isso fica ainda mais complicado. Já que a luz mtlut sobre a profundidade de foco, o slop (a quantidade de luz que tem permis-
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sio de ar através da lente) é muito importante. Cria-se o stop abrindo-se ou fechando-se um diafragma montado na lente. A isso chamamos opening up (deixar entrar mais luz pondo-se o diafragma em sua posição mais aberta) ou stopping down (fechar o diafragma de modo a permitir que a menor quantidade de luz alcance a pelicula). Ufa! · O objetivo destas explicações t6cnicas enfadonhas é informar que os elementos fotográficos básicos - lente, diafragma, luz e filtros - são ferramentas maravilhosas. Podem ser usados não apenas por necessidade mas também para alcançar resultados estéticos. Talvez eu possa ilustrar com alguns exemplos.
Doze homens e uma sentença, Boris Kaufman, fotógrafo. Nunca me ocorreu que rodar um filme inteiro numa única sala fosse um problema. Na verdade, eu achava que poderia tirar vmtagem c:tisto. Um dos mais importantes elementos dramáticos para mim era a sensaçio de aprisionamento que aqueles homens deviam sentir naquela sala. Imediatamente me ocorreu um "enredo de lentes". A medida que o filme se desenrolava, eu queria que a sala fosse parecendo cada vez menor. Isto queria dizer que eu iria aos poucos ar a usar lentes mais longas com a continuação do filme. Começando com a faixa normal (28mm a 40m.m), pas~os para Lentes de SOmm, 7Smm e 1OOmm. AJém disso, rodei o primeiro terço do filme acima do nível do olho e depois, abaixando a câmera, rodei o segundo terço ao nível do olho e o último terço abaixo do nível do olho. Desse modo, já para o fi.In, o teto começava a aparecer. Não apenas as paredes se fechavam; o teto também. A scnsaçlo de crescente claustrofobia ajudou muito a efevar a tensão da última parte do filme. Na tomada final, uma exterior que mostrava os jurados deixando o tribuna~ usei uma lente grandeangular, mais larga do que qualquer lente que tivesse sido usada em todo o filme. Também levantei a câmera para a posição mais elevada acima do nfvel do olho. A intençio era literalmente nos dar todo o ar, deixar-nos finalmente respirar, d\pois de duas horas cada vez mais confinadas.
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V'ulas em fuga, Boris Kaufman, fotógrafo. Pela primeira vez tentei atribuir lentes aos personagens. O personagem de Brando, Val XavierJ está tentando descobrir o amor a si mesmo e aos outros como a única possibilidade de sua própria salvação. (Certa vez perguntei a Tennessee Williams se o nome Val Xavier era uma versão camuflada de São Valentino, o salvador. Ele se limitou àquele seu sorrisinho enigmático.) . . Com uma lente longa, em virtude de sua menor profundidade de foco, a imagem tende a ser um pouco mais suave. De fato, usando uma lente longa num stop bem aberto, um close-up pode mostrar os olhos nitidos, mas as orelba8 e a parte detrás da cabeça ligeiramente fora de foco.Por isso tentei sempre que possível usar umalente mais longa para Brando do que para qualquer outra pessoa em cena. Eu queria uma aura de delicadeza e suavidade em tomo dele. O ~rsonagem .de Anna M.agnani, Lady, começa como uma mulher dura, amarga. Amedida que seu caso de amor com Vai se desenvolve, ela se toma mais doce. Assim, à medida que o filme avançava, eu lentamente aumentava o uso de lentes longas sobre ela até qt4e, já perto do fim, a mesma lente foi usada para Lady e Val. Ele havia mudado a vida dela. Ela estava agora no mundo dele. O personagem de Val começou e terminou o mesmo. O personagem de Lady ou por uma transição. Para enfatizar a progressão dela, já que estávamos usando a mesma lente para cada um deles., acrescentamos redes ao lado dela. Uma rede é de fato uma rede presa numa moldura de metal rígida que se encaixa atrás da lente, do lado de fora da câmera. EJa difunde a luz, suavizando mais a imagem. A rede deve ser usada muito sutilmente, em especial quando é entrecortadapor tomadas de um personagem que nlo tem rede. Há yários graus de rede, do leve ao pesado. No final do filme, Lady descobre que está grávida. Numa bela fala, ela se compara a uma figueira do jardim de seu pai que, uma vez morta, renasceu. . Boris usou tudo que pôde - Lente longa, redes, e ~s estágios ·diferentes de luz pesadamente enevoada- para dar a ela uma certa
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resplandecência. Recordando isso agora., acho que fomos um pouco longe demais, mas na época achei que estava ótimo. Eu gostatia de fazer uma ligeira pausa para falar sobre luz. Evidentemente há mais controle sobre uma cena de interior, onde o operador provê a luz artificialmente. Mas em exteriores é surpreendente ver quanto controle um bom fotógrafo consegue de fato. Sevocêoualgumavezporum.aequipedecinemattlmando nas ruas, talvez tenha visto uma lâmpada enorme derramando sua luz no rosto de um ator. Ela é o que chamamos are ou brute e emite o equivalente a 12.000 watts. Sua reação foi provavelmente: O que há com esse pessoal? O sol está. brilhando e eles acrescentam aquela luz enorme que obriga o ator a ficar com os olhos meio fechados. Bem, a pellcula é limitada de muitas maneiras. É um processo qufmico e uma de suas limitações é a quantidade de contraste que conseguecaptar.Podeseajustaramuitaluzouapoucaluz.Masnão pode absorver muita luz e pouca luz no mesmo quadro. É uma versão mais pobre de nossa própria vista. Tenho certeza. de que vaca já viu uma pessoa na janela num belo e claro dia de sol. A pessoa fica como uma silhueta recortada contra o céu. Não conseguimos distinguir as feições dela. Aquelas lâmpadas de arco voltaico corrigem o ccequilíbrio" entre a luz no rosto do ator e o céu brilhante. Se não as usássemos, o rosto dele ficaria completamente preto. E uma lâmpada de arco voltaico faz piscar. (Aposto que você pensava que todos aqueles heróis do faroeste tinham aquele olhar semicerrado naturalmente.) Uma ilustração perfeita do uso do contraste é:
Decidimos fazer todo o filme com três lentes grandes-angulares: o primeiro terço com uma de 24mm, o segundo com uma de 2lmm, o último com uma de 18mm. Quero dizer tudo mesmo, inclusive close-ups. Claro, os rostos ficaram distorcidos. Um nariz parecia ter o dobro do tamanho, a testa se lançava para trás. No fim, mesmo num close-up com a câmera a menos de trinta centímetros dos rostos dos atores, podia-se ver toda a cadeia ou enormes panoramas do deserto por trás deles. Foi por isto que usei aquelas lentes. Não queria perder o elemento critico do enredo e a emoção: esses homens nunca se livrariam da prisão ou deles mesmos. Era este o tema do fllme. Eu queria todo o entorno bem presente o tempo todo. Voltando ao contraste, os exteriores eram filmados no deserto. A luz era de cegar, o calor tlo violento que durante o dia nos desidratávamos por completo. ados alguns dias perguntei a Seao Connery se ele estava urinando. "Só de manhl'', disse ele. Quando chegávamos a um close-up e o ator não estava olhando para o sol, Ossie perguntava se eu queria ver o rosto do ator. Se eu dizia sim, os eletricistas traziam a lâmpada de arco voltaico. Se eu dizia não, Ossie perguntava: "E os olhos?" Se sim, ele cortava um pedaço de cartolina branca ou, se a câmera estava muito perto do ator, tirava seu lenço, e usava-o como refletor, para rebater para os olhos do ator a luz quente que vinha do céu. De fato, nos primeiros tempos de cinema, antes que dispusessem de geradores portáteis, os operadores usavam os chamados refletores- imensas pranchas revestidas de lâ.minas de prata, que refletiam o sol onde o fotógrafo quisesse. Elas ainda são usadas hoje em dia quando o orçamento está apertado.
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A colina dos homens perdidos, Oswald Morris, fotógrafo. A,
colina é a história de uma prisão do exército britânico no norte da África durante a ll Ouerra Mundial. Só que o acampamento é para soldados britânicos, enviados llara lá por problemas de disciplina ou comportamento criminoso. E um lugar brutal, cheio de punições sádicas que se destinam aabater o espírito de qualquer um que tenha a infelicidade de estar lá. Querendo um negativo bem contrastado, usamos a peUcula llford que raramente era usada porque os fotógrafos a achavam contrastada demais.
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Assassinato no Oriente Expresso, Geoffrey Unsworth, fotógrafo. Nosso objetivo aqui era a simples beleza flsica. Dois modos de conseguir isto (entre muitos outros) são o uso de leDtes longas, para ajudar a suavizar toda a imagem, e a iluminação de fundo. Iluminação de fundo é um dos modos mais antigos e mais freqüentemente usados de fazer com que as pessoas pareçam mais
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bonitas. A luz é projetada por trás do ator na direção da nuca e dos ombros. A luz é de maior intensidade do que a que atinge o rosto do ator. Se vocêjá andou no bosque ao encontro do sol poente, ou olhou para o sul da Quinta Avenida num dia ensolarado, estando num ponto ligeiramente elevado, talvez recorde como as folhas ou a avenida pareciam belas. Isso acontece porque elas estavam sendo iluminadasportrás.AJuzdefundoémuitousadanos filmesporque funciona. TomouDietrich, Garbo, todas elas, ainda mais bonitas do quejáeram. ·
brilho do que normalmente teriam. Este processo é chamado prej/ashing. ,
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Rede de intrigas, OwenRo~ fotógrafo. O filme tratava de comJ.pçlo. Por isso corrompemos a câmera. Começamos com um olhar quase naturalista. Para a primeira cena entrePeter Fincb e Bi!J Holden, na Sexta Avenida à noite, acrescentamos apenas luz suficiente para conseguir exposiçlo. À medida que o filme.avançav~ as posições da câmera tomavam-se mais rfgidas, mais formais. A iluminação tomou-se mais e mais artificial. A penúltima cena em que Faye Donaway, Robert Duvall e tras executivos da rede decidem matar Peter Finch- é ilmninada como um comercial. As posições da câmera são estáticas e as imagens se assemelham a fotos paradas.A câmera também se tomara uma vítima da televisão. (Todas estas transições em lentes e em iluminação acontecem gradualmente. Não quero que os artificios técniços sejam vistos. Quando se espalham por um período de duas horas, acho que o público não percebe as mudanças que acontecem ':isualmente.) Chamada para um morto, Freddie Young, fotógrafo. Tematicamentcera um filme sobre os desapontamentos da vida. Eu queria dessaturar as cores. Alcançar aquel~ tom melancólico, amortecido que Londres tem no inverno. F~die sugeriu preexpor a pelfcula. Ela foi levada a uma sala escura antes de a usannos na câmera e exposta muito rapidamente a uma limpada 4e sessenta watts. O resultado foi que o negativo ganho. uma fina camada leitosa por cima. Quando foi exposto na cena real, quase todas as cores estavam bem menos vibrantes, com muito menos vida e
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A. manhã segui71le, Andrzej Bartkowiak, fotógrafo. Aqui eu · queria o oposto exato de Chamada para um morto. Morar em Los Angeles era parte da influência debilitante sobre o personagem vivido por Jane Fonda. Eu queria todas as cores exageradas: vermelhos mais vermelhos, azuis mais azuis. Usamos filtros. Atrás da lente há pequenas ranhuras onde podem ser encaixadas molduras de cerca de duas e meia por três e meia polegadas. Essas molduras e ranhuras podem receber pedaços de vidro ou gelatina que são coloridos conforme as necessidades. Quando podíamos ver o céu, Andrzej acrescentava um filtro azul que cobria apenas o céu. O céu ficava mais azul. Cada cor era reforçada deste modo. Certo dia, devido ao smog e às nuvens do crepúsculo, o céu tinha uma bruma alaranjada. Andrzej deixou a cena da cor de uma barraca de cachorro-quente Orange Julius. . Esses filtros têm algumas desvantagens. Limitam o movimento da câme~ já que não se quer que o filtro do céu azul se espalhe pelo prédio branco ou pelo rosto do ator. Mas usados com bom senso podem ser muito úteis. As gelatinas coloridas também podem ser usadas diante das luzes que iluminam oset. Muitos fotógrafos as usam constantemente. Oswald Morris, com quem fiz três filmes, começou a técnica com Moulili Rouge, onde foi usada no filme todo. A vantagem de usar gelatinas nas luzes é que objetos,ou determinadas partes do sei podem ser coloridas especificamente como destaques ou para definir áreas. Usadas num set inteiro, podem criar uma atmosfera. As gelatinas usadas na lente reduzem a quantidade de luze portanto influem sobre o stop. Usadas diante de luzes, o stop não é atingido ou pode ser CQmpensado por mais vatagem. Prfncipe da cidade, Andrzej Bartkowiak, fotógrafo. Fotograficamente, este foi um dos mais interessantes filmes que já ÍIZ. ··Voltando ao seu tema (nada é o que aparenta ser), tomei uma
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decisão: Não usaríamos as lentes médias(de28mm a40mm).Nada devia parecer normal ou próximo do que os olhos viam. Peguei o tema literalmente. Todo o espaço foi alongado ou escorçado, dependendo de se eu· usava grande-angular ou teleobjetiva. Um quarteirão da cidade tinha o dobro ou a metade do tamanho, dependendo da escolha da lente. Além disso, Andrzej e eu fizemos um roteiro de luz bem complexo. No início do filme o personagem principal, Danny CieUo, estava completamente consciente de tudo que o rodeava. À medida que os fatos se tomavam mais complexos, à medida que ele perdia cada vez mais controle sobre eles, sua crise moral se aprofundava. Ele sabia que estava sendo forçado a uma siruação em que teria de trair seus amigos. Seus pensamentos e ações tornaram-se mais concentrados nele mesmo e em seus quatro parceiros policiais. No primeiro terço do filme tentamos ter a luz no plano de fundo mais forte do que sobre os intérpretes no primeiro plano. No segundo terço a luz do primeiro plano e do plano de fundo estavam mais ou menos equilibradas. Para o último terço cortamos a luz do plan.o de fundo. Somente o primeiro plano, ocupado pelos intérpretes estava iluminado. Já no final do filme só os relacionamentos que iam ser traídos importavam. As pessoas emergiam do fundo. Onde alguma coisa acontecia não importava mais. O que importava era o que acontecia e a quem. Tomei outra decisão que me parece importante. Salvo uma única vez. não fiz uma tomada em que o céu fosse visíveL O céu significava liberdade, liberação, mas Danny não tinha saída. A única tomada que teve céu no quadro praticamente não tinha outra coisa além do céu. Danny está caminhando na Manhattan Bridge. Sobe numa arela acima dos trilhos do metrô que corre entre árooklyn e Manhattan. Está pensando em suicídio. No momento é sua única Liberdade possível, sua única liberação possível.
Como eu disse antes, a primeira obrigaçlo era deixar que o público soubesse que este fato tinha realmente acontecido. Portanto, a primeira decisão tomada foi não usar luz artificial. O banco era i Juminado por fluorescentes no teto. Se tinhamos de complementar a luz por causa de proble~as de foco, simplesmente acrescentávamos mais fluorescentes. Do lado de fora, à noite, toda a luz vinha de enormes spots da camioneta da Emergência da poUcia presente na cena. A luz que refletia do exterior de tijolo branco e vidro do banco era brilhante o suficiente para ilUIJlinaJ-os rostos das pessoas que olhavam para o banco. A dois quarteirões dali, Victor colocou uma lâmpada para iluminar por trás a multidão que estava na esquina. A limpada foi colocada acima da iluminaçio real da rua, e isso deu à multidão uma iluminação de fundo natural. Dentro do banco, quando a energia foi desligada, as luzes laranja de emergência automaticamente se ~nderam . Aumentamos estas luzes simplesmente para termos luz suficiente para uma exposição. E para as cenas improvisadas na rua e no banco usei duas e às vezes três câmeras de mão para reforçara sensação de documentário.
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Um dia de cão, Victor Kemper, fotógrafo. Para este.ftlme eu queria o oposto exato da estrutura visual rígida de Prfncipe da cidade.
Um longo dia de viagem dentro da noite, Boris Kallfman, fotógrafo. Muitos críticos, de forma condescendente, chamaram o filme de "uma peça de teatro fotografada". Isso foi fácil de dizer,já que usei o texto da peça. Eu cheguei até à dissolvência em negro nos fmais dos atos. A origem teatral era facilmente identificável. Nenhum esforço foi feito para esconder isso. Mas os críticos foram incapazes de ver uma das mais complexas técnicas de câmera e montagem de todos os filmes que eu fiz. Obviamente, estou muito orgulhoso dele comofilme. Aqui está a principal razão: Se você tomasse um close-up de Hepburn. Richardson, Robards e Stockwell no Primeiro Ato e o pusesse num projetor de s/ides e junto a ele projetasse um close-up daquelas mesmas pessoas no Quarto Ato ficaria chocado de ver como elas parecem diferentes. Os rostos devastados, envelhecidos, exaustos do final quase não têm nada a ver com os rostos compostos e limpos do início. Nio foi somente a interpretação. Isto foi conseguido
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também pelas lentes, pela luz, pela posição da câmera e duração das tomadas. (Montagem e direção de arte serão tratadas mais adiante.) No início do filme tudo era bastante normal. Tanto as lentes quanto a luz podiam ter sido usadas para um filme de Andy Hardy. Transferi a primeira parte do Primeiro Ato para o ar livre e rodeia num dia de sol, de modo que essa viagem para dentro da noite pudesse parecer mais longa ainda. Eu queria mais luz no início para contrastar com a escuridão do final. Quanto à luz de interior, cada personagem era, sempre que possível, iluminado de modo diferente - Hepburn e StockweU sempre com uma luz frontal suave,Robards e Richardson com a luz centrada mas acima deles. À medida que o filme se desenrolava, a luz sobre os três homens se tomava mais crua, mais severa. Este padrão foirompidotemporariamenteqoando Stockwell e Richardson iniciaram suas árias líricas de auto-exame no Quarto Ato, quando cada um explora o que desejava em épocas anteriores e menos torturadas. A luz em Hepburn tomava-se mais suave, mais sutil, à medida que o filme avançava. A posição da câmera também era importante visualmente. Para os homens, começávamos no nível do olho e a câmera lentamente baixava, até que em duas cenas importantes do Quarto Ato a câmera estava literalmente no nível do chio. Para Hepbum, este padrio foi invertido. A posição da câmera se elevava cada vez mais at6 que em sua penúltima cena no fun do Terceiro Ato eu estava usando uma grua para subir ainda mais. E, claro, as lentes: lentes cada vez mais longas sobre ela à medida que ela se perdia em seu nevoeiro dominado pelas drogas, lentes grandes-angulares cada vez mais potentes sobre os homens à medida que seu mondo desmoronava em volta d~les. No Quarto Ato havia duas cenas de clímax, umalm~ Stockwell e Richardson~ a outra entre StockweiJ e Robàrds. Talvez pela primeira vez na vida eles tenham dito a verdade nua e crua do que sentiam um pelo outro. À medida que as cenas se sucedem e a verdade se toma cada vez mais angustiante, as lentes 5etomam cada vez mais ~a câmera desce cada vez mais,~ luz se toma mais crua mas mais escura, enquanto toda a história dessas pessoas se
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deixa envolver pela noite e as verdades definitivas e terríveis são proferidas. No geral foi um plano de lente, luz e posição de câmera mais complexo do que qualquer outro que eu tenha feito, e em minha opinião isto contribui enormemente para uma interpretação singu- · lar do material
O veredicto, Aodrzej Bartkowiak, fotógrafo. O filme tratava da salvação de um homem, de sua Juta para se livrar do ado. · Eu queria a aparência mais '\telha, possíveL A direção de arte deu uma grande contribuição; e abordaremos isso depois. Mas a luz foi muito importante. Um dia eu levei uma bonita edição das pinturas de Caravaggio para minha reunião com Andrzej. Eu disse: "Aodrzej, aqui está o sentimento que estou procurando. Há algo de antigo aqui, algo de um outro tempo. O que é?" Andrzej estudou as fotos. Depois, com
seu charmoso sotaque polonês, definiu: "É o claro-escuro", disse ele. "Uma fonte de luz muito forte, quase sempre localinda na lateral,nãonoalto.Eporoutrolado, nenhumaluz suavedepermeio, somente sombras. De vez em quando ele usa a luz refletida de uma fonte metálicano lado escuro." Indicou um menino segurando uma bandeja de ouro. No lado sombreado do rosto do menino podia-se discernir uma leve tonal idade dourada. E foi isto o que Andrz.ej fez na iluminação do filme.
Daniel: Andrzej Bartkowiak, fotógrafo. Mais uma vez come-çamos com o tema: Quem paga pelas paixões e comprometimentos dos pais? Os filhos. Além disso, bá o complexo problema do tempo (pular para a frente e para trás no tempo). Daniel é a história de um jovem que volta à vida. Baseada vagamente na vida e morte de Julius e Ethel Rosenberg, conta a· busca, por Daniel, de algum signifi~o na morte sem sentido dos pais. Os pais pertencem àquele grupo de esquerdistas dos anos trin4 que se sentiam eternamente jovens, cujas vidas estavam cheias de idealismo e espe.rança, até que tudo ruiu, pessoal e politicamente.
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Além disso, a innl dele tem um colapso nervoso e, incapaz de se recuperar dos horrores de sua inflncia, mergulha lentamente na morte. Eu pensava que esta era a história de um jovem que se desenterrava de seu próprio túmulo. Devo fazer uma Ligeira pausa para outro comentário técnico. Os raios de sol e a composição química do filme de cinema não formam um casamento feliz. Sem tratamento, qualquer cena diurna rodada ao ar livre, debaixo de nuvens ou de luz solar, redunda num azul quase monocromático. Para compensar isto, c;olocamos um filtro cor de âmbar na câmera. Isto-corrige aluz de modo que o filme aparece com as cores normais intactas. Este filtro é chamado "85". Quando filmamos numa locação interior com janelas que deixam a luz do dia entrar, colocamos enormes folhas de 85 sobre as janelas para conseguir a mesma coisa. Para Daniel Andrzej sugeriu que rodássemos todas as cenas dos filhos adultos sem o 85. Isso dava a tudo uma palidez azul fria, fantasmagórica, inclusive os tons de pele. Para consistência nas cenas de interior, acrescentamos gelatina azul ãs luzes. Os pais, por outro lado, presos .num ado idealizado, foram tratados com o brilho âmbar do 85, que foi adicionado às cenas deles, internas e externas. No início do filme usamos 85 duplo sobre eles. À medida que Daniel lentamente volta à vida, começamos a acrescentar o 85 a suas cenas. removendo-o das cenas do ado com seus pais. Com os pais amos do 85 duplo para o 85 simples, para meio 85, para um quarto de 85. Nas cenas de Daniel acrescentamos um quarto de 85, depois metade de 85, depois 85 inteiro. Finalmente, numa cena perto do fim do filme, quando os dois filhos visitam os pais na cadeia, voltamos àcornonnaJ. Daniel tinha se purgado de sua dor obsessiva, e a vida podia agora recomeçar · para ele. Todo filme que eu fi z teve esse tipo de atenção dada à câmera. O trabalho com o fotógrafo requer uma colaboração tão íntima como o trabaJbo com o autor e os atores. Tanto quanto eles, o fotógrafo pode prejudicar ou consumar esplendidamente meu prop6-
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sito de fazer o filme em primeiro lugar. Durante a filmagem, o relacionamento mais estreito da maioria dos diretores é com o fotógrafo. É por isso que a maioria dos diretores trabalha com o mesmo fotógrafo ano após ano, desde que o estilo seja assegurado. A consideração primordial param im, como é patente em todos estes exemplos~ é que as técnicas derivam do material. Elas devem mudar quando o material muda. Às vezes é importante não fazer nada com a câmera. apenas manuseá-la direito. E igualmente importante para mim é que todo esse trabalho permaneça oculto. Bom trabalho de câmera não são filmes bonitos. Ele deve aumentar e revelar o tema tão completamente como fazem os atores e diretores. A luz que Sven Nykvist criou para tantos filmes de lngmar Bergman está diretamente ligada ao assunto dos filmes. A luz de Luz de inverno é totalmente diferente da luz de Fanny e Alexandre. A diferença de iluminação está relacionada com a diferença dos temas dos filmes. Esta é a verdadeira beleza da fotografia no cinem.a.
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6 - DIREÇÃO DE ARTE E FIGURINO: FAYE DUNAWAY MANDA MESMO APERTAR A SAIA EM DEZESSEIS LUGARES DIFERENTES? A resposta é sim. Manda. E ela tem razão. Nada pode fazer com que os atores se sintam mais à vontade ou desconfortáveis do que as roupas que seus personagens estio usando. A parte o conforto, porém, as roupas contribuem muito para o estilo do filme. Quando Betty Baccall aparece pela primeirave:z.emAssassinato no Oriente Expresso está usando um vestido de veludo longo, cor de pêssego e cortado de viés com chapéu e egrete combinando. Jacqueline Bisset, em sua primeira aparição, usa wn vestido comprido azul de seda, um casaco da mesma cor com gola branca de anninho, e na cabeça um minúsculo toque com uma pena.. Ora, Tony Walton (que fez os figurinos) sabe que ninguém toma um trem vestido desse jeito. Mas o que as pessoas vestem não vem ao caso. De fato, o que as pessoas realmente usam quando embarcam num trem é a última coisa que teríamos levado em coosidéraçlo. O objetivo era lançar o público num mundo que ele nunca conheceu - criar um sentimento de como as coisas eram glamourosas. Os títulos de abertura estavam atrelados a isso. Eu filmei pessoalmente o cetim que serviria de fundo para os tftul<>s. Tony escolheu o estilo das letras. Eu disse antes que nlo há decisões sem importância num filme. Junto com a câmera, a direção de arte (os cenários) e o guarda-roupa slo os elementos mais importantes na criaÇão do estilo-em outras palavras, do visual- do filme. Nos filmes de hoje em dia o nome é projetista de produção. Este nome surgiu·quando William Cameron Menzies atuou como ""'.ietista de produçlo y•ow; .... •em E o wmto levou ... Ble ficou encarregado de todo o aspecto visual do filme: nlo apenas
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guarda-roupa e sets, mas câmera, efeitos especiais (o in~ndio de AtJanta) e, finalmente, o trabalho de laboratório nas cópias de lançamento. Hoje, o projetista de produção é um titulo mais fantasioso para diretor de arte. Tony Walton foi diretor de arte e figurinista de Assassinato no. Oriente Expresso. Fizemos sete filmes juntos. Ele é n1o apenas formidável em seu trabalho como também dá uma contribuição artística além e acima de seus departamentos. Respeito a opinião dele sobre roteiro, escolha de elenco, montagem, trabalho de câmera, todo$ os segmentos da feitura de um filme. Ele é a personificação do que eu quero dizer quando falo em trabalhar com o melhor. Ele me faz traballiar mais e melhor. Tivemos um problema interessante·no Oriente Expresso. Já falei da luz de fundo como componente da fotografia glamourosa. Mas precisa-se de espaço para a luz de fundo, e os compartimentos de trem são pequenos. Tony tinha ido à B6Jgica para ver os galpões d.e depósito de Wagon-Lits, onde os antigos vagões eram guardados. Ao voltar contou que a realidade era mais glamourosa do que qualquer coisa que ele pudesse conceber. Por isso desmontou os painéis interiores naBélgica, retirando a madeira dos vagões de aço em que estavam montados, e os enviou para a Inglaterra. Lá os painéis foram colocados no chio e remontados em chapas de compensado, para que pudéssemos mover as paredes para dentro e para fora em função das posições da câmera ou da luz. Montado um compartimento, Tony começou a polir a madeira. Os pintores poliamepoliam . OqueTonyeGeoffUnsworth,ofotógrafo,~
decidido era iluminar a superffciealtament&polida e deixar que seu reflexo servisse de luz de fundo. Nlo era tão forte quanto a luz direta, mas servia aos objetivos. ~queza e.ra a ordem do dia. Painéis de vidro Lalique, prata verdadeira nas mesas, veludo nos assentos dos compartimentos. Como não conseguimos encontrar um restaurante bastante pomposo para o filme, Tony converteu o mezanino de um antigo palácio do cinema em Londres num restaurante. Nenhum detalhe foi deixado de lado na criaçlo de um visual • glamouroso. Qual creme de menta, o verde ou branco, ficaria mais
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DIR EÇ ÃO D E ARTE E FI GU RIN O
bonito servido numa bandeja de prata? Nós nos decidimos pelo verde. Para a princesa Dragomiroff, dois pood/es ses ou dois pequineses? Os pequineses. Para uma carroça de verduras na estação de Istambul, repolhos ou laranjas? Laranjas porque têm melhor aparência quando caem no chão cinza escuro. E assim por diante, Tony, Geoff e eu discutíamos longamente e depois decidíamos. Polindo cada azulejo. Tonyeeuadotamosabordagensdistintasem relaçãoaPrincipe da cidade. Eu já falei que-a luz ava de mais intensa no plano de fundo para um equilfbrio entre plano de fundo e primeiro plano, no último terço do filme onde apenas o primeiro plano era iluminado. A direção de arte tinha sua própria progressão também. No início do filme, tentamos fazer o fundo o mais "movimentado" possível. Na rua, muitos automóveis, pessoas, anúncios em néon (cuchos fritos eram os favoritos). Se a cena se ava num escritório, as paredes estavam apinhadas de quadros de avisos e diplomas, bandeiras federais e locais penduradas em estrados. Enchemos de gente as salas do tribunal e não demos instruções sobre o que vestir. Mas à medida que o filme avançava, apertamos as rédeas do visual. Havia espectadores nas salas do tribunal~ mas todos usavam roupa azul escura ou preta, havia menos decorações na parede, ruas mais vazias. E no terço fmal do filme, os sets, como o personagem principal, estavam nus: nada nas paredes, ninguém nas ruas e, para uma cena de clímax no tribunal, nenhum espectador, somente os bancos de madeira vazios. Isto ajudava sutilmente a reforçar o crescente isolamento de Ciello, a perda do contato hu.rÍlano, à medida que ele traia um parceiro após outro. Na última cena do filme Danny CieUo está se dirigindo a uma classe de fonnandos da Academia de Polfc.ia. A locação escolhida foi uma sala de aula num anfiteatro. Por causa das fileiras elevadas dos assentos, os rostos se destacavam. Algumas pessoas usavam camisas azuis de policiais, outras vestiam casacos esporte e havia vestidos entre as policiais. Danny Ciello estava de volta enfrentando as conseqüências de seus atos: um confronto entre ele mesmo e uma nova classe de policiais, as próprias pessoas que ele tinha destruJdo.
Príncipe da cidade teve mais de 125 locações, tanto internas quanto externas. A seleção delas era importante para o projeto visual do filme. Muitos anos antes eu fora a Roma aprender com Carlo Di Palma, o grande fotógrafo italiano. Eu precisava de ajuda no uso da cor. Carlomeensinou uma lição vital. Quando estávamos escolhendo locações em Roma, ele disse que o segredo estava em escolher o lugar certo para começar e depois mexer nele o menos possível. Tendo de escolher entre dois exteriores ou interiores bons, fique com o que já tem a cor certa, o que precise de menos alteração pelo uso da luz. Pinte se for preciso, mas tente encontrar lugares que se aproximem o mais possfvel do que você deseja. Elementar como parece, isto me abriu uma nova perspectiva e me orientou mais tarde em Principe da cidade. Carlo itiu que nem sempre era possfvel encontrar locações perfeitas..As vezes a estação do ano é imprópria ou não se consegue autorização. A logística pode tomar um lugar inadequado ou ele nlo está disponível quando o cronognuna exige. Ele me contou um pouco envergonhado que certa vez reforçou com tinta o verde da grama para um filme que fez com Antonioni Mas, disse, aquilo foi uma exceção. Um resultado natural da cuidadosa seleção de locação é que quase sempre criamos uma palheta de cor para um filme. O veredicto fala de um homem caçado por seu ado. Ed Pisoni, exassister:tte de Tony, era o diretor de arte. Eu lhe disse que usaríamos apenas cores outonais, cores que dessem a idéia de tempo decorrido. Isso imediatamente eliminou azu~ rosa, verde-claro e amareloclaro. Procurávamos marrons, castanhos-avermelhados, amarelos fortes, laranja queimado, os vermelhos borgonha, tons outonais. Os sets do estúdio foram feitos nestas cores. Se nos decidíssemos por uma locaçlo e ela tivesse uma cor indesejada, pedíamos autorização para repintá-la. Phil Rosenberg é um excelente diretor de arte com quem trabalhei muitas vezes. Em Garbo Tallcs, um filme leve, esvoaçante, Phil e eu decidimos que a palheta seria Necco Wafers. Channe era uma parte importante do filme. Para osjovens demais para Iem brar, Necco Wafers eram uns biscoitinhos muito apreciados pelas crian-
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ças. Dentro da embalagem havia talvez uns vinte e cinco biscoitos em diversas cores pastel: verde bem claro, rosa, ocre, azulesverdeado, branco. Eles me Lembravam um vilarejo às margens do Mediterrâneo, um tom pastel empilhado sobre outro. Em Daniel a palheta era decisiva. Cada cor que era usada para os pais tinha de ser compatível com o uso intenso do 85 que dava às cenas dos pais o brilho de âmbar dourado e quente, que procurávamos. As cenas com os filhos já adultos tinham de permitir uma ênfase no lado azul ou frio. Um marrom quente teria entrado em choque com o que queríamos conseguir com os filhos adultos e o azul nos teria prejudicado nas cenas com os pais. Em .A. manhllseguinte procurávamos extensões de cores vivas. . Nenhuma cor foi excluída, mas queríamos que uma única cor dominasse cada cena. Os cômodos de Jane Fonda tinham várias tonalidades de rosa. No capítulo sobre o trabalho com a câmera eu contei o que fazfamos com os filtros para intensificar a cor do céu. Quando vi o céu alaranjado nos copiões, foi tio chocante que achei que o público precisaria de alguma preparaçio. A cena anteriorque eu felizmente ainda não tinha filmado - era numa lanchonete ao ar livre. Mandei abrir guarda-sóis laranjasobreas mesas para que a luz ambiente da própria cena adquirisse uma tonalidade alaranjada. Para a seqü!ncia do título, encontrei uma série de paredes_ amareLas, vermelhas. marrons, azuis e fiz com que Fonda caminhasse desanimadamente diante delas. Os prédios eram azul escuro, rosa claro, qualquer cor forte. Los Angeles pode proporcionar um suprimento infindável desse tipo de decoraçlo. Em outros filmes eu queria uma miscelânea. Para Q&A - Sem lei, sem justiça e Um dia de cão tudo tinha de parecer acidental nenhum planejamento, nenhum controle de cor. Nos dois filmes eu disse ao diretor de arte e ao figurinista que não consultassem um ao outro. Eu nAo queria nenhuma relação entre os sets e o guardaroupa. O que acontecesse aconteceu. ' vezes, em lugar de escolher lJ.IDa ' palheta de cores, eu me As decidia por um estilo arquitetônico. Em O veredicto usamos uma limitada selcçlo de cores e uma arquitetura mais antiga. Nenhum prédio moderno era visto no filme. Inversamente, em Tão culpado
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como o pecado eu não queria outra coisa seoio os prédios mais modernos que pudéssemos encontrar. FeUzmente, estávamos rodando o filme em Toronto, com sua imponente arquitetwa moderna. Em pouquíssimo tempo Phil Roseoberg encontrou locações suficientes para que pudéssemos fazer a nossa escolha. Agoraquasetodos os operadores de câmera slo tio habilidosos que é dificil dizer se uma cena foi rodada no estúdio ou em locação. Eu baseio minha decislo em dois fatores. Um é o custo. Como regra geral, se vou levar mais de dois dias para filmar a cena, mando construí-la no estúdio. Isso é habitualmente mais econômico,já qae levamos uma grande quantidade de extras e de equipamento para a locaçlo. É claro que se o set é muito luxuoso ou tem detalhes muito caros, pode ser mais barato filmar a cena em locação, mesmo que leve mais de dois dias. Um segundo fator 6 se preciso de "paredes móveis" ou não. Às vezes a cena exige movimentos complexos de câmera ou, por causa das lentes longas, distância em rela.çlo ao próprio set. Neste caso tem-se de ir para o estúdio. Um dia de cão apresentou um problemadificil. Já que boa parte da ação acontecia dentro do banco, teria sido mais simples construir o banco no estúdio. Mas senti que seria melhor para a encenação e acâmerasepudéssemosnosmoverlivrementeentrearuaeobaoco. Chegamos à ~luçlo perfeita. Encontramos uma rua excelente que tinha um armazém térreo que podíamos alugar. Construímos o banco dentro do armazém para que eu pudesse ter minhas "paredes móveis" e ainda poder transitar constantemente entre a roa e o interior do banco. Nlo apenas Jocaçlo versu.J estúdio, mas locação versus locação pode influir enormemente sobre o custo do filme. Eu tento sempre manter minhas locações bem próximas umas das outras. O motivo 6 simples. Se termino uma locaçlo, externa ou interior, às onze da manhã, ar para uma segunda locação em uma hora ou duas pode economizar muito dinheiro. Podemos pelo menos começar a iluminação e fazer até algumas tomadas. Em Principe da cidade descobrimos um prédio extraordinário, a antiga Alfindega dos Estados Unidos na baixa Manhattan. Tem . cinco andares e um pátio intemo e ocupa todo um quarteirão da
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cidade. Estava vazio na época, desativado. A arquitetura do prédio era impressionante. No térreo, tetos com altura de quase seis metros, lambris. tetos e consolos de lareira trabalhados, janelas com três metros de altura, revestimentos com painéis, pisos de ladrilho. Subindo, cada andar era menor e mais simples- tetos mais baixos, menos ornamentação - até que os cômodos do último andar não avam de uma série de divisóriàs. Podíamos usar o prédio para quase todas as cenas de escritório do filme. E precisávamos de muitos escritórios, oo ir-e-vir entre Washington e Nova York, repartições federais, municipais e estaduais, escritórios policiais de todos os escal~s. Cada escritório dava pela janela uma vista diferente porque o prédio tinha os quatro lados livres. Além disto, o pátio interno dava aos escritórios do interior do prédio um conjunto novo de vistas pelas janelas. Encontrar doze escritórios no mesmo prédio provavelmente nos economizou quatro dias de filmagem. E isso é muito dinheiro. As vezes um conceito cênico se perde na execução. A idéia que eu tinha para O mágico inesquecível era que a realidade poderia se transformar numa fantasia urbana. Usa.ríamos locações reais mas as trataríamos de tal modo que elas se tornariam verdadeiramente fantásticas. Mas fiquei desgostoso na primeira excursão para escolha de locação. Eu queria que o Leão Covarde fosse descoberto na -onde mais?- Biblioteca Públic~ de Nova York, Rua Quarenta e Dois com Quinta Avenida. Tony Walton, Albert Whitlock e eu ficamos do outro lado da rua olhando para o prédio durante quatro horas. Whitlock é um renomado operador de câmera e um mestre em efeitos especiais. Era perito em combinar fundos de cena pintada em vidro com ação real em primeiro plano."Albert, quando uma porta se abrir, podemos ver o céu atrás dela ao invés do interior do prédio?" perguntei. A resposta foi não. Toda idéia que eu tinha de fantasiar aquele prédio era, Albert me disse, impossível. Aos poucos meu coração sucumbiu. Finalmente decidimos construir o cenário no estúdio. Então mais e mais trabalho de estúdio foi acrescentado ao que tinha sido na origem um filme quase todo feito em locação. A fantasia assumiu tal proporção que a característica urbana se perdeu. Na seqüência mais cara, a ser filmada no World
Trade Center, não imaginávamos que o vento fosse tão brutal quando era encanado entre aquelas duas torres. Elas formavam um túnel de vento natural. Os chapéus dos modelos masculinos e femininos eram muito importantes para criar uma "atitude". Mas os chapéus não ficavam no lugar por causa do vento. Alfinetes não adiantavam. Faixas na parte de trás da cabeça não funcionavam. Finalmente as faixas foram colocadas sob o queixo. Os chapéus ficaram no lugar, mas o visual foi arruinado. De coisas grandes a pequenas, eu sentia o conceito sair pela janela A culpa era só minha. Eu simplesmente não tinha conhecimento técnico para dominar todas as áreas, particulannente efeitos especiais. Mesmo tendo à frente pessoas capacitadas, havia muitos setores que estavam sozinhos. Eu podia ver a abordagem visual escapando de minhas mãos, feito água escorrendo por entre os dedos. Acontece. Falar sobre direção de arte em filmes em preto-e-branco é falar sobre algo extinto. Mas foi excitante enquanto durou. O trabalho de Dick Sylbert em O homem do prego foi soberbo. Este era um ftlme sobre como criamos nossas próprias prisões. Começando pela própria casa de penhores, Dick criou uma série de celas: tela de arame, barras, cadeados, alarmes, tudo que reforçasse a sensação de aprisionamento. As loca.ções foram escolhidas com isto em mente. Os espaços supostamente abertos dos subúrbios no início do filme eram cortados por cercas que nitidamente delineavam uma frente de 3 8 metros do terreno de cada casa. Para a importante cena em que Rod Steiger fala a Geraldine Fitzgerald de sua culpa de estar vivo, encontramos um apartamento no West Side de Manhattan que dava para os pátios de manobra da ferrovia New York Central. Durante toda a cena pode-se ver e ouvir vagões de carga sendo desviados de uma linha para outra. Esse tipo de confmnação visual e auditiva do contexto de I)Ola cena é inestimável. Em Vidas em fuga, também projetado por Sylbert, a ação principal se desenrolava num armazém de tecidos. Discutimos, tentando colocar Brando contra planos de fundo leves, descongestionados. Dick projetou a loja de modo que seu segundo andar fosse na cor creme. Abaixando a câmera, quase sempre enquadrávamos Brando contra um fundo mais leve.
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Esses elementos podem parecer pequenos, mas contam muito. São uma parte necessária da unidade que cada produção exige. A cor é altamente subjetiva. Azul ou vermelho podem significar coisas totalmente diferentes para você e para mim. Mas desde que minha interpretação de uma cor seja coerente, você acabará se dando conta (subconscientemente, espero) de como estou usando aquela cor e para que a estou usando. Grande parte da direção de arte e da concepção do figurino influi sobre o desempenho dos intérpretes. Quando Kate Hepbum entrou no ser da sala de estar de Um longo dia de viagem dentro da noite, sorriu e disse: ''É de arrepiar de tão maravilhoso. Qual é a minha cadeira? Cada pessoa sempre cria apego por sua própria cadeira." Ela tinha razão. Eu disse: "A cadeira de balanço é sua." Tínhamos imaginado esta pergunta. Ao lado da cadeira de balanço já estavam as revistas femininas da época e o tricô em que seu personagem mal tocava. Eu contava com um excelente aderecista, que tinha sempre a correspondência da casa dirigida ao personagem. Os papéis de uma mesa eram específicos daquela pessoa e de sua profiSsão. Quando o ator abria uma pasta numa cena de sala de reuniões, os papéis da pasta eram sobre o assunio a ser discutido. Essas coisas ajudam em muito a concentração do ator. Elas o colocam num mundo real, um mundo que existe além da página escrita do roteito. Em Uma estranha entre nós a coleção de objetos e documentos judaicos da casa do rabino era tio rica que tínhamos um segurança no sei para quando não a estávamos usando. •Nada ajuda mais os atores do que as roupas que eles usam. Ano Roth é uma fantástica cria~ora de figurinos. Ela pode pegar as roupas mais comuns do cotidi8Jlo e transformá-las em algum tipo de contribuição, tanto para o ator quanto para o filme. Em Negócios defamília, SC8ll Connery veio ensaiar depois deter estado comAM para uma prova das roupas. Parecia feliz. Perguntei-lhe como tinha sido tudo. "Ela é incrfvel.., disse ele. ''Acabou de me dar agora o person~gem inteiro., Este é o maior cumprimento que um ator pode fazer. E o equivalente a dizer "Estamos todos fazendo o mesmo filme."
7 - RODANDO O FILivffi: AFINAL!
Cenários, roupas, conceito de câmera, roteiro, elenco, ensaios, cronograma, financiamento, fl~xo de caixa, exames do seguro, locações, cover seis (interiores que filmamos se o tempo estiver ruim para uma externa), cabelo, maquilagem., testes, compositor, montador, sonoplasta, tudo já foi decidido. Agora estamos rodando o ftlme, afinal. Meu despertador tocará às sete. Virão me apanhar às oito, de modo que tenho uma hora para o café, um bagel, The New York Times e para preparar minha cabeça para o dia de trabalho. A esta altura, meu corpo está tão disciplinado que acordo cinco minutos antes do despertador tocar. Ponho meu robe e saio do quarto na ponta dos pés. Deixei calça jeans, camisa, meia, tênis no outro quarto para não perturbar minha mulher. Com o café corro os olhos pela página l. O objetivo é chegar o mais depressa possível às palavras cruzadas para que eu possa esvaziar a cabeça completamente e começar o dia novinho em folha. Uma segunda xfcara de café e estou pronto para abrir meu roteiro e ver a cena ou as cenas marcadas para o dia. Frente a esta página está a folha de chamada (cal! shi!et). É de um filme chamado Uma estranha entre nós(~ Stranger:Among Us, originalmente chamado Ciose lo Eden) . A história gira em tomo de uma detetive que entra disfarçada na comunidade hassidica para encontrar um assassino. Melanie Griffitb interpretavaa detetive. O assassinato envolvia o centro de diamantes, uma área com o compri.mentodeumquarteirioemNovaYork,ondemuitoshassidim trabalham. Embora eu esteja usando este filme como exemplo, o procedimentodescritonaspáginasseguintesseaplicaàmaioriados · filmes que fiz..
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A folha de chamada é nossa bfblia. É o que vamos filmar naquele dia. Se não está na folha ~e chamada, nio precisamos. Numerei as seções aqui para facilitar a referência. A Seção I é evidente em si mesma, menos Filmagem Dia#22 (Shoot Day#22). Isto significa que é o nosso vigésimo segundo dia de filmagem. Logo abaixo está crew ca/1:8: 30, o que significa que a equipe técnica estará pronta para trabalhar ãs 8:30 da manhã. Shooting call (chamada para filmagem) às 9:00 significa que Andrzej tem cerca de meia hora para fazer a iluminação antes de estarmos prontos para os atores. Seção 2: A Descrição do Set (Set description) começa com lnterior- DiamondCenter- D. " D" significa "Dia". (Se fosse uma cena noturna haveria um ''N''.) É seguido por uma breve descrição do conteúdo da cena. Segue-se o número da cena. No grande cronograma feito antes de começar a filmagem, cada cena foi numerada, segundo os números atribuídos no roteiro técnico defini-
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tivo. Os números são consecutivos. (Uma cena longa pode conter vários números.) Em seguida estão os números dos personagens, também segundo o cronograma geral, uma referência rápida aos personagens que estariam trabalhando em determinados dias. {Os números aparecem denovonaseção 3.) Depois vem a contagem de páginas. Os roteiros tknicos são decompostos até em oitavos de página Geralmente tenta-se filmar três páginas por dia. Quarenta dias é o tempo normal para mn roteiro de 120 páginas de um filme simples. Os filmes com muitos efeitos especiais, cenas de batalha, ._ grandes cenas de dublês e multidões geralmente levam mais tempo. "Locaçio" é evidente: o set é no estúdio. A Seçio 3 começa com o número do ·personagem, o nome do ator e o nome do personagem. "P/U" (pick up) Significa C(pegar". É a hora em que os motoristas devem pegar os atores em casa. Embaixo •'RJT• (reporling time) significa "bom de apresentaçlo". Estes atores nio serlo apanhados e devem ir por sua conta para o estúdio. "M/tY' (makevp) significa ~uilagem", a hora em que o ator deve estar na sala de maquilagem. "Ser significa que devem estarnosetàs9:00, vestidos,maquiladoseprontos,paraafihnagem. A Seção 4 começa com os substitutos (stand-ins). Eles substituem os atores enquanto a iluminaçlo está sendo preparada. Embaixo li-se " SS B.G. RPT 7:30A", que significa cinqüenta e cinco boclcground (figurantes de fUndo, expressão po1ida para os extras) que devem apresentar-se às 7:30 da manhl. Depois de serem examinados pelo diretor-assistente, suas roupas sio aprovadas pelo figurinista; depois de uma parada para o caf6 devem estarno local para a iluminaçlo As 8:30. Os que fornecem as próprias roupas recebem uma bonific:açlo. O set 6 uma joalheria com muitos balcões. É por isto que dos 55~ s1o separados "2S servidores". Esses extras farto os vendedores atrás dos balcões e trinta clientes. "W/2 changel"' indica uma mudança d& roupa que devem ter trazido. Voltando aos ntúneros das cenas, você vS três diferentes números. As cenas acontecem em dias diferentes; por isso a troca da roupa. "(Recalled)" signifi~ que essas pessoas devem ser as mesmas que trabalharam no dia anmior. Se tudo sai conforme o planejado e conseguimos mais de uma cena, os clientes também
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trocam de roupa. Os clientes que aparecem em primeiro plano na Cena 64 irio ocupar o segundo plano na Cena 58. "Props and Special lnstructions" lista todos os órios que serão necessários para a açlo específica da cena. Isto nio se inclui na decoraçlo do set. A Seção 5 relaciona a bom em que todos, menos os atores, são apanhados pelos motoristas ou se apresentam. "Stills" se refere ao fotógrafo que bate todas aquelas fotos emocionantes que você vê nos cartazes dos halls dos cinemas. "P .A." (production assistants) significa assistentes de produçlo. Os PAs são os quebra-galhos dos filmes, estudantes de cinema que trabalham duro e ganham pouco, ou parentes do produtor que querem aprender sobre filmes. Bons PAs são uma dádiva dos céus e podem entrar para o sindicato depois de álguns filmes. "Grlps" são maquinistas. "Carps" e "Dressers" são os carpinteiros e ajudantes de cenógrafo que trabalham nos sets que estão sendo constroídosno mesmo palcO. •'Per D. Reseigne" diz que eles estão subordinados ao chefe de construçlo, Dick.Reseigoe. "Stunts: 0/C' e "Spec Eft: 0/C' significa que~ há trabalho de dubla ou de efeito especial naquele dia. Observe que "Ccffee &" está pronto em primeiro lugar. A Seção 6 é também evidente em si mesma. Repetindo os horários de apanhar o pessoal em "Transportation", destina-se aos motoristas, que ficam confusos se têm de ler muito. Estou na po.rta da minha casa cinco minutos antes. Estou sempreadiantado.Acaminhonetaestámee~o. BurttHarris, o diretor-assistente, eStá estirado no banco de tAs, uma garrafa de caf6 nas mãos, os olhos fechados. Dois quarteirões adiante, vejo Andrzej pedalando em direção a nós furiosamente. Ele mora num barco no rio Hudson e vem de bicicleta até minha casatodos os dias. Eu me preocupo sempre, especialmente com o tempo ruim. Uma vez tive de substituir um fotógrafo durante a filmagem. É um pesadelo. Um abraço em Andrzej e um resmungo para Burtt. Entro no bânco da frente. Andrzej joga a bicicleta lá atrás e partimos. Gosto de ir para o trabalho com o diretor-assistente e o fotógrafo. Um de nós pode ter pensado em algo que tenha sido ·omitido. Ou um novo problema pode ter surgido. Talvez Melanie
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tenha ligado para Burtt à noite para dizer que achava que estava ficando resfriada. Podemos filmar em volta dela até sua voz voltar ao normal? Ou Andrzej pode dizer que tiveram um problema quando estavam ajustando a luz na noite anterior. Vai precisar de mais meia hora. (Eu odeio isto. Gosto de pôr os atores a trabalhar o mais próximo possível da hora marcada.) Problemas desse tipo sempre surgem. Nio sio muito sérios. A viagem até o estúdio 6monótona e calma. Andrzej lê o jornal, Burtt dorme, eu estudo o roteiro e penso. O motorista sabe que não gosto de conversa ou do rádio ligado. O que interessa é o que estamos fazendo. Isso precisa de concentração. Na noite ada pensei num movimento de câmera durante a fala de Eric. Isso significa que quando eu virar para filmar o perfil de Melanie vou precisar de uma outra parede de fundo. Digo isso a Burtt. Ele murmura "Tá" e sei que será feito. Chegamos ao estúdio. Umassistentedeproduçãoestáesperando na porta. Ele diz "Sidoey chegou" em seu walkie-talkie. Fazemos isto com todo o pessoal essencial. Não queremos esperar que se em dez minutos para achar que alguém está atrasado. Andrzej vai parao café, Burttparaopalcodesom e eu caminho até a sala de maquilagem para dar bom dia aos atores. Geralmente nos abraçamos rapidamente na sala de maquilagem. Talvez diga que os copiões ficaram bons, mas não falo necessariamente dos copiões. Não quero que os atores es~rem um elogio automático. Elestêmdeconfiaremmim,eesbanjarelogiosdestróiosignificado deles. Às 8:25 estou no set. Não sei como fazem os outros diretores, mas raramente deixo o sei quando estão preparando a .luz. Em primeiro lugar, não há outro lugar onde eu gostaria de estar.· Em segundo lugar, adoro observar como o fotógrafo ataca o problema. ·Cada um trabalha de modo diferente. Minha presença também é boa para as pessoas da equipe. Elas trabalham mais. O operador de câmera está ensaiando com o maquinista da dolly? Deve estar. O homem 4o foco fez suas marcações (as distâncias entre a lente e os atores)? Às vezes, ao trabalhar com um diafragma muito aberto, ele bmJ de marcar as distâncias com giz no chão. O maquinista é bom
com cutters e nets? Um cutter é uma tábua ou lâmina opaca que impede qÍle a luz bata em algum local onde o fotógrafo não queira luz. Um net reduz a quantidade de luz. Cada cuJter ou net se apóia num e, um tripé com barras que podem ser movimentadas em qualquer direção para manter o cutter no lugar. Cada e precisa de um saco de areia para não cair caso alguém esbarre nele. E todos esbarram. O simples detalhe de iluminar um set é complicado. Por isso demora tanto. Os substitutos estão usando as mesmas cores que os atores usarão na cena. Se o substituto usar um casaco escuro e o ator aparecer de car.nisa branca, será preciso ajustar de novo a iluminação. Isto significa tempo. E tempo~ muito dinheiro. Enquanto isto, Burtt e o segundo diretor-assistente estão posicionando os extras. "Voc! fica aqui." ''Você a por ali." Eles trabalham do modo mais silencioso que podemJ porque Andrzej está sempre dando instruções aos eletricistas e maquinistas sobre a iluminação. Andrzej volta-se para o terceiro diretor-assistente e diz "Quin.ze minutos". O terceiro diretor-assistente apressa-se a dizer aos atores que estaremos prontos para eles em quinze minutos. O trabalho de colocar os extras é vital. Com freqüência toda a realidadedacenapodeserarruinadaporcolocá-losmal. Vocêjáviu isto uma centena de vezes. O astro sai do tribunal! Os r.nicrofones são empurrados na cara dele! As câmeras estão clicando! E o caos? Por algum motivo não há ninguém entre o astro e a cimera cinematográfica. Ou alguém está bem na frente, mas é muito baixo.
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Arr! Em nenhum filme a multidão era mais importante do que em Um dia de cão. Tivemos um mínimo de quinhentas pessoas por dia durante mais de três semanas. Antes de começannos, Burtt e eu as segmentamos em personagens individuais. Dezesseis comadres (bisbilhoteiras). que foram depois subdivididas: ''Vocês duas se conhecem. vocês quatro odeiam aquelas duas porque elas são boas demais em man-jongg. Estes seis estavam gazeteando. Estes seis adolescentes estavam matando auJa. Estes quatro chegam depois e ficam para ver a confusão em vez de ir ao cinema. Fizemos um enorme diagrama de toda a área, colocando cada extra quando ele
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chegava na cena. Um grupo de quatro caminhoneiros foi colocado num determinado canto. Mais tarde naquela noite. quando um grupo de dezesseis gays do Vülagc chegou para fazer uma manifcs~ taçlodeapoioao personagem dePacino, os motoristasdecaminhlo estavam na posiçlo certa para começar uma luta. A habilidade com que os extras foram dirigidos em .A lista de Schind/er 6 vital para o brilho daquele filme. Nio há decisões pequenas quando se faz um filme. Quando começamos realmente a rodar Um dia de CÕ(), conversei como os extras por mais de uma hora, do alto de uma escada. As pessoas que eles estavam interpretando foram explicadas a eles em detalhe. Já que sabíamos quejamais conseguiríamos manter fora da cena as pessoas que realmente moravam na vizinhança, fiZemos com que os extras envolvessem as pessoas da vizinhança nas situações. A participaçlo era tão grande na segunda semana de filmagem que nlo precisamos dizer a ninguém como reagir. As pessoas faziam naturalm~ o que sentiam, c foi maravilhoso. Uma das l'llZ6es por que prefuo trabalhar em Nova Yorlc é que atores reais trabalham como cxtta.s. Eles do membros do Screen Actors Guild e muitos aparecem regularmente na Broadway e offBroadway. Muitos já conseguiram papéis com falas. Em Los Angeles os extras pertencem ao Screen Extras Guild, um sindicato especial de pessoas que nlo fazem outra coisa scn1o trabalho de extra. Muitas vezes nem sequer sabem em que filme estio trabalhando. vem de todos os pontos do país, raspam a cabeça, vestemse como Minnie Pearl ou Minnie Mouse - enfatizando qualqfter atributo flsico que sentem que pode fazer com que sejam contratados, querendo apeou um trabalho de 180 dias por ano. Se con.so-guem aparecer numa tomada com menos de cinco pessoas., tornamse "especiais" e recebem um pequeno aumento no pagamento da diária. Set8m traje a rigor, isso consta de seus currfculosereceberlo um pagamento extra por um smoláng ou um vestido de baile. Slo chamados entlo "extras com roupa". Isso 6 deprimente. Pod~so dizer que o momento da filmagem está perto agora, porque os maquiladores e cabeleireiros chegam ao sei. lentamente. languidame.nte, carregando suas caixas de maquilagem, lenços de
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papel, escovas, pentes. Se pareço um pouco mal-bumorado 6 porque geralmente essas pessoas não estão de fato "fazendo o mesmo filme" que o restante de nós. A primeira obrigaçio delas 6 com o visual das estrelas. Elas fazem o maior espalhafato, exageram as atenções, tornam-se aparentemente indispensáveis. E aJgu- . mas estrelas adoram isso. Afinal, se a estrela faz três filmes num ano, a pessoa da maquilagem vai trabalhar perto de trinta e seis semanas. E seus salários, uma vez que essas pessoas são parte dos órios da estrela ou do astro. são escandaJosos: US$ 4.000 por semana durante trinta e seis semanas? Nada mau. E isto ainda lhes deixa dezesseis seman.as livres para irem a Acapulco. A chegada dos maquilàdores e cabeleireiros é a dica para o departamento de som instalar microfones nos atores, se for preciso. Num grande set, o microfone do boom pode nio alcançar todos os atores. Um microfone minúsculo 6colocado então em alguma parte do peito. Tem um fio que se estende a um transmissor escondido: em alguma parte do ator. Uma mulher usando roupasjustas podeter o microfone preso à parte interna da coxa. Durante a tomada, o transmissor 6 ligado e envia um sinal de rádio que pennite ao operador de som gravar o diálogo em seu receptor. Ocasionalmente uma tomada se perde porque dois motoristas de táxi paquistanescs ta~las estio ando pelo estúdio e captamos o transmissor errado. Andncj está pronto. Osatoresestlo noset. O diretor-assistente grita "Sirene!" Uma sirene estridente que assustaria um bombeiro soa três vezes no PaJco e IA fora. Fazemos nosso primeiro ensaio. "Nio trabalhem", digo aos atores. "Apenas façam os movimentos e usem o volume que usarlo para testar o som." Não quero que os atores desperdicem emoçlo. Eles estio ali para um longo dia, e quero que poupem suas emoções para a tomada. Depois do primeiro ensaio temos sempre coisas a acertar. Até agora toda a iluminaçlo foi feita na "segunda equipe" (os substitutos). Agora com a "primeira equipe" (os próprios atores) h6 correções a fazer. lsto 6 normal e nenhum dos atores se importa. Entlo, como o ator se move num ritmo diferente do substituto, um movimentodecâmeraterádeserajustado. Asdiferentescaracteris-
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ticas físicas dos atores também podem impor mudanças. Sean Connery tem um metro e noventa de altura. Dustin Hoffman não. Tentar captá-los juntos numa única tomada apresenta alguns problemas. Eu tenho a tendência a filmar tudo ao nível dos olhos, mas estou falando do nlvel dos meus olhos. E sou da altura de Dustin (um metro e sessenta e sete). Por exemplo: "Sean, me dê um Groucho." Isto significa: Quer começar a abaixar o corpo antes de se sentar? Quando Sean se encaminha para nós, a câmera tem de subir para manter a cabeça dele na• tela. Devido à altura dele, isto pode significar que a câmera está vendo acima do sei, filmando as luzes. Não queremos mexer nas luzes depois de tanto trabalho. E a menos que precisemos de um teto por motivos dramáticos, não queremos um em cena. Sean faz o Groucho. A maioria dos atores experientes pode fazer isto sem quebrar sua concentração. "Me dê uma pequena banana naquele cruzamento da esquerda para a direita." Isto significa: Quando estiver cruzando, afaste-se um pouco da câmera pelo mesmo motivo que você nos deu o Groucho. Do contrário, filmaríamos fora do set. A continuista pode sussurrar no meu ouvido: "Ele está pegando a bebida um pouco atrasado." Quando falmamos por cima do ombro dele ontem, ele pegou a bebida no in.ício da frase. Se agora está pegando a bebida no fmal ela frase, terei problema depois na sala de montagem quando quiser cortar da tomada de ontem para a de hoje. Estas considerações técnicas são meros refinamentos e não problemas. A maioria dos atores se acostuma a isto depois de uns poucos filmes. Henry Fonda era mais preciso do que a continuista. Em Doze homens e uma sentença, a maravilhosa Faith Hubley era contioufsta e tinha anotado que o cigarro era acendido em tal e tal fala. Fonda disse que era na fala anterior. Fi 1m amos dos dois modos. Henry estava certo. Andrzej ajustou sua luz. Fizemos nossos Grouchos e bananas. Se a tomada tem um movimento de câmera complicado, eu a ensaio quantas vezes forem necessárias, até que o operador de câmera, o dadolly e.o do foco estejam satisfeitos. Um bom operador da do/ly é indispensável. Não é só uma questão de colocar a câmera na posição correta-"atingir a marca''. Ele também precisa ser capaz
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de olhar e "sentir" o ator. Muitas vezesJ durante uma tomada, o ritmo do ator muda radicalmente. Ele pode ir mais depressa ou mais devagar do que fez no ensaio. A câmera obviamente tem de acompanhar o ator. Eéestaaresponsabilidadedooperadordadolly. Durante esses ensaios, estou constantemente dizendo aos atores que não trabalhem para valer~ que apenas se movimentem até que todos os problemas mecânicos estejam resolvidos. Como nossos ensaios vêm desde o tempo da Ukrainian Home, os atores estão bem preparados. Com freqüência acertamos na primeira tomada Muitas equipes de filmagem encaram a primeira tomada como um ensaio geral. Eu tiro essa idéia da cabeça de todo mundo no primeiro dia. Na primeira tomada pego algo que nio envolve representação e é mecanicamente simples: Dustin Hoffinan caminha pela rua e entra no prédio. Eu grito "Corta!" e pergunto ao operador de câmera: ~'Foi bem pra você?'' Ele diz: "Sim". Eu grito "Copiem!" eoparaasituaçãoseguinte. Todossabemagoraque a Tomada 1 pode ar em duzentas telas neste Natal. Não é um ensaio geral. É para valer. Os problemas técnicos estão superados. Estamos prontos para uma tomada. Peço à maquilagem que "dê uma geral". Depressa Uma das coisas mais difíceis de ensinar a maquiladores e cabeleireiros é que a coisa decisiva em que eu quero que o ator pense é na cena a ser representada, e não na sua aparência Na maioria das vezes, quando se está pronto para rodar eles surgem com seus pentes, espelhos, escovas. Para alguns intérpretes esta é apenas mais uma consideração técnica, mas sei de atores que dispensam isso. "Sirene!" Agora o palco está realmente em silêncio. "Rodan· do." O operador de som solta sua fita. Quando ela alcança a velocidade, ele grita '"Velocidade''. O operador de câmera aperta o botão. A câmera chega à velocidade desejada. O segundo assistente do operador de câmera levanta uma claquete, ou seja, um pequeno. quadro-negro diante da câmera. Nele estão registrados meu nome, o nome de Andrzej, o nome do produtor, o nome do filme e (a única coisa importante) o número da cena e o número da tomada. Ele grita: ..Cena Sessenta e oito. Tomada Um." E bate no quadro-negro
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com uma peça de madeira presa ao seu topo por dobradiça A peça de madeira e o topo da claquete t!m listas diagonais. Ao bater no quadro-negro, a peça produz um sonoro clap. Na Inglaterra a pessoa que faz isso se chama clapper boy. As listas diagonais juntando.se visualmente e o clap do áudio proporcionam uma marca de sincroniza.Çio para o filme e a trilha sonora. Neste momento as duas coisas sio entidades separadas. O montador sincroniza o fil:medesse~odo para o copiio do dia seguinte. Estou tão consciente da concentração do ator que às vezes mando bater a claquete no final da tomada. Não quero que aquele barulhento clap venha perturbá-lo no início da tomada. Descubro que usar a claquete no fim da tomada é útil para atores de pouca · experiência. O operador me faz um sinal afirmativo com a cabeça. Eu grito: "Ação!'' Exatamente como nos filmes. Chegamos ao momento da verdade. Meu grito de "Ação!" diz tudo. Ação interna. Açlo externa. Interpretar. Fazer. Atuar é ativo, é fazer. Atuar é um verbo. Assinalei antes como é pequeno o controle que o diretor exerce sobre certas áreas vitais. Uma delas é a operação da câmera. Mencionei Peter McDonald, o operador de.Assassiirato no Oriente Expresso. Peter era uma espécie de gênio em seu trabalho, além de ser um mestre tecnicamente. O operador conta com duas manivelas para controlar o movimento da câmera. Uma move a câmera para cima e para baixo, a outra de um lado para outro. Um bom operador consegue mover a câmera em linha reta num ângulo perfeito de 45 grausdaesquerdainferiorparaadireitasuperior.MasPetererabem mais habilidoso. Ele sabia pregar uma caneta no quebra-luz da lente de forma que ela se projetasse à frente da câmera. Depois punha uma folha de papel num atril ao alcance da ponta da caneta. E escrevia o nome de qualquer pessoa no papel. Mas olo era só seu esplendor técnico. Muitos operadores o têm. Quando uma tomada é complicada, o fotógrafo ou eu podemos mostrar aoopefadoroenquadramentode abertura e o enquadramento de fechamento. Podem9s dizer que quando a câmera se mover queremos ver isto ou aquilo {"Mostre o copo de vinho sobre a mesa durante o movimento''). Mas basicamente o operador está enqua-
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drando a imagem o tempo todo durante a tomada. Seu senso de beleza ou drama, seu senso de ritmo, seu senso de composiçlo tudo que é vital para a criatividade da tomada. Sua técnica tem de ser praticamente subconsciente, porque quero que ele observe o ator, nio os cantos do quadro. É invariavelmente verdadeiro que os· melhores operadores de câmera fazem sua melhor tomada quando o ator está fazendo sua melhor tomada. Isso parece romântico mas faz parte da mfstica do cinema. Com Peter isso era verdade. Seu olho era tão criativo que quando ele fazia sugestões sobre a composição de uma tomada a coisa saía sempre melhor do que o que eu tinha em mente. {Certa vez tive um operador que, por qualquer motivo psicológico, invariavelmente esculhambava a melhor tomada do ator. Na quarta vez em que isso aconteceu eu o troquei por
outro.) Um personagem filmado em close-up está geralmente falando ou reagindo a uma pessoa ou mais. Então, para ajudar a manter a realidade e a concentração, gosto de contar com o ator ou os atores que estão fora da cena reunidos em tomo da câmera para trabalhar com o ator que está sendo filmado. Evidentemente isto era obrigatório em Doze homens e uma senJença. Às vezes o ator fora de cena não trabalha realmente com o ator em cena. Ele pode ter medo de gastar a emoçlo se sua parte ainda não foi filmada. As vezes é uma forma sutil de sabotagem. Visitando um sei um dia. vi a estrela dando de fora da cena as deixas para um ator diarista (um ator contratado por dia para um papel pequeno). A a~ sentada num banco alto, nem olhava para o ator. De fato, a atenção dela estava voltada para o seu crochê. Isto pode criar maus eflúvios num set. Sempre que vejo isto aconteçer ajo imediatamente falando com o atorforadecenademodogentiloufirme,confonnesejanecessário. Isto escancara uma área importante. Quando o ator está sendo filmado olhando para alguém que está fora de cena, pode, obviamente ver mais além todo o estúdio às escuras. Chamamos a isto a "linhadevisl.o"doator. .lssopodeenvolverosdoisladosdacâmera. No in.stante em que começamos a rodar, qualquer diretor-assistente bem treinado dirá.: "Saiam da linha de visão, por favor". Se William Holden está fazendo amor com Faye Dunaway, não quer ver um
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motorista tomando café por trás dela. Nlo quer ver nenhuma outra pessoa olhando para ele a nlo ser Faye, embora ele tenha grande poda' de concentração. Já que a maioria das equipes nJo entende isto, "Saiam da linha de vislo" torna-se um refrio constante. A tomada 1 acabou. Vi alguma coisa de que n1o gostei. Quero · fazer de .novo. O mesmo processo.~ Sessenta e oito. Tomada Dois." "Claquete." "Açlo!n A tomada 2 está bem. "Vamos fazer mais uma., Vou até o ator com uma nova sugestl.o, só para ver se isto estimulará um desempenhoturpreendente ou maisespontlneo. ÁB vezes di~o: "Beleza. Copiem. Agora, só de farra, faça c que vier à cabeça." As vezes o ator pede outra tomada. Eu sempre topo. Metade das vezes o ator se sai melhor. Às vezes, se eu sinto que o ator está lutando com a cena, digo "Copiem", mesmo que n1o tencione usar a tomada. Faço isto como encorajamento. Quando os atores ouvem "Copicmn, sabem que se sa1ram bem e relaxam. lsto os libera para algo mais espontâneo. Gostaria de tentar expUcar o processo por que o quando digo "Copiem". Afinal de contas, este é o motivo pelo qual estamos fazendo tudo isto. Obviamente, certas tomadas num filme não exigem nada além de perfeição mecânica. Nio estou pensando nelas. Estou pensando em tomadas que envolvem personagens, ou pontos críticos da trama, ou momentos altamente emocionais. Primeiro, me coloco o mais perto possível da lente. Às vezes me sento na dolly, bem debaixo da lente. Ou me enfio atrás do ombro do operador de câmera. Assim, não apenas estou o mais perto possível do ponto de vista da lente como estou também fora da linha de visio do ator. Aí vem a parte dificil. Pouco antes de rodarmos, faço wna rápida verificação mental do que acontece imediatamente antes .daquele momento que estamos prestes a filmar e do que vem em seguida. Entlo me concentro no que os atores estio fazendo. A partir do momento em que os atores começam a trabalhar, eu interpreto a cena com eles. Digo as falas mentalmente, sinto seus movimentos e sinto suas emoções. Me coloco na cena como se eu fosse eles. Se a câmera se move, pelo canto do olho estou observando a lente para ver se o movimento foi mecanicamente tranqOilo ou
abrupto. Se em algum ponto da tomada minha conceotraçlo se quebra, ~i que alguma coisa saiu errada. Entlo parto para outra tomada. As vezes, em tomadas especialmente~ fico tio envolvido que paro de "fazer" a cena e apenas observo reverente o milagre da boa intcrpre~o. Como eu já disse, há vida ali. Quando ela flui assim, eu digo "Copiem". É cansativo? Pode apostar que sim. Uma das cenas mais diffceis de representar com que já me deparei foi em Um dia de cãc. Decorridos mais ou menos dois terços do filme, Pacino dá dois telefonemas: um para sua "mulher' e amante homem, que está numa barbearia do outro lado da rua, e o segundo para sua esposa "verdadeira", que está em casa. Eu sabia que a cabeça de AI iria a mil se pudéssemos fazer isso numa única tomada. A cena se ava à noite. O personagem estava no banco fazia doze horas. Tinha de pam;er cansado, exausto. Quando estamos cansad.os assim, as emoções fluem mais facilmente. E era isto que eu queria. Havia um problema imediato. A câmera carrega apenas mil pés de filme. Isto equivale a pouco mais de onze minutos. Os dois telefonemas duravam quase quinze minutos. Resolvi a q~estlo colocando duas câm~ perto uma da outra,.as lentes o mais perto possfvel fisicamente. E claro que as duas lentes eram as mesmas, 55m~ como me lembro. Quando a câmera l tivesse usado cerca de 850~rodariamosacimera2enquantoacâmera 1aindacstivesse rodando. Eu sabia que haveria uma inserção da esposa em alguma parte do fúrne.que ia acabar, o que me permitiria cortar para o filme da câmera 2. Mas AJ teria interpretado os dois telefonemas de modo continuo, como acontéceu na vida real. Eu queria aconcentraçlo de AJ em seu ponto máximo. Esvaziei o sete depois, um metro e meio atrás da clmera. coloquei telões pretos para que até mesmo o restante do set ficasse vedado. O contra-regra tinha ligado os telefones, de modo que os atores fora de cena pudessem falar nos fones do outro lado da rua e AI os escutasse de verdade em seu telefone. Mais uma coisa me ocorreu. Uma das melhores maneiras de acumular emoção é ar o mais depressa possível de uma tomada
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para outra. O ator começa a segunda U!mada no nível emocional que atingiu ao final da primeira tomada. As vezes nem corto a câmera. Digo baixinho: "Nio cortem a câmera. Todos de volta As posições iniciais e vamos lá. Ok, do início: Ação!" A propósito, eu sempre digo "Ação" de acordo com o clima da cena. Se é um ~omento suave, digo"AçAo" num tom que dê para os atores me ouvrrem. Se 6 uma cena que exige muita ene~a, grito "Açlo" como um sargento comandando um exercício. E como um maestro dando o tempo de como. Eu sabia que uma segunda tomada significaria uma séria interrupçio para AJ. Teríamos de~ uma das câmeras. Recarregar a câmera pode ser extremamente desmotivador. Os magazines estio guardados geralmente na sala escura, que sempre ficalooge.AJémdisso,acoberturadacâmera(Bamey), queusamos para reduzir o ruldo da cAroera, tem de ser retirada; a câmera tem de ser aberta; e o filme tem de ar por todas aquelas pequenas engrenagens. Todo o processo, feito em alta velocidade, leva de dois a ds minutos, tempo suficiente para A1 esfriar. Por isso levanteiumatendapretaparataparasduascimeraseoshomensque as operavam. Fizemos dois orificios para as lentes. E mandei o segundo assistente do operador de câmera (h' tr& homens numa equipe de cimera: o operador, o controlador de foco e o segundo assistente) botar no colo um magazine extra de filme para o caso de precisarmos. Rodamos. Quando a câmera 1 atingiu 850 pés, ligamos a câmera 2. A tomada terminou. Foi maravilhosa. Mas alguma coisa me mandava repetir. A clmera 2 tinha usado apenas cerca de 200 pés. Eu disse baixinho: "AJ, voltemos ao início. Quero fazer de novo."Eiemeolhoucomoseeuestivesselouco.EJetinhadadotudo de si e estava exausto. Ele disse: "O quê?Voc!está brincando." Eu disse: "AJ,pre.ci.ramos. Rodem a câmera.'' Rodamos acArnera 2. Ela tinha cerca de 800 pés. Enquanto isto, por trás da tenda, sem que AJ visse, recarregamos a clmera 1. Quando a cimera 2 tinha usado 700 pés (cerca de oito minutos da tomada), ligamos a cAmera 1 recarregada. No final da segunda tomada, AI nlo sabia mais onde estava. Terminou a fala e. em total
exaustão. olhou em volta desesperado. Depois, por acaso, olhou diretamente para mim. As lágrimas escorriam pelo meu rosto porqueelemedeixaraemocionado.Seusolhossefixaramnosmeus e ele rompeu em lágrimas, depois despencou sobre a mesa onde tinha se sentado. Eu disse: "Cortai Copiem I" e dei um salto. Aquel& tomada é uma das melhores interpretações que já vi no cinema. A fala de Peter Finch, "Estou completamente louco e nio vou mais aceitar isso", em Rede de intrigas foi feita quase do mesmo modo. Naquele filme foi mais fácil, porque a fala durava apenas cerca de seis minutos; eu precisava apenas ter uma segunda câmera pronta. Nada de recarregar..Nenbum tempo perdido entre as tomadas.NametadedafalanaTomada2Peterparou.Eieestavaexausto. Eu nlo sabia então que ele tinha um problema de coração, mas não insisti em outra tomada. B foi assim que saiu o filme acabado: a primeira metade da fala vinha da Tomada 2, a segunda metade da Tomada 1. De volta ao nosso dia de filmagem. Comecei com a tomada mais aberta diante da parede A, como já descrevi. Agora o a fazer' tomadas cada vez mais fecliadas diante da mesma parede. Quando terminar tudo que pode ser feito na parede A, vou para a parede B. Tento arrumar a ordem das tomadas de modo que tenhamos de mover a posiç.io básica da câmera o menos possfvel. Quanto menor o movimento, mais depressa estamos prontos, porque a reiJuminaçlo leva menos tempo. Claro que nem sempre isto é possível. O ator poderia andar pela sala da parede A para a parede B. As vezes marco uma cdla em que a cAroera fica no centro dasalaetemdefazerumapanorâmicade360graus.Todasasquatro paredes aparecem na tomada enquanto o ator se move. Estas tomadas s1o muito dificeis de iluminar. Pode-se levar quatro ou cinco horas para iluminar uma tomada de 360 graus, às vezes um dia inteiro. Katharine Hepbum teve uma tomada desse tipo em Um longo dia de viagem dentro da noite. Ela dava duas vo.ltas pela~ faJando cada vez mais freneticamente enquanto caminhava. Bons Kaufman levou quatro horas para iluminar a cena. Tive outra cena assim em Q&:A - Sem lei, sem justiça, quando um jovem guardalivros recitava resultados de eleições para uma sala cheia de
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políticos. Em O grupo fizemos o contrário. As moças de O grupo reuniam-se periodicamente para tomar café e fofocar. A reunilo podia ser na casa de alguém ou numa cafeteria. A cada vez havia quatro ou cinco delas em volta de uma mesa. Eu queria ligar estas cenas visualmente. A câmera dava uma volta de 360 graus em tomo da mesa, filmando as moças. Mantivemos o movimento de câmera rápido para dar a estas cenas um espfrito leve. alegre~ já que as moças eram sempre uma fonte de alegres lembranças dos tempos de escola para os personagens envolvidos. Um dos mais complexos trabalhos de iluminação foi a primeira tomada dentro da sala do júri em Doze homens e uma sentença. A tomada dura quase oito minutos. Ficamos conhecendo todos os doze jurados. A tomada começa sobre o ventilador. o que terá importância mais tarde no filme. e num ponto ou noutro muda para um plano médio de cada pessoa. Fiz isto numa grua. A base da grua tinha treze posições diferentes a percorrer no pequeno sei. O braço onde ficava a câmera tinha onze posições para a direita e a esquerda e oito posições para cima e para baixo. Boris Kaufman precisou de sete horas para iluminar a tomada. Nós a fizemos na Tomada 4. Se vou fazer uma volta muito grande, indo da parede A para a parede C, tento programá-la para a hora do almoço. Geralmente, a equipe de montagem (quatro maquinistas, dois carpinteiros) vai almoçar uma hora antes de nós. Na hora em que paramos, geralmente entre 11 :30 e 13:30, eles já estão de volta e podem fazer a mudança. Eles recolocam a parede C e retiram a parede A. É mais complicado do que parece. Tudo tem de trocar de lugar - cadeiras, mesas de maquilagem, o boom do som, o carrinho da câmera; decorações (cortinas, prateleiras, quadros etc.) - sai da parede A e tem de voltar para a parede C. A pintura, o estuque, ou o papel da parede é danificado pelo movimento constante e tem de ser consertado. Se partes do teto têm de ser deslocadas, as antigas têm de ser removidas e as novas postas no lugar. O piso fica imundo durante a filmagem e tem de ser varrido. Os trilhos da dolly tam de ser retirados. Cada lâmpada precisa ser desligada. O cabo principal de força tem de ser recolocado no lado oposto do set. A interrupção é geralmente bem-vinda. A iluminação levou uma hora ou uma hora e meia, mas filmamos duas horas e meia ou
três. É uma boa proporção. Os atores se aquecem e melhoram quando trabalham mais. Mas h! muito trabalho e eles podem fazer uma pausa. Muitos almoçam e. já que amudança da parede vai levar mais de uma hora, têm a oportunidade de tirar um cochilo. Pelo menos espero que estejam dormindo. Quando o assistente do diretor avisa que é hora do almoço, vou para o meu camarim. Meus tendões de Aquiles doem um pouco, pois fiquei de pé cerca de quatro huras. Acho dificil me sentar no sei. Há muito tempo parei de beber café a manhã toda. Um bagel com manteiga cai muito bem por volta das onze horas. Na Inglaterra o aprendiz de fotógrafo traz uma bandeja de chá para o fotógrafo e a equipe da câmera, para o que é chamado de elevenses. Com o chá vem um prato cheio de salsichas, plezinhos fritos (fritos na gordura das salsichas) cobertos com manteiga rançosa, cebola, bacon gorduroso. É uma delícia! Está vendo como se a bem quando se faz um fllme? No meu camarim, alface, tomates, ovo cozido duro e umas fatias de presunto ou de peito de peru esperam por mim. Esparramo maionese na alface, acrescento presunto e tomate dentro da folha de alface, enrolo e como. Termino minha "refeição" em cinco minutos. E depois vou dormir durante cinqüenta e cinco minutos. Adormeço pouco depois de me deitar, uma técnica que aprendi no exército durante a 11 Guerra Mundial. E também. depois de todos estes anos, acordo um minuto antes de tenninar a hora do almoço e volto para o set. · Com as paredes trocadas, é hora de uma nova arrumação. Os atores são chamados. Geralmente est!o sem a indumentária e a maquilagem precisa de retoques em razão do que fizeram na hora do almoço. Começamos pela movimentação para a nova tomada. Novamente eu digo a eles que não trabalhem a pleno vapor. Verificamos se todos os órios estão em seus lugares. Depois, com os dublês observando cuidadosamente, reamos a tomada, só que para a câmera desta vez. Jâ escolh i a lente e na realidade observo a ceoa, operando eu mesmo a câmera. Não sou bom nas manivelas, mas também não sou ruim. Se a câmera se move durante a tomada, marcamos as posições da câmera com fita no chão. Às
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ve.zes há oito ou dez movimentos de câmera numa tomada, de modo que os movimentos precisam ser numerados no chio. As mudanças da altura da câmera também são marcadas. AJém disso, os locais onde os atores vão descansar sio marcados com fita, uma cor diferente de fita para cada ator. Os dublSs tomam posiçlo para que Andrzej possa iniciar a iluminação, e os atores voltam aos seus camarins para se aprontarem. A tarde a depressa. A quantidade de trabalho feitO num dia depende de muitos fatores. Contudo, desde que os atores não tenham tempo de se sentirem entediados, considero que foi um bom
com um bom Brunello, e cama às nove e meia. Mentalmente recapitulo o dia. Consegui o que queria? Preciso de alguma cobertura extra? Há alguma coisa que eu queira filmar novamente? Não saio de casa durante o período da filmagem. Às vezes minha mulher e eu recebemos alguns amigos íntimos para jantar numa noite de sexta-feira. Sábado, dia de folga, ainda não me desligueido trabalho da semana. Não é um dia de muito descanso. Mas domingo - com a ajuda das palavras cruzadas e do acr6stico do Times e, no outono, do futebol na TV - relaxo um pouco. Se tudo isso dá a impresslo de trabalho muito pesado, acreditem que é mesmo. .E quanto à fêitura do filme, esta tem sido a parte fácil de rodar. Estivemos no estúdio. Tivemos total controle. Nlo houve transtorno. Tudo isso desaparece quando trabalhamos em locação. Tente imaginar o seguinte. Em Uma estranha entre ná!, uma das cenas culminantes é uma filmagem no coração do bairro do diamante de Nova Yorl4 na Rua· Quarenta e Sete. Durante a filmagem, três táxis batem; outro carro tem o pára-brisa arrcben1ado e bate na grade traseira de mo caminhlo. Os bandidos então tomam à força um quarto táxi..Melanie Griffith arrebenta-lhe o pára-brisa, o táxi sobe na calçada e vai de encontro à vittine da joalheria que reproduzimos no estúdio. Em circunstâncias normais, considerando o d.ificil c perigoso trabalho dos dublês, os efeitos especiais do pára-brisa sendo qu~ brado, e a movimentaçio de cento e três extras, reservaríamos três ou quatro dias para filmar a seqüência. A seqUSncia exigiria sessenta e sete setups, e fazer vinte setups por dia 6 um trabalho fantástico. Raramente fazemos vinte no estúdio, onde tudo está sob o nosso controle. · Mas tínhamos somente um dia para filmar toda a seqü!ncia. B tinha de ser no domingo, porque precisávamos de todo o quarteirão e pagar uma compensaçlo a todas as joalherias do quarteirlo pelo dia teria sido financeiramente impraticável. Dentro de oadajoalh~ ria, o espaço geralmente é sublocado a outros joalheiros, o que significaria pagar mna compensaçlo destas a duzentos e cinqüenta proprietários individuais. Mesmo se quiséssemos gastaro dinheiro,
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dia.
Por volta das tr!s horas, o escritório da produção envia uma cópia da folha de chamada do dia seguinte. Verifico até onde ch~guei na filmagem planejada para aquele dia. Se acho que vou fazer mais do que o programado, ou menos, no restante do dia, mando alterar a folha de chamada. Se os atores podem dormir mais quinze minutos de manhl, quero que durmam. Às quatro e meia tomo cuidado para n.lo iniciar uma seqüência ou tomada que nlo possa acabar.~ cinco e me~ que é nossa hora de saída. Aquela tomada repetida que fiz com Brando em Y'lda.s em fuga foi uma exceçlo só porque achei que estarfamos com tudo pronto, como era de hábito, na Tomada 1 ou Tomada 2-. Posso sempre ar do horário, mas nlo o a menos que isto seja absolutamente essencial. Para começar, dei duro o dia todo, e estou cansado.Osatorestamb6m.Asequipest6:nicasestioacostumadas a muitas horas extras, de modo que n.lo cofncçam a perder a eficiência antes de trabalhar do2e horas. Tento encerrar as filma- · gens do dia por volta das cinco da tarde, mas procuro antecipar ammjos para o dia seguinte antes de dispensar os atores. se 6 um trabalho particularmente difici~ a equipe pode ficar até um pouco mais tarde e dar um bom avanço na iluminação para a manbi seguinte. Se as paredes tam de ser mudadas, os maquinistas ficam .· mais um pouco para fazer isto. Depois é a vez dos copiões, em seguida a caminhoneta (é bom que o meu motorista esteja na porta da frente com o motor ligado) e casa. Um cochilo de meia hora, uma chuvei~ jantar às oito,
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a filmagem num dia de semana olo teria dado certo. Há uma impressionante rede de segurança particular no quarteirlo. Há incontáveis milhões de dólares em mercadoria nas lojas e nos cofres. Nenhum caminhão pára e simplesmente descarrega ou carrega.· Se o caminhão não está programado, n!o tem permissão para parar, mesmo que esteja entregando hagels às quatro ou cinco cklicalessens do quarteirão. E os caminhões em sua maioria não estio entregando hagels. Além disso, toda loja está ligada a um sistema automático de a.lamte que abre e fecha os cofres em horários predeterminados. Isto não pode ser alterado sem a autorização das muitas companhlas que fazem o seguro das lojas. Quando fomos escolher as locações pela primeira vez, éramos quatro. Descobrimos depois que a segurança particular nos tinha DOtado e fotografado no primeiro dia em que caminhamos pelo quarteirão. Quatro sujeitos caminhando lentamente para lá e para cá dos dois lados da.rua, parando diante de cada loja e conversando, tirando fotosedepoisseguindoseucaminho-essaoloéumaimagem bemvinda na Rua Quarenta e Sete. Como o conseguimos? Aindanlo estou certo. À3 cinco da tarde de sábado todos os lojistas, como sempre fazem, colocaram suas jóias nos cofres. Os cofres se trancaram automaticamente às 18:30. Dentro de cada loja, um pequeno exército de nossos decoradores substituiu as jóias verdadeiras por jóias falsas montadas em papelão. Eles tinham de terminar às 18:30, hora em que os alarmes da maioria das lojas soariam automaticamente. Um grupo de decoradores teve problemas, mas o proprietário da loja foi form1dável. Como ele gostava de cinema e como lhe demos US$ 2.500, ele telefonou para a companhia de segurança e a companhia de seguro, e elas atrasaram o sistema de alanne em quinze minutos. Então nossos caminhões começaram a se movimentar pela rua. Os caminhões das produções cinematográficas sio conhecidos porque têm os logotipos das companhlas locadoras que nos fomecem equipamento. Tiveram de ser disfarçados como caminhões normais, que trafegam na rua. Eu queria nossos caminhões na rua da filmagem porque simplesmente não teríamos tempo para correr ao outro quarteirão em busca de película nova, luzes, cabo,
rebatedores, es e todas as ontras coisas necessárias para a filmagem. Usei três câmeras. Isto significava que eu podia fazer três tomadas em cada setup. Isto reduziu o n6mero de tomadas a vinte e duas mais uma, ainda um trabalho enonne. Tínhamos luz do dia às 7 horas da manhã. Lógico que começamos a trabalhar enquanto ainda estava escuro. Um trilho de rravellingfoi instalado no único local que não seria visto nas cinco primeiras tomadas (quinze setups). Os extras chegaram às se~ já vestidos e maqnilados. lsto era em si mesmo um grande trabalho, porque muitas pessoas daquela rua são hassidim. Estes são os judeus nltra-ortodoxos que usam barbas e tranças. Suas cabeças são geralmente cobertas por fedoras ou chapéus de aba larga. Costuramos as tranças diretamente nos chapéus para não ter de aplicá-las individualmente. Às 8 horas o diretor-assistente colocou os extras em posição. Chamei os principais e ensaiamos toda a seqUência uma vez- sem dublês, é claro, mas com os dublês de motoristas fazendo a pé suas partes. Tivemos muita sorte. O dia ficou bem encoberto. Enquanto aquilo durasse, teriamos uma suave luz uniforme. Poderíamos ftlmar em qualquer direção e a luz seria a mesma. Isto era tremendamente útil com três câmeras. Se tivéssemos um dia ensolarado, teríamos de usar luz complementar (pelos motivos já explicados). Além disso, quer me agrade ou não, o sol fica se movendo. A luz às oito horas é muito diferente da luz ao meio-dia. Os prédios projetam sombras e reflexos diferentes. "Casar" a luz em diferentes tomadas feitas em horários diferentes com três câmeras teria sido quase impossível, e as tomadas que não casam viram um caos na hora em que se juntam. Num ponto não tivemos sorte. Normalmente a parada do Pulaski Day sobe a Quinta Avenjda partindo da Rua Cinqüenta e Sete para a Oitenta e Seis. Por algum motivo, naquele ano ela começou na Rua Quarenta e Dois. Isto significava que os alegres poloneses, com as roupas típicas ondulando, as bandas estridentes tocando "Barril de Chope", estariam ando pela nossa esquina na Rua Quarenta e Sete com Quinta Avenida. Colocamos dois
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caminhões grandes no final do quarteirão para que bloqueassem a vista dos eslavos que avam. Mas eu sabia que o som seria inútil e que teríamos de adicioná-lo depois. Eu me senti grato porque nenhum dos meus parentes de Varsóvia, aquecidos por alguns tragos deslivovitz, decidiu virver se precisávamos de alguma ajuda. ComeçamosafiJmar·porvoltadas 8:45. Tenninamosàs 14:30 daqueJa tarde. Conseguimos até tirar meia hora de almoço à mna da tarde. Dormi vinte e cinco minutos. Na página seguinte está a folha de chamada daquele dia. Veja a quantidade de detalhes. A seção 2 contém a anotação de. que o departamento de publicidade teria uma equipe nos filmando enquanto filmávamos a cena. O departamento de publicidade faz uma coisa chamada K.it para a Mfdia Eletrônica de cada filme. Fornece o fi:I21erial para todas aquelas fascinantes matérias promocionais que você vê no noticiário das seis, prometendo levar você "para trás das câmeras de um grande filme... Observe também que temos de filmar a seqüência chova ou faça sol. Na seção três, o X ao lado dos números indica os dubl~ e os personagens que eles estio substituindo. A letra X sem um número indica o coordenador de dub~~ a quem os dublas se reportam. Na seção 4, o item "órios e Instruções Especiais" é interessante. Observe "múltiplos pára-brisas", para o caso de nlo filmarmos na Tomada 1 e portanto precisarmos de um novo párabrisa. Também instruções para remover a caixa de correio e os avisos de No Parktng(Esta.cionamento Proibido) porque poderiam prejudicarosdubl&.Aiémdisso- oqueétriste-, umaambul.incia, coisa prática, operacional Onde há trabalho de dubiS tem de haver wna ambulância. "Stun~s: 0/C' na seção 5 significa que não há ~ublês, porque os dublês foram mencionados na seçlo 3. Ao contrário dos motoristas, os dublSs nio precisam ter suas instruções repetidas. Por causa da pressão do tempo, aquela filmagem no domingo envolveu muitas pessoas. Mas todo trabalho de locação exige uma equipe imensa. Mesmo um filme pequeno, de orçamento apertado" como Opeso de umpa.uado, precisou das seguintes coisas para um dia de locação: um caminhão platafonna, um carn inhioelétrico, um
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[6] caminhão de órios, um caminhão gerador, um caminhão para maquilagem e penteados e dois campers. Campers são camarins portáteis para os atores. Cada um contém tras compartimentos para que três atores possam compartilhá-lo. Usei um dos compartimen-
um motorista para dirigi-lo, por isso tenta-se reduzir o número de campus ao mínimo. Acrescentem-se as três caminhonetes que levaram os atores para a locação. Se bá extras e a locaçio fica fora da cidade, como em O peso de um ado, um ônibus deve transportá-los. Cada ônibus tem espaço para quarenta e nove extras. Devem ser usados até cento e vinte extras que slo membros do sindicato; se a multidlo desejada for maior, pode-se usar gente do local. E há ainda o honey wagon, quatro sanitários portáteis instalados num caminhlo. Já chegamos a doze ca.m.iDhões, o que significa não apenas doze motoristas mas também problemas de estacionamento. E acrescente um chefe dos motoristas e um assistentedochefe.Coloqueaindaumoudoisdi.retores-assistentesetrês ou quatro assistentes de produção. Ponha mais duas caminhonetes para transportá-/os. Há mais seis seguranças, dois por turno, três turnos se você vai ar a noite naquela locaçlo. Acrescente dois a quatro guardas locais de folga para controlar o tráfego se se está usando ruas ou barreiras policiais. Além disso, quando na locaçio, também usamos uma turma de maquinistas. Num filme pequeno a turma de maquinistas compreende dois eletricistas e dois carpinteiros. Eles chegam antes de nós, quefonnamos a equipe de filmagem. Dependendo da quantidade de luz de que a locação precisará, eles chegam um, dois, às vezes três dias antes de nós. Instalam as lâmpadas principais. ~ minuto economizado por meio dessas providências significa horas poupadas quando chega a numerosa equipe de filmagem. Em Prfncipe da cidade, tivemos 135 locações. Tínhamos um cronograma de 52 dias. Isto significava que tínhamos em média mais de duas locações por dia! Além de uma turma de maquinistas, sendo quatro eletricistas e três carpinteiros, tínhamos uma equipe de limpeza. Terminada a filmagem, dois eletricistas e dois carpinteiros chegavam para retirar as luzes, já que a tunna de maquinistas estava trabalhando na locação seguinte. Além do mais, se uma parede tinha sido repintada, tínhamos de lhe restituir a cor original. Não mencionei o fornecedor da alimentação. Se queremos limitar a duração do almoço a uma hora, é essencial que a comida
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esteja pronta quando suspendemos os trabalhos. A hora do almoço só começa oficialmente quando o último homem da fila da equipe tiver sido servido. Se você faz uma parada para almoço de apenas meiahora,aequiperecebemais.Ofomec:edortambémnosmantém abastecidos de café e sopa quente no frio e de bebidas geladas e
deu que nunca estivera num filme onde o que era planejado era realmente executado. No segundo dia ele não estava mais ali. Filmagem à noite é mais dificil ainda. Tudo terá de ser iluminado artificialmente. A turma de maquinistas 6 geralmente acres-. cidados eletricistas da equipe de filmagem pelo menos quatro horas antes de a noite cair. Isto acontece porque os cabos têm de ser estendidos das luzes para os geradores. Como os geradores fazem muito ~o, eles geralmente são colocados bem longe dosetpara que não mterfiram no departamento de som. É muito mais fácil e se~o estender os cabos de dia, quando ainda se pode enxergar. Muitas semanas de filmagem à noite deixa todos exaustos, inclusive a equipe. Nio se pode realmente dormir durante o dia, ou eu nio posso. Mas há uma maravilhosa intensidade na filmagem noturna. Depois das onze horas, a vizinhança vai dormir. E aqui, no meio da escuridlo, um grupo de pessoas está "pintando com luz", criando algo. FilmamosAgaivotana Suécia. Construfmos a casa de Madame Ark:adina numa clareira da floresta, junto a um lago. Houve ápeni.s uma noite de filmagem. Gerry Fisher, o fotógrafo, disse-me que fizesse uma longa pausa para o jantar, já que ele precisaria de cerca de uma hora e meia para acabar a Huminaçlo depois que a noite caísse. Os fotógrafos s6 podem acertar a iluminaçio quando está completamente escuro. Uma ho:ra depois de a noite cair fui para o set. A estrada levava a uma colina. Quando o carro chegou ao ponto mais elevado, vi abaixo de mim um pequeno diamante, concentrado, incandescente. T.to à sua volta era escuro, exceto esta bela explosio de luz, onde estava iluminado o set. É uma visão que sempre lembrarei: pessoas trabalhando tio duro, todas fazendo o mesmo filme, criando, literalmente, uma imagem no meio de uma floresta no meio da noite.
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melancia no calor. Você pode ver como os números começam a subir. Em Opeso de um ado, um filme pequeno, tenninamos com cerca de sessenta pessoas na locaçio, sem contar o elenco. Em Príncipe da cidade, cerca de cento e vinte. Um grande filme de ação facilmente duplica esse tamanho da equipe. E se muitos extras estio envolvidos, aumentam os serviços de penteado, maquilagem, alimentação e contra..regra, e podemos chegar a centcmas de pessoas na equipe. Em meus filmes, todos esses problemas organizacionais são tratados duas a tr6s semanas antes da filmagem. Levo os chefes de todos os departamentos - órioss eletricidade, carpintaria, cenografia, assist!ncia ao diretor, locações, dublês (se forem usados), motoristas,- no que chamamos viagem de inspeçio. Visitamos cada locaçio. Discutimos onde os caminhões vão estacionar, · que limpadas serlo usadas, onde serão colocadas, o que precisa ser redecorado ou repintado para o visual do filme. Se é um filme de época, antenas de televislo e aparelhos de ar condicionado têm de ser removidos e depois recolocados. Para isto, é claro, temos de obter permisslo das pessoas que moram no lugar. Em Daniel, um filme de época, os postes de iluminação tiveram de ser substituídos. Todos fazem muitas anotaçees para que tudo seja seguido religio-
samente. A. manhiJ seguinte foi o único filme que rodei em Hollywood. Não estávamos filmando num grande estúdio. Usamos uma equipe técnica
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8- COPIÕES: A AGONIA E O ÊXTASE
• Na Tecbnicolor em Nova York, no segundo andar de um prtdio caindo aos pedaços, cercado de sexy shops, há uma pequena e feia sala de projeção. Dá para cerca de trinta pessoas. A tela nlo tem mais de quatro metros e vinte de largura Geralmente a luz dos projetores 6 forte no centro da tela e fraca nos lados, fornecendo uma imagem desigual. O sistema de som 6 para o som o que duas latinhas e um cordlo Slo para o telefone. Morty, o projecionista, reclama ht anos, mas sem qualquer resultado. Quando o ar condicionado está funcionando, os diálogos ficam inaudfveis. Se o ar condicionado não tiver sido ligado pelo menos meia hora antes de chegannos, o cheiro de comida se mistura ao odor de produtos qufmicos do laboratório, que fica no andar de cima. O cheiro de comida vem do restaurante do térreo. Mesmo antes de o restaurante alugar o espaço, a sala cbeiravaapomida. Chinesa. Nlo sei por qo!. O banheiro dos homens é distante. Está sempre trancado, para que os vagabundos da rua nio entrem ali pararoubar a gente. Morty tem a chave, que fica presa a um longo e pesado pedaço de madeira. É aqui que assistimos ao traballío do dia anterior. Depois de todo aquele esforço, ~ aqui que venho assistir ao trabalho do dia anterior e tentar avaliar como nos salmos. O laboratório, a fim de que possamos ver o trabalho o mais depressa possível, faz uma cópia rápida, sem detalhes de luz. A maioria dos filmes rodados na cidade manda seus negativos para este laboratório, onde eles recebem o banho qufmico. Apesar de condições de filmagem muito diferentes escolhe-se uma luz m~dia para impresslo e todas as cópias positivas slo feitas com essa
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mesma luz. Mais tarde um çuidado maior sed tomado na cópia final; mas por enquanto a velocidade é a maior prioridade. É sempre um momento excitante mas atemldor. Ossie Morris, o fotógtafo britin.ico, disso-me que mesmo depois de ter feito ceotenas de filmes, cruza os dedos cada vez que as luzes se apagam na sala de projeção e c:omcça a ar o copiio. Entramos em pequenos grupos, amstaDdo os pés, porque tNJbamos de ter outro duro dia de filmagem. Chegamos em horas diferentes porque viemos em transportes diferen1es. Primeiro chegam o diretor-assistente, a continulsta. o fotógrafo, o operador, o operador de foco, o técnico de som, o diretor de arte, o figurioist:a. O montador e o primeiro assistente do montador j' estio lá, tendo trazido o filme e a banda sonora. Muitas vezes o segundo e o terceiro assistentes do diretor também v6m. Às vezes o eletricista-chefe gosta de vir, ou o operador da dolly, se houve algum trabalho especialmente diflcil com a dolly no dia anterior. M.aquilador e cabeleireiro.vem se houve algum problema ou mudança. Geralmente sentam-se perto da porta, porque chegam tarde. Os dedos cruzados de Ossie nlo slo de modo algum raros. Há mais superstiçlo nesta sala do que num vestiirio de um time de beisebol numa final Se estou filmando no inverno, uso o mesmo suétertodos os dias. Sempre me sento na primeira fila, de modo que a tela parece maior. É proibido levar comida. O montador à minha direita. O fotógrafo na fila de tris e uma cadeira à minha esquerda. Onde as pessoas se sentam nesse primeiro dia 6 onde devem se sentar para ver o resto do filme. Nenhuma a.heraçlo. Por algum motivo os produtoreS e os executivos do estúdio se sentam na última fila. Estou convencido de que ~ porque detestam filmes e desejam ficar o ma.is longe poss(vel da tela. Talvez seja porque o telefone geralmente fica nos fundos, embora ninguém telefone enquanto a o copilo. Alguns atores nunca aparecem. Detestam se ver. (Eu já. disse que a auto-exposi9lo era dolorosa.) Henry Fonda nunca~~~ um copilo em toda a sua carreira. Na verdade, ele raramente assistia ao filme antes de ter saído de cartaz há pelo menos um ano. Mas em Doze homens e uma sentença ele era também o produtor, por isso
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tinha de ir. Depois de termos assistido ao copião do primeiro dia, ele se curvou para a frente, apertou meu ombro, sussurrou "Brilhante"
minha paixão mesmo assim julgar realisticamente se conseguimos o que queríamos? É dificil. As vezes, durante a tomada, eu estava plenamente convencido de que ela era perfeita. Mas na hora de ver o copilo, aquela mesma tomada me deixa com um pouco do. gosto amargo do desapontamento. Ás vezes durante outra tomada, posso sentir que talvez eu tenha aceito algo menos do que esperava. E no copião está maravilhoso. Ás vezes no setpensei que a Tomada 2 foi melhor do que a Tomada 4, e acabo desc~brindo no copilo que o oposto é que é verdadeiro. Isto não acontece com freqtlência, mas acontece. Acho basicamente que faço a mesma coisa que faço quando estou filmando: participo da cena a que estou aSsistindo. Se minha concentração se rompe, algo está errado. Ver os copiões é muito, muito dificil. Muita gente nlo sabe como vê-los ou o que buscar ali. Às vezes uma tomada foi copiada porque eu quero um breve momento dela. Mas sou o único a saber disto. Os montadores devem ser capazes de v~ los de modo construtivo. Eles precisam ter uma conexlo tanto com o material quanto com o diretor, e ainda assim manter sua objetividade. Às vezes têm de suspender o jqlgamento. O montador nem sempre pode perceber que fiz uma cena deste m~o porque tencion.o executar a cena anterior ou a posterior daquele modo. E ainda não filmei esta outra cena. Isto só fará se~tido quando as duas cenas estiverem juntas. Você também precisa observar seu próprio estado interior com muito cuidado quando vai ver um cop~. Talvez a filmagem de hoje nlo tenha ido muito bem. voca está cansado e frustrado. Entlo atira tudo isso ~bre o ~alho de on~ ao qual voe! estâ aSsistindo agora. Ou talvez v~ tenha super@do um grande proble-ma hoje e por isso está exultante e dá crédito demais ao ~o de ontem. O primeiro dia de ftlmagem de O mágico inesquecível foi um dos mais dificeis que já tive. Estávamos no Wprld Trade Center. A iluminação do enonne sei consumira três noites e aoonstruçlo tinha levado três semanas. Para a cena de Dorothy chegando à Cidade Esmeralda tivemos de trocar a cor de todo o set de verde para ouro e depois para vermelho.
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e saiu para nunca mais voltar. Pacino sempre vem. Senta-se na lateral, sozinho, e uma calma gélida toma conta dele. Ele é muito duro consigo. Se sente que não esteve bem, pede para refilmar, se possível; invariavelmente a cena sai melhor. Às vezes os atores usam os copiões de modo autodestrutivo. Sentem-se mal com sua apa.r!ncia O menor sinal de bolsas debaixo dos olhos podejogá-los num o de depressão. Quando vejo isto acontecer, peço-lhes que nlo apareçam mais. Isto geralmente faz surgir uma crise pequena, mas estou disposto a ser muito duro nisso. Alguns atores, por contrato, têm o direito de assistir aos copiões. Na verdade, os atores nio do piores do que muitos dos técnicos. Os copiões provocam muita vaidade. Quase todo mundo está concentrado em seu próprio trabalho. Jâ vi projetistaS de produção chegar quase às lágrimas porque uma emenda onde duas paredes se juntavam não fora repintada com perfeição. Ninguém mais vai perceber aquilo, mas este será o primeiro assunto com o cenógrafo na manhã seguiu~ para ·ter certeza de que nlo vai acontecer de DO)U)~ Está certo. Os técnicos de som sofrem com a transferêneia: No set eles gravâm com uma fita de um quarto de polegada. Ela tem de sertransferida para uma fita de 35mm para que tenha sincronismo com o filme. Isto é feito numa ~casa de transferência". Se o técnico da casa de transferência for descuidado, obtém-se má transferancia que altera a qualidade:do som. ÀB vezes o técnico dacasa de transfer6ncia é ortativo·e filtra os altos ou baixos ou reduz ou aumenta o volume da gravação original e o técnico de som fica louco. B novamente ele está certô. Em outras palavras; estamos ali para ver se o que pretendíamos acabou realmente na tela. Essa é a nossa primeira prioridade. E ela requer uma estranha combinaçio de gostar do filme e ser brutalmente honesto sobre soas falhas. O bom trabalho nasce da paixlo. Quando chego àquela sala, não posso de repente fingir que sou objetivo. Nlo sou. Como um rebatedor vendo a bola se aproximar, eu rezo. Quero que dê certo. Mas tenho de ter muito cuidado enquanto assisto. Como manter
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No dia da filmagem, os dançarinos trabalharam ao como de um click track. Click track é um metrônomo eletrônico que dá aos dançarinos a batida exata do tempo da orquestra. Além disso, ouvem as marcações- 'CUm-dois-três-quatro-cinco-seis-set:e--oito"', "Dois-dois--três-quatro-cinco-seis-sete--oito"', "Três-dois-ris-quatro-cinco-seis-sete-oito.,, etc. - de modo que os dançarinos sabem exatamente onde devem estar coreograficamente. Para o copiao, o montador tinha substituído o click track pela trilha da grav8910 da orquestra. Por ser o primeiro dia dos copiões e como há muitos outros departamentos num filme musical, a sala de projeçlo estava lotada. Nio estávamos ná sala de projeção da Tcchnicolor. Era uma sala muito maior, com excelente som. Quando apareceu a primeira tomada, a orquestrairrompeu nos seis alto-falantes. A tomada estava espetacular, uma tomada geral de sessenta e quatro dançarinos num ponto alto da coreografta. Levadas pelo irreprimível e maravilhoso Joel Schumacher, que
New Jersey, um pesadelo burocrático. Mesmo com a ajuda de dois senadores federais, só a muito custo conseguimos as quatro noites. Eu disse: "Ossie, tentaremos. Temos de terminar a seqü!ncia. Se sobrar tempo, refilmaremos tudo o que pudermos."' Ossie e eu tínhamos feito quatro filmes juntos. Éramos fntimos. Nós nos abraçamos e levei-o de carro para casa. Mas nlo nos foi possível conseguir da Port Authority o dia extra de que precisávamos. S6 pudemos refilmar uma das tomadas. Por isso na montagem final reduzi a seqüência vermelha o mais que pude. Infelizmente, estouramos o tempo naquele filme. Com tempo, a maioria dos problemas técnicos pode ser resolvida. Mas num filme chamado Child's Play aconteceu algo muito mais grave. Child's Play fora um sucesso na Broadway. Era um drama gótico, de mistério, de assassinato, ado numa escola paroquial de meninos. Como peça tinha uma eficácia fantasmagórica e teatral que funcionava. Mas por volta do terceiro dia de copiões, percebi que me enganara por completo. O que eu vira no roteiro e em toda a fase de pré-produção simplesmente nio existia O que quer que tivesse funcionado nele como peça permanecia no teatro. O que antes parecia assustador agora parecia totalmente inofensivo. Um extraordinário melodrama gótico no palco se tomara um mistério banal com uma resolução telegrafada. Não podia se transferir para a tela- ou pelo menos eu não conseguia fazê.- lo. O que era pior, eu não era capaz de determiná-lo. Eu não sabia qual era o problema, e por isso não podiayesolvê-lo: Tudo o que eu sabia ·era que a coisa era uma tapeação, hão iria funcionar. E eu tinha mais sete semanas de fi Imagem pela frente. E o pior de tudo era o fato de que eu era o diretor. Assim não podia dizer a pessoa alguma. Se havia qualquer esperança de salvar um filme em apuros, todos precisavam da confiança do diretor. Eu não queria destruí-la.Não havia outra coisa a fazer senão morder o lábio pelas próximas sete semanas e tentar fazer o filme parecer o mais profissional possível. Outro filme, cujo nome prefiro não revelar, tinha três astros muito poderosos. Mas no segundo dia de filmagem comecei a perceber que faltava à atriz principal a ternura que seu papel exigia. Ela simplesmente não possuía isso como atriz ou como pessoa. Br:a
~eraoroteiro,aspessoascomeçaramavibrareabaterpalmasl
À medida que as tomadas se sucediam crescia o entusiasmo. Parecia a noite de estréia de My Fair Lady na Broadway. Mas mesmo assim meu coraçlo estava apertado. Sempre que uma tomada pegava qualquer coisa na seqüência vermelha, revelava um centro forte, branco onde a lâmpada fora colocada. Podíamos ver a fonte da tuz, uma das proibições básicas da iluminação. Quando os copiões tenninaram, as pessoas deixaram a sala de projeção transbordando de alegria. Sentado ali, podia me dar conta de Ossie Morris atrás de mim, imóvel em sua poltrona. Tony Walton, o diretor de arte, e Dede Allen, a montadora, também nlo se moviam. Eu me voltei para Ossie. Ele estava com a cabeça nas mios. "Meu equilíbrio estava errado. Eu devia ter usado unidades menores e aberto mais. Assim não teríamos aqueles pontos fortes." Sua voz era quase sufocada pelas lágrimas. "Podemos refilmar as seções vennelbas?", ele perguntou. Eu sabia que tínhamos apenas quatro noites no World Trade Center. Tinha sido incrivelmente dificil conseguir permissão para filmar lá, em primeiro lugar. O Trade Center é istrado pela Port Authority ofNew York and
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formidável com raiva; tinha humor. Mas se lhe pediam que mostrasse afeição, mínima que fosse, pela pessoa que contracenava com ela, insinuava-se em sua representação uma falsidade que ficava logo evidente, especialmente porque sua atuação era, sob outros aspectos, tio real e verdadeira. Minhas impressões no sei
sam com grande controle e pré-planejamento. Mas naqueles filmes em que esse sentimento surgiu nos copiões, eu pouco a pouco abandonei muitas idéias que havia formado antes de começar a filmar. Confio em meus impulsos momentâneos no set e vou em frente com eles. Se planejei um trdllelling para tal e tal cena, filmo-' a de outro modo no dia. Eu não faria isto arbitrariamente. Mas se o instinto me mandou fazer a tomada de outro modo, eu o sigo, sem dúvidas ou medos. E os copiões corroboram que o filme está assumindo vida nova. Mas é bom que esta vida nova exista mesmo, do contrário você acaba se estrepando, perdendo o que tinha em mente e não alcançando a maravilha que julgou ver nos copiões. Os copiões podem enganar - e às vezes enganam. Acho que estou falando de auto-ilusão. Em qualquer esforço criativo, acho que isto é absolutamente necessário. O trabalho criativo é árduo, e aJgum tipo de auto-ilusão é necessário para que se possa ao menos começar. Em primeiro Jugaré preciso acreditar que tudo dará certo. E muitas vezes não dá. Já conversei com romancistas, maestros, pintores s.obre isto. Infalivelmente, todos itiram que a auto-ilusão era importante para eles. Talvez uma palavra melhor seja ..crença". Mas eu tendo a ser um pouco mais cético sobre isso, de modo que uso "auto-ilusão". Os perigos são óbvios. Todo bom trabalho é auto-revelação. Quando nos iludimos, terminamos sentindo que fomos muito toJos. Você mergulhou na piscina, mas nlo havia água lá dentro. Buster Keatqn perfeito. Outro grande perigo naauto-iluslo é que ela facilmente conduz à pre.tensão. "Meu Deus nós (ou eu) fizemos (ou fiZ) isso?" E o cara começa a acreditar que é mesmo bom. Este é o sentimento mais perigoso de todos. Acho que quase todos nós nos sentimos uns impostores. Em algum ponto a impostura nos agarra e nos expõe exatamente como somos: ignorantes, furões e charlatães. Não é um sentimento totalmente destrutivo. Tende a nos manter honestos. O outro .lado da moeda, porém, o sentimento de que possuímos o trabalho, que ele s6 existe por nossa causa, que somos o meio de transmissão de alguma mensagem divina, é loucura. Na verdade, é
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foram confirmadas nos copiões quando foi projetada a primeira cena suave. Falei com o montador. Minha impressão seria correta? Ele se esquivou um pouco mas itiu que a cena nlo era tio instigadora como o restante do trabalho dela tinha sido. Refilmei a parte dela na cena. Disse-lhe que houvera um problema no laboratório. Nenhuma diferença. Como o filme era basicamente uma história de amor, eu sabia que estávamos em dificuldade. Minha mente saiu em disparada. Como eu poderia compensar a dureza da moça? Lentes? Filtros? Música? Acabei tentando tudo. Mas até terminar o filme nunca máis fui ver os copiOes com um coraçlo leve. Uma parte fundamental daquele filme iria ficar para
sempre i.rtealizada. Embora continuasse empenhado, mantinha uma objetividade deprimida. ·• Há outro tipo de experiência nos copiões. Não acontece com tanta freqüência porque trabalho de primeira classe Dlo acontece com freqüência. Mas às vezes sentimos que alguma coisa maravã,. lbosa está acontecendo. Jâ escrevi que há ocasiões em que um filme adquire um terceiro significado, uma vida própria, que nem o diretor nem o autor sabiam que estava lá. Geralmente este sentido de que algo especial está ocorrendo acontece no final da segunda ou inicio da terceira semana decopjões. Chega-se cadanoite com mais e mais expectativa. A08 poucos desiste-se de qualquer expectativa sobre o que se vai ver. A gente apenas se recoSta com uma espécie de confiança silenciosa, sabendo que o que se vai ver será surpreendente mas correto. Esta sensação cresce ao longo das duas primeiras semanas, e depois você se entrega a ela. Aconteceu em Um dia de cão e Principe da cidade, entre alguns outros. Quando esta mágica acontece. o melhor que SO-podo fazer é sair do caminho do filme. Deixe que ele diga a você como agir dali em diante. Ach~ que está bem claro agora que meus fihJ:tes se proces-
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isto o que acontece com Howard Beale (Peter Fincb} em Rede de
isso em conta. Nem o público, a nio ser pelo ingresso que paga. Tento ver a coisa pelo outro Lado: E se eu estiver certo? Entlo poderia conseguir outro trabalho. E isso me dá uma oportunidade de estar certo ou errado novamente. E voltar a trabalhar na melhor ocupaçio do mundo.
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intrigas. HA outras regras para se assistir a um copilo. A primeira é nunca confiar no riso. O fato de as pessoas estarem rindo, batendo com a cabeça no assento da frente porque a tomada é muito engraçada, não significa coisa alguma. Esta tomada ainda terá de ser colocada entre outraS duas tomadas, uma antes e outra depois. Além disso, as pessoas que estão assistindo aos copiões sio do ramo. A realidade delas não tem nada a ver com a realidade de um público que está vendo um filme pela primeira vez. O riso delas é o equivalente do que os comediantes de boates chamam "piadas da banda"-piadas que fazem rir os músicos que trabalham láatrás mas que são muitas vezes inexpressivas para o público que está sentado ali na frente. Segunda regra: Não deixe que a dificuldade de fazer uma tomada leve você a pensar que a tomada está boa. No filme concluído ninguém na platéia sabe que ela precisou de três dias para ser iluminada ou de dez pessoas para movimentar a câmera, deslocar as paredes ou qualquer outra coisa A terceira regra é o contrário: Não deixe que uma falha técnica destrua a tomada. Obviamente, qualquer erro mecânico põe em risco a realidade do filme. E esses erros devem ser eliminados no futuro. Mas é preciso ficar de olho no impacto dramático da tomada. Há vida ali? É isto que importa. E a quarta regra? Quando em dúvida, veja a cena novamente um ou dois dias depois. Mande o montador tirar fora:e identificação, demodoquevocê não saiba se é a Tomada2 ou 3 ou 11 ,porque você podia estar sob o peso de sentimentos que o acompanham desde o momento em que você fez a tomada. Finalmente resta ainda uma qllest!o básica relacionada com o exame dos copiões: Como você pode saber quando a tomada está realmente boa? Eu honestamente não sei. Se você assiste aos copiões cerebralmente, mantendo-se à distância, pode estar errado. Se você se "empolga", pode estar errado. Assim chegamos à situação em que eu vivo desde o momento em que decido fazer o filme: posso estar errado. E dai? Este é o risco. Os críticos não levam
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A SALA DE MONTAGEM
9 - A SALA DE MONTAGEM: SOZINHO AFINAL
Durantemuitos anos, o clichê sobre a montagem era: "Os filmes são feitosnasalademontagem,.Issoébobagem . Nenhummontadord~
filme jamais coloca alguma coisa na tela que nio tenha sido filmada.
Contudo, há razl5es para esse clich~. Nos anos trinta e quarenta, os diretores raramente faziam a montagem de seus filmes. O sistema de estúdios era totalmente departamentalizado. Havia um departamento de montagem, que tinha seu montador-chefe a quem todos os montadores se reportavam. O montador-chefe via o filme montado antes mesmo do diretor. De fato, o diretor não podia ver seu filme enquanto este não estivesse totalmente acabado. O diretor provavelmente estava longe, rodando outro filme. Naquele tempo, os diretores contratados por um estúdio faziam quatro ou cinco, às vezes at6 seis filmes por ano. Como todas as outras pessoas do estúdio, eles eram simplesmente designados para uma nova tarefa assim que tenninavam a que estavam fazendo. As vezes o diretor era designado ~um filme uma semana antes de começarem as fllmagens. O departamento de arte tinha preparado os sets e escolhido as locações, se houvesse alguma. O departamento de elenco tinha formado o elenco a partir do conjunto de intérpretes contratados pelo estúdio. O departamento de câmera tinha designado o fotógrafo, o departamento de figurino designado o figurinista, etc. O diretor çntrava numa operação totalmente pr6-selecionada e assumia dati por diante. Joan Blondell uma vez me contou que quando ela c GJenda Farrell tinham contrato com a Wamer Bros., freqüentemente faziam dois filmes simultaneamente. Faziam um
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filmedemanhã,depoisoutroàtarde-todaalogísticadecronograma etc., elaborada pelo departamento de produção. O montador môntava o filme enquanto ele ia sendo rodado. Quando a primeira montagem estava pronta. ele mostrava-a ao . montador-chefe, que sugeria mudan9QS. Aí o filme era mostrado ao produtor. Depois que as mudariças sugeridas por ele tinham sido incorporadas, mostravam o copilo ao vice-presidente encarregado da produção. Finalmente todos eles entravam na sala de projeção para mostrá-lo ao chefe do estúdio. Então o filme tinha uma préestréia (levado para um cinema fora da cidade, e mostrado a um púb_lico) e, dependendo da ieação, era remontado e submetido à pós-produção final, supervisionada pelo departamento de pósprodução. Se o diretor era um favorito do estúdio, geralmente comparecia à pré--estréia. O roteirista? Esqueça,.o. Quando penso nisto, acho assombroso que tantos filmes bons tenham sido feitos. A partir deste sistema, certas regras, não apenas de montagem mas também dé filmagem, foram estabelecidas pelo departamento de montagem. Por exemplo, toda cena tinha de ser "coberta". Isto significava que era obrigatório que uma cena fosse filmada como se segue: uma ampla "tomada mestra". geralmente com a cimera estática, de toda a cena; um plano médio da mesma cena; por cima do ombro dele para ela (toda a cena); por cima do ombro dela para ele (toda a cena); uma tomada solta e isolada dela; uma tomada solta e isolada dele; um close-up dela; um close-up dele. Desse modo, qualquer trecho de diálogo ou qualquer reação poderiam ser elimi"ados. Portanto, "os filnies são feitos na sala de montagem". Obviamente, os diretores mais bem-sucedidos tinham um pouco mais de liberdade, mas não muito. O montador-chefe cuidava de todos os copiões, e se achasse que uma cena nlo tinha sido adequadamente coberta, geralmente recorria ao vice-presidente eucarregado da produção, ou mesmo ao chefe do estúdio, que então mandava rodar o material adicional. E o diretor filmava. Além de destruir qualquer originalidade na feitura de um ftlme, esse sistema também submetia os atores a um verdadeiro inferno, devido às repetições intermináveis da mesma cena e à aparente importância de tirar uma baforáda do cigarro na mesma fala em
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cadaum dosoitoingulosde cimera. E cada um destes ângulos teria, 'claro, várias tomadas. Se um ator ..dessincronizasse"- isto é, desse a baforada na fala errada - , a continufsta anotaria isso no roteiro, que era postmormente enviado para a sala de montagem. O montador muitas vezes desp1ezava uma tomada com uma atuaçlo superior porque seu trabalho seria facilitado se usasse uma tomada em que a açio do cigarro se "encaixasse". Eu digo sempre à continufsta para checar comigo se o ator dessincroo.izou. Tenho uma idéia muito nftida de como vou mbntar uma cena enquanto a estou filmando. A dessincronizaçlo pode n1o ser importante. Se tiver dificuldade mais tarde, posso quase sempre contorná-la com um pouco màis de trabalho, vendo fotograma por fotograma entre a tomada anterior e a subseqüente até encontrar o fotograma que se ajuste. ~ mesmas limi~ aplicavam-se ao som. Uma das regras que se impam foi a que proibiaa superposiçlo.lsto significava, por exemplo, que numa cena onde duas pessoas estavam gritando uma com a outra, um intérprete não podia falar ou "sobrepor-se", enquanto o outro ainda estivesse falando. De fato, nos close-vp.J, os atores tinham de deixar uma pequena pausa entre as falas de cada WJt. para que o montador pudesse montar a trilha sonora. Obviamente, isto tomava dificil dar vida a uma cena que exigia um andamento rápido. Esta regra foi criada para tornara vida mais fki I para os montadores. Hoje em dia nós geralmente montamos a trilha sonora do modo que queremos. Só que isso dá mais trabalho. Temos de achar o corte Dlo apenas no fotogra.ma mas com &equencia no orificio da grinfa. Há quatro orificios por fotognuna.; por isso temos de ir para a frente e para trú muitas vezes para encontrar o lugar certo de cortar. Mas • isso pode ser feito. Um bom Lugar para fazer um corte de áudio 6 numa consoante oclusiva, um p ou um b. Um s funciona bem. A maioria das consoantes funciona como o ponto em que se pode casar duas trilhas de áudio diferentes. As vogais s1o mais difíceis, porque raramente estio na mesma altura e po
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num estúdio de áudio. Chamamos a isto "dublagem., ou loopingpor motivos que explicarei depois. Quando eu disse anteriormeme que o montador-chefe podaia ir direto ao chefe do estúdio, nlo estava exagerando. Nos mos triJJta e quarenta, a MGM sozinha produzia mais de duzentos filmes por ano. Isto queria dizer que M.argam Booth, a montadora-chefe, via lrving Thalberg e Louis B. Mayer com muito mais freqüancia do que qualquer produtor oo diietor. Ma.rgaret Bootb era uma pessoa notáveL Era brilhante e .incansáve~ e adorava filmes. Nlo sei se fazia outra coisa na vida. Tomou-se montadora~befe quando Irving Thalberg dirigia o estúdio. Thalberg era considerado um g!nio, embora eu n1o faça idéia se era ou nio. Ele e Bootb projetavam o filme sem parar. Quando estavam satisfeitos com o copilo geral, marcavam a pró-estréia do filme. Thalberg decidia entlo o que tinha de ser refeito. Mas refilmar nio era nenhum problema. Todos os set.s eram guardados no estúdio, nio eram desmontados enquanto nio fosse dado o OK. Se fosse preciso reescrever, o roteirista estava sob contrato e oo estúdio, assim como o diretor. Se por algum motivo n1o estivessem disponíveis, outros podiam substituí-los. Os atores estavam todos sob contrato e portanto disponíveis. Se estivessem trabalhando em outro filme, nJo haveria problemL Lembra-se de Joan Blondell e Glenda Farrell? Contaram-me que mais de 60 por eento de Marujo intrépido, um bom filme com SpencerTracyeFreddieBartholomew, foi refilmado. Mesmo que nio seja verdade, n1o importa. Podia ter sido refHmado. Por inteiro. Acho que o sr. Thalberg tinha um ótúno princípio. Faça o filme, mostre-o, refaça-o se for preciso. Eu gostaria que pudéssemos fazer isto hoje em dia. Eu tenho um lugar especial para Margaret Bootb em meu coração. Quando eu estava filmando A colina dos homensperdidos na Inglaterra em I964, ela ainda era montadora-chefe da MGM. Na 6poca devia estar com quase setenta anos ou at6 mais. A MGM era um aJvo constante das manobras de grupos de controladores e, se nlo me falha a memória,jám udara de dono três vezes em dois anos. Margaret era a única pessoa que sabia que filmes a Metro estava rodando e em que estágio se encontravam. O estúdio enviou-a à
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Ingl.aterra para ver os três filmes da Metro que estavam sendo rodados lá. A colina dos homens perdidos estava no estágio de copilo final e os outros dois ainda estavam sendo rodados. Ela determinou que qualquer cópia que existisse dos tres filmes lhe fosse exibida, a partir das oito horas da manhã seguinte. Veja bem, elatinhaacabadodecbegardaCalifómia.Eraumamulherdeidade, eoitodama.nhierameia·noite no horário da Califórnia. Ela nio nos convidou, a mim e Thelma Connell~ montadora de A colina dos homem perdidos, para a projeçlo) mas disse que nos veria à uma da t.a.rdc. À uma em ponto ela entrou na sala de montagem. Ela disse: "VocA está com 2:02" - o tempo de duraçlo do ftlme. ~Quero o filme com menos de duas horas." Eu nio fazia a montagem naquela época. Perguntei-lhe, educadamente) se achava que o filme estava longo em algum lugar especial~ "Niol ",ela disse. "É um belo filme e uma montagem correta. Mas corte dois minutos, ou eu corto." Disse isso e foi embora. Fiquei em pin.ico. Uma vez que o estúdio põe a mio num filme. n1o b.i como saber o que vai sair dali. Pode começar com "dois minutos'' mas acabar irTeconbecfvel. lbelma e eu nos sentamos diante da moviola (a máquina de montagem) e amos todo o filme novamente. Eocontnunos um corte de trinta e cinco segundos e era tudo. Na manhl seguinte. às dez e meia, Margaret estava de volta na sala de montagem. Eu lhe disse o que tínhamos cortado, acrescentando que pensava que qualquer corte adicional estragaria o filme. '"Quetal...r e ela me:ocionou uma tomada. Apresentei meu cootra·argumento. ''Que tal oatomada em que... e ela meocionou outra tomada. Sua memória do filme erafantástica. Apontou sete ou oito momentos, sempre perfeita sobre onde a tomada ocorria, o que acontecia na tomada, como seu inicio ou fim poderia ser podado :e ela assistira ao filme somente uma vez. A cada sugestão eu dava minhas razões para manter a cena como estava. Finalmente ela disse: "Projete para mim." amos o filme na moviola. É preciso sentar num banco alto por causa da altura da tela, que tem apenas oito polegadas de largura. Ela se sentou no banco duro e alto, observando com total
concentração. Quando termino~ disse: "Você tem razlo. Mantonha como está. É um bom filme." Safmos todos juntos da sala de montagem, indo em direções opostas. Thelma e eu fomos ao agente. Estávamos extasiados, sabendo que agora o estúdio deixaria o filme . em paz. *braçados. conversamos animadameote sobre a pessoa fenomenâl do mundo do cinema que era Margaret Booth. Naquela noite, por volta de dez e meia, Thelma ligou. Com voz t:mnula, me contou que Miss Bootb tinha telefonado e dito que queria ver o filme novamente às oito da manbl Meu coraçlo ficou apertado. Os filmes sio cheios de batalhas que a gente pensa qt_Je ganhou mas que tem de enfrentar o tempo todo. Ela viu o filme outra vez. Resmungando, disse: "Deixe como estA" e me pediu que a levasse at6 o carro. Entramos no sagulo. Bu lhe perguntei por que assistiu ao filme novamente. Ela disse: "Ontmn, quando vaca c Thelma iam andando pelo saguão, pensei que estivessem rindo de mim." Eu parei Nio podia acreditar no que acabava de ouvir. Eu disse: "M.argaret, .eu discuto com vod. Mas de modo nenhum tentaria engani-la." Ela começou a chorar. "Eu sei", disse ela. "'Vod nlo ~um deles. Estou tio cansada Todos aqueles sujeitos- ela pode ter dito ' bastardos' -brigando pelas sobras deste estúdio. Nenhum deles sabe coisa alguma ou liga para os filmes. E eu sou a {mica que sei o que está sendo filmado e o que estad pronto para lançamento na Púcoa ou no Natal E todos mentem para mim enquanto despejam em cima de mim mais e mais deci.sOes. E nlo tenho ajuda. E agora : tenho de partir para a fodia. Temos mn filme ~ com problemas e sou eu que tenho de resolver. Ontem l noite me senti tio cansada E pensei que vod e Thelma estavam me enganando também." Abri a porta do carro dela. Beijei·a no rosto. Ela disse ao motorista: "Aeroporto de Heathrow." Foi a última vez que a vi. Como tudo o mais nos filmes. a montagem ~ um trabalho técnico com importantes ramiticaçlSes artisticas. EmbOra seja ab-surdo acreditar que os filmes sio "feitos" na sala de montagem, eles certamente podem ser dcstrufdos ali. Tantas concepções errôneas existem sobre montagem, particularmente entre os criticas. Li que um certo filme foi "belamente montado". Nio hA meio de saber
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quanto um filme foi bem ou maJ montado. Pode parecer mal montado, mas por causa da mA qualidade da filmagem pode de fato parecer um milagre da montagem que a história ainda faça sentido. Inversamente o filme pode parecer bem montado, mas quem sabe o que ficou no chio da sala de montagem? Do meu ponto de vista, somente ris pessoas sabem o quanto a montagem foi boa ou má: o montador, o diretor e o fotógrafo. Eles slo os únicos, em primeiro lugar, que sabem tudo que foi filmado. PormelborqueDomlniodo.s bárbaros pareça (e parece fantástico), nlo sei quem fez o qu~ na montagem. Pode-se presumir um profiSsionalisoJ.o básico na filmagem e aquele filme foi belamente filmado. Mas melodramas e filmes de perseguiçio nio sio dificeis de montar se se conta com o material básico. Nossa velha definiçio de melodrama ainda se sustenta: tomar acreditável o inacreditável. Portanto, como em tudo o mais no filme, a história 6 a primeira prioridade. Monte-o pela história, mas como parte da forma do melodrama, monte-o do modo mais surpreendente, mais inesperado, que puder. Trate de manter o público desorientado, mas nlo a ponto de dei:x.ãr que a história se perca. Em geral os montadores empreendem essa tarefa montando o filme num ribno muito sltJCcato, usando trechos de quatro, cinco ou seis~ (um pouco mais de dois a quatro segundos). Mas tenho vistobomsuspensecriadopormeiodeumatomadalonga,lentaque termina com a mocinha num close-zlp e uma mio subitamente vindo tapar-lhe a boca Se o diretor nãofez a tomada longa, lenta, ela nio pode ser criada na sala de montagem. Numa resenha de um ftlme que Dede Allen tinha montado o critico escreveu que ela era uma brilhante montadora e que tinha um estilo reconhecível. Se por acaso Lesse a critica, Dede ficaria · extremamente angustiada. Ela é uma brilhante montadora. Mas orgulha-se de fazer o que o filme e o diretor exigem dela. Orgulhase de que os fi lrnes que montou para George Roy HilJ sio totalmente diferentes dos filmes que fez para Warren Beatty ou dos que ela e cu fizemos juntos (Serpico, Um dia de cão e O mágico inesquecivel). Ela quer que o filme, e não Dede Allen, apareça. Ela é desprendida. Ela "faz o mesmo filme".
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Quando começamos a filmar Serpico, logo depois do feriado do Quatro de Julho, a data de estnia do filme já fora marcada: 6 de dezembro. Este é um prazo incrivelmente curto para filmar, montar e fazer toda a pós-produção (som, música, primeira cópia). Seis meses de pós-produçlo é um cronograma apertado. Três meses é insanidade. Mas nlo tinhamos escolha. lriamos filmar em julho e agosto e tenninarfamos tudo o mais em setembro, outubro e novembro. Pela primeira vez em minha carreira a montadora estava "fazendo a montagem atrás der mim". Quando eu terminava uma seqüência, Dede começava a montá-la assim que recebia a última tomada. Até entlo, eu sempre pedira ao montador para esperar até que eu tivesse tenninado a filmagem e estivesse na sala de montagem. mas dessejeito nlo atenderíamos i data de estréia. Depois dos copiões, Dede e eu nos sentávamos e conversávamos durante uma hora. Eu explicava minha escolha de tomadas e Dede fazia suas anotações. "Esta cena é sobre o primeiro momento em que ele sente medo, Dede. A ênfase deve ser em ..." Depois ela ia t:raba.lhar. Com o prosseguimento da filmagem, as seq08ncias filmadas se acumulavam mais depressa do que Dede conseguia montar. Ela começou a ar algumas seqU8ocias para seu maravilhoso assistente, Richie Marks, de modo que em essência havia dois montadores trabalhando atrás de mim. Quando fmalmente concluí a filmagem, fui diretamente para a sala de montagem. Muitas seqQ!ocias que Dede tinha montado realizavam minhas intenções melhor do que eu poderia ter feito. Outras) em particular aquelas sobre as mu lhcres com quem Serpico estava envolvido, precisavam de extensas revisões na montagem. Possivelmente isto acontecia porque essas cenas nio eram as mais bem escritas e nlo tinham a força melodramática das cenas de policia. Qualquer que fosse a razão, remontamos as seqil8ncias o melhor que pudemos e cum primos o cronograma. Mas em todos os momentos sob uma pressão terrível, a devoçlo de Dede ao trabalho era o que vinha em primeiro lugar. E este é o "estilo Dede Allen". A primeira coisa que noto quando entro numa sala de montagem é como ela é silenciosa. Fazer filmes é sempre tio barulhento. No estúdio, enquanto filmamos num sei estlo montando outro.
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Uma porta se abre e ouve-se aquele ruído ensurdecedor das serras nas oficinas de carpintaria; os martelos em constante uso; o barulho de sacos de areia caindo; o zum-zum da conversa dos extras; o barulho de pregos sendo arrancados; os gritos dos eletricistas quando ajustam suas lâmpadas. Na locação, 6 claro, os sons s!o o pandemônio nonnal das roas. Mas agora, na sala de montagem, que silêncio abençoado. f:lá at6 um tapete no chão. A aprendiz está realizando o ente
tomadas largas que os precederam. Em Principe da cidade, quando Ciello pensava em suicídio, a presença do céu tinha muita importância porque o céu olo aparecera antes no filme. Em O veredicto, a transição mais importante do filme era iluminada pelos close-ups de Paul Newman examinando uma foto tirada com Polaroid. Ele · tinha tirado a foto da vitima e acompanhava a revelação. À medida que a foto ganhava vida, também ele se animava. Eu podia sentir o presente irrompendo ~ um homem que, até então, ficara preso nos detritos do ado. Foi a intercorrência da revelação da Polaroid e dos close-ups de Newman que tornou palpável a transição. Em nenhuma parte foi o impacto de imagens justapostas mais evidente do que em O homem do prego. Sol Nazerman, o personagem princip~ está ando por uma profunda crise quando se aproxima do aniversário da morte de sua família num campo·de concentração. Imagens comuns de sua vida diúia fazem-no lembrar-se cada ve-z mais de suas experiências no campo de concentração, por mais que se esforçasse para bloqueá-las. Ao contarmos a história de sua situação dificil,lidávamos com dois problemas: Um era chegara uma resposta para a pergunta central: Como a memória trabalha? Além disso, como a memória trabalha quando a estamos negando, lutando contra sua penetração em nossa consciência? Encontrei a resposta analisando meu próprio processo mental quando alguma coisa com que eu nio queria lidar vinha se impor ao presente. Depois de pensar muito, percebi que o sen~ento reprimido continuava voltando em jorros cada vez mais longos até que finalmente emergia por completo, dominando, assumindo o controle de todo o pensamento consciente. Agora, o segundo problema era como mostrar isto em termos cinematográficos. Eu sabia que quando esses sentimentos foram estimulados pela primeira vez, chegaram em pequenos intervalos de tempo. Mas pequenos como? Um segundo? Menos? A opinião reinante na época em que o cérebro n1o poderia reter ou compreender uma imagem que durasse menos de ~s fotogramas, um oitavo de segundo. Eu não fazia idéia de como se havia chegado a essa cifra, mas Ralph Rosenbloom, o montador. e eu decidimos nos
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divertir com isso. Nlo tenho certeza, mas não creio que cortes de tr6s fotogramas tivessem sido usados antes. Eu havia tentado, em outros filmes. cortes breves de dezesseis fotogramas (dois terços de segundo) e oito fotogramas (um terço de segundo). Numa seqO&cia, quando deixa a loja à noite, Nazennan a por uma cerca atrás da qual uns meninos estio batendo em outro. Imagens de um parente apanhado pelos cães junto a uma cerca de campo de concentraçlo começam a se juntar em sua mente. Adotei a regra de reconhecimento dos três fotogramas e fiz o primeiro corte • oos quatro fotogramas (por segurança) do campo de coocentraçlo, um sexto de segundo. Originariamente eu pretendera fazer no segundo corte uma imagem diferente, de maior duração, talvez seis ou oito fotogramas (um quarto a um terço de segundo). Mas descobri que isto produzia cedo demais um efeito evocativo demasiado nítido. Raciocinei que se usasse a mesma imagem durante o tempo de evocaçlo poderia reduzir o corte a dois fotogramas (um · doze avos de segundo). Mesmo que as pessoas nio entendessem a imagem da primeira vez, entenderiam depois que ela fosse repetida duas ou tras vezes. Eu agora tinha a soluçAo técnica para as lembranças subconscientes que penetravam à força na consci&lcia de Nazerman. Se a imagem seguinte fosse muito mais complexa. eu me sentia livre para repeti-la em cortes de dois fotogramas tantas vezes quantas fossem necessárias a.tÇ tomá-la clara. Como a cena continuava, eu podia alongar as imagens para quatro fotogramas, oito fotogramas, dezesseis fotogramas e assim por diante numa progressão matemática até que elas se impusessem e o flashbaclc pudesse então ser visto por inteiro. Atkrucaatingiusuareali7Jlçãomáximanacenadocllmax,em que Nazerman está viajando num vagão do metrô. Pouco a pouco · o vaglo do metrô se transforma no vagão do trem que levou sua família para o campo de extennlnio. Toda a transição se estendeu por um perfodo de um minuto. Começando com cortes de dois fotogramas, gradualmen~e substituí um vaglo pelo outro. Em outras palavras, quando eu fazia um corte em dois fotogramas do vaglo da ferrovia, ele substituía dois fotogramas da tomada no vaglo do metrô. Quando eu usava um corte de quatro foto-
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gramas do vaglo do trem, ele substituía quatro fotogramas do vagão do metrô ,e assim por diante ~ que o vag1o do metrô se tomou o do trem. A medida que aumentava a intensidade, Naz«man corria para outro vaglo do metrô para fugir da lembrança. Feito um louco abria com viol6ncia a porta do comunicaçlo, e cortivamos para o vaglo abarrotado do trem, ando daí pera terminar toda a cena do jlaslrbac!. Nio havia fuga para ele. O que tomou a seqOincia mais visualmente emocionante foi que eu filmei o vag1o do metrô e o vagão do trem numa panortmica de 360 graus. Com a câmera no centro de cada vaglo, demos uma volta completa com ela. Assim~ quando juntamos as duas tomadas, conseguimos casar o mesmo arco do círculo. O filme estava sempre em movimento, tanto no ado' quanto no presente. A essa altura estávamos tio confiantes na técnica quo marcamos a transiçlo metrô/trem num pedaço de papel e deixamos para o assistente o trabalho fisico. E houve muito trabalho físico. Naquela época, juntar dois fotogramas significava que uma fita transparente devia ser colocada sobre cada fotograma, ligando-o ao que vinha antes e ao que vinha depois. Mas quando vimos a seqüência pela primeira vez numa tela grande, sentimos que tínhamos conseguido. Nio a alteramos desde a primeira vez em que a montamos. Um ano depois de lançado o filme, todo comercial de tevê parecia estar usando a técnica. Chamavam montagem " subliminat'. Minh.as desculpas a todos. O segundo elemento mas igualmente crucial da montagem é o andamento. Toda emenda num filme altera o ponto de vista, porque todo corte usa um ângulo de câmera diferente. As. vezes pode simplesmente saltar de um plano geral para um plano médio ou para um close-up no mesmo ângulo. Mas o ponto de vista mudou. Pense em cada corte como a batida de um metrônomo visuaL De fato, muitas vezes seqUBnoias inteiras sio cortadas num ritmo que vai acomodar a partitura musical que será acrescentada depois. Quanto mais cortes, mais rápido fica o andamento do filme. É por isso que os melodramas e as seqU&lcias de perseguiçlo usam tantos cortes.
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Assim como na música, o andamento rápido geralmente significa energia e excitamento. Contudo, acontece uma coisa interessante. Na música, tudo, de umasonataa uma sinfonia, usa mudanças de andamento como parte básicáde sua forma. Tipicamente, uma sonata em quatro movimentos mudanlo apenas seus temas musicais em cada movimento, mas também seu andamento em cada movimento e às vezes até dentro de cada movimento. Da mesma forma, se um filme for montado no mesmo an.damento em toda a sua duração, parecerá muito mais longo. Não importa se estão sendo usados cinco cortes por minuto ou cinco cortes a cada dez minutos. Se o mesmo ritmo é mantido do princípio ao fim, começará a parecer cadavez mais len.to. Em outras palavras, é a mudança de andamento que sentimos, não o próprio andamento. Poralgum motivo, ainda me lembro que fiz 387 setups em Doze homenseumasentença.Maisdametadeiaserusadanaúltimameia hora de filme. O andamento dos cortes foi se acelerando ·de modo constante durante o filme, mas entraria num galope nos últimos trinta e cinco minutos aproximadamente. Este andamento crescente ajudou muito a tornar a história mais emocionante e a deixar o público mais consciente de que o filme estava se comprimindo ainda mais no tempo e no espaço. Em Um longo diadeviagemdentrodanoite descobri que podia usar diferentes andamentos de montagem para reforçar personagens. Filmei sempre Katharine Hepburn em tomadas longas, sem interrupçlo, para que na montagem a impressão do legato de suas cenas nos ajudasse a mergulharem seu mtmdo narcotizado.Nós nos moveriamos com ela para o seu ado, para sua viagem noite adentro. O personagem de Jason Robards foi montado de modo exatamente oposto. A medida que o filme se desenrolava, tentei montar as cenas dele num ritmo staccato. Eu queria que ele se sentisse errático, desarticulado, descoordenado. Os personagens de Richardson e StockweU foram tratados em funçlo do sentido do andamento do filmi! e não dos personagens. Em filmes em que n1o uso o andamento para caractcrizaçlo, tenho o cuidado de mudar continuâmente o ritmo do filme na
montagem. O uso de tomadas sem interrupção, sem interposições, é planejado cuidadosamente no inicio, antes de a filmagem come-
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çar. Seformostrarumalongatomadasemcortenofilmeterminado, é bem provável que eu queira movimento de câmera Isto significa que quero uma base onde possa me mover livremente. No mêu primeiro encontro com o diretor de arte, pelo menos quatro meses antes de entrar na sala de montagem, já estou pensando nos andamentos da minha montagem fmal. Posso não usar integralmente a tomada sem interrupções. Posso cortA-la. Mas se n1o a tiver filmado nlo posso criá-la na sala de montagem. Tendo usado uma tom!Ufasem cortes na Cena Ae/ou B, começo a pensar em alterar o andamento na Cena C. Não é dificil justificar · isto. Quando coloquei a câmera em sua posição originalmente, fiz a mim mesmo a pergunta: O que eu quero ver neste momento do roteiro e por quê? Agora, na sala de montagem, eu me faço a mesm.a pergunta. É fácil achar uma razão para cortar do homem para a mulher. De fato, com bons desempenhos, às vezes é doloroso nio ver os dois juntos, o rosto todo, num determinado momento. Portanto, dependendo do andamento de que a cena precise em relação ao filme como um todo, posso cortar na frente ou atrás tanto quanto eu quiser. Além de um senso de mudança de andamento entre duas cenas, penso na mudança de andamento ao longo de todo o fihne. Os melodramas geralmente se aceleram em seu andamento porque as histórias exigem uma crescente impresslo de excitamento e de tensão. Mas em muitos filmes,já quase no final, eu quis desacelerar as coisas, para dar ao público, assim como ao filme, tempo para respirar. Isto não é nada fora do comum. A clássica última tomada do melodrama romântico, um lento recuo e um movimento ascendente da câmera. 6 agora um clichê. Pense em Casablanca. Bogart olha para Raios: "Louie, acho que este é o começo de uma grande amizade." Enquanto eles se afastam, de costas para nós, a câmera sobe e recua. Nossos dois cínicos, agora a caminho de se juntarem aos ses Livres, ficam cada vez menores na tela. Fade ou/. J::.embro-me de uma série de filmes da 20th Century Fox que usaram essa tomada, acrescentando a ela a mesma música. Havia sempre a
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sensação do "saxofone solitário" ou "trompete solitário" enquanto · o detetive caminhava para~ tendo resolvido o caso mas perdido a garota, enquanto o resto da cidade dormia. Posso cantar para v oca o tema musical ainda hoje. Pode haver outras razl:Ses para retardar o andamento de um filme. Em Um dia de cão toda a questão do filme foi reslUllida quando Pacino fez seu testamento quando faltavam cerca de tr6s quartos do filme. Ali o tema nos tocou: "Bichas,. olo slo as criaturas estranhas que imagiru6nos que sejam. Temos muito mais em comum com o comportamento mais escandaloso do que estamos dispostos a itir. Era essencial que a cena em que ele ditava seu testamento fosse calma, suave, tocante. No curso da montagem fomos lentamente comprimindo o filme, fazendo tomadas mais curtas, eliminando tudo que fosse irrelevante. Na primeira metade do filine, no que pensávamos que fosse a montagem final, nós a encurtamos em cerca de quatro minutos e meio. É muito tempo num estágio final de montagem. Não tínhamos encurtado nada na segunda metade. amos o filme. Dede Allen e Marty Bregman ficaram satisfeitos e quiseram "fechar" o filme: encerrar a montagem e enviá-lo ao departamento de som para as etapas finais de pósproduçlo. Mas eu não estavasatisfeito. Paramos do lado de fora da sala de projeção na Broadway 1600, perto de um cinema pomô, discutindo. Eu achava que a primeira,metade fora acelerada demais. Nlo que tivéssemos cortado o personagem ou comprometido a força do filme. Mas a primeira metade estava pesadamente melodramática. Um assalto a banco é, por natureza, um evento emocionante. Cortando quatro minutos e meio, preocupava-me que houvéssemos imprimido um andamento melodramático ao filme, o . que poderia fazer com que a segunda metade parecesse, em contraste, mais lenta. E se isto acontecesse, a cena em que o protagonista ditava o testamento, a parte mais lenta do filme, poderia parecer interminável. Estas coisas estão sempre em relação umas com as outras; nunca estão sozinhas. Conversamos cerca de meia hora, ali na rua, enquanto táxis, cafetões, freqüentadores do cine pomô e transeuntes avam por
nps. No dia seguinte voltei à sala de montagem e restaurei dois minutos e meio dos quatro e meio que tínhamos cortado. Jamais saberei se o que eu temia sobre a cena do testamento aconteceria. Mas sei que tomar o filme um pouco mais lento não o prejudicou. De tudo que mencionei até aqui, é evidente que o pré-planejamento se estende à fase de montagem .também. Contudo, uma das delicias da sala de montagem 6 que às vezes a montagem pode .ajudar a transformar uma cena que não esteja funcionando numa que funcione. Isto geralmente implica encurtá-la. Outras vezes, uma mudança de ênfase pode tomar uma cena mais interessante. Como excedem fisicamente o tamanho natural das coisas, os filmes tendem a tomar o caráter de uma cena ou de um personagem mais claro mais cedo. Em Daniel, Daniel está à procura de uma explicação razoável dos cataclismos que atingiram sua vida: a execução de seus.pais em S ing Sing e o colapso mental da irmã Havia duas cenas em que Daniel visita a irmã num hospital psiquiátrico. A segunda cena, em que ele carrega a agora catatônica irmã pelo quarto, não foi tão tocante como eu tinha esperado. Acabei descobrindo que não havia nada de errado com a cena. O problema estava no modo como a primeiracenaentreeles tinbasidomontada: acenatinha enfatizado Daniel. Conseqüentemente, a segunda cena n!o proporcionava nenhuma nova revelação sobre ele. Parecia redundante. Depois que a primeira cena foi remontada para enfatizar a dor da irmã, as duas cenas funcionaram muito melhor. A innã estava bastante comovente na primeira cena, e ainda tínhamos algo de novo a descobrir sobre Daniel na segunda. Isto levanta um ponto importante. Eu disse antes que não há decisões pequenas quando se faz um filme. Em parte nenhuma isto se entende melhor do que na montagem. Um dos milagres da montagem cinematográfica é como uma mudança no rolo 2 afeta alguma coisa no rolo 1O. (Um filme de uma hora e cinqüenta minutos se compõe de onze rolos: dez minutos por rolo.) Nunca se pode perder de vista o relacionamento de corte a corte e rolo a rolo. Geralmente, durante a montagem, projeto três rolos de uma vez, assim que acabo de montá-los. Vendo como ficam numa tela grande, faço minhas anotações. Se são extensas, volto atrás e tomo
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a trabalhar nos rolos imediatamente. Se as mudanças slo insignificantes ou técnicas, espero pela minha segunda rodada. Tento ser equânime em minhas projeções de cada lote de três rolos, de modo a n1o me deter num lote mais do que em outro, a não ser que haja problema num lote em particular. Somente o montador e eu assistimos a essas exibições. Neste ponto, nio quero opiniões de fora. É cedo demais. Sabendo que a maioria dos filmes não merece ter mais de duas horas, raramente o dos quinze rolos (duas horas e meia) em minha primeira montagem. As cenas não são montadas frouxamente. Tento ser o mais rigoroso possível com cada cena. Se não está de acordo com o andamento, nio posso dizer se a cena está funcionando como deveria. Antigamente costumavam fazer uma primeira montagem "longa••. Isto tamb6m era feito por amor à paz e harmonia. Um das mais repetidos cüob6s do cinema é: "Ficará muito melhor qWl}'ldo você tirar dez [ou vinte ou trinta] minutos.., Sabendo que este comentário · era inevitável, os montadores deixavam para fazer o acerto final depois que o chefe do departamento, o produtor e o ch~e de produção tivessem visto o filme. Desse modo, cada pessoa podia sentir que tinha dado uma verdadeira contribuiç.io pedindo para cortar dez minutos. Oito minutos bastavam quando cada pessoa nos escalôes ascendentes da companhia visse o filme. Isso deixava ainda seis minutos para cortar quando o chefe do estúdio fosse assistir. Advinhe o que ele dizia? Certo. O montador retirava os seis últimos minutos, e o filme estava agora com duração adequada à pré-estréia, e cada pessoa achava que tinha salvado o filme. Nunca entendi por que os diretores apresentam uma primeira cópia de três horas. Quase sempre isto significa que terlo de cortar pelo menos um pé em cada três, já que a maioria dos estúdios exige um tempo de projeçlo inferior a duas horas. O principal motivo para isto~ econ8mico, pois os estúdios e os exibidores querem um certo número de sessões por dia. E na maioria dos casos devo dizer que concordo com eles. Filmes sio muito poderosos. É melhor que se tenhamuitoadizcrquandosequerardasduashoras.Nioacbei
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que A lista de Schindlertivesse um s6 minuto a mais. Mas Tomates verdesfritos?
Uma primeira montagem com mais de tr& horas pode realmente prejudicar um filme. No desespero de encurtar o tempo, as. pausas dos atores desaparecem, os travelings são reduzidos à metade. tudo que nio é essencial à trama é atirado pela janela. O tamanho excessivo é uma das coisas que com mais freqüência resulta na destruição do filme na sala de montagem. Terminamos a primeira montagem. Agora, antes de projetarmos o filme inteiro pela primeira vez, nós o revisamos ainda uma vez. Faço minhas correçõCs a partir das notas tomadas quando examinamos os lotes de tres rolos. Quero incluir cada cena, cada fala do diálogo e cada tomada na primeira montagem, embora já tenha uma idéia de que falas ou mesmo cenas podem ser eliminadas. Quero dar uma oportunidade a tudo. Mas quero que cada cena tenha a menor duração possfvel que eu sinta que pode ter no momento. Um dia levanto os olhos. Conclufmos o esboço da montagem. Agora vem o primeiro teste importante, que põe à prova nossos nervos: ver o filme inteiro. Seja qual for o entusiasmo ou o desespero que a gente sente, vamos descobrir qual dos dois é justificado. Toda a auto-ilUSio, boa ou má, vai nos levar a outra auto-ilusão potencial, também boa ou má. Será que ali pela metade o fil.me bambeia, parece lento? O filme 6 tio emocionante quanto eu esperava, ou tio violento? A abertura funciona? E o final? As perguntas, e portanto os temores. n!o t8m fim. Antes de projetar o filme, quero ar pelo menos vinte e quatro horas Longe dele. Não quero estar cansado ou fora de meu ritmo normal; e como normalmente vejo os filmes à noite, marco a projeção para as oito ou oito e meia. Nio como nem bebo coisa alguma antes. Se o roteirista está disponfvel, peço-lhe que venha. O produtor. O compositor. Minha mulher. E um pequeno e dedicado grupo de especialistas: cinco ou seis amigos que me conhecem e conhecem meu trabalho e querem bem aos dois. Haverá muito tempo para opiniões objetivas, para nlo falar nas hostis, depois. É importante também que as pessoas do grupo de especialistas conheçam as t6cnicas de fazer filme. OpiniOes gen~ricas ajodam até
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certo ponto. Mas 6 melhor ouvir alguém dizer: "Sabe aquela parte na altura dos quannta minutos, em que ele sai andando e tentando se decidir? É desneussária. Se você conseguir o lapso de tempo de que precisa de outro modo~ pode eliminá-la., E com certeupodese obter o lapso de tempo de outra maneira. Nem é preciso fazer uma tomada de ponteiros rodando num relógio ou dissolver de um cinzeiro vazio para um cheio. Pode-se encontrar um modo original de fazer isto e cortar qualquer trecho que seja redundante. Gosto de me sentar sozinho durante essa primeira projeçlo. Mais uma vez na primeira fila Como a trilha sonora está apenas esboçada, o montador normalmente senta-se na fila de trás "con.dul.indo,. as cenas (usando um controle de volume para aumentar as partes de diálogo que estejam baixas ou diminuir as mllis altas). Às vezes, quando há longas partes silenciosas, introduzimos uma trilha musical contemporânea tirada de uma gravaçlo.comercial. Como sempre, chego lá cedo~ Os membros do grupo de especialistas nunca chegam atrasados. Mudaram com o ar do tempo. FaitheJohn Hubleycostumavam vir.EBob Fosse. E Robert AJanArthur. Phyllis Newman vem. EHerb Gardner. Betty Comden e Adolph Green vem. Nora Ephron. Ann Roth. Tonye Gen Walton. E Piedy, minha mulher. É essa a turma. Devo-lhes muitos agradecimentos pela boa e verdadeira ajuda ao longo dos anos. Atravessaram alguns maus momentos. Cem vez fiz um filme para David Merrick, Clrild's Play. Entre outros problemas, estávamos indecisos sobre como tenniná-lo, de modo que filmei dois finais diferentes. ei os dois na primeira projeção. Quando as luzes se acenderam, Merrick gritou desdenhosamente de lá dos fundos: "É só isso?" Eu respondi: ccrgunteneste tom de voz outra vez e eu lhe quebro a cara, seu merda." Como todos os fanfarrões, ele tnltou de ir embora. Mas aram por bons momentos também. Às vezes um ou dois disseram as palavras mágicas "Nio mexa em nada". É preciso ouvir com muita atençlo. Eles não querem ser destrutivos, mas a gente espera deles a verdade. Muitas vezes saímos para jantar depois. Boas massas, bom vinho. E eu faço todos os tipos de perguntas, grandes e pequ.enas. "Qual foi a sensaçlo que isso
causoo?""Isso está claror. "Vods ficaram entediados?" "Ficaram comovidos7' Isso prossegue por um bom tempo. A verdade é que quase sempre posso "sentir" o que eles pensam do filme quando nossos olhos se encontram assim qutr as luzes se acendem imediatamente depois da projeçlo. Mas fimdamentalmenteessa projeçlo era para.mim. EM gostei? ei seis meses, nove meses, um ano, buscando algo que significa alguma coisa para mim? E fui bom o suficiente em meu trabalho para colocar isso na tela?
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1O - O SOM DA MÚSICA: ·O SOM DO SOM
Se o clichê que diz que os filmes são feitos na sala de montagem é falso, aquele outro clicb!, "Vai ficar melhor quando acrescentarmos a música"', é verdadeiro. Quase todo filme melhora com uma boa 1rilha musical. Para começar, a música é um meio rápido de atingir as pessoas emocionalmente. Ao longo dos anos, a música de cinema desenvolveu tantos clichês próprios que o público imediatamente absorve a intençlo do momento: a música lhe diz, às vezes até antecipadamente. Em geral esse seria o sinal de uma partitura ll1Ímt mas mesmo as partituras ruins funcionam. Quando a partitura é previsfvel, quando duplica na melodia e no arranjo a ação que aparece na tela, nós a chamamos de miclceymDUSing. A reffrincia é obviamente à música dos desenhos animados,qucduplicatudo,atéJerrybatendoemTom. Osfilmescomtais partituras provavelmente nlo slo prejudicados por elas. A possibilidade é de que a música nlo seja o único clicb! do filme, que seguramente está cheio deles. Muitas vezes nlo é nem culpa do compositor. Depois do ~teirista acho que os compositores de cinema sio violentados com mais freqüência que qualquer um. Todos pensam que conhecem alguma coisa de música e querem dar palpite na partitura. Se o compositor surge com algo original demais-ou seja, alguma coisa que os produtores ou o pessoal do estúdio nunca ouviram antes-, a partitura pode ser jogada fora. Já vi produtores obrigar um montador de música a cortar sinais de entrada, rearranjá-los, elim.inar partes de arranjos e também arrasar uma partitura até tomá-la irreconhecivet Hoje em dia, quando praticamente cada
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instrumento da orquestra é gravado separadamente, é possivel quase reorquestrar recorrendo à gravação das trinta e duas ou sessenta e quatro pistas originais. Trabalhar no cinema é o compromisso fatal que os compósitores assumem. Em troca de ótima remuneração, eles aceitam compor para uma forma que nunca poderá pertencer a eles. A música, inequivocamente uma de nossas maiores form.as de arte, deve estar subjugada às necessidades do filme. Esta é a natureza do cinema. Mesmoquepossadominarporcompletoemcertospontos,afunção da música é primordialmente de apoio. A única partitura cinematográfica qúe eu ouvi que pode se sustentarsozinhacomoobramusicaléa"BatalbasobreoGeJo",de Prokofiev, do filme Os cavaleiros de fe"o (ou Alexandre NevskJ). Ouvi dizer que Eisenstein eProkofiev conversaram sobre ela muito antes de filmagem ter início e que boa parte da composição começou antes das filmagens. Supostamente, Eisenstein chegou mesmo a montarparte da seqüência para acomodar a partitura. Não faço idéia se essas histórias são verdadeiras. Mesmo quando ouço a música em disco hoje, começo a me lembrar da seqüência visualmente. Os dois, música e filme, estão indelevelmente liga~ dos: uma grande seqüência, uma grande partitura. Acho que isto pode ser uma das indicações da boa música de cinema: a imediata lembrança dos elementos visuais do filme a que a música dá apoio. Mas algumas das melhores partituras que já ouvi nlo podem ser lembradas d~ modo algum. Estou pensando na magnífica partituradeHoward Shorepara O silêncio dos inocentes. Quand.o vi o filme, não a ouvi Mas a sentia sempre. É o tipo de partitura que tento conseguirna maioria de meus filmes. Com todas as indicações ao Oscar que meus filmes receberam em várias categorias, somente a partitura de Ricbard Rodney Bennett para Assassinato no Oriente Expresso recebeu uma iodicaçio na área de música. Mas foi o único filme que fiZ no qual eu queria que a partitura brilhasse. Comojá deve estar claro agora, acho que quanto menos o público tiver noçio de como conseguimos um efeito, melhor será o filme.
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Sentei com meu grupo de especialistas no restaurante de Patsy, perguntando a eles o que achavam depois de terem visto a primeira montagem. Agora vou voltar à sala de montagem e começar a remontar. Algumas daquelas falas do diálogo de que n.io gostei slo cortadas. Às vezes toda uma cena é retirada. Às vezes quatro, cinco cenas, um rolo inteiro, é apagado. (Ficou claro antes.)Alguma coisa estava se arrastando nos rolos 4, 5, 6, 7. Quarenta minutos se arrastando. Isto é sério. Talvez possamos rearranjar alguns elementos, reconstruir um pouco. Comecemos a história desse personagem um pouco antes. Isto ajuda a reavivar o interesse. Esse desempenho está tão bom que não precisa desse tempo todo. Aquele desempenho está tio ruim que não deve ter tanto tempo. Em outras palavras, estamos montando no verdadeiro sentido da palavra. Estamos, confiantemente, melhorando-o. Quando termíno a segunda vez e a terceira, assisto de novo. Algumas das pessoas do grupo de especialistas podem estar lá, mas aumento o público um pouco, talvez dez ou doze pessoas. Mas eu as escolho cuidadosamente, porque ver um filme nesta forma não é fáci l. O filme está arranhado, até rasgado em alguns lugares.Nenhum efeito óptico (dissolv8ncias,fade outs, efeitos especiais) foi usado. E a trilha de áudio em particular é difícil. Os diálogos n.io foram equalizados, e em algumas tomadas não se consegue entender o que está sendo dito. Como o diálogo nas locações externas nlo foi regravado (chamado looping). aquelas cenas slo especialmente dificeis de ouvir. Faltam os efeitos sonoros. E, é claro, falta compor e colocar a música. Uma vez que estamos satisfeitos com a montagem, marco duas reuniões importantes, uma com o compositor, a segunda com o . montador de efeitos especiais. O compositor foi convidado para a primeira projeção. O montador de efeitos especiais veio para a segunda projeção, e todo o departamento de efeitos sonoros (número que vai de seis a vinte pessoas, dependendo da complicação do trabalho) compareceu à terceira. Formam geralmente um público terrível. Estão à escuta de sons que somente um cão pode ouvir e temem a quantidade de trabalho que os espera.
Se o compositor foi contratado antes de começar a filmagem, talvez compareçapara ver os copiões. Ele é sempre convidado. Mas ou antes da filmagem ou depois de vermos a primeira montagem sentamos e conversamos a fim de decidir a pergunta fundamental: Que função a trilha deve ter? Como ela pode contribuir para a pergunta básica "De que trata o filme?" amosentloparaasalademontagemparaoquechamamos de "sesslo de marcaçlo". Vemos o filme rolo a rolo. Dou ao compositor minhas impressões sobre onde ~into que a música é necessário, e ele faz o mesmo. Isto resulta num esboço preliminar. Agora o revisamos cuidadosamente. Será que o compositor tem espaço suficiente para expor as idéias musicais de modo claro? Se uma transição musical tem de acontecer, teremos espaço suficiente para ela? Com freqüência nos melodramas, compositores e diretores combinam o que chamamos de "ferroadas". Estas são as breves e abruptas explosões orquestrais que acompanham a tomada do vilão irrompendo pela porta. Duram alguns segundos. Supõe-se que elas assustam o público. São hoje em dia um clichê tão sovado que em minha opinião nlo assustam mais ninguém. Às vezes a música é introduzida para nos sustentar numa "dissolvência", no aparecimento gradual de uma nova cena sobreposta a uma anteriorpara nos mostrar uma mudança de locação ou agem de tempo. Novamente, a música deve durar cerca de vinte segundos. Detesto esses tipos de entradas. Gosto de me certificar de que toda entrada da músicadispõedetemposuficienteparadizerefazeroqueseespera que ela diga e faça. Decidimos sobre o que desejamos que seja a contribuição da música para o filme. Dentro da própria entrada deve haver tempo suficiente para. fazer com que a idéia da entrada funcione. Breves explosões melodramáticas ou transições de uma cena para outra simplesmente enchem o ar de som inútil e portanto reduzem a eficácia da música quando ela é realmente necessária. Depois do esboço preliminar, voltamos ao filme. Agora amos a ser bem específicos sobre onde a música entra e onde ela acaba. Ajustamos o tempo ao fotograma. O ponto de entrada é particularmente importante. O deslocamento de algum fotogramas, ou alguns pés, pode fazer a diferença que mostra se a entrada
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funciona ou não. Este processo consome dois ou tlês dias. Às vezes se o compositor é um pianista realmente bom, como Cy Coleman, podemos instalar um piano pequeno na sala de montagem e improvisar melodias. entradas e o apoio geral para a cena. Como eu já disse, não quero miclcey-mousing. Quero que a partitura diga alguma coisa que nada mais çlo filme esteja dizendo. Por exemplo, em O ve,.edicto quase nada era revelado sobre o ado de Paul Newman. Num ponto há uma indicação de que ele ou por um divórcio turbulento e era o bode expiatório do malafamado escritório de advocacia do sogro. Mas nlo dizíamos nada sobre sua juventude ou i.nfància. Eú disse a Jobnny Mandei que queria o som profundo, solene de uma inflncia religiosa: escola paroquial, coro infantil na igreja. Ele foi possivelmente wn acólito. Como o filme tratava da ressurreiçlo desse home~ ele devia ter tido U.ma criação religiosa; assim teria de onde cair. O filme podia então ser sobre seu retomo à fé. A funçio da partitura era proporcionar o estado de graça do qual era possível cair. O homem do prego tinha a partitura mais complexa.~m que já trabalhei. Na cena de abertura, Sol Nazenilan, um refugiado judeu da Alemanha, está sentado num quintal suburbano, tomando sol. A irmllbe pede um empréstimo para que ela e sua famOia possam ar as férias na Europa naquele veria. Para Nazennan, tudo na Europa é uma cloaca. Ele diz: "Europa? Que eu me lembre aquilo lá fede." A seqO!ncia seguinte mostra-o na direção de um earro na cidade de Nova York, indo ~ sua loja de penhores no Harlem. Estas duas cenas estabelecem a conc~o da partitura. Antes eu disc que O homem doprego era sobre como e por que construimos nossas próprias prisões. No inicio do filme, Nazerman está envolto em sua própria frieza. Tentou desesperadamente nlo sentir emoção alguma e conseguiu. A história do filme é como sua vida no Harlem derruba o muro de gelo de que ele tinha se cercado. O conceito da partitura era "Harlem triunfante!"- que a vida, dor e energia de sua vida lá o forçaram a ter sentimentos novamente. Eu decidi que queria dois temas musicais: um representando a Europa. o outro o Harlem. O tema euroP.eU tinha de ser clássico em sua natureza, preciso mas um pouco suave~ uma sensaçlo de algo
antigo. O tema do Harlem, em contraste, seria percussivo, com muitos metais, ardente no sentimento- contendo o mais moderno som de jazz que pudesse ser criado. Comecei a·procurar um compositor. Primeiro me aproxime\ de John Gage. Ele tinha lançado um disco na época chamado 'I'hh-d Stream, música clássica tratada com ritmos -e instrumentaçlo de jazz. Ele não estava interessado em fazer partitura para cinema. En1ãomeencontreicomGilEvans,ograndecompositorearranjador de jazz moderno, mas achei difícil negociar. Em seguida me aproximeí de John Lewis, do Modem Jazz Quartet, mas senti que ele realmente não gostou do filme quando o viu. Então alguém sugeriu Quincy Jones. Eu conhecia um pouco de sua obrajazzistica graças aos discos que ele fizera com uma grande orquestra numa viagem à Noruega. Nós nos encontramos. Foi amor à primeiravista.Ainteligênciaeoentusiasmodeleeramjnspiradores. Descobri que ele tinha estudado com Nadia Boulanger em Paris, o que significava que sua base clássica era sólida. Ele me deu outros discos seus, muitos em selos obscuros. Ele nunca fizera uma partitura para cinema, mas isto o tomava mais interessante ainda para mim. Com muita freqüência, devido à natureza do trabalho, os compositores desenvolvem seu próprio conjunto de clichês musicais quando já fizeram filmes demais. Achei que sua falta de . experiência de cinema seria um trunfo. Mostrei-lhe o filme. Ele o adorou. Começamos a trabalhar. Falar sobre música é como falar sobre cores: a mesma cor pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Mas Quincy e eu descobrimos que estávamos literalmente falando a mesma linguagem em música. Elaboramos uma trama musical que era quase matemática em sua precisão. Da mesma forma que a transição do vagão de metrô para o vagAo de trem transitamos gradativamente do tema europeu para o predomínio total e definitivo do tema do Harlem. Na metade do filme eles estavam igualmente equilibrados. Era uma partitura magnífica e as sessões de gravaçlo foram as mais emocionantes a que já assisti. Como era a primeira partitura para cinema de Quincy, a banda que se formou para ele era do
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mesmo nfvel de AIJ-Star Jazz Band da Esquire. Dizzy Gillespie, John Faddis (uma criança na época) no trompete, Elvin Jones oa bateria, Jerome Richardson no leod sax, George Duvivier n~ baixo... os nomes se sucediam no estúdio de gravação. Dizzy acabava de voltar do Brasil e para um momento da música sugeriu um ritmo que nenhum de nós, inclusive Quincy, jamais ouvira antes. Ele teve de cantá-lo com cacarejos, gluglus e oclusões glotais até que a seção rítmica pudesse aprendê-lo. Quincy parecia o mais feliz dos homens. Geralmente, quando terminamos a gravação de uma agem, paramos para ouvi-la com um olho no filme. Mas o nível de execução inspirada dessa banda era tão alto que eu disse a Quincy que não a intetTOmpesse. Ouviríamos tudo no final do dia. Ninguém sequer exigiu o intervalo obrigatório de dezminutos ao fun de cada hora. Tocamos sem interrupção. Ao final de cinco sessões de três horas ao longo de dois dias, tocamos a música enquanto víamos o filme. Constatou-se de imediato: Quincy dera uma grande contribuição ao filme. Como tantas vezes acontece quando se encontra uma alma gêmea, fLZemos mais três filmes juntos. A partitura de Quincy para Chamada para um morto foi outro triunfo musical. Baseado numa novela de John le Carré, o filme conta a história de um triste e solitário agente da contra-inteligência da chancelaria britânica. Sua mulher o trai constantemente. No decOrrer do filme, seu protegido, que ele treinou em espionagem durante a TI Guerra Mundial, a a traí-lo profissional e PeSSOalmente, iniciando um romance com sua mulher. Os dois mundos retratados no filme, o mundo da espionagem e o amor quase masoquista que esse homem sente por sua mulher, · fonnavam o conceito básico para a partitura. Mas desta vez, ao invés de dois temas, Quincy criou apenas um: uma canção de amor dolorosamente bela, cantada por Astrud Gilberto. Contudo, à medida que o filme evoluía, ela pouco a pouco se transformava numa das mais emocionantes partituras melodramáticas que eu já ouvi, demonstrando a força e a importância dos arranjos musicais. O tema continuava o mesmo, mas todo o seu significado dramático
mudava à medida que os arranjos mudavam. A maioria dos compositores encomenda a outros os arranjos. Mas estes o próprio Quincy fez. Novamente, uma grande contribuição. Falei sobre a partitura de Ricbard Rod.ney Bennett para Assassinato 110 Oriente Expresso. Em nosso primeiro encontro, Ricbard me perguntou que som eu ouvia na cabeça parao filme. Eu disse que estava pensando em Carmen Cavallaro ou Eddic Duchin estilo anos trinta; uma vcrslo realmente boa do chá dançan~ baseada fortetnenteno piano c nas cordas. Ele nlo s6 criou uma partitura de piano como executou-a na sessio de gravaçlo. Rich&:d é um pianista maravilhoso. Reconstituiu o estilo Cavallaro com perfeição. E quando ouvi o primeiro ensaio e pen:ebi que o tema do trem estava em tempo de valsa, senti logo que estávamos a caminho de uma partitura perfeita. Num ponto Ricbard sugeriu musicar uma cena que eu achava que não deveria ter música. Na sessão de gravação, ele tocou-a para mim. Nós a gravamos e escutamos na projeção do filme. Ele estava
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certo.
Quando não consegui encontrar um conceito musical que acrescentasse alguma coisa ao filme, nlo usei uma partitura. Os estúdios odeiam a idéia de um filme sem música. Isto os assusta. Mas se a primeira obrigação de Um dia de cão era dizer ao público que aquele fato tinha realmente acontecido, como justificar a música entrando e saindo? A colina dos homens perdidos também foi feito num estilo naturalista, de modo que nenhuma partitura foi usada. Em Rede de intrigas receei que a música interferisse nas piadas. À medida que o filme se desenvolvia, as falas se tornavam cada vez mais Longas. Ficou claro oa primeira projeção que qualquer música entraria em choque com a grande quantidade de diálogo. Novamente nio houve partitura. Serpico nio devia ter tido uma partitura, mas inseri catorze minutos para proteger o filme e a mim. O produtor era Dino De Laureotiis. Dino é um tremendo produtor da velha escola, um batalhador incansável que sempre consegue financiamento para os filmes, por mais descabelada que seja a idéia. Seu gosto, porém, tende a ser um pouco operístico, mesmo para mim. Discutimos
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muito. Dino ameaçou levar o filme para a 11á.lia, onde eu tinha certeza de que seria colocada uma partitura como um tapete de parede a parede. Eu não tinha poder sobre a montagem final naquela época e Dino poderia ter feito exatamente como queria. Felizmente, li na imprensa que Mikis Theodorakis, o maravilhoso compositor grego, tinha acabado de sair da prisão. Ele tinha sido preso por atividades polfticas esquerdistas pelo governo ultradireitista da Grécia. Quando o alcancei em Paris, fazia menos , de vinte e quatro horas que ele tinha safdo da prisão. Expliquei a situação, contando-lhe meu desacordo com Dino. Disse que setinha de haver alguma partitura, eu preferiria que ele a fizesse. Por sorte, ele ia voar para Nova York. no dia seguinte a fim de ver seu empresário sobre uma turnê de concertos. Eu lhe disse que tínhamos umasaladeprojeçio,demodoqueelepoderiaverofilmeassimque chegasse. Ele foi direto do aeroporto Kennedy para ·a sala de projeção. O avião dele atiasou e a projeção começou à lima-e vinte da madrugada. Quando o filme terminou, ele olhou para mim e di~ que o adorou mas que o filme nlo devía ter música. Eu falei de novo no meu problema. Salientei que Dino ficaria empolgado em ter um compositor do prestígio tie Mikis fazendo a partitura, nem que fossem apenas dez minutos. Com os títulos de abertura e de encerramento consuniindo cerca de cinco minutos de músjca, restaria muito pouco para o corpo do filme. Ressaltei ainda que ele poderia ganhar um bom dinheiro. Eu sabia que ele deveria estar duro depois de tanto tempo na cadeia. Ache.i que estava sendo muito esperto. Mik.is foi mais esperto ainda. Sacou do bolso uma fita cassete. E disse: "Escrevi esta pequena canção há muito tempo. É uma encantadora,melodia popular que poderia servir para o filme. Acha que eu conseguiria setenta e cinco mil dólares pore la?" Eu disseque tinha certeza que sim. Sua partitura para Nunca aos domingos ainda era tocada ,~mbora por Muzak. Ele disse que havia outro problema. Ia excursionar com sua orquestra e não poderia ver o filme novamente nem voltar para a marcação, os arranjos e as sessões de gravação. Eu lhe disseque conhecia um jovem e excelente arranjador
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.chamado Bob James que se sentiria feliz de ir ao seu encontro na estrada quando fosse preciso. Eu faria as sessões de marcação com Bob, que depois cuidaria do arranjo da música e conduziria as sessões de gravação. Todos terminamos felizes. Dino teve seu compositor de prestígio, eu acabei tendo apenas catorze minutos de música (incluindo os cinco minutos da música de crédito), Bob J{lllles conseguiu seu primeiro serviço para o cinema e Milcis iniciou sua excursão com um pouco mais de liquidez do que quando chegou. Príncipe da cidade propwiha-se provocar uma impressão de tragédia nessa história de um bomem que pensava poder controlar forças que acabariam por controlá-lo. Também aqui escolhi um compositor que não tinha feito uma partitura para cinema antes: Paul Chihara Conceitualmente, Danny Ciello iria ser tratado sempre como um instrumento: saxofone. Ao longo do filme, seu som iria tomar-se cada vez mais isolado. até que finalmente tres notas do tema original, tocadas no sax. eram tudo que restava da música. Os músicos americanos estavam em greve, de modo que fui forçado a ir a Paris gravar a música. Resisti o máximo que pude. Mas o pobre Paul não pôde nem colocar os pés no estúdio de gravação. Se ficassem sabendo disso em Nova Y ork, ele seria expulso do sindicato imediatamente. Eles estavam de olho nos e~túdios de Londres e de Paris em especial. Paul estava aterrorizado. Elevinha de uma longa Juta. Tony Walton o tinha recomendado, e eu irara sua partitura paraA tempestade, composta para o San Franclsco Ballet. Aqui estava ele em seu primeiro filme, indo cômigo para o estúdio de gravaçlo, mas impedido de entrar. Durante o almoço, eu o via do outro lado da rua, olhando para nós como um faminto diante (ia vitrine de uma padaria. Toda noite eu lhe levava um cassete do trabalho do dia. Felizmente, George Delerue estava regendo. Ele conhecia e apreciava a obra clássica de Paul. Nenhum compositor jamais teve um intérprete mais devotado. O que torna meu trabalho tão infinitamente interessante é que todo filme requer urna abordagem própria. Príncipe da cidade tinha
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quase cinqüenta minutos de música. Um longo dia de viagem dentro
mente no espírito e no significado do filme. Aqui estava um filme sobre racismo, consciente e subconsciente, que governa muito do nosso comportamento. Rubén gravou acançio de novo, adequando a interpretaçio à intensidade do filme. Depois construiu uma partitW'a inteira baseada na melodia da cançio. Outro componente vital da força acústica de um filme s1o os efeitos de som. Não estou falando das batidas de carros e das explosões de um épico de Stallone ou Schwanenegger. Estou falando do uso brilhante do som em, por exemplo, ÃpOCalipse, que tem o mais imaginativo e dramático uso de efeitos sonoros que já vi em qualquer filme. Em segundo lugar, bem perto, estáA lista de Schindler. Nunca fiz um filme que exigisse efeitos sonoros tão rebuscados. Isto acontece em parte porque muitos dos meus·filmes têm muito diálogo, o que nos obriga a reduzir os efeitos sonoros a um mínimo. ~ediatamente depois da sessão de marcação com o compositor, tenho meu segundo encontro, uma sessio com o editor de som e todo o seu departamento. Se possível, tentamos chegar a um conceito para os efeitos sonoros. Nlo sei o que foi discutido sobre Apocalipse, mas um conceito estava evidentemente em ação: criar uma experiência extraordinária em matéria de som, partindo do realismo dos sons de batalha. Em Prlncipe da cidade, começamos com o máximo de som possível, depois fomos reduzindo à medida que o filme prosseguia. Nos interiores das locações, há sempre uma ambiência externa que invade o ser. Acrescentamos sons do exterior às locações de interiores (bate-estacas, ônibus, buzinas de carros) no início do filme. Depois fomos lentamente reduzindo esses sons até filmarmos os interiores definitivos com o mfnimo possível de som do exterior. Às vezes um som podetransmitirumsutil efeito dramático. Em Serpico, quando Pacino ia na ponta dos pés até o patamar perto da porta de um traficante de drogas que ele estava prestes a prender, um cão latiu num apartamento vizinho. Se o cão o ouviu, o traficante tam~ poderia ouvi-lo? Novamente examinamos o filme rolo por rolo, pé por pé. Muito do trabalho é puramente técnico. Como todo esse trabalho, tanto
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dD noite era também um filme que espero tenha alcança.do.dimensOes trágicas. A abordagem musical era exatamente a oposta. André Pnwin escreveu uma partitura para piano simples, levemente dissonante, que foi usada muito moderadamente. No final do filme, Mary Tyrone, totalmente drogada, vaga pela sala, abre um antigo piano de armário e, doloridamente, com os dedos cheios de artrite, toca uma composição. A princfpio soa como um típico estudo para piano. Depois reconhecemos que se trata da simples e despojada peça para piano que Previn escrevera e fora tocada intermitentemente ao longo do filme. Acho que não havia mais de dez minutos de música num filme que durava mais de tr& horas. Duas outras partituras merecem ser citadas. Como tudo a respeito de Daniel, a partitura era fácil de conceber e dificil de executar. Esta foi a única vez em meus filmes que usei música que já existia. Eu sabia desde o início que queria usar os discos de Paul Robeson. Ele era perfeito para a época. Era apropriado politicamente, já que é num concerto de Robeson em Peeksil~ Nova York, que um dos personagens principais a por uma experibcia traumática. Mas que canções e onde colocá-las? Graças ao método do ensaio e erro, a partitura encontrou sua forma. A primeira cançlo, "'Ibis Little Light of'Mine", só apareceu na metade do filme. Foi reprisada no final, quando Daniel, restituído à vida, participa de uma grande manifestação antiguerra no Central Park. Só que dessa vez foi tocada e cantada num arranjo mais moderno de Joan Baez. Para o funeral da irmã de Daniel, ''There's a Man Going Round, Taking Names" funcionou maravilhosamente. A montagem teve de ser alterada para acomodar as gravações já terminadas, uma vez que as mudanças que nos permitiram fazer nelas eram muito .limitadas. Pudemos cortar um estribilho, mas nada mais além disso. Dois outros discos de Robeson foram usados, inclusive seu magnífico "Jacob's Ladder". Para Q&A - Sem lei, semjustiça, que se desenrolava em grande parte no Harlem espanhol, com o clímax em Porto Rico, pedi a RubénBla.des para fazer a partitura. Ele fizera uma gravação de uma cançlo que escreveu chamada ''The Hit". Ela se encaixa perfeita-
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interior quanto exterior, é feito na locação. usamos microfones altamente direcionais. Seu alcance é de cerca de sete a quinze graus. O motivo é que queremos captar o diálogo com o mfnimo possível de som de fundo ..Quando amos para o estúdio, ficamos com os mesmos microfones. porque a qualidade do som mudaria demasiado drasticamente se adotássemos os microfones normais de estúdio. Isto geraria muito trabalho extra mais tarde, porque teriamos de equalizar os dois tipos diferentes de microfones. Assim, grande parte da discusslo gira em tomo de acrescentar os, ou o ruído de alguém sentando num sofá, ou o rangido de uma cadeira quando alguém se levanta, e assim por diante - sons que se perdem por causa dos microfones altamente direcionais. Todo este som acrescentado tem de ser feito de alguma fonna, em preparação para as versões estrangeiras do filme. O diálogo será dublado pelos diversos distribuidores estrangeiros. mas somos obrigados a fornecer todos os efeitos sonoros de fundo e a música. O editor de som distribui os rolos entre as pessoas do departamento de som. Este grupo leva os rolos de 1 a 3, aquele de 4 a 6, e assim por diante. Cada grupo geralmente compreende um editor, um editor-assistente e um aprendiz. Mas o editor de ~m é responsbel pelasupervisio geral. Um trabalho normal de sonopJastialeva de seis a oito semanas. Obviamente, filmes maiores precisam de mais gente e mais tempo. Mesmo que nenhum conceito geraltenha sido articulado, gosto dos efeitos que reforyam o valor dramático de mna cena. Em O homem do prego, Sol visita uma mulher que ele sempre rejeitou. É o aniversário do dja em que ele e sua fa:mJ1ia foram colocados em caminb~ de gado para serem levados para os campos de concentraçlo. Ela mora num moderno coÕjunto de prédios que dá para o pátio de bma ferrovia mais além. Na locação podia-se ver o pátio da ferrovia. Introduzimos os sons de um pátio de manobras de uma ferrovia, os sons de locomotivas, de vagões sendo desviados e chocando-se entre si. O som perde sua nitidez quando continua durante algum tempo. Usado por trás de toda a cena e apresentado num nfvel muito baixo,~ pouco perceptível. Mas está lá. E acho que acrescenta algo à cena.
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Em A colina dos homens perdidos, pedi ao editor de som para
deixar uma cena em completo silêncio. Quando ele projetou-a de novo para mim, ouvi o zunido de uma mosca: "Pensei que tivéssemos combinado que esta cena seria silenciosa'', eu disse. Ele respondeu: "Sidney, se você consegue ouvir uma mosca, então o · lugar é realmente silencioso." Uma boa lição. O editor de som de Assassinato no Oriente Expresso contratou "a maior autoridade mundial" em sons de trens. Ele me trouxe os sons autênticos não apenas do·Oriente Expresso mas do Flying Scotsman, do Twentieth Century Lmúted, de cada trem que tivesse conseguido alguma reputaçlo. Ele trabalhou durante seis semanas somente nós sons de trens. Seu momento maior ocorreu quando, no inicio do filme, o trem partiu da estação de Istambul. Tivemos o vapor, o sino, as rodas e até incluímos um clique quase inaudfvel do instante em que o farol se acendeu. Ele jurou que todos os efeitos eram autênticos. Quando fomos para a mixagem (o ponto em que juntamos todas as trilhas sonoras), ele arrebentava-de expectativa. Peta primeira vez, ouvi o incrível trabalho que ele tinha feito. Mas eu tinha ouvido também a magnffica partitura de Richard Rodney Bennettparaamesmacena. Eu sabia que uma das duas teria de sair. Não poderiam funcionar juntas. Voltei-me para Simon. Ele compreendeu. Eu disse: "Simon, é um ótimo trabalho. Mas afinal ouvimos um trem sair da estação. Nunca ouvimos um trem sair da estaçlo no tempo de ris-por-quatro." Ele saiu da sala e nunca mais o vimo~ovamente. Eu toco nisto para mostrar como é delicado o equilíbrio entre efeitos e música. Geralmente, gosto que um ou outrofaçaotrabalho.Àsvezesumaumentaooutro.Àsvezes, como neste caso, nlo. Os efeitos sonoros também desenvolveram seus próprios olich& ao longo dos anos. Pode haver UJ11a cena noturna no campo sem grilos? Um elo latindo ao longe? Que tal um bate-estacas numa tensacenaurbana?Lentamenteoprogressoestáeliminandoalguns clichês. Os telefones de um escritório já não tocam; ronronam. Os computadores substituiram as máquinas de escrever, o fax, o teletipo. Tudo se toma mais silencioso e incolor. Os alarmes dos carros
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são uma grande ajudà. mas são tão aborrecidos na tela quanto fora dela. Tudo se toma criativo se a pessoa que faz o trabalho também é. Isso é verdade também para alguma coisa que parece tio mecânica quanto os efeitos sonoros.
11 - A MIXAGEM: A ÚNICA PARTE MONÓTONA DA FEITURA DO FILME
A vida tem. um meio cruel de equilibrar prazer e sofrimento. Para compensar o prazer de ver Sophia Loren todas as ma:nhis, Deus pune o diretor com a mixagem. A mixagem é onde juntamos todas ai trilhas de som para fazer a trilha sonora final do filme. É um trabalho que pode ser deixado para os técnicos de som, mas isso tem seus perigos. Por exemplo, já vi mixadores elevar o nfveJ do áudio de uma cena ou momento silenciosoeabaixaronfvelde6udiodeumacenaoumomentobarulhento. O resultado é que as nuances de um desempenho foram niveladas ao ponto da monotonia. Euj!disse diversas vezes que um técnico pode ajudar ou prejudicar. A sala de mixagem é geralmente bem grande. Tem uma tela grande, cadeiras acolchoadas, talvez uma máquina de tliperama para ar o tempo enquanto as trilhas sonoras slo trocadas. Alguns diretores gostam de dardos, outros lançam moedas contra a parede. A sala 6 dominada por um console que lembra alguma coisa ligada ao quartel-general do Comando AéreoEstratégico em Omaha. O console contém sessenta e quatro canais. Cada canal tem sua própria trilha sonora instalada nele. Cada canal também tem muitos equalizadores. Equalizadores são pequenos diais que podem variar a saída tonal de cada canal. Os equalizadores podem reduzir ou realçar as altas freqüências, as freqüências médias ou as baixas freqO~ncias de cada trilha. Com algum equipamento adicional, podem até eliminar freqüências. As trilhas são divididas em três seções: diálogo, efeitos sonoros, música. Geralmente só introduzimos as trilhas musicais depois que tudo o mais do rolo está mixado. Começamos pelo diálogo.
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A MlXAGEM
Dependendo do modo como o diálogo original foi gravado, podemos ter de quatro a doze ou mais trilhas de diálogo. Se há dois personagens numa cena que foi filmada numa locação de interior, suas trilhas podem ser bem diferentes. Por exemplo, o personagem que fica perto da janela pode ter muito mais som de tráfego e do exterior em sua trilha do que o personagem que está nomeio da sala. O som externo tem de ser reduzido naquela trilha e às vezes acrescentado à trilha do outro ator. Chamamos a isto "equilibrar" as duas trilhas. Nas externas, estes problemas são mais graves. O lado da cena do ator foi filmado de dia num horário diferente da cena da atriz. Assim ele terá rufdode ônibus, britadeiras e de apitos ao meiodia. A trilha dela nlo terá nenhum destes sons. Mas terá pombos, caminhões e ribombos de metrô. Estas duas trilhas têm de ser equalizadas c equilibradas. . Mesmo no estúdio, as trilhas saem com qualidades de som muito variadas. O lado da atriz foi filmado numa parte do set onde havia teto; na parte dele não havia. As duas trilhas serão marcadamente diferentes e agora têm de ser equalizadas em qualidade tonal. nio em ruído éstranbo. Isto é feito com aqueles diais pequeninos que sutilmente acfescentam ou subtraem freqOências, das muito baixas às muito altas. Quando as trilhas sio inaproveitáveis ou unia palavra nio está clara, fazemos um /oop. O ator vai a um estúdio de gravaçio. A cena ou fala é colocada num loop de repetição. O som original é captado num fone de ouvido. O ator então diz a fala no silêncio do estúdio, tentando obter exata sincft>nia labial. O editor encarregado do loop se thama editor de ADR (Automatic Dialogue Replacement substituição automática do diálogo). Geralmente tento evitar o loop. Muitos atores nlo conseguem retomar o desempenho, porque o processo é muito mecânico. Mas alguns atores são brilhantes no loop e podem até melhorar seu desempenbo. Os atores europeus são particularmente bons nisso. Na França e na Itália costumam filmar sem sincronização de som e repetir toda a interpretação em loop mais tarde, no estúdio. Fico constantemente assombrado com a capacidade imensa que t&n os atores de se ajustarem às exigências técnicas.
Digamos que temos seis trilhas de diálogo. Trilha A: do ator. Trilha B: da atriz. Trilha C: o loop do ator. Trilha D: loop da. atriz. Trilha E: voz de uma empregada longe da câmera. Trilha F: uma voz no telefone. Sento-me lá com o editor de diálogo~ indo e vindo namesma frase, às vezes na mesmapalavra, retirando ruído, equalizando tonalidade, equilibrando. É uma cena de quatro minutos. São 360 pés. Levamos talvez duas horas para equalizá-la, às vezes mais. Durante as duas horas, teremos ado pelos mesmos 360 pés de sete a vinte vezes e mais, tornando tudo mais limpo, mais claro, mais brilhante. Depois amos aos efeitos sonoros. Os microfones altamente direcionais que usamos sio excelentes para diáJogo, mas agora cada roçar de roupa tem de ser reforçado, cada o dado. Às vezes inserimos novos os porqueos originais t!m demasiado ruído de fundo e portanto, no balanceamento, seremos forçados a acresccmtar ruído de fundo nas outras trilhas, tomando toda a cena mais barulhenta. Estes sons naturais acrescentados slo chamados Foleys e o editor responsável chama-se editor de Foley. Cenas de violência, sejam batidas de carros ou batalhas ou incêndios, podem usar todos os sessenta e quatro canais ou até mais. Uma batida de carro simples pode ter facilmente doze trilhas de efeitos sonoros: vidro quebrando, metal se rompendo, metal se contorcendo, pneus no asfalto, pneus estourando (duas trilhas), impacto (três trilhas, uma delas iniciada um fotograma depois para que possa ter "eco"), portas de carro se abrindo (duas trilhas), UQl efeito geral de batida para dar corpo ao som básico. A 6ltima ouvida num volume muito baixo, permitindo que os sons específicos dominem. Cada um desses efeitos terá de ser equalizado, os níveis de volume ajustados, e depois gravado. Hoje em dia, muitos dos efeitos são pré-gravados em CDs digitais, o que supostamente economiza tempo. Mas é melhor ter um excelenteeditordeefeitos, porque uma vez postos no CD, os efeitos ficam fechados ali. Podesefacilmente mudar o local onde eles acontecem, mas é mais dificil mudar o próprio efeito. Reparei que com todo o avanço técnico, as mixagens cada vez demoram mais. Quando eu comece4 um rolo
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A MIXA G EM
inteiro tinha de ser mixado numa única gravaçlo. Se wn erro fosse cometido em 880 pés, tínhamos de voltar ao inicio e começar tudo novamente. Ensaiávamos o dia todo e geralmente faziamos a gravaçio no fim do dia. Mas acabá.~os um filme em doze a catorze dias. Agora quatro semanas de JDJ:Xagem ~o tempo normal. Todo avanço técnico traz novos problemas. Desde que surgiu
Quando foi acrescentado o estéreo, todas as trilhas foram automaticamente duplicadas. O processo estereofônico dividia 1O por cento do som entre os canais dos alto-falantes esquerdo e direito e direcionava 90 por cento para o alto-falante do centro. Aquelas proporções eram para uma simples cena de diáJogo em interior. Podíamos expandir o som para 33 por cento em cada alto-fa.laute ou dominar com o esquerdo, mudar para o do centro, depois para o direito em cenas sonoras maiores e mais complexas (a diligência movendo-se da esquerda para a direita; embora blo haja nada de errado com o som de No tempo das diligências de 1939, quando todo o som provinha de um alto-falante colocado atrás do centro da tela).EmUmdiade cDomaotivemoscuidadosafidelidadedirecionaJ, com uma multidão reunida no lado esquerdo do quarteirão e outra multidão no lado direito. O som de cada multidlo vinha sempre do mesmo alto-falante. Nestaépoca,éclaro, oprocessoDolbyestava·noauge."Surroond Sound" foi adicionado. Agora tínhamos três alto-falantes atrás da tela, mais dois no lado esquerdo do cinema e dois no lado direito. Um segredo muito bem guardado sobre tudo isto 6 que você só ouve o equilíbrio correto se estiver oo centro do cinema. À direita ou à esquerda, os alto-falantes de cada lado tendem a dominar. Num filme mal mixado, uma porU que se fecha pode soar, para quem estiver sentado numa das laterais do cinema. como um can.hio disparando. Num cinema mal conservado, ouvi zumbido de 60 ciclos nos alto-falantes quando nenhum outro som saía através deles. A corrente alternada básica de 110 volts movimenta os elétrons a 60 ciclos. Se um transfonnador está próximo da fonte de energia (e todos os alto- falantes têm transfonnadores), os 60 ciclos produzem um zumbido audível. Estalos, produzidos por sujeira na cabeça de som, também podem ser ouvidos. Estive em cinemas em que a codificação que direcionao som para diversos alto-falantes funcionou mal; por isso uma loucura de vozes me chamava de todos os lugares, menos de onde estava a boca. Ah, o progresso. O que costumava custar cerca de S por cento das despesas com produção e equipe técnica de um filme está agora em pelo menos 1Oporcento.
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0 Dolby, o t6cnico de Dolby tem de alinhar o ~pamento Dolby corretamente ou todo o rolo tem de secrefeito. O SiStema Dolby surgiu por causa da gravaçlo de música A fim de.ter m~ co~trole, os engenheiros de música começaram a usar matS e maJS m1crofones na sess1o de gravaçlo. Estive em sessões em que cada instrumento tinha seu próprio microfone! De certo modo isto quase elimina a necessidade de um maestro, porque a dinâmica da gravaçio pode ser ajustada na mixagem (reduzindo as trinta e duas trilhas existentes a quatro ou seis no final). O engenheiro pode aumentar o volume das cordas aqui, um flautim ali, dar brilho ao piano para que o som deste se sobressaia. O único problema com cada microfQD.e gravando em sua própria fita era que acabávamos com dezesseis, trinta e duas ou sessenta e quatro fitas separadas! Como resultado, podia-se ouvir um som agudo (chamado tape hiss "apito da fita"). O apito era causado pelas cabeças magnéticas de todos os gravador:es ~do as fitas. Quando Koussevitzky estava gravando com a Sinfômca de Boston, havia quatro ou cinco microfones, colocados sobre seções gerais da orquestra, com outro microfone para.~tar toda a orqu~ tra. Todos os microfones alimentavam uma un1ca fita. Nio havta tape hiss. Mas agora, com o número de microfones variando de dezesseis a sessenta e quatro, era fatal que houvesse. O processo Dolby simplesmente pegou todas as fitas e as suprimiu, de modo ·que o tape hiss se perdeu nas freqüências mais altas. Logo, nos filmes, devido a problemas de equalização entre música gravada pelo processo Dolby e gravações de som sem ser pelo processo Dolby, tivemos de começar a usar Dolby nos diálogos, mesmo sendo usadas apenas uma ou duas trilhas. Depois tivemos de acrescentar o processo Do1by às gravações dos efeitos sonoros. É a história da cauda abanando o cachorro!
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E subindo o tempo todo. Vamos ver o que acontece com os custos agora que as mixagens ctigitais estão sendo usadas. Muito disto surgiu porque os estúdios, em sua incessante busca do mercado jovem, estavam tentando emparelhar com a qualidade da música gravada que a garotada estava comprando- uma busca inútil, em minha opinião. Os jovens vão ver um filme por aquela experiência ou ouvem um disco por aquela experiência. O único prazer na mixagem surge quando a música é acrescentada. De repente, o esforço maçante parece valer a pena. Veja bem, sentados na sala de mixagem, projetamos o filme pé a pé, pelo menos setenta e cinco ve~, geralmente mais. Tudo que se refere ao filme toma-se incrivelmente enfadonho. Minha cena favorita parece-se agora com alguma coisa estrelada por Chester Morris como Boston Blackie. Paul Newman virou Tom Mix (não houve intenção de trocadilho), e Jane Fonda pode muito bem ser Zasu Pitts. Se os nomes não são conhecidos, vá até sua locadora de vídeo favõrita e peça os filmes falados mais antigos. Mas a música começa a dar vida ao filme..Nossas sessenta e quatro trilhas originais foram reduzidas na mixagem a seis: cordas; madeiras; metais; ritmo (sem percussão); percussão; e piano, celesta, harpa. Mas espere! Não posso ouvir a palavra "C~:~Ipado"! quando o primeiro jurado a proferiu. Demos duro para tomar a palavra clara, equalizá-la. O oboé, que tem muitas freqüência$ no mesmo registro da voz humana, é o réu. Tentamos elevar o volume da palavra. Isso parece forçado. Deve ser o leve susswro que foi. Abaixamos as madeiras, mas aí ouvimos a orquestra sumir. Se ao menos pudéssemos abaixar o oboé para aquela única palavra. E é claro que podemos. Voltamos à gravação das trinta e duas trilhas originais. A exatamente 121 pés, 6 fotogramas depois da entrada, abaixamos o oboé em 2 decibéis (decibel: uma unidade de volume de som). Concluímos a nova mixagem. Ouvimos "Culpado"! perfeitamente. E isto só levou cerca de quatro horas, ou setenta e dois jogos de fliperama. -
12 - A PRIMEIRA CÓPIA: VEMAÍO BEBÊ
Novamente uma sala e~ura. Quantas horas, quantos dias ei em salas escuras, vendo este filme? Sentado junto a mim está o cronometrista. Ele trabalha para a Technicolor. Suatarefaé "mapear'' acópia:final do filme. Explicarei o processo um pouco mais à frente. Os cronometristas são pessoas muito ocupadas. Este veio no vôo noturno, aterrissando no aeroporto Kennedy às seis e meia da manhã. Nós nos encontramos na sala de projeção às oito e meia. Ele volta no avião das quatro da tarde para Los Angeles. Ele tem diante de si o café e um bolinho de amora. Para esses sujeitos não há bagels. Eles são todos George Gentile. Sobre o console há um bloco de anotações. Sob a tela encontra-se um contador de metragem. O homem fará suas anotações, rolo a rolo, usando o contador: esta tomada está muito escura, aquela muito clara, esta muito amarela, aquela muito vermelha, muito azul, muito verde, há muito contraste, pouquíssimo contraste, está muito embaçado (uma combinação de cor errada e densidade e/ou con- ' traste errado) e assim por ctiante. Cada cena, cada tomada, cada pé de fihne é analisado, revisto. Fico sempre espantado com a memória do filme que estes cronometristas têm. Dias e semanas mais tarde, num telefonema entre nós, menciono que o close-up de Dustin na frente do armazém coreano ainda está muito azul, e ele se lembra da tomada e exatamente onde está no rolo. Seu olho é extraordinário. Ele vê um sutil amarelo geral que está tirando o vigor fotográfico de toda uma cena. É a primeira vez que noto isto. Mas agora que ele me indicou, não posso ver nenhuma outra coisa Tudo começa a parecer amarelo.
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O processo de copiagem em cores é complicado. Tentarei explicar da melhor fonna que puder. Basicamente, o negativo em cores contém as três cores primárias: vermelho (chamado magenta no laboratório), azul (chamado ciano) e amarelo. Exceto com o processo chamado p~-jlmlring, que é raramente usado (eu o mencionei antes ao faJar em Chamada para um morto), a maior parte das vezes nada 6 feito ao negativo entregue pelo fotógrafo. O laboratório o revela segundo um conjunto padrão de fónnula.s. • É na copiagem do positivo que as variações se tomam possíveis. • Quando volta à Cal if6mia, o cronometrista senta-se diante de um analisador de cor computadorizado chamado Hazeltine. Coloca o negativo na máquina e v8 uma imagem positiva do filme num monitor de tevê. Como a cor eletrônica é bem diferente da cor qu1mica, o julgamento desse homem é vitaJ. Acrescentando ou retirando amarelo, azul ou vermelho, ele pode variar o equilíbrio de cores quase ao infinito. Também pode clarear ou escurecer a imagem (chamamos a isso "densidade,). Ele foi instruído por mim e/ou pelo fotógrafo sobre o que desejamos obter visualmente. QuandoelesentequealcançounoHazeltineaquiloquecorresponde ao que queremos digita isto na fita do computador que vai controlar o tempo de duração das luzes da copiagem. Por exemplo, ele pode concluir com Amarelo: 32; Magenta (vennelho): 41; Ciano (azul): 37. A fita 6 transferida para a máquma cronometradora. Sobre um rolo de filme positivo nio exposto, a fita instrui uma luz branca a atravessar três prismas de amarelo, magenta e c iano exatamente nas proporções de tempo e na densidade que o cronometrista digitou na fita: 32, 41, 37. E é por isto que ele 6 chamado cronometrista. O positivo vai então direto para o banho qufmico, assim como iria na • fotografia, e obtém-se a cópia positiva -que chamamos de primeira cópia. Alcançado o equilíbrio correto das cores, um interpositivo 6 feito a partir da primeira cópia. Depois um intemegativo 6 feito a partir do interpositivo. Todas as cópias que vão ser exibidas nos cinemas slo feitas do intemegativo. O negativo original vai para um cofre. É extremamente valioso. De fato, às vezes o negativo original
A PRIMEIRA CÓPIA
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é a verdadeira cauçlo para o emprMtimo bancário que financiou o filme. . ~ copiagem em co~. pode anular ou aumentar muito do que fot feito na fotografia onginaJ. Por exemplo, descteVi o que queríamos fazer com a cor em Daniel. Tudo no ado de Daniel foi feito com filtros, transformando sua infincia com os pais em tons dourados, afetuosos e protetores. Tudo em sua vida presente era azul, já que em e~ncia ele se enterrara com seus pais. À medida • que o filme avançava e Daniel lentamente voltava à vida. sua ex.ist!ncia presente adquiria mais calor, mais vida e portanto uma tooal.idade fotográfica mais natural. Seu ado se tomava menos âmbar à medida queeletomavad.istAncia e resolvia adore o conflito que o ado nele evocava. No final, as cores do filme eram completamente naturais. O ado e o presente de Daniel eram agora um só. Ele voltara à vida. Era decisivo que a cronometragem final da Cópia seguisse o cooceitodafotografiaoriginal.Muitodoqueéfeitooacimerapode ser desfeito no laboratório. Se a uma cena "azuJ" (o presente de Daniel) tivessem sido acrescentados amarelo e vermelho na copiagem, ela poderia ficar muito "normal". O mesmo poderia acontecer às cenas cor de "ouro, ou "imbar" (representando o ado de Daniel) se a elas fosse acrescentado o azuJ. Isso oio era apenas uma questio de clima.. Os jlmhbod=t de soa vida ada apareciam durante todo o filme. A forte identificaçlo de cor também permitia que o público soubesse em que época estávamos. O cronometrista tinha de saber claramente qual era a nossa intenção, pois·do contrário poderia ter estragado todo o estilo do filme. Tudo que o fotógrafo, o projetista de produçio e eu fizemos para criar um estilo visual 6 afetado pela cronometragem. Como acon1eceu durante toda a realização do filme, mais uma vez Uin técnico é vital para seu sucesso ou fracasso. Phil Downey, dà TecbnicolornaCalifómia- eraumptazertrabaJharcomele.LJ"'I::Ide dois minutos de conversa, ele podia traduzir a iotcmc:ikf~M cronometrag~m do filme. Acho que nunca precisei de tentativas com Pbil para conseguir a cópia correta. PotrUíirll" John SchJesinger ce~ vez me disse que teve de ex:.llliiii• cópias de Perdidos na noite antes que o
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Há um grande perigo ni~. A primeira cópia deve ser feita do negativo original. Cada vez que o negativo é manuseado, há risco de receber poeira e ser danificado. O dano é quase impossfvel de reparar. Entro em pinico cada vez que o negativo 6 tocado. John deve ter ficado louco. Amedida que acaba cada cópia na Califórnia, Phil a envia para mim. Eu lhe telefono com minhas anotações. Na terceira cópia sei que a seguinte será ela. Como posso descrever a emoção de assistir à primeira cópia pela primeira vez - sua bel~ sua limpeza? É impressionante como a cópia de trabalho ficou suja com o ar dos meses, mas agora está limpa e nova. As dissolvências estio no filme agora, as cenas de noite parecem noite: os vermelhos. os azuis e, quando a Õensidade está correta, os negros! Um dos sinais de uma boa cópia é a riqueza dos negros. Cada filme parece uma obra-prima quando a primeira cópia é vista pela primeira vez. · Resta um último teste. Quando terminamos a mixagem, a trilha sonora existia numa faixa da trilha magoéti~ tal qual a trilhado seu cassete, só que muito mais larga. Nós a chamamos, muitd naturalmente, de trilha mago~ Agora deve ser transferida para o filme, para o que chamamos de trilha óptica, a fim de que ela tambáD possa ser casada com a primeira cópia. A trilha magoáica a por um "olho" eletrônico que transforma os impulsos magnéticos da fita em J*lrOes visuais num pedaço de filme negativo. Agora combinamos o negativo óptico com o ioterncgativo visual; assim a trilha sonora sed impressa na primeira cópia. Se sua densidade está ruim, o som pode ser afetado. Levo a primeira cópia de volta ao est6dio de som. Coloçamos a trilha magnética mixada final num cao.al e a primeira cópia, com sua trilha óptica, em outro. Acionamos as duas juntas, ando de uma para outra para nos certificarmos de que nenhuma qualidade de áudio se pcnleu na agem do magn~co para o óptico. Um pouquinho sempre se perde, mas elas devem ser id!ntica.S. Nlo h! mais nada a fazer agora. O filme está pronto. É hora de levar o filme para o estúdio.
13 - O ESTÚDIO: TIJDO PARA ISTO?
Não sou "antiestúdio". Como disse no infcio do livro, sou muito grato por alguém me dar os milhões de dólares necessários para fazer um filme. Mas para mim, e penso que para outros diretores, há enorme tenslo na entrega do filme. Talvez isso se d~va ao fato de que este ~ o primeiro o do filme no seu caminho para o público. Mas o verdadeiro motivo, penso eu, é que depois de meses de controle rfgido, o filme está agora nas mlos de pessoas junto às quais tenho muito pouca influ&cia. Nio sei o que faz um sucesso. Acho que ninguém sabe. Nio sio os astros. Meu próprio filme Negócios de /amfliD foi estrelado por Dustin Hoffmao, Sean Coonery e Matthew Broderick. Um fracas.. so. O mesmo aconteceu com hhlar de Hoffinan e Wam::n Beatty. Kevio Costner e Clint Eastwood em Um mundo perfoilo o1o tiveram sucesso, mas Eastwood sozinho se deu bem em Na linha de jogo~AB ~ias do sucesso de bilheteria em relação aos astros • slo infinitas. E contudo os salários de determinadas estrelas cmrtinuam cresceodo, a ponto de que muitos dos honorários delas poderiam financiar um filme inteiro. Nem é o g!oero. Os we3tems estavam em baixa até que .Dança com lobos se tomou um sucesso e depois outros sete se seguiram. Os filmes sobre beiSebol estavam fora de cogi:taçlo até Sorte no amor. Depois tivemos uma série deles. No momento, os filmes policiais estão fora de moda, mas isto também vai mudar. Nos anos trinta e quarenta os estúdios controlavam o financiamento, a produçio, a distribuição e a exibiçJ.o dos filmes. A maioria dos estúdios possuia seus próprios cinemas, que exibiam
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O ESTÚDIO
progran;tas duplos, dois filmes em cada sessão. O cartaz era mudado uma vez por semana, o que significava que cada cinema exibia quatro filmes por semana. A MGM, fazendo duzentos filmes por ano, consegUia manter seus cinemas cheios somente com sua pr~uçio. Não havia meio de medir o sucesso financeiro de cada filme, já que os contadores podiam alocar o quanto quisessem da receita a cada filme do programa duplo. A menos que toda a sessão não fizesse sucesso, cada filme poderia se tomar lucrativo pela alocação do estúdio. Em 19S4.a ~uprema Corte dete~ou que os estúdios se desfizessem dos seus cinemas sob a alegação de que a propriedade dos cinemas lhes dava um monopólio inaceitável. No final dos anos cinqüenta e em toda a década seguinte muitos estúdios ficaram numa situação precária. Houve um momento em que a 20th Century-Fox teve de cancelar um fllme que estava prestes a começar por falta de recursos. Eu ia começar o fllme em março, mas o grande lançamento da Fox no Natal, Alô Dolly! tivera uma bilheteria fraea. Isso mostra como seu fluxo de caixa andava fraco. O fLlme cancelado era The Confessions of Nat Tumer, baseado no livro de BiU Styron. Muitos estúdios combateram a televisão o quanto puderam. Mas aos poucos perceberam o enorme potencial financeiro que lhes erá oferecido. AlgunS dos estúdios mais abalados financeiramente começaram a vender suas velhas filmotecas para as redes de televisão. Depois outras fontes de receita tomaram-se possíveis com a televisão a cabo. Hoje em dia é novamente diflcil para as empresas cinematográficas perder dinheiro, embora elas ainda consigam. Os chamados direitos subsidiários agora lhes proporcionam grande proteção a seus investimentos: videocaSsetes, televisão a cabo, televisão.gra. tuita, exibição nos vôos das companhias aéreas. E logicamente os direitos internacionais fora dos Estados Unidos e Canadá representam cerca de 50 por cento da receita bruta total. E cada país tem seus direitos de vídeo, o que aumenta a receita. Além disso, muitos dos estúdios voltaram a ser donos de cinemas. No meu modo de entender, eles se contentam com menos de 50 por cento para não violar a ordem da Suprema Corte de separar a propriedade dos
estúdios da propriedade dos cinemas. Acrescentem-se o merchandising- os brinquedos saídos de PaTque dos dinossatD'os, para só citar um exemplo - , os parques temáticos construidos a partir dos filmes de grande sucesso e a propriedade, pelos estúdios, de estações de tevê a cabo. E as páginas financeiras estio cheias de matérias sobre fusões entre estúdios e redes de televisão. Toda esta enorme receita se baseia nos filmes que os estúdios produzem. Um mega-sucesso pode produzir receita subsidiária de um bilhão de dólares. É aí que os grandes astros realmente têm valor. Com todo este potencial, os estúdios estão compreensivelmente ávidos para tentar levar cada filme a um público cada vez maior. Não há nada de errado nisso. Só que a maioria dos filines não consegue fazer isto. Não são bastante bons nem bastante ruins. Como em tantos outros aspectos da vida americana, a sondagem do público é um dos fatores dominantes na distribuição dos filmes. Quando o filme é entregue ao estúdio, a primeira coisa que eles providenciam é uma pré-estréia. É claro que o estúdio já assistiu ao filme. Alguns executivos dizem claramente o que acham, outros tergiversam. Mas qualquer discussão sobre mudanças é adiada para depois da pré-estréia. A maioria das pré-estréias é feita com a cópia de trabalho e uma trillha musical e sonora temporária. Para obter uma primeira cópia, o negativo de cada tomada usada no filme deve ser cortado. E embora possamos fazer quase qualquer mudança que quisermos depois que o negativo foi cortado, há um bloqueio psicológico, uma sensação de conclusão para os estúdios em relação a cortar o negativo. Como resultado, esta importante pré-estréia é feita muitas vezes com uma cópia de má qualidade que está suja e arranhada, uma trilha musical constituída por trechos de discos e seleções da discoteca do estúdio e, um som que não é adequado. Os estúdios sustentam que não há diferença real do ponto de vista do público entre uma pré-estréia assim e uma pré-estréia com uma primeira cópia. Um executivo me disse que promovera uma pré-estréia com a inserção de um pedaço de celulóide onde estava escrito em letras brancas sobre fundo preto: cena faltando. Disse que o público riu
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e continuou a gostar do filme. Eu lhe disse que esperava que ele mantivesse a cena fo~ já que obviamente ela oio era necessária. Assim estou sentado numa sala de projeção de primeira classe, provida de confortáveis poltronas estofadas e dos mais modernos sistemas de som e projeçlo. Vim de avião para estar aqui quando os executivos projetarem o filme pela primeira vez. Geralmente uma pré-estréia já foi marcada para aquela mesma noite ou a seguinte. Estio presentes o chefe do estúdio, às vezes o chefe de toda a companhia, o vice-presidente encarregado da produção, seu assistente (geralmente uma mulher), a assistente dela (que eu jamais encontrei antes), o chefe de distribuição, seu assistente, o chefe de publicidade, o chefe de marketing, a pessoa que fará o trailer, os produtores e duas ou tr& pessoas cujas funções nunca descobri. • Depo~s de algumas piadas forçadas, as luzes se apagam. As projeções quase sempre começam na hora. No fim da projeção há silêncio. O chefe do estúdio ou o chefe de toda a companhia geralmente diz alguma coisa polida e animadora. Ninguém procura briga em público. O pessoa) de distribuição, marketing e publicidade sai rapidamente. Comunicarlo suas impressões ao chefe do estúdio mais tarde. Nós outros amos para a sala de reun.ilo. Pode haver um prato de sanduíches, ou frutas e água Evian. O chefe do estúd,io é a primeiro a falar. Depois os comentários descem a cadeia de comando, até que alguém que eu jamais vi antes está dando uma opiniio. Há uma notável unanimi:. dade, pois todos assumem o ponto de vista expresso primeiramente pelo chefe do estúdio. Eu nunca ouvi uma opinilo divergente do lado do estúdio. Veja bem, acho que este processo de esperar que o chefe do estúdio dê sua opinilo nlo é exclusivamente um hábito das companhias de cinema Nunca estive numa reunião de alto nível na General Motors, mas aposto que tudo funciona do mesmo jeito. Mas nada é decidido em definitivo. Estão todos esperando a pré-estréia daquela noite ou da seguinte. Acho que as pré-estréias podem ter sesventia para certos fihnes. Numa comédia ou melodrama, por exemplo, o público é parte do fLlme. Com isto quero dizer que se as peSsoas não riem na comédia ou não se assustam com o
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melodrama, o filme está em dificuldade. Nas comédias, mudar o timtng de uma tomada de reaçio pode fazer toda a diferença se as
piadas funcionam. Mas os dramas puros, acho que estou mais bem infonnado. Posso estar errado. Talvez seja arrogante. Mas fui trabalhar para realizar uma idéia. Se estou errado, preciso da· organização de Irving Thalbergpara consertar o erTO: sets, figurinos, atores, tudo de que necessitarei para refazer de 5 a 50 por cento do filme. E finalmente há alguns filmes sobre os quais estávamos todos errados, da idéia ao roteiro e à execução. Eu estava errado, o escritor estava errado e o estúdio estava errado por financiar o filme, em primeiro .lugar. Nlo há como corrigir isso. O motorista da limusine me apanhou, com tempo à beça sobrando antes da pré-estréia, marcada para as sete horas, num subúrbio de que nunca ouvi falar. Não conheço o trânsito da Califórnia, mas todos me previnem sobre ele. Como nunca fiquei preso num engarrafamento, sempre chego ao cinema trinta minutos antes. Quando cheguei, já havia uma fila. As pessoas foram recrutadas em sua maioria nos shopping centers. Alguém lhes ~guntou se queriam assistira um filme estrelado por Don Johnson e Rebecca De Mornay. Um breve resumo da trama também foi divulgado. Representantes do grupo de pe~sa que conduzia a pré-estréia estavam por ali. Na fila, todos os grupos demográficos estio representados, dependendo da classificaçlo prevista. Este filme terá certamente um "R"; assim não há ninguém com menos de dezessete anos. A5 categorias oficialmente designadas são: Homens 18-25, MuJhe... res 18-25, Homens 26-3S, Mulheres 26-35, Homens 36-50, Mulheres 36-50, Homens acima de 50, Mulheres acimJt de 50. É tudo muito politicamente correto: alguns afro-americanos, alguns latinos e latinas, ásio-americanos. Nunca vi nenhum nativo americano. Em Opeso de umpa~sado o chefe de produção decidiu-se por uma platéia inteira de adolescentes, porque o astro era o mágico River Phoenix. um ídolo dos adolescentes. Pouco importa que a história falasse de radicaiS dos anos 60 que estavam em fuga por causa do bombardeio de um campus. Nlo havia meio de alguém
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com menos de vinte e cinco anos saber que esse tipo de gente existiu. O roteiro de Naomi Fo~er era muito complexo. enyolvendo n1o apenas o relacionamento do garoto com os pais. mas também o relacionamento dos pais do garoto com os pais deles. O chefe de produção tinha um astro adolescente; portanto, no seu modo de ver. isto significava um público adolescente. A fila avança para entrar no cinema em grupos de trinta por vez, controlados por funcionários do grupo de pesquisa. O público totaliza entre quatrocentas e cinqüenta e quinhentas pessoas. Gente com pranchetas e lápis cone de um lado para o outro. Trabalham para o instituto de pesquisa. Estou muito adiantado; por isso tenho tempo de observar o público que entra no cinema. Independentemente da faixa etária, todos parecem inimigos. Eles vieram de short, camiseta e tênis. Os penteados parecem feitos para impedir a visão de quem esti~er sentado na fileira de trás. Velhinhas de asilos de Sherman Oaks misturam-se a qu$1'entões cujas barrigas de cerveja se dobram por cima dos shorts. Percebo que estou tenso. Antes disso, eu havia pedido ao motorista da limusine que desse uma volta pela redondeza para que eu pudesse sentir a atmosfera. As casas bem cuidadas e os gramados limpos parecem não ter nada a ver com os cretinos que esperam a vez de entrar. Entro no saguão. O cheiro de cachorro-quente esturricado e batata frita e pipoca rançosa domina 9 ambiente. Os balcões de doces e salgados são requintados. Videogames colocados em volta do sagu.1o são energicamente manipulados por garotos de doze anos. Vejo o montador. E le chegou ontem à noite e ou o filme com o projecionista hoje de manhã. Checaram os nfveis de som e se certificaram de que os projetores estavam em boas condições. Ele me disse que o projecionista gostou do filme. Eu me sinto melhor. Neste ponto, qualquer apoio é bem-vindo. Vinte minutos antes da hora marcada para começar o filme; o cinema está cheio. Duas fileiras do fundo foram reservadas para o pessoal do estúdio. No meio do cinema dois lugares foram reservados para mim, embora eu tenha vindo sozinho. Gosto de me sentar bem no meio. Posso ter uma n09lo melhor e sentir o público.
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Enquanto isto, lá no saguão, os executivos do segundo escalão do estúdio começam a chegar. Novamente as piadas forçadas. Um ritual está em andamento. O último a chegar, tri.ota segundos antes do ftlmc começar, é o mais alto executivo que vem para a próestréia. O barulho no cinema é enorme. O público está sentado ali há vinte minutos. As pessoas j6 comeram, beberam e foram ao banheiro. Sio muito sofisticadas a respeito de pré-estréia. VIO a muitas. Algumas vieram &n grupo e se sentaram juntas. Muitas vezes slo turbulentas porque sabem que as pessoas que fazeram o filme estio ali. Saboreiam seu momento de poder. Se o filme corre bem, elas se acalmam. Do contrário, espere só. As sete horas ou um minuto depois, um jovem bem apessoado desce o corredor central e páradiante da tela. Polidamente agradece ao público por ter vindo. Se é uma cópia de trabalho que vai ser projetada, alertapara sinais de sujeira e arranhões. FreqUentemente fala de uma "obra em andamento". Também fala da importância dos questionários porque "as pessoas que fizeram o filme" querem co~ecer as reações da platéia. Isto transforma todos os presentes em .críticos e deixa-os deleitados, j6 que agora sabem que suas re89áeS afetarão o produto final. Ele conclui com um alegre "Aproveitem o filme" e sobe de volta o corredor. As luzes se apagam e o filme começa. Um dos momentos mais importantes em qualquer filme é o final. O pessoal da pesquisa fica ansioso demais para pegar o público antes que este se dirija para a porta. Por isso é muito comum que durante os últimos trinta segundos do filme um bando de sujeitos tome conta do corredor ainda escuro, os braços cheios de questionários, os dedos segurando pequenos lápis. A entrada da música oo fmal -destinada a dar ao público um estímulo emocional - nunca se completa. O projecionista foi instruído pelo grupo de pesquisa a começar a acender as lâmpadas cinco segundos antes do fmal e a baixar a trilha sonora para que o nosso exército possa gritar das laterais do cinema: "Porfavor, fiquem em seus lugares. Estamos distribuindo questionários. Agradeceríamos que vocês preenchessem." Blá-bl6-blá, como diria Mamet.
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Sou o primeiro a surgir oo corredor e entrar no saguão. Os executivos estão agrupados na última fila. Lentamente o público começa a sair. Entrega seus questionários. Alguns ainda estão sentados tentando cuidadosamente expressar seus sentimentos. Depois de mais óu menos dez minutos restam apenas umas vinte pessoas. Este é o "grupo de amostragem?', formado por pessoas selecionadas antecipadamente pelos pesquisadores. São, co~ o se pode imaginar, demogra.ficamente diversificadas. O líder do grupo convida os integrantes a ar para as duas primeiras filas. Os executivos am para a quarta fila a fim de ouvir os comentários, que vão começar. O Uder do grupo agradece a todos e pede que cada um diga seu primeiro nome. Depois pergunta quantos acharam o filme "excetente'',em seguida "'muito bom",depois "bom",." regular'\ "fraco". Eles respondem a cada categoria levantando a mio. Segue~ se uma discussão sobre o que gostaram no filme e o quanto gostaram. Então vem a grande pergunta. Ele diz: "Do que vocês não gostaram no filme?" Às vezes há uma pausa incômOda. Ai alguém sugere uma coisa, depois outro fala, mas em momento algum há um frenesi devorador; tendo o corpo do filme como repasto. Há desacordos, discussões. As personalidades mais fortes dominam. As pessoas que gostaram de tudo não tê.m o que dizer e portanto ficam sentadas quietas. Cada comentário está sendo ab&Orvido pelo pessoal do estúdio. Mais tarde, muitas conversas começam com: "Voca sabe, isso veio à tona no grupo de amostragem e eu sempre ach.ei que era um problema."Não importa que apenas uma tenha feito aquele comentário. O assunto.é tratado como se todo o grupo expressasse a mesma objeção. Toda'opinilo, pór mais extravagante que seja, ganha peso, e as sugestões sobre o que precisa ser ajeitado estão diretamente relacionadas com o que os executivos ouviram na discussão do grupo de amostragem. · V amos depois a um restaurante das proximidades para comer e beber. Mas a noite está incompleta. Os "números" ainda não chegaram. Os "números" s1o as porcentagens do público que classificaram o filme de "excelente" e "muito bom". Igualmente
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importante, se nlo mais, é a porcentagem que " definitivamente" recomendaria o filme a outras pessoas. lsto é considerado um forte _ indício de que o filme contará com boa propaganda "de viva vor', principal ingrediente de uma iniciativa comercial bem-sucedida. Os '~números'' podem detenninar uma coisa: data de lançamento, · número de cinemas e, o que é mais importante, orçamento de publicidade. A publicidade custa uma fortuna, tanto nos jornais quanto, especialmente, na televisão. Meia hora depois, um executivo é chamado ao telefone e volta com os números anotados num guardanapo. No dia seguinte vem um relatório. O detalhe é impressionante. Todos os questionários que o público preencheu foram contados e analisados. Aqui.está uma lista do que foi dito nos questionários. Excelente, Muito Bom, Bom, Médio, Fraco; Definitivamente Recomenda. Provavelmente Recomenda, Provavelmente Não, Nio Recomenda; Desempenhos, personagem por personagem, inclusive o desempenho dos coadjuvantes; Personagem Mais Apreciado, - Personagem Menos Apreciado. Depois na rubrica "Elementos": O Ambiente, A História, A Música, O Final, A Açlo, O .Mistério, O · Ritmo, O SuspenSe. Depois seleções de adjetivos: Divertido, Personagens loteressantes, Diferente/Original, Bem Interpretado, Muito Lento em certas agens. Depois vêm os "Comentários Espontâneos.,': O Final (observe a superposição), Confusões, Partes Lentas. Em seguida (sei que isso parece interminável): Cenas Mais Apreciadas, Cenas Menos Apreciadas. E cada uma destas categorias é decomposta em porcentagens: Homens com menos de 3('. com 30 e mais; Mulheres com menos de 30, com 30 e mais; Brancos, Não Brancos, Negros, Hispânicos. (Estio defasados em matéria de nomes politicamente corretos.) Também, como estimulo estatístico final, porcentagens sobre Bom & Violento, Entediante/Chato, Não é Meu Tipo de Filme, Muito Bobo/Estúpido, Confuso, Muito Violento. Diante dessa agresslo, as discussões sobre o que deve ser consertado, mudado, encurtado ou refeito podem se tomar surrea:listas. Um produtor certa vez me perguntou se poderíamos cortar todas as cenas " Menos Apreciadas" e deixar apenas as " Mais
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Apreciadas''. Algumas observações sio literalmente obsce~: "Ele tem pinta de bicha." "Eu gostaria de fodê-la." Nlo faç'o idéia da correlaçlo que há entre os ')aúmeros" e o conseqOente sucesso financeiro de qualquer film.o. Uma vez perguntei a Jeo Farrell, cuja organi:zaçio~ o National R.esearch Group, realiza a maior parte desses testes, se ele nio tinha uma análise desta informaçlo vital. Quase todos os grandes estúdios recorrem a ele, de forma que a essa altura deve haver centenas de filmes em arquivos. Mas nlo. Ele disse que nio tem tal análise. l>e fato, no inicio do relatório sobre público está impressa a seguinte ldvertincia(estasslopalavrastextuais):"'Deveficarentendidoqucosdados oriundos das pesquisas de reação do público nlo slo necessariamente .previsores de sucesso de bilheteria ou da possibilidade de comercializaçlo de um filme, e nlo podem avaliar a quantidade de público potencial Embora a pesquisa possa fornecer informaçlo sobre o quanto o filme satisfaz a um público interessado em vê-lo (possibilidade de exibição), nio deve ser usada para medir a quantidade de público potencial, isto é, não pode avaliar o nível de 'desejo de ver' dentro do amplo mercado de freqOentadores de cinema (possibilidade de comercialização)." Então pra que diabo serve isso? É claro que os filmes olo slo o únicoproduto sujeito à pesquisa de mercado e de público. As pesquisas infestaram todas as áreas da vida nacional. Mas nio consigo imaginar Roger Ailes terminando um relatório para George Buscb ou Ronald Reagan com "Porém, não posso lhe dizer como as pessoas vão votar". E na poUtica, onde tenho certeza de que é tomado muito cuidado porque há muita coisa em jogo, os erros são constantes. Na campanha das primArias de 89, quase todas as pesquisas para as pri,márias do Partido Democrático estavam erradas. Na última eleição da Inglaterra, os Conservadores não deveriam vencer. Em Israel, nenhuma pesquisa sequer indicou a extensão da vitQria trabalhista. De fato, esperava-se que o Likud ganhasse ·a éleiçlo, ainda que por pequena margem. Quando tento combinar essas *nicas de pesquisa com algo tio efêmero como o gosto do público, ~ filmes evocam, tudo se desfaz à minha volta.
Talvez alguns filmes tenham sido ajustados pelas mudanças feitas em conseqO!ncia de "Pesquisas de Público Recrutado". Nio sei, porque o sr. Farrell nio me dirá. Muitas vezes, depois de feitas mudanças~ os filmes sio novamente mostrados em pré-estréia. Os "números" sobem ou descem ou permanecem onde estio. Mas fico imaginando quantos filmes foram prejudicados. Quantos filmes aram por mudanças djtadas por "Pesquisas de Audiência" e perderam o que tinham de qualidade ou individualidade? Jamais saberemos. Finalmente, porém, é um modo inacreditável de tra_halbar. Por que espero até que o filme tenha sido rodado e todo aquele dinheiro tenha. sido gasto? Por que nlo começar "pesquisando" o roteiro que foilidoporumgrupodeamostragem?Porquenloescolheroelenco por meio de votação? E os copiões? Depois de ver os copiões de cincooudezfilmes,poderiammedizerquetomadausar.Aprimeira montagem provisória? Ah. .alguns estúdios já promovem préestréias com elas. Tentei examinar minha própria atitude. Afinal, em sua maioria os chefes de estúdios nlo sio idiotas. Talvez haja alguma coisa que eu posso aprender com este novo método. Nestes últimos anos eu apresentei em pré-estréia e conseqOentemente alterei os seguintes filmes: Os donos do poder, .A manhã seguinte, Neg6cios tkfamUia, Uma estranha entre nós e Tao cu/podo como opecado. Nunca usei pré-estréias antes. exceto para &de tk intrigas. Fizemos a préestréia dele para averiguar a respeito das gargalhadas. Estavam todas lá e mais algumas. Salvo pequenos cortes, não tocamos num fotograma. Fora Rede de intrigas, nunca fiz pré-estréias de qualquer de meus filmes que tenha sido sucesso, de crítica e/ou comercial. Não quero ser injusto. Nunca fiZ pré-cstreia de muitos fracassos também. Mas nunca consegui resolver os problemas de um filme fazendo mudanças que fossem indicadas pelas pré-estréias. E em busca de um sucesso, fiz mudanças depois de longas conversas com executivos do estúdio que tinham analisado exaustivamente os questionários e os resultados do grupo de amostragem. Tentei. Não funcionou. TaJvez fosse eu. Talvez nada pudesse ter ajudado o filme. Não sei.
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Quase sempre as mudanças que todos buscam ocorrem por volta do final. Quando um filme não está indo tão bem como deveria, a maioria das pessoas procura uma ou duas cenas finais cüferentes como solução do problema. O motivo é Atração fatal. Fiquei sabendo que no filme original Glen Close se matava. Depois que esse final foi reprovado na pré-estréia, foi filmado um novo ftnal em que Anne Archer baleava Glen Close. Os resultados do teste deram um salto e o filme se tomou um grande sucesso comercial. Mas na maioria dos casos aJterar o finaJ nlo resolve o problema, porque os filmes em sua maioria não·são muito bons. Sem os direitos subsidiários, a maioria dos filmes perderia dinheiro. O sucesso comercial não tem relação com um filme bom ou ruim: Bons filmes tomam-se sucessos. Bons filmes tomam-se fracassos. Filmes ruins dAo dinheiro, filmes ruins perdem cünheiro. O fato 6 que ninguém sabe realmente. Se alguém soubesse, acertaria sempre. E houve dois que acertaram. Graças a um talento incrível, Walt Disney sabia. Hoje Steven Spielberg parece saber. Não cügo isso em sentido pejorativo. Acho que Spielberg é um diretor brilhante. E. T. é um filme soberbo e A lista de Schindler é excelente, em minha opio.ilo. Mas embora eies sejam os dois únicos em quem posso pensar que realmente lançaram sucessos, é interessante notar que mesmo Spielberg nio pode automaticamente fazer o que quiser (talvez seja por isso que ele está organizando sua própria companhia) e que Disney sofreu duros golpes comerciais quando a UPA entrou em cena com um novo estilo de desenho animado que o fez parecer antiquado. O sucesso ef!mero de General McBoing Boing e de Mr. Maggoo fez com que o estilo de desenho animado de Disoey parecesse ultraado. A solução de Disney foi criar um programa para a televisão que lhe permitiu salvar seu estúdio. . Do que estamos realmente falando aqui? Estamos falando de uma fórmula que produziu O martfrio de Joana d'A.rc, Zéro de Conduite, O poderoso chefão I e ll, Abismo de um sonho, Luz de inverno. Estamos falando de Fogo de ouJono, Os me/Jwres anos de nossQ8 vida8. Estamos falando de Une partie de campagne, As férias do Sr. Hulot, A lista de Schindler, Owo e maldição, A · ai,Amarcord e 8 ~.Cantando na chuva, Dumbo, Ladr~s de
bicicletas, As vinhas da ira, Quanto mais quente melhor, Cidadão Kane e Intolerância, Roma, Cidade aberta, Ran, Inimigo público e
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Casab/anca, Rel(quia macabra, Contos de lua vaga, Rashomon, Fanny ê Alexandre. Preciso continuar? Quantos mais podiam ser acrescentados? Como poderemos um dia conciliar esta arte e ' gigantesca máquina de dinheiro que é preciso mobilizar para fazer mesmo um pequeno filme hoje na América? Não sei. Os conflitos não param aí. Fiz uma vez um filme chamado .A. colina dos homens perdidos. É um bom trabalho. É a história de um campo de prisioneiros britânicos durante a II Guerra Mundial, mas os prisioneiros são soldad~s ingleses que se ausentaram sem licença ou foram apanhados vendendo mercadorias no mercado negro ou cometeram outros crimes enquanto estavam de unifonne. a-se na prisão, localizada no deserto do Norte da África. É um filme violento, rude, que nunca deixa os limites do campo, a não ser numa rápida cena num café e numa cena secundária no quarto do comandante. Fisicamente, foi o filme mais brutal que eu já fiz. No fim eu estava exausto. Muito depoi-s de terminada a provação de fazê-lo, fui ao escritório do distribuidor para ver os anúncios do dia da estréia. . Consistiam em um desenho de página inteira de Sean Connery, a boca escancarada como se gritasse de raiva. Acima de sua cabeça. num "balão de pensamento" saldo das histórias em quadrinhos, bavia·o desenho de uma dançarina do ventre. NAo me pergunte por quê. Ele estava com-raiva da dançarina do ventre? Mas havia mais. Transversalmente, no alto do anúncio, em grandes letras brancas, lia-se: "Coma, Senhor!" Eu nio podia acreditar nos meus olhos. Mesmo que isso tivesse qualquer coisa a ver com o filme - e não tinha-, não fazia o menor sentido. Era a insanidade gritante. Naquela noite, durante o jantar, e.u literalmente rompi em lágrimas. Minha mulherme perguntou o que estava errado. Eu disse que estava apenas muito cansado de lutar. Tinha lutado pelo roteiro, pelo elenco correto, depois tinha lutado com o calor do deserto, a exaustão, as regras britânicas sobre extras. Eu me sentia feito Margaret Booth, que tinha lutado comigo sobre o mesmo filme. E agora eu estava lutando contra wn anúncio idiota.
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E é disso que se trata quando se faz um filme: lutar. Nlo me lembro do último bom anúncio que eu vi Talvez tenha sido para A coçoda ao Outubro Vermelho, há cinco anos mais ou menos. Certamente a publicidade dos filmes 6 entediante e banal comparada com outros negócios; a pasta dentifrícia Colgate nlo a toleraria; muito menos a mM ou a Ford. Os uailus nos cinemas, um elemento importante quando começam a pesquisar o fator "desejo de ver", estio cheios dos mesmos seios, beijos e explosões que vidlos uma semana antes. Os cartazes de frente dos cinemas, os piqueniques da imprensa e da tevê quando cem pessoas voam para tomar café com astros e diretores, as entrevistas feitas para a tev6 a cabo "nos bastidores" - tamanha imbecilidade me causa dor de dente. E o dinheiro gasto nisso é horripilante. A propósito, todos os anúncios de TV, cartazes, anúncios impressos, até o título do filme, slo testados, todo o "público pesquisado" e, é claro, analisado dmnograficamente. E no entanto, apesar de todos esses testes, por que a maioria dos filmes alçançaresultados precários no lançamento? Se tudo que anuncia o filme foi testado, pelo menos os negócios do dia da estréia devem ser bons, antes que se inicie a propaganda de viva voz. Mas a maioria dos filmes fracassam comercialmente no primeiro dia. Além das pesquisas que determinam a distribuiçlo do filme, alguns executivos abandonaram outra área de sua responsabilidade. Um estúdio que eu conhC9Q nio dará sinal verde a um filme a menos que tenha como astro Tom Cruise ou seu equivalente. Isso tem dois efeitos imediatos. Primeíro, os salários dos astros vão às nuvens. E como os astros de primeira grandeza estio ganhando dez a doze milhões por filme, os salários dos atores coadjuvantes aumentam proporcionalmente. Dois a três milhões de dólares não j incomum agora para um ator que ganhava US$ 750 mil por filme. O custo médio de um filme eleva-se US$ 25 milhões e ainda está subindo. O segundo efeito é que as agências que representam os astros estio automaticamente numa posição mais poderosa. O resultado~ que "pacotes" sio criados pelos agentes dos astros. O pacote incluirt co-astro ou co-estrela e diretor, todos eles, é claro, pertencentes à mesma ~ncia. Isto não é nenhuma novidade. Há
muitos anos, antes de adquirir a Universal Pictures, a MCA era a mais poderosa as'ncia de talentos do ramo. Dois de seus clientes
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eram Marlon Brando e Montgomery Clift. Quando ambos estavam sendo desesperadamente Rquisitados para là dewe.s YenCidos, a MCA supostamente impôs seu craeote Dean Martin para o terceiro papel.do filme. F..mboraj' fosse um nome, ele alo era nem de longe o ator que os outros dois eram. Mas quem leva um, leva todos. Para ser justo, devo mencionar que ouara compenh:ia toma sua decisio de dar sinal verde para um filme estritamente com base no roteiro e no orçamento. Depois consegue os melhores astros que pode conseguir. No geral, ela freqOentemente é mais bem-sucedida do que o estúdio que aposta no astro, A decislo de optar pelos as1ros tem alguma validade porque a presença deles aumenta significativamente o valor dos direitos subsidiários jt mencionados. Mas por outro lado, o aumento do custo do filme é enorme quando mn grande astro está envolvido, e nãoapenasporcausadosalário.Umbomebemconhecidoatorcom quem trabalhe~ mas cujos filmes nunca foram espccialmet* bemsucedidos, pediu e recebeu beneficios que oneraram o orçamento em USS 320 mil. É muito dinheiro que olo vai aparecer na tela. O filme terá de faturar mais US$ 1.200.000 para pagar aqueles USS 320mil A conta é mais ou menos esta; O estúdio fica com USS 600 mil deste total, os donos dos cinemas ficam com os outros US$ 600 mil. Cópias e anúncios andam agora tlo.caros que muitas vezes custam tanto quanto o filme. Assim os US$ 600 mil do estúdio são cortados ao meio. Isto é que paga as limusines, a secretária, o cozinheiro, o trailer, o maquilador, o cabeleireiro, as roupas do pequeno astro. Com grandes astros os beneficios podem dobrar e triplicar. Sberry Lansing deu ao astro, ao diretor e ao produtor de .A firma um Mercedes-Benzparacadaum (o modelo de US$100mil) quando o filme se tomou um grande sucesso de bilheteria. O motivo alegado foi que ''eles todos tinham trabalhado muito". Tenho certeza de que trabalharam. Mas supostamente o salário de Tom Cruise foi de US$ 12 milhões e o de Sidney Pollack de USS 5 milhôes ou US$ 6 milhões. Nio sei quanto o produtor embolsou. mas _certamente todos parecem ter sido adequadamente pagos por
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seu trabalho. Se eu fosse um acíonista, ficaria furioso com o centésimo de centavo tirado dos meus dividendos. Menciono tudo isto porque os chefes de estúdios levam vidas muito confortáveis. Os salários variam deUS$ 1,5milhão a US$ 3 milhões por ano, mais opções de ações, e os beneficios são de primeira ordem: jatinho, suítes de luxo quando precisam ficar em hotéis, o Concorde para a Europa se o jatinho não está disponfvel, limosines e todas as outras coisas que parecem glamurosas quando lidas nas colunas sociais. Se, no início, a decisão deles de realizar um filme depende da disposição dos grandes astros de fazê-lo e se, terminado o íllme, todas as decisões acerca de revisão, distribuição e publicidade do mesmo filme são confiadas a grupos de pesquisa, em que consiste realmente a responsabilidade desses executivos? As decisões mais fundamentais foram tomadas JKI'O eles. Além do mais, até onde sei, nenhum chefe de estúdio morreu pobre. Mas muitonoteirisbt.s, atores e diretores morreram pobres, sim, inclusive D. W. Griffitb. Por causa dos direitos subsidiários e da prevista explosão do aluguel de filmes para a televislo por vinte e quatro horas;os filmes fazem parte agora da highway da informação, ao mesmo tempo multinaciooal e um importante trunfo empresarial da América. Sendo já um dos nossos produtos que mais geram divisas, os filmes têm um efeito radicalmente positivo sobre nossa balança de pagamentos. Eles hoje fazem parte da estrutura econômica do mundo. É de esperar que a necessidade de mais e mais filmes seja proveitosa para a produçlo independente e a realização de filmes destinados a públicos menores mas mesmo assim lucrativos. Já a produçlo inglesa de .filmes parece estar renascendo depois de mn perfodo em que se reduziu a quase nada. Mmha adorável lavanderia, Meu pé esquerdo, Em nome do pai, Retorno a Howards End, Vestfgios do dia, Henrique V tiveram todos excelentes receitas em relaçlo a seus custos, e além disso foram belos filmes. Miramax, Fine Line, Savoy, Gramercy sio novas companhias distribuidoras que estio tentando se estabelecer mediante financiamento e aquisição de direitos de distribuição de filmes de qualidade. Elas foram tio bem-sucedidas que em 1993 os grandes estúdios também se
j untaram na busca da grana de qualidade. Vestigios do dia foi um filme da Columbia;A lisi/J de Schiruiier da Unive~. Filadélfia foi da Tri-Star; Six Degree~ of Separation, MGM Em nome do pai foi distribuído pela Universal; A época da inocência foi fmaociado e distribuído pela Columbia. Suponho que essas tendências devem me fazer sentir otimistá. Mas na verdade não fazem. Já vi essas modas antes. Com um pequeno sucesso, as companhias menores tendem a querer se expandir. Isto significa que desejam ar seus filmes em maior número de cinemas. E isto quer dizer que terlo de procurar as grandes. A Miramax já fez acordo com a Buena Vista, que é de propriedade da Disney. Amedida que crescem, suas despesas de distribuição também aumentam. E nessa altura ainda serio capazes de apostar emAdeus minha concubindl Espero que sim. O histórico dos independentes não é encorajador.Há poucos anos, aDDL (Dino De Laurentis), Vestron, Lorimar, Corsair, Carolco e Cannon tentaram se estabelecer como companhias independentes de financiamento e/ou distribuição. Todas desapareceram ou foram absorvidas pelos grandes estúdios. A necessidade de mais filmes para abastecer a crescente necessidade da TV.a cabo está supostamente prometendo mais escolha, mais produção, mais espaço para novos talentos. Mas isso acontecerá algum dia? Acho que nlo. A erosão do poder das redes - ABC, CBS e NBC- provocada pelas novas companhias a cabo ainda nlo melhorou a qualidade da programaçlo em nenhum setor da televisão.·Apesar de alguns bons especiais na HBO e na Tumer Broadcasting. a qualidade geral da TV a cabo e da TV gratuita continua afundando cada vezmaiscomoum pé na lama. Quanto aos canais "culturais", quantas jaguatiricas lambendo as crias você pode ver numa semana? O logotipodaMGM, famoso pelo leio rugindo, também exibe o lema An Gratia Artis ("A Arte pela Artej. A ironia disso agora duplicou. Primeiro, a arte tinha de dar dinheiro. E agora tem de satisfazer ao National Researcb Group. Os filmes se tomaram uma parte vitalmente importante de imensos impérios financeiros. E parece que estatendência continu-
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ari a crescer. Assim, o que é que os filmes têm que compele o 'Iht! New York Timu a publicar a listados dez fi1mes de maior bilbetaia toda terça-feira? E agora o Daily News de Nova Yorle e o New York Pon a competirem para publicar amesmainformaçlo um dia an1e:s? Por que é que o festival de Caones em maio, que nada mais 6do que uma glorificada convençlo de vendas, obtém cobertura mundial de uma festa de duzentas e cinqQmta mil dólares mootada para Scbwarzeneggcr ou Stallone? Por que é que eu posso literalmente ar um ano inteiro indo a um festival por mas, começando em Nova Deli em janeiro e tenniDando em Havana em dezembro? Nlo s1o apenas as receitas. As fusOes que acontecem ao longo da "hlglrwayda informaçlo", ou Sonye Matsushitamonopolizandoo mercádo de software, representam impérios financeiros muito maiores do que o faturamento de cem milhões de dófares de um filme. Acho que é porque o cinema é a única forma de arte que usa pasOOJ para registrar algo que é literalmente maior do que a vída. Os discos nlo fazem isto, nem os livros nem qualquer forma de arte em que eu possa pensar. Atençlo para as palavras operantes: forma de arte. Finalmente os filmes slo uma arte. Acredito que nenhuma combinaçlo dos filmes de maior bilbeteria atrairia a atençlo que os filmes consoguem sem o trabalho de Mareei Camé, IGng Vidor, Federico Fellini, Luis Buflue~ Fred ZinDemann, Billy Wilder, Carl Dreyer, Jean-Luc Oodard, Robert AJtm~ David Lean, George Cukor, William Wellman, Preston Sturgcs, Yasujiro Ozu, Carol Reed, John Huston, Satyajit Ray, Orso11 Welles, Jean Reooir, Roberto Rossellini. John Ford, Wtlliam Wyler, Vrttorio De Sica, Martin Scorsese, lngmar Bergrnan, Akinl Kurosawa, Francis Ford Coppola, Blia Kazan, Michelangelo Antonioni, Jean Vigo, Frank . Capra, Bernardo Bertolucci, Emst Lubitsch, Buster Keaton, Steven Spielberg e tantos outros. Estas sio as pessoas que tomaram os filmes uma forma de arte, que levaram os ftlmes a uma pista de mão dupla. Ao mesmo tempo que Batman, o retomo fatura quarenta milhOes de dólares no fim de semana de seu lançamento, Mmha liida de cachorro leva quatrocentas e vinte pessoas a rir e chorar em um pequeno cinema. A quantidade de atenção dada ao cinema está
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diretamente relacionada com os ftlmes de qualidade. Os filmes que são obras de arte~ que criam esse interesse, mesmo que não figmem com muita freqilência na lista das dez maiores bilheterias. Meu trabalho é cuidar de - e ser responsável por - cada fotograma de cada filme que faço. Sei que no mundo inteiro há
jovens tomando dinheiro emprestado aos parentes e economizando a mesada para comprar suas primeiro cimera.s e fazer seus primeiros filmes estudantis, alguns sonhando com fama e dinheiro. Mas alguns sonham descobrir o que importa para eles, e dizer 11 si mesmos e a quem quiser ouvir: "Eu me interesso." Alguns deles querem fazer bons filmes.
FlLME S DIRIGIDOS POR SIDNEY LUMET
Filmes dirigidos por Sidney Lumet
Prince ofthe City (1981)- Prfncipe da cidade De.atJrtrap ( 19&2) - Armodülta mortJJJ The Jltrdict {19&2) - O wrediclo Dattid {1983)- Daniel Garbo Ta/b (1984) Po"Ner {I 985)- O! donos da poder The Moming A/ler ( J986) - A manh6 seguinte Rwrning on Empty ( 1988) - O peso de um pas1odo
I2 Angry Mm (1951) - Doze homens~ uma smtmça Stap Struclr. ( 1958) - Qwmdo o upetócvlo termina That Kind of'WOINZII (1959)- Mullwr doquela espécie TM Fut;tttv. Klnd {1960)- Jfidal ~mfoga A Jliewfrom the Bridge (1961)-Panoramavisto dapont~ Long Day '1 JOtl/7'ley lnto Nlght (1962)- Um longo dia de viagem denlro da noite Faü-Safo {1964)-Limitc de #glll'altÇa Tha Pawnhroú:T (1965)- O ltomat do prego rM Hül ( 196S) -A colina dolltofMIU perdido.f 11te Group (1966)- O grupo 1'M INodly Alfalr (1967) - Chmnado para 11111 morto 8ye ~ 81'tNe'1IIIZII (1961) - Grotesco despedida {na 1V) Tlte &t1pJJ ( 1961)- A gaiwJID (na 1V) Tlte Appo/lri1Mnl (1961)- o DtCOnti'O K.ing: A FIJ• RllconJ. .• M~ to Mem:phis (1968) (com Joseph L.
Famüy Business (l 989)- Neg6clos defamUia Q&A (1990)- Q&A - Sem Je~ WP1 justiça A Stranger Among Us ( 1992)- Uma estranha enue nós Guüty as Sin (1 993)- T4o culpado como o pecado
Mankiewicz)
The La.rt afiM Moblk Houltou(l910)- BnltaJi~Jotk dumfreadil 71te AntXnon Tapa ( 197 I) -O golpe de John Andenon Child's Play(tm) The Ojfou~ ( 1973)- AN o.r devsu m-am Serpko (1974) - Serplco LeNin ' Molly(l974) Mllr~ on lhe Or•ltl Expnu (1974)- Assassinato no Orilml~ Expruso Dog Day Ajt8nuxm (l!nS)- Um dia ri« clJo Networlr. (1976)- RIKk de lnlrlga.J • EqvJu (1971)- Eqw.r . TNt w.u (1978) - o .ufp:o ~ntuq~~«lvel .hut Ttúl,.. What Y011 'Wallt {1980)
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2DS
artemídlo
---·-···--·-····--·-------···--·-·-·····-·······---·----
Projeto de coleçoo: VIVIon W(tef Coordenoçoo edltoc1ol: José Lourenlo de Meto
o d1illlo selo, Melvyn Brau Clmlmtdo ffD chuva. Peta' WoUcn Dnls • o di.abo ffD tura do 1ol. Jost Carlos Avdlar
Rocco • #JLiinrldO$, Sam Robdie No Ulfi/JO das diliglncitU. Edward Buscombe UM~
Saulo Pereira de Mello
CidtJd4o Kmw. Laura Mulvey L 'Ata/QIW, Marlna Wamer O wuJgtco tJ. Oz. Salman Rushdie 0 Boulnard do criiM, JUI Forbes
Dt2t:ri.tJç4DG01'0fiiÜO. OocComparato
A 1fllliJvr • o cínetJttJ, E. Ano K.aplan A lillpagem dGs rowpas. Allson Lurie Por ikfllro do moda, or&. Shari
Benstoc:k/Suz:anne Ferriss .A fabrlcoç4o do imortal, Regina Abreu ú on Hinzmmt. o ntn~egador dtu·u trtltU,
Helena Salem
Abalando 01 on01 90 - Fwrlr. •lriplwp, org. Micael Herschmann
Fazmdoft/mu, Sidney Lwnct
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O piano. Jane Campioo e Kate Pullingcr
PuJp Ficlion, Quentin Tanmtino Qu.olro ctUtDftert/08 e um fr,IMrol. Riclwd Cwtis Aceto jütal, David Rabe Razdo e len8lbiUdadt, Emma
Thompson Grarrtk lwltl, Allison Andc:rs, AJo. xandre Roc:kweU. Robert Rodrl-
guez. Qucntin Tarantino Um drink no inferno, Quentin Tarant:ino Terra utrongdra.. Daniela Tbomasl Walter Sallcs/Marcos Bemstein Cãu tJ. alugu.J • Amot' à qwimaroupo. Quartin Tlll'lllltino
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