Texto 5 Comportamento Moral, ou como a Cooperação Pode Trabalhar a Favor de Nossos Genes Egoístas Maria Emília Yamamoto, Anuska Irene Alencar & André Luiz Ribeiro Lacerda
Ações de cooperação que envolvam custo para o indivíduo aparentemente são opostas à ideia de seleção natural. No entanto, se as entendermos como mecanismos através dos quais os indivíduos podem aumentar sua aptidão. O que chamamos de moralidade é uma consequência da prática frequente de reciprocidade. Qualquer sociedade requer um sistema moral, isto é, um conjunto de regras, acordadas formalmente ou não, sobre o que é permitido ou não, sobre as recompensas e punições a serem ministradas quando determinados atos acontecem e sobre o que é certo ou errado. A vida em sociedade por si só requer um mínimo de organização e colaboração, algumas normas de convivência, o que mostra que uma ordem social não é produto da criação das leis. Em algumas espécies de primatas, animais não-reprodutivos abrem mão temporariamente de sua reprodução para auxiliar no cuidado com filhotes recémnascidos. Essa ajuda tem vários custos, principalmente o de retardar a própria reprodução, mas esses custos são superados pelos benefícios que, neste caso, consistem de aprender habilidades que serão úteis no futuro e garantir proteção e disponibilidade de alimento ao permanecerem no grupo, cooperando. Em alguns casos, os benefícios dependem do retorno do favor prestado. É o chamado altruísmo recíproco. Para que este ocorra, são necessárias três condições: que o favor tenha um custe pequeno para o doador mas um grande benefício para o receptor; que os indivíduos envolvidos tenham probabilidade de se reencontrarem, para que o favor possa ser retribuído; e que haja uma capacidade de memória, o que implica numa capacidade cognitiva relativamente desenvolvida.
A História da Cooperação da Espécie Humana A espécie humana possui todas as condições necessárias para a ocorrência do altruísmo recíproco. Para compreender a cooperação de um ponto de vista evolutivo, é necessário analisar o modo de vida caçador-coletor, já que o ambiente de adaptação evolutiva da mente humana se deu nessa época. No ado, os homens viviam em grupos pequenos, nos quais a retribuição não era obrigatória, a não ser do ponto de
vista moral, que gerava uma obrigação de ajudar no futuro, quando necessário, o que tornou as sociedades humanas possíveis na história evolutiva. No entanto, com a agricultura e a domesticação de animais, veio o crescimento do tamanho das populações, que favoreceu o aparecimento de indivíduos que se aproveitavam do sistema cooperativo para ganhar benefícios sem retribuir, os chamados free-riders ou parasitas. Uma sociedade pode ar um certo número de free-riders, mas se esse número é ultraado, a manutenção desse benefício é inviabilizada. Em grupos pequenos, é difícil para um free-rider conseguir sucesso, pois neste caso ele seria facilmente identificado e punido, mas em grupos grandes ele pode obter muito sucesso por explorar diferentes agrupamentos, recebendo favores e no momento de retribuir, ar para outro agrupamento e repetir o processo. Os mecanismos desenvolvidos para lidar com os free-riders são apresentados a seguir.
A Cooperação com Parentes Um indivíduo tende a favorecer seus parentes genéticos, considerando que as características dos indivíduos reprodutores são adas adiante através dos genes. Essa transmissão pode ser direta, quando se investe na própria prole, ou indireta, quando o indivíduo não reproduz mas investe na sobrevivência e reprodução de outros indivíduos com quem tenham grau de parentesco. Desta forma, a transmissão de genes para a próxima geração pode se dar através de indivíduos que não são descendentes diretos, mas que partilhem genes através do parentesco. O sucesso reprodutivo de um indivíduo se dá pela soma de seus descendentes diretos (aptidão direta) e daqueles parentes que conseguiram sobreviver graças a essa indivíduo (aptidão indireta). A soma da aptidão direta com a indireta resulta na aptidão abrangente. No entanto, ajudar um parente só é vantajoso se os custos forem superados pelo aumento de aptidão do indivíduo que recebe a ajuda vezes o grau de parentesco, o que é representado pela equação rb> c, em que r é o coeficiente de parentesco entre os indivíduos, b é o benefício para o recipiente e c, o custo para o doador. Dados de estudos científicos comprovam que esse tipo de seleção opera entre os humanos. Crianças tendem a compartilhar seus alimentos com seus irmãos, independente da relação de amizade entre eles, em detrimento de colegas com quem não têm relação de parentesco. Assim, comprova-se que o parentesco é um fator importante na hora de partilhar algo que pode ser importante para a sobrevivência.
O Altruísmo Recíproco e a Teoria dos Jogos O altruísmo recíproco é o mecanismo pelo qual um indivíduo coopera com outro com a expectativa de retribuição desse fator. Para conseguir a retribuição, os atos cooperativos são dirigidos a parceiros específicos que tenham um histórico de confiabilidade e retribuição. Esse sistema é vulnerável à exploração, já que caso haja a ausência de retribuição, o benefício do receptor é muito aumentado, pois não assume os custos da devolução do favor. A teoria dos jogos consiste em uma abordagem matemática para a resolução de conflitos de interesses. A forma como estratégias são estabelecidas nos jogos podem ter grande utilidade para o estudo das trocas sociais. O jogo é um modelo teórico no qual estão contidas todas as possibilidades de decisão de cada jogador. Em teoria, um indivíduo preferirá uma ação a outra somente se a utilidade esperada para a primeira supere a da última, ou seja, avaliará os custos e os benefícios e optará pelos últimos. Em um jogo, cada jogador fará de tudo para maximizar os seus ganhos. Apesar dos exemplos mostrados no texto envolverem vários cálculos a respeito da confiabilidade dos outros e etc., esses cálculos não são necessários na prática, pois os indivíduos tomam as decisões que lhe trarão maiores benefícios intuitivamente.
A Reciprocidade Indireta É o que acontece quando a reciprocidade direta acontece na frente de um público interessado. Ajudar ou não alguém tem um impacto na imagem social de uma pessoa e em sua reputação. A cooperação do grupo é direcionada a membros reconhecidamente cooperativos. Desta forma, um doador ajuda um recipiente quando há uma alta probabilidade de o recipiente ajudar outros e a generosidade só poderia evoluir se levasse a benefícios de longo prazo. Um comportamento de doação a uma entidade que a princípio não ajuda ninguém do grupo funciona como um indicador honesto de confiabilidade social e atrai a cooperação.
O Círculo Virtuoso Uma vez que se identifica um parceiro confiável, este pode se tornar um parceiro frequente, levando à exclusão dos indivíduos egoístas dos jogos sociais. Desta forma, os virtuosos são virtuosos porque isso lhes possibilita somar forças com outros virtuosos em benefício de todos os virtuosos. Isso pode levar a um pensamento
semelhante ao de seleção de grupo, mas esta não pode funcionar, porque grupos humanos são fluidos, temporários e inconstantes, sendo assim uma base insegura para a seleção. Assim, grupos humanos não cumprem os requisitos necessários para haver a seleção de grupo. Fazer parte de um grupo de virtuosos é bom para o indivíduo, e é este interesse egoísta que mantém o grupo unido e cooperando. A mente humana possui mecanismos que regulam a cooperação intra-grupo e o conflito intergrupo, que, quando ativados, levam as pessoas a avaliar situações que envolvem grupos rivais (nós x eles) em favor dos grupos de permanência (nós). Um subconjunto desses mecanismos é especializado em detectar alianças e um subproduto dessa detecção são as categorias raciais e étnicas, que podem ser facilmente erradicadas. A seleção natural nos dotou de mecanismos psicológicos que nos permitem identificar rapidamente outros indivíduos como pertinentes ao nosso grupo, o que dirige nosso comportamento. Fortalecemos nosso grupo porque o fortalecimento do grupo nos beneficia.
A Vida Emocional de um Altruísta Nossas decisões relativas a trocas sociais são regidas pela emoção e não pela razão. A emoção está envolvida em nossos julgamentos morais, e situações de trocas sociais podem facilmente eliciar respostas emocionais, como culpa, indignação, gratidão e ressentimento, como se tivéssemos um senso de justiça embutido em nosso cérebro, preparado para reagir em situações em que percebe trapaça. Esse senso de justiça ativaria um sentimento punitivo em situações de ações coletivas para impedir que free-riders se aproveitem de vantagens adaptativas da ação coletiva de outros. Além disso, comprovou-se que a cooperação mútua está ligada a processos de recompensa. Nossa moralidade serve, na verdade, nossos interesses egoístas, pois a cooperação e as emoções envolvidas nas trocas sociais nos beneficiam no longo prazo através da retribuição. A moralidade é um meio através do qual os indivíduos tentam induzir o moralismo nos outros para seus próprios interesses.