Agradecimentos e Dedicatória
Agradeço à minha família pela realização deste sonho de ter vivido e estudado no Velho Mundo.
Dedico este trabalho a toda minha família e amigos, especialmente a minha avó Odyssea, a minha irmã Tatiana, sobrinhas Ana Beatriz, Juliana e Mariana, aos meus amados pais, Helair e Ana Maria, e àquelas que estiveram ao meu lado na concretização deste sonho, sob dura provação e severo sacrifício pessoal, proporcionando lições de amor e companheirismo, Juliana Valentina e Arthur. Minha eterna gratidão.
Apresentação
Esta obra é fruto da dissertação apresentada como requisito parcial para a conclusão do Mestrado em Sistemas Jurídicos Contemporâneos na Faculdade de Direito – Departamento de Estudos Jurídicos Latino-Americanos, da Università Degli Studi di Roma Tor Vergata. Durante a realização das pesquisas e da escrita estive sob a cuidadosa e profícua orientação do Prof. Dr. Riccardo Cardilli e do Prof. Dr. Bruno Sassani.
O Sistema de Precedentes Jurisdicionais é ainda um tema ainda recente no Brasil, pois a formalização legal surgiu com o Código de Processo Civil de 2015. O tema da presente dissertação é a apresentação do sistema brasileiro de precedentes jurisdicionais com o objetivo de propor a sistematização dos precedentes ministeriais, assim entendidos como aqueles produzidos pelo Ministério Público em decorrência da sua atuação funcional, principalmente na tutela coletiva.
Inicialmente foi apresentado o sistema jurídico do Direito Romano, pois é a origem remota dos sistemas jurídicos atuais, bem como explicitadas certas características da adoção de precedentes como reforço argumentativo na solução dos casos concretos. Foi imprescindível a realização, ainda que breve, de um esboço histórico do sistema jurídico do Direito Romano para que pudesse ser contextualizado com os sistemas jurídicos contemporâneos.
Os sistemas jurídicos contemporâneos foram apresentados em capítulo próprio, mas focado estritamente nas famílias de tradição jurídica da common law e civil law, suas influências recíprocas na formação dos demais sistemas e na teoria dos precedentes.
Na parte final do presente trabalho foi examinada a possibilidade da atuação do Ministério Público, mediante o uso dos instrumentos extrajudiciais e extraprocessuais da tutela coletiva, ser considerada como um precedente ministerial para a solução dos casos concretos, futuros e semelhantes sob a sua responsabilidade.
Foi a apresentada a necessidade da sistematização dos precedentes ministeriais como forma de conferir maior unidade institucional, principalmente em temas mais relevantes, com a necessária mitigação do princípio da independência funcional.
Conclui-se que os precedentes ministeriais devem ser considerados como orientações vinculantes e persuasivas, conforme o caso e o órgão de execução criador do mesmo.
Roma, verão de 2019.
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I – O sistema jurídico do direito romano e a teoria dos precedentes – origem remota
1. Considerações gerais sobre o direito romano e a irrefutável influência na formação dos demais sistemas jurídicos contemporâneos
2. Conceito romano de Direito (Ius) e a interface com os precedentes
2.1 Fontes do Direito Objetivo Romano
2.2 As fontes do direito romano – produção das regras jurídicas
3. O processo civil na experiência jurídica romana – origem remota do procedimentoe do processo
CAPÍTULO II – Sistemas de Precedentes Judiciais
1. A teoria (sistema) dos precedentes no direito comparado nos países de tradição jurídica da civil law e no direito brasileiro
1.1 Sistemas Jurídicos ou Sistemas de Direito
1.2 A origem e a evolução da tradição jurídica da civil law e suas fontes
1.3 A teoria e o sistema de precedentes e a sua aplicabilidade e harmonização nos países de tradição jurídica da civil law
1.4 A teoria (sistema) dos precedentes no direito comparado
1.4.1 Portugal
1.4.2 Itália
1.4.3 Alemanha
1.4.4 França
CAPÍTULO III – Sistema (teoria) dos Precedentes no Brasil
1. Considerações Gerais acerca da teoria geral dos precedentes
1.1 Precedente como fonte criativa de norma jurídica no Sistema Brasileiro de precedentes
1.2 Conceito de precedente
1.2.1 Decisão judicial, precedente jurisdicional, jurisprudência e súmula
1.2.2 Precedentes istrativos ou Não Jurisdicionais
1.2.3 Atuação funcional do Ministério Público como criadora de precedente
1.2.4 Precedente istrativo ou precedente decorrente de decisões istrativas
1.3 Pressupostos do precedente
1.4 Natureza jurídica do precedente
1.5 Norma do precedente: norma individual e norma geral
1.6 Dever jurídico de estabilidade, integridade e coerência
1.7 Composição do precedente
1.7.1 Ratio Decidendi ou holding
1.7.2 Obter dictum
1.8 Classificação dos precedentes:
1.8.1 Quanto ao conteúdo:
1.8.2 Quanto aos efeitos:
1.8.3 A eficácia do precedente não se confunde com coisa julgada material
1.8.4 Instrumentos de controle da eficácia vinculante do precedente
1.9 Técnicas aplicáveis aos precedentes
1.9.1.Técnica de confronto, interpretação e aplicação
1.9.2 Técnicas de superação
1.9.3 Overruling
1.9.4 Overriding/Modifying
1.9.5 Transformation
1.9.6 Reversal
1.10 Precedentes Vinculantes ou Obrigatórios no Código de Processo Civil de 2015 – análise do rol do art. 927:
1.11 Sistema cartesiano da vinculação dos precedentes – vinculação interna e externa
1.12 Graus de aderência não formais aos precedentes – superprecedentes e microprecedetes
1.13 Julgamento (resolução) de casos (demandas) repetitivo (a)s
1.13.1 Coletivização das demandas individuais
1.13.2 Direitos Repetitivos e Direitos Individuais Homogêneos
1.13.3 Intimação dos legitimados coletivos sobre a existência de demandas repetitivas
1.13.4 Julgamento de casos repetitivos e Incidente de Assunção de Competência
1.13.5 O alcance panprocessual do julgamento dos casos repetitivos
1.13.6 Características do Modelo dos Processo de Questões Repetitivas
1.14 Funções exercidas pelos Tribunais Superiores por intermédio do julgamento dos recursos na formação dos precedentes vinculantes
CAPÍTULO IV – Precedentes do Ministério Público
1. Precedentes decorrentes da atuação funcional direta do Ministério Público
1.1 Considerações gerais e apresentação do tema
1.2 Precedentes Ministeriais
1.3 Considerações sobre a atuação do Ministério Público e a possibilidade de formação de precedentes ministeriais
1.4 Pressupostos para que a atuação funcional do membro do Ministério Público seja considerada juridicamente como um precedente
1.5 Tipos de precedentes ministeriais
2. Princípio da obrigatoriedade da ação (tutela) coletiva
3. Instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais da tutela coletiva. Instrumentos jurídicos da Tutela Coletiva como formadores de precedentes
4. Inquérito Civil
4.1 Conceito e natureza jurídica
4.2 Características
4.3 Procedimento preparatório
4.4 Fases procedimentais do inquérito civil
4.5 Promoção de Arquivamento
4.6 Arquivamento istrativo x arquivamento institucional
4.7 Promoção de arquivamento: ato istrativo complexo ou composto?
4.8 Arquivamento e recurso voluntário
4.9 Atitudes que o órgão colegiado superior pode tomar no exercício do reexame necessário
5. Instrumentos de redução da litigiosidade
5.1 Introdução
5.2 Recomendação
5.2.1 Características
5.2.2 Destinatários
5.2.3 Procedimento
5.2.4 Efeitos e consequências da recomendação
5.3 Termo de Ajustamento de Conduta
5.3.1 Natureza jurídica do Termo de Ajustamento de Conduta
5.3.2 Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) extrajudicial e judicial
5.3.3 Legitimidade para figurar como tomador do TAC
5.3.4 Objeto do TAC
5.3.5 Procedimento do TAC
5.3.6 Efeitos da celebração do TAC
5.3.7 Instrumentos extrajudiciais afins ao Termo de Ajustamento de Conduta
5.3.7.1 Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental (art. 79-A da Lei 9.605/1998):
5.3.7.2 Acordo de Leniência
5.4 Acordo de não persecução cível
5.4.1 Legitimidade para a celebração do acordo de não persecução cível
5.4.2 Natureza jurídica do acordo de não persecução cível
5.4.3 Questões processuais decorrentes da celebração do acordo de não persecução cível
5.4.4 Institutos afins e potencial interseção
5.4.5 Procedimento para a celebração do acordo de não persecução cível
5.4.6 Requisitos para a celebração
CAPÍTULO V – Conclusão
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÍNDICE DAS FONTES
1. Fontes Jurídicas
A. FONTES PRÉ-JUSTINIANAS
B. CORPUS IURIS CIVILIS
C. OUTRAS FONTES
2. Fontes Literárias
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
PREFÁCIO
O autor deste livro, Fabricio Bastos, combativo membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Professor reconhecidamente competente e qualificado, concedeu-me a honra e alegria e prefaciar este seu livro, que se segue a outros já publicados, e que é fruto de sua dissertação de Mestrado na Università Degli Studi di Roma Tor Vergata.
Nada mais gratificante do que ter tido a primazia da leitura deste trabalho.
Fabricio Bastos trata, neste livro, de tema de relevância indiscutível para o sistema de prestação jurisdicional. Faz análise ampla sobre o sistema de padrões decisórios implantado pelo Código de Processo Civil de 2015, desde o histórico dos assim chamados precedentes judiciais, sua origem remota, sua aplicação nos ordenamentos jurídicos de civil law, assim como da teoria dos precedentes no Brasil.
Mais do que isso, trabalha com efetiva proposta de “absorção”, por assim dizer, dos métodos de formação dos precedentes jurisdicionais ao Ministério Público, mediante aquilo que chama de precedentes ministeriais, capazes de, devidamente sistematizados, “conferir maior unidade institucional, principalmente em temas mais relevantes, com a necessária mitigação do princípio da independência funcional”.
Logo ao início (Capítulo I) de seu bem estruturado e bem escrito texto, o autor trata da origem remota dos precedentes, indo ao direito romano e de lá trazendo
lições sobre aquilo que denomina, já em seu sumário, de sua “irrefutável influência na formação dos demais sistemas jurídicos contemporâneos”. Lá, estuda conceito e fontes do direito romano, assim como as noções primárias, de lá advindas, de processo e procedimento.
O capítulo II é destinado ao estudo do sistema de precedentes judiciais. Para tanto, Fabricio, trata desse sistema no direito estrangeiro, em país de civil law. a com grande mestria pela origem, evolução e fontes da tradição jurídica da civil law e, de modo absolutamente adequado, aborda a teoria e o sistema dos precedentes nesse sistema jurídico. É de rigor, por dever de absoluta fidelidade ao pensamento do autor, trazer para este prefácio trecho do item 1.3 desse Capítulo II.
Diz o autor: “A influência intercambiante e recíproca , e, ainda, horizontal , entre os institutos de tradição jurídica da civil law e do common law gera a necessidade de enfrentamento do seguinte tema: a adoção do sistema de precedentes no ordenamento jurídico brasileiro, notoriamente derivado da tradição jurídica da civil law, tem o condão de alterar a sua essência? Para que a indagação seja respondida de forma satisfatória, imprescindível fixar premissas conceituais distintivas dos dois modelos de tradição jurídica. Os traços distintivos podem ser apresentados da seguinte forma: a) posição de relevância da fonte formal do Direito; b) modelo de aplicação do Direito. No common law, o direito legislado ostenta viés secundário, pois a solução das contendas por meio do sistema de precedentes guarda maior relevância. Na civil law, ao reverso, o direito decorrente das normas jurídicas positivadas (denominada de lei escrita) por atividade legiferante, seja do Poder Executivo ou do Legislativo, tem posição preponderante sobre as demais fontes do Direito”.
O Capítulo III é destinado ao tratamento dos precedentes no direito brasileiro. Uma vez mais, como de resto em todo o livro, o texto é primoroso e calcado em adequada bibliografia.
Depois de tratar do precedente como “fonte criativa de norma jurídica”, o autor trata de seu conceito, diferencia o precedente da decisão judicial, de jurisprudência e de súmula, além de abordar também os chamados precedentes istrativos, ou de caráter não jurisdicional.
Em seguida, trata, ainda que apenas inicialmente, porque remete o leitor para capítulo próprio, da atuação funcional do Ministério Público, e sua competência para criar precedentes, nos limites de sua atuação institucional.
Ainda no Capítulo destinado ao tratamento do precedente judicial, o autor não se furta a tratar de temas absolutamente necessários para que se possa compreender, em profundidade, o sistema de precedentes. Assim, trata da composição do precedente (ratio decidendi ou holding e obter dictum) para, em seguida, trabalhar com a classificação quanto ao conteúdo e efeitos dos precedentes.
As técnicas de que se pode servir o aplicador para o manejo dos precedentes também são objeto de seu estudo.
Analisa o rol contido no art. 927 do C e trata, nos itens 1.11 e 1.12 do Capítulo III, de dois temas interessantes: o primeiro, é aquilo que denomina de “sistema cartesiano de vinculação de precedentes”, ao o que o segundo, se refere ao “graus de aderência não formais aos precedentes”. Com relação a este último ponto, discorre sobre os chamados superprecedentes: “Os denominados superprecedentes são aqueles que, em virtude da sua vinculação jurídica e cultural, geram, a rigor, regras e standards que orientam as futuras decisões com notório efeito pacificador de disputas e, portanto, são extremamente difíceis de sofrerem superação. A incorporação à cultura jurídica decorre, outrossim, pelo número de citações feitas em processos judiciais e trabalhos acadêmicos, bem como pelo tempo de “vigência”, pois, com isso, demonstra que a coletividade (finalidade exoprocessual do precedente) aceita e absorve a regra emanada. A
doutrina, capitaneada por Bernardo Gonçalves, sustenta que se os superprecedentes se aproximarem das denominadas metadecisões, pois fazem esforço para a produção de regras, princípios, standards, presunções e rotinas (modelo high), se tornam guias que tendem a desonerar o fardo de decisões posteriores (modelo low)”.
No item 1.13 expõe seu pensamento a respeito do incidente de resolução de demandas repetitivas, para, em seguida, tratar das funções dos Tribunais Superiores no julgamento dos recursos repetitivos.
O Capítulo IV trata exaustivamente dos precedentes do Ministério Público. Ao apresentar o tema, o autor pugna, de modo absolutamente desafiador, pela construção de uma teoria de precedentes internos do Ministério Público capaz de, em última análise, garantir segurança jurídica à sociedade.
Transcrevo: “O que se enfrenta hoje, na prática, é a adoção, pelos membros do Ministério Público, por meio dos seus órgãos de execução, de medidas sem qualquer apreço à estabilidade, coerência e integridade com atuações anteriores em casos semelhantes, conforme determina o art. 926 do C. Portanto, foi conferida ênfase na apresentação da teoria dos precedentes no sistema jurídico e seus efeitos. O principal objeto, por conseguinte, é encontrar substrato para a criação de uma sistemática funcional que privilegie a unidade institucional na utilização e aplicação dos instrumentos de redução da litigiosidade extrajudiciais e extraprocessuais, em detrimento da independência funcional. A principal questão a ser enfrentada, nesta temática, é a seguinte: a solução extrajudicial e extraprocessual adotada pelo Ministério Público para evitar ou reparar um dano à coletividade pode servir de precedente para orientar casos análogos, sob a responsabilidade de outro membro?”.
A lucidez com que Fabricio Bastos enfrenta essa complicada questão é elogiável. É igualmente digna de elogios a iniciativa de entregar este magnífico trabalho à comunidade jurídica.
Está de parabéns, portanto, o autor desta obra que certamente em muito contribuirá para que o ideal da segurança jurídica seja alcançado. E está de parabéns a Editora, por fazê-la chegar ao público leitor.
Agosto de 2020.
Luiz Rodrigues Wambier.
INTRODUÇÃO
O objeto da presente dissertação é apresentar o sistema brasileiro de precedentes, principalmente o sistema criado com o advento do Código de Processo Civil de 2015.
No Capítulo I, o foco será todo o esboço histórico do sistema jurídico romano, com a abordagem do Direito Romano, suas fontes, modelo de processo e jurisdição. Na abordagem dos referidos temas, é feita a necessária interface com o sistema de precedentes e a indicação da existência de precedentes à época.
Apresentarei, no Capítulo II, os sistemas jurídicos das tradições jurídicas da common law e da civil law com a devida comparação entre os países e a influência recíproca das regulamentações. Nesta ordem de ideias, serão abordadas as principais características das famílias do Direito e a aproximação da common law e de seus institutos.
Ater-me-ei, para fins de apresentação, aos principais países da tradição romanogermânica que geraram influências para a formação do sistema jurídico brasileiro, tais como Portugal, Itália, França e Alemanha.
Feita a apresentação dos sistemas de precedentes destes países, apresentarei, no Capítulo III, todo o sistema brasileiro com as conceituações dos institutos atrelados e os seus consectários, sem abandonar a necessária abordagem crítica e sugestiva.
Além dos precedentes jurisdicionais, assim compreendidos como aqueles decorrentes diretamente das decisões judiciais, serão conceituados os precedentes istrativos, ou seja, que não decorrem de processos judiciais. Serão apresentados os conceitos de precedentes istrativos e ministeriais.
Os precedentes ministeriais terão um capítulo próprio (Capítulo IV) no qual apresentarei um conceito criado por mim, mas sem a pretensão de definitividade e a necessidade de enfrentamento do tema.
O tema será desenvolvido a partir da visão pragmática, com a devida construção dogmática, da resolutividade necessária nos conflitos transindividuais. A partir desta visão, proporei a criação de uma sistemática institucional que, sem relegar a oblívio, consiga compatibilizar a independência funcional dos membros do Ministério Público com a segurança jurídica derivada da atuação dos órgãos de execução.
O que se enfrenta hoje, na prática, é a adoção de medidas, pelos membros do Ministério Público, sem qualquer apreço à estabilidade, coerência e integridade com atuações anteriores em casos semelhantes. Portanto, a área de interesse da pesquisa situa-se no Direito Processual Civil Coletivo, com ênfase na teoria dos precedentes e seus efeitos. O principal objeto da pesquisa será encontrar substrato para a criação de uma sistemática funcional que privilegie a unidade institucional na formulação de convenções extrajudiciais e extraprocessuais.
A principal indagação que servirá como orientação será a seguinte: a solução extrajudicial e extraprocessual adotada pelo Ministério Público para evitar ou reparar um dano à coletividade pode servir de precedente para orientar casos análogos, sob a responsabilidade de outro membro?
Considerando que a segurança jurídica é uma das principais garantias processuais em nosso ordenamento, e nos ordenamentos jurídicos de uma forma geral, todos os sujeitos processuais, com lastro na boa-fé objetiva (art. 5º, C) e no princípio da cooperação (art. 6º, C) deverão atuar em prol da melhor solução para o caso concreto, usando, quando existente, algum precedente como fonte.
Afirmo que o Ministério Público, enquanto um dos sujeitos do processo, não pode fugir à tal responsabilidade, até porque uma das suas precípuas funções é a defesa da ordem jurídica, conforme preconiza o art. 127 da Constituição da República. Com espeque nestas premissas básicas, é factível sustentar que os membros do Ministério Público, na forma do art. 926 do C, devem respeito às características dos precedentes, tais como coerência, integridade e estabilidade, inclusive quando forem istrativos, como nos casos das soluções extraprocessuais.
O objetivo geral da dissertação, portanto, é sedimentar um sistema no qual aplicam-se os institutos dos precedentes, até então adstritos ao plano judicial, ao plano istrativo (extrajudicial e extraprocessual). O objetivo específico será a proposição da criação de um sistema no qual a aplicação destes institutos, em prol da segurança jurídica e da unidade institucional, seja suficiente para revisitar e, quem sabe, mitigar os princípios da obrigatoriedade e da independência funcional dos membros do Ministério Público.
O referencial teórico utilizado para a apresentação da presente dissertação decorre dos estudos das obras e s, inclusive com a evolução de alguns escritos próprios, que versam sobre o sistema brasileiro de precedentes. A abordagem de tais obras sempre teve como premissa a possibilidade jurídica e a efetividade dos instrumentos para a correta solução do conflito.
Com base neste referencial, pretendo demonstrar a existência de um outro problema, que reputo mais complexo, que é o da possibilidade de vinculação do
Ministério Público aos instrumentos celebrados, ou seja, a possibilidade de determinado causador da lesão aos interesses transindividuais perquirir a aplicabilidade de determinado instrumento ao seu caso concreto.
O referencial teórico, por decorrência lógica, também tem como origem as obras sobre a temática da aplicabilidade em nosso ordenamento, de origem direta da civil law, do sistema de precedentes, de origem da common law, como já referido. Sustenta a necessidade imperiosa de sedimentar uma estrutura, segundo a qual os precedentes istrativos, decorrentes das soluções extrajudiciais propostas pelo Ministério Público, devem gerar, no mínimo, uma eficácia persuasiva para casos concretos análogos futuros.
Os temas que serão objeto da dissertação guardam extrema relevância institucional, pois há a necessidade de se buscar maior efetividade e resolutividade no manejo dos institutos e instrumentos da tutela coletiva, como forma de gerenciamento dos órgãos de execução e, principalmente, para lograr obter mais resultados concretos em prol da coletividade.
Ademais, há a necessidade de abordar, analisar e revisitar temas institucionais de grande envergadura, tais como unidade, independência funcional e princípio da obrigatoriedade da ação coletiva.
O princípio da unidade institucional será abordado para fins de estabelecer uma maior coerência, integridade e estabilidade na busca das soluções dos conflitos transindividuais. Tais características são comumente apontadas como bases para o estudo da teoria dos precedentes.
Pretendo demonstrar, ao longo da dissertação, uma sistemática na qual a atuação na tutela coletiva seja tratada como uma questão mais institucional do que do órgão de execução. Ao realizar tais abordagens, por decorrência lógica, irei
revisitar a possibilidade de a independência funcional ser reavaliada ou ratificada como forma de busca individual, e não institucional, para a solução dos conflitos já referidos.
O princípio da obrigatoriedade deverá ser analisado e revisitado sob a ótica da necessidade de mantê-lo dentro do sistema da tutela coletiva, partindo da premissa que ele efetivamente existe, ou se devemos substituí-lo pelo princípio da oportunidade, com o fomento dos métodos extraprocessuais e extrajudiciais. Com estas abordagens, procurarei sistematizar a possibilidade da adoção das soluções extraprocessuais na tutela coletiva e de vinculação, ainda que meramente persuasiva, do Ministério Público, e não somente o membro ou o órgão de execução, aos casos futuros.
CAPÍTULO I – O sistema jurídico do direito romano e a teoria dos precedentes – origem remota
1. Considerações gerais sobre o direito romano e a irrefutável influência na formação dos demais sistemas jurídicos contemporâneos
No presente capítulo, pretendo apresentar, ainda que de forma breve, devidamente dividindo as etapas históricas do Direito Romano, a origem remota dos precedentes. Demonstrarei que, assim como hoje se pretende com a sistematização dos precedentes, os romanos já se preocupavam com o ideal da justiça efetiva e a consequente segurança jurídica na resolução das questões apresentadas, principalmente quanto à uniformidade do Direito.
Para fins de apresentação, serão abordados o conceito de Direito Romano, os institutos que guardam relevância direta para o estudo dos precedentes, o modelo de justiça e os fatores que levaram à influência na formação dos demais sistemas jurídicos contemporâneos. As famílias jurídicas e as suas relações com a teoria dos precedentes, porém, serão apresentadas em capítulo próprio.
Com efeito, as etapas históricas que serão usadas como referências são: o período clássico e o pós-clássico.
O sistema jurídico do Direito Romano, derivado diretamente do Império Romano (que durou entre aproximadamente 753 a.C. e 565 d. C.), é, sem dúvida, a origem remota dos sistemas jurídicos contemporâneos. Pode-se afirmar, inclusive, que ainda é parte dos atuais sistemas jurídicos, seja por meio da influência direta na formação dos ordenamentos atuais ou por meio de institutos jurídicos. Portanto, é um sistema jurídico (há quem afirme ser o único) ainda vivo em nossa realidade.
Nesta senda, sobreleva a importância de apresentar o conceito de Direito Romano como o complexo de normas jurídicas vigentes em Roma até a codificação de Justiniano (no século VI d.C.).¹
Os institutos do direito romano são tão relevantes para a formação dos sistemas e das famílias jurídicas que é fácil identificar as suas influências em diversos países do globo terrestre, como naqueles da Europa ocidental, da América latina (ex-colônias europeias) e até mesmo nos países anglo-saxões.
A principal fonte de toda esta influência, mesmo após tantos séculos da queda do Império, deve-se ao sistema jurídico romano, muito avançado e erudito para o seu tempo, posto deveras efetivo para a solução dos conflitos e litígios e, principalmente, focado no ideal da obtenção da justiça efetiva. Tamanha eficácia sistêmica gerou uma verdadeira noção e, principalmente, sensação de justiça. Não se pode, por óbvio, ignorar a expansão territorial, derivada da superioridade bélica, como um fator também relevante para a influência, mas, de per si, não pode ostentar protagonismo, pois outros impérios existiram e não foram tão eficazes na influência na cultura jurídica. Este ponto de vista histórico é interessante, pois é comum ler comentários dos historiadores no sentido de que o Império Romano absorvia as culturas dos povos conquistados e isso foi fundamental para a sua evolução.
Este esboço histórico é fundamental para que possam ser contextualizados os sistemas jurídicos contemporâneos. Tendo em vista o objetivo da presente dissertação, serão apresentadas, de forma sintética, as influências remotas do sistema jurídico romano, mormente para a atual teoria dos precedentes.
O modelo de justiça criado pelo direito romano, lastreado na realidade e dinamicidade é, por assim dizer, uma origem do sistema de precedentes, principalmente para os países que seguem o modelo da família da civil law.
Tanto no modelo do direito romano, quanto no existente na civil law, a pedra fundamental é a busca da segurança jurídica e da igualdade.² Tanto isso é verdade, que parte da doutrina afirma que já existia um sistema de precedentes no direito romano quando a atividade jurisdicional era exercida pelo soberano (o Rei),³ com o auxílio Colégio de Pontifícios.
Uma das principais características do sistema atual de precedentes é a regulação (ainda que não vinculante) dos casos concretos futuros com base em decisões anteriores. Ora, tal dinâmica já existia à época, pois o ius civile era formado pelos costumes concretizados a partir da sentença do Rei, gerando, a rigor, um método de casos concretos no ordenamento jurídico. Não se afirma, com isso, que à época vigia a mesma sistemática, mas sim a mesma premissa.
No período da república (período clássico), a atividade jurisdicional era exercida pela magistratura (Pretores e juízes), composta por cidadãos privados.⁴
Neste contexto evolutivo, que ora apresento, vale mencionar a interpretação dos juristas como uma das etapas mais importantes para ser compreendido o próprio Direito Romano. Com efeito, o ius civile começa a ter um novo formato, tendo como conteúdo não só a interpretação dos juristas, como as normas de origem costumeira e a Lei das XII tábuas.
Nesta etapa (período clássico), portanto, começa a ser desenhada a sistemática dos precedentes como atualmente são conhecidos, pois os juristas que interpretavam as normas, aplicavam os princípios jurídicos como forma de resolução dos casos concretos, mas fixavam, também, standards para os demais e futuros casos. Com isso, pode ser afirmada uma mudança de perspectiva no direito romano, porque a a ser um direito com nítido viés jurisprudencial (decisões proferidas pelos magistrados), para a solução dos casos concretos. Interessante mencionar que para a formação da unidade do direito, o
entendimento do jurista era extremamente relevante. Exatamente neste período clássico surgem as sentenças do denominado processo formular (res iudicatae).
Em outros termos, a atividade jurisdicional, mormente por meio da atuação dos Pretores (verdadeiros magistrados), com a edição dos Editos, cuja atribuição do proferimento das sentenças judiciais era inconteste.
As sentenças do processo formular, bem como os Editos, em minha opinião, podem ser considerados como fontes do Direito, em virtude dos seus efeitos normativos, principalmente para solucionar temas não regulamentados no ius civile⁵. Tal efeito é ainda mais nítido quando se verifica que o Edito, de forma intrínseca, continha a “promessa” de utilização da mesma solução para os casos concretos futuros semelhantes decorrentes de casos antecedentes. Trata-se de mais um ponto de contato com o atual sistema de precedentes.
Um dos principais problemas decorrentes da adoção desta sistemática no direito romano foi a dificuldade de inovação, quiçá, renovação do ordenamento, pois a liberdade criativa dos magistrados (atualmente chamada de ativismo) foi aos poucos se perdendo e este pretenso engessamento⁷ gerou o paulatino abandono do processo formular.
Após o fim da República (período pós-clássico) e o advento do denominado Principado (centralização do poder nas mãos do soberano), as Constituições Imperiais, uma nova fonte do Direito, ganham relevância. O Estado a a ter um papel ainda mais ativo na edição das normas jurídicas (fontes diretas do Direito), por meio dos Editos, Decretos e Senatus Consultum. O ordenamento jurídico a a ser regido, desta forma, com as seguintes fontes⁸: respostas dos juristas e as constituições imperiais . Vale mencionar que a atuação dos juristas, nesta etapa histórica, fica adstrita à interpretação das obras dos jurisconsultos. Apesar desta limitação, a sua atuação, que decorria do poder do soberano, ostentava uma eficácia vinculante para os magistrados. Esta vinculação era efetivamente formal (ius respondendi ex auctoritate principis)¹ .
Ainda nesta etapa histórica, durante o império de Justiniano (fase justinianeia), foi realizada uma codificação com o fim de compilar todas as regras jurídicas, denominada Corpus Iuris Civilis, que demonstra toda a grandeza cultural e jurídica do império romano, que continha o Código Justinianeu, Digesto, Institutas e Novellae.
Mesmo diante desta compilação, não foi abandonada a concepção da uniformidade do direito e a segurança jurídica. Nesta toada, portanto, não pode ser afirmado, de forma peremptória, o abandono dos precedentes como instrumentos para a solução dos conflitos.
Apesar desta afirmação, há uma previsão em sentido diverso encontrada no C. 7,45,13¹¹, que afasta a observância de um precedente como fonte para a solução de conflito e restringe somente à lei, mas, em uma visão sistêmica, mantenho a afirmação anterior, pois havia referência expressa à jurisprudência uniforme (res perpetuo similiter iudicatae). Assim, forçoso concluir que somente os precedentes violadores das normas jurídicas (leis de forma geral) não deveriam ser observados, pois aos magistrados cabia a sua interpretação¹².
Interessante notar que a compilação, ainda sob o pálio da visão sistêmica por mim proposta em outra agem, faz referência expressa à eficácia vinculante das sentenças imperiais¹³ que, portanto, poderiam ter força normativa e prospectiva (assim compreendida como a necessidade de observância para casos futuros análogos).¹⁴ Para fins meramente ilustrativos, destaco o C. 1, 14,12¹⁵.
A influência do Direito Romano nos sistemas jurídicos contemporâneos é tão evidente que à época já havia uma diferenciação entre o precedente (decisão/interpretação) criativo (constitutivo) e o precedente (decisão/interpretação) interpretativo (declarativo). Um dos mais complexos temas na formação das decisões judiciais é justamente o limite da atividade
criativa do magistrado na resolução dos casos concretos.
Diante da análise da compilação das regras jurídicas, nota-se a presença de duas formas de interpretação, quais sejam: inovativas (que corresponde ao precedente criativo) e as explicativas (que corresponde ao precedente declarativo). Não há, com isso, qualquer restrição à atividade interpretativa do magistrado, posto natural em qualquer hipótese, mormente nos casos de dubiedade e casos substancialmente novos. ¹ Porém, havia uma divisão importante, sob o ponto de vista do exercício da função interpretativa.¹⁷ A interpretação criativa ou inovativa era exclusiva do Imperador, por evidente, enquanto a meramente interpretativa poderia ser exercida pelo mesmo ou por qualquer outro magistrado¹⁸.
A guisa de conclusão, os precedentes possuíam grande relevância na solução de casos concretos, principalmente quando o viés era a segurança jurídica e a uniformidade do Direito, valores muito caros. Além desta relevância, nota-se a existência de eficácia vinculante das sentenças imperiais, mas não para as jurisdicionais. A existência da possibilidade de observância dos precedentes não afasta a imperiosa necessidade da atividade interpretativa dos magistrados.
2. Conceito romano de Direito (Ius) e a interface com os precedentes
A erudição do sistema jurídico romano, já referida no presente trabalho, é tão evidente que o conceito (quase sempre polissêmico) de Direito foi apresentado de forma deveras simples. Até porque a simplicidade é uma das características da genialidade.
O Ius¹ nada mais é do que, na acepção literal do termo em latim, Direito. Mas, evidentemente, o que vem a ser o seu conceito? O que efetivamente é o Direito? Apesar da notória polissemia do termo, foi apresentada por Celso uma definição tão simples e, ao mesmo tempo, tão brilhante, que até o presente é reproduzida nas obras doutrinárias. O Direito é a arte do bom e do justo (Ius est ars boni et aequi).
O principal desafio, portanto, além de contextualizar o referido conceito é realizar a sua interface com o precedente. Posso considerar um precedente como sendo uma expressão do Direito com base neste conceito?
A doutrina, como em diversas outras ocasiões, não consegue atingir uma convergência sobre a exata interpretação do conceito de Direito.² Os conceitos atuais, sobre o tema, não possuem a singeleza e a fineza do conceito de Celso, pois ele teve a elegância de resumi-lo com um viés claro de justiça. Ele entendeu claramente que o conceito não pode estar atrelado diretamente à ciência jurídica, mas ao estrito senso filosófico que exorta a necessidade de ser bom e justo como um prêmio e não com o temor de ser punido por eventual violação de uma norma.
Portanto, a arte (que não tem relação exata com o artístico, mas com dinamicidade e realidade humana) de ser bom e justo (busca da igualdade substancial), denota a necessária aplicação de um dinamismo derivado diretamente das relações sociais (evolução cultural das sociedades, etc.) e antagonismo evidente à estática clássica das normas jurídicas (modelo normativo-legalista).²¹ A visão romanista do direito como um fenômeno dinâmico é muito importante para se compreender a atual crise do parlamento (morosidade na regulamentação de determinados temas sociais), pois a evolução legislativa é sempre muito mais lenta do que a evolução dos julgados (precedentes). Vale mencionar, e será aprofundado no capítulo próprio, que os precedentes não geram uma rigidez absoluta (engessamento) no ordenamento, pois há a possibilidade de revisão e de superação, conforme a situação concreta apresentada, mas notoriamente mais simples do que aguardar um moroso procedimento legislativo.
Esta simples definição de Celso pode ser, inclusive, aplicada no sistema de precedentes, pois um dos seus pilares é justamente possibilitar uma solução justa para os conflitos de interesses apresentados, sob o viés, claro, da segurança jurídica. Ora, com a adoção do sistema de precedentes haverá uma maior previsibilidade dos resultados gerando, por via de consequência, uma legítima expectativa dos jurisdicionados (segurança jurídica nas relações sociais).
2.1 Fontes do Direito Objetivo Romano
O conceito de direito objetivo do direito romano supra apresentado não é a única forma de se realizar a interface com o sistema de precedentes. Para que toda esta apresentação possa ser completa, apesar de não possuir a pretensão de esgotamento, devem ser apresentadas as fontes do direito objetivo, quais sejam: ius civile, ius honorarium/praetorium e ius extraordinarium.²²
O Ius civile²³ era formado pelas leis (legibus), plebiscitos (plebis scitis), senatus consulti, decretos imperiais (decretis principum), respostas dos jurisconsultos (auctoritate prudentium venit) e costumes²⁴. Conforme verificado, por evidências históricas, o ius civile era somente aplicável aos cidadãos romanos. Esta aplicabilidade restrita, ao longo do tempo e da expansão territorial do império, ou a gerar um problema para fins de segurança jurídica, pois houve um exponencial crescimento populacional com pessoas vindas de diversas regiões do planeta, então conhecido.²⁵
Diante da necessidade de manutenção da uniformidade do Direito no território do Império, mormente para evitar conflitos internos, surge o ius honorarium (praetorium).² A formação do ius honorarium estava à cargo dos magistrados²⁷ que exerciam as funções jurisdicionais, por meio do voto popular, com escolha anual. Dentre estas funções, destacavam-se: i) regular as relações entre os cidadãos romanos e os chamados estrangeiros; ii) regular as relações entre os estrangeiros; iii) desenvolver o ius civile na perspectiva de disseminá-lo para facilitar a sua compreensão; iv) elaboração dos Editos (verdadeiras fontes do Direito); v) exercer a issibilidade de uma ação (perspectiva meramente jurisdicional) com a delimitação (individualização) do caso concreto para o magistrado; vi) aplicação do processo formular²⁸ e vii) proibição da criação do Direito (atividade criativa). Sob um viés meramente estratégico, posso destacar mais uma demonstração da enorme cultura jurídica dos romanos, pois por meio
do ius honorarium foi disseminada pelo Império a noção de sistema jurídico e uniformidade que perdura até os dias atuais, sem mencionar que as relações internacionais, sociais, políticas, culturais e econômicas foram ainda mais facilitadas. Posso ser ousado, mas afirmo que foi a origem remota do que hoje se entende por Direito Internacional.
O Ius extraordinarum (nòvum),² por sua vez, tinha como fonte primordial e direta a atividade jurisdicional exercida pelo Imperador ou por seus asseclas, diretamente por si nomeados e que substituíram os magistrados no exercício da referida função. Esta fonte derivava das constituições imperiais e retiraram qualquer atividade criativa decorrente da atividade jurisdicional, pois concentrava poder em demasia nas mãos do soberano que, ao longo do tempo, gerou o fim da atuação dos pretores. Os juristas, apesar da intensa atuação do Imperador, também ostentavam uma participação importante, na medida em que que expunham as suas conclusões (autorictas) obtidas por meio do ius respondum.
Percebe-se, com isso, que havia, ainda que de maneira diversa da concepção atual, um respeito e observância de precedentes, como um instrumento de conformação e de uniformidade do Direito.
2.2 As fontes do direito romano – produção das regras jurídicas
No tópico anterior, apresentei as fontes do direito objetivo no sistema jurídico romano. No presente, apresentarei as fontes do direito romano que tinham o condão de produzir regras jurídicas e, neste contexto, fazer a necessária interface com o sistema de precedentes.
De início, ressalto que as fontes do direito sofreram alteração de classificação e importância, conforme o período histórico e cultural vivenciado à época.³ Assim, as abordarei com a devida indicação histórica.
Nada obstante, posso enumerar as fontes do direito romano da seguinte forma: a) costumes; b) leis (com concepções diferentes ao longo do tempo); c) editos dos pretores; d) jurisprudência; e) leis comiciais; f) edito dos magistrados; g) senatusconsultos; h) constituições imperiais e i) resposta dos jurisconsultos.
A mesma abordagem das fontes do direito é necessária para a apresentação dos sistemas jurídicos contemporâneos, pois são indicativas de como o sistema é aplicado. De todo modo, qualquer que seja o sistema (tradição jurídica) jurídico adotado, as fontes possuem sempre a função de regulamentar as condutas sociais e até mesmo limitar o arbítrio estatal, pois contém o seu necessário balizamento.
Em uma apertada síntese, por exemplo, posso apresentar a importância da análise das fontes para a indicação de qual sistema jurídico é adotado. No sistema jurídico islâmico, com forte influência religiosa, o alcorão é a principal fonte do direito. Nos sistemas jurídicos de tradição romano-germânica (civil
law), a lei é a principal fonte do direito, enquanto que na tradição jurídica da common law, a fonte primordial é o costume em cotejo com os precedentes. As características de cada um destes sistemas, no entanto, serão melhor desenvolvidas em capítulo próprio.
Feito o introito, o a abordar as fontes do direito romano com a devida individualização no plano histórico.
Os costumes³¹, na fase da realeza, durante a formação das civitas, eram considerados como a principal fonte do direito e eram concretizados por meio das sentenças reais, assim compreendidas como aquelas emanadas dos Reis. Os costumes eram condutas corriqueiramente aplicadas e transmitidas para as novas gerações.³²
Durante a fase republicana, além da anutenção dos costumes³³ como fontes do direito, podem ser indicadas as seguintes outras fontes: as leis, os editos dos pretores e a jurisprudência.
As leis, assim compreendidas como normas gerais e abstratas que regulam as condutas sociais, aram a ser fontes do direito com o advento da república. Existiam duas formas de exteriorizar uma lei, de acordo com origem e trâmites diversos³⁴: lex rogata³⁵ e lex data³ .
Os Editos dos Pretores³⁷, que eram publicados anualmente com as propostas dos magistrados, então eleitos, continham as regulações necessárias para que fossem exercidas as tutelas jurisdicionais. ³⁸
Os editos poderiam ser: i) edictum perpetum³ ; ii) edictum repentinum⁴ . Vale
mencionar a necessária vinculação dos pretores àquilo que constavam nos editos em uma clara demonstração da necessidade de obtenção da segurança jurídica.
A próxima fonte a ser abordada é a jurisprudência. De início, já vale fazer a seguinte indagação: a jurisprudência na experiência jurídica romana – posso considerar um precedente jurisdicional? Como será visto em capítulo próprio, não existe uma diferença qualitativa entre o que se considera um precedente e a jurisprudência. A diferença, a rigor, é quantitativa, ou seja, a jurisprudência decorre de inúmeras decisões judiciais proferidas no mesmo sentido.
Voltando ao tema do presente tópico, qual seria o conceito de jurisprudência na experiência jurídica romana?
É possível afirmar que se trata de um conceito que foi sendo alterado ao longo do tempo, cuja nomenclatura foi empregada em diferentes circunstâncias históricas e culturais. Restringindo o conceito somente na experiência jurídica romana, que obviamente é diverso do atual, ⁴¹ abordarei, com espeque na doutrina, as formas de conceituação do instituto.
A jurisprudência na experiência jurídica romana nada mais é, em apertada síntese, que manifestações expressas pelos jurisconsultos. Da sua etimologia, cuja origem latina é iurisprudentia, pode-se afirmar que a jurisprudência é a ciência (prudentia) do direito (ius).⁴²
A atuação dos jurisconsultos não estava atrelada à busca da verdade real (ideal) decorrente dos fatos, mas sim à enunciação das normas jurídicas para a solução dos casos concretos postos em análise. É possível até afirmar que eles presumiam ser verdade a afirmação sobre os fatos apresentada pelas partes da relação processual, mas isso não era realmente relevante.⁴³
E isso é fundamental para que se entenda a função da jurisprudência neste contexto histórico. Não havia o julgamento efetivo da causa, mas somente o fornecimento de pareceres. Não podem ser confundidas as funções decorrentes da atuação dos jurisconsultos daqueles que efetivamente proferiam os julgamentos (iudicium e iurisdictio).⁴⁴
Vale mencionar, também, que os jurisconsultos romanos não estavam adstritos a um sistema fechado de normas jurídicas⁴⁵ que restringiam a liberdade de atuação, tendo isto sido primordial para a criação de novos institutos jurídicos, alguns até hoje empregados.
Não se pode, com isso, concluir que os casos concretos não tinham relevância para a formação da jurisprudência, pois os pareceres dos jurisconsultos decorriam da análise dos casos concretos para a aplicação do direito, com o fito precípuo de efetivar a justiça. Inegável, neste aspecto, que é uma das bases nas quais se funda a teoria dos precedentes.⁴ Inclusive, havia a fixação de verdadeiros standards para a solução dos demais casos que eventualmente pudessem surgir.
Na fase histórica denominada de Principado⁴⁷, nota-se um incremento no número de fontes do direito, sem embargo da manutenção das anteriores, tais como os costumes e as leis. As fontes do direito, nesta etapa, são as seguintes: costumes, leis comiciais, edito dos magistrados, senatusconsultos, constituições imperiais e resposta dos jurisconsultos.
Os costumes mantiveram a mesma acepção, mas com a condição temporal mais relevante que outrora, ou seja, dependia de ainda mais tempo de uso, mas foi paulatinamente perdendo a relevância quando aram a ser inseridos nos Editos e, com isso, começaram a ser formalizados em textos expressos.
As Leis Comiciais, como o próprio nome faz supor, eram elaboradas pelos comícios, mas não ostentavam diferenças conceituais e práticas das leis anteriores.
Os Editos dos magistrados ostentavam as mesmas funções dos editos anteriores, mas as circunstâncias históricas desta etapa merecem uma abordagem, ainda que simples e objetiva. Posso apontar as seguintes situações que geraram uma certa paralisação na edição dos Editos, com o perdão do truísmo: i) posição subalterna dos Pretores ante o Soberano; ii) os Editos aram a repetir o teor dos anteriores e, por conseguinte, perderam um pouco da relevância; iii) em dado momento histórico, criou uma redação definitiva e que somente permitia a criação de novas regras por determinação do Soberano ou do Senado. Com o tempo, por causa destas características, o instrumento deixou de ser empregado.
O Senatusconsultos, como o próprio nome indica, era um ato emanado diretamente do Senado que durante o período republicano não ostentava a qualificação jurídica de fonte do direito. Tal natureza somente surgiu pela conjugação de dois fatores que reforçam a relevância da abordagem histórica: o declínio dos comícios e a percepção do Soberano de que não seria interessante usurpar as funções do Senado. No entanto, sob o Império de Adriano, este instituto, quando a proposição vinha diretamente do Imperador, dependia da aprovação por aclamação, ou seja, era uma forma enviesada de exercer a função legislativa e uma verdadeira origem remota para o que hoje conhecemos como processo legislativo.
As Constituições Imperiais, por seu turno, eram os atos praticados pelo soberano e consistia em verdadeira atividade legiferante e, por isso, qualificada juridicamente como uma das fontes do direito, principalmente quando continha alguma novidade. Interessante notar que as constituições imperiais poderiam conter normas gerais (edicta e mandata) ou normas casuísticas para a resolução dos casos concretos (epistulae, rescripta e decreta).
As Respostas dos Jurisconsultos (responsa prudentium), também consideradas como fontes do direito, eram, na origem, manifestações proferidas pelos Pontífices. Esta característica de exclusividade foi abandonada e os novos jurisconsultos, portanto, seriam os experts no direito. As manifestações dos jurisconsultos ostentavam a chamada autorictas (ius respondendi ex auctoritate principis). Duas características, atreladas às circunstâncias históricas merecem destaque: i) o Imperador Augusto conferiu certa hierarquia valorativa para a autorictas, ou seja, alguns jurisconsultos ostentavam maior “autoridade” que os demais; ii) Com o Imperador Adriano, as manifestações poderiam ser derivadas de algum caso concreto ou emanadas de uma forma geral, mas com certa vinculação dos juízes às decisões. Fácil perceber, portanto, mais um viés típico da adoção do sistema de precedentes.
Na etapa histórica conhecida como Dominato, a experiência jurídica romana a por uma monarquia absolutista e, com isso, alguns institutos jurídicos caem em desuso, tais como os costumes e a jurisprudência. Os jurisconsultos, inclusive, não ostentavam mais o prestígio do período anterior, o que, naturalmente, gerou uma crise na formação de grandes juristas.⁴⁸
A fonte primordial deste período, quiçá única, era formada pelas constituições imperiais, cujo conceito e características permane- ceram os mesmos.
Um dado histórico de fundamental importância foi a criação, nesta fase, do Corpus Iuris Civilis, que nada mais é do que a codificação das normas jurídicas existentes. Outro dado interessante e de extrema relevância para a presente dissertação, é a possibilidade das sentenças jurisdicionais serem consideradas como vetores para a solução de casos futuros, inclusive com eficácia vinculante.⁴
3. O processo civil na experiência jurídica romana – origem remota do procedimentoe do processo
O sistema de precedentes, apesar de não ser de aplicação exclusiva no Direito Processual Civil, guarda particular relevância na presente dissertação, considerando que restringi o aspecto primordial na atuação na seara cível. Assim, forçoso abordar, ainda que somente sob uma perspectiva histórica, o processo civil na experiência jurídica romana.
Considerando, ainda, a linha de pesquisa adotada (Direito Romano e Sistemas Jurídicos Contemporâneos), ficarei adstrito, nesta senda, somente à experiência romana.
Ao longo da experiência processual e procedimental romana, destacam-se três modelos⁵ : legis actiones, processo formular e cognitiones extra ordinem.⁵¹
Estes modelos, a rigor, apresentavam o direito de ação, bem como a necessidade da observância de algumas regras para o seu correto exercício. Para todo o direito correspondia uma ação que o assegurava, ou seja, uma concepção na qual o direito material estava completamente vinculado à ação. Caso a ação não fosse exercida da forma correta, assim compreendida como a obrigatoriedade de observar as regras formais do procedimento, não haveria a garantia do direito material, ainda que houvesse sido efetivamente violado. Não havia, ainda, a ideia de um processo, como temos atualmente, mas de ação somente. Basta lembrar que somente no século XIX começa a doutrina a sustentar a necessidade de reconhecer a autonomia do direito processual ante o direito material. De certa forma, este era o modelo da legis actiones, com as características da oralidade e do extremo apego aos formalismos e regras rituais.
Interessante notar que, apesar de não existir nenhuma regra expressa no sentido da obrigatoriedade de observância de precedentes, pode-se afirmar, com o risco de pecar pela ousadia, de que havia uma legítima expectativa de que as regras formais, quando inobservadas em casos concretos diversos, deveriam acarretar o mesmo resultado jurídico, qual seja: a negativa da tutela jurisdicional. Ora, ainda que se argumente que não havia uma sistematização formal, a simples criação da legítima confiança no mesmo resultado pode ser interpretado como um respeito à uniformidade do Direito, que é a principal base de qualquer sistema de precedentes.
Diante deste excessivo formalismo e da necessidade de regular cada vez mais as relações, principalmente da crescente expansão do império e da massificação dos conflitos, este modelo a a ser paulatinamente abandonado.
Diante deste quadro, surge o que se denominava de processo formular⁵², cuja norma que lhe concede força é a Lei Aebutia, mas somente se torna obrigatório com a publicação da Lei Iulia Iudiciariae.
No modelo do processo formular, a figura do Pretor Urbano tem relevância extrema, pois tinha a incumbência de colocar as ações cíveis no Edito e na Formula e, assim, tutelar os fatos regulados pelo ius civile. Este espaço para a atuação surgiu em virtude da ausência de normas expressas regulamentadoras.
O processo formular⁵³ era tão interessante que possuía uma divisão em fases que hoje seriam conhecidas como procedimento ou rito. ⁵⁴
O processo começava com a denominada introdução da instância, na qual o autor tinha o ônus de apresentar o réu, parte contrária, ao magistrado.
Dependendo da postura do réu, poderia ser forçado a comparecer.
Em um segundo momento procedimental, digamos assim, chamada de In Iure, o autor e o réu ficavam na presença do magistrado/pretor, mas poderiam se fazer representar. Neste momento, o autor apresentava, sem grandes formalidades (oralmente), o seu pedido (postulatio). Após, o réu tinha a oportunidade de se manifestar para efetivar o contraditório. O réu poderia quedar-se inerte e revel (indefesus), reconhecer a procedência da postulação (confessio iure) ou apresentar uma contestação. Após a instalação do contraditório, poderiam ocorrer os seguintes fatos: i) issão da actio; ii) inissão da actio; iii) confecção da fórmula pelo Autor com auxílio de um jurisconsulto e baseado, na maioria das vezes, nos Editos existentes; iv) litiscontestatio, que nada mais era do que a exteriorização do acordo entre as partes (natureza contratual) que submetiam ao juiz, desde que vinculados à fórmula.
O terceiro momento procedimental, denominado de Apud Iudicem, era destinado, com a obrigatoriedade de, na presença de um árbitro ou de um juiz popular, a analisar o caso concreto, observar a fórmula apresentada e acordada, por meio de verdadeira fase instrutória com a permissão de debates⁵⁵, já itido com o necessário julgamento. O julgamento era exteriorizado por meio do proferimento de uma sentença (res iudicatae), que poderia ser acobertada pela coisa julgada. Caso o seu teor não fosse observado, poderia ensejar a execução (actio iudicati). Apresentada a ideia do processo formular, resta saber se há alguma interface com o sistema de precedentes. A doutrina costuma afirmar que as decisões (sentenças) anteriores, portanto precedentes, poderiam ser utilizadas como reforço argumentativo na solução do caso concreto.⁵
O terceiro modelo de processo surgiu no período pós-clássico e foi chamado de cognitiones extra ordinem.⁵⁷ Como todo esboço histórico, um modelo mais novo sempre tem o condão de aperfeiçoar e abandonar pontos do anterior. Neste contexto, este modelo possuía as seguintes características: i) existência de apenas uma instância (o processo fluía perante um único magistrado); ii) possibilidade de interposição de recurso para o Imperador; iii) possibilidade de
início do processo ex officio, com a determinação judicial de comparecimento das partes⁵⁸; iv) possibilidade de julgamento do caso concreto sem a presença efetiva das partes; v) inexistência da fórmula e do iudex.
Ante as características deste modelo, forçoso concluir, em que pese ser bem mais célere que o anterior, há uma maior dificuldade de se reconhecer a aplicabilidade do sistema de precedentes.
Impende destacar a feição da função jurisdicional no sistema jurídico romano. A concepção romana de jurisdição era deveras diversa da atual e, para conseguir apresentá-la, farei um breve esboço histórico com o fim de contextualizar o tema conforme a epígrafe.
A concepção romana de jurisdição pode ser assim apresentada: (a) a oposição entre jurisdição e poder, o que equivale a dizer entre julgar e ordenar; (b) a separação entre direito e fato, entre o dictum e o factum, que ainda perdura na doutrina moderna; (c) a redução da iurisdictio apenas ao procedimento da actio, com o indeclinável dare oportere, inerente às actiones in personam; (d) as decisões sobre o factum ou vis achavam-se fora da jurisdição, integrando o imperium do pretor.
Não havia decisão sobre direito, apenas sobre o fato. Quanto ao direito, havia julgamento, não decisão enquanto ato de vontade.⁵
No Direito Romano clássico, a jurisdição foi concebida como meramente declaratória, com a oposição entre a iurisdictio e o imperium. O iurisdicto, que consistia na faculdade atribuída a certos magistrados de declarar (não julgar) a norma jurídica aplicável a determinado caso concreto, era exercido por meio da actio, e o imperium, realizado mediante os interditos, procedimentos istrativos efetivados pelo praetor romano, não se caracterizando, à época,
como de natureza jurisdicional.
O direito pretoriano era adversarial, contencioso, porque produzido no contexto de uma lide. As contendas julgadas geravam estudos promovidos pelos jurisconsultos, transformados em repositórios (responsa), dos quais se colhiam os principa e regulae, que formavam as premissas técnicas componentes do arcabouço teórico utilizado para disciplinar as relações intersubjetivas e a solução dos conflitos de interesse. ¹
A Lei das XII Tábuas pode ser apontada como o marco histórico (ano 450 a. C.) do surgimento desta tradição. ² Trata-se de uma obra legislativa que regia os mais diversos campos do Direito até então conhecidos.
O Corpus Iuris Civilis ³, por seu turno, é um outro marco histórico da civil law, pois pode ser considerado como um dos vetores para a sua moderna configuração. ⁴ O Corpus Iuris Civilis versava sobre diversos ramos da ciência jurídica e foi dividido da seguinte forma, que aqui apresento somente para fins históricos: Institutas, Digesto (Pandectas), Código e Novellas. ⁵ Sem qualquer apego ao exagero, é factível sustentar que a base dos ordenamentos jurídicos contemporâneos derivam ou se desenvolveram com lastro no modelo romano justinianeu.
Por certo, ao longo da história contemporânea, os diversos Estados aram, com alta carga de influência do Direito Romano, a criar os seus próprios ordenamentos jurídicos, atendidas às peculiaridades locais. Dentro deste contexto, ressoa ainda mais imprescindível a partcipação de Savigny ⁷ que, para muitos, atualizou, se é que pode ser empregado tal verbo, o Direito Romano conferindo ao mesmo uma certa erudição a partir da compilação das suas fontes. ⁸ Esta, assim chamada reconstrução artificial do Direito Romano, foi diretamente responsável pela formação dos ordenamentos jurídicos contemporâneos de tradição jurídica da civil law.
Assim, apresentado o modelo processual e a concepção da jurisdição no sistema jurídico romano, o a abordar os sistemas jurídicos contemporâneos, bem como as famílias e/ou tradições jurídicas.
1 T. MARKY. Curso Elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 5.
2 A bem da verdade, esta deve ser a pedra fundamental de todo e qualquer sistema jurídico.
3 “Il sistema normativo romano viene quindi prospettato dall’autore come fissato attraverso ‘precedenti’, intesi come soluzioni del caso particolare, che assurgevano a norma generale di condotta in quanto considerati rivelazione di un ordinamento superiore, ogni singola decisione si presenta perciò come ricognitiva rispetto a questo ordine preesistente, ma in effetti creatrice di un principio, cui sarà necessario far riferimento in occasione del prospettarsi di ogni fattispecie simile” L. VACCA. Interpretazione Casistica e Scienza Giuridica Europea. Torino: G. Giappichelli. 2017. p. 139.
4 “La stessa funzione in epoca repubblicana viene affidata ai magistrati giusdicenti, ma il meccanismo attraverso il quale, mediante le singole soluzioni, si arriva a costruire un complesso di rimedi processuale, che peraltro evidentemente concorrono ala determinazione del contenuto del diritto sostanziale, è praticamente lo stesso. Mentre il risultato della giurisdizione del rex tendeva a confluire direttamente nella consuetudine, a diventare per questo tramite parte dei principi generali dell’ordinamento giuridico, il risultato dell’attività decretale de magistrato tende, già in età molto risalente, a stabilizzarsi nel testo dell’editto.” L.VACCA. Interpretazione Casistica e Scienza
Giuridica Europea. Torino: G. Giappichelli. 2017. p. 142.
5 Neste ponto, pode-se fazer um claro paralelo com os chamados Hard Cases.
6 L.VACCA. Interpretazione Casistica e Scienza Giuridica Europea. Torino: G. Giappichelli. 2017. p. 95.
7 O engessamento do direito, diga-se, ainda é uma das grandes preocupações decorrentes da adoção de um sistema de precedentes, pois pode gerar a dificuldade da superação de entendimentos já consolidados. Basta recordar a criação do Edito Perpétuo que impedia a alteração do conteúdo de um Edito após a sua consolidação.
8 As fontes do direito romano serão apresentadas em tópico próprio.
9 “Anche nelle fonti giuridiche resulta attestato esplicitamente l’uso delle costituzioni imperiali come esempla: Fragm. Gai August. 31: Hoc ergo esemplo hodieque si tal... cedit, possumus dare consilium ut supplicetur, nam facile impetrantur ab imperatore e aquae iam ab aliis impetrata sunt. Aliud est novum beneficium petere aliud est id petere cuiús extant exempla. 32: Nam... factum est, ut si maior... licet per ignorantiam omnimolo ... discedere ab hereditate, exemplum habet, propter quod exemplo eius alii possunt in integrum restitui a praetore.” L.VACCA. Interpretazione Casistica e Scienza Giuridica Europea. Torino: G. Giappichelli, 2017. p. 125 e ss.
10 “La conferma si trae dalla chiusa di C. 1,14,12: secondo Giustiniano, questa lex non contraddice la funzione un tempo svolta dai giureconsulti in quanto si trattava di una funzione esercitata in virtù di una concessione proveniente dalla
maestà imperiale. Il riferimento è evidentemente al ius pubblico rispondendo per il quale, com’è noto, le concordi sententiae et opiniones dei giuristi erano vincolanti per i giudici.” (…) “Dai papiri traspare con evidenza che, nella prassi giudiziaria dell’Egitto romano, sai prima che dopo il principato di Settimio Severo, ai precedenti giudiziali resi in casi simili annettevano grande importanza non solo gli avvocati, al fine di suffragare i propri assunti, ma anche i giudici i quali spesso ricercavano, chiamando le parti a collaborare in tal senso, i precedenti e a questi si richiamavano, a loro volta, nella motivazione della sentenza.” U. VINCENTI. Il Valore dei Precedenti Giudiziali nella Compilazione Giustinianea. Padova: CLEUP. 1994. p. 18 e 74.
11 C. 7,45,13: Imp. Iustinianus AA. Demostheni pp. Nemo iudex vel arbiter existimet neque consultaciones, quas non rite iudicatas esse putaverit, sequendum, et multo magis sententias eminentissimorum praefectorum vel aliorum procerum (non enim, si quid non bene dirimatur, hoc et in aliorum iudicum vitium extendi oportet, cum non exemplis, sed legibus iudicandum est), nec si cognitionales sint amplissimae praefecturae vel alicuius maximi magistratus prolatae sententiae: sed omnes iudices nostros veritatem et legum et iustitiae sequi vestigia sancimus. D. III k. Nov. (a. 529).
12 “Si deve però sottolineare, con Cuiacio, che le consultazione e le sententiae, alle quali è vietato al giudice di uniformarsi, sono quelle contra legge (rispettivamente, non ritte, non bene): occorre infatti scongiurare, dice il legislatore, che il vizio si diffonda presso gli altri giudici. (...) Riterrei pertanto che, a voler leggere C. 7,45,13 senza visioni precostituite, al giudice non fosse proibito di ricorrere, in funzione di intrepretati delle leggi, ai giudicati precedenti, seppur dopo averne verificata l’immunità da vizi.” U. VINCENTI. Il Valore dei Precedenti Giudiziali nella Compilazione Giustinianea. Padova: CLEUP. 1994. p. 10-11.
13 “Il tenore polemico del texto (vel quis tantae superbiae; vel quis legum aenigmata; explosis itaque huiusmodi ridiculosis ambiguitatibus) lascia intendere come la costituzione debba rappresentare la risposta di Giustiniano a
talune incertezze, verosimilmente insorte nella prassi, in ordine al valore vincolante delle sentenze imperiali, e, più in generale, della legum interpretatio ad opera dell’imperatore stesso.” U. VINCENTI. Il Valore dei Precedenti Giudiziali nella Compilazione Giustinianea. Padova: CLEUP. 1994. p. 12.
14 Impende salientar que somente o Imperador ostentava a função de criar e interpretar a norma jurídica. Na doutrina, pode ser citada a seguinte lição: “La giustificazione portata è stata come il manifesto della concezione giustinianea del diritto: se nel presente spetta al solo imperatore fare le leggi, occorre che anche l’interpretazione di queste sai riservata al titolare dell’imperio.” U. VINCENTI. Il Valore dei Precedenti Giudiziali nella Compilazione Giustinianea. Padova: CLEUP. 1994. p. 17.
15 C. 1,14,12: Imp. Iustinianus A. Demostheni pp. “Si imperialis maiestas causam cognitionaliter examinaverit et partibus cominus constitutis sententiam dixerit, omnes omnino iudices, qui sub nostro império sunt, sciant hoc esse legem non solum illi causae, pro qua producta est, sed omnibus similibus. Quid enim maius, quid sanctius imperiali est maiestate? Vel quis tantae superbiae fastidio tumidus est, ut regalem sensum contemnat, cum et veteris iuris conditores constitutiones, quae ex imperiali decreto processerunt, legis vicem obtinere aperte dilucideque definiunt? Cum igitur et hoc in veteribus legibus invenimus dubitatum, si imperialis sensus legem interpretatus est, as oporteat huiusmodi regiam interpretationem obtinere, eorum quidem vanam scrupolositatem tam risimus quam corrigendam esse censuimus. Definimus autem omnem imperatoris legum interpretationem sive in precibus sive in iudiciis sive alio quocumque modo factam ratam et indubitatam haberi. Si enim in praesenti leges condere soli imperatori concessum est, et leges interpretari solum dignum imperio esse oportet. Cur autem ex suggestionibus procerum, si dubitatio in litibus oriatur et sese non esse idôneos vel sufficientes ad decisionem litis illi existiment, ad nos decurritur et quare ambiguitates iudicum, quas ex legibus oriri evenit, aures accipiunt nostrae, si non a nobis interpretatio mera procedit? Vel quis legum aenigmata solvere et omnibus aperire idoneus esse videbitur nisi is, cui soli legis latorem esse concessum est? Explosis itaque huiusmodi ridiculosis ambiguitatibus tam conditor quam interpres legum solus imperator iuste existimabitur: nihil hac lege derrogante veteris iuris conditoribus,
quia et eis hoc maiestas imperialis permisit. Recitata septimo miliário Constantinopolitanae in novo consistório palatii Iustiniani.” D. III k. Nov. Decio vc. Cons. (a. 529).
16 “Riassumendo: dalla connessione del frammento 38 con il frammento 37 emerge: 1) Che problemi di interpretazione possono insorgere nell’applicazione della legge nell’ambito delle diverse comunità locali; 2) Che per la risoluzione di questi problemi è ammesso il ricorso alla consuetudine intesa come modo di comportarsi della comunità nei precedenti casi simili; 3) Che specificamente il superamento delle ambiguità delle leggi è questione di interpretazione e, dunque, per ciò è ancora consentito il ricorso alla consuetudine o all’autorità dei giudicati conformi (resi, più probabilmente, dai tribunali di una certa circoscrizione territoriale).” U. VINCENTI. Il Valore dei Precedenti Giudiziali nella Compilazione Giustinianea. Padova: CLEUP. 1994. p. 27.
17 D. 1,3,37 (Paul. 1.1 quaest): Si de interpretatione legis quaeratur, in primis inspiciendum est, quo iure civitas retro in eiusmodi casibus usa fuisset: optima enim est legum interpres consuetudo.
D. 1,3,38 (Call. 1.1 quaest): Nam imperator noster Severus rescripsit in ambiguitatibus quae ex legibus proficiscuntur consuetudinem aut rerum perpetuo similiter iudicatarum auctoritatem vim legis optinere debere.
18 “Ne consegue che ai giudice non è negato il potere di interpretare la legge. Vero che nell’ottica giustinianea essi devono applicare rigorosamente le disposizioni imperiale: mones iudices nostros veritatem et legum et iustitiae sequi vestigia sancimus (così C. 7,45,13). Ma Giustiniano sapeva bene che i giudici non possono applicare la legge senza interpretarla: pena la paralisi dell’amministrazione della giustizia, l’imperatore non aveva alcuna intenzione di riservare a sé solo anche l’interpretazione esplicativa. Infatti, solo quando i giudicanti non si ritenessero in grado di risolvere (in base, occorre sottolineare, ad una autonoma valutazione: illi existiment) la dubitatio in litibus o le
ambiguitates, C. 1,14,12 impone loro di consultare l’imperatore il quale a questo punto scioglierà i legum aenigmata.” U. VINCENTI. Il Valore dei Precedenti Giudiziali nella Compilazione Giustinianea. Padova: CLEUP. 1994. p. 17.
19 Impende destacar que não havia propriamente uma divisão entre o Direito Público e o Privado como ramos autônomos, mas esfera de interesses. O Direito Público era afeto aos interesses do Estado enquanto o Privado era dos cidadãos. Como afirmado por Ulpiano (D. I, 1, 1, 2.): “ius civile es aquel quod quisque populus ipse sibi constituit, id ipsius proprium est, quasi ius proprium civitatis.” O Direito Privado (ius privatum), por seu turno, era subdividido em ius ciuile, ius gentium e ius naturale. Sobre o ius civile, assim se manifestou Gaio (Gai 1.1): “ius civile es aquel quod quisque populus ipse sibi constituit, id ipsius proprium est, quasi ius proprium civitatis.” Sobre o tema, assim se pronunciou Cicerone (Cic., de off. 3.17.69): “hoc quamquam video propter depravationem consuetudinis neque more turpe haberi neque aut lege sanciri aut iure civili, tamen naturae lege sanctum est. societas est enim (quod etsi saepe dictum est, dicendum est tamen saepius) latissime quidem quae pateat omnium inter omnes, interior eorum qui eiusdem gentis sint, propior eorum qui eiusdem civitatis. itaque maiores aliud ius gentium, aliud ius civile esse voluerunt; quod civile, non idem continuo gentium, quod autem gentium, idem civile esse debet (...).” Nas palavras de Gaio (Gai 1.1, cf. também Institutos 1.2.1): “id quod apud omnes populos peraeque custoditur, vocaturque ius gentium, quase quo iure omnes gentes utuntur. Populus itaque Romanus partim suo próprio, partim communi omnium hominum iure utitur”. O ius naturale, nas sempre preciosas palavras de José Carlos Moreira Alves: “...- conceito derivado da filosofia estóica – é um conjunto de normas ditadas ao homem pela sua própria natureza racional, e em conformidade com a justiça. Daí o que caracteriza o ius naturale é a sua universalidade.” J. MOREIRA ALVES. Direito Romano. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 82.
20 Para ilustrar a minha afirmação, seguem alguns conceitos sobre Direito: “conjunto de normas executáveis coercitivamente, reconhecidas ou estabelecidas e aplicadas por órgãos institucionalizados”. P. GUSMÃO. Introdução ao estudo do direito. 32. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2002. “um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que entendemos por sistema”. H. KELSEN. Teoria
pura do direito: introdução à problemática científica do direito. 2. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. “conjunto de comandos, disciplinando a vida externa e relacional dos homens, bilaterais, imperativo atributiva, dotado de validade, eficácia e coercibilidade, que tem o sentido de realizar os valores da justiça, segurança e bem comum, em uma sociedade organizada”. W. SOUZA BATALHA. Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1981. “sistema de disciplina social fundado na natureza humana que, estabelecendo nas relações entre os homens uma proporção de reciprocidade nos poderes e deveres que lhe atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e, em consequência, da sociedade, mediante normas coercitivamente impostas pelo Poder Público”. V.RAO. O Direito e a vida dos direitos. 7. ed. São Paulo: RT, 2013. “conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para realização de segurança, segundo critérios de justiça”. P. NADER. Introdução ao estudo do direito. 23. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. “ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores”. M. REALE. Lições preliminares de direito. 26. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. “O Direito é a norma das ações humanas na vida social, estabelecida por uma organização soberana e imposta coativamente à observância de todos”, R. RUGGIERO e F. MAROI. Istituzioni di diritto privato. 8. ed. Milão, 1955, v. 1, § 2º.
21 “Parece-nos, porém, que a razão está com Biondi, que vê na definição de Celso a exata conceituação do que, essencialmente, era o direito para o jurisconsulto romano: a arte do bem e do justo. Para os romanos, não há separação entre a teoria e a prática, pois toda atividade no campo jurídico tem em vista a atuação da justiça. O objetivo principal do direito é dirimir os conflitos de interesse, pela aplicação prática da justiça, que é sugerida ao jurisconsulto pela consciência social da época.” J. MOREIRA ALVES. Direito Romano. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 82.
22 Apesar da minha divisão, imprescindível afirmar, para fins de manutenção da acuidade histórica, que houve um abandono formal da distinção, tal como apresentado pela doutrina: “A partire dalla seconda metà del II sec. A.C. nell’ambito dell’ordinamento giuridico romano si distinguono due diversi
insiemi o sistemi di norme, che rimarranno differenziati sino alla fine del III sec. D.C. mentre sarà soltanto Giustiniano che abolirà formalmente la distinzione. Si tratta del ius civile e del ius honorarium (o praetorium).” M. TALAMANCA. Istituizioni di Diritto Romano. Milano: Dott. A. Giuffre: 1990. p. 57.
23 “Ius autem civile est quod ex legibus, plebis scitis, senatus consultis, decretis principum, auctoritate prudentium venit.” Papiano, libro secondo delle definizioni. Digesto di Giustiniano, 1.1.7.
24 Os costumes eram, a rigor, concretizados pelas decisões dos Soberanos e foram incluídos formalmente, assim como as manifestações dos jurisconsultos, como fontes do direito na Lei das XII Tábuas.
25 Basta verificar, ainda que não haja uma precisão absoluta, que o Império Romano dominou/conquistou cerca de três quartos da extensão territorial então catalogada.
26 “Ius praetorium est quod praetores introduxerunt adiuvandi vel supplendi vel corrigendi gratia propter utilitatem publicam; quod et honorarium dicitur ab honore praetorum.” Papiano, libro secondo delle definizioni. Digesto di Giustiniano, 1.1.7.1.
27 Chamados inicialmente de Pretores Peregrinos, e que depois aram a ser conhecidos como Pretores Urbanos.
28 Com a edição da Lei Aebutia.
29 “... era o direito elaborado na época imperial, mediante a atividade jurisdicional (quase legiferante) do imperador e de seus funcionários, que então tinham substituído o pretor nesse mister.” T. MARKY. Curso Elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 15.
30 “A produção das regras jurídicas se faz pelas fontes do direito. Elas são os órgãos que tem a função ou poder de criar a norma jurídica e, por isso mesmo, se chamam “fontes de produção”. Exemplo: os comícios (comitia), que votavam as leis em Roma. Por outro lado, podemos denominar “fontes de revelação” o produto da atividade dos órgãos que têm aquele poder ou função de legislar. Assim, a própria regra jurídica, na forma como ela aparece ou se revela. Exemplo, a lei (lex rogata) resultante de uma proposta feita pelos magistrados e votada pelos comícios em Roma”. T. MARKY. Curso Elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 17.
31 “Consuetudine autem ius esse putatur id, quod uoluntate omnium sine legge vetustas comprobavit.” Cícero (De inventione, II, 22,67).
32 “complexo de usos praticados pelos anteados e transmitidos às gerações pela tradição.” J. MOREIRA ALVES. Direito Romano. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. fl. 11.
33 Impende salientar que alguns juristas não apontam os costumes como fonte do direito, pois deveriam ser considerados como um fato, a exemplo de Gaio (Inst. I,2) e Papiniano (D. I, 1, 7, pr. e 1)
34 “Nell’ambito della lex pubblica si usa poi, tradizionalmente, distinguere la lex votata nelle assemblee popolari, e cioè la lex rogata, dalla lex data, imposta, invece, da un atto del magistrato. Com’è stato osservato in dottrina, il criterio di differenziazione in base al quale si individuano queste due figure non è
omogeneo: nell’un caso, infatti, si evidenzia un aspetto strutturale, la rogatio del magistrato, cui segue l’approvazione dell’assemblea, e da questo punto di vista alla lex rogata dovrebbe piuttosto contrapporsi la lex dicta, deliberata ed emanata, senza l’intervento delle assemblee, dal magistrato competente a dicere legem. Nella lex data, si sottolinea, invece, il carattere eteronomo della statuizione, e non autonomamente fissata dall’interno dell’istituzione stessa (come accade, invece, quando il populus Romanus consente alla rogatio del magistrato): e la tipica lex data è, per l’appunto, quella che il populus da, con gli statuti municipali, alle civitates Romanae (§49), e che si pone come eteronoma rispetto ad esse, sentite come istituzioni autonome.” M. TALAMANCA. Istituizioni di Diritto Romano. Milano: Dott. A. Giuffrè. 1990. p. 26.
35 Trata-se de uma norma originada da atuação do magistrado e que carecia da aprovação dos comícios populares. Um exemplo deste tipo de lei é aquela que criou o processo formular (Lei Aebutia).
36 Trata-se de uma norma originada da atuação do magistrado que dispunha de uma autorização prévia dos comícios populares para editá-la. Um exemplo é a lei das XII Tábuas.
37 Eram expressas de forma oral e depois inseridas em uma tábua intitulada álbum.
38 “Enfim, por que era o edito dos magistrados fonte do direito? Eis a explicação. No edito dos magistrados judiciários, estes não se limitavam a relacionar os meios de proteção (ações) aos direitos decorrentes do ius civile (na república, integrados pelos costumes e leis). Desde tempos remotos, esses magistrados, com base no seu imperium (poder que lhes permitia dar ordens a que todos deviam obedecer), concediam medidas judiciais .... que visavam a corrigir, suprir ou afastar a aplicação do ius civile, quando este lhes parecesse iniquo. Com o advento da Lei Aebutia (que introduziu, na metade do século II a.C., o processo formulário – vide nº 126 a 132), essa interferência aumenta,
porquanto os magistrados judiciários, que aram a redigir um documento – a fórmula – onde se fixava a demanda a ser julgada, em geral pelo juiz popular, se arrogaram, a pouco e pouco, o direito de denegar, quando lhes parecesse justo, ações que tutelavam direitos decorrentes do ius civile (o que, evidentemente, tirava a eficácia prática desses direitos); bem como de criá-las para proteger situações – não previstas no ius ciuile – que lhes parecessem dignas de tutela. Ora, nesse último caso, tais situações assim tuteladas avam, na prática, a ter eficácia jurídica, dando nascimento indiretamente a direitos, motivo por que o Edito é considerado fonte de direito (ius honorarium ou praetorium, em contraposição ao ius civile).” J. MOREIRA ALVES. Direito Romano. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 25. No mesmo sentido, vale mencionar: “Come già accennato, l’editto del pretore ha un’importanza fondamentale nello sviluppo del sistema normativo romano a partire dal III sec. a.C. Rispetto alle altre fonti di quest’epoca, esso assume una posizione particolare, perché il diritto creato dal pretore viene a costituire un (sotto)sistema normativo a sé stante, il ius honorarium, che si contrappose all’altro (sotto)sistema rappresentato dal ius civile (§17).” M. TALAMANCA. Istituizioni di Diritto Romano. Milano: Dott. A. Giuffrè. 1990. p. 27.
39 Eram editados anualmente.
40 Eram editados ao longo do ano para a inclusão dos casos novos e apresentados em uma assembleia popular. Curioso notar que este tipo de edito foi proibido pela Lei Cornelia (67 a.C.).
41 “Bisogna avvertire che, con riguardo all’esperienza romana, il termine “giurisprudenza” è usato in un significato diverso da quello attualmente corrente preso di noi. Con giurisprudenza si intende adesso quell’insieme di soluzioni teorico-pratiche che costituiscono il fondamento delle decisioni dei tribunali e delle corti, e la giurisprudenza viene, in questo significato, contrapposta alla dottrina, e cioè alle opinioni espresse dai giuristi al di fuori di un’attività decisionale nei tribunali. I (iuris) prudentes romani sono, invece, i giuristi, e la iurisprudentia è l’insieme delle opinioni che vengono formulate nella loro
attività, e ‘s’identifica, quindi, con la dottrina in senso moderno. Una dottrina delle corti (la giurisprudenza in senso moderno) non esiste in Roma, che ne mancano, anzitutto, i presupposti, dato che i giudici sono dei “laici” e non degli operatori professionali del diritto, a differenza di quanto avviene negli odierni sistemi giudiziari.” M. TALAMANCA. Istituizioni di Diritto Romano. Milano: Dott. A. Giuffrè. 1990. p. 31.
42 Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi.1. Iuris praecepta sunt haec : honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere. 2. Iuris prudentia est divinarum et humanarum rerum notizia. Iusti atque iniusti scientia. UlpianUS libro primo regularum (D. 1, 1, 10 pr.-2).
43 “Il caso dei duo plostra in clivo Capitolino (D. 9.2.52.2), è, al contrario, emblematico della distanza che intercorre nei complessi meccanismi attuativi del diritto romano classico rispetto al diritto attuale. Il giurista romano, infatti, nel darei l parere non emette sentenze in un giudizio e nemmeno accerta, con ponderazione dei fatti sottopostogli all’esame dai richiedenti il parere, la veridicità del fato.” R. CARDILLI. Alf. 2 dig. D. 9.2.52.2 – Responsabilità e nesso di causalità: un incidente stradale com conseguenze mortali a Roma antica. In: Il Diritto Romano caso per caso. Laura Solidoro; Margherita Scognamiglio e Paola Pasquino. Torino: G. Giappichelli, 2018. p. 98.
44 “Il parere del giurista romano è una dimensione altra rispetto al iudicium del giu-dice privato scelto dalle parti della controversia ed anche altro rispetto alla iurisdictio del pretore eletto dal popolo.” R. CARDILLI. Alf. 2 dig. D. 9.2.52.2 – Responsabilità e nesso di causalità: un incidente stradale com conseguenze mortali a Roma antica. In: Il Diritto Romano caso per caso. Laura Solidoro; Margherita Scognamiglio e Paola Pasquino. Torino: G. Giappichelli, 2018. p. 98.
45 “A differenza della prospettiva casistica dei meccanismi attuativi del diritto moderno, dove è proprio nella esatta ponderazione del fato che si gioca tutto il pre-condizionamento dell’inquadramento giuridico della soluzione, in quanto si
presuppone – nella falsa prospettiva del sistema chiuso e deduttivo dell’ordinamento giuridico moderno – che di fronte lo stesso fato la soluzione giuridica debba essere unica. Si porta, cioè, l’enorme quantità di informazioni relative all’accertamento del fato come necessaria attività presupposta per il giudizio, in esso necessariamente inclusa, determinando così un rallentamento de una complessa ponderazione della esatta configurazione della fattispecie in decisione che incide inevitabilmente sull’efficacia del momento attuativo dell’ordinamento.” R. CARDILLI. Alf. 2 dig. D. 9.2.52.2 – Responsabilità e nesso di causalità: un incidente stradale com conseguenze mortali a Roma antica. In: Il Diritto Romano caso per caso. Laura Solidoro; Margherita Scognamiglio e Paola Pasquino. Torino: G. Giappichelli, 2018. p. 98.
46 “Il metodo casistico comporta che, anche quando l’elaborazione concettuale non si fonda immediatamente sull’attività pratica, i problemi vengano affrontati e risolti mediante l’esame di casi pratici, tratti dalle opere giuridiche precedenti od inventati dallo stesso giurista. In conseguenza di ciò, le categorie generali e le definizioni, le classificazioni e le distinzioni che sorreggono il sistema elaborato dalla giurisprudenza trovano il loro necessario punto di riferimento ed il limite di applicazione nel caso pratico rispetto al quale vengono saggiati.“ M.TALAMANCA. Istituizioni di Diritto Romano. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1990. p. 36.
47 “Il profondo mutamento politico rappresentato dalla fondazione del principato ala fine del I sec. a.C. ha rapidamente influito sul sistema delle fonti del diritto, dato che nella figura del principe, che si sovrapponeva alle strutture costituzionali repubblicane, era naturalmente destinato a concentrarsi, di fatto e poi anche istituzionalmente, il potere politico e, conseguentemente, anche quello normativo.” M.TALAMANCA. Istituizioni di Diritto Romano. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1990. p. 27.
48 Isso, inclusive, acarretou diversos problemas, pois os advogados de má-fé estavam induzindo o juízo a erro com menções falsas de jurisconsultos antigos. Por isso os Imperadores Teodósio II e Valentiano III criaram a “lei das citações”,
constituição imperial responsável por estabelecer apenas a menção em juízo dos escritos de cinco jurisconsultos (Gaio, Papiniano, Ulpiano, Paulo e Modestino), bem como a necessidade que o original fosse levado ao juízo.
49 “Ora, l’interpretazione dei giudicati uniformi era vincolante per il giudice? L’espressione vis leggi e, parallelamente, nel frammento 37, il gerundivo inspiciendum est farebbero ritenere di sì: in ogni caso una sentenza che si uniformasse all’interpretazione costantemente data nelle precedenti decisioni a una certa lex, rappresenterebbe pur sempre un iudicare non esempli, sed legibus.” U. VINCENTI. Il Valore dei Precedenti Giudiziali nella Compilazione Giustinianea. Padova: CLEUP, 1994. p. 26.
50 Na presente dissertação, não vejo sentido em usar o termo fases, porque não as identifico como uma cadeia obrigatoriamente evolutiva, mas somente com circunstâncias históricas. Para fins de ilustrar a minha linha de pensamento, o Código de Processo Civil brasileiro de 2015 adota o modelo comparticipativo, mas não significa dizer que todo o sistema processual civil brasileiro evoluiu para esta adoção, pois não houve qualquer direcionamento expresso neste sentido.
51 “All’inizio dell’esperienza giuridica romana, existe, in effetti, un unico sistema giuridico, cui corrisponde una tutela giurisdizionale unitaria, quella delle leggi actiones (§§ 68-70): questo sistema è, nei suoi ulteriori sviluppi, quello che sarà il ius civile della tarda repubblica. Ad esso si viene ad affiancare, con uno sviluppo che ha inizio verso la fine del IV sec. A.C., il ius honorarium, che nasce dall’esercizio dell’attività giurisdizionale da parte del pretore, il quale crea una nuova forma di processo, quello formulare, basata esclusivamente sul proprio imperium (§ 72), ed individua, nell’editto che emana all’inizio dell’anno di carica, anche le norme di diritto 1sostanziale che debbono esser applicate in tale processo.” M. TALAMANCA. Istituizioni di Diritto Romano. Milano: Dott. A. Giuffre, 1990. p. 58.
52 “Al giudice od agli arbitri scelti dalle parti il pretore fissava, con un programma scritto, i criterio sostanziali in base ai quali doveva esser risolta la controversia: programma che era necessário proprio perché, nell’assenza di un ordinamento comune, soltanto il magistrato giusdicente poteva indicare quali regole si dovessero applicare. Questo programma è la matrice della formula del processo romano dell’epoca classica, la quale si è venuta sviluppando, senza soluzioni di continuità, dalla primitiva prassi della iurisdictio peregrina”. M. TALAMANCA. Istituizioni di Diritto Romano. Milano: Dott. A. Giuffre, 1990. p. 300.
53 “...o processo formulário se distingue nitidamente do sistema de ações da lei pelas seguintes características principais: a) é menos formalista e mais rápido; b) a fórmula – documento escrito – tira-lhe o caráter estritamente oral de que se revestiam as ações da lei; c) maior atuação do magistrado no processo; e d) a condenação se torna exclusivamente pecuniária.” J. MOREIRA ALVES. Direito Romano. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 219.
54 Ao comentar o processo formular, Gaio afirma que existiam quatro partes principais: demonstrativo, intentio, adiudicatio e condemnatio e três órias: praescriptio, exceptio e replicatio/duplicatio/triplicatio. (Inst., IV, 39 e ss.).
55 “Iudicatum est id, de quo setentia lata est aut decretum interpositum. Ea saepe diversa sunt, ut aliud alio iudici aut praetori aut consuli aut tribuno plebis placitum sit; (et fit, ut de eadem re saepe alius aliud decreverit aut iudicaverit), quod genus: M. Drusus, praetor urbanus, quod cum herede mandati ageretur iudicium reddidit, Sex. Iulus non reddidit...” Rhetorica ad Herennium (Rhet. Ad Her. 2.13)
56 “Secondo l’autore della Rhetorica la circostanza che un giudice o un magistrato si siano in precedenza pronunciati in un certo senso in relazione ad un ‘caso simile’ (eadem res) può essere utilizzata per persuadere il giudice di fronte al quale si discute a pronunciarsi in modo analogo; (…) Il giudice, tuttavia, è
libero di adottare una decisione contrastante con le precedenti res iudicata, anche se pronunciate in casi simili, tanto che non è raro che le res iudicata ‘saepe diversa sunt, ut aliud alio iudici aut praetori aut consuli aut tribuno plebis placitum sit; (et fit ut de eadem re saepe alius aliud decreverit aut iudicaverit)’(Rhet. Ad Her. 2.13.)” L. VACCA. Interpretazione Casistica e Scienza Giuridica Europea. Torino: G. Giappichelli, 2017, p. 158.
57 “Nella storia del processo romano si sono avute, è ovvio, numerose e profonde modificazioni delle forme procedurali, e si possono identificare – dal periodo monarchico all’età dei Severi – tre sistemi processuali, intorno a cui i mutamenti particolari si coagulano. Si ha, anzitutto, il processo delle leggi actiones, che affonda le sue radici nella protostoria della civitas, trova una sistemazione legislativa nelle XII Tavole, rimane vitale sino agli inizi del II Sec. A.C., decadendo rapidamente negli ultimi due secoli della repubblica. Si ha, poi, il processo formulare che nasce, nel IV sec.a.C., nella iurisdictio peregrina, si estende ai cives tra la fine del III e gl’inizi del II sec. A.C., diviene il processo civile ordinario nel 17 a.C., con lex Iulia iudiciorum privatorum, rappresentando, cosi, il sistema processuale che sta a base del lavoro dei grandi giuristi classici fino ad Ulpiano e Paolo: in Roma, esso si mantiene sino alla metà del III sec. d.C. e viene formalmente abolito con C. 2. 57.1 del 342 d.C. A partire dagli inizi del principato si viene – abbastanza – rapidamente – sviluppando la cognitio extra ordinem, quale processo in cui si attua la giurisdizione dell’imperatore, di persona o tramite funzionari e magistrati da lui delegati; le forme di questa procedura sono, in molti punti, incisivamente diverse da quelle del processo formulare (l’ordo iudiciorum privatorum), regolato dalla lex Iulia del 17 a.C.: nel III sec. d.C., la cognitio diverrà, praticamente, il processo ordinario, e le sue forme staranno alla base degli sviluppi postclassici.” M. TALAMANCA. Istituizioni di Diritto Romano. Milano: Dott. A. Giuffre, 1990. p. 281.
58 Sobreleva notar que no processo civil moderno do direito brasileiro, também é possível, de forma execional, o início da relação jurídica processual de ofício pelo magistrado.
59 O. SILVA; F. GOMES. Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo: RT, 1997. p. 34.
60 J. CRUZ e TUCCI. Jurisdição e poder: contribuição para história dos recursos cíveis. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 18.
61 A. MATIAS. Precedentes – fundamentos, elementos e aplicação. São Paulo: JH Mizuno, 2019. p. 54.
62 “nos começos da República – e concretamente nos anos de 451 e 450 a. C. – apareceu uma obra legislativa, única na evolução do Direito romano até Justiniano, que [regulava] múltiplas relações pertencentes aos mais diversos campos do Direito: a lei das XII Tábuas.” V. ARANGIO-RUIZ. Historia del derecho romano. Tradução Especial de Francisco de Pelsmaeker e Ivañez. 5. ed. reimpr. Madri: Reus, 1999. p. 67.
63 “O direito justinianeu, isto é, aquelle que enfeixa toda a legislação própria do Imperador Justiniano, compreendendo a compilação por ele feita das leis e da jurisprudência anteriores, é o que constitue o direito romano propriamente dicto, que Savigny denominou direito romano actual, quando vigente no império germânico. Neste sentido restricto é que se toma hoje geralmente a expressão direito romano, visto ser a obra de Justiniano aquella que, imorredoira, atravessou os séculos, e se liga intimamente a quase todas as legislações civis modernas. Essa obra se acha toda condensada no Corpus Iuris Civilis, que póde ser definido – o conjunto do direito romano que foi compilado e decretado no século VI pelo Imperador Justiniano.” R. PORCHAT. Curso elementar de direito romano. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1937. p. 35. v. I.
64 J. MERRYMAN; R. PÉREZ-PERDOMO. A tradição da civil law – Uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução
brasileira de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 27.
65 R. PORCHAT. Curso elementar de direito romano. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1937. p. 36. v. I.
66 J. MERRYMAN; R. PÉREZ-PERDOMO. A tradição da civil law – Uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução brasileira de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 30; L. JOSSERAND. Derecho civil. Tradução especial de Santiago Cunchillos y Manterola. Buenos Aires: EJEA-Bosch, 1950. p. 31. t. I, v. I.; L. ENNECCERUS; T.KIPP; M.WOLF. Tratado de derecho civil. Tradução especial de Blas Pérez González e José Alguer. 2. ed. Barcelona: Bosch, 1953. p. 7. t. I, v. I. e J. ASCENSÃO. O Direito – Introdução e teoria geral: uma perspectiva lusobrasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 96-97.
67 “O curioso no pensamento de Savigny é que, ao invés de um direito espontâneo, verificado naturalmente nas ações sociais, o que vale, ao final é o que a doutrina científica elabora. E será assim, justamente, que o pensamento conceitual elaborado pelos juristas e professores, nas universidades, provocará o surgimento de um novo racionalismo ou intelectualismo jurídico tão antihistórico como o direito natural, mas que se move em plano diferente, qual seja, o da lógica e da dogmática jurídica. O pensamento conceitual lógico-abstrato será, assim, aquele capaz de explicitar a totalidade representada pelos institutos jurídicos. E, dessa forma, a doutrina termina por ganhar posição superior à da práxis, conforme anota Legaz y Lacambra.” M. LACOMBE CAMARGO. Hermenêutica e argumentação. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 79.
68 C. PINTO. A reação norte-americana aos atentados de 11 de setembro de 2001 e seu impacto no constitucionalismo Contemporâneo: um estudo a partir da teoria da diferenciação no Direito. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. p. 49.
69 “A partir desta reconstrução artificial do Direito romano, então, é que se cunharam os ordenamentos jurídicos que hoje compõem o que se costuma chamar de civil law.” A. CÂMARA. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2018. p. 28.
CAPÍTULO II – Sistemas de Precedentes Judiciais
1. A teoria (sistema) dos precedentes no direito comparado nos países de tradição jurídica da civil law e no direito brasileiro
1.1 Sistemas Jurídicos ou Sistemas de Direito
Como abordagem inicial, urge apresentar os sistemas jurídicos mais importantes do Direito para, com isso, realizar a necessária contextualização com a teoria dos precedentes. Os sistemas jurídicos, a bem da verdade, são compostos pelas denominadas “famílias” ou tradições jurídicas do Direito.⁷
Tarefa deveras árdua é a de apresentar as ditas “famílias” do Direito, pois conforme os critérios utilizados pelos juristas, podem ser apresentados diversos sistemas jurídicos. Outro desafio, mas que foge do objeto do presente estudo, é lidar, tanto na esfera acadêmica, quanto na prática, com a possibilidade de sistemas mistos ou que se interpenetram e geram influências recíprocas.⁷¹
A doutrina tem utilizado, com maior frequência, a expressão “tradição jurídica”⁷² ou “família jurídica”, em vez de “sistema jurídico”, para se referir ao common law e ao civil law.⁷³ Isso porque a expressão “sistema jurídico” refere-se ao conjunto de instituições jurídicas, procedimentos e regras, razão pela qual cada país, integrante, por exemplo, da common law ou do civil law, possui peculiaridades em seus próprios sistemas jurídicos.⁷⁴
Os Sistemas Jurídicos ou Sistemas de Direito⁷⁵ podem ser agrupados em quatro famílias: a) sistema romano-germânico (Civil Law); b) sistema da Common Law⁷ ; c) sistema dos direitos socialistas; e d) outras concepções da ordem social e do direito.⁷⁷
Serão desenvolvidos, em virtude do objeto da presente dissertação, somente as famílias referentes ao civil law e common law. Nada obstante, vale, para fins de
apresentação, traçar breves linhas sobre o sistema dos direitos socialistas e as outras concepções da ordem social e do direito.
O sistema dos direitos socialistas, cuja essência era um “direito revolucionário”, abrangia a chamada “Europa do Leste” e vigeu da Revo- lução até o fim da União Soviética e da queda do muro de Berlim. Interes- sante notar que o sistema, antes da Revolução, era o romano-germânico.
O direito soviético foi influenciado pela filosofia marxista-leninista, procurando se amoldar à infraestrutura econômica. Assumiu características eminentemente totalitárias, prevalecendo em todas as instituições o princípio da coletivização da economia e da segurança do Estado. A distinção entre o direito público e o direito privado esvaiu-se, ante a própria essência ideológica do movimento. Com isso, a base do sistema era a chamada legalidade socialista. O direito privado, tal como é compreendido, desapareceu, mantendo-se somente o direito público. A lei, contudo, era fonte fundamental do direito, porém interpretada conforme os interesses e orientações políticas do regime socialista.
O fim da União Soviética, no final da década de 1980, veio a desmoronar todo o arcabouço político e econômico, alterando necessariamente o sistema jurídico. Em diversos países do leste europeu, seu sistema jurídico certamente retorna às origens.⁷⁸ O direito socialista expõe mais uma face do fracasso comunista, da imposição de leis pela força.
Nas denominadas outras concepções da ordem social e do direito, tais como o direito muçulmano⁷ , indiano, direitos do Extremo Oriente, direito judaico, direitos da África e de Madagascar, tem-se a religião como forte componente. Em determinados países, principal fonte das normas jurídicas nacionais (Irã, Iraque); em outros, fonte relevante para determinados ramos do Direito Privado, em particular, em matéria de família, sendo os demais campos ora da família romano-germânica (Israel e Líbano), ora da Common Law (Índia e Paquistão). Nestes sistemas jurídicos, as diretrizes religiosas ditam, de forma primária ou
secundária, os paradigmas das decisões judiciais, a linha de argumentação e o conteúdo decisório.⁸
A common law é a tradição jurídica na qual pertencem os ordenamentos (sistemas) jurídicos vigentes no Reino Unido da Grã-Bretanha, Irlanda, Irlanda do Norte, Estados Unidos da América, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.⁸¹ Não há como afastar a sua influência na formação de outros ordenamentos jurídicos, como alguns no continente africano e asiático. Não se deve confundir, por certo, o sistema da common law com o Direito Inglês⁸², apesar da sua ligação umbilical. Em outros termos, não são sinônimos.
Common law, portanto, é o direito comum a toda a Inglaterra, em oposição aos costumes locais.⁸³ Esta expressão é utilizada, também, como forma de se referir ao direito geral em confronto com o particular, extraordinário, especial, como seria uma lei, uma prerrogativa local ou um costume real.⁸⁴
Por fim, o sistema jurídico da civil law, que se restringe aos países de origem romano-germânica⁸⁵ que abarcam muitos países da Europa Continental (França, Portugal, Itália, Espanha e Alemanha) e da América Latina (Brasil, Argentina e etc.), tem como nota introdutória básica o apego à completude das normas jurídicas positivadas e codificadas como fontes diretas e imediatas do Direito. Esta noção de completude das normas, ainda que se repute inadequada, conferiu espaço reduzido para o surgimento do Direito Jurisprudencial, mas, por evidente, não impediu a sua existência.
Os Códigos, por certo, ostentavam a intenção de formatar a orientação conteudística de aplicação do Direito, de sorte a desvincular-se dos casuísmos.⁸ As normas jurídicas positivadas e inseridas nas codificações não possuíam o propósito de solucionar as questões de fato e de direito (casos concretos), mas de regulamentação das condutas (fatores negativos e positivos), com o nítido propósito de guiar as relações sociais, públicas e privadas.⁸⁷ É por esse sistema normativo que se busca conferir aos cidadãos certeza e previsibilidade de
decisões judiciais, mediante prévia análise do conjunto normativo acerca de dada matéria jurídica.⁸⁸
Nos países que seguem esta tradição jurídica, a origem é, por evidente, o Direito Romano, cuja origem remota é a Lei das XII Tábuas.⁸
O que hoje se reconhece como sistema de direito romano-germânico, de cediço predomínio nos países supra referidos, originou-se no século XIII, a partir da evolução das universidades, nas quais buscou-se investigar e estudar o Direito Romano, fonte óbvia de toda esta tradição. Assim, não resta a menor dúvida de que a família do civil law é de cunho romanista.
Feitas as considerações meramente introdutórias das famílias dos sistemas dos direitos socialistas e as outras concepções da ordem social e do direito diversas, o a abordar, ante a evidente pertinência com o tema da dissertação, os sistemas da civil law e common law, sob a perspectiva primordial da teoria dos precedentes.
1.2 A origem e a evolução da tradição jurídica da civil law e suas fontes
No presente tópico, o objetivo será apresentar o precedente judicial como fonte do Direito nos países que adotam a tradição jurídica da civil law (tradição jurídica de origem romana), cuja formação guarda relação direta com o ordenamento jurídico brasileiro para que fique mais fácil a demonstração das dificuldades inerentes.
A apresentação do precedente judicial nos sistemas jurídicos de outros países que seguem a tradição jurídica da common law perde um pouco do sentido, neste aspecto, porque o próprio desenvolvimento dos seus sistemas jurídicos girou em torno deste instrumento.
Com o fito precípuo de apresentar os sistemas apontando institutos e instrumentos comuns, impende valer-se do direito comparado dos países que seguem a mesma tradição jurídica do direito brasileiro, qual seja, a civil law.
O principal desafio dos países que seguem tal tradição é a busca da segurança jurídica e da isonomia na aplicação das normas jurídicas, mediante o uso do sistema de precedentes judiciais, sem o abandono completo da referida tradição. Em outros termos, a principal dificuldade é de compatibilizar um sistema com raízes em tradição jurídica bem diversa sem a perda da sua essência. ¹
A tradição jurídica da civil law tem as suas raízes históricas, porque não dizer a sua origem remota, na antiguidade. ² Neste contexto, por óbvio, sobreleva indicar o Direito Romano e o seu respectivo sistema jurídico como sendo a
origem remota da teoria (sistema) de precedentes, mesmo que não tenha a mesma feição atual, como apresentado no capítulo anterior.
A origem (fonte) da tradição jurídica da civil law não é unicamente o Direito Romano, como poderia ser facilmente suposto. ³ Não há como afastar a importância do Direito Canônico para que possa ser estudada a evolução desta tradição. ⁴ Por certo, principalmente na Europa continental, a influência do Direito Romano e Canônico foi direta, mas sempre com atenção clara às peculiaridades locais e culturais. ⁵
Estas peculiaridades são tamanhas que os ordenamentos jurídicos de tradição da civil law são diferentes entre si, mais do que aqueles que seguem a tradição da common law. Estas diferenças são facilmente notadas a partir do século XIX com o início da era das codificações que marca a tradição jurídica da civil law e gera uma das suas principais características que é a fonte legislativa, considerada, também, a sua principal fonte do Direito. Cada país, a despeito de sempre usarem fontes comuns, positivaram regras jurídicas diversas com o claro propósito de resguardar as suas particularidades culturais e sociais. Os códigos, à época, possuíam a pretensão da completude, ou seja, pressupunham a totalidades das normas jurídicas, quiçá do Direito, dentro do codex. O principal marco normativo desta etapa evolutiva foi o Código Civil francês de 1804 (Código Napoleão). ⁷
Apesar dos ordenamentos jurídicos que seguem a tradição da civil law ainda utilizarem as regras jurídicas positivadas na legislação (codificada ou extravagante), não há qualquer óbice para que a teoria dos precedentes seja regularmente utilizada. ⁸
Ademais, o sistema de precedentes, como fonte do Direito, não pode ser atribuída como exclusividade da tradição jurídica da common law. Há certo equívoco de alguns setores doutrinários ao afirmarem, peremptoriamente, que o precedente e a sua aplicação para a solução de casos concretos é atividade
jurisdicional exclusiva dos órgãos que atuam perante sistemas que adotam a common law.¹
A rigor, não se trata de um conceito de uso exclusivo de tal sistema, pois mesmo na civil law sempre foram utilizadas decisões judiciais e jurisprudência como reforço argumentativo para solução de contendas e, em algumas oportunidades, a sua aplicação foi a única linha argumentativa, jamais tendo sido ventilada a hipótese de abandono das características do sistema.¹ ¹
Por fim, impende salientar a intensa influência recíproca entre a civil law e a common law. Posso denominar o entrelaçamento das características dos sistemas jurídicos, até bem pouco tempo considerados totalmente antagônicos, como um âmbito de influências recíprocas. Há uma aproximação entre as tradições jurídicas e espaços de complementariedade, ou seja, ocorre uma interpenetração, sem transmudação.¹ ²
A importância dos direitos fundamentais e do papel do Poder Judiciário justificou a aproximação entre as tradições da civil law e do common law.¹ ³
Assim, a atividade jurisdicional continuará a ser prestada com base primária na legislação, mas também será sedimentada nos precedentes jurisdicionais.¹ ⁴
Há, na doutrina, quem sustente que a senda natural da atuação da teoria dos precedentes é a aplicação direta das normas jurídicas sem a possibilidade de preencher as eventuais lacunas normativas. Em outros termos, o precedente jurisdicional tem como função precípua a interpretação das normas jurídicas positivadas, mas jamais o preenchimento das eventuais lacunas.¹ ⁵
Com esta aproximação, por certo, não haverá um completo abandono da atividade legislativa para que surja um protagonismo exclusivo da tutela jurisdicional, havendo, no entanto, uma certa necessidade de “deslegificação”.¹
1.3 A teoria e o sistema de precedentes e a sua aplicabilidade e harmonização nos países de tradição jurídica da civil law
A influência intercambiante e recíproca¹ ⁷, e, ainda, horizontal¹ ⁸, entre os institutos de tradição jurídica da civil law e do common law gera a necessidade de enfrentamento do seguinte tema: a adoção do sistema de precedentes no ordenamento jurídico brasileiro, notoriamente derivado da tradição jurídica da civil law¹ , tem o condão de alterar a sua essência?¹¹
Para que a indagação seja respondida de forma satisfatória¹¹¹, imprescindível fixar premissas conceituais distintivas dos dois modelos de tradição jurídica.¹¹² Os traços distintivos podem ser apresentados da seguinte forma: a) posição de relevância da fonte formal do Direito; b) modelo de aplicação do Direito.
No common law, o direito legislado ostenta viés secundário, pois a solução das contendas por meio do sistema de precedentes guarda maior relevância.¹¹³ Na civil law, ao reverso, o direito decorrente das normas jurídicas positivadas (denominada de lei escrita) por atividade legiferante, seja do Poder Executivo ou do Legislativo, tem posição preponderante sobre as demais fontes do Direito.¹¹⁴
Quanto ao modelo de aplicação do Direito, ainda mais fácil é notar as características distintivas. No common law, é primordial o encontro da solução jurídica por meio da aplicação dos precedentes judiciais (case law), ao o que na civil law prepondera a solução decorrente das normas jurídicas positivadas (Códigos e leis extravagantes), denominada de code law.¹¹⁵ Impende salientar, por pertinência, que no sistema do common law a vinculação aos precedentes não decorreu da lei, como em nosso sistema, mas foi construída ao longo do
tempo, conforme a mudança da forma de atuação dos órgãos jurisdicionais.¹¹
Uma das formas mais simples e corriqueiras de apontar as diversidades dos sistemas, ora em testilha, é a denominada abertura do sistema. O sistema da civil law é tido como fechado, pois as normas jurídicas positivadas têm o condão de esgotamento das condutas humanas a serem reguladas e, assim, o espaço criativo que poderia ser ocupado pelo precedente, mormente os novos, fica deveras limitado. Por outro lado, o sistema do common law é considerado como aberto, na medida em que tanto as normas jurídicas positivadas quanto as decisões judiciais, que se revestem das características de precedentes, podem regular as condutas humanas sob o seu pálio.¹¹⁷
Para que o estudo possa evoluir, deve ser afirmado que a civil law e o common law não são, propriamente, sistemas jurídicos, mas tradições jurídicas, como bem pontua a melhor doutrina.¹¹⁸ Como dito anteriormente, há uma reunião intercambiante¹¹ tão relevante entre as tradições que a fronteira entre elas tem assim se tornado cada vez mais mal marcada, aberta e transgredida.¹² Não é demais lembrar que esta separação, como se fossem tradições totalmente estanques, é, em certa medida, refutada por parte da doutrina.¹²¹
O ordenamento jurídico brasileiro, sem sombra de dúvidas, foi todo construído e desenvolvido seguindo as bases e premissas da tradição jurídica da civil law. Com a adoção expressa do sistema jurídico dos precedentes, a doutrina pátria ou a questionar se deve ser mantida tal classificação. Não há como refutar a notória aproximação do nosso ordenamento com a tradição jurídica da common law¹²² (“commonlização”¹²³), mormente com a positivação de precedentes judiciais com eficácia vinculante, efeitos erga omnes e reconhecidos como fonte do Direito.¹²⁴
A despeito desta irrefutável aproximação, não houve alteração da essência do nosso sistema jurídico e posso afirmar, sem receio de ser exagerado, que foi completamente mantida a tradição (família) civil law, como explanado supra.¹²⁵
Não se trata, portanto, de uma adoção integral e irrefletida da teoria dos precedentes típica dos sistemas jurídicos de tradição do common law.¹² Tanto é verdade que a nossa doutrina¹²⁷ aponta, inclusive, as principais peculiaridades que demonstram isso, quais sejam:
a) Enquanto a teoria dos precedentes vinculantes nos países do common law foi criação exclusiva dos próprios tribunais a partir da tradição; no Brasil a referida teoria foi instituída, com adaptações, pelo legislador e pela jurisprudência dos tribunais superiores;
b) No common law, qualquer decisão proferida pelos tribunais superiores pode ser considerada precedente judicial vinculante; no Brasil, a legislação limita essa possibilidade ao elencar as decisões judiciais que serão consideradas vinculantes para os julgamentos futuros (art. 927 do C); c) Na tradição do common law, a caracterização de determinada decisão judicial como precedente vinculante é tarefa realizada pelos juízes responsáveis pelo julgamento do caso posterior. Vale dizer: a decisão judicial não nasce como precedente vinculante, mas é assim qualificada a partir da interpretação levada a efeito em casos futuros. No Brasil, os precedentes vinculantes são as decisões judiciais proferidas com esse caráter. Ao decidir, o tribunal já sabe de antemão que a decisão será dotada de caráter vinculante para decisões futuras.
Além destas peculiaridades completamente atreladas ao próprio sistema jurídico brasileiro, vale apontar outras dificuldades inerentes à aplicação irrefletida e integral, quais sejam:
a) Ausência de cultura jurídica na formação, aplicação e respeito aos precedentes.¹²⁸ Em nossa prática jurídica, há uma severa dificuldade na exigência da observância de precedentes dos órgãos jurisdicionais superiores, pois a nossa formação jurídica confere maior relevância à independência intelectual dos
magistrados, bem como ao seu ativismo, sempre em detrimento ao valor da segurança jurídica. É muito comum, portanto, mudanças de entendimento ao sabor dos acontecimentos ou até mesmo em razão de quem são os sujeitos do processo;
b) A quantidade insana de demandas em curso, tanto nos órgãos jurisdicionais inferiores quanto superiores, acarreta uma quantidade igualmente enorme de decisões judiciais que potencialmente podem ser consideradas como precedentes. Assim, haverá uma severa dificuldade para catalogar os precedentes, bem como de divulgá-los da forma mais apropriada. Em última análise, os próprios órgãos terão dificuldades para conhecer todos os seus precedentes.
Interessante observação faz a doutrina¹² acerca das técnicas criadas e aplicadas pelos países que usam o sistema de precedentes, a despeito da tradição jurídica ser do common law ou da civil law. São, portanto, adotadas técnicas que limitariam os distanciamentos dos precedentes da seguinte forma:¹³
a) o amplo e completo aos repositórios oficiais com as decisões das cortes superiores vinculantes;
b) Facilidade na interposição de recursos contra decisões que se distanciam dos precedentes;
c) Previsão de que apenas as Cortes Superiores possam superar seus próprios precedentes, vedando a sua ocorrência no âmbito dos órgãos jurisdicionais inferiores;
d) Exigência de procedimento especial para que os órgãos jurisdicionais superem seus precedentes por meio de instrumento específico, fundamentação adequada e específica ou mesmo um quórum qualificado. Há, portanto, uma real e inevitável aproximação entre os sistemas jurídicos, mormente quanto a concepção dos precedentes.¹³¹ A bem da verdade, esta influência não é nova e nem exclusiva quanto aos precedentes.¹³²
1.4 A teoria (sistema) dos precedentes no direito comparado
No presente tópico, abordarei, para fins de sistematização, os sistemas jurídicos estrangeiros que adotam a teoria dos precedentes. Serão abordados somente os sistemas jurídicos que possuem algum tipo de ligação ou influência histórica sobre o direito brasileiro.
Nesta toada, portanto, serão abordados os sistemas jurídicos de Portugal, Itália, França e Alemanha.
1.4.1 Portugal
A abordagem do sistema jurídico português e da sua evolução possui o nítido propósito de demonstrar como isso repercutiu no direito brasileiro, notadamente durante o período do Brasil Colônia.¹³³ Não é possível, em virtude da tradição jurídica do direito lusitano¹³⁴, fazer qualquer esboço histórico, ainda que breve, como aqui se pretende, sem citar a influência direta do Direito Romano, posto vigente em seu território em determinado momento.¹³⁵
No sistema jurídico português podem ser apresentados dois institutos que expressavam precedentes vinculantes: assentos¹³ e estilos¹³⁷. No século XV, a Casa da Suplicação¹³⁸, que exercia a função de Suprema Corte portuguesa, por assim dizer, tinha, dentre as suas funções, interpretar a lei e uniformizar a jurisprudência. O instrumento usado para tal desiderato era o chamado assento.¹³ A principal utilidade deste instrumento era a de apresentar o enunciado consolidado do entendimento do tribunal. Pode-se dizer que é uma origem remota do que hoje conhecemos como enunciado de súmula. Interessante notar que os assentos tinham aplicabilidade no Brasil enquanto colônia portuguesa. Tal cenário, por certo, foi alterado com a independência em 1822.
A despeito deste fato histórico, nítida a influência deste sistema jurídico para a construção do sistema jurídico brasileiro.
Atualmente, em Portugal, não há mais a possibilidade de proferimento de decisões judiciais com eficácia vinculante, exceto nos casos de pronunciamentos do Tribunal Constitucional (art. 281, nº 5 da Constituição) em que haja a declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade. Assim, fácil concluir pela eficácia meramente persuasiva nos demais casos.¹⁴
Percebe-se, pois, que o sistema de precedentes existe em Portugal, ainda que não seja integralmente como o brasileiro, mas com uma eficácia vinculante um pouco mais restrita ao controle da constitucionalidade das normas.
1.4.2 Itália
O sistema jurídico italiano, mais do que qualquer outro no mundo, segue a escola romano-germânica da civil law. Assim, a adoção dos precedentes, mormente os que são dotados de eficácia vinculante, apesar de existente, tem uma aplicação restrita ao controle de constitucionalidade. Na Itália, o pensamento corrente e bem aceito é o de que o precedente jurisdicional não pode ser considerado, a rigor, como uma fonte do Direito¹⁴¹ e, portanto, despido de qualquer eficácia vinculante. O precedente pode ser somente persuasivo e até mesmo uma fonte de fato, mas não uma fonte do Direito.¹⁴²
As fontes das normas jurídicas no Direito italiano, conforme lição doutrinária¹⁴³, são as seguintes: i) a Constituição e as leis de hierarquia constitucional; ii) as leis do Estado italiano e as leis regionais; iii) os regulamentos; iv) as fontes comunitárias e v) os costumes.
O princípio da legalidade determina que o órgão jurisdicional esteja sempre submetido à lei enquanto norma jurídica, não podendo a decisão judicial proferida, portanto, ter o mesmo status de uma lei. Os precedentes, com efeito, devem sempre ser aplicados em conformidade com alguma norma jurídica positivada, costumes ou outra norma escrita (fonte formal do Direito).¹⁴⁴ O papel da jurisprudência, deveras fundamental, não pode jamais ser considerada, por esta concepção, como uma fonte do direito e o mesmo, por consequência, deve ser aplicado aos casos de precedentes.¹⁴⁵
Apesar de tal, digamos, resistência na encampação da teoria dos precedentes no sistema italiano, é factível afirmar que os precedentes ostentam certa relevância na resolução dos casos concretos.¹⁴ Tanto é verdade que é comum verificar a existência de críticas contundentes às decisões, inclusive de Corte Superior,
quando, a despeito de ser aplicável um precedente meramente persuasivo, o órgão jurisdicional deixa de empregá-lo sem despir-se do seu ônus argumentativo.¹⁴⁷
Ora, resta evidente, portanto, que os órgãos jurisdicionais italianos possuem certa discricionariedade para fins de aplicação ou não dos precedentes, o que contribui e muito para a insegurança jurídica e, em última análise, fulmina a própria essência do Estado Democrático de Direito.¹⁴⁸ A ocorrência da dispersão de precedentes é preocupação recorrente na doutrina.¹⁴
Interessante notar que a doutrina italiana¹⁵ costuma apontar alguns fatores primordiais que podem gerar um maior ou menor respeito aos precedentes criados, quais sejam: i) nível hierárquico do tribunal; ii) ter sido a decisão proferida por um colegiado mais amplo da Corte de Cassação ou do Conselho de Estado; iii) a reputação do órgão jurisdicional e até mesmo do juiz prolator da decisão; iv) modificação nas circunstâncias políticas, econômicas ou sociais desde que o precedente se formou; v) a data na qual o precedente foi criado; vi) o enquadramento ao que se chama de giurisprudenza costante ou consolidata (tendência jurisprudencial firme); vii) a eventual existência de um contraprecedente.
Impende salientar, a bem da verdade, que ainda não existe uma regulamentação expressa no âmbito legislativo acerca do uso dos precedentes no sistema jurídico italiano, seja para exigir a sua obrigatória aplicação, seja para proibir o seu uso.
Apesar disso, a Corte de Cassação italiana, em decisão lapidar, entendeu ser possível a responsabilização civil de um juiz que não segue a jurisprudência da Corte, desde que sua decisão leve a resultado “anormal” de aplicação da lei, fruto de uma interpretação não possível da norma. Contudo, afirmou que a simples falta de fundamentação não pode levar a uma responsabilização do magistrado, se for possível aferir da decisão as razões para a não aplicação do precedente ou da distinção entre o caso julgado e o precedente. Ficou claro na
decisão, ainda, que na Itália não há vinculação aos precedentes da Corte de Cassação, mas que a “adoção de uma solução que não esteja alinhada com a jurisprudência não pode ser livre, nem injustificada, nem inédita”, devendo o juiz explicar as razões da distinção.¹⁵¹
Nada obstante, existem duas situações que merecem destaque: i) decisões da Corte Constitucional acerca do controle de constitucionalidade; e ii) utilização da massima.
As decisões da Corte Constitucional, em sede de controle de constitucionalidade concentrado, quando tem por resultado o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma jurídica, ostenta eficácia vinculante e não será objeto de overruling, ou seja, deverá ser aplicada obrigatoriamente aos casos concretos futuros. A doutrina, entretanto, aponta um certo erro de premissa, pois não considera o fato em testilha como um verdadeiro precedente, na medida em que a decisão proferida gera um ab-rogação da norma inconstitucional e justamente tal situação gera a eficácia vinculante e não propriamente a decisão em si.¹⁵²
Nesta toada, nota-se uma certa confusão terminológica empregada ao termo precedente no sistema italiano.¹⁵³ O referido termo pode ser usado nos seguintes sentidos: i) em um sentido muito amplo, para significar qualquer decisão prévia possivelmente relevante para um caso a ser decidido; ii) em um sentido mais estrito, em que precedente é qualquer decisão prévia tratando do mesmo tema jurídico; iii) para designar uma decisão que é tida como de alguma maneira significativa ou que possivelmente influenciará a decisão de um caso posterior; iv) e, por fim, como um julgamento que decide um novo tema de Direito, pela primeira vez, ou um julgamento em que se decide acerca de um tema de Direito de uma nova maneira, ou de uma forma especialmente completa e original.¹⁵⁴
Na Itália há um instituto denominado massima¹⁵⁵ que pode ser comparado ao que conhecemos no Brasil como súmula.¹⁵
Essas massime são editadas pelo Massimario, órgão que integra a estrutura da Corte Suprema di Cassazione italiana, cuja atribuição é promover a análise sistemática das decisões deste tribunal.¹⁵⁷ A massima, a rigor, é um breve enunciado com a interpretação da norma jurídica positivada, sem qualquer indicação ou menção aos fatos ensejadores da consolidação do entendimento pelo órgão jurisdicional.¹⁵⁸
1.4.3 Alemanha
Na Alemanha não há um sistema jurídico de precedentes regulamentado expressamente no ordenamento, apesar do reconhecimento expresso da vinculatividade das decisões do Tribunal Constitucional. O sistema alemão é bem peculiar, pois apesar de não conter uma regulamentação expressa do tema, pode-se dizer que a teoria dos precedentes ostenta certa relevância na solução dos casos concretos, mormente nos hard cases.
As codificações, para o sistema alemão, são as principais fontes (primárias) para a solução dos casos concretos como, aliás, se verifica nos países da tradição jurídica da civil law.
O conceito de precedente no sistema alemão é simples, pois qualquer decisão prévia possivelmente relevante para um caso presente a ser decidido pode assim ser considerado e, ainda, pressupor certo grau de vinculatividade.
A doutrina costuma sempre apontar o nível da cultura jurídica do sistema alemão, notadamente quanto à autorreferência na aplicação dos precedentes, ou seja, é deveras fácil¹⁵ encontrar decisões judiciais que fazem expressa referência aos precedentes anteriores, apesar de não serem objeto de grandes debates.¹
Outra característica interessante que se verifica no sistema jurídico alemão é a mudança da relevância do precedente, conforme a maior/menor necessidade da interpretação da norma jurídica ou até mesmo diante da sua ausência. No caso de existir uma regra jurídica positivada aplicável ao caso concreto, o precedente ostenta papel secundário, mas diante da inexistência da norma ou da sua
imperiosa interpretação, a a ter papel vital o precedente.¹ ¹
Assim, pode-se afirmar que os precedentes interpretativos ganham maior relevância do que aqueles que simplesmente fazem expressa referência à norma geral positivada.¹ ²
Impende salientar a existência de precedentes vinculantes no sistema jurídico alemão, apesar do que foi dito à guisa de introdução. As decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional da Alemanha em sede de controle de constitucionalidade possuem eficácia vinculante, pois extirpam determinadas normas do ordenamento jurídico, ou seja, nos casos de reconhecimento da invalidade da norma.¹ ³
Tais decisões serão consideradas, pois, como precedentes vinculantes (vinculação vertical) para todos os demais órgãos constitucionais da Federação e dos Estados, bem como para as demais Cortes e autoridades.
A doutrina alemã sistematiza os fatores que permitem determinar os graus de eficácia vinculante dos precedentes da seguinte forma:¹ ⁴
a) A posição hierárquica da Corte que estabeleceu o precedente;
b) Se a decisão foi proferida por um colegiado ordinário (normal ) ou por um colegiado mais amplo (great or common );
c) Como não se torna público quem foi o juiz que redigiu sua decisão, sua
reputação não tem qualquer relevância;
d) Mudanças nas circunstâncias políticas, econômicas ou sociais podem ser de grande importância para a mudança de um corpo estabelecido de precedentes fixados pelos juízes superiores (established body of precedentes set by the highest judges);
e) A sonoridade dos argumentos que justificam a decisão é de grande importância para as decisões subsequentes;
f) A idade do precedente é de pequena importância;
g) Votos divergentes só são publicados em matéria constitucional e, portanto, a existência ou não de divergência só poderia ter relevância neste campo, no qual as decisões são estritamente vinculantes;
h) A área do Direito envolvida parece não ter qualquer relevância; i) Saber se o precedente representa uma tendência é significativo apenas pelo fato de que decisões que representam uma linha estabelecida são consideradas especialmente relevantes;
j) A crítica acadêmica a uma decisão, conforme o Tribunal Federal Constitucional, é importante para a questão da confiança dos cidadãos em que a continuidade daquela linha decisória será protegida, de modo que a crítica acadêmica pode enfraquecer a força do precedente;
k) Modificações legislativas em áreas relacionadas são frequentemente consideradas relevantes;
l) Os tribunais têm uma tendência factual a aderir aos seus próprios precedentes de maneira mais estrita do que aos precedentes de outros tribunais.
Entretanto, não haverá a vinculação horizontal, ou seja, o Tribunal Constitucional não fica vinculado aos seus próprios precedentes.¹ ⁵
Os demais precedentes eventualmente existentes não ostentam, pois não há regras legais expressas neste sentido, eficácia vinculante, mas tão-somente persuasiva. Ainda assim, os tribunais costumam observar e respeitar os precedentes persuasivos, em virtude da necessidade da proteção ao princípio da confiança. Caso o órgão pretenda deixar de aplicar o precedente, arcará com o ônus argumentativo de afastá-lo.¹ Pode-se afirmar, com isso, que existe uma vinculatividade de fato, ante o postulado da segurança jurídica.¹ ⁷
Há, por assim dizer, um certo costume jurisdicional¹ ⁸ que aplica o que a doutrina denomina de “linha de precedentes”.¹
Outra singularidade no sistema alemão, em virtude da (pouca) importância conferida aos precedentes, é a rara prática do distinguishing, bem como a aplicação do overruling somente aos precedentes vinculantes e, ainda assim, com eficácia temporal meramente prospectiva.
Por fim, no sistema jurídico alemão, há a possibilidade, assim como no brasileiro, da resolução das questões repetitivas conferir a formação de precedentes vinculantes. O Musterverfahreni, procedimento modelo incidental, é
exemplo disto, na medida em que questões de fato ou de direito, comuns a um grupo de processos similares, são decididas, tendo a decisão eficácia vinculante para os processos individuais.¹⁷
Neste procedimento haverá não só a fixação de uma tese (proposição) jurídica (questão de direito), como também a resolução de questão de fato. A decisão proferida servirá como precedente vinculante para a resolução das questões repetitivas.¹⁷¹ Há, por outro lado, quem defenda não ser propriamente uma eficácia vinculante, mas uma decorrência lógica e imediata da formação da coisa julgada com a devida expansão subjetiva de seus efeitos.¹⁷²
1.4.4 França
O sistema jurídico francês, de tradição jurídica da civil law, forte no princípio da separação de funções, é, em premissa, refratário ao acolhimento da teoria dos precedentes¹⁷³, mormente quando vinculantes. Tal introito é corroborado pela melhor doutrina que afirma inexistir no referido sistema precedentes vinculantes, pois, a rigor, o ordenamento veda o proferimento de decisões judiciais lastreadas unicamente em um precedente. ¹⁷⁴
A vinculação decorrente de um precedente somente gera efeitos inter partes em relação ao que restou decidido, ou seja, a autoridade da coisa julgada. Esta, por certo, não se confunde com a eficácia vinculante, como usada na teoria dos precedentes. Entretanto, reconhece-se a chamada jurisprudência constante (jurisprudence constante), que pode ser usada como fonte para a solução de casos concretos, apesar do primado da norma jurídica positivada (lei) vigorar¹⁷⁵, pois no sistema constitucional francês um precedente não pode ser considerado como norma jurídica. ¹⁷
Apesar da não adoção do sistema de precedentes vinculantes (vinculação formal a precedentes), ainda quando proferida por órgãos jurisdicionais superiores¹⁷⁷, é possível afirmar a
possibilidade do uso de precedentes para a formação das decisões judiciais. O precedente pode ser usado como reforço argumentativo, mormente nos casos de decisões de cortes superiores, ou como um standard de solução adequada para determinada situação concreta já decidida anteriormente, mas, repita-se, sem a obrigatoriedade da sua aplicação e observância. ¹⁷⁸
Quando o precedente resulta da interpretação da lei, para a doutrina, pode ser considerado como uma “fonte do Direito”, ou seja, a única fonte é a lei escrita, tal como definida/interpretada pelo órgão jurisdicional. ¹⁷
Tema de relevante interesse para os fins da presente dissertação é a análise da decisão da Corte (Conselho) Constitucional, mormente diante do controle repressivo da constitucionalidade das normas, por meio da questão prioritária de constitucionalidade ou QPC (question prioritaire de constitutionnalitè) e a eventual possibilidade do proferimento de precedentes com eficácia vinculante. A rigor, a decisão proferida deve ser observada não porque a sua eficácia é vinculante, mas em virtude da sua própria natureza jurídica.¹⁸ A decisão proferida na hipótese, como aliás preconiza do art. 62 da Constituição da República sa, gera a revogação da norma considerada inconstitucional a partir da sua publicação ou de uma data posterior, fixada pela própria decisão, conforme art. 61 da mesma Carta Constitucional.¹⁸¹Nada obstante, há quem sustente que tal decisão da Corte Constitucional deve ser considerada como
exemplo de precedente com eficácia vinculante no sistema jurídico francês. ¹⁸²
Assim, considerando o que foi exposto, o sistema de precedentes que existe no ordenamento jurídico francês possui as seguintes características: ¹⁸³
a) Precedentes não precisam ser seguidos em casos subsequentes similares;
b) Mesmos as Cortes Superiores não precisam realizar a autorreferência e, portanto, não há uma eficácia vinculante horizontal;
c) Os órgãos jurisdicionais inferiores não estão jungidos à aplicação dos precedentes dos superiores, ou seja, também não existe uma eficácia vinculante vertical;
d) A referência ao próprio precedente ou de outros órgãos não pode ser utilizado como fundamento para os casos concretos novos;
e) A não aplicação de determinado precedente, ainda que aplicável ao caso concreto e sem qualquer referência na fundamentação da decisão, não pode ser considerado como causa de pedir recursal.
70 “Os sistemas jurídicos são dotados de caráter transnacional. Cada direito, de uma época e de um país, não é per se, um sistema independente, com vida autônoma. Ele integra um sistema previamente dado, historicamente condicionado, feito de métodos, regras e conceitos que não se modificam por mero ato legislativo – venha esse ato de onde vier. O direito é feito de outra coisa que não somente regras mutáveis. São os elementos estreitamente ligados às culturas de cada civilização e ao correlato modo de pensar que determinam a produção de normas que perfazem o direito e permitem identificar a que família pertencem.” A. MATIAS. Precedentes – fundamentos, elementos e aplicação. São Paulo: JH Mizuno, 2019. p. 19.
71 Devem ser consideradas, também, as influências bilaterais e unilaterais. As bilaterais são aquelas verificadas por meio de influências recíprocas, como ocorre no Direito brasileiro, enquanto que as unilaterais somente são verificadas em uma única direção como ocorreu com algumas colônias britânicas que aplicaram o sistema jurídico do Império, mas que não tiveram o condão de gerar uma influência significativa.
72 “[...] consiste, verdadeiramente, em um conjunto de práticas e costumes e hábitos profundamente arraigados em uma comunidade, historicamente condicionados, a respeito da natureza do direito, do papel do direito na sociedade e na política, a respeito da organização e da operação adequada de um sistema legal, bem como a respeito da forma que deveria criar-se, aperfeiçoar-se, aplicar-
se e ensinar-se o direito. Assim, a tradição jurídica relaciona o sistema jurídico (conjunto de regras normativas) com a cultura, ela insere o sistema legal dentro e a partir da perspectiva cultural.” L. STRECK; G. ABBOUD. O que é isto? – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 17.
73 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: GEn/Forense, 2018. p. 3.
74 M. FALCÓN Y TELLA. Case Law in Roman, Anglosaxon and Continental Law. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2011. p. 19-22; R. DAVID. Os grandes sis- temas do Direito Contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 20-23.
75 Há quem afirme que sejam subsistemas de direitos nacionais. R. DAVID. Os grandes sistemas do direito contemporâneo: direito comparado. Tradução de Hermínio A. de Carvalho. 2. ed. Lisboa: Meridiano, 1978.
76 “o sistema da Common Law, que, conforme será esclarecido mais adiante, não deve ser confundido com “sistema inglês”(porque se aplica a vários países, embora nascido na Inglaterra), nem com “britânico” (adjetivo relativo a GrãBretanha, entidade política que inclui a Escócia, que pertence ao sistema da família romano-germânica), nem com anglo-saxão (porque esse adjetivo designa o sistema dos direitos que regiam as tribos, antes da conquista normanda da Inglaterra, portanto, anterior à criação da Common Law naquele país).” G. SOARES. Common Law – Introdução ao Direito dos EUA. 2. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 25.
77 “outras concepções da ordem social e do direito, tais como o direito muçulmano, indiano, direitos do Extremo Oriente, direito judaico, direitos da
África e de Madagascar, de forte componente ligado à religião, que em determinados países é a principal fonte das normas jurídicas nacionais (Irã, Iraque) e em outros, relevantes para determinados ramos do Direito Privado, em particular, em matéria de família, sendo os demais campos ora da família romano-germânica (Israel e Líbano), ora da Common Law (Índia e Paquistão).” G. SOARES. Common Law – Introdução ao Direito dos EUA. 2. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 25-26.
78 S. VENOSA. Direito Civil: parte geral. 19. ed. São Paulo: GEN/Atlas, 2019. p. 32.
79 “Allo stesso tempo, sarebbe pressochè impossibile entrare in contanto con la cività islamica senza fare seriamente i conti con l’aspetto giuridico che la caratterizza: la shari’a há infatti rappresentato per l’islam l’apice, la punta massima della sua espressione. Vera e própria Lex divina, scienza per eccellenza, essa há avuto il merito, nel corso della storia, di essere elemento catalizzatore, capace di elevarsi a sistema giuridico, etico e religioso universale dell’intero mondo mussulmano.” M. PAPA; L. ASCANIO. Shari’a – La legge sarca dell’islam. Bologna: Il Mulino, 2014. p. 8.
80 “Se, nella mostra tradizione, la legge è concepita come direta emanazione di um potere umano costituito (il dittatore, il monarca, il popolo), ossia fruto dell’inteletto dell’uomo allo scopo di definire normativamente gli ambiti di regolamentazione del contesto sociale di riferimento, ciò non vale, in origine, per il muçulmano; la sua comunità (uma) è governata solo e solamente da Dio, così che la legge (hukm) deve essere emanazione di Dio stesso. Allah è, infatti, il grande Legislatore, colui che detta la norma per il popolo prescelto. La legge è parola di Dio, per mezzo del suo Profeta, e há ad oggetto la regolamentazione degli atti del singolo credente e della vita dell’intera comunità.” (...) “è con il termine shari’a che si fa riferimento a tale vincolo giuridico, etico e religioso instauratosi tra Dio, l’uomo e la sua comunità.” M. PAPA; L. ASCANIO. Shari’a – La legge sarca dell’islam. Bologna: Il Mulino, 2014. p. 14-15.
81 J. MERRYMAN; R. PÉREZ-PERDOMO. A tradição da civil law – uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução brasileira de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 24. R. DAVID. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução brasileira de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 279.
82 “Entende-se por Direito inglês o aplicado na Inglaterra e no País de Gales (mas não em todo o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte: o Direito escocês é bastante diferente do inglês, enquanto o da Irlanda do Norte, embora distinto do inglês, é bastante parecido com ele).” A. CÂMARA. Levando os padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 12.
83 R. DAVID. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 286.
84 S. WHITTAKER. El precedente em el derecho inglês: uma visión desde la ciudadela. Trad. Espe. De Cristián Banfi del Río. Revista Chilena de Derecho. Cidade, vol. 35, p. 42, 2008.
85 “[...] onde os juristas e práticos, quer tenham ou não adquirido a sua formação nas universidades, utilizam classificações, conceitos e modos de argumentação dos romanos.” R. DAVID. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 41.
86 “Com efeito, característica marcante da família romano-germânica de direito é a centralização da atividade legiferante como instituidora de direitos e a sua reunião em textos normativos (Códigos). A intenção disso, portanto, é formatar a
orientação conteudística de aplicação do Direito, de sorte a desvincular-se do particularismo, dos casuísmos, da vontade da ‘glossa jurídica’” G. FARIA. Jurisprudencialização do direito: reflexões no contexto da processualidade democrática. Belo Horizonte: Arraes, 2012. p. 85
87 “No civil law, portanto, as normas, não visam a assegurar a solução do caso concreto e sim a estabelecer condutas (proibitivas ou permissivas) aos cidadãos que vivem em dada sociedade, servindo-lhe de verdadeiro guia jurídicoorganizacional.” R. DAVID. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 79.
88 G. PINHEIRO. A vinculação decisória no Estado Democrático de Direito – por uma compreensão constitucionalmente adequada da aplicação de precedentes, súmulas e decisões vinculantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 28.
89 J. MERRYMAN; R.PÉREZ-PERDOMO, op. cit., p. 23.
90 “O que hoje se reconhece como sistema de direito romano-germânico, de cediço predomínio nos países da Europa continental e, via de consequência, nos países da América latina, por influência de Portugal e Espanha, teve seu início no século XIII, principalmente a partir do desenvolvimento das universidades, em cujo seio se retomou o estudo do Direito Romano, fonte de sua inspiração. Por isso que se afirma que a base do sistema da civil law é romanística, vale dizer, prevaleceram no seu desenvolvimento os princípios do direito romano em contrapartida às práticas, costumes e regras das civilizações bárbaras que durante os primeiros séculos após as invasões e o declínio do Império Romano regeram os povos que coabitavam o território europeu.” E. MACEDO. Jurisdição e processo: crítica histórica e perspectiva para o terceiro milênio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 78.
91 “Em outros termos, o que se busca verificar é se o fato de em um ordenamento jurídico se empregarem precedentes ou enunciados de súmula como “fontes” das decisões judiciais é suficiente para se afirmar que tal ordenamento não integra a tradição de civil law.” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2018. p. 25.
92 J. MERRYMAN; R. PÉREZ-PERDOMO. A tradição da civil law – Uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução brasileira de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 23.
93 “O Direito romano, porém, não é a única “fonte” dos modernos ordenamentos da civil law. Também o Direito canônico (da Igreja Católica Romana) exerceu importante influência.” A. CÂMARA. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2018. p. 28.
94 “[o] Direito Canônico tem uma importância enorme na história do direito tanto na esfera das instituições quanto na da cultura jurídica [e] é dele que parte a reorganização completa da vida jurídica europeia.” J. LOPES. O Direito na História – Lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 83. No mesmo sentido: J. MERRYMAN; R. PÉREZ-PERDOMO. A tradição da civil law – Uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução brasileira de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 33.
95 “[O] desenvolvimento de um sistema jurídico nacional em cada uma das principais nações da Europa assumiu certas características que podem ser diretamente relacionadas ao desejo de identificar, perpetuar e glorificar as instituições jurídicas locais. Esta tendência é de fato uma das principais razões que explicaram as diferenças entre os sistemas jurídicos contemporâneos do mundo d[o] civil law. Porém, o que une estas nações é o fato de que as instituições jurídicas nacionais foram harmonizadas com a forma e a substância
do direito civil romano, sob a influência do jus commune. A influência romana é muito grande; a contribuição do direito autóctone, ainda que substancial, é geralmente de importância subsidiária. Este não se ocupa de questões como noções e atitudes legais básicas, ou a organização e o estilo da ordem jurídica. Estas são extraídas da mais antiga, mais desenvolvida e sofisticada tradição do direito civil moderno.” J. MERRYMAN; R. PÉREZ-PERDOMO. A tradição da civil law – Uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução brasileira de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 35-36.
96 “As is well known, the civil law jurisdictions do differ more between each other than common law systems do.” E. HONDIUS. Precedent and the law. Eletronic Journal of Comparative Law, vol. 11.3, p. 10. Disponível em:
. o em: 19-jun-2020.
97 “Ano de 1804: seu significado na evolução moderna do direito civil. 1804 não é unicamente uma data pertencente à cronologia jurídica; nem tudo foi dito ao se fazer constar que 1804 é a data de nascimento do código civil ou código de Napoleão, para empregar uma terminologia mais da moda e que, como veremos, foi oficial por um tempo. Devido à importância que se reconheceu ao código civil, 1804 representa uma nova era da história jurídica. Com efeito, considera-se que o código estabilizou as conquistas da revolução sa; para seus contemporâneos foi algo mais que uma mera coleção de leis privadas, pois consideravam que dominava o direito em sua totalidade.” J. BONNECASE. Tratado elemental de derecho civil. Parte A. Tradução especial de Enrique Figueroa Alfonzo. México: Harla, 1997. p. 37.
98 “Apesar da proeminência do papel destas legislações, a utilização da técnica dos precedentes não é estranha aos ordenamentos jurídicos de civil law. Em diversos ordenamentos filiados a esta tradição jurídica se reconhece eficácia – ora vinculante, ora meramente persuasiva – aos precedentes judiciais, especialmente aos que resultam da atividade dos Tribunais de Superposição.” A. CÂMARA. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2018. p. 30.
99 “o sistema de precedentes não [é] um atributo próprio do common law – como falsamente se propaga.” L. MARINONI. O STJ enquanto Corte de precedentes. São Paulo: RT, 2013. p. 17.
100 “Dessa forma, o Brasil, se bem que imerso na tradição positivista romanogermânica, não está imune ao fenômeno da criação judicial do direito, magistralmente descrito em nível internacional por Mauro Cappelletti. A criação judicial do direito, em verdade, está intimamente ligada à interpretação de textos legais, que, não raro, estão repletos de termos indeterminados. Os termos indeterminados são devidamente definidos no processo de aplicação do direito ao caso concreto, que se dá na sentença, norma jurídica individual, cuja produção requer a fase interpretativa do texto normativo utilizado para dirimir o dissídio.” A. MATIAS. Precedentes – fundamentos, elementos e aplicação. São Paulo: JH Mizuno, 2019. p. 181.
101 “O precedente não é um conceito de uso exclusivo ou mesmo criação da common law. Decisões judiciais e jurisprudências sempre foram utilizadas como argumento de autoridade para fundamentar e convencer os destinatários do discurso judicial também na civil law.” M.T ARUFFO; F. CARPI e V.COLESANTI. Commentario breve al Codice di procedura civile. Complemento giurisprudenziale. Padova: CEDAM, 2008. p. 795; J. CRUZ E TUCCI. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004. p. 2326.
102 P. OLIVEIRA. Recurso Extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: RT, 2013. p. 15; R. SEROUSSI. Introdução do Direito Inglês e Norte-americano. São Paulo: Landy, 2006. p. 14.
103 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 31.
104 “Essas características da jurisdição da civil law e da common law, hodiernamente, não são mais vistas nas referidas formas clássicas, como será demonstrado nas próximas seções, mas sim de forma entrelaçada, com a influência de um sistema no outro, sendo a atividade jurisdicional prestada com base na legislação, como também no que é sedimentado pela jurisprudência.” W. OLIVEIRA. Precedentes judiciais na istração Pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 22.
105 “Em realidade, no direito brasileiro, o que se constata é que o precedente judicial não tem como função preencher as lacunas da lei, mas sim dar ou impor a sua interpretação. No Brasil, por consequência, o precedente atua perante a lei e não no seu vazio. Poderá atuar, até mesmo, como fonte do direito, desde que a legislação constitucional assim regulamente.” R. MANCUSO. Recurso Extraordinário e Especial. 13. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 230.
106 “É claro que o Estado não pode abdicar da fixação de linhas fundamentais, mas também é claro que se impõe uma delesgificação, abandonando a desconfiança iluminista do social e realizando um autêntico pluralismo jurídico, onde os indivíduos sejam os protagonistas ativos da organização jurídica do mesmo modo que acontece com nas transformações sociais. Somente dessa forma será possível preencher o fosso que atualmente constatamos com amargura.” P. GROSSI. L’Europa del diritto. Roma: Laterza, 2007. p. 119-120.
107 Devem ser consideradas, também, as influências bilaterais e unilaterais. As bilaterais são aquelas verificadas por meio de influências recíprocas, como ocorre no Direito brasileiro, enquanto que as unilaterais somente são verificadas em uma única direção como ocorreu com algumas colônias britânicas que aplicaram o sistema jurídico do Império, mas que não tiveram o condão de gerar uma influência significativa.
108 “Daí não se extraia, porém, que não haja – no Direito brasileiro contemporâneo – influência da tradição de common law. É que, modernamente, tem-se identificado o que pode ser chamado de “interferência horizontal” entre os sistemas, isto é, a “imitação de um sistema ou modelo por parte de outros sistemas, ainda que derivados de experiências históricas e linhas evolutivas muito heterogêneas.” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 59.
109 R. DAVID. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução brasileira de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 61.
110 “Vê-se, pois, que não é o mero fato de um ordenamento jurídico adotar instituições que normalmente são encontradas em uma determinada tradição jurídica que o faz integrar essa “família”, saindo daquela a que sempre pertenceu.” (...) “Pois é exatamente isto o que se tem no Direito brasileiro. Não obstante a adoção de institutos que têm origem no Direito anglo-saxônico, o Brasil não abandonou sua tradição de civil law para ar a integrar-se ao common law (ou mesmo para ar a adotar um sistema híbrido, uma espécie de “civil law commonlizado”). A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 56.
111 “o Direito independe da conformação concreta das tradições jurídicas.” N. LUHMANN. O direito da sociedade. Tradução brasileira de Saulo Krieger. Versão eletrônica. São Paulo: Martins Fontes, 2016. p. 288.
112 “Não se pode, ainda, deixar de considerar o fato de que, por mais que se reconheçam diferenças entre as tradições jurídicas de civil law e de common law – e elas realmente existem -, do ponto de vista sistêmico essas diferenças não são tão relevantes. É que o Direito funciona do mesmo modo em ambas as tradições, ou seja, tanto no civil law como no common law o Direito busca produzir os
mesmos resultados.” A.CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 60.
113 M.REALE. Lições preliminares de direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 89.
114 “O common law caracteriza-se como direito costumeiro-jurisprudencial, fundado nos usos e costumes consagrados nos precedentes firmados por meio das decisões dos tribunais, distinto do direito continental europeu e latinoamericano, ligado à tradição romanística, do direito Romano medieval, e caracterizado pelo primado da lei, considerado fonte primária do ordenamento jurídico.” R.OLIVEIRA. Precedentes no Direito itrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 4.
115 Há, na doutrina, quem não siga esta mesma toada: M.SHAPIRO. Courts: a comparative and political analysis. Chicago: The University of Chicago Press, 1981. p. 126.
116 A.CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 19.
117 “Pode o civil law ser entendido como um sistema fechado, na medida em que se busca pela edição de normas preestabelecidas englobar toda a conduta humana, em contraposição ao common law, que seria um sistema aberto, pois, nesse, além da lei, as decisões judiciais sedimentadas em precedentes também regulariam o modo de viver das pessoas.” R. DAVID. Os grandes sistemas do Direito Contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes. 2002. p. 410 e 440.
118 “Uma tradição jurídica, conforme o próprio termo indica, não é um conjunto de normas legais sobre contratos, empresas ou crimes, embora tais normas sejam, quase sempre, em algum sentido, um reflexo daquela tradição. Uma tradição jurídica é, na verdade, um conjunto de atitudes historicamente condicionadas e profundamente enraizadas a respeito da natureza do direito e do seu papel na sociedade e na organização política, sobre a forma adequada da organização e operação do sistema legal e, finalmente, sobre como o direito deve ser produzido, aplicado, estudado, aperfeiçoado e ensinado. A tradição jurídica coloca o sistema legal na perspectiva cultural da qual ele, em parte, é uma expressão.” J. MERRYMAN; R. PÉREZ-PERDOMO. A tradição da civil law – Uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução brasileira de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p. 23.
119 M. CAPPELLETTI. El processo civil en el derecho comparado. Trad. Esp. De Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1973, p. 37. No mesmo sentido: “Common Law anglo-americano e o direito europeu continental, que agora regem a maioria da população mundial, tendem a se aproximar: o Common Law está ando por uma extensão dos statues e das consolidations em detrimento do puro ‘judge made law’, enquanto a jurisprudência vai assumindo importância crescente em muitos países de Civil Law. Por exemplo, naqueles países que têm um tribunal constitucional, o direito constitucional tende a cada vez mais a se tornar um direito jurisprudencial.” M. LOSANO. Os grandes sistemas jurídicos: introdução aos sistemas jurídicos europeus e extraeuropeus. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 345.
120 “The contrast [between civil law and common law procedure in civil cases] is problematic if only because it requires the justaposition of two distinct units whose existence has just been thrown into doubt. But we also saw that changes evolved in some common law countries drew them closer to what are conventionally thought to be continental forms of civil justice, while changes in some continental countries moved them closer to what are conventionally considered common law procedural arrangements. The frontier between the two western procedural families has thus become increasingly ill-marked, open and transgressed. No wonder that some thoughtful commentators claim that the
opposition has outlived its usefulness.” M. DAMASKA. The common law/civil law divide: residual truth of a misleading distinction. In: Colóquio international the futures of categories/categories of the future. Anais. Toronto: IAPL, 2009. p. 8.
121 A doutrina confere uma relevância além do razoável para esta convergência entre a civil law e a common law, por exemplo: R. MARCUS. Exceptionalism and convergence: Form vs. Content and categorical views of procedure, In: Colóquio international the future of categories/categories of the future. Anais. Toronto: IAPL, 2009. p. 16. Por outro lado, há uma crítica contundente à ênfase conferida às diferenças entre as tradições, por considerá-las mais semelhantes do que díspares, por exemplo: “The diferences which exists between civil law and common law should both be exaggerated. It is also importante to note that differences on many issues exist both among civil law and among common law countries. The differences between civil law and common law systems are more in styles of argumentation and methodology than in the content of legal norms. By using different means, both civil law and common law are aimed at the same goal and similar results are often obtained by different reasoning. The fact that common law and civil law, despite the use of different means arrives at the same or similar solutions is not surprising, as the subject-matter of the legal regulation and the basic values in both legal systems are more or less the same.” C. PEJOVIC. Civil law and common law: two different paths leading to the same goal. Victoria University of Wellington Law Review (VUWLR), n. 32, p. 817841, 2001.
122 H. THEODORO JÚNIOR; D. NUNES; A.BAHIA. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas de padronização decisória. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2010. p. 40-41. v. 189.
123 L . STRECK. A juristocracia no novo Código de Processo Civil. Disponível em:
codigo-de-processo-civil>. o em: 04 jan. 2019.
124 “É correto afirmar que as tradições de civil law e de common law têm se aproxi- mado, já que muito frequentemente encontram-se, em ordenamentos jurídicos filiados a uma dessas tradições jurídicas, institutos e normas que antes não eram ali localizados, mas apenas na outra grande tradição jurídica.” A. CÂMARA. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2018. p. 51.
125 “É fato que a civil law não foi capaz de garantir segurança jurídica apenas com o apego à lei como fonte primária e principal do direito. Os códigos, que simbolizavam a completude e a clareza do direito, entram em declínio (descodificação), com a profícua elaboração de leis setoriais (especiais), ocasionando hiperinflação de atos normativos que colocam em risco os objetivos citados anteriormente.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 39.
126 “Não obstante as diferenças históricas entre as tradições da civil law e do common law, verifica-se, especialmente a partir da segunda metade do século XX, a crescente aproximação e interpenetração entre esses dois modelos. Com efeito, na atualidade, a aproximação dos sistemas de common law e civil law é uma realidade e, por isso, ambos se encontram em “crise” ou transformação (...)” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 29.
127 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 93.
128 “Impende, pois, construir-se um sistema que, mediante o respeito aos precedentes, busque estabelecer padrões decisórios que permitam obter-se a estabilidade exigida para que se promova a necessária segurança jurídica,
fazendo com que casos iguais sejam decididos igualmente (mas sem ir ao ponto de se promover uma rigidez interpretativa que impeça o desenvolvimento).” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 61.
129 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 62.
130 R. SUMMERS; S.ENG. Departures from precedents. In: MacCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (ed). Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot: Dartmouth Publishing, 1997. p. 529.
131 “Há, portanto, uma crescente aproximação entre os sistemas do civil law e do common law. A proliferação das leis e a relativização da força vinculante dos precedentes nos países do common law, de um lado, e a crescente importância das decisões judiciais e o processo de descodificação nos países do civil law, de outro lado, demonstram que as tradições jurídicas têm convergido, o que tem sido impulsionado pelo processo de globalização. (...) É difícil conceber na atualidade algum sistema jurídico que não tenha incorporado, ao menos parcialmente e com adaptações, a concepção dos precedentes, pois espelham a ideia geral de que os casos semelhantes devem ser julgados de forma semelhante.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 31-32. No mesmo sentido: “It is difficulty to conceive of a legal system in which precedent plays no part at all. One of the fundamental characteristics of law is the objective that like cases should be treated alike. It is therefore natural that, other things being equal, one court should follow the decision of another where the facts appear to be similar.” M. ZANDER. The law-making process. 7. ed. Oxford: Hart Publishing, 2015. p. 208.
132 “A influência do common law não se restringiu ao direito constitucional, abarcando, também, outros ramos do direito. No campo do processo civil, mencione-se, por exemplo, a instituição de mecanismos típicos dos países anglo-
saxões, tais como: juizados especiais para processar e julgar pequenas causas; o microssistema de ações coletivas (class actions); os métodos alternativos de resolução de litígios (Alternative Dispute resolution – ADR) etc.” (...) “O Direito istrativo brasileiro, aliás, vinculado, em sua origem, à tradição sa do civil law, tem sofrido forte influência dos países do common law, inclusive com a redefinição de institutos clássicos e a importação de modelos jurídicos. Mencionem-se, como exemplos desse fenômeno, a releitura da noção sa de serviços públicos para aproximação da noção norte-americana de serviços de utilidade pública (public utilities), com a ampliação da liberdade e da concorrência na prestação de atividades de relevância pública; a instituição de agências reguladoras a partir da década de 90, inspirada nas agências reguladoras norte-americanas; a utilização de Parcerias Público-Privadas sob influência do modelo utilizado no Reino Unido etc.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 33.
133 R. CRAMER. Precedentes Judiciais: Teoria e Dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 36; J. CRUZ E TUCCI. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004. p. 135; M. SOUZA. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 196 f. Dissertação de mestrado – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, 2014. p. 77.
134 Em minha opinião existe um sistema jurídico lusófono, mas em virtude do objetivo da presente obra, não será desenvolvido.
135 “Concretamente em relação às ordens jurídicas brasileira e portuguesa, estas não podem ser conhecidas, em nível científico, sem se conhecer o Direito Romano e o Direito Português anterior. O Direito Romano, porque as bases do nosso Direito nos foram dadas pelo gênio jurídico romano. A nossa maneira de ver o Direito, as evidências pré-críticas de quem se abeira pela primeira vez desta disciplina, esboroam-se com grande frequência quando entramos em contato com sistemas jurídicos mais distantes. Verificamos então que as soluções só parecem evidentes porque os juristas romanos as souberam moldar, com impressiva clareza, de tal modo que ainda hoje vivemos do seu contributo. O
Direito Romano foi Direito vigente em território português; e foi-o não apenas no tempo do domínio romano como em várias épocas posteriores. Ao seu sabor formaram-se os juristas e moldaram-se as soluções. O Direito Romano ficou a ser coluna constitutiva do Direito vigente, e assim elemento essencial para a compreensão de todo o sistema.” J. ASCENSÃO. O Direito – Introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 96-97.
136 As previsões da eficácia vinculante encontram-se no Alvará de 10.12.1518, na lei da Boa Razão de 18.08.1769.
137 “(...) constituíam a prática decisória adotada pelos juízes nos tribunais superiores de Portugal, isto é, eram o que entendemos hoje como jurisprudência.” R. CRAMER. Precedentes Judiciais: Teoria e Dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 36.
138 Depois foi substituída pelo Supremo Tribunal de Justiça, que também poderia emitir Assentos com eficácia vinculante, conforme a previsão no Código de Processo Civil de 1939, Código de Processo Civil de 1961 e no art. 2º do Código Civil de 1966. Entretanto, o Tribunal Constitucional português declarou inconstitucional a força vinculante e o caráter imutável dos assentos (acórdão 810/93).
139 “Os assentos tinham um formato muito semelhante ao dos enunciados de súmula do nosso sistema, pois resumiam, de forma abstrata, a posição do tribunal sobre determinada questão de direito.” G. NOGUEIRA. Stare decisis et non quieta movere: a vinculação aos precedentes no direito comparado e brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 128. “São essas as características as que sabemos: no pressuposto de um conflito de jurisprudência, nos termos em que jurídico-processualmente este é definido, e para o resolver definitivamente, enunciarão obrigatoriamente os supremos tribunais um critério normativo no modo de uma prescrição jurídica, a qual, tendo embora resultado da solução dada àquele conflito ou sendo a síntese dessa solução, a no
entanto a valer para future como preceito normativo geral e abstracto e dotado de força obrigatória geral.”
140 “Hoje em dia, o único pronunciamento judicial com caráter vinculante é a decisão de inconstitucionalidade ou ilegalidade (aquela que julga que um ato normativo fere uma norma que lhe é superior) proferida pelo Tribunal Constitucional em ação própria, de acordo com o art. 281, nº 5, da Constituição portuguesa: “3. O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.” No mais, a jurisprudência dos tribunais tem força persuasiva, sendo observada, em parte, pelo Judiciário.” R. CRAMER. Precedentes Judiciais: Teoria e Dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 37.
141 L. BACCAGLINI; G. DI PAOLO; F. CORTESE. The value of judicial precedent in the Italian legal system. Civil Procedure Review. vol. 7, n.1, p. 4, 2016.
142 M. TARUFFO; M. LA TORRE. Precedent in Italy. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Roberts (edit). Interpreting precedents. Darmouth: Ashgate, 1997. p. 154.
143 A. TORRENTE; P. SCHLESINGER. Manuale di diritto privato. 19. ed. Milão: Giuffrè, 2009. p. 26-37.
144 “Não obstante isso, há ramos do Direito em que boa parte das normas se apoia em precedentes, e não em leis escritas, como é o caso da responsabilidade civil e do Direito istrativo. Todavia, mesmo quando a base da regulamentação de uma matéria pode ser encontrada em precedentes, alguma referência a leis escritas é exigida.” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a
sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 48-49.
145 “Il principio di legalità [esige] che il giudice sai sottoposto soltanto alla ‘legge’(101 cost.) – nel senso di ‘norma giuridica’- e la sentenza del giudice non è legge. Da qui la critica alle tendenze che accentuano il particolare ruolo delle decisioni giurisprudenziali. L’insieme delle decisione costituirebbe il diritto vivente, sociologicamente individuabile; le regole, i principi, invece, costituirebbero tutt’al più una símplice linea di tendenza. Il giudice sarebbe vincolato al diritto vivente, non gli sarebbe consentito deviare dall’interpretazione e applicazione che del diritto vigente facciano gli altri giudici; in genere, dovrebbe attenersi alla prassi. Si tratta di uma soluzione inaccetabile. Pur essendo fondamentali il ruolo della giurisprudenza, la sentenza del giudice non è fonte del diritto. Il giudice, nella controvérsia che deve decidere, non è obbligato a seguir ela medesima interpretazione che abbia di essa dato in precedenza um altro giudice in um fattispecie análoga a quella presente (c.d. precedente vincolante). È impossibile assegnare il precedente giurisprudenziale ad um determinato grado nella gerarchia delle fonti. In realtà l’efficacia normativa del precedente risiede nell’efficacia normativa delle regole e dei principi (posti dalle fonti del diritto) interpretati ed applicati dalla giurisprudenza. La forza del precedente è non nella decisione, ma nella sua giustificazione (individuazione e applicazione delle norme giuridiche). Conta la ratio decidendi, cioè il principio che rappresenta l’idea sulla quale si fonda la sentenza; idea peraltro sempre legata alla fattispecie concreta, alle sua peculiarità che, spesso, hanno dell’irrepetibile.” P. FEMIA. Apud P. PERLINGIERI. Manuale di diritto civile. 6. ed. Nápoles: Edizioni Scientifiche Italiane, 2007. p. 38-39.
146 “no judge, and not even the single chamber of the court, is formally obliged to comply with the judgment delivered by the Sezioni Unit of the Corte di Cassazione or by the Adunanza Plenaria of the Consilgio di Stato in these situations. However, their judgments are usually considered as especially authoritative and they are normally used as precedents.” M. TARUFFO; M. LA TORRE. Precedent in Italy. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Roberts (edit). Interpreting precedents. Darmouth: Ashgate, 1997. p. 146.
147 “Não obstante tudo isso, decisões que não seguem precedentes relevantes costumam ser criticadas na Itália, especialmente quando nem os levam em consideração. Um tribunal pode não seguir um precedente, mas, neste caso, espera-se dele que discuta a questão e estabeleça argumentos justificando a escolha de não o adotar. Quando uma Corte superior decide não seguir seus próprios precedentes, há uma espécie de overruling informal, devendo ser apresentados bons argumentos que justifiquem essa nova opção. De outro lado, quando uma Corte inferior não segue um precedente relevante de um tribunal superior, sua decisão provavelmente será reformada, salvo se a Corte inferior demonstrar que o precedente não se aplicava ao caso, ou que havia boas razões para não o aplicar.” A.CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 47.
148 “A decisão jurídica não se apresenta como um processo de escolha do julgador das diversas possibilidades de solução da demanda. Ela se dá como um processo em que o julgador deve estruturar sua interpretação – como a melhor, a mais adequada – de acordo com o sentido do direito projetado pela comunidade política.” L. STRECK. O que é isto – Decido conforme a minha consciência? 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 108. No mesmo sentido, vale mencionar: “no Estado Democrático de Direito, sob uma perspectiva póspositivista, não pode ser itida a existência de discricionariedades judiciais, o que mostra ser inaceitável, sob a perspectiva aqui adotada, o sistema adotado pelos tribunais italianos para decidir se vão ou não respeitar os precedentes.” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 47; “se os juízes fossem livres, nenhuma regra poderia ser considerada obrigatória.” R. DWORKIN. Levando os direitos a sério. Tradução brasileira de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 60.
149 “The Supreme Court does not follow its own precedents, except when it seems that repeating the same solution of the same legal issue is just and correct, or even comfortable. The Court does not feel bound to follow, or even to take
into due its own precedents. Conflicts in the case law of the court are extremely frequent; conflicts among different chambers of the Court are frequent; even conflicts among different s of the same chamber exist. [It happens] sometimes that a precedent set by the Sezioni Unite is not followed by the ordinary chamber of the Court.” M. TARUFFO; M. LA TORRE. Precedent in Italy. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Roberts (edit). Interpreting precedents. Darmouth: Ashgate, 1997. p. 163.
150 M. TARUFFO; M. LA TORRE. Precedent in Italy. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Roberts (edit). Interpreting precedents. Darmouth: Ashgate, 1997. p. 159-161.
151 Sentenza 11747/2019.
152 “such a judgment is not a precedent in the proper sense: rather, it has the same effect as an abrogation, since afteri the statutory rule involved is no longer deemed to ‘exist’ in the legal system. This is the reason why the judgment cannot be overruled and must be applied in every case. But this is not ‘force of precedent’ in the proper sense. Consider, moreover, that when the Constitutional Court finds that a statutory rule is not in conflict with a constitutional provision, such a judgment has no special effect. It may be overruled by the same court, and it is not formally binding, but it is a de facto precedent.” M. TARUFFO; M. LA TORRE. Precedent in Italy. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Roberts (edit). Interpreting precedents. Darmouth: Ashgate, 1997. p. 155.
153 A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 45.
154 M. TARUFFO; M. LA TORRE. Precedent in Italy. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Roberts (edit). Interpreting precedents. Darmouth: Ashgate,
1997. p. 151.
155 Compiti dell’Ufficio - Compito istituzionale dell’Ufficio del massimario e del ruolo è l’analisi sistematica della giurisprudenza di legittimità, condotta allo scopo di creare le condizioni di un’utile e diffusa informazione (interna ed esterna alla Corte di cassazione), necessaria per il miglior esercizio della funzione nomofilattica della stessa Corte, analisi articolata nelle attività: - di lettura, selezione e massimazione, dei provvedimenti civili e penali; - di redazione, ad integrazione della suddetta prioritaria attività, di concise “notizie di decisione” limitatamente ai provvedimenti di speciale rilievo e importanza da pubblicare nel sito web (“servizio novità”), sulla base delle linee guida indicate nei decreti presidenziali del 2004, istitutivi del servizio; - di segnalazione dei contrasti, della avvenuta risoluzione degli stessi e degli orientamenti interpretativi della giurisprudenza di legittimità, nonché delle più rilevanti novità normative; - di redazione delle relazioni per i ricorsi assegnati alle Sezioni unite, ai fini della risoluzione di contrasti o che presentano questioni di massima di particolare importanza; - di redazione di sintetiche relazioni informative, necessarie per una parte dei ricorsi rimessi alle Sezioni unite; - di redazione di schede e relazioni informative su richiesta dei presidenti titolari, per ricorsi aventi ad oggetto questioni di particolare rilevanza assegnati alle sezioni semplici; - di relazioni periodiche sulle decisioni relative ai principali orientamenti della Corte di cassazione. Disponível em:
. o em: 30 abr. 2019.
156 “scopo di creare le condizioni di un’utile e diffusa informazione (interna ed externa alla Corte di Cassazione), necessária per il migliore esercizio della funzione nomofilatica della stessa Corte.” M. TARUFFO. Precente e giurisprudenza. Nápoles: Editoriale Scientifica, 2007. p. 14-15.
157 A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 50.
158 “Enfim, o que na Itália é chamado de massima representa algo parecido com as súmulas brasileiras, um breve enunciado com a interpretação da lei, sem nenhuma menção aos fatos que levaram o Tribunal àquela conclusão. Tanto lá quanto cá, a utilização desses breves enunciados pode ser mal feita, de modo a ser aplicada como precedente em casos futuros que não guardam semelhança com os casos anteriores, porém deve ser ressaltado que a(s) parte(s) interessada(s) pode(m) obter da Corte di Cassazione o texto integral do julgamento que justificou a massima, “porém podem haver problemas práticos, especialmente quando dúzias ou centenas de precedentes são usados.” G. NOGUEIRA. Stare Decisis et non quieta movere: a vinculação aos precedentes no Direito Comparado e Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 127.
159 “It is not easy to find a decision in the official series edited by of the highest courts that does not contain any reference to precedents.” (…) ”Citations of precedents in all jurisdictions are largely self-referential, that is, in most cases the courts cite their own previous decisions. Among the citations of other courts, decisions of the Federal Constitutional Court prevail.” R. ALEXY; R. DREIER. Precedent in the Federal Republic of . In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (edit). Interpreting precedents – A comparative study. Dartmouth: Ashgate, 1997. p. 21-23.
160 “Na Alemanha, a referência a precedentes aparece muito frequentemente, mas na maior parte dos casos apenas como referência e sem uma discussão detalhada.” A.CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 31.
161 “O papel dos precedentes naquele país varia conforme a relevância de outros materiais dotados de autoridade. Se a causa puder ser decidida em conformidade com a lei (statue), precedentes não têm nenhum (ou praticamente nenhum) papel relevante. O papel dos precedentes se torna mais importante se não existe lei
expressa, ou se esta “exige interpretação”. A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 31.
162 R. ALEXY; R. DREIER. Precedent in the Federal Republic of . In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (edit). Interpreting precedents – A comparative study. Dartmouth: Ashgate, 1997. p. 24.
163 “Where the court invalidates legal norms, these decisions have the force of statues (Gesetzeskraft).” Op. cit., p. 24.
164 Op. cit., p. 34-36.
165 “The decisions of the Federal Constitutional Court are therefore formally binding without exception and without being subject to overruling or modification except by the Federal Constitutional itself.”R. ALEXY; R. DREIER. Precedent in the Federal Republic of . In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (edit). Interpreting precedents – A comparative study. Dartmouth: Ashgate, 1997. p. 27.
166 “Whoever wishes to depart from a precedent carries the burden of argument.” Op. cit., p. 30.
167 R. ALEXY; R. DREIER. Precedent in the Federal Republic of . In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (edit). Interpreting precedents – A comparative study. Dartmouth: Ashgate, 1997. p. 36-39.
168 “Como na Alemanha os precedentes não têm tanta importância, não existe naquele país uma prática muito desenvolvida de se estabelecer as distinções entre casos (distinguishing). Apesar disso, o distinguishing não é incomum, especialmente quando o tribunal que se desvia do precedente é o mesmo que anteriormente o estabelecera.” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 36.
169 “A line of precedent has a much greater weight than a single case.” R. ALEXY; R. DREIER. Precedent in the Federal Republic of . In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (edit). Interpreting precedents – A comparative study. Dartmouth: Ashgate, 1997. p. 50.
170 C. KOLLER. Civil justice in Austrian-German tradition. In: UZELAC, Alan (edit). Goals of Civil Justice and Civil Procedure in Contemporary Judicial Systems. Londres: Springer, 2014. p. 52.
171 F. MAULTZSCH. National report: – The right to to justice and public responsabilities. International Association of Procedural Law Seoul Conference 2014. Seul: IAPL, 2014. p. 257.
172 A. CABRAL. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 147, p. 138-142, 2007.
173 “must not base their decisions on them.” M. TROPER; C. GRZEGORCZYK. Precedent in . In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (edit). Interpreting precedents. Dartmouth: Ashgate, 1997. p. 112.
174 “It is forbidden to follow a precedent only because it is a precedent.” M. TROPER; C. GRZEGORCZYK. Precedent in . In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (edit). Interpreting precedents. Dartmouth: Ashgate, 1997. p. 115.
175 “Juízes ses não invocam precedentes em suas decisões, e não devem buscar suas decisões neles, pois a única “fonte” legítima do Direito são as leis escritas (statues).” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 39.
176 “Na França, o termo precedente nunca indica uma decisão vinculante. É que o sistema adotado na França, conhecido como jurisprudence constante, “um juiz não está vinculado por uma única decisão de um único processo prévio. A decisão judicial sa só tem eficácia vinculante para as partes em relação ao caso julgado (o que nada mais é do que a autoridade de coisa julgada), e isso não se confunde com o fenômeno da eficácia vinculante do precedente.” E. STEINER. Theory and practice of judicial precedent in . In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de (coord.). Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 21. (Coleção Grandes Temas do Novo C, v.3).
177 “in judicial decisions, even when pronounced by superior courts, are not binding precedents that must be followed by judges.” E. STEINER. Theory and practice of judicial precedent in . In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de (coord.). Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 26 (Coleção Grandes Temas do Novo C, v. 3).
178 “O termo precedente, querendo significar decisão tomada anteriormente em
outro caso similar, é usado na França em dois sentidos. Um “sentido forte”, para se referir à decisão de uma corte superior usada como um argumento de autoridade que, embora não vinculante, deve ser seguida pela corte inferior, a qual não tem obrigação de fazê-lo, mas quase sempre o faz por razões práticas; e um “sentido fraco”, para significar uma decisão em um caso similar, de qualquer corte, ainda que inferior, que pode servir positiva ou negativamente como modelo, de modo a permitir a incidência do princípio da igualdade perante a lei (principle of equality before the law).” (...) “Além disso, precedentes na França podem fornecer elementos para uma nova decisão, especialmente quando se verificar que decidir diferentemente fará com que casos análogos não sejam tratados do mesmo modo (not treating like cases alike). Assim, precedentes podem ser usados como argumentos ilustrativos para a ratio decidendi de um caso pendente.” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 38.
179 “one could even say that other materials are relevant only to extend that they have been mentioned and interpreted by precedent.” M. TROPER; C. GRZEGORCZYK. Precedent in . In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (edit). Interpreting precedents. Dartmouth: Ashgate, 1997. p. 113.
180 “If the Conseil Constitutionnel has decided that a statue must be interpreted in a certain way, in order to be constitutional, other courts must indeed interpret the statue in the way prescribed. But, in doing so, they do not follow any precedent because they do not deal with another statue of the same class or follow interpretative methods establishe by the Conseil Constitutionnel. What they do is merely apply a judicial decision in the precise situation described by the Council.” M.TROPER; C. GRZEGORCZYK. Precedent in . In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (edit). Interpreting precedents. Dartmouth: Ashgate, 1997. p. 117.
181 “O que se tem é mesmo a retirada, com efeitos ex nunc, do ato normativo
inconstitucional do ordenamento jurídico, de modo que não poderá ele posteriormente ser invocado por juiz ou tribunal (sob pena de aplicar-se lei inconstitucional e já retirada do ordenamento jurídico). A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2018. p. 43.
182 J. MARTÍNEZ. La evolución del sistema francés como modelo de control de constitucionalidade de las leyes. Revista de Derecho UNED. Melilla, n. 10, p. 721, 2012.
183 E. STEINER. Theory and practice of judicial precedent in . In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de (coord.). Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 27. (Coleção Grandes Temas do Novo C, vol.3).
CAPÍTULO III – Sistema (teoria) dos Precedentes no Brasil
1. Considerações Gerais acerca da teoria geral dos precedentes
O Código de Processo Civil de 2015, nos arts. 926 ao 928, positiva uma teoria geral dos precedentes em nosso ordenamento, após uma longa e lenta evolução legislativa. Estas normas, ora em comento, servirão como base para aplicação de todas as demais normas derivadas da aplicação dos precedentes.¹⁸⁴ Pode-se afirmar, portanto, que a teoria dos precedentes será integralmente aplicável aos demais ramos do Direito, por se tratar de uma verdadeira norma geral e fundamental. O art. 15 do C reforça esta linha de argumentação ao preconizar uma aplicação supletiva e subsidiária das suas regras aos demais tipos de processo.¹⁸⁵
Nesta senda, vale mencionar que os processos e procedimentos istrativos, inclusive os presididos pelo Ministério Público, também deverão seguir e aplicar os precedentes criados no âmbito jurisdicional. Como indicado na introdução geral da presente dissertação, um dos focos será a análise da necessária criação de um sistema de precedentes diretamente relacionado com a atuação dos membros do Ministério Público quando da adoção dos instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais.
Ultraada a fase do reconhecimento da existência de um sistema brasileiro de precedentes, urge saber se houve a adoção integral do sistema jurídico do common law. O nosso sistema de formação e aplicação dos precedentes não gerou a adoção de todo o sistema decorrente do common law, tema que será melhor desenvolvido adiante. O nosso sistema aplica a teoria dos precedentes com a devida adaptação às peculiaridades e características da civil law. Evidentemente, o precedente não pode valer mais do que a lei.¹⁸
No civil law, a importância do precedente se revela quando a lei não contempla resposta para todas as questões e dilemas levados diariamente ao Judiciário. Em que pese a clareza e a boa intenção das leis editadas, elas não são pacíficas, e, por vezes, resultam de revanchismo ou casuísmo parlamentar, residindo aí a vantagem dos precedentes serem respeitados por proporcionar maior segurança jurídica.¹⁸⁷
O principal desiderato do sistema brasileiro de precedentes é assegurar a isonomia e a segurança jurídica¹⁸⁸, como, aliás, preconiza o art. 926 do Código de Processo Civil, pois esta norma exige estabilidade, integridade e coerência. A segurança jurídica é elemento fundamental para aplicação da teoria dos precedentes, pois implica estabilidade das decisões pretéritas e previsibilidade das decisões futuras.¹⁸
Na esteira das lições de Guilherme Rizzo Amaral, a unidade do direito e a uniformização da jurisprudência têm como objetivo, nesse contexto, tutelar a segurança jurídica, assegurando a estabilidade do direito, a confiança legítima no Judiciário, a igualdade entre os cidadãos perante o direito, a coerência da ordem jurídica, a garantia de imparcialidade, o desestímulo à litigância e o favorecimento de acordos, a duração razoável do processo, a eficiência do Judiciário, dentre outros valores.¹
Seguindo a linha aqui sustentada, de que a positivação do sistema dos precedentes em nosso ordenamento é importante para a obtenção da segurança jurídica, Bernardo Gonçalves sustenta que a promoção deste postulado tem como premissas a previsibilidade do Direito e a sua estabilidade.¹ ¹
O sistema de precedentes (sistema precedentalista) positivado pelo Código de Processo Civil de 2015 será aplicado em todos os setores da novel legislação, parte geral e especial, bem como aos demais ramos do direito processual, por aplicação subsidiária (art. 15 do C).¹ ²
A par disso, não se pode concluir que o advento do Código de Processo de 2015 gerou um rompimento abrupto de um sistema que ignorava a teoria dos precedentes. Ao reverso, pois o que a novel legislação fez foi positivar uma regra geral que seguiu uma tendência que decorre da própria evolução histórica do Direito Brasileiro, inclusive no seio do referido Código.¹ ³
Como é cediço, o sobredito Código foi objeto de inúmeras reformas legislativas que, dentre as novidades, destacam-se o reforço ao sistema de precedentes. Para fins de melhor visualização, seguem as normas: a) Lei 9.756/98: permitiu o proferimento de decisão monocrática com base em jurisprudência dominante para a resolução de conflito de competência, que já estava presente, por exemplo, no art. 15, inciso IV do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal; b) Lei 9.758/98 (com a alteração dos arts. 481, parágrafo único e 557, caput e §1º-A do Código de Processo Civil de 1973): permitiu o proferimento de decisão monocrática, com base em súmula ou jurisprudência dominante, para negar seguimento ou dar provimento aos recursos de agravo de instrumento e apelação, bem como a dispensa de submissão ao plenário da arguição de inconstitucionalidade quando já existisse pronunciamento do Supremo Tribunal Federal acerca da questão de direito; c) Lei 10.352/01(com a alteração do art. 475, §3º do C de 1973): tornou despiciendo o reexame necessário quando a decisão estivesse fundada em jurisprudência dominante ou súmula; d) Lei 11.232/05 (com a alteração dos arts. 475-L, inciso II e §1º e 741, inciso II e parágrafo único do C de 1973): reconhecimento da inexigibilidade de título executivo judicial baseado em norma jurídica declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal; f) Lei 11.276/06: possibilidade de negar seguimento ao recurso de apelação com base em súmula; g) Lei 11.417/06: regulamento infraconstitucional da súmula vinculante; h) Lei 11.418/06 (com a alteração dos arts. 543-A, §3º e 543-B, §3º do C de 1973): regulamento infraconstitucional da repercussão geral das questões constitucionais com efeito vinculante aos recursos sobrestados e do incidente de julgamento de recursos repetitivos; i) Lei 11.672/08 (acrescentou o art. 543-C ao C de 1973): regulamentou o regime dos recursos repetitivos; j) Lei 12.322/10 (alteração no art. 544, §4º, inciso II, alíneas b e c do C de 1973): possibilidade de decisão monocrática com base em jurisprudência dominante ou súmula, com o fim negar seguimento ou de dar provimento ao recurso.
Nas demais leis que regem processos, também pode ser notada a evolução do nosso sistema de precedentes, a saber: a) Lei 9.868/99: regulamenta no plano infraconstitucional a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), espécies de processo coletivo especial, cuja decisão possui eficácia vinculante, conforme o art. 28, parágrafo único da referida lei; b) Lei 9.882/99: regulamenta no plano infraconstitucional a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), mais uma espécie de processo coletivo especial, cuja decisão também ostenta eficácia vinculante, conforme preconiza o art. 10, §3º da referida lei; c) Lei 9.784/99: regulamenta os processos istrativos também sofreu a incidência da evolução do sistema dos precedentes, conforme se verifica no art. 50, inciso VII.
No âmbito das normas constitucionais também é possível notar este quadro evolutivo, a saber: a) ampliação do rol dos legitimados para a propositura das ações de controle de constitucionalidade, bem como a previsão da eficácia vinculante (arts. 102, §2º e 103 da Constituição da República); b) a promulgação da Emenda Constitucional nº 03/93 que instituiu a Ação Declaratória de Constitucionalidade com os mesmos legitimados para a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a eficácia vinculante das suas decisões; c) a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04 que, dentre outras novidades, preconizou o efeito vinculante para os demais órgãos jurisdicionais e da istração pública (art. 102, §2º da Constituição da República), bem como a instituição da súmula vinculante, com a previsão da possibilidade do manejo da reclamação como forma de controle da sua aplicabilidade devida (art. 103-A, caput e §3º da Constituição da República).
Como entende parte da doutrina, o Código de Processo Civil de 2015 criou, a bem da verdade, um microssistema de formação e aplicação de precedentes.¹ ⁴ Este microssistema é formado pelos institutos que geram a formação dos precedentes vinculantes (Incidente de Assunção de Competência e as hipóteses de julgamento de casos repetitivos, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e o sistema dos Recursos Especial e Extraordinário Repetitivos – arts. 947 e 928 do C).¹ ⁵
Além das hipóteses de formação de precedentes vinculantes, cujo rol está previsto no art. 927 do C, fazem parte deste microssistema todos os institutos correlatos, bem como as consequências jurídicas derivadas de sua aplicação.
Assim, para fins meramente expositivos, seguem os institutos que compõem o microssistema em decorrência da formação e da aplicação/interpretação de um precedente no bojo do C de 2015:
a) tutela de evidência (art. 311, II);
b) improcedência liminar do pedido (art. 332);
c) dever jurídico de fundamentação com a necessidade de maior ônus argumentativo (art. 489, § 1.º, incisos V e VI);
d) dispensa do reexame necessário (art. 496, § 4.º);
e) possibilidade de julgamento do mérito do recurso, por meio de uma decisão monocrática do relator (art. 932, incisos IV e V);
f) necessidade do enfrentamento de todas as teses para a formação do precedente (arts. 489, § 1.º, inciso IV; 984, § 2.º; 1022, inciso II e parágrafo único, incisos I e II; 1038, § 3.º);
g) necessidade de observar integridade e coerência para o proferimento das decisões e formação de precedentes (arts. 489, § 1.º; 926; 927, § 1.º e 1013, § 3.º);
h) necessidade de identificação da ratio decidendi para aplicação dos precedentes (arts. 332; 489, § 1.º, inciso V; 932, incisos IV e V e 927, § 1.º);
i) utilização do distinguishing e overruling para afastar a aplicação de determinado precedente (arts. 332; 489, § 1.º, inciso VI; 926, 927, § 4.º e 1037, §9º);
j) ampliação do entendimento sobre interesse recursal do amicus curiae (art. 138, § 3.º);
k) cabimento de Ação Rescisória para garantia da observância dos precedentes (art. 966, inciso V e §§ 5º e 6º);
l) cabimento de Reclamação para garantia da observância dos precedentes (art. 988, inciso IV);
Algumas destas repercussões da adoção do sistema de precedentes são consideradas como técnicas de aceleração de julgamento.¹ O sistema jurídico brasileiro, segundo Morgana Henicka Galio, buscando a uniformização das decisões judiciais, criou diversas técnicas de julgamento que podem ser utilizadas pelos magistrados, tanto em primeira instância como nos tribunais, para proferir decisões antecipadamente – ou com efeitos que transcendem a um único processo -, seja em razão da existência de posicionamento consolidado dos tribunais, seja em face de decisões próprias destas cortes superiores (Supremo
Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça). São eles: julgamento liminar de ações idênticas; julgamento de recursos por decisão monocrática do relator; dispensa de reexame necessário; concessão de tutela da evidência; reclamação e issibilidade de recursos aos tribunais superiores.
Além dos institutos e consequências acima, imprescindível, à luz do sistema dos precedentes, realizar uma releitura/reconstrução de algumas normas/princípios basilares de nosso ordenamento jurídico, para que possa ser devidamente empregada a nova sistemática, notadamente:¹ ⁷ a) princípio da legalidade, no tocante à observância dos precedentes (art. 8.º do C), pois estes am a fazer parte do Direito;
b) princípio da igualdade deverá ser analisado sob o prisma da igualdade perante as decisões judiciais (art. 5.º da Constituição da República e arts. 489, § 1.º, incisos V e VI; 926 e 927, § 1.º, todos do C);
c) princípio da segurança jurídica deverá ser analisado sob o prisma do ado ou retroativo (art. 5.º, inciso XXXVI da Constituição da República), para evitar que situações jurídicas estabilizadas sejam atingidas por atos jurídicos futuros, que é sua acepção tradicional, bem como sob o prisma do futuro ou prospectivo (art. 926 do C) para garantir certa previsibilidade na solução dos casos concretos através do princípio da proteção da confiança ou da legítima expectativa. O elemento nuclear deste princípio é a proteção da confiança e expressa-se nos seguintes termos: i) estabilidade; ii) continuidade da ordem jurídica e iii) previsibilidade acerca das consequências jurídicas das condutas praticadas no convívio social;
d) princípio/dever da fundamentação das decisões judiciais e das manifestações do Ministério Público¹ ⁸, que ganha ônus argumentativo maior para a formação dos precedentes, notadamente quanto à função exógena, pois toda decisão judicial deverá conter uma fundamentação útil para servir de base para a solução dos casos futuros, através da identificação do precedente (art. 93, inciso IX da
Constituição da República e arts. 489, § 1.º e 927, § 1.º do C). Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 fica ainda mais nítida a necessidade de se impor limites à fundamentação aliunde ou por referência ou per relationem. O Superior Tribunal de Justiça, ainda sob a égide do C de 1973, já impunha limites à utilização desta forma de fundamentação¹ e
e) princípio do contraditório (art. 5.º, inciso LV da Constituição da República), que deve ser redimensionado para abranger a participação de todos os sujeitos do processo na formação da norma jurídica individualizada (arts. 7.º, 8.º, 10 e 489, § 1.º, todos do C). Há a imperiosa necessidade da observância do princípio do contraditório na formação de um precedente de modo a viabilizar a sua aplicação futura. O princípio do contraditório (art. 5º, inciso LV da Constituição da República), como um dos corolários do modelo constitucional de processo, é uma garantia não só da relação jurídica processual desenvolvida por meio do procedimento ritual, mas também para a correta formação de um precedente, mormente quando dotado de eficácia vinculante. A rigor, somente poderá ser considerado como um precedente vinculante a decisão judicial oriunda de relação jurídica processual que tenha observado estritamente o denominado modelo constitucional de processo (art. 1º do C).²
Apesar da necessidade da releitura destes princípios para fins de adequação do sistema de precedentes (com eficácia vinculante, por certo), é possível identificar, ainda, alguma resistência ao novo sistema, principalmente no plano doutrinário.
Podemos sistematizar todas as críticas à força vinculante dos precedentes da seguinte forma² ¹:
a) engessamento do direito: diante da dificuldade de alteração dos precedentes criados;
b) independência do juiz: o magistrado não teria a necessária independência para aplicar e interpretar o ordenamento jurídico, pois seria um mero repetidor de precedentes. A mesma crítica deve ser estendida ao Ministério Público, pois ostenta a independência funcional;
c) ausência de legitimidade democrática dos membros do Judiciário e vulneração da separação de funções (art. 2º da Constituição da República): seus membros não ostentam legitimidade democrática para a criação de normas jurídicas a serem replicadas aos demais casos concretos futuros;
d) eventuais vícios na formação e criação do precedente: a obrigatoriedade da aplicação e observância do precedente, mesmo quando injusto e oriundo de corrupção e até mesmo com violação ao princípio da imparcialidade;
e) ofensa ao princípio da tipicidade das leis (art. 5º, inciso II da Constituição da República): os precedentes equivaleriam às normas jurídicas positivadas;
f) potencial violação ao princípio do o à justiça (art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República e art. 3º do C): caso a parte pretenda promover uma demanda com objeto contrário à ratio decidendi de determinado precedente, o destino será a improcedência liminar, na forma do art. 332 do C.
Não há como negar que as críticas possam ter fundamento, pois trata-se de um sistema que ainda carece de certa maturação em nosso sistema jurídico e em nossa própria cultura jurídica, mas entendo que não merecem acolhimento, como a seguir demonstro sem a pretensão de exaurir o tema, de forma sistematizada:² ²
a) engessamento ou cristalização do direito: diante da dificuldade de alteração
dos precedentes criados. O engessamento referido usa como premissa a pretensa dificuldade fática e jurídica na alteração dos precedentes já fixados.² ³ Não há motivos concretos para tal alarde, pois além da natural rotatividade dos magistrados (aposentadoria, substituição etc), há a previsão expressa da possibilidade jurídica da alteração da tese fixada, tal como preconiza o art. 986 do C. Ademais, existe a plena possibilidade dos órgãos jurisdicionais superarem o precedente existente, desde que presentes os seus requisitos² ⁴. A argumentação da cristalização do Direito não merece prosperar, portanto, pois os precedentes podem e devem ser revistos e superados, quando for o caso, desde que sejam seguidas as mesmas regras jurídicas aplicadas para a sua criação e que o ônus argumentativo (art. 489 do C) seja devidamente observado² ⁵. Por fim, forçoso reconhecer que no próprio sistema jurídico do common law, não obstante estável e seguro, não há uma teoria dos precedentes rígida e inflexível que possa gerar tal engessamento² ;
b) independência do juiz: o magistrado não teria a necessária independência para aplicar e interpretar o ordenamento jurídico, pois seria um mero repetidor de precedentes. A rigor, trata-se de percepção equivocada do sistema. A independência do magistrado não será vulnerada, na medida em que não deverá decidir considerando influências externas ao caso decorrentes de hierarquia istrativa ou funcional. O magistrado terá que levar em consideração, na formação de seu convencimento, a existência de precedentes, ainda que meramente persuasivos, para fundamentar de maneira adequada todas as suas decisões. Ora, o magistrado não será um mero aplicador e replicador de precedentes vinculantes, pois terá sempre, sob pena de nulidade da sua decisão (art. 489, §1º, C), que abordar os principais fatos do caso concreto para verificar a possibilidade da sua aplicação ou inaplicação, com uma fundamentação devidamente adequada e com abordagem suficiente, pois os precedentes não são o fechamento do sistema, não podendo, portanto, serem aplicados de forma mecânica.² ⁷ Nos denominados hard cases, por exemplo, sem precedentes aplicáveis, manterá total “liberdade” para criar a norma jurídica individualizada;
c) ausência de legitimidade democrática dos membros do Judiciário e da separação de funções: seus membros não ostentam legitimidade democrática
para a criação de normas jurídicas a serem replicadas aos demais casos concretos futuros. A legitimidade democrática não se observa somente quando os atos decorrem dos representantes investidos na função através do voto. O o público, por meio de concurso público (arts. 5º, inciso LIII e 37, inciso II da Constituição da República), aos cargos públicos (repetição proposital do termo público!) é uma forma democrática para o exercício das funções públicas. Ademais, ao exigir na aplicação e interpretação dos precedentes, a observância ao ônus argumentativo (art. 489, §1º do C), bem como atenção às características da coerência, integridade e estabilidade das decisões judiciais, em prol da segurança jurídica e isonomia, resguarda-se o princípio democrático que deve ser respeitado em todos os processos judiciais. No tocante ao princípio da separação de funções, pensamos que há erro de avaliação, pois é função típica do Poder Judiciário evitar (função jurisdicional preventiva) e reparar (função repressiva) as lesões aos direitos e interesses. Nesta senda, a formação, interpretação e aplicação dos precedentes serve rigorosamente ao propósito;
d) eventuais vícios na formação e criação do precedente: a obrigatoriedade da aplicação e observância do precedente, mesmo quando injusto e oriundo de corrupção e até mesmo com violação ao princípio da imparcialidade. Esta crítica também poderia ser usada para pugnar pela relativização da coisa soberanamente julgada. Ora, o instituto da coisa julgada não guarda qualquer relação com justiça da decisão, mas com segurança jurídica. Da mesma forma, não podemos deixar de aplicar um precedente pelo simples fato de ser oriundo de um erro do tribunal responsável por sua criação ou outro fator nefasto. Por mais que o precedente seja equivocado, é melhor do que a dispersão de precedentes decorrente de decisões completamente díspares para um mesmo caso concreto.² ⁸ O precedente, assim como a coisa julgada, não está ligado à ideia de justiça, no sentido mais puro do termo, mas ao senso de segurança jurídica e isonomia. Ademais, o legislador criou mecanismos para o controle da aplicação dos precedentes, tais como a Reclamação (art. 988 do C) e Ação Rescisória (art. 966, inciso V e §§ 5º e 6º do C);
e) ofensa ao princípio da tipicidade das leis: os precedentes equivaleriam às normas jurídicas positivadas. A criação de um precedente, ainda que ostente eficácia vinculante, não ostenta as mesmas características de uma lei em sentido
formal, pois não poderão ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade e, tampouco, possuem as características da generalidade e abstração. O precedente é fonte do direito, mas é uma norma jurídica individualizada que pode servir de orientação (obrigatória ou não, conforme o caso) para a resolução de casos concretos futuros;
f) potencial violação ao princípio do o à justiça: caso a parte pretenda promover uma demanda com objeto contrário à ratio decidendi de determinado precedente, o destino será a improcedência liminar, na forma do art. 332, C. Não há que se falar em violação ao princípio do o à justiça (art. 5º, XXXV, Constituição da República), pois o simples fato de existir um precedente com eficácia vinculante não impede o cidadão de ar o Poder Judiciário, ainda que o magistrado possa julgar improcedente o seu pedido de plano. Caso assim seja interpretado o art. 332, C, estar-se-ia criando, a rigor, um caso de impossibilidade jurídica do pedido que, diga-se, jamais foi indigitado como causador da referida violação. Trata-se de uma técnica de aceleração de julgamento decorrente da criação de precedente com eficácia vinculante. Vale mencionar, por fim, que o art. 285-A do C de 1973, cuja redação possuía a mesma essência do atual art. 332 do C de 2015, foi questionado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3695, tendo como um dos fundamentos a violação ao princípio do o à justiça, mas perdeu o seu objeto com o advento do C de 2015² .
Assim, apresentado, ainda que em breves linhas, o sistema brasileiro de precedentes, o a abordar todos os seus aspectos, bem como a sua evolução histórica e a devida comparação com os demais sistemas jurídicos.
1.1 Precedente como fonte criativa de norma jurídica no Sistema Brasileiro de precedentes
Toda decisão judicial ostenta uma função normativa, ainda que somente considerada como individual com o fim de resolução de um caso concreto posto em análise e, claro, de observância obrigatória para as partes envolvidas na relação jurídica processual (art. 506 do C), ainda mais diante do princípio da inevitabilidade da tutela jurisdicional.
Inegável, mesmo sob tal ótica, a existência de uma função normativa das decisões judiciais. Não se busca com tal afirmativa, por óbvio, sustentar que a função é genérica, geral e abstrata, posto função precípua do Parlamento. A função normativa individualizadora não é meramente declarativa, como poderia se supor, mas criativa, mormente nos casos nos quais a regulamentação é pífia ou inexistente.²¹
Neste sentido, factível sustentar um novo conceito de jurisdição, por meio da teoria reconstrutiva da Jurisdição.²¹¹ Assim, “jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial (a) de realizar o Direito de modo imperativo (b) e criativo (reconstrutivo) (c) reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas (d) concretamente deduzidas (e) em decisão insuscetível de controle externo (f) e com aptidão para tornar-se indiscutível (g).”²¹²
Se for levada em consideração a teoria procedimental da Jurisdição, verificar-seá que a tensão entre facticidade e validade é manifestada na jurisdição como tensão entre segurança jurídica e correção da decisão judicial (pretensão de tomar decisões certas).
Estes dois critérios – segurança e correção – essenciais para preencher a função socialmente integradora da ordem jurídica e da pretensão de legitimidade do direito, são buscados, na aplicação do direito, por três teorias sobre a racionalidade da jurisdição, a saber: (a) hermenêutica da jurisdição; (b) realismo; (c) positivismo jurídico.”²¹³
Deve ocorrer uma harmonização entre os elementos de uma teoria da argumentação jurídica com as restrições impostas pela realidade. O exercício da argumentação é a solução do problema da tensão entre a facticidade e validade. Assim, poderá ser encontrada uma base racional para a solução da questão proposta com o proferimento da decisão correta e consistente.²¹⁴
Em qualquer sistema jurídico, um precedente judicial somente poderá constituir um padrão (decisório) para desenvolver casos futuros caso seja possível dele extrair uma regra universal à qual os fatos futuros possam e devam ser subsumidos sempre que se repetirem as condições presentes na hipótese de incidência (fattispecie) de tal regra jurídica.²¹⁵
É preciso deixar-se de lado a cínica concepção de que o juiz da civil law não cria direito. Cria, e isso é inevitável. E o faz ao interpretar conceito vago, ao reconhecer situações que se encaixam em cláusula geral (art. 489, §1º, inciso II do C) ou ao decidir com base em princípios, na ausência de previsão legal expressa.²¹
Ainda que se permita uma ampla liberdade judicial e jurisdicional para a conformação do Direito,²¹⁷ não haverá qualquer indevida invasão na esfera legislativa de atribuição, ante o postulado constitucional do o à justiça (art. 5º, inciso XXXV da Constituição da Repú- blica), mormente em países que sofrem com a crise de legitimidade do parlamento. Esta pretensa crise, ainda que seja mero factoide, pode e deve ser contornada por meio dos instrumentos
jurídicos previstos constitucionalmente. Não há como aguardarmos indefinidamente uma deliberação legislativa, facilmente afeta às intempéries políticas, nada mais natural, diga-se, para que algum direito fundamental seja protegido ou exercido. Posso apresentar um simples exemplo, qual seja, a autorização para a realização de alguns tratamentos médicos com substâncias ainda não permitidas no nosso território apesar de comprovadamente eficazes para salvar vidas (uso do canabidiol). Nesta senda, a atuação jurisdicional é deveras salutar para o correto equacionamento dos fatos.
A existência desta crise de legitimidade do Parlamento não afasta, por certo, a ocorrência de uma cooperação entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.²¹⁸
Impende mencionar, por pertinência, a situação gerada pela mora legislativa na regulamentação de temas de relevo que podem impedir o correto gozo dos direitos fundamentais. Exsurge, portanto, o claro exemplo do Mandado de Injunção que possibilita a criação de uma norma jurídica por meio de uma decisão judicial, com a formação da coisa julgada material.
A coisa julgada material no Mandado de Injunção Coletivo encontra previsão no art. 13 da Lei do Mandado de Injunção. Nesta norma, o legislador preconiza que a sentença fará coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade, do grupo, da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante. Esta previsão, portanto, somente refere-se aos limites subjetivos (eficácia subjetiva) da coisa julgada material. Vale mencionar que o art. 9º, § 1º da referida lei preconiza a possibilidade da extensão da eficácia subjetiva da coisa julgada material inter partes do mandado de injunção individual para erga omnes e ultra partes. Assim, factível sustentar que a eficácia subjetiva deste remédio jurídico constitucional segue o mesmo regramento previsto para as demais demandas coletivas, conforme o tipo de tutela jurisdicional exercida (direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos). Um ponto interessante é perceber que a decisão em sede de MI coletivo pode conter uma eficácia temporal indefinida, pois irá surtir os seus regulares efeitos até o advento da norma regulamentadora (art. 9º da Lei do Mandado de Injunção), que
poderá gerar a perda superveniente do interesse processual, caso ocorra no curso da relação jurídica processual (art. 11, parágrafo único da Lei do Mandado de Injunção). O advento da norma regulamentadora pode sofrer modulação de seus efeitos temporais, pois, como regra, a sua aplicação tem eficácia ex nunc, exceto quando for mais favorável, caso em que poderá ostentar eficácia retroativa (art. 11 da Lei do Mandado de Injunção). Interessante notar, como faz a melhor doutrina,²¹ que, nestes casos, a coisa julgada material será dotada de certa transitoriedade, pois a decisão judicial que preenche a omissão legislativa, mesmo após o trânsito em julgado, será limitada no tempo, pois a regulamentação pelo legislador poderá retirar-lhe os efeitos.
Ainda que a decisão transite em julgado, poderá ser ajuizada uma demanda revisional, lastreada em modificações de fato ou de direito supervenientes, que deverá seguir o mesmo procedimento previsto na Lei do Mandado de Injunção, conforme determina o seu art. 10. O Supremo Tribunal Federal, antes da edição da referida Lei, proferiu decisão no sentido de que nos mandados de injunção coletivos, a emissão de juízo de mérito pressupõe a especificação dos substituídos e a demonstração de que efetivamente inviabilizado o exercício do direito com base na lacuna normativa apontada. Assim, deve o órgão jurisdicional, de certa forma, indicar quem serão os destinatários das normas.²²
No tocante ao regime jurídico da formação da coisa julgada, entendo que, em virtude da regra prevista no art. 9º, § 3º da Lei do Mandado de Injunção, é aplicável a imutabilidade secundum eventum probationis, da mesma maneira como se faz nas demais demandas coletivas.²²¹ No mesmo sentido, usando-se a mesma premissa, o regime jurídico da imutabilidade deve ser sempre in utilibus, ou seja, o resultado do processo coletivo somente poderá repercutir na esfera jurídica individual para beneficiá-la, jamais para prejudicá-la, conforme a regra geral nos processos coletivos (art. 103 do Código de Defesa do Consumidor).
Por fim, considerando a eficácia gerada pela decisão em sede de mandado de injunção, devem ser apontadas as teorias que versam sobre o tipo de provimento jurisdicional que deve ser adotado pelo órgão jurisdicional: a) teoria concretista
direta: a decisão proferida em sede de Mandado de Injunção permite a fruição do direito fundamental com eficácia erga omnes (teoria concretista direta geral ou da independência jurisdicional), que é a atual posição do Supremo Tribunal Federal,²²² ou para os membros de um determinado grupo, categoria ou classe (teoria concretista direta coletiva), quando coletivo, e para o autor, quando individual (teoria concretista direta individual ou da resolutividade²²³),²²⁴ sem depender de qualquer postura do órgão omisso responsável pela regulamentação e tal decisão surtirá os seus regulares efeitos até a eventual regulamentação; b) teoria concretista intermediária: a decisão proferida em sede de Mandado de Injunção acarretará, formalmente, a inércia do órgão omisso e fixará um prazo para a regulamentação; caso transcorra in albis tal prazo, permite-se a fruição do direito fundamental com eficácia erga omnes (teoria concretista intermediária geral) ou para os membros de um determinado grupo, categoria ou classe (teoria concretista intermediária coletiva), quando coletivo, e para o autor, quando individual (teoria concretista intermediária individual),²²⁵ sem depender de qualquer postura do órgão omisso responsável pela regulamentação e tal decisão surtirá os seus regulares efeitos até a eventual regulamentação; c) teoria não concretista ou da subsidiariedade:²² a decisão terá o condão somente de reconhecer a inércia do órgão responsável pela regulamentação do tema.²²⁷
O Supremo Tribunal Federal atualmente adota a teoria concretista direta geral, como acima indicado, mas o legislador adotou a teoria concretista intermediária, conforme se denota na redação do art. 8º da Lei do Mandado de Injunção. A teoria concretista intermediária, conforme prevê o art. 9º da Lei do Mandado de Injunção, pode ser geral ou individual.
O referido instrumento, portanto, é um claro exemplo do que ora se sustenta.
A fim de que fique clara a nossa posição sobre o tema, a possibilidade/necessidade da criação do direito²²⁸, a partir de um precedente, ganha maior relevância nas seguintes situações:
a) inexistência de uma norma jurídica positivada sobre os fatos;
b) aplicabilidade de um princípio ou postulado;
c) aplicação de um conceito jurídico indeterminado;
d) aplicação de um conceito vago;
e) aplicação de uma cláusula geral.²²
Tal situação, que pode gerar certa perplexidade, quiçá surpresa para alguns, ganha ainda maior relevo diante da atuação do Ministério Público, seja na seara judicial ou extrajudicial. Não é demais lembrar que a atividade jurisdicional em nosso sistema jurídico é eminentemente provocada (art. 2º do C) e o Ministério Público ostenta papel relevante (arts. 127 e 129 da Constituição da República) nestes casos acima apontados. O principal problema, em meu sentir, decorre da sua atuação extrajudicial, pois pode ser causa da resolução de algum conflito, mormente na tutela coletiva, sem que exista qualquer interferência do Poder Judiciário.
A atuação extrajudicial, neste sentido, pode ter o condão de fixar orientações institucionais futuras que podem e devem ser consideradas como precedentes. Ora, o Ministério Público possui em sua organização institucional órgãos colegiados que indicam, ainda que de forma meramente persuasiva, qual deve ser a orientação dos órgãos de execução, tais como Súmulas e Enunciados dos Conselhos Superiores (no âmbito do Ministério Público Estadual) e Câmaras de Coordenação e Revisão (no âmbito do Ministério Público da União).
Não há qualquer vedação para que o Ministério Público atue nesta senda, ainda mais quando não há uma orientação normativa vigente, mas a necessidade da adoção de alguma medida, seja para debelar um dano, seja para evitá-lo.
Assim, forçoso concluir ser plenamente possível a criação de uma norma jurídica por meio de um precedente, seja persuasivo ou vinculante, mormente nos casos apontados.
1.2 Conceito de precedente
1.2.1 Decisão judicial, precedente jurisdicional, jurisprudência e súmula
Os termos acima epigrafados devem ser analisados, no ponto de vista conceitual, com certa cautela, pois podem gerar certa confusão. Há, de certa forma, algum tipo de conexão entre eles, mas não exata identidade, como se verá.
A decisão judicial deve ser conceituada como um comando que resolve algum tipo de conflito de interesses (tutela da higidez do direito subjetivo) ou que conforma uma determinada norma ao próprio ordenamento jurídico (tutela da higidez do direito objetivo). A decisão judicial tem o potencial para ser considerada como um precedente²³ , mas nem toda decisão conterá todos os elementos para ser considerada como um.²³¹
O conceito de precedente não encontra convergência na doutrina. O Código de Processo Civil de 2015, que não fixou expressamente o conceito de precedente, diante da redação de alguns arts., enseja diversas formas de analisar o seu sentido. O termo é referido no art. 489, § 1.º, incisos V e VI com o nítido propósito de diferenciá-lo de jurisprudência e súmula. Os precedentes poderão ensejar a edição de súmula, conforme art. 926, § 2.º. O art. 927 utiliza os termos súmula, jurisprudência e tese adotada, mas faz uma referência em seu § 5.º ao termo precedente em seu sentido mais amplo para abranger súmulas e jurisprudência. A utilização do termo precedente como causa ensejadora da interposição do recurso de Agravo e o ajuizamento da Reclamação (arts. 988, inciso IV e 1042, § 1.º, inciso II), foi abandonada pelo legislador, pois a Lei 13.256/2016 revogou o referido termo.²³²
Percebe-se, portanto, que o legislador não teve muito cuidado ao usar os termos
e gerou ainda mais confusão para se equacionar a questão. Feito o introito, emos à análise do conceito e sentidos do termo precedente. Impende salientar, ab initio, que o precedente não é um conceito de uso exclusivo ou mesmo criação do common law.
O termo precedente pode ser adotado no sentido de designar decisões preexistentes, decisões que foram proferidas antecedentemente a alguma outra decisão ou circunstância jurídica que deva ser levada em conta²³³. Neste sentido, precedente simplesmente significa uma decisão antecedente, proferida por alguma corte, que pode conter uma similitude jurídica significativa com relação a um caso concreto que seja posterior. Por isso, não necessariamente denota força vinculante da decisão.²³⁴
Para parte da doutrina, precedente somente pode emanar das Cortes Superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) e constitui “razões generalizáveis que podem ser extraídas da justificação das decisões”²³⁵
Há quem adote um conceito mais amplo de precedente afirmando que as decisões das Cortes de Justiça (Tribunais de origem) também poderão ser consideradas como precedentes, desde que decorram da resolução dos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 976 do C) e de Assunção de Competência (art. 947 do C).²³ Tal generalização, segundo seu defensor, se mostra possível dado que as técnicas de identificação e aplicação dos precedentes e da jurisprudência vinculante oriunda de tais incidentes serão funda- mentalmente as mesmas.
Para parte majoritária da doutrina, é imprescindível que a decisão judicial proferida para a solução de determinado caso concreto ostente núcleo essencial que possa servir de fundamento/diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. Em outras palavras, precedente é um pronunciamento judicial, proferido em um processo anterior, que é empregado como base da formação de outra decisão judicial, prolatada em processo posterior.²³⁷
Não pode ser considerada como precedente uma decisão judicial que se limita a aplicar norma jurídica positivada, bem como um precedente vinculante.²³⁸ Ora, em tais casos há uma mera reprodução de normas que não pode ensejar a orientação para a solução de casos futuros, mas poderá ser considerada como uma afirmação de que o precedente ainda permanece com os seus regulares efeitos em nosso sistema jurídico.²³
A aplicação direta, por meio de uma decisão judicial, do precedente vinculante ou da norma jurídica positivada somente poderá ser considerada tecnicamente como um precedente²⁴ caso traga alguma novidade interpretativa relevante para o sistema jurídica, tal como a aplicação da norma em casos diversos daqueles tradicionalmente utilizados.
Dentro da linha majoritária, há quem sustente que precedente pode ter os sentidos: lato, estrito²⁴¹, próprio (continente ou formal) e impróprio²⁴². Em sentido lato, precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. Em sentido estrito, o precedente pode ser definido como sendo a própria ratio decidendi.
Em sentido próprio, continente ou formal, precedente, apesar da divergência doutrinária existente, é fato jurídico instrumento de criação normativa, em outras palavras: é fonte do Direito, tratando-se de uma designação relacional entre duas decisões. Já precedente em sentido impróprio é norma, significado alcançado por redução do termo “norma do precedente” que é precisamente a ratio decidendi. Esse sentido também é o substancial ou estrito.
Precedente²⁴³ é o elemento normativo (razão de decidir ou ratio decidendi) proveniente de decisão judicial que pode servir como diretriz para o julgamento de casos análogos posteriores. Dessa forma, o precedente é composto por três
elementos: a) as circunstâncias fáticas relacionadas à controvérsia, necessárias para a definição de quais casos serão considerados semelhantes e, portanto, para a existência de possibilidade de aplicação do precedente. b) a argumentação jurídica em torno da questão, isto é, a argumentação acerca do uso do precedente. c) a tese ou o princípio jurídico utilizado na exposição da motivação da decisão (ratio decidendi ou holding), que, não obstante seja elemento do precedente em sentido lato, é, por outro lado, o próprio precedente em sentido estrito.
No sistema do common law, as decisões judiciais reconhecidas como precedentes, mais do que guias interpretativos, criam o direito sem que exista um texto normativo antecedente à ocorrência da interpretação do caso concreto e, por conseguinte, am a ser regras reconhecidas como de aplicação obrigatória.²⁴⁴
Deve-se observar que a teoria dos precedentes judiciais do common law classifica-os em precedentes declaratórios e precedentes criativos. Aqueles apenas aplicam uma regra preexistente, simplesmente porque ela já é o direito, enquanto estes criam e aplicam uma nova regra e serão direito para os casos futuros, porque são aplicados ao caso específico. Em nosso ordenamento jurídico, as decisões judiciais preexistentes, sejam ou não consideradas tecnicamente como precedentes, funcionam como um padrão a ser seguido, ensejando uma forma eficiente de argumentação, mesmo quando proferidas pelos Tribunais Superiores.
Insta salientar, por fim, que decisões sobre questões de fato não se constituem em precedentes. Nem todas as decisões judiciais formam precedentes vinculantes.²⁴⁵
As decisões de issibilidade do processo (questões processuais), decisões de mérito, bem como as decisões de homologação de autocomposição poderão, conforme a hipótese, figurar como precedentes.²⁴
Vale mencionar, por fim, que a teoria dos precedentes, na visão sempre percuciente de Michele Taruffo²⁴⁷, deve ser fulcrada em quatro dimensões: i) dimensão institucional; ii) dimensão objetiva; iii) dimensão estrutural e iv) dimensão da eficácia.
A dimensão institucional diz respeito à organização judiciária e ao modo como ocorre a relação de autoridade do precedente no âmbito do sistema das cortes. Assim, nesta dimensão, a decisão judicial classificada e qualificada como um precedente pode ser: a) precedente vertical: que pressupõe a existência uma hierarquia entre os órgãos jurisdicionais e, por consequência, entre os seus precedentes, ou seja, serão qualificados conforme o órgão jurisdicional prolator; b) precedente horizontal: diretamente atrelado ao poder de persuasão de um precedente entre os órgãos que ostentam o mesmo grau hierárquico, tal como ocorre entre os órgãos jurisdicionais fracionários, ou seja, o poder de influência que uma decisão, que não foi proferida por órgão hierarquicamente superior, pode gerar nas decisões futuras de órgãos que estão situados no mesmo patamar; c) autoprecedente: guarda relação direta com os deveres de integridade e coerência, pois exige do órgão jurisdicional vinculação aos seus próprios precedentes com o fito precípuo de confirmar a sua imparcialidade por promover a segurança jurídica e a igualdade.
A dimensão estrutural refere-se ao que efetivamente constitui um precedente a fim de ser utilizado como ponto de referência para uma decisão posterior. Taruffo²⁴⁸ também aplica esta dimensão para referir-se ao quantitativo de precedentes utilizados como paradigmas decisórios e, nesta senda, trabalha com uma ideia interessante que remete ao perigo da dispersão de precedentes. Com efeito, quatro situações podem ser apresentadas: a) existência de somente um precedente aplicável; b) existência de inúmeros precedentes, mas lastreados em uma jurisprudência constante; c) precedentes contraditórios e d) caos jurisprudencial. As duas primeiras situações podem ser mantidas em um ambiente de aplicação do sistema de precedentes, pois são consectários da segurança jurídica. Entretanto, as duas últimas situações não poderão ser itidas, apesar de comuns na realidade jurisprudencial brasileira, pois vão de
encontro aos cânones mais básicos da segurança jurídica. A solução para tais casos é justamente a utilização das técnicas de uniformização ou da resolução das questões repetitivas por órgão colegiado superior.
A dimensão objetiva refere-se ao elemento essencial do precedente, qual seja: a ratio decidendi que servirá de diretriz para a resolução dos casos futuros. Assim, todos os demais elementos do precedente, tais como os fatos ensejadores da demanda e o obiter dictum não devem ser considerados para fins de vinculação aos demais casos, apesar de terem relevância para a persuasão. Todos estes elementos serão devidamente abordados em tópicos específicos.
A dimensão da eficácia, por seu turno, está atrelada ao grau de eficácia, com o perdão do truísmo, da vinculação do precedente para a solução dos demais casos futuros. Conforme a obra de Taruffo²⁴ , são cinco os graus de eficácia, os quais serão apresentados neste momento, mas desenvolvidos em tópico mais adiante. Assim, os cinco graus de eficácia são divididos: a) grau máximo: é a vinculação absoluta ao precedente; b) grau intermediário: divide-se nos seguintes níveis: b.1) binding precedent: deve ser obrigatoriamente seguido e aplicado, salvo quando excepcionado pelo próprio sistema; b.2) defeasibily precedent: cuja aplicação é mandatória, mas a fundamentação adequada e específica no caso concreto pode ter o condão de afastar; b.3) weakly precedent: deve ser seguido, mas somente em tese, pois não foi bem construído pelo órgão jurisdicional e possui uma fundamentação deficiente; c) último grau de eficácia: vislumbrar-seiam as situações em que o juiz é completamente livre para seguir ou não o precedente, não possuindo qualquer vinculação em relação à decisão anterior, tampouco a obrigação de justificar sua opção, caso adote posição contrária.²⁵
Analisados os conceitos e sentidos do termo precedente, impende analisar o conceito de jurisprudência e súmula para que o sistema dos precedentes faça completo sentido.
O termo jurisprudência é polissêmico²⁵¹ e, portanto, comporta significados
diversos. Ora se confunde com ciência do direito (dogmática jurídica); ora é utilizada para designar o conjunto de decisões judiciais, divergentes ou uniformes.²⁵² A diferença primordial entre o precedente e a jurisprudência é quantitativa e não qualitativa.²⁵³ A bem da verdade, o aspecto quantitativo não é suficiente, pois o conjunto de decisões que forma a jurisprudência deverá ser harmônico sobre determinado tema²⁵⁴. Apesar de estabelecer como premissa a inexistência de diferença qualitativa, forçoso reconhecer que parte da doutrina trabalha a ideia de que efetivamente existe tal diferença.²⁵⁵ O precedente, dentro desta premissa, fornece uma regra/orientação universalizável que pode/deve ser aplicada aos casos futuros que guardem semelhança. Por outro lado, a jurisprudência, via de regra, não traz em seu bojo uma análise comparativa, mas somente proposições objetivas para a solução dos casos postos em análise.²⁵
Jurisprudência nada mais é do que um conjunto de várias decisões, sobre determinada matéria (direito material ou processual)²⁵⁷, proferida pelos Tribunais (de origem ou Superiores) no mesmo sentido.²⁵⁸ Há autores que, apesar de sustentarem a existência de distinção entre precedentes e jurisprudência, afirmam que é possível chamar de precedente “também a jurisprudência vinculante oriunda dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência.²⁵
A partir do momento que a jurisprudência se consolida em determinado sentido, fixando alguma orientação sobre determinado tema, o Tribunal respectivo editará (art. 926, § 1.º do C) uma súmula, ou melhor, um enunciado de súmula de sua jurisprudência dominante. Portanto, a súmula, ou seu enunciado, não configura tecnicamente um precedente, mas sim um retrato da jurisprudência dominante de um tribunal. Tanto isso é verdade, que é plenamente possível a elaboração de um enunciado de súmula com lastro em precedentes diversos. A doutrina² costuma afirmar que o proferimento de uma decisão baseada em enunciado de súmula, não é o mesmo que decidir com apoio em precedente. Entretanto, a aplicação destes enunciados deverá levar em consideração os precedentes ensejadores.
O enunciado da súmula deve reproduzir a ratio decidendi que está sendo
reiteradamente aplicada. Dá-se forma escrita e sintética a uma norma jurídica construída jurisdicionalmente.² ¹
Ao contrário do que ocorre na formação dos precedentes, na elaboração do enunciado de súmula não há a participação direta das partes, salvo quando se trata da elaboração das súmulas vinculantes (art. 3º, § 2.º da Lei 11417/2006). Assim, para corrigir eventuais distorções na edição e aplicação das súmulas, deverão os órgãos jurisdicionais observar os arts. 10, 489, § 1.º, incisos V e VI e 927, § 1.º, todos do C.
A súmula, portanto, representa aquilo que normalmente a jurisprudência pacífica ou majoritária do Tribunal tem decidido.² ²
Sobre os termos jurisprudência, jurisprudência dominante, súmulas simples e súmulas vinculantes, no próprio sentido do que aqui se sustenta, há, na doutrina, quem sistematize um escalonamento:
a) acórdãos, mesmo isolados ou minoritários, mas que podem ser qualificados como marcos regulatórios de determinadas questões jurídicas;
b) acórdãos proferidos no bojo do julgamento de recursos excepcionais;
c) acórdãos proferidos em razoável tempo e de modo uniforme que podem configurar o sentido básico de jurisprudência;
d) jurisprudência dominante ou pacífica decorrente dos acórdãos dos tribunais
superiores que surgem em um número importante de casos e que são firmemente preservados e ratificados;
e) súmulas simples ou persuasivas que exteriorizam o entendimento consolidado em enunciados;
f) súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal com a observância de seus pressupostos.² ³
A guisa de conclusão, após a fixação dos conceitos de precedente, jurisprudência e súmula, vale mencionar que alguns autores² ⁴, com os quais nos filiamos, afirmam que tais institutos estão umbilicalmente ligados e fazem parte, em momentos diversos, de uma evolução. Um precedente, quando reiteradamente aplicado, se transforma em jurisprudência, que, se predominar no tribunal, pode dar ensejo à edição de um enunciado na súmula da jurisprudência deste tribunal.
Não podemos deixar de mencionar, por fim, que o precedente pode ser, também, entendido como técnica jurídica e de julgamento² ⁵. Assim, é factível sustentar a existência de uma procedimentalização dos precedentes em nosso ordenamento² . O procedimento, conforme aponta a doutrina, para a aplicação de um precedente deve percorrer três fases:
a) primeira fase: fase legislativa que indica quais são os precedentes com eficácia vinculante, ou seja, a previsão geral e abstrata da existência de precedentes obrigatórios;
b) segunda fase: a disciplina do uso dos instrumentos típicos de um sistema precedentalista, ou seja, a disciplina operacional dos institutos e instrumentos
(aplicabilidade, superação e formas de controle);
c) terceira fase: adoção dos precedentes pelos jurisdicionados e sujeitos processuais, ou seja, a criação da cultura de observância, interpretação e aplicação dos precedentes.
1.2.2 Precedentes istrativos ou Não Jurisdicionais
Ao lado dos precedentes jurisdicionais, assim entendidos como aqueles decorrentes das decisões proferidas por órgãos jurisdicionais, em decorrência da resolução de determinado caso concreto, com a fixação de uma tese (proposição) jurídica, podem ser apresentados os precedentes istrativos.
Os precedentes istrativos ou não jurisdicionais, como o próprio nome faz supor, não decorrem diretamente da resolução de casos concretos, assim compreendidos como litígios eminentemente jurisdicionais, mas de atos praticados por agentes públicos no bojo de processos (procedimentos) istrativos considerados como verdadeiros atos istrativos.
Com efeito, ao contrário do que ocorre nos precedentes jurisdicionais, podem surgir precedentes istrativos em hipóteses meramente abstratas e até mesmo consultivas.
Assim, podem ser considerados como precedentes istrativos os seguintes: i) atos e decisões proferidas pelos membros do Ministério Público no bojo de procedimentos istrativos; ii) atos istrativos praticados por agentes públicos no seio da istração Pública em sentido amplo.
Neste tópico serão apresentadas as linhas gerais e introdutórias do tema.
1.2.3 Atuação funcional do Ministério Público como criadora de precedente
Após a apresentação das questões referentes à conceituação dos precedentes jurisdicionais, resta saber se a atuação funcional do Ministério Público na defesa da ordem jurídica (art. 127 da Constituição da República) pode ser considerado como precedente.
A participação do Ministério Público durante a criação e formação dos precedentes vinculantes é evidente e obrigatória, ainda que não seja parte formal da relação jurídica processual, conforme se denota das normas dos arts. 947, §1º e 976, § 2º do C, art. 103, §1º da Constituição da República, arts. 8º, 12-E, §3º e 19 da Lei 9868/99, art. 7º, parágrafo único da Lei 9882/99 e art. 2º, §2º da Lei 11417/06. Considerando a existência de um microssistema de precedentes (arts. 926 ao 928 do C), tais normas deverão ser aplicadas aos demais instrumentos que geram a formação de precedentes vinculantes.
Tais hipóteses, por óbvio, não podem ser incluídas no conceito apresentado de precedente istrativo, mas naquele de precedente jurisdicional, pois decorrente da resolução de caso concreto.
Além de todas as teorias que nos apresentam o conceito de precedente, resta saber como qualitativamente será conceituado, ou seja, a atuação ministerial extraprocessual e extrajudicial pode ser considerado como um verdadeiro precedente a ser empregado pelos membros do Ministério Público como orientação para casos futuros?
Para fins de verificação do tema, impende apresentar quais seriam os instrumentos que poderiam ser considerados como precedentes ministeriais. Com efeito, os precedentes ministeriais são os seguintes, para os fins da presente dissertação: i) promoção de arquivamento de inquérito civil; ii) expedição de recomendação; iii) celebração de termo de ajustamento de conduta; iv) celebração de acordo de leniência.
Apesar de reconhecer que outros atos ministeriais, tais como as decisões istrativas proferidas em procedimentos istrativos, podem ser considerados como precedentes ministeriais, ficarei adstrito somente aos instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais no âmbito da tutela coletiva.
Entendo que, para tal fim, ou seja, vinculação obrigatória aos demais membros do Ministério Público, é imprescindível que o precedente ministerial seja criado e confirmado pelo órgão institucional imbuído de tal atribuição.² ⁷ Explico. Os membros do Ministério Público ostentam independência funcional e, neste contexto, não precisam observar o mesmo entendimento de seus colegas, mormente quando atuam em órgãos de execução com a mesma hierarquia istrativa, mas em prol da unidade institucional deveriam observar as decisões proferidas pelos órgãos istrativos superiores, ainda que não sejam, por concepção, órgãos criadores de precedentes.
No âmbito do Poder Judiciário, aqui referido somente como um paradigma para apresentar o presente tema, somente as decisões dos órgãos colegiados que ostentam a competência da preponderância da uniformização podem ter este condão (órgão especial ou o pleno, conforme o caso) de gerar precedentes com eficácia vinculante, ou seja, as decisões unipessoais ou monocráticas não podem ser consideradas, qualitativamente, como precedentes.
No âmbito do Ministério Público, somente o Conselho Superior, de atribuição dos Ministérios Públicos estaduais (arts. 14, 15, inciso X e 30 da Lei 8625/93), uma das Câmaras de Coordenação e Revisão, esta de atribuição do Ministério
Público da União (arts. 58 e 62, incisos I, III e IV da Lei Complementar 75/93) e o Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A, §2º, incisos I, II, III e IV da Constituição da República), podem ser considerados como fontes qualitativas para a formação de precedentes ministeriais, apesar da inexistência de regulamentação específica.² ⁸
Esse nível de definição (criação de precedente) será alcançado quando o tribunal de cúpula ou o órgão colegiado superior proferir a sua decisão, que pode ser estendido ao Ministério Público por três razões principais: i) porque será o último a decidir; ii) porque todas as causas podem buscar esta interpretação; iii) e fundamentalmente porque a Constituição Federal ou a norma jurídica organizadora da instituição atribuiu-lhe a função de órgão vocacionado a conferir unidade ao Direito ou a interpretação e orientação na atuação funcional.²
Assim, apenas por ora, forçoso concluir que é possível considerar a criação de precedentes ministeriais como fonte de orientação para a solução de casos concretos futuros, desde que a fonte seja o órgão colegiado superior. Esta conclusão, por certo, refere-se somente à vinculação vertical, mas que não decorram exclusivamente da aplicação direta de precedentes jurisdicionais obrigatoriamente vinculantes, pois, neste caso, seriam somente considerados atos istrativos por determinação judicial.
No prisma da vinculação horizontal, entendo que os órgãos de execução deverão sempre aplicar os seus próprios precedentes, desde que presentes as razões plausíveis, ou assumir o ônus argumentativo para afastá-los.
O tema será melhor desenvolvido em capítulo próprio.
1.2.4 Precedente istrativo ou precedente decorrente de decisões istrativas
Apesar do ordenamento jurídico brasileiro adotar o sistema da unidade da jurisdição, não há óbice no reconhecimento da possibilidade de determinada decisão istrativa ser considerada como um precedente. Nada obstante, imperiosa a observância das peculiaridades inerentes, pois a aplicação irrefletida e imediata pode gerar severas dificuldades práticas.²⁷
Nesta senda, a discricionariedade istrativa ou até mesmo a sua atuação vinculada poderiam objetar o encampamento da teoria dos precedentes istrativos?
A rigor, a teoria dos precedentes istrativos pode ser aplicada tanto aos atos istrativos discricionários quanto aos vinculados.
No âmbito da discricionariedade istrativa, por certo, a utilização de precedentes istrativos ganha maior relevo por ser mais um instrumento de controle da margem de liberdade para a prática dos atos istrativos e por conferir, por conseguinte, maior segurança jurídica, isonomia e impessoalidade.²⁷¹
No âmbito do ato istrativo vinculado, poder-se-ia objetar a aplicação da teoria dos precedentes istrativos, pois força vinculante deveria decorrer diretamente da norma jurídica positivada e não da decisão istrativa prévia que serve como precedente.²⁷² Ainda assim, não pode ser usado como argumento final para impedir a aplicação de precedentes istrativos vinculantes, pois
todas as decisões istrativas, mesmo as vinculadas, possuem uma certa margem de liberdade para o seu proferimento e as normas jurídicas positivadas não tem o condão e o poder de prever todas as situações fáticas e jurídicas.²⁷³
Feito o intróito, deve ser apresentado, com o respaldo indispensável da doutrina, ante a inexistência de regulamentação legal, o conceito de precedente istrativo.
O precedente istrativo, conforme aponta a melhor doutrina, pode ser formado/criado em decorrência de prática istrativa reiterada e uniforme de atos istrativos em situações similares²⁷⁴, desde que não decorram exclusivamente da aplicação direta de precedentes jurisdicionais obrigatoriamente vinculantes, pois, neste caso, seriam somente considerados atos istrativos por determinação judicial. O precedente istrativo²⁷⁵, espécie de precedente não jurisdicional, pode ser conceituado, portanto, como a norma jurídica retirada de determinada decisão istrativa anterior²⁷ , válida e de acordo com o interesse público, que, após decidir determinado caso concreto, deve ser observada em casos futuros e semelhantes pela istração Pública (vide arts. 2º, parágrafo único, inciso XIII e 50, inciso VII da Lei 9784/99.²⁷⁷
Sobreleva notar que a doutrina de Direito istrativo sustenta a possibilidade de uma única decisão istrativa ser considerada como um verdadeiro precedente a ser seguido, em prol dos princípios da segurança jurídica, da isonomia e da legítima confiança, da boa-fé, da eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade.²⁷⁸
Entendo, contudo, que tal afirmativa, sobre uma única decisão ser considerada como precedente, somente pode ser considerada caso a decisão istrativa esteja revestida com as características de um verdadeiro precedente.
A necessidade do estudo e do reconhecimento da existência de precedentes istrativos no sistema jurídico brasileiro é importante por dois fatores primordiais:²⁷ i) os atos istrativos não dependem somente do princípio da legalidade, mas dos demais inerentes ao postulado da segurança jurídica; ii) a crescente utilização e aplicação de conceitos vagos e a baixa densidade das normas jurídicas positivadas.
Não é por outra razão que se afirma a necessidade da istração Pública observar o princípio da juridicidade.²⁸
Fixado o conceito do precedente istrativo, bem como as premissas a ele inerentes, vale mencionar as suas principais características:²⁸¹
a) Os precedentes istrativos são normas jurídicas com caráter vinculante ou obrigatório, o que demonstra que são fontes do Direito istrativo, cujo descumprimento acarreta consequências jurídicas;
b) Os precedentes istrativos pressupõem decisão istrativa concreta, válida e de acordo com o interesse público, razão pela qual se exclui da sua conceituação, em princípio, os atos regulamentares (ou normativos) e as decisões ilegais;
c) A força vinculante dos precedentes istrativos se aplica aos casos futuros que serão decididos pela istração Pública, o que pressupõe identidade objetiva (situações fático-jurídicas semelhantes) e subjetiva (decisões provenientes da mesma entidade istrativa) entre os casos.
Assim, a guisa de conclusão, forçoso reconhecer que o precedente istrativo
pode ser considerado como uma das fontes do Direito istrativo²⁸², com a possibilidade de gerar efeitos vinculantes para os particulares (chamada de heterovinculação) e para a própria istração e seus órgãos (chamada de autovinculação), apesar da inexistência de consenso doutrinário.²⁸³
1.3 Pressupostos do precedente
Fixado o conceito do precedente, com as suas distinções para os demais institutos afins, sobreleva indicar quais são os pressupostos que ensejam o reconhecimento da existência de um precedente.
A doutrina, conforme devidamente apontado por Ronaldo Cramer²⁸⁴, indica os seguintes pressupostos do precedente:
a) decisão/julgado oriundo do órgão colegiado de um tribunal;
b) decorrer da interpretação de uma norma jurídica positivada;
c) estabilidade; e
d) reconhecimento desta natureza em outra decisão judicial que o aplique.
Com efeito, o primeiro pressuposto a ser considerado deve ser a origem jurisdicional. Ora, para que uma determinada decisão judicial possa ser efetivamente considerada como um precedente, será imprescindível a existência de uma causa pendente perante um órgão colegiado jurisdicional superior. Assim, fácil notar que as decisões oriundas dos relatores (decisões unipessoais e monocráticas) e dos juízes não poderão ser consideradas, conforme o apuro técnico necessário, como precedentes, muito menos standards para a solução de
casos futuros, apesar de indicarem quais são os posicionamentos dos seus membros. Neste ponto, impende destacar a possibilidade excepcional de um órgão jurisdicional de primeira instância ser capaz de criar um precedente, qual seja, a Turma Recursal no Sistema Nacional dos Juizados Especiais, pois é um órgão jurisdicional colegiado e que atua como segundo grau de jurisdição. Os enunciados istrativos do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, não poderão ser utilizados como categoria de precedente, pois não derivam de causa processual pendente. Os Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis, do Fórum Nacional dos Juizados Especiais e do Conselho da Justiça Federal, pelo mesmo motivo, não poderão ser considerados como precedentes, por óbvio, mas são claramente fontes interpretativas das normas jurídicas do Código de Processo Civil. Por fim, vale mencionar que o Código de Processo Civil de 2015 permite, ainda que de forma excepcional, a criação de um precedente com eficácia vinculante, mesmo que não exista mais causa processual pendente, conforme as disposições dos arts. 976, §1º; 998, parágrafo único e 1040.
Neste momento, é imprescindível, ainda que em breves linhas, abordar a temática, ainda polêmica, do modelo adotado pelo Código de Processo Civil quanto à resolução das questões repetitivas. Ora, considerando que parte da doutrina considera relevante a existência de uma relação jurídica processual pendente para a criação de um precedente vinculante, sobreleva notar que o Código de Processo Civil possui um microssistema de resolução das questões repetitivas (art. 928 do C), o qual abrange o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 976 do C) e os Recursos Especial e Extraordinário Repetitivos (art. 1036 do C). Nesta senda, discute-se a imprescindibilidade da resolução de um determinado caso concreto para que a decisão proferida seja considerada como um precedente vinculante.
Na técnica de julgamento de questões repetitivas (art. 928 do C)²⁸⁵ existem dois modelos aplicáveis: a) processo-piloto; b) processo-modelo.
No modelo do processo-piloto, o julgamento das questões repetitivas importará
na fixação da tese jurídica que será aplicável aos demais casos concretos, bem como a resolução de um ou mais casos afetados/selecionados para o julgamento. Haverá, portanto, a resolução do caso concreto e a fixação da tese jurídica. Para fins de aplicação deste modelo é imprescindível a existência de uma relação jurídica processual pendente (processo em primeiro grau, recurso, reexame necessário ou causa da competência originária do tribunal).
No processo-modelo, ao contrário, o julgamento das questões repetitivas ensejará somente a fixação da tese jurídica sem a resolução de um caso concreto. O órgão jurisdicional será provocado somente para fixar a correta interpretação/aplicação da questão de direito que será replicada, pois é um precedente (tese jurídica fixada), para os demais casos concretos pendentes e futuros. Tanto isso é verdade que o abandono do incidente de julgamento das questões repetitivas não ensejará óbice para a fixação da tese jurídica, conforme se verifica da análise dos arts. 998, parágrafo único, 976, § 1º e 1040, §§ 1º e 2º, todos do C. Assim, a fixação da tese jurídica independe da resolução do caso concreto.
Diante destes dois modelos de processo, surge a indagação: qual foi o adotado no Código de Processo Civil? A questão é objeto de intenso debate doutrinário, sendo possível encontrar as seguintes teses: 1ª tese: o Código de Processo Civil adotou, como regra geral, o processo-modelo, mas há excepcionalmente hipóteses nas quais será possível verificar a aplicação do processo-piloto, como apontado acima. Tal fato leva alguns autores a afirmarem que o nosso ordenamento jurídico adotou uma posição mista, por ser possível a adoção dos dois modelos²⁸ ; 2ª tese: o Código de Processo Civil adotou o processo-modelo, pois o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas apenas resolve a questão de direito, fixando a tese jurídica, que será posteriormente aplicada tanto nos casos que serviram como substrato para a formação do incidente, como nos demais casos pendentes e futuros. Entendo, portanto, que no incidente não haverá julgamento de “causa-piloto”, mas que será formado um “procedimentomodelo”²⁸⁷; 3ª tese: o Código de Processo Civil adotou o sistema do processopiloto, “o processo em que tal instauração ocorra será afetado para julgamento por órgão a que se tenha especificamente atribuído a competência para conhecer do incidente, o qual julgará o caso concreto como uma verdadeira causa-piloto,
devendo o julgamento desse caso concreto ser, além da decisão do caso efetivamente julgado, um precedente que funcionará como padrão decisório para outros casos, pendentes ou futuros”²⁸⁸.
Fácil notar, portanto, que há dois pontos imprescindíveis para entender o problema apresentado na fixação do modelo adotado: a) saber se haverá a cisão cognitiva e decisória, ou seja, se haverá a resolução da matéria fática; e b) o cerne do debate gira em torno da natureza jurídica do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
O segundo pressuposto é a necessidade de o precedente derivar diretamente de uma norma jurídica positivada, ou seja, o órgão jurisdicional, no bojo de uma causa pendente, tem que interpretar a lei e, a partir daí, criar a norma jurídica do precedente. Este pressuposto, segundo a doutrina que o defende, decorre da necessidade do precedente criar uma norma jurídica nova somente nos casos em que o legislador a concebeu²⁸ . Não concordo com tal posicionamento, pois entendo que o precedente pode criar norma jurídica nova, ao enfrentar, principalmente, os denominados hard cases e os casos nos quais não existe norma jurídica positivada que respalde a pretensão deduzida em nosso ordenamento jurídico.
O terceiro pressuposto é a necessidade da estabilidade da decisão que se reputa precedente. Aqui o termo estabilidade não se refere à característica indicada no art. 926 do C, pois esta pressupõe o reconhecimento do ato como sendo precedente. Nesta senda, estabilidade refere-se à impossibilidade jurídica de sua reversão, ou seja, a decisão não pode mais ser alterada através de impugnação recursal. Assim, o trânsito em julgado será imprescindível para a possibilidade de reconhecimento do precedente. Tal pressuposto é salutar para que seja reconhecido e aplicado um precedente, sob pena de fomento à insegurança jurídica decorrente da aplicação, como precedente, de decisões colegiadas que ainda podem ser impugnadas pela via recursal. Neste ponto, vale lembrar que o trânsito em julgado, por si só, não impede a impugnação da decisão judicial, tendo em vista a possibilidade jurídica do manejo da ação rescisória (arts. 966 e
975 do C). Entendo, portanto, que o terceiro pressuposto somente se verificará quando não for mais possível juridicamente o manejo da ação rescisória, que somente ocorre após o decurso in albis do prazo decadencial de dois anos, que ocasiona a formação da coisa soberanamente julgada.
O quarto pressuposto é a necessidade de uma decisão posterior reconhecendo a decisão anterior como sendo um precedente, pois o órgão jurisdicional que resolve o caso concreto não ostenta competência para reconhecer a sua decisão/solução como sendo um precedente. Assim, a decisão isolada, sem o reconhecimento posterior não poderá ser considerado, tecnicamente, como um precedente. O órgão criador do precedente, a rigor, não é aquele que determina a sua ratio decidendi, mas sim os demais órgãos jurisdicionais inferiores que irão aplicá-lo.²
1.4 Natureza jurídica do precedente
Não há a menor dúvida, como premissa, que o precedente é uma norma jurídica derivada de uma prestação da tutela jurisdicional, mas a doutrina diverge acerca da sua natureza jurídica em, basicamente, como bem salientou Ronaldo Cramer² ¹, duas posições: a) precedente é um ato-fato jurídico² ²; b) precedente é fonte do Direito que cria uma norma regra ou norma princípio.² ³
Para aqueles que defendem ser o precedente um ato-fato jurídico, a premissa é de que ele é um efeito anexo da decisão judicial proferida e, assim, os efeitos do precedente serão verificados independentemente de qualquer outra manifestação posterior do órgão jurisdicional responsável por seu proferimento. Ora, a decisão judicial proferida é nitidamente um ato jurídico e o legislador confere ao precedente um tratamento de fato, portanto, deve ser considerado como ato-fato jurídico.
Por outro lado, há quem defenda ser o precedente uma fonte do Direito que cria uma norma jurídica (regra ou princípio). Para este entendimento, deve-se adotar a premissa, que já foi aqui apresentada, de que o precedente tem dois sentidos: a) próprio e b) impróprio. No sentido próprio, o precedente é a própria decisão judicial de onde se extrai a tese jurídica que será utilizada para a resolução dos casos concretos futuros. No sentido impróprio, é a própria tese jurídica fixada.² ⁴ Assim, considerando os dois sentidos, o precedente é fonte do Direito, como já sustentamos alhures, e configura uma norma jurídica que poderá ser regra ou princípio, conforme o caso concreto.
1.5 Norma do precedente: norma individual e norma geral
O precedente possui duas normas jurídicas: norma geral e norma individual. O órgão jurisdicional ao resolver o caso concreto criará a norma jurídica individual que será aplicada e observada no caso entre as partes que são os sujeitos do processo. Além desta norma, será criada uma geral que servirá de orientação para os demais casos concretos futuros que guardarem alguma semelhante com a ratio decidendi ínsita. Esta norma, extraída da fundamentação, é a denominada norma do precedente.² ⁵ Considerando a necessidade de observância da integridade, o histórico/cadeia dos julgados que ajudou a formar o precedente deve ser levado em conta no momento da sua interpretação e consequente aplicação.
O órgão jurisdicional, ao julgar determinada demanda, como bem aponta Bernardo Gonçalves, acaba por criar duas normas, uma de cunho específico e outra de cunho geral. A norma de cunho específico é aquela que se relaciona somente à específica decisão do caso concreto, sendo seu objetivo último a regência da situação fática que dá objeto ao processo. Assim, essa regra específica é, justamente, o dispositivo da decisão que produz efeitos inter partes. A de cunho geral, por outro lado, diz respeito a uma esfera interpretativa dos fatos frente o direito positivo vigente. Assim, a ratio decidendi da decisão, não obstante construída a partir da situação concreta, se desprende do caso específico e pode ser aplicada em outras situações concretas que se assemelhem àquela em que foi originalmente construída. Em outras palavras, o precedente extrai da ratio decidendi, a partir de raciocínio indutivo, regra geral ível de aplicação a outros casos semelhantes (razão de decidir universalizável), de tal forma que a vinculação é operada pelas razões de decidir. ²
A norma jurídica criada pelo precedente pode ser princípio ou regra.² ⁷ Há quem
defenda, no entanto, que a norma jurídica de um precedente somente cria uma regra, ainda quando aborde, para a sua formação, um determinado princípio, ou seja, não será o princípio citado no precedente que terá a eficácia vinculante ou persuasiva para os casos concretos futuros, mas a regra derivada do precedente.² ⁸
1.6 Dever jurídico de estabilidade, integridade e coerência
O art. 926, caput do Código de Processo Civil fixa três características da jurisprudência que geram deveres jurídicos aos Tribunais na aplicação do sistema dos precedentes. Tais deveres servem como instrumento para o desenvolvimento, nas palavras do Fredie Didier Júnior² , do microssistema de precedentes judiciais obrigatórios brasileiros. Os Tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Esta regra deverá ser conjugada com o art. 927, § 5.º do C que determina a observância da publicidade. O termo jurisprudência empregado na referida norma não pode ser considerado somente em seu sentido , pois deve abranger, também, os precedentes, sejam persuasivos ou vinculantes, sob pena de ser relegado ao oblívio o postulado da segurança jurídica.
Esta norma versa, a rigor, sobre o dever de proporcionar unidade ao direito e uniformidade à jurisprudência pelos tribunais. A necessidade desta uniformidade não fica adstrita à jurisprudência, pois deve ser estendida, também, para o próprio direito.
O dever de uniformizar a jurisprudência decorre da necessidade do Tribunal resolver divergência interna, entre os seus órgãos fracionários, acerca de determinada matéria de direito ou tese jurídica. Assim, podemos concluir que os Tribunais não poderão ficar omissos quanto ao dever de solucionar as divergências e fixar a tese jurídica (de direito material ou processual).
Deste dever decorre a necessidade da edição de enunciado de súmula que corresponda a sua jurisprudência dominante. Nesta senda, o Tribunal não poderá
se afastar das razões fáticas ensejadoras dos precedentes. (art. 926, §§ 1.º e 2.º do C).³
O dever de estabilidade deve ser entendido como a necessidade de motivação adequada e suficiente para externar mudança de entendimento (art. 489, §1º do C). Além desta necessidade de fundamentação, com maior ônus argumentativo, deverá o Tribunal, em atenção aos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, modular os efeitos do novo entendimento (art. 927, §§ 2.º ao 4.º do C).³ ¹ A alteração de tese jurídica poderá ser precedida da realização de audiências públicas para conferir maior participação dos setores da sociedade civil na formação dos precedentes. Nada mais é do que a transposição do conceito de pessoa deliberativa para o cenário procedimental dos discursos jurídicos de formação de precedentes, mormente quando vinculantes.³ ²
Alguns autores referem-se ao princípio da inércia argumentativa, que tem fundamento constitucional (arts. 5.º, caput e inciso LV e 93, inciso IX, ambos da Constituição da República) e infraconstitucional (art. 489, § 1.º, incisos V e VI do C), como sendo um fato para preservação do status quo, cuja modificação pressupõe razões até então não cogitadas ou enfrentadas.³ ³
Este dever de estabilidade enseja a utilização da teoria do stare decisis et non quieta movere, segundo a qual o respeito ao precedente, vinculando o Judiciário para casos futuros, denota a sua imposição, muito embora sem previsão normativa expressa acerca desse efeito vinculante (binding effect).³ ⁴
A estabilidade da jurisprudência do tribunal depende também da observância de seus próprios precedentes, inclusive por seus órgãos fracionários.³ ⁵
A doutrina do stare decisis tem por pressuposto a existência de uma
jurisprudência íntegra.³ É imprescindível que os órgãos jurisdicionais respeitem suas próprias decisões.³ ⁷
Há, na doutrina, certo dissenso acerca da identidade entre o precedente e o stare decisis. Há quem sustente que são institutos diversos. Com esta premissa, precedente é a regra jurídica extraída do julgamento da Corte, enquanto que stare decisis é a política que exige que os órgãos jurisdicionais subordinados à Corte de última instância, que estabelece o precedente, sigam-no e não mudem uma questão decidida.³ ⁸ Penso não ter sentido prático na diferenciação entre os conceitos, pois pertencem ao mesmo sistema de aplicação de padrões decisórios aos casos concretos futuros. O stare decisis, a rigor, é instrumento de coerência interna do próprio Poder Judiciário³ e, como destaca o art. 926 do C, a coerência é uma das principais características do precedente. Assim, forçoso concluir que a doutrina do stare decisis decorre da necessidade dos precedentes gerarem eficácia vinculante para fins de orientação na resolução dos casos concretos futuros.
Os deveres de integridade e de coerência foram tratados pela regra do art. 926 do C como sendo distintos, mas são indissociáveis³¹ . Há doutrina, inclusive, que os considera dentro do termo consistência. A bem da verdade, a soma destes dois deveres gera a necessidade de a jurisprudência ser consistente, ou seja, a soma do dever de coerência e de integridade gera a consistência. Assim, podemos afirmar que consistência abrange os dois deveres referidos, que são postulados hermenêuticos tanto para a formação, quanto para aplicação dos precedentes.³¹¹
O dever de integridade decorre da necessidade da observância da evolução histórica das decisões proferidas e dos precedentes quando da aplicação e utilização do entendimento consolidado. Assim, os órgãos jurisdicionais ficam jungidos³¹² a aplicar as técnicas de distinção e superação do entendimento e da tese jurídica fixada para fins de contextualização do precedente às peculiaridades do caso concreto ou à interpretação atual do ordenamento jurídico.³¹³
O dever de integridade, em sentido mais abrangente, relaciona-se com a ideia de unidade do Direito. A observância do dever de integridade supõe que o tribunal adote certas posturas ao decidir³¹⁴:
a) decidir em conformidade com o Direito e, com isso, impedir o voluntarismo judicial e argumentações arbitrárias;
b) decidir em respeito à Constituição da República e, com isso, concretizar o postulado da hierarquia;
c) compreender o Direito com um sistema de normas e, com isso, concretizar o postulado da unidade do ordenamento jurídico, alcançando, inclusive, os microssistemas normativos;
d) observar as conexões normativas entre o direito material (normas de direito substantivo) e o direito processual (normas de direito adjetivo), bem como com as normas heterotópicas (normas que contém regulação de direito material e processual);
e) enfrentar, na formação do precedente, todos os argumentos favoráveis e contrários ao acolhimento da tese jurídica em debate (arts. 984, § 3.º e 1038 do C)³¹⁵.
O dever de coerência exigido pela norma do art. 926 do C refere-se à necessidade do dever de autorreferência, ou seja, respeito aos próprios precedentes do tribunal, bem como a necessidade de uma congruência interna na formação do próprio precedente.
A doutrina costuma dividir o dever jurídico de coerência em dois prismas (formal e substancial) e em duas dimensões (ex- terna e interna).³¹
O dever de coerência no prisma formal significa que órgão jurisdicional deverá observar a necessidade de não proferir decisões contraditórias. No prisma substancial, por outro lado, o dever de coerência significa que o órgão jurisdicional deverá proferir uma decisão que faça algum sentido.³¹⁷
Doutra banda, o dever de coerência gera efeitos em duas dimensões, como supra referido. Na dimensão externa, os tribunais devem observar suas próprias decisões, bem como a linha evolutiva da jurisprudência, pois, com isso, efetivarse-á o princípio da igualdade.³¹⁸ O tribunal, ressalvadas as hipóteses de revisão da tese jurídica, não pode deixar de seguir o seu próprio entendimento consolidado.
O dever de coerência, pois, neste sentido, impõe a necessidade de autorreferência.³¹ Caso não seja observada esta dimensão, a decisão judicial será considerada omissa para fins de interposição do recurso de Embargos de Declaração (art. 1022, parágrafo único, inciso I do C). Assim, a aplicação dos precedentes, da jurisprudência e dos enunciados das súmulas deve ser realizada a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente.³²
Em sua dimensão interna, o dever de coerência guarda relação direta com a formação do precedente e com a sua fundamentação. Os órgãos jurisdicionais deverão criar precedentes observando os critérios da congruência interna (clareza, certeza, liquidez e coerência), previstos nos arts. 489, § 1.º, 491 e 492, parágrafo único do C.
Os deveres de coerência e integridade são, portanto, vetores principiológicos de todo o sistema de aplicação e interpretação dos precedentes e devem, assim, ser observados na elaboração da fundamentação das decisões judiciais.³²¹
O dever de publicidade, previsto no art. 927, § 5.º do C, determina, em viés mais amplo deste princípio, a necessidade dos tribunais organizarem os seus precedentes por questão jurídica decidida e com a obrigatoriedade de sua divulgação preferencialmente na rede mundial de computadores. Este dever de publicidade deverá ser combinado com o dever de publicidade das decisões judiciais e demais atos do processo (art. 93, inciso IX da Constituição da República e art. 189 do C).
Este dever de publicidade também é exigido nos casos em que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas for instaurado e julgado (art. 979, do C).
1.7 Composição do precedente
A composição de um precedente deve ser apresentada para que seja facilitada a sua identificação, mormente quando o seu conceito já foi definido. O precedente, portanto, é composto pelos seguintes elementos:
a) circunstâncias de fato que embasam a controvérsia;
b) argumentação jurídica de agem ou reforço (obiter dictum) e
c) tese ou princípio jurídico assentado na motivação do provimento decisório (ratio decidendi ou holding).
As circunstâncias de fato que embasam a controvérsia são os elementos que identificam o caso concreto do qual se extraem os demais elementos e que guarda relevância tanto para individualizar a demanda quanto para sua aplicabilidade nos demais casos concretos futuros.
Os demais elementos serão abordados em tópicos especí- ficos a seguir.
1.7.1 Ratio Decidendi ou holding
A ratio decidendi (holding) ³²² é a tese (proposição) jurídica acolhida pelo órgão julgador no caso concreto.³²³ Composta pelos fundamentos jurídicos que sustentam a própria decisão proferida, pode ser compreendida como a norma que se extrai da fundamentação de uma decisão judicial, qualificada como precedente, e é havida como indispensável para justificá-la.
Ademais disso, convêm frisar que a razão de decidir possui a pecha de elemento vinculador do precedente aos demais casos futuros. É a opção hermenêutica adotada na decisão, sem a qual a mesma não teria o resultado alcançado, ou seja, a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto. É a opinião necessária para a decisão da causa.³²⁴
Sobreleva notar que o órgão criador do precedente, a rigor, não é aquele que determina a sua ratio decidendi, mas sim os demais órgãos jurisdicionais inferiores que irão aplicá-lo.³²⁵
As razões de decidir do precedente é que operam a vinculação, conforme já reconheceu o Superior Tribunal de Justiça³² . A ratio decidendi encontra-se na fundamentação da decisão. Por tal razão, o ônus argumentativo nas decisões judiciais ganha ainda maior relevância no Código de Processo Civil (art. 489, § 1.º), pois os fundamentos precisam ser adequada e efetivamente apresentados para que a ratio decidendi seja fixada corretamente.³²⁷
O órgão jurisdicional, ao julgar determinada demanda, como bem aponta Bernardo Gonçalves, acaba por criar duas normas, uma de cunho específico e
outra de cunho geral. A norma de cunho específico é aquela que se relaciona somente à específica decisão do caso concreto, sendo seu objetivo último a regência da situação fática que dá objeto ao processo. Assim, essa regra específica é, justamente, o dispositivo da decisão que produz efeitos inter partes. A de cunho geral, por outro lado, diz respeito a uma esfera interpretativa dos fatos frente o direito positivo vigente. Assim, a ratio decidendi da decisão, não obstante construída a partir da situação concreta, se desprende do caso específico e pode ser aplicada em outras situações concretas que se assemelhem àquela em que foi originalmente construída. Em outras palavras, o precedente extrai da ratio decidendi, a partir de raciocínio indutivo, regra geral ível de aplicação a outros casos semelhantes (razão de decidir universalizável), de tal forma que a vinculação é operada pelas razões de decidir. ³²⁸
Apesar deste ônus argumentativo mais robusto, não há imperiosa necessidade de o órgão judicial indicar, de maneira expressa, qual é a ratio decidendi. Precisará, contudo, quando da aplicação do precedente, fazê-lo.
Nesta senda, Marcelo Alves Dias de Souza³² apresenta algumas questões importantes:
a) se há mais de uma ratio decidendi (mais de um fundamento da decisão), todas as razões são vinculantes, mas não poderão ser escolhidas e utilizadas isoladamente ao mero alvedrio do órgão julgado. Cada fundamento determinante, portanto, adotado na decisão capaz de resolver de forma suficiente a questão jurídica, induz os efeitos de precedente vinculante, nos termos do Código de Processo Civil/2015.³³
b) No caso de decisão de órgão colegiado, no bojo da qual for verificada dispersão de fundamentos (razões diversas), apesar do comando decisório (issibilidade, inissibilidade, provimento ou improvimento) ter sido idêntico, entende-se pela inexistência de ratio decidendi que servirá de orientação vinculante para os casos futuros.
c) Também será considerada desprovida de ratio decidendi e, portanto, despida de eficácia vinculante, toda decisão judicial que dificulte a identificação dos fundamentos determinantes ou que não fixou tese jurídica bem delineada.
A ratio decidendi, por seu turno, é composta pelos seguintes elementos, todos indispensáveis para a sua correta individualização:
a) indicação dos fatos relevantes da causa;
b) raciocínio lógico-jurídico da decisão (ou seja, a fundamentação);
c) o juízo decisório (o que restou decidido/fixado) e
d) a questão posta em juízo.³³¹
A doutrina³³² costuma apontar, com base no direito comparado, métodos para a identificação/individualização da ratio decidendi. Podemos apontar os seguintes: i) teste ou método de Wambaugh; ii) teste ou método de Goodhart; iii) método de Rupert Cross ou eclético; iv) método do reporting; v) método de Zander.
O teste de Wambaugh³³³ tem como principal fundamento a “técnica de inversão” ou “método hipotético de eliminação”, por meio do qual se verifica se a retirada ou inversão do fundamento utilizado na decisão manterá o seu resultado. Se o resultado (comando decisório) for o mesmo, será obiter dictum; do contrário, será ratio decidendi. Com efeito, a ratio decidendi é uma regra jurídica sem a
qual o órgão jurisdicional proferiria decisão diversa, com solução jurídica diversa.
O método de Goodhart³³⁴ prima pela análise dos fatos subjacentes destacados e considerados como importantes na causa e na decisão que nele se funda, ou seja, a ratio decidendi não se encontra na opinião do julgador ou nas razões delineadas. “A definição da ratio decidendi pressupõe que se identifiquem e se separem os fatos materiais ou fundamentais, bem assim a decisão neles embasada.” ³³⁵
O método de Rupert Cross ou eclético³³ aplica as duas proposições anteriores. A ratio decidendi deve ser individualizada através dos fatos relevantes da causa devidamente conjugados com os motivos determinantes utilizados para a formação do comando decisório. Através deste método conclui-se ser equivocada solução através da aplicação de somente um dos métodos de forma isolada. A ratio decidendi, portanto, é qualquer regra de direito expressa ou implicitamente tratada pelo juiz como o necessário para alcançar sua conclusão, tendo em vista a linha de raciocínio por ele adotada ou uma parte necessária de sua instrução para o júri.³³⁷
O método do reporting, muito utilizado nos países que adotam o sistema jurídico do common law, revela-se por meio de um procedimento específico. Com efeito, funcionários especializados analisam os casos e selecionam aqueles a serem publicados como law reports para a formação de um precedente, ou seja, já há a indicação de qual é a ratio decidendi que deve ser utilizada como diretriz para a solução dos casos concretos futuros que guardem consigo alguma relação de semelhança.
O método de Zander³³⁸ é aquele que identifica a ratio decidendi por meio da proposição (tese) jurídica que resolve o caso concreto posto em análise. Ainda que exista mais de uma proposição (tese), todas poderão ser consideradas como vinculantes (de observância obrigatória).
Apesar de todo o esforço da doutrina e da própria jurisprudência, não se pode afastar a imensa dificuldade para conseguir identificar a ratio decidendi em determinados precedentes. Por vezes, é extremamente difícil entender toda a linha argumentativa empregada na formação da decisão judicial que se torna o precedente, quiçá identificar a sua fundamentação relevante. Os próprios tribunais superiores cometem célebres equívocos no momento da análise de seus próprios precedentes. Esta dificuldade não é ignorada pela doutrina estrangeira.³³ Entretanto, não há dúvidas de que é a parte da decisão que o órgão jurisdicional afirma ou confirma como correta determinada interpretação/aplicação da norma jurídica positivada ou a própria solução jurídica do caso concreto.³⁴
No estudo do que pode ser considerado como ratio decidendi, é possível verificar um esforço quase hercúleo da doutrina em apresentar diversas concepções acerca do termo/instituto. As concepções da ratio decidendi podem ser apresentadas em dois grupos: i) tipo de objeto designado; ii) grau de especificação do objeto designado.
Quanto ao tipo de objeto designado³⁴¹, a ratio decidendi pode ser assim apresentada:
a) Concepção normativa abstrata: é a norma jurídica geral (a regra, o princípio, a premissa normativa) extraída da decisão judicial complexivamente considerada sobre a base do que foi decidido em um caso;
b) Concepção normativista concreta: é a norma jurídica geral contextualizada, ou seja, a norma usada por um juiz para justificar a decisão de determinado caso concreto, considerada não mais em si e per si, mas unicamente em relação aos argumentos que a sustentam e à decisão do fato ao qual tenha sido aplicada;
c) Concepção argumentativa: é qualquer elemento essencial (conditio sine qua non) à argumentação desenvolvida pelo órgão jurisdicional para motivar a decisão de determinado caso concreto.
Quanto ao grau de especificação³⁴², há uma quantidade significativa de sentidos aplicáveis ao termo em testilha, quais sejam:
a) O elemento da motivação que constitui uma premissa necessária para a decisão de um caso concreto;
b) O princípio do Direito que na decisão judicial é suficiente para decidir o caso concreto posto em análise;
c) A argumentação necessária ou suficiente para decidir determinado caso concreto;
d) A norma (regra ou princípio) que constitui, alternativamente, a condição necessária e suficiente, ou a condição não necessária, mas suficiente, ou ainda a condição necessária, mas não suficiente de determinada decisão;
e) A norma relevante para os fatos da causa, à luz de uma análise textual do precedente-decisão, que o juiz tenha de fato estabelecido e/ou seguido;
f) A norma relevante para os fatos da causa que o juiz do caso paradigmático declara expressamente ter estabelecido e/ou seguido;
j) A norma expressa ou implicitamente tratada pelo juiz como necessária para decidir o caso;
h) A norma relevante para os fatos da causa que, à luz do Direito existente, dos fatos e dos precedentes, o juiz tenha pronunciado a decisão paradigmática estabelecido e/ou seguido, para decidir corretamente a controvérsia;
i) A norma relevante para os fatos da causa que, segundo a opinião de um juiz sucessivo, o juiz que pronunciou o precedente tenha acreditado haver estabelecido;
j) A norma relevante para os fatos da causa que, segundo a opinião dos juristas, o juiz posterior tenha o dever de considerar como estabelecida ou seguida por um juiz precedente.
Por fim, impende destacar que a eficácia transcendente dos motivos determinantes³⁴³, é, em verdade, a extração de uma ratio decidendi/holding equivalente à exegese constitucional, nos casos de controle de constitucionalidade, fixada pelo tribunal, a partir dos fundamentos da decisão produzida e a conferência a mesma de eficácia normativa.³⁴⁴ Há, a bem da verdade, a possibilidade de se sustentar a transcendência das decisões judiciais.³⁴⁵
Há, na doutrina, quem sustente a impossibilidade de atribuir eficácia vinculante à motivação do precedente.³⁴
1.7.2 Obter dictum
O obiter dictum é composto pelos argumentos que são expostos apenas de agem na motivação da decisão, consubstanciando juízos órios que não tem influência relevante e substancial para a decisão, pois são prescindíveis para o deslinde da controvérsia.³⁴⁷
Alguns autores³⁴⁸ ainda apontam como obiter dictum:
a) manifestações sobre questão que não é objeto da causa, mas que é hipoteticamente considerada;
b) manifestações sobre questões irrelevantes;
c) menção a referenciais normativos impertinentes e inaplicáveis à espécie
d) o que constou no voto vencido da decisão colegiada.
Apesar de não possuírem eficácia vinculante, nada impede que possuam eficácia persuasiva, na medida da força de seus fundamentos.³⁴
O obiter dictum pode ser utilizado para fins de prequestionamento, pois será
necessariamente declarado e considerado como parte integrante do acórdão para todos os fins legais, conforme art. 941, § 3.º C. Em virtude da redação do referido art., possível afirmar a superação da súmula 320 do Superior Tribunal de Justiça.
Poderão, ainda, ter relevância para possível e futura superação do precedente. O Código de Processo Civil permite, também, a utilização do obiter dictum (nos casos de voto vencido) para aplicação da técnica de julgamento prevista no art. 942 do C.
A doutrina³⁵ , por fim, sustenta que a qualificação de obiter dictum e ratio decidendi não são imutáveis, pois pode ocorrer um “rebaixamento” ou uma “ascensão”. Aquilo que outrora era considerado como obiter dictum pode tornarse ratio decidendi e vice-versa.
1.8 Classificação dos precedentes:
1.8.1 Quanto ao conteúdo ³⁵¹:
Os precedentes, quanto ao conteúdo, poderão ser classificados em: a) precedentes declarativos e b) precedentes criativos.
Os precedentes declarativos são aqueles que simplesmente reconhecem e aplicam uma norma jurídica previamente existente. A decisão judicial, qualificada como precedente, se baseia em precedente anterior para resolver determinado caso concreto.
Para parte da doutrina, a novidade do precedente criativo somente pode ser itida no sentido de esclarecer algo, ou se descobrir um princípio que encontrava-se adormecido.³⁵²
Os precedentes criativos são aqueles que criam e aplicam uma determinada norma jurídica, ou seja, o órgão jurisdicional supre lacuna ou se depara com cláusulas gerais.
1.8.2 Quanto aos efeitos ³⁵³:
Os precedentes, quanto aos efeitos, poderão ser classificados em:
a) precedente com eficácia vinculante ou obrigatória (com eficácia normativa);
b) precedente com eficácia meramente persuasiva ou persuasivo;
c) precedente obstativo de revisão de decisões (de eficácia impositiva intermediária);
d) precedente com eficácia autorizante;
e) precedente com eficácia rescindente ou deseficacizante;
f) precedente que permite revisão de coisa julgada.
Há autores que separam o presente tema, ainda, em graus de eficácia. Os precedentes, nesta classificação, podem ter:
a) vinculação formal;
b) não formalmente vinculante, mas contendo força;
c) não formalmente vinculante e não tendo força, mas provendo razões; e
d) força meramente ilustrativa ou outro valor.³⁵⁴
Na presente dissertação, será adotada a classificação tradicional dos efeitos dos precedentes.
Os efeitos listados não se excluem, pois podem ser verificados em uma mesma situação, ou seja, os precedentes podem ter mais de um dos efeitos mencionados³⁵⁵, mas todos os efeitos dos precedentes decorrem da sua própria ratio decidendi.
O precedente com eficácia vinculante, obrigatória ou eficácia normativa (doctrine of binding precedent, binding authority ou teoria do stare decisis et non quieta movere ou stand by the thing decided) é aquele que fixa uma orientação/tese jurídica a ser obrigatoriamente seguida em todas as hipóteses semelhantes supervenientes.³⁵
A nomenclatura precedente vinculante, a rigor, é uma tautologia, pois se é considerado como um precedente deve ter eficácia vinculante.³⁵⁷
Os precedentes vinculantes são os que obrigatoriamente devem ser seguidos quando do julgamento de posteriores casos análogos, independentemente do convencimento do juiz quanto à sua correção. Neste caso, a norma jurídica geral (tese jurídica, ratio decidendi) estabelecida na fundamentação de determinadas decisões judiciais tem o condão de vincular decisões posteriores, obrigando que os órgãos jurisdicionados adotem aquela mesma tese jurídica na sua própria fundamentação.
Os precedentes vinculantes, portanto, deverão ser observados e aplicados obrigatoriamente de ofício, sob pena da decisão judicial proferida ser reputada como omissa, na forma do art. 1022, parágrafo único, inciso I do C. Esta decisão é denominada per incuriam. Apesar desta norma referir-se somente aos casos previstos no art. 927, inciso III do C, deve ser estendido o seu efeito para os demais casos de eficácia vinculante.
Apesar da aplicação de precedente vinculante ser matéria de ordem pública e, portanto, aplicável de ofício pelo órgão jurisdicional, não afasta a necessidade da oitiva prévia das partes, na forma dos arts. 10 e 927, § 1.º do C.
O efeito vinculante de um precedente deve sempre decorrer de determinação legal expressa. Os precedentes com eficácia vinculante também ostentam os demais efeitos listados acima.
Todas as hipóteses das decisões e precedentes previstas no art. 927 do C são vinculantes aos órgãos jurisdicionais vinculados.³⁵⁸ O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que o acórdão proferido pela Corte Especial tem eficácia interna e externa³⁵ , bem como o acórdão proferido pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal³ , nos termos do art. 927, inciso V do C. As súmulas vinculantes (art. 103-A da Constituição da República) também ostentam tal efeito, assim como as decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de
controle de constitucionalidade.
Por fim, impende salientar a existência de entendimento doutrinário no sentido do reconhecimento de graus de vinculatividade/obrigatoriedade³ ¹. Segundo esta doutrina, é importante que se perceba a existência de certo grau de obrigatoriedade no que tange ao respeito da jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido amplo. Divide, assim, a obrigatoriedade em três graus: i) forte; ii) média e iii) fraca.
A obrigatoriedade forte é aquela que vincula os demais órgãos jurisdicionais com a previsão de mecanismo jurisdicional específico para o controle da sua inobservância e/ou aplicação incorreta. É o que ocorre nos casos de Reclamação proposta para obrigar órgão jurisdicional inferior a seguir o precedente (art. 103A da Constituição da República e art. 988 do C).
A obrigatoriedade média é aquela que vincula os demais órgãos jurisdicionais sem a previsão, contudo, de mecanismo jurisdicional específico para o controle da sua inobservância e/ou aplicação incorreta. Apesar da inexistência de mecanismo específico, poderá ser usado um mecanismo genérico (qualquer remédio jurídico). É o que ocorre, por exemplo, nos casos do exercício do controle jurisdicional difuso, sem análise da lei em tese, pelo Supremo Tribunal Federal. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade do manejo de Ação Rescisória para tal desiderato, acaso a controvérsia seja solucionada pelo próprio tribunal em sentido contrário ao do acórdão rescindendo, por meio de precedente com eficácia vinculante.³ ²
A obrigatoriedade fraca, por fim, é aquela com viés meramente cultural, pois não há mecanismo, genérico ou específico, para o controle da sua inobservância e/ou aplicação incorreta. É o que ocorre, por exemplo, nos casos de desrespeito à jurisprudência não unânime, porém majoritária de um Tribunal de origem. Neste caso, a rigor, parece mais próximo de um precedente com eficácia meramente persuasiva do que propriamente vinculante/obrigatório.
Independentemente do grau de vinculação do precedente, impende enfrentar o seguinte tema: será possível a celebração de negócio jurídico processual entre os sujeitos do processo com o fim de afastamento do precedente vinculante do caso concreto?
Inicialmente, para fins de contextualização do tema, deve ser destacada a evolução dos negócios jurídicos processuais do Código de Processo Civil de 1973 até o Código de Processo Civil 2015. No C de 1973 havia a previsão expressa da possibilidade de celebração de negócios (convenções) processuais típicas, ou seja, indicadas expressamente pelo legislador, tais como: a) art. 158 do C: permitia a realização de convenções processuais através da mera manifestação de vontade das partes, sem a necessidade da homologação judicial para fins de geração de efeitos; b) arts. 111 e 112, parágrafo único do C: possibilidade de celebração de convenção processual sobre critério de competência; c)art. 333, parágrafo único do C: possibilidade de celebração de convenção processual sobre a distribuição do ônus da prova; d) art. 265 do C: possibilidade de celebração de convenção processual para a suspensão do processo.
No Código de Processo Civil de 2015, além da previsão, com algumas reproduções do Código anterior, de convenções processuais típicas, trouxe uma cláusula genérica/geral (art. 190 do C) que serve como base para as demais e permite a criação de convenções com características, teor e efeitos definidos no caso concreto. Além da reprodução das convenções típicas, tais como foro de eleição (art. 63 do C)³ ³, suspensão convencional do processo (art. 313, II do C), distribuição convencionada do ônus da prova (art. 373, §§3º e 4º do C)³ ⁴ e outras, trouxe uma nova que é a possibilidade de realização de um calendário processual entre os sujeitos do processo (art. 191 do C).
Não resta dúvida acerca da natureza processual das normas que regulam o sistema de precedentes, notadamente o art. 927 do C. Entretanto, apesar de versar sobre matéria processual, não é factível defender a possibilidade de as
partes afastarem o precedente vinculante do seu caso concreto, pois se trata de norma cogente, de observância obrigatória, que tem finalidade clara de conferir segurança jurídica às relações jurídicas de direito material e processual. Se itirmos a possibilidade de tal avença, será relegada a oblívio o próprio fundamento de todo o sistema.³ ⁵
O precedente persuasivo ou de eficácia meramente persuasiva (persuasive precedent/authority) é aquele que, apesar da ausência de eficácia vinculante, poderá repercutir em demandas posteriores, pois constitui indício de uma solução racional e socialmente adequada³ . Não ostentam aptidão para jungir o órgão jurisdicional aos seus termos, contudo, pode influir na formação da sua convicção.
O Código de Processo Civil de 2015 nos fornece exemplos: arts. 1029, § 1.º (art. 105, inciso III, c) da Constituição da República) e 1043.
O precedente obstativo da revisão de decisões ou de eficácia impositiva intermediária é aquele em que o legislador autoriza que o magistrado negue seguimento a determinados recursos ou que dispense a remessa necessária quando estiverem em confronto com determinados precedentes.
Ainda que os precedentes não sejam de observância obrigatória, a não aplicação sujeitará a decisão à revisão. Este tipo de eficácia do precedente não deixa de ser, em certo aspecto, uma decorrência do efeito vinculante.
O Código de Processo Civil de 2015 nos fornece os seguintes exemplos: arts. 332, 496, § 4.º, 932, inciso IV e 1040, inciso I.
O precedente com eficácia autorizante, como o próprio nome faz supor, é aquele cujo efeito é o de permitir a issibilidade ou provimento/acolhimento de algum ato processual praticado pelas partes, ou seja, serve tanto para o juízo de mera issibilidade quanto para o juízo de mérito.³ ⁷
O Código de Processo Civil de 2015 nos fornece os seguintes exemplos: arts. 311, inciso II; 932, inciso V; 949, parágrafo único³ ⁸ e 1035, § 3.º. A Constituição da República fornece o seguinte exemplo: art. 105, inciso III, c.
O precedente com eficácia rescindente ou deseficacizante é aquele que tem o condão de gerar a rescisão da coisa julgada material (art. 502 do C) ou a retirada da eficácia de determinada decisão judicial (art. 203 do C) transitada em julgado.
A depender do precedente, sua eficácia permitirá às partes e eventuais interessados a utilização de mecanismos judiciais para a rescisão da coisa julgada material ou a simples retirada da eficácia da decisão judicial, após o trânsito em julgado. Note-se que não é o precedente que vai acarretar a rescisão ou a retirada da eficácia. A sua existência é que tornará tais situações juridicamente possíveis.
Em sede de cumprimento de sentença, há exemplo desta possibilidade quando os arts. 525, §§ 12 ao 14 e 535, §§ 5.º ao 7.º do C permitem que um precedente do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle de constitucionalidade, seja utilizado para tal desiderato.
Impende salientar, por força das normas dos arts. 525, § 15; 535, § 8.º e 1057 do C, que somente os precedentes anteriores ao trânsito em julgado permitirão o reconhecimento judicial da inexigibilidade do título executivo. Caso o precedente do Supremo Tribunal Federal seja posterior ao trânsito em julgado,
deverá ser utilizado o mecanismo da Ação Rescisória (art. 966, inciso V do C), cujo prazo decadencial (art. 975 do C e súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça) deverá ser contado a partir da data do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
O precedente que permite revisão da coisa julgada é aquele que possibilita a propositura de uma demanda própria (chamada por alguns de ação de revisão de coisa julgada) com o fito precípuo de revisar a coisa julgada material quando estiver ínsita em relação jurídica continuativa, ou seja, que se protrai no tempo.³ No bojo das decisões judiciais de mérito que resolvem estas relações jurídicas há, de maneira implícita, a cláusula rebus sic stantibus.
A existência desta cláusula permite a revisão da decisão judicial e, por via de consequência, da coisa julgada material sempre que a situação fática que a ensejou sofrer alterações. A propositura desta ação não terá o condão de violação da própria coisa julgada material, mas sim de revisá-la, pois não será demanda idêntica à anterior, na medida em que estará lastreada em causa de pedir diversa (art. 337, §§ 1.º ao 3.º do C).
O Superior Tribunal de Justiça possui precedente de sua Corte Especial neste sentido, in verbis:
CONSTITUCIONAL E ISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. GRATIFICAÇÃO ASSEGURADA POR DECISÃO JUDICIAL. SUPERVENIÊNCIA DE LEI FIXANDO NOVOS VENCIMENTOS. ABSORÇÃO DAS VANTAGENS ANTERIORES, ASSEGURADA A IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS. LEGITIMIDADE. EFICÁCIA TEMPORAL DA COISA JULGADA, OBSERVADA A CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. PRECEDENTES (MS 11.145, CE, MIN. JOÃO OTÁVIO, DJE 03/11/08).1. Ao pronunciar juízos de certeza sobre a existência, a inexistência ou o modo de ser das relações jurídicas, a sentença leva em consideração as circunstâncias de fato e de direito que se apresentam no momento da sua prolação. Tratando-se de
relação jurídica de trato continuado, a eficácia temporal da sentença permanece enquanto se mantiverem inalterados esses pressupostos fáticos e jurídicos que lhe serviram de e (cláusula rebus sic stantibus). Assim, não atenta contra a coisa julgada a superveniente alteração do estado de direito, em que a nova norma jurídica tem eficácia ex nunc, sem efeitos retroativos. Precedentes da CE e de Turmas do STJ.2. No caso, a superveniente Lei 10.475/02, dispondo sobre os vencimentos de servidores públicos, operou a absorção dos valores anteriores, inclusive o das vantagens asseguradas por sentença, mas preservou a irredutibilidade mediante o pagamento de eventuais diferenças como direito individual (art. 6.º). Legitimidade da norma, conforme decisão do STF, adotada como fundamento do ato atacado. Mandado de segurança denegado. (MS 11.045/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 03/02/2010, DJe 25/02/2010). Entretanto, aplicando o regime jurídico dos recursos repetitivos, o próprio Superior Tribunal de Justiça mudou de posicionamento, ao preconizar que: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO DO ART. 543-C DO C. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO – CSLL. COISA JULGADA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 7.689/88 E DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. SÚMULA 239/STF. ALCANCE. OFENSA AOS ARTS. 467 E 471, CAPUT, DO C CARACTERIZADA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL CONFIGURADA. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. Discute-se a possibilidade de cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro – CSLL do contribuinte que tem a seu favor decisão judicial transitada em julgado declarando a inconstitucionalidade formal e material da exação conforme concebida pela Lei 7.689/88, assim como a inexistência de relação jurídica material a seu recolhimento. 2. O Supremo Tribunal Federal, reafirmando entendimento já adotado em processo de controle difuso, e encerrando uma discussão conduzida ao Poder Judiciário há longa data, manifestou-se, ao julgar ação direta de inconstitucionalidade, pela adequação da Lei 7.689/88, que instituiu a CSLL, ao texto constitucional, à exceção do disposto no art. 8.º, por ofensa ao princípio da irretroatividade das leis, e no art. 9.º, em razão da incompatibilidade com os arts. 195 da Constituição Federal e 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT (ADI 15/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 31/8/07). 3. O fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em
sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade. 4. Declarada a inexistência de relação jurídico-tributária entre o contribuinte e o fisco, mediante declaração de inconstitucionalidade da Lei 7.689/88, que instituiu a CSLL, afasta-se a possibilidade de sua cobrança com base nesse diploma legal, ainda não revogado ou modificado em sua essência. 5. “Afirmada a inconstitucionalidade material da cobrança da CSLL, não tem aplicação o enunciado n.º 239 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual a “Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores” (AgRg no AgRg nos EREsp 885.763/GO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJ 24/2/10). 6. Segundo um dos precedentes que deram origem à Súmula 239/STF, em matéria tributária, a parte não pode invocar a existência de coisa julgada no tocante a exercícios posteriores quando, por exemplo, a tutela jurisdicional obtida houver impedido a cobrança de tributo em relação a determinado período, já transcorrido, ou houver anulado débito fiscal. Se for declarada a inconstitucionalidade da lei instituidora do tributo, não há falar na restrição em tela (Embargos no Agravo de Petição 11.227, Rel. Min. Castro Nunes, Tribunal Pleno, DJ 10/2/45). 7. “As Leis 7.856/89 e 8.034/90, a LC 70/91 e as Leis 8.383/91 e 8.541/92 apenas modificaram a alíquota e a base de cálculo da contribuição instituída pela Lei 7.689/88, ou dispam sobre a forma de pagamento, alterações que não criaram nova relação jurídico-tributária. Por isso, está impedido o Fisco de cobrar a exação relativamente aos exercícios de 1991 e 1992 em respeito à coisa julgada material” (REsp 731.250/PE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 30/4/07). 8. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 8/STJ. (REsp 1118893/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 06/04/2011).
Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, neste último precedente, o fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade.
1.8.3 A eficácia do precedente não se confunde com coisa julgada material
A eficcia do precedente, assim como o instituto da coisa julgada material, possui limites objetivo e subjetivo, além de instrumentos jurídicos típicos para o exercício do controle, os quais, no entanto, não se confundem.
A coisa julgada material, no tocante ao limite subjetivo, como regra geral no processo civil individual³⁷ , segue a norma jurídica ínsita no art. 506 do C, qual seja, eficácia inter partes (res inter alios acta). No tocante ao limite objetivo, como regra geral, fica adstrita somente ao conteúdo do dispositivo da decisão judicial proferida (norma jurídica individualizada).
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, este regramento sofreu alteração quanto às questões prejudiciais decididas expressa e incidentalmente na fundamentação.
O Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 469, inciso III, preconizava que a questão prejudicial decidida incidentemente na sentença não seria abrangida pela coisa julgada material, salvo se a parte propusesse ação declaratória incidental (arts. 5.º, 325 e 470), hipótese na qual a questão, então prejudicial, aria a ser principal e decidida na parte dispositiva da sentença.
O art. 503, § 1.º do Código de Processo Civil de 2015, ao reverso, preconiza a expressa possibilidade da coisa julgada material abranger a questão prejudicial decidida incidentemente no processo, independentemente da propositura de ação declaratória incidental. A rigor, a ação declaratória incidental não foi
regulamentada expressamente no Código de Processo Civil de 2015.
Esta nova regulamentação da questão prejudicial e da coisa julgada material, por certo, não pode ser aplicada aos processos já findos, bem como aos processos em curso quando da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, sob pena de vulnerar os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.
Assim, em consonância com o disposto no art. 14 do C, o art. 1.054 determina a aplicação do art. 503, § 1.º somente aos processos iniciados após a entrada em vigor da nova lei processual. Aos processos pendentes, quando da entrada em vigor, ao reverso, serão aplicadas as regras dos arts. 5.º, 325 e 470 do C.
Portanto, o limite objetivo da coisa julgada, com a redação do art. 503. §1.º C, foi ampliado para abranger, também, as questões prejudiciais.
Por fim, os instrumentos jurídicos de controle da coisa julgada material são: ação rescisória (art. 966 do C), querela nullitatis insanabilis (previsão implícita nos arts. 19, inciso I, 525, § 1.º, inciso I e 535, inciso I, todos do C), desconstituição de sentença inconstitucional transitada em julgado (arts. 525, § 12 e 535, § 5.º do C) e correção de erro material (art. 494, inciso I do C).
A eficácia vinculante do precedente judicial, no tocante ao limite subjetivo, ostenta eficácia erga omnes, ou seja, aplica-se a todos indistintamente, desde que estejam na mesma situação fático-jurídica para efetivar o princípio da isonomia. No tocante ao limite objetivo, a eficácia vinculante fica adstrita à fundamentação da decisão, ou melhor, fica adstrita à ratio decidendi e sua norma jurídica geral³⁷¹ que se encontra na fundamentação da decisão.
1.8.4 Instrumentos de controle da eficácia vinculante do precedente
Os instrumentos jurídicos de controle da eficácia vinculante do precedente judicial se dividem em dois tipos: i) preventivo e ii) repressivo. O controle preventivo ocorre através da atuação das partes (postulado do contraditório) e, principalmente, pela intervenção do amicus curiae (arts. 138, 950, § 3.º, 983, § 1.º e 1038, incisos I e II do C).
Um tema interessante a ser referido é a possibilidade da issão da intervenção de um terceiro, sob o fundamento do controle preventivo de determinado precedente.
Há, de forma expressa, a previsão legal da intervenção do substituído nas demandas propostas pelo substituto processual, como preconiza o art. 18, pu, C (processo civil individual, mas aplicável ao coletivo) e o art. 94, CDC (processo civil coletivo), mas surge a necessidade de verificar a seguinte situação processual: existe a possibilidade do substituto processual intervir como assistente simples do substituído?
Para analisar a presente indagação, há a necessidade de realizar a seguinte filtragem: i) previsão legal; ii) presença de interesse jurídico; iii) relação jurídica conexa.
No tocante ao requisito previsão legal, penso ser irrelevante, pois a ausência, como ocorre no caso, não pode ser sinônimo de impossibilidade jurídica. Ademais, há sempre a possibilidade de suprimento judicial, mormente diante da
lentidão do Parlamento em regulamentar determinados instrumentos e institutos.³⁷²
Quanto à necessidade da presença de interesse jurídico, imprescindível fazer uma releitura do que tradicionalmente é sustentado pela própria doutrina para que seja issível a intervenção. Em meu sentir, de início, é fácil objetar esta intervenção, pois o substituto processual, por ser legitimado, pode promover a demanda própria e, com isso, tutelar o interesse do assistido, na medida em que este é integrante da coletividade a ser tutelada. Não é, contudo, o entendimento que vem prevalecendo.³⁷³
Considerando a premissa segundo a qual o microssistema da formação de precedentes, por meio da resolução de casos repetitivos, é um exemplo de processo coletivo, como, aliás, sustento na presente obra, impende apresentar a possibilidade clara de intervenção de um terceiro no procedimento de formação de precedentes vinculantes.
Esta apresentação é relevante, pois o sistema de resolução de casos repetitivos pode ser utilizado nos processos coletivos como forma de suprir eventuais omissões.
Basta a leitura dos seguintes dispositivos: art. 896-C, CLT e arts. 983 e 1038, I, C para verificar a possibilidade jurídica da intervenção. É simples sustentar tal possibilidade sob o prisma do contraditório participativo, pois devem, aqueles que serão atingidos direta e indiretamente pelos efeitos da tese jurídica fixada, ter a oportunidade processual de influir na formação da decisão (precedente) judicial.
Assim, não será possível adotar a ideia de interesse jurídico exigida para as demandas individuais, porque a premissa, ora fixada, é completamente diversa,
pois estamos diante da possibilidade da fixação de uma tese jurídica aplicáveis a inúmeras relações jurídicas materiais e processuais.³⁷⁴
É possível sustentar, como faz a doutrina em torno do tema³⁷⁵, a existência de uma relação jurídica de viés coletivo, justamente por não ser possível, ao menos no plano abstrato, indicar quem poderá ou deverá ser atingido pelo precedente criado.
Apesar da possibilidade já indicada e defendida, esta intervenção deve ser restringida somente em prol dos legitimados coletivos, sob pena de gerar a ocorrência de incidentes processuais (requerimentos dos intervenientes) infindáveis e quiçá impossíveis de se istrar.³⁷
O Supremo Tribunal Federal itiu a possibilidade desta modalidade de intervenção, realizada por um sindicato (legitimado coletivo), e ainda a considerou como uma modalidade de assistência simples sob o fundamento da possibilidade do resultado da demanda, com a respectiva fixação da tese jurídica, atingir diretamente a esfera jurídica daquele que pretendia intervir.³⁷⁷
Esta não é a linha adotada pelo Superior Tribunal de Justiça. Em diversos julgados, há a clara inclinação para a vedação desta forma de intervenção sob o fundamento de que a hipótese não ensejar a assistência simples, mormente quando o legitimado coletivo pretende intervir no bojo de um processo meramente individual.³⁷⁸
Apesar da issibilidade pelo STF desta modalidade de intervenção sob a nomenclatura assistência simples, prefiro adotar, como o faz a doutrina, nomenclatura diversa, por entender que o interesse que justifica a intervenção é plenamente diverso. Penso que o interesse que autoriza a intervenção é o da formação adequada do precedente e, portanto, deve ser adotada a seguinte
nomenclatura: “intervenção dos membros de grupo no julgamento de casos repetitivos, e que se funda no interesse jurídico (interesse na controvérsia)”.³⁷
Fredie Didier Júnior³⁸ , ao comentar esta modalidade de intervenção, com a genialidade que lhe é peculiar, indica a necessidade de observância de dois requisitos (filtros) de issibilidade: i) contribuição argumentativa; ii) grau de interesse na controvérsia.
A contribuição argumentativa³⁸¹ deve ser compreendida e verificada da seguinte forma: i) apresentação de linhas argumentativas ainda inéditas no incidente ou na relação processual, pois não haverá a necessidade na intervenção apenas com o fim de reforçar argumentos já apresentados; ii) a questão de direito de determinado setor que será atingido ou um subgrupo³⁸² da coletividade que ainda não participa formalmente da demanda ou do incidente; iii) a expertise do representante processual ou seja do advogado.
O grau de interesse na controvérsia será verificado conforme a proximidade com a esfera direta de influência e aplicabilidade do precedente fixado. Para que seja mais fácil demonstrar a necessidade deste filtro, a doutrina apresenta dois grupos: i) os interessados somente na formação do precedente (tese jurídica) vinculante; ii) os interessados que serão afetados diretamente em suas esferas jurídicas ou em suas demandas.³⁸³
Quanto aos interessados somente na formação do precedente, não há proximidade suficiente a permitir a intervenção, pois não serão atingidos diretamente pelo resultado da tese jurídica fixada.
Por outro lado, aqueles que demonstram a aplicação direta da tese jurídica fixada em suas esferas jurídicas ou demandas judiciais, deverão ser autorizados a participar do incidente, pois afetará o próprio resultado das suas demandas, basta
verificar a redação dos arts. 985 e 1040, III, C.³⁸⁴
O controle repressivo, por sua vez, ocorre através dos mecanismos de superação (overruling, overriding e transformation), conforme arts. 103-A da Constituição da República, 3.º da Lei 11.417/2006 e arts. 927, §§ 2.º ao 4.º, 986 e 988 do C.
Este controle repressivo pode ser exteriorizado por duas razões:
a) o órgão jurisdicional deixou de aplicar o precedente;
b) um dos sujeitos processuais deseja evitar a aplicação do precedente, seja em virtude da sua superação (overruling/overriding) ou da existência de alguma peculiaridade no caso concreto que afaste a sua aplicação (distinguishing).
Nos casos de inaplicabilidade do precedente vinculante, existem instrumentos específicos que os sujeitos processuais e os terceiros interessados poderão usar:
a) reclamação constitucional quando inobservada ou por aplicação indevida de súmula vinculante (art. 103-A, §3º da Constituição da República e art. 988, inciso III do C);
b) reclamação infraconstitucional quando inobservados ou aplicados indevidamente os demais precedentes vinculantes (art. 988, inciso IV e §5º, inciso II do C); nos casos dos precedentes vinculantes previstos no art. 927, incisos III e IV do C, somente será issível a reclamação após o
esgotamento das vias recursais ordinárias e antes da ocorrência do trânsito em julgado (súmula 734 do Supremo Tribunal Federal)³⁸⁵; c) ação rescisória³⁸ quando o precedente não for observado ou foi aplicado indevidamente, pois o art. 966, inciso V do C preconiza que a violação de uma norma jurídica enseja a propositura da demanda e o precedente, conforme já exposto, é uma norma jurídica, mas, a bem da verdade, a ação rescisória, na hipótese, será proposta contra a decisão transitada em julgado que violou a norma jurídica criada pelo precedente vinculante;³⁸⁷
d) recurso quando o órgão jurisdicional inferior ou relator ou o órgão fracionário do tribunal deixa de aplicar o precedente vinculante ou o faz de forma indevida; a espécie recursal irá variar conforme a origem do ato judicial a ser impugnado (pode ser agravo de instrumento, agravo interno, apelação e até mesmo recursos excepcionais).
Nos casos em que o sujeito do processo desejar sustentar a superação do precedente ou a presença de alguma distinção no caso concreto, entendemos que os instrumento jurídicos podem ser os mesmos, pois o que variará, conforme a necessária observância do ônus argumentativo, será a causa de pedir. Entretanto, nos casos em que se busca a superação, deverá o sujeito processual verificar a existência de procedimento específico para tal desiderato, como nos casos de súmula vinculante e Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 986 do C e art. 4º da Lei 11.417/06). A ação rescisória, para ser manejada, deverá observar os requisitos previstos nos §§ 5º e 6º do art. 966 do C. No que pertine ao recurso de agravo interno previsto no art. 1030, §2º do C, há na doutrina uma clara preocupação com a criação de mais uma barreira para impedir a superação de um precedente através de recurso excepcional, barreira esta denominada de fechamento argumentativo.³⁸⁸
Uma questão interessante ventilada por Ronaldo Cramer³⁸ é a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, com base no art. 966, inciso V do C, quando a decisão aplicou um precedente que, após o trânsito em julgado, foi superado. É de se questionar: pode ser usada a ação rescisória para rescindir a coisa julgada a
partir de um novo precedente criado após o trânsito em julgado?
Inicialmente, deve ser mencionada a existência da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal³ que veda o ajuizamento de ação rescisória quando a decisão estiver baseada em controvérsia. Existem alguns precedentes no Supremo Tribunal Federal afastando a aplicação desta súmula quando o fulcro da rescisória for matéria constitucional, mas entendimento mais recente manteve a aplicabilidade mesmo nessa matéria. A rigor, o Supremo Tribunal Federal entende que não há violação de norma jurídica caso a decisão anterior tenha aplicado precedente vigente à época. Trata-se de clara aplicação da segurança jurídica.³ ¹
O entendimento do Supremo Tribunal Federal faz sentido quando se verifica a eficácia meramente prospectiva da decisão que supera o entendimento anterior, mas quando há a modulação dos efeitos (art. 927, §§ 3º e 4º do C) estipulando a possibilidade da aplicação retroativa do novo entendimento, há que se afastar a súmula para permitir a possibilidade do manejo da ação rescisória.
Há, entretanto, quem defenda a plena possibilidade do manejo da ação rescisória nestes casos, porque a mudança no precedente decorre de um aprimoramento do sistema com o claro reconhecimento de que o entendimento anterior não era o correto.³ ²
Outro dado relevante e que merece registro é a imperiosa necessidade do confronto analítico para impugnar a decisão que aplicou de forma indevida, que não aplicou ou que precisa sofrer o distinguishing. O sujeito do processo deve evitar, o que é muito comum na prática forense, a citação de ementa (ementismo)³ ³ e de precedentes que nada tem a ver com o caso concreto e a sua solução, haja vista a inviabilidade técnica e lógica do uso posterior de impugnação da decisão judicial proferida, sob o argumento de que o órgão jurisdicional não as fundamentou por ausência de enfrentamento dos precedentes citados. Ora, apesar do ônus argumentativo previsto no art. 489, §1º, incisos V e
VI do C, os órgãos jurisdicionais precisam ser provocados de forma adequada para que possam analisar e interpretar os precedentes.
Assim, é ônus da parte apresentar o cotejo analítico dos precedentes com o caso concreto para poder, com isso, obrigar os órgãos jurisdicionais a realizar a devida análise. Caso a parte deixe de fazer o cotejo analítico e depois busque a anulação do ato judicial por deficiência na fundamentação, entendemos que o pleito deve ser rejeitado por clara violação aos princípios da boa-fé objetiva e da cooperação (arts. 5º e 6º do C) configurando, por conseguinte, abuso do direito processual (art. 187 do Código Civil). Nada obstante, apesar de entender que o juiz estará dispensado do seu ônus argumentativo, deve, como ultima ratio, nos casos em que a parte deixou de realizar o cotejo analítico, intimá-la, na forma dos arts. 4º e 10 do C para, no prazo assinado, promovê-lo.³ ⁴
Por fim, resta saber se as partes terão interesse em somente impugnar/recorrer das decisões referentes aos precedentes vinculantes ou se ostentarão o mesmo interesse quanto aos precedentes persuasivos.
Nos parágrafos anteriores abordei as formas de impugnar decisões judiciais que aplicam de forma indevida ou que não aplicam precedentes vinculantes, mas é imprescindível verificar se a mesma possibilidade jurídica/ interesse processual existe quando o precedente ostentar somente eficácia persuasiva.
Quando o precedente ostentar eficácia vinculante, terá a parte interesse em impugnar tanto o capítulo referente ao próprio precedente (tese jurídica fixada que cria a norma jurídica geral), bem como o capítulo que resolve o caso concreto.³ ⁵ Esta mesma lógica, quanto ao capítulo da decisão judicial que resolve o caso concreto, se aplica nos casos de precedentes persuasivos.
Assim, resta saber se a parte poderá impugnar somente o capítulo referente ao
próprio precedente persuasivo (norma jurídica geral criada).
Na doutrina podemos encontrar, ao menos, dois entendimentos sobre o tema: a) o interesse recursal ou de impugnação cinge-se somente ao capítulo que versa sobre o precedente vinculante; b) o interesse recursal ou de impugnação pode abranger tanto o capítulo que versa sobre o precedente vinculante quanto ao que versa sobre o precedente persuasivo.
Para aqueles que defendem o primeiro entendimento, somente haverá interesse para impugnar ou recorrer do capítulo que versa sobre o precedente com eficácia vinculante, pois somente esta norma jurídica, criada através da decisão judicial, será de observância obrigatória para a solução dos casos concretos futuros semelhantes.³
Para um segundo entendimento, os sujeitos do processo ostentam interesse recursal e de impugnação tanto direcionado ao capítulo referente ao precedente vinculante quanto ao persuasivo. Tal interesse exsurge da possibilidade de obtenção de um provimento jurisdicional mais favorável, bem como da possibilidade de superação de um precedente e/ou a criação de um novo, com o fim de criá-lo ou evitá-lo. Vale lembrar que o precedente só pode surtir os seus regulares efeitos após o trânsito em julgado da decisão judicial, na medida em que o recurso gera justamente o efeito impeditivo ou obstativo do trânsito em julgado.³ ⁷
1.9 Técnicas aplicáveis aos precedentes
1.9.1.Técnica de confronto, interpretação e aplicação
Para fins de aplicação de determinado precedente ao caso concreto, é imprescindível usar um método de comparação entre os elementos objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) e a ratio decidendi (holding).³ ⁸
A partir da ideia de que dois casos nunca serão absolutamente idênticos, a comparação entre o precedente e o caso atual deve ser pautada por semelhanças ou distinções entre os fatos juridicamente relevantes para tomada das decisões, deixando de lado os demais fatos que não possuem relevância para a formulação da solução, tese ou proposição jurídica.³
Na aplicação dos precedentes, portanto, os órgãos jurisdicionais verificam as semelhanças e distinções entre a tese jurídica fixada e o caso concreto posto em análise, de forma a obter, ao máximo, a decisão mais adequada e segura.⁴
A lógica da aplicabilidade dos precedentes, por meio do raciocínio jurídico adequado, deve sempre considerar uma perspectiva analógica (case-by-case reasoning), com o emprego de exemplos nodais (reasoning by examples) e as consequências jurídicas do resultado da proposição criada ou modificada.⁴ ¹
Existem, ao menos, conforme autorizada doutrina⁴ ², três modelos de argumentação e aplicação dos precedentes:
a) Analogia (model of particular analogy): cada caso concreto pode ser usado
como um guia para a correta aplicação do precedente em casos futuros semelhantes;
b) Regras (rule-standing model): a ratio decidendi deve ser o norte a ser seguido para a solução dos casos concretos futuros, exceto quando for verificada a existência de alguma peculiaridade que o afaste (distinguishing) ou diante da superação expressa (overruling);
c) Princípios (principle-exemplifying model): os princípios jurídicos utilizados no precedente serão relevantes para os casos posteriores.
A técnica consagrada pela doutrina para tal desiderato é o distinguishing. A aplicação desta técnica nada mais é do que realização uma comparação entre o caso concreto a ser julgado e o paradigma (precedente) a ser utilizado.
Diante da ausência de coincidência entre os fatos fundamentais da demanda a ser julgada e das peculiaridades do caso concreto, o órgão jurisdicional pode deixar de aplicar o precedente (ratio decidendi) ao caso concreto ou estender sua aplicação, a despeito das peculiaridades. Aplica-se a todos os tipos de precedentes, inclusive os vinculantes/obrigatórios.⁴ ³
A aplicação da técnica deve levar em consideração o que se denomina regras de relevância (rules of revelevance), ou seja, o órgão jurisdicional deve considerar o que efetivamente é relevante para o uso do precedente e o que é irrelevante.⁴ ⁴ Com efeito, as regras de relevância podem ser assim apresentadas: i) os fatos relevantes de cada caso; ii) os valores e as normas jurídicas que incidem sobre cada conjunto de fatos; iii) a questão de direito que suscitam; os fundamentos que justificaram a decisão constante do precedente e a sua adequação para orientar a decisão do novo caso.
Esta técnica exterioriza, portanto, uma forma de confronto/comparação. A doutrina⁴ ⁵, atenta a isso, afirma que o distinguishing pode ser: i) distinguishingmétodo; ii) distinguishing-resultado.
O distinguishing-método nada mais é do que o confronto entre o caso concreto e a ratio decidendi (arts. 489, §1.º, inciso V e 927, § 1.º do C).
O distinguishing-resultado, por sua vez, é o resultado decorrente desta comparação/confronto que resulta naquilo que o Código de Processo Civil chama de “distinção” (arts. 489, § 1.º, inciso VI e 927, § 1.º).
Assim, mediante a utilização do método comparativo acima referido, o órgão julgador poderá chegar a dois resultados⁴ : a) restrictive distinguishing e b) ampliative distinguishing.
O restrictive distinguishing confere à ratio decidendi uma interpretação restritiva, no caso em que o órgão jurisdicional está absolutamente convencido que as peculiaridades do caso concreto impedem a aplicação do precedente.
O ampliative distinguishing⁴ ⁷estende ao caso concreto posto em análise a mesma solução jurídica conferida aos casos anteriores, na hipótese em que o órgão jurisdicional está absolutamente convencido que, mesmo diante das peculiaridades, a tese jurídica é aplicável.
Tal possibilidade ratifica a existência do que a doutrina denomina de força gravitacional dos precedentes. A força gravitacional do precedente nada mais é
do que a possibilidade de sua aplicação a um determinado caso concreto, mesmo que não exista exata identidade entre a ratio decidendi e os fatos ensejadores da demanda, em virtude da extensão da sua interpretação, como defendemos aqui nesta obra⁴ ⁸. Há quem defenda, contudo, que a força gravitacional do precedente gera a vinculação não só à ratio decidendi, mas também aos princípios abstratos que a fundamentaram.⁴
1.9.2 Técnicas de superação
As técnicas de superação dos precedentes são utilizadas para afastar a aplicação destes no caso concreto posto em análise, em virtude de sua obsolescência, injustiça ou inexequibilidade.
A superação do precedente abrange tanto a exclusão do precedente em si como a eliminação de sua ratio decidendi.⁴¹
Os precedentes que preenchem os requisitos para a superação são os chamados precedentes controversos (jagged doctrines)⁴¹¹. A revogação desses precedentes é justificável em nome da esta- bilidade do sistema.
Há na doutrina quem sustente, a exemplo de Lenio Luiz Streck, não ter sentido aplicar o overruling para o afastamento do precedente ou dos demais provimentos vinculantes, sob o argumento de que inexiste, mesmo com o advento do Código de Processo Civil de 2015, um efetivo sistema de precedentes e que o instrumento adequado para tanto seria o controle difuso de constitucionalidade, inclusive para as súmulas vinculantes, apesar do Supremo Tribunal Federal já ter afirmado tal impossibilidade.⁴¹²
As técnicas de superação são as seguintes: a) overruling; b) overriding e c) transformation.
1.9.3 Overruling
A técnica denominada overruling é aquela que reconhece que o precedente perdeu a sua força e foi substituído por outro. Embora o sistema jurídico de precedentes vise estabelecer uniformidade de tratamento das partes (coletividade), estabilidade e segurança jurídica, não há, sob pena de inutilidade, impossibilidade de sua revogação, pois, diante de determinadas circunstâncias, ela se mostra é justificada e imprescindível.
Toda superação de um precedente, por certo, acarretará uma nova fonte do Direito ou uma nova forma de interpretá-lo e tal circunstância sempre deve ser levada em consideração diante de um caso concreto, sob a perspectiva da manutenção do ordenamento (efeitos meramente prospectivos do precedente) ou de sua mudança (efeito retroativo do precedente).
Não há qualquer sombra de dúvidas acerca da necessidade da evolução do entendimento outrora consolidado, desde que consideradas as premissas já assentadas. Trata-se, tal como refere-se a doutrina, da chamada diversidade sucessiva do Direito⁴¹³, mas sempre observando sua unidade (retrospectiva e prospectiva)⁴¹⁴ ou uniformità sincronica⁴¹⁵, porque o ordenamento jurídico não poderá ter sentidos diversos em um mesmo momento histórico.
Assim, é fácil afirmar e sustentar a necessidade da superação de determinado precedente observar a sua dupla dimensão: ado e futuro.⁴¹
A revogação do precedente, devidamente realizada na seara jurisdicional, decorre do proferimento de uma decisão (precedente) posterior, que afirme
norma diferente da contida no prece-dente, superando-a.⁴¹⁷
O respeito à norma estabelecida no precedente, como destaca Morgana Henicka Galio, é a regra; a superação é a exceção, devendo sua utilização limitar-se aos casos em que se demonstrar extremamente necessário, quando a superação for indispensável para a manutenção da segurança jurídica.⁴¹⁸ Em outros termos, a segurança jurídica deve ser a diretriz tanto para a criação, quanto para a superação do precedente.
A doutrina costuma afirmar a necessidade da apresentação de razões aceitáveis para a modificação ou revogação (overruling e overriding) do precedente.
Há três razões tradicionalmente aceitas:⁴¹
a) intervenção no desenvolvimento do direito, ou seja, quando é tomada uma decisão posterior tornando o precedente inconsistente;
b) quando a regra estabelecida no precedente se revela impraticável;
c) quando o raciocínio subjacente ao precedente está desatualizado ou mostra-se inconsistente com os valores atualmente compartilhados na sociedade.
Há outras razões que também são aceitas por outro setor doutrinário⁴² :
a) quando o precedente é absolutamente injusto e/ou incorreto;
b) quando as normas jurídicas que sustentam a estabilidade, tais como a isonomia e a segurança jurídica, mais fundamentam a sua revogação do que a sua preservação;
c) superveniência de lei nova incompatível com o precedente, pois é fato que acarreta a não aplicação do precedente por qualquer juiz ou tribunal, ressalvado o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, a realização de interpretação conforme ou a pronúncia de nulidade sem redução de texto. A modificação do precedente poderá, portanto, fundar-se na revogação ou modificação da lei em que se baseou;⁴²¹
d) pode também ser realizada pelo Poder Legislativo ao promulgar lei que repita a norma enunciada no precedente. Neste caso, o novo referencial normativo será a legislação.⁴²² O precedente, nesta hipótese, terá sido revogado pela mudança legislativa e não pela mudança jurisprudencial. Por conseguinte, as decisões futuras devem ser pautadas no novo fundamento normativo.⁴²³ Assim, identificada a razão e o momento da mudança de posicionamento, o novo entendimento terá como eficácia temporal a data de início da vigência da nova lei.⁴²⁴
A doutrina⁴²⁵ apresenta, ainda, diversos fatores que podem contribuir para a frequência do afastamento dos precedentes, tais como:⁴²
a) ibilidade: os precedentes devem ser disponibilizados e indexados de forma coerente;
b) Volume: o excesso de precedentes aumenta o risco de conflitos entre eles e, com isso, a necessidade de distinções ou superações;
c) Frequência de recursos: quanto maior o número de recursos, maior será a possibilidade de modificação dos precedentes;
d) Composição dos tribunais: o excesso de divisões internas aumenta os riscos de interpretações diferentes e modificação de precedentes;
e) tividade legislativa: quando a atividade legislativa for ativa e consistente na renovação do precedente, menor será a chance de superação por decisão judicial;
f) Boa vontade das cortes superiores em garantir o julgamento dos casos que envolvam discussão sobre a superação de precedentes;
g) Adoção ou não da prática de publicar as decisões minoritárias: as decisões vencidas podem exercer influência na modificação do precedente no futuro;
h) Existência ou não de visão acadêmica crítica sobre os precedentes “ruins” (bad precedents): a crítica doutrinária pode influenciar na superação de precedentes, uma vez que os autores identificam, de forma sistemática e racional, os precedentes e os eventuais conflitos, emitindo suas opiniões técnicas que serviriam de material para fomentar o debate no Judiciário;
i) Forma de nomeação dos juízes: juízes nomeados a partir de suas carreiras jurídicas ou políticas seriam mais inclinados às renovações que os juízes de carreira.
A eventual modificação na composição do Tribunal que foi o responsável pela criação do precedente não pode ser isoladamente considerada como fator direto e imediato para a revogação/superação de um precedente. Apesar da mudança dos seus membros ser motivo natural para tal ocorrência, tendo em vista que os novos integrantes podem ter formas diversas de interpretação do ordenamento jurídico, não podemos, como bem acentua Gustavo Nogueira, ser complacentes com tal atuar, pois os precedentes não pertencem aos membros do Tribunal, mas ao próprio órgão.⁴²⁷
Considerando a possibilidade de ocorrer superação de um precedente (overruling) em virtude da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (conforme item c) supra), vale mencionar, sem a pretensão de esgotamento, alguns exemplos:⁴²⁸ a) a súmula 320 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com o advento do art. 941, § 3.º; b) a súmula 216 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com o advento do art. 1003, § 4.º; c) a súmula 187 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com o advento do art. 1007, § 7.º; d) a súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com o advento do art. 1024, § 5.º; e) a súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com o advento do art. 1025; f) a súmula 115 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com o advento dos arts. 932, parágrafo único, 938, § 1.º e 1029, § 3.º; g) a súmula 528 do Supremo Tribunal Federal foi integralmente superada com o advento do art. 1034; h) as súmulas 288 e 639 do Supremo Tribunal Federal foram integralmente superadas com o advento dos arts. 932, parágrafo único, 938, § 1.º e 1029, § 3.º; i) as súmulas 315 do Superior Tribunal de Justiça e 353 do Supremo Tribunal Federal foram integralmente superadas com o advento do art. 1043; j) a súmula 453 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com o advento do art. 85, § 18; k) a súmula 306 do Superior Tribunal de Justiça, bem como o entendimento firmado no Recurso Especial julgado sob o regime de recurso repetitivo n.º 963.528/PR, com o advento do art. 85, § 18; l) a súmula 472 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com a supressão do instituto da nomeação a autoria, enquanto modalidade de intervenção de terceiros; m) a súmula 372 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com o advento dos arts. 139, inciso IV; 400, parágrafo único e 403, parágrafo único; n) a súmula 417 do Superior Tribunal de Justiça foi integralmente superada com o advento do art. 835, § 1.º.
Isso pode ocorrer de forma implícita (implied overruling) ou de forma expressa (express overruling).
Express overruling é a superação do precedente decorrente de decisão expressa neste sentido, ou seja, o órgão jurisdicional reconhece a superação.
Implied overruling é a adoção de um entendimento contrário ao anterior, mas sem superação expressa deste. Trata-se de modalidade implícita de superação que não pode ser itida em nosso ordenamento, sob pena de violar o sistema de precedentes, pois exige-se, conforme art. 927, § 4.º do C, fundamentação adequada e específica. Violará, também, o dever de coerência previsto no art. 926 do mesmo código.
itir a possibilidade de revogação implícita potencializa a ocorrência de divergências e dispersão de precedentes, portanto, violará o princípio da segurança jurídica, que é um dos pilares que sustentam o sistema de precedentes.⁴²
A decisão que implica o overruling, em atenção aos deveres de estabilidade, integridade e coerência, requer um ônus argumentativo maior (art. 489, § 1.º, inciso VI do C).
Além deste dever, o Código de Processo Civil prevê a utilização de instrumentos de debate público para pluralizar o debate acerca de determinados temas através de audiências públicas (art. 927, § 2.º). A pluralização deste debate em torno da revogação/superação do precedente, inclusive com a participação do amicus curiae, é salutar para a formação do consenso sobre a tese jurídica, pois, quase que invariavelmente, os precedentes são criados, revistos e superados/revogados
somente através da manifestação dos sujeitos processuais integrantes da relação jurídica processual. Tal participação, na forma preconizada no ponto em comento, conferirá legitimidade democrática ao precedente, facilitando, sobremaneira, a vinculação social e cultural.
Além destas duas regras inafastáveis (art. 927, §§2º e 4º do C), deve ser observado o princípio da vedação à surpresa (arts. 5º, 6º, 7º, 9º e 10, todos do C) evitando, com isso, que as partes que estão na relação jurídica processual sejam indevidamente surpreendidas com a nova tese jurídica fixada. Com a aplicação da regra do art. 10 do C efetivar-se-á o princípio do contraditório, pois as partes terão a real possibilidade de atuar diretamente na formação do convencimento do órgão jurisdicional.⁴³
Em nosso ordenamento, o overruling poderá ocorrer de duas formas: i) difusa ou ii) concentrada.⁴³¹ Esta classificação decorre da previsão ou não de procedimento próprio delineado no ordenamento para possibilitar a revogação/superação do precedente.
O overruling difuso é aquele que pode decorrer de qualquer causa pendente no Tribunal (recursos, remessa necessária ou causas da competência originária), ou seja, ocorrerá sem a necessidade de instauração de um procedimento próprio para este fim. A superação poderá ocorrer, portanto, incidentalmente.
O overruling concentrado, por seu turno, é aquele que exige a instauração de um procedimento próprio, através dos legitimados específicos, para que o Tribunal supere o precedente existente e até então aplicável. Haverá, portanto, um procedimento autônomo com o objetivo único de revisão ou cancelamento do precedente. É o que ocorre, por exemplo, nos casos de súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal (art. 3.º da Lei 11.417/2006) e no incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 986 do C). Vale mencionar que, apesar da previsão de procedimento para os casos de súmula vinculante, não há a mesma previsão para os casos de controle concentrado de constitucionalidade.
Neste caso, portanto, a forma de superação será através da análise de outros casos concretos.
O procedimento de revogação/superação das súmulas dos Tribunais Superiores está previsto em seus regimentos internos (art. 125 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e arts. 102 e 103 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).
No tocante aos precedentes fixados pelo plenário ou órgão especial dos Tribunais (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais), não há previsão geral para o procedimento de revogação/superação dos precedentes criados. Assim, factível sustentar a possibilidade de revogação incidental sem a necessidade de observância de qualquer rito específico.⁴³²
O overruling ostenta, ao menos, seis eficácias temporais:
a) retroativa (retrospective overruling);
b) prospectiva (prospective overruling or sunbursting);
c) prospectiva pura (pure prospective);
d) imediata (limited prospectivite);
e) duplamente prospectiva ou prospectiva-prospectiva (prospective-prospective
overruling)
f) antecipada (antecipatory).
Retrospective overruling é a eficácia retroativa da superação do precedente que atinge fatos anteriores à substituição. A eficácia retroativa se divide em: i) pura ou plena e ii) clássica. Na aplicação retroativa pura ou plena (full retroactive application), o novo entendimento atingiria inclusive fatos relativos a decisões transitadas em julgado, com a possibilidade de utilização de ação rescisória. Na aplicação retroativa clássica ou parcial (partial retroactive application), o novo entendimento será aplicável aos fatos ocorridos antes da formação do precedente, mas não atinge os atos e fatos abrangidos por situação jurídica consolidada decorrente do trânsito em julgado. Segundo parte da doutrina⁴³³, esta é a regra geral da eficácia da revogação/superação/modificação do precedente. Entretanto, pelos pressupostos do art. 927, § 3.º do C, a modificação do precedente tem, como regra, eficácia temporal prospectiva, com a possibilidade, conforme o caso concreto, de modulação dos efeitos temporais.⁴³⁴ Vale mencionar que o Superior Tribunal de Justiça aplicou esta modalidade, por entender ser declaratório o conteúdo do precedente, ao enfrentar a questão relacionada à intimação pessoal do membro do Ministério Público e o início da contagem do prazo processual.⁴³⁵
Prospective overruling é a eficácia prospectiva da superação do precedente que somente surte efeitos práticos após a efetivação desta superação. Em alguns casos os tribunais debatem se e em quais medidas o novo precedente deve ser aplicado somente prospectivamente, isto é, apenas para o caso presente e eventos futuros, após a data da decisão judicial que inaugurou o novo precedente. A doutrina denomina isso de prospectividade seletiva (modified or selective prospective overruling).
Pure prospective overruling or full prospective application dá-se quando o tribunal determina que o precedente não se aplique ao caso que lhe deu origem.
O precedente somente será aplicável aos casos futuros (fatos posteriores).⁴³ Nada mais é do que uma eficácia temporal prospectiva pura.
Limited prospectivity overruling or partial prospective application é a eficácia imediata de aplicação da modificação/revogação de um precedente aos casos concretos em curso e aos futuros. É uma eficácia temporal prospectiva parcial.
Prospective-prospective overruling é a eficácia temporal fixada para um momento futuro definido pelo próprio tribunal. O tribunal pode fixar um termo ou condição para a eficácia deste novo precedente ou de sua modificação.
Antecipatory overruling é a eficácia que antecipa a possibilidade de superação do precedente, ou seja, o órgão jurisdicional do qual emana o precedente, de forma tácita, começa a alterar/superar o seu entendimento, o órgão jurisdicional inferior (jungido a aplicá-lo) poderá deixar de utilizá-lo.
Trata-se de forma preventiva de não aplicação de precedentes quando o órgão jurisdicional superior sinalizou a alteração do entendimento consolidado. Caso o órgão inferior deixe de aplicar o precedente, ainda válido, mas em vias de ser superado por discordar do seu comando, haverá error in procedendo ou in judicando.⁴³⁷A técnica do antecipatory overruling⁴³⁸ decorre não da discordância, mas do paulatino e sinalizado abandono ou modificação do precedente.
As situações ensejadoras desta forma de superação podem assim ser apresentadas⁴³ :
a) Erosão ou desgaste do precedente a partir de outras decisões do órgão jurisdicional superior;
b) Tendência de revogação do precedente pelo órgão jurisdicional superior exteriorizado por seus próprios julgados, sem que seja efetivamente superado nos casos posteriores;
c) Evidência de que o órgão jurisdicional superior aguarda um caso concreto adequado para providenciar a sua superação;
d) Mudanças na composição do órgão jurisdicional superior ou até mesmo na visão monocrática de seus membros;
e) Inconsistência dos precedentes quando comparados com a tradição do órgão jurisdicional superior, o que evidencia a possibilidade futura de superação do precedente;
f) Evidência de que o precedente criado não logrou o intento buscado pelo órgão colegiado superior.
A adoção desta modalidade não é acolhida à unanimidade pela doutrina. Fácil notar argumentos favoráveis e contrários ao referido tipo de superação.
Os argumentos favoráveis⁴⁴ podem ser sintetizados em dois fundamentos: a) efetivação da justiça no caso concreto posto em análise, pois a corte superior já indicou que o precedente não será mais aplicado; b) a lentidão na revisão superior dos precedentes poderia ser minorada diante da possibilidade da antecipação da superação; c) possibilidade de redução da quantidade de recursos e ações a serem propostas com o intento de obter a superação expressa.
Não é demais lembrar que o efeito vinculante de um determinado precedente não pode ser defendido tal como uma ideia fundamentalista de cristalização das normas, como, aliás, já foi apresentado na presente dissertação, pois deve-se itir a possibilidade de ponderação à proposição jurídica ínsita no precedente e os demais valores previstos no ordenamento jurídico.⁴⁴¹
Os argumentos contrários⁴⁴², por seu turno, mais robustos, diga-se, são os seguintes: a) insegurança jurídica, pois ainda não há a certeza da superação do precedente vinculante; b) risco à uniformidade, previsibilidade e estabilidade; c) inversão das regras de hierarquia.
Os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas sempre que se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas, impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e, desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no ado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio.⁴⁴³ Com efeito, o ideal não é adotar um modelo temporal rígido, mas flexível que possibilite a sua modulação conforme as circunstâncias do caso concreto criador ou modificador do precedente e da consequente tese (proposição) jurídica fixada.
Assim, considerando a apresentação das eficácias temporais da revogação/modificação dos precedentes, o Código de Processo Civil de 2015 determina a necessidade da modulação dos efeitos temporais.
Na superação do precedente, em observância aos princípios da segurança jurídica, razoabilidade, lealdade, boa-fé e confiança legítima (todos decorrentes dos deveres jurídicos da estabilidade, integridade e coerência), deverá o órgão jurisdicional aplicar a modulação dos efeitos temporais, conforme art. 927, §§ 3.º
e 4.º do C; art. 27 da Lei 9.868/99; art. 11 da Lei 9.882/99; art. 146 do Código Tributário Nacional; art. 2.º, parágrafo único, inciso XIII da Lei 9.784/99 e art. 4º da Lei 11417/2006).
A única diferença entre a modulação dos efeitos temporais nas ações de controle de constitucionalidade (processo coletivo especial), prevista nos arts. 27 da Lei 9.868/99 e 11 da Lei 9.882/99, para a modulação dos efeitos temporais na alteração/revogação de um precedente, é que, naquele caso, a aplicação é exclusiva para questões constitucionais, enquanto neste é aplicável em sentido mais amplo (questões infraconstitucionais e constitucionais).
Os Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, enfrentaram debates internos acerca da necessidade ou não da modulação dos efeitos temporais, notadamente quando houve substancial alteração de precedente.
O Supremo Tribunal Federal, em alguns precedentes, reconheceu a aplicabilidade da modulação dos efeitos⁴⁴⁴, mas, na maioriados seus julgados, afastou a aplicação da modulação.⁴⁴⁵
O Superior Tribunal de Justiça também enfrentou o mesmo tema com dispersão de precedentes.⁴⁴
Apesar da dispersão de precedentes nos Tribunais Superiores, factível sustentar o encerramento da polêmica, pois o art. 927, § 3.º do C preconiza, textualmente, a possibilidade/necessidade da modulação dos efeitos temporais.
Questão interessante a ser enfrentada é a necessidade ou não de quórum especial
para determinar a modulação dos efeitos temporais do precedente. O Código de Processo Civil não fixa qualquer requisito neste sentido, mas podemos encontrálo no art. 27 da Lei 9.868/99. Considerando que estamos diante de normas do microssistema da teoria dos precedentes e tais normas devem ser utilizadas para fins de suprir eventuais lacunas na regulamentação, entendo ser aplicável o quórum de 2/3 dos membros do órgão criador do precedente para poder ser considerado superado/revogado o precedente.⁴⁴⁷ Além da necessária solução através do microssistema, tal aplicação vai ao encontro da segurança jurídica ao permitir que os membros do colegiado sejam efetivamente instados a se manifestar sobre a necessidade da revogação/superação. Há, na doutrina, quem entenda que o quórum qualificado referido não pode ser aplicado, pois a regulamentação temporal do precedente não integra o seu dispositivo, apesar do seu nítido caráter decisório, portanto, deve ser observado o quórum tradicional (maioria simples), considerando ser esta a solução correta quando o legislador deixa de indicar um quórum qualificado.⁴⁴⁸
Um ponto que merece destaque neste tópico é verificar qual será o órgão jurisdicional com competência para revogar o precedente. Somente o próprio órgão jurisdicional responsável pela criação do precedente poderá realizar e declarar a sua superação/revogação. Por isso que alguns autores sustentam que somente os Tribunais Superiores poderão determinar a superação/revogação de precedentes, inclusive de órgãos jurisdicionais inferiores.⁴⁴ Assim, podemos sustentar que o órgão jurisdicional somente poderá determinar e declarar a superação/revogação dos seus próprios precedentes, exceto quando tal determinação atingir órgãos jurisdicionais hierarquicamente superiores. Em eventual divergência jurisprudencial acerca de determinado tema, em órgãos com hierarquia diversa, deverá prevalecer o precedente do órgão hierarquicamente superior. Entretanto, considerando a redação do art. 927, inciso IV do C, há a possibilidade de um precedente de órgão jurisdicional inferior vincular o superior, portanto, será plenamente possível sustentar a lógica inversa. Caso um precedente do Superior Tribunal de Justiça, em sede de matéria infraconstitucional, esteja em conflito com um do Supremo Tribunal Federal sobre a mesma matéria, prevalecerá o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, por determinação expressa da norma referida. Nos demais casos, por certo, prevalecerá sempre o precedente do órgão superior.
Por fim, impende ressaltar a existência de técnicas preparatórias para a revogação de precedentes, usadas justamente para a garantia da segurança jurídica e da legítima expectativa: i) signaling e ii) julgamento-alerta.
O signaling é um parâmetro inicial de revogação prospectiva do precedente.⁴⁵ O tribunal, perdoem o truísmo, sinaliza a alteração/ revogação do precedente.⁴⁵¹ Nesta técnica, o precedente já está praticamente superado ou tido como superado, mas ainda não houve a efetivação prática da superação para a preservação da segurança jurídica.⁴⁵²
A técnica do julgamento-alerta, por sua vez, consiste no anúncio público de possível alteração de entendimento, ou seja, antes da sua superação/modificação, para possibilitar a ocorrência de debates acerca do tema e para facilitar a transição entre o entendimento a ser superado e o novo entendimento.⁴⁵³
Estas técnicas, que não podem ser consideradas como hipóteses de superação, são plenamente aplicáveis no Direito brasileiro.
Uma das principais questões práticas que podem surgir com a análise da eficácia retroativa do precedente novo é saber se haverá a possibilidade de rever a coisa julgada e aqui, com a mesma premissa, as manifestações funcionais do Ministério Público.
Me parece, ao menos em tese, um tópico fácil de ser explorado quando se dividem duas situações jurídicas diversas: relações jurídicas já encerradas e relação jurídicas de trato sucessivo.
Esta mesma premissa é plenamente aplicável aos instrumentos extraprocessuais
manejados pelo Ministério Público no âmbito da tutela coletiva, pois os destinatários, tanto atuais quanto os anteriores, poderão objetar a solução jurídica empregada, sob o argumento de que a nova orientação jurídica criada pela instituição deve ou não, conforme o caso concreto, ser aplicada ou inaplicada.
Nas relações jurídicas processuais já encerradas, assim entendidas como aquelas já transitadas em julgado, a nova orientação jurídica derivada de um precedente, a priori, não poderá ser aplicável retroativamente, sob pena de violar a própria segurança jurídica que se pretende proteger justamente com o sistema de precedentes. Nada obstante, o que pode soar como contradição interna, a própria necessidade de conferir segurança jurídica às soluções empregadas aos casos concretos, pode ser o norte justamente para indicar a necessidade de uma eficácia retroativa (art. 927, §3º do C). No capítulo relativo à ação rescisória não há norma jurídica positivada específica na qual podemos escorar a possibilidade de rescisão da coisa julgada material em virtude da formação de novo precedente, mas somente quando há a inobservância das técnicas de aplicação (art. 966, inciso V e §§ 5º e 6º do C).
Por outro lado, nas relações jurídicas continuativas⁴⁵⁴, lastreadas em sentenças determinativas, há implicitamente uma cláusula rebus sic stantibus, razão pela qual torna-se mais fácil sustentar a possibilidade da alteração do conteúdo da decisão⁴⁵⁵ proferida quando há a formação ou modificação de precedente (art. 505, inciso I do C).⁴⁵
O que se pretende evidenciar é que, como a coisa julgada formada sobre relações jurídicas de trato continuado normalmente perde a sua eficácia diante da alteração das circunstâncias fático-jurídicas (basta lembrar da sentença condenatória de alimentos), não só a alteração legislativa deve ser identificada como uma espécie de alteração nas circunstâncias jurídicas, mas também os precedentes judiciais, uma vez que cumprem tal papel.⁴⁵⁷
Portanto, necessário apenas entender o papel do Poder Judiciário em um sistema
com raízes na civil law para concluir que a definição jurisprudencial impacta de forma significativa na ordem jurídica em vigor, assim como o próprio entendimento institucional do Ministério Público. Basta imaginar uma tese institucional a respeito da ocorrência ou não de ato de improbidade istrativa decorrente de atuação do Poder Executivo já consolidada no âmbito da istração pública. Uma mudança abrupta da forma de atuação ministerial poderá impactar de forma irreversível a própria dinâmica istrativa e deixá-la à mercê de entendimentos fluidos.
A coisa julgada que apresenta aptidão de lançar sua eficácia a fatos jurídicos futuros não pode ser indiferente à posterior consolidação jurisprudencial de forma antinômica à norma jurídica por ela tornada indiscutível. A alteração das circunstâncias jurídicas decorrentes do estreitamento da moldura legislativa é evidente; a ordem jurídica não é mais a mesma.⁴⁵⁸
Apesar da referência constante ao Ministério Público, ante à possibilidade de adoção de instrumentos extraprocessuais, a mesma ordem de ideias é aplicável aos órgãos de controle fiscal. Com efeito, o Fisco deve sempre se pautar em orientações normativas e técnicas com o ideal de segurança jurídica para que o contribuinte saiba sempre que tipo de atividade poderá ser objeto de alguma exação.⁴⁵
O efeito da coisa julgada na relação jurídica continuativa faz imodificável a relação jurídica enquanto permanecerem inalterados os seus elementos formadores, a saber, a lei e o fato. Não impede, todavia, mudança do elemento normativo formador da relação jurídica continuativa. Mudança que pode decorrer de alterações legislativas ou da declaração definitiva da constitucionalidade da lei antes tida como inconstitucional.⁴
No tocante aos precedentes vinculantes decorrentes das ações de controle de constitucionalidade, resta evidente a possibilidade da aplicação do efeito retroativo do novo precedente, tanto para as relações jurídicas continuativas
quanto para as relações jurídicas processuais já encerradas (art. 27 da Lei 9.868/99; art. 21 da Lei 9.882/99 e art. 4º da Lei 11.417/06), tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público. No âmbito do Código de Processo Civil há a previsão expressa desta possibilidade com autorização, inclusive, para que seja reconhecida a inexigibilidade do título executivo judicial e a consequente extinção da execução em curso. Tal possibilidade poderá ser instrumentalizada por meio de impugnação ao cumprimento de sentença (defesa típica do executado) ou ação rescisória (defesa atípica ou heterotópica do executado), conforme os arts. 525, inciso III e §§ 12 ao 15 c/c 535, inciso III e §§ 5º ao 8º, sempre observada a regra transitória prevista no art. 1.057 da mesma lei.
A doutrina brasileira, em princípio, somente aceita a possibilidade neste caso.⁴ ¹
Contudo, ao se dar eficácia à declaração de constitucionalidade sobre as relações jurídicas continuativas, mantendo-se intacta a situação que se formou e se consolidou durante o tempo que mediou entre a decisão judicial que produziu efeitos e a declaração de constitucionalidade, restará preservado o princípio da proteção à confiança. Lembre-se, aliás, que a melhor doutrina portuguesa, ao tratar dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade sobre o que chama de ‘caso julgado de trato sucessivo’, observa que, para efeitos da formulação de uma teoria geral da decisão de inconstitucionalidade, basta sublinhar o princípio de que, desde que não haja violação autônoma do princípio da proteção da confiança, o caso julgado de trato sucessivo não impede de per si que se atribua relevância à superveniente declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.⁴ ²
A modificação do precedente que enseja a alteração da coisa julgada material pode estar lastreada tanto na alteração de fato quanto na de direito, a depender sempre do caso concreto para justificar, como já dito, a eficácia retroativa.⁴ ³
Os precedentes, sejam judiciais ou extrajudiciais (no âmbito do Ministério
Público, em particular), proporcionam um impacto relevante na ordem jurídica, consubstanciando alteração nas circunstâncias jurídicas aptas a fazer cessar prospectivamente a eficácia da coisa julgada nas relações jurídicas de trato continuado.⁴ ⁴
1.9.4 Overriding/Modifying
Por meio da técnica do overriding, também denominada modifying, não há superação total do precedente, mas sim, superação parcial da sua eficácia. É técnica utilizada para reconhecer a existência de um fundamento apto a modificar a ratio decidendi, sem, contudo, superá-lo integralmente.
As mesmas causas geradoras do overruling, guardadas as devidas proporções de extensão e resultado, aplicam-se ao overriding, conforme abordado no tópico anterior.
Considerando a possibilidade de ocorrer superação parcial de um precedente (overriding) através da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, vale mencionar, sem a pretensão de esgotamento, alguns exemplos:
a) a súmula 292 do Superior Tribunal de Justiça foi parcialmente superada com o advento do art. 702, § 6.º, por não haver mais a necessidade da conversão em procedimento comum para possibilitar a reconvenção em sede de ação monitória;
b) a súmula 489 do Superior Tribunal de Justiça foi parcialmente superada com o advento do art. 57, pois a continência poderá ensejar duas consequências processuais: reunião das ações no juízo prevento para julgamento simultâneo ou extinção do processo sem resolução de mérito;
c) a súmula 636 do Supremo Tribunal Federal foi parcialmente superada com o advento do art. 1.033, pois a hipótese permanece sendo de não cabimento do recurso extraordinário, mas o Supremo Tribunal Federal deverá remetê-lo para o Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.
A doutrina aponta a existência de duas técnicas derivadas do overriding/modifying da ratio decidendi, quais sejam: i) narrowing e ii) extending ou widening.⁴ ⁵
Através do narrowing, o tribunal fixa um estreitamento da ratio decidendi com o consequente overriding.
Exemplo interessante de overriding, com o narrowing, é o referente ao confronto entre a súmula 202 do Superior Tribunal de Justiça e o entendimento fixado no AgRg no RMS 048399/SP⁴ . Após este novo entendimento, a impetração de segurança por terceiro, nos moldes da Súmula 202 do Superior Tribunal de Justiça, fica afastada na hipótese em que a impetrante teve ciência da decisão que lhe prejudicou e não utilizou o recurso cabível. O excepcional manejo, portanto, do mandado de segurança por terceiro prejudicado contra ato judicial considerado teratológico poderá ocorrer na hipótese de ser completamente alheio ao processo causador de gravame.
Através do extending (widening), o tribunal fixa um alargamento da ratio decidendi com o consequente overriding.
Exemplo interessante de overriding, com o consequente extending, é o que deriva da nova redação conferida ao art. 7.º, incisos, XXIV, XXI, a e §§ 10 ao 12 da Lei 8.906/94 (com as alterações decorrentes da Lei 13245/16⁴ ⁷), que gerou a superação parcial da súmula vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal.
Com esta alteração legislativa, a defesa técnica (advogado/defensor público) poderá ar os autos de uma investigação (criminal, civil ou istrativa), ainda que seja decretado o sigilo, para visualizar diligências encetadas, mesmo que não iniciadas, desde que a promoção da autoridade policial ou do Ministério Público já esteja documentada. Explica-se. Com a redação da súmula vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal, a defesa técnica somente poderá ar, quando houver sigilo decretado, as diligências já realizadas e documentadas nos autos. Com a redação do art. 7.º, § 12 da Lei 8.906/94, a defesa técnica poderá requerer a decretação de invalidade da investigação, caso algum documento seja retirado do procedimento. Ora, a promoção determinando a realização de uma diligência sigilosa, por certo, deverá ser acobertada sob o manto do mesmo sigilo, sob pena de inocuidade, pois a defesa técnica terá ciência antecipada das diligências que serão realizadas.
Além desta extensão, vale mencionar que a nova redação conferida ao mencionado contém norma genérica aplicável a todos os tipos de procedimento, inclusive Inquérito Civil (art. 8.º da Lei 7.347/85).
No overriding, portanto, o órgão jurisdicional apenas limita ou amplia o âmbito de incidência de um precedente em função da superveniência de uma regra ou princípio legal. Não gera substituição da norma contida no precedente, somente uma restrição ou extensão da sua incidência. A rigor, nesta técnica, verifica-se que uma questão de direito restringe o e fático.⁴ ⁸
Esta técnica não deve ser confundida com o reversal. Este instituto representa a reforma, por uma Corte Superior, de uma decisão proferida por órgão inferior. Trata-se de uma técnica de controle de precedente e não de superação. Pode ser encontrada no Código de Processo Civil de 2015 nos seguintes arts.: 932, inciso V; 988, incisos III e IV e 1.021. Pode ser encontrada, ainda, no art. 7.º da Lei 11.417/2006.⁴
1.9.5 Transformation
O órgão jurisdicional responsável pela formação do precedente conferirá significado tão diverso a um comando (tese jurídica), que, na verdade, ensejará implicitamente o abandono da norma original, sem assumi-lo explicitamente. Por meio desta técnica, o tribunal tenta compatibilizar o entendimento anterior (tendente a ser superado/modificado) com o novo entendimento (tendente a ser fixado), embora deixe de aplicar o precedente.⁴⁷
Trata-se de modalidade de superação que não pode ser itida em nosso ordenamento, sob pena de violar o sistema de precedentes, pois exige-se, conforme art. 927, § 4.º do C, fundamentação adequada e específica. Violará, também, o dever de coerência previsto no art. 926 do mesmo diploma legal.
1.9.6 Reversal
Não é possível confundir o instituto do overruling com o reversal. O overruling, conforme visto acima, decorre da superação ou revogação do precedente permitindo, com isso, que os órgãos jurisdicionais fiquem, ao contrário das partes envolvidas no processo, desvinculados da sua ratio decidendi.
O reversal, por sua vez, significa que houve a reforma de uma decisão por ato de uma corte superior, através de remédio jurídico próprio, como um recurso. Neste caso, por decorrência lógica, o julgamento anterior é afastado e não mais possui qualquer efeito entre as partes.⁴⁷¹
1.10 Precedentes Vinculantes ou Obrigatórios no Código de Processo Civil de 2015 – análise do rol do art. 927:
O grande questionamento, que ainda está longe de ser pacificado na doutrina, é saber se os precedentes listados no rol do art. 927 do C são realmente todos vinculante.
Há intenso debate sobre o tema, com inúmeros entendimentos. Ronaldo Cramer, em sua excelente obra sobre o tema, sistematizou todas as cinco teses: a) não há nenhum precedente com eficácia vinculante no rol do art. 927; b) o art. 927 não tem a finalidade de dar força vinculante aos precedentes ali existentes, mas apenas determina a necessidade da sua observância; c) somente a Constituição da República poderá criar precedentes com eficácia vinculante, portanto, somente os incisos I e II do art. 927 do C estão nesta categoria; d) apenas os incisos I ao IV do art. 927 do C poderão ser considerados como precedentes vinculantes; e) o art. 927 do C contém um rol de precedentes com eficácia vinculante.
Para uma primeira tese, somente poderá ser considerado precedente com eficácia vinculante quando, em face dele, existir o mecanismo da Reclamação para fins de controle de sua observância, portanto, os precedentes deste jaez estão listados no rol do art. 985 do C.⁴⁷²
Para uma segunda tese, o comando previsto no art. 927 do C serve somente como diretriz para a resolução dos casos concretos, ou seja, a norma somente cria um dever jurídico de observância dos precedentes listados aumentando, assim, o ônus argumentativo no proferimento das decisões judiciais.⁴⁷³
Para uma terceira tese, o comando previsto no art. 927 do C, caso seja entendido como rol de precedentes vinculantes, será inconstitucional, pois somente através de um comando constitucional poderá ser criado um precedente desta categoria. Assim, somente os julgados em sede de controle concentrado de constitucionalidade (art. 927, inciso I do C, art. 102, §2º da Constituição da República, art. 28, parágrafo único da Lei 9.868/99 e art. 10, §3º da Lei 9.882/99) e as súmulas vinculantes (art. 927, inciso II do C e art. 103-A da Constituição da República) poderão ser enquadradas nesta categoria. Nos demais casos (art. 927, incisos III ao V) os precedentes são meramente persuasivos.⁴⁷⁴
Para uma quarta tese, somente os Tribunais Superiores poderão proferir decisões judiciais com a possibilidade de serem consideradas como precedentes vinculantes. Além disso, os defensores desta tese afirmam que todos os precedentes emanados das cortes superiores poderão ser considerados como vinculantes e não somente aqueles previstos no art. 927 do C. Afirmam, ainda, que apenas uma mera referência formal prevista na norma jurídica não torna uma decisão judicial precedente, pois é imprescindível a análise qualitativa para verificar a presença de uma ratio decidendi suficientemente clara e identificável. Assim, ainda que o “precedente” esteja formalmente previsto no rol do art. 927 do C, pode não ser qualitativamente considerado como precedente.⁴⁷⁵
Para uma quinta tese, que é a majoritária na doutrina, os precedentes previstos no rol do art. 927 do C ostentam eficácia vinculante que decorre da própria redação do que determina a observância pelos juízes e tribunais dos precedentes listados. Esta tese vale-se de argumento meramente semântico.⁴⁷
O Código de Processo Civil, em art. 927, elenca os precedentes vinculantes ou obrigatórios no sistema. O referido código, portanto, conforme aponta Bernardo Gonçalves, parece ter privilegiado especialmente precedentes com eficácia normativa em sentido forte, instituindo, nesse sentido, um sistema amplo, pelo qual abriu-se a possibilidade de produção de precedentes vinculativos não
apenas pelos tribunais superiores, mas também pelos de segundo grau.⁴⁷⁷ Nesse sentido, o diploma processual civil enumera, no art. 927, os precedente obrigatórios que são vinculativos tanto para os Tribunais que os produziram quanto para os órgãos a eles subordinados. ⁴⁷⁸
Não merece prosperar, portanto, a tese segundo a qual é inconstitucional a existência em norma jurídica infraconstitucional precedente com eficácia vinculante, pois não há qualquer óbice previsto nas regras constitucionais para que um órgão jurisdicional, mormente quando hierárquica e funcionalmente superior, profira uma decisão (qualitativamente um precedente) que acarrete a vinculação de outro órgão jurisdicional. Ademais, as regras constitucionais que dispõem sobre a eficácia vinculante de um precedente só estão lá dispostas porque a vinculação atinge os demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.⁴⁷ Assim, forçoso concluir que uma norma infraconstitucional pode criar precedentes vinculantes desde que este efeito fique adstrito ao seio do Poder Judiciário.⁴⁸ Para que atinja os demais Poderes, precisará de autorização constitucional.⁴⁸¹
Impende enfrentar, também, o seguinte ponto: o rol do art. 927 do C é taxativo ou exemplificativo?
O rol previsto no art. 927 C não é exaustivo e deve ser analisado em conjunto com as demais normas do microssistema dos precedentes. Os precedentes consolidados em súmulas dos Tribunais (de origem ou superiores) vinculam o próprio tribunal e aos juízes a eles vinculados, por força dos deveres jurídicos impostos pela norma do art. 926.⁴⁸² Ademais, não existe nenhum impedimento constitucional para que uma norma infraconstitucional crie mais um caso de precedente com eficácia vinculante, bem como o próprio Código não indica qualquer limitação no mesmo sentido.
A necessidade de aplicação sistêmica das normas do sistema jurídico dos precedentes é evidenciada pela possibilidade de decisão monocrática em sede de
conflito de competência (art. 955, parágrafo único), bem como diante da possibilidade da improcedência liminar (art. 332, inciso IV).⁴⁸³ Não é demais lembrar que o art. 1.035, §8º do C também informa um precedente com eficácia vinculante ao dispor sobre o binding effect que incide sobre os recursos sobrestados decorrente do que restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral.
Os precedentes vinculantes, portanto, previstos no rol do art. 927 do C são os seguintes:
a) precedentes decorrentes de decisões em sede de controle concentrado de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal (art. 927, inciso I do C e arts. 102, § 2.º da Constituição da República; 28, parágrafo único da Lei 9.868/99; 10, § 3.º da Lei 9.882/99).
b) precedentes cuja ratio decidendi foi positivada em enunciado de súmula (arts. 927, incisos I e IV C e 103-A da Constituição da República).
c) precedentes formados através do microssistema de julgamento de demandas repetitivas (arts. 138, 489, § 1.º, 927, inciso III e § 2.º, 983, 984, § 2.º, 1038, incisos I e II e § 3.º do C). Trata-se de uma formação concentrada de precedentes obrigatórios.
d) Precedentes originários dos órgãos especial ou pleno (art. 927, inciso V do C).
Neste último caso, podemos verificar duas espécies de vinculação: i) interna: referente aos próprios órgãos jurisdicionais da corte e ii) externa: referente aos
demais órgãos jurisdicionais inferiores. O tema será melhor apresentado no próximo tópico.
1.11 Sistema cartesiano da vinculação dos precedentes – vinculação interna e externa
A vinculação aos precedentes, além da visão vertical e horizontal, também deve ser analisada no prisma temporal para que a forma epigrafada possa ser efetivada. Com efeito, há a necessidade de observar as decisões já proferidas (backward-looking activity – um olhar para o ado), bem como da vinculação prospectiva (forward-looking activity – um olhar para o futuro). Com esta ideia prefacial, torna-se mais palatável o sistema cartesiano de vinculação dos precedentes.
A vinculação interna ou dimensão horizontal é aquela que abrange todos os órgãos jurisdicionais no plano horizontal (órgãos fracionários) vinculados ao órgão especial ou pleno da Corte formadora do precedente. Esta vinculação/dimensão gera o chamado self-precedent que determina a necessidade de o tribunal seguir em caso posterior o precedente por ele mesmo fixado.
A vinculação externa é aquela que abrange todos os órgãos jurisdicionais no plano vertical (órgãos inferiores - juízos e tribunais) vinculados ao órgão especial ou pleno da Corte formadora do precedente. Os precedentes dos Órgãos Especial e Pleno dos Tribunais Superiores, portanto, vinculam os tribunais e juízos inferiores. Os precedentes dos Órgãos e Pleno dos Tribunais de origem vinculam os órgãos fracionários e os demais órgãos jurisdicionais inferiores.
A doutrina costuma apontar diversos fatores que demonstram o grau de vinculação aos precedentes.⁴⁸⁴ Os fatores podem ser institucionais, sociais, políticos, normativos, econômicos e temporais. Normalmente são assim
apresentados:
a) Hierarquia da Corte;
b) Decisão proveniente de órgão fracionário ou ple- nário do tribunal;
c) A reputação do órgão jurisdicional prolator e do próprio membro;
d) As mudanças naturais decorrentes de fatores externos, tais como políticos, econômicos e sociais após a criação do precedente;
e) A solidez da linha argumentativa relevante para a exata compreensão do precedente;
f) O momento de formação do precedente e até mesmo a sua idade;
g) O eventual consenso ou dissenso na formação do precedente;
h) O ramo do direito objeto do precedente;
i) A eventual tendência decisória atrelada ao precedente;
j) A recepção do precedente pela comunidade jurídica;
k) Os efeitos das mudanças legais em áreas afins.
Impende salientar a possibilidade de a vinculação do precedente atingir os atos istrativos do Poder Público. Há, inclusive, normas que autorizam a aplicação dos precedentes judiciais.⁴⁸⁵ A formulação destas orientações elaboradas pelos entes públicos visa as denominadas demandas de massa, bem como a completa ausência de sentido prático na interposição de recurso.⁴⁸
1.12 Graus de aderência não formais aos precedentes – superprecedentes e microprecedetes
Nada mais é do que uma vinculação cultural à argumentação e significados gerados pelos precedentes. Em tal senda, encontram-se os denominados superprecedentes e miniprecedentes.
Os denominados superprecedentes são aqueles que, em virtude da sua vinculação jurídica e cultural, geram, a rigor, regras e standards que orientam as futuras decisões com notório efeito pacificador de disputas e, portanto, são extremamente difíceis de sofrerem superação. A incorporação à cultura jurídica decorre, outrossim, pelo número de citações feitas em processos judiciais e trabalhos acadêmicos, bem como pelo tempo de “vigência”, pois, com isso, demonstra que a coletividade (finalidade exoprocessual do precedente) aceita e absorve a regra emanada.⁴⁸⁷ A doutrina, capitaneada por Bernardo Gonçalves, sustenta que se os superprecedentes se aproximarem das denominadas metadecisões, pois fazem esforço para a produção de regras, princípios, standards, presunções e rotinas (modelo high), se tornam guias que tendem a desonerar o fardo de decisões posteriores (modelo low).
Estes superprecedentes, por apresentarem um conteúdo assaz amplo, orientam futuras decisões de tal forma que retiram o ônus argumentativo das instâncias inferiores que os sigam.
As principais características dos superprecedentes são:
a) apresentam conteúdo amplo: os superprecedentes são amplos e imprecisos
para evitar o reducionismo da sua aplicação;
b) efeito pacificador de disputas políticas, morais e sociais, porque decorrem de disputas argumentativas entre os diferentes grupos (redes) sociais e possibilitam a ocorrência de deliberações pela sociedade, o que, por certo, vai dificultar a modificação da tese jurídica fixada;
c) vinculação jurídica e social: considerando que os argumentos ensejadores da criação do superprecedente, a sua vinculação pera o nível meramente jurídico, pois a atuação dos grupos (redes) sociais gera uma vinculação ainda no plano cultural e social;
d) apresentam difícil ou reduzida possibilidade de superação: os superprecedentes ficam tão enraizados na cultura jurídica que há uma severa dificuldade para alteração da tese jurídica fixada.⁴⁸⁸
Considerando as características apresentadas para o fenômeno dos superprecedentes, entendemos que somente poderão ostentar tal designativo quando oriundos de decisões proferidas pelos Tribunais Superiores. Há quem defenda, entretanto, que somente os precedentes oriundos do Supremo Tribunal Federal que cria ou amplia um direito fundamental poderá ostentar tal pecha.⁴⁸ Ouso, com a devida vênia, divergir deste entendimento, pois não é somente o Supremo Tribunal Federal que poderá criar ou ampliar um direito fundamental através dos seus julgados, pois o Superior Tribunal de Justiça, através do controle de convencionalidade das normas infraconstitucionais, poderá atuar de tal forma.
Posso citar, como exemplo de superprecedentes em nosso ordenamento, as teses jurídicas fixadas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132/RJ e na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277/DF.
No ordenamento jurídico global, vale mencionar os seguintes precedentes: Marbury vs. Madison; Brown vs. Board of Education e Roe vs. Wade.
Os miniprecedentes ou microprecedentes, ao reverso, são aqueles que decorrem da atividade jurisdicional cotidiana que não gera qualquer marco importante na evolução do direito jurisprudencial, ou seja, não pode ser considerado como um standard que pode gerar uma vinculação jurídica. A doutrina costuma afirmar que os miniprecedentes são, a rigor, aquelas decisões cotidianas, desprovidas de reflexões jurídicas, morais ou filosóficas extremamente aprofundadas e com reduzido impacto para além do deslinde do próprio caso concreto (efeito inter partes)
1.13 Julgamento (resolução) de casos (demandas) repetitivo (a)s
Tema de extrema relevância no sistema jurídico brasileiro que a a ter ainda maior notoriedade com o advento do Código de Process Civil de 2015, posto que criado um microssistema de resolução dos casos repetitivos e a inserção do instituto do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, substancialmente novo.
O art. 928 do C elenca as hipóteses de julgamento de casos repetitivos denominada de litigiosidade de massa. Este elenca um rol taxativo destas hipóteses, salvo se houver lei processual expressa prevendo regras idênticas.⁴
O julgamento de casos repetitivos gera o chamado processo-modelo, processopiloto ou processo-tipo. Esta técnica de julgamento tem por objetivo fixar uma tese jurídica para aplicação em casos semelhantes.
O julgamento de casos repetitivos está fulcrado em três pilares: economia processual, coerência e contraditório.
Para cumprir estes três pilares citados, o C/2015 preconiza a necessidade de observância do seguinte:
a) debate amplo, participativo e multilateral (arts. 927, § 2.º, 979, 983 e 1.038);
b) o acórdão deverá analisar todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários (art. 984, § 2.º); e
c) identificação precisa da questão que será submetida a julgamento (art. 1.037, inciso I).
Além da análise das hipóteses que configuram julgamento de casos repetitivos, dos seus pilares e dos deveres dos tribunais, impende destacar o seguinte:
a) O Código de Processo Civil prevê diversas técnicas procedimentais correlatas ao julgamento de casos repetitivos, tais como as previstas nos seguintes arts.:
a.1) 12, § 2.º, incisos II e III – exclusão da lista da ordem cronológica para julgamento dos incidentes que geram a formação de precedentes vinculantes;
a.2) 139, inciso X – notificação para os legitimados coletivos promoverem a demanda coletiva diante de demandas repetitivas sobre o mesmo tema;
a.3) 311, inciso II – possibilidade de concessão de tutela provisória da evidência;
a.4) 332, inciso II – possibilidade de decisão de improcedência liminar do pedido;
a.5) 496, § 4.º, inciso II – possibilidade da dispensa do reexame necessário,
a.6) 521, inciso IV,
a.7) 932, inciso IV, b); 932, inciso V, b;
a.8) 955, parágrafo único, inciso II;
a.9) 988, inciso IV; 998, parágrafo único;
a.10) 1.022, parágrafo único, inciso I.
b) O Código de Processo Civil preconiza que as decisões oriundas do julgamento de casos repetitivos acarretarão eficácia vinculante, conforme art. 927, inciso III.
Somente será utilizado este modelo de julgamento em questões de direito que configurem tese jurídica comum, pois, neste caso, tecnicamente, ensejará demandas repetitivas.
Para certo setor doutrinário, os casos repetitivos dizem respeito somente às questões repetitivas, sejam de direito material ou de direito processual (art. 928, parágrafo único do C). As demandas repetitivas, pois, não estariam necessariamente abrangidas.⁴ ¹
Apesar deste entendimento, prevalece a ideia, notadamente diante da literalidade da norma, de que as demandas repetitivas, quando ensejadoras do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 976 do C), estarão abrangidas pela norma.
Assim, somente serão considerados como hipóteses de julgamento de casos repetitivos: i) Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 976 do C) e ii) Recursos Especial e Extraordinário repetitivos (art. 1.040 do C).
1.13.1 Coletivização das demandas individuais
O Código de Processo Civil preconizou a coletivização das demandas individuais através do emprego de técnicas e incidentes, quais sejam: i) intimação dos legitimados coletivos para ajuizamento de demanda coletiva (art. 139, inciso X); ii) conversão de ação individual em ação coletiva (art. 333) e iii) incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976).
Estas técnicas fazem parte do microssistema da teoria dos precedentes, pois têm como objetivo conferir segurança jurídica e isonomia, na medida em que evitam dispersão de precedentes em mesma situação jurídica ensejadora das demandas.
A intimação dos legitimados coletivos para ajuizamento de demanda coletiva, que será abordada em tópico abaixo, visa reunir ações individuais repetitivas em uma única ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos.
A conversão de ação individual em ação coletiva, que foi vetada e, portanto, não ingressou em nosso ordenamento jurídico, tinha como objetivo precípuo coletivizar as ações propostas como individuais, quando, na verdade, deveriam ter sido propostas como ações coletivas em defesa de direitos difusos e coletivos em sentido estrito. Este instituto deveria ser aplicado aos casos de ações individuais com efeitos coletivos (art. 333, inciso I), bem como aos casos de ações pseudoindividuais (art. 333, inciso II).
Neste ponto, impende destacar as diferenças entre ações meramente/puramente/tipicamente individuais, individuais com efeitos coletivos e pseudoindividuais.
As ações puramente/meramente/tipicamente individuais são aquelas em que a pretensão também é pessoal, veiculando um direito subjetivo. Nestes casos, o resultado da demanda atingirá a esfera jurídica das partes, na forma do art. 506 do C.
As ações individuais com efeitos coletivos são aquelas ajuizadas como individuais, mas cujo resultado, ainda que indiretamente, atingirá a todos. São ações que, em função do pedido, os efeitos da sentença atingem a própria coletividade.
As ações pseudoindividuais são aquelas lastreadas em uma relação, fática ou jurídica, de direito material incindível/indivisível que, por via de consequência, deve receber uma tutela jurisdicional unitária. Assim, o pedido formulado na demanda, embora baseado em interesse subjetivo, deveria ter sido formulado coletivamente.
O incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) tem por finalidade a fixação de tese jurídica que será aplicável aos casos futuros quando existirem demandas repetitivas versando sobre a mesma questão de direito, material ou processual.
As demandas repetitivas, portanto, poderão ser objeto da técnica prevista no art. 139, inciso X e do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 976 do C). Entretanto, os objetivos e efeitos são diversos.
A técnica prevista no art. 139, inciso X tem por objetivo provocar a propositura de uma demanda coletiva para a obtenção de eficácia subjetiva erga omnes, na forma do art. 103, inciso III do Código de Defesa do Consumidor.⁴ ² Com o
julgamento da demanda coletiva, haverá óbice para a propositura de outras demandas coletivas, caso o resultado seja diverso da improcedência por insuficiência de provas.
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, por sua vez, tem por objetivo a uniformidade da aplicação do ordenamento jurídico através da fixação de uma tese jurídica que valerá para todos os processos que versarem sobre a mesma questão de direito. Assim, cada caso novo que verse sobre a mesma questão de direito, ensejará a realização de um novo julgamento para aplicação da tese jurídica fixada.
1.13.2 Direitos Repetitivos e Direitos Individuais Homogêneos
Os direitos repetitivos são parecidos com os individuais homogêneos, mas, ao invés de decorrerem de uma origem comum, de fato e de direito, são apenas semelhantes.⁴ ³ As demandas repetitivas têm fundamento em situações jurídicas homogêneas, mas possuem um perfil que não permite circunscrevê-las aos direitos individuais homogêneos.⁴ ⁴
Caso existam diversas demandas em curso versando sobre a mesma questão de fato (fato de origem comum), poderá, conforme a hipótese, ensejar a necessidade de coletivização da demanda (não se trata de conversão da demanda individual em coletiva, posto vetada!), através da propositura de Ação Coletiva (Ação Civil Pública), com fulcro no art. 81, parágrafo único, inciso III da Lei 8.078/90. Na hipótese de fato de origem comum, com sujeitos determinados que pertencem à uma coletividade, poderá ser identificado interesse individual homogêneo. Os direitos individuais, quando coexistirem por uma origem comum, darão vida ao direito individual homogêneo.⁴ ⁵
1.13.3 Intimação dos legitimados coletivos sobre a existência de demandas repetitivas
O art. 139, inciso X do C preconiza o poder-dever de o magistrado oficiar os legitimados coletivos, cientificado-se-lhes acerca da existência de diversas demandas individuais repetitivas.
Este versa sobre ações individuais repetitivas que serão aglomeradas em uma única ação em defesa de direitos individuais homogêneos, ou seja, aplicação de uma técnica de coletivização das demandas individuais. Tal notificação tem o condão de cientificação para a propositura da Ação Coletiva respectiva, conforme a literalidade da norma. Entretanto, a melhor interpretação será no sentido de adotar as medidas processuais e extraprocessuais típicas da tutela coletiva, pois existem outras formas de debelar os conflitos decorrentes de ameaças e lesões aos interesses transindividuais, tais como termo de ajustamento de conduta e recomendação.
Entendo que a notificação não enseja um caráter vinculativo⁴ , mas informativo, pois os legitimados coletivos cientificados não estarão jungidos a promover as demandas coletivas, sem a análise detida dos fatos apresentados, apesar da existência do princípio da obrigatoriedade.⁴ ⁷
Diferentemente do processo individual, no qual está presente a facultas agendi, característica do direito subjetivo individual, o processo coletivo vem contaminado pela ideia de indisponibilidade do interesse público.
Para análise da incidência do princípio supra citado, impende destacar as
seguintes premissas: I) os interesses transindividuais têm natureza social e relevância pública, sendo peculiarizados pela indisponibilidade; II) os legitimados para agir em juízo na defesa destes interesses não são os titulares dos mesmos, mas sim “representantes” da própria coletividade; III) os legitimados de forma autônoma não atuam em defesa de posições jurídicas próprias, mas de terceiros que não têm a faculdade legal de estarem presentes em juízo ou extrajudicialmente para manifestarem-se quanto aos interesses transindividuais envolvidos.
O princípio da obrigatoriedade significa que, se identificados no caso concreto os pressupostos da situação material que tornem necessária a propositura de demanda coletiva, não poderá o Parquet furtar-se ao ajuizamento da ação.
Tanto isso é verdade, que alguns autores sustentam tratar-se de uma obrigatoriedade temperada com a conveniência e a oportunidade.⁴ ⁸ É factível sustentar, por exemplo, um maior poder de agenda.⁴
Assim, conclui-se pela aplicação do princípio da obrigatoriedade da demanda coletiva, desde que presentes todos os pressupostos e requisitos ensejadores do exercício judicial da pretensão.
Tal notificação é uma grande e necessária novidade sob dois prismas: a) evitará multiplicidade de demandas, reduzindo o número de ações em curso perante o Judiciário; e b) evitará o risco de decisões judiciais conflitantes.
A notificação não terá o condão de converter as demandas individuais em repetitivas, pois, caso o legitimado coletivo cientificado promova a demanda coletiva, não impedirá o prosseguimento das diversas demandas individuais.
Caso as demandas repetitivas versem sobre a mesma tese jurídica, a notificação prevista neste não impedirá a instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas constante no art. 976 do C.
Conforme arts. 104 do Código de Defesa do Consumidor e 22, § 1.º da Lei 12.016/09, não existe litispendência entre as demandas individuais e coletivas, entretanto, os autores das ações individuais deverão ser citados para optarem pelo prosseguimento ou suspensão das suas ações.
A legitimação coletiva prevista nos arts. 5.º da Lei 7.347/85 e 82 do Código de Defesa do Consumidor é concorrente e disjuntiva (art. 129, § 1.º da Constituição da República), ou seja, a atuação processual de um dos legitimados não condiciona ou impede a atuação dos demais.
Entendemos que os legitimados coletivos deverão ser notificados atentando-se para a legitimidade e representatividade adequada. O Ministério Público, Defensoria Pública e a Fazenda Pública deverão ser notificados em atenção ao âmbito de suas atuações funcionais.
O Ministério Público será notificado para todas as hipóteses de atuação na tutela coletiva, pois sua legitimação ativa coletiva é ampla e abrange todos os interesses transindividuais (arts. 127 e 129, inciso III da Constituição da República; arts. 81 e 90 do Código de Defesa do Consumidor e art. 21 da Lei 7.347/85) ⁵ .
A Defensoria Pública somente deverá ser notificada para atuação nos interesses individuais transindividuais referentes aos hipossuficientes (arts. 134 da Constituição da República e 4.º, incisos VII e VIII da Lei Complementar 80/94). O Supremo Tribunal Federal, no bojo do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3943, conferiu legitimação ampla para esta
instituição na propositura das demandas coletivas.⁵ ¹
A Fazenda Pública deverá ser notificada para atuar, preferencialmente, nas hipóteses de execução das decisões de Tribunais de Contas.
Os legitimados coletivos da esfera privada (associações, sindicatos e congêneres) deverão ser notificados atentando-se para a legitimidade e representatividade adequada, ou seja, o âmbito de suas atividades deve ser congruente com o objeto das demandas.
1.13.4 Julgamento de casos repetitivos e Incidente de Assunção de Competência
O Incidente de Assunção de Competência (art. 947 do C), apesar de inserido no microssistema de formação de precedentes vinculantes (arts. 332, inciso III; 493, § 4.º, inciso III; 932, inciso IV, c; 932, inciso V, c; 955, parágrafo único, inciso II; 988, inciso IV; 1022, parágrafo único, inciso I, todos do C), não faz parte do rol das hipóteses de julgamento de casos repetitivos.⁵ ²
Por força da expressão “sem repetição em múltiplos processos”, não será possível a utilização deste incidente quando couber o julgamento de casos repetitivos.⁵ ³ Não deverá, portanto, ser confundido com o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
As principais características do Incidente de Assunção de Competência são: i) necessidade da pendência de uma causa perante o Tribunal, seja em sede recurso, reexame necessário ou casos de competência originária; ii) relevante questão de direito; iii) grande repercussão social da questão de direito; iv) possui função preventiva (evitar decisões conflitantes) ou de composição de divergência, conforme preconiza o art. 947, §4º do C; v) as causas pendentes que geram a necessidade do Incidente de Assunção de Competência podem ser afetadas para julgamento junto com o incidente, desde que seja reconhecido o interesse nesta assunção.
1.13.5 O alcance panprocessual do julgamento dos casos repetitivos
O efeito panprocessual é aquele em que o conteúdo da decisão judicial se alarga para fora do processo, vale dizer, quando o que foi delimitado na decisão a também a reger situações que não estavam e não foram objeto daquela primeira apreciação jurisdicional.⁵ ⁴
A aplicação da tese adotada em julgamento de casos repetitivos, como os demais precedentes vinculantes descritos no art. 927 do C, decorrem deste efeito panprocessual, em que nos processos diversos, presentes ou futuros, são utilizados os fundamentos assentados em outros processos paradigmáticos, para o fim de julgar o pedido.
Impende salientar que o panprocessualismo do resultado de determinado processo judicial não é exatamente uma novidade em nosso ordenamento, pois nos processos coletivos comuns é plenamente aplicável a repercussão subjetiva de seu resultado para os membros da coletividade tutelada, ainda que não sejam partes formais na relação jurídica processual, conforme art. 18 da Lei de Ação Popular, art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, art. 103, incisos I ao III do Código de Defesa do Consumidor, art. 21, parágrafo único da Lei do Mandado de Segurança e art. 13 da Lei do Mandado de Injunção. Dependendo do direito material transindividual tutelado, o resultado do processo poderá gerar eficácia erga omnes ou ultra partes.
Nada obstante, há que se distinguir os dois regramentos jurídicos. Na resolução das questões repetitivas, o panprocessualismo deriva da necessidade de conferir segurança jurídica e isonomia na solução das questões de direito idênticas, ainda
que as partes que serão atingidas pela tese jurídica fixada não tenham, do ponto de vista formal, participado da demanda. Nos processos coletivos comuns, ao contrário, a solução da demanda atinge os titulares do direito material deduzido em juízo por serem as partes materiais da relação jurídica processual e, por essência, serem os destinatários da sentença coletiva de procedência. Tanto é verdade que poderão, com base no transporte in utilibus, promover, no plano individual, a liquidação e execução da sentença coletiva de procedência (arts. 95, 97, 98, 99, 100 e 103, §§ 1º e 3º do Código de Defesa do Consumidor).
O referido panprocessualismo daqueles julgamentos, portanto, como assevera Weber Luiz de Oliveira, não se refletem apenas dentro da jurisdição, mas visa a delimitar a atuação da atividades istrativas de órgão, ente ou agência reguladora, além de impor aplicação da tese adotada por pessoas jurídicas de direito privado, que não participaram da relação jurídica processual e das discussões então travadas.
O precedente, conforme sustenta Lenio Luiz Streck, não é utilizado para solucionar diversas questões jurídicas presentes no mesmo processo, ele será utilizado como parâmetro normativo que poderá ser útil para o deslinde de diversos novos casos, ainda que não tenham a mesma relação jurídica subjacente. Os chamados superprecedentes, por exemplo, podem ser aplicados em diversas situações, mesmo quando foram formados para solução de tema diverso afeto à ramo diverso do Direito. Vale mencionar, como faz o referido autor, o precedente Marbury vs. Madison, cuja utilização pode levar à solução de questões cíveis, penais, tributárias etc., desde que seja necessário praticar-se a judicial review (controle difuso de constitucionalidade) naquele caso.⁵ ⁵
1.13.6 Características do Modelo dos Processo de Questões Repetitivas
Neste tópico serão apresentadas as características do modelo dos processos de questões repetitivas⁵ .
No tocante ao tipo de tutela, aplica-se o regime do opt in, ou seja, todos que forem partes em processos (individuais ou coletivos) que versarem sobre a mesma questão de direito, objeto do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ou dos Recursos Repetitivos, serão atingidos pela tese jurídica que for criada. Haverá aplicação da tese jurídica qualquer que seja o resultado prático (benéfico ou prejudicial).
O pressuposto objetivo para a verificação do modelo é a existência de alguma relação jurídica de direito processual pendente. A demanda poderá estar pendente em qualquer etapa procedimental e deverá o requerente do incidente demonstrar o risco à isonomia e à segurança jurídica, ou seja, risco de dispersão de precedentes (art. 976 do C). Nos casos dos Recursos Repetitivos, será imprescindível a pendência de recurso excepcional versando sobre a mesma questão de direito (art. 1036 do C).
Existem duas situações jurídicas ensejadoras de óbice, que configuram verdadeiros pressupostos processuais negativos (obstativos ou impeditivos) para a utilização deste tipo de modelo: 1) existência de recurso afetado por Tribunal Superior que verse sobre a mesma questão de direito objeto do instrumento (arts. 976, § 4º e 1030, inciso III do C); 2) já ter ocorrido o julgamento com a fixação da tese jurídica sobre a mesma questão de direito e não ser caso de revisão da tese.
Como regra, como já visto, aplica-se a causa-piloto com a instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ou a afetação do recurso (arts. 978, parágrafo único e 1036, §§ 1º e 5º do C) e, em casos excepcionais previstos no ordenamento jurídico, a causa-modelo (arts. 976, § 1º, 998, parágrafo único e 1040, §§ 1º e 2º do C).
O órgão jurisdicional competente para o exercício do juízo de issibilidade, no caso do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, é o próprio órgão colegiado (indicado pelo regimento interno do próprio tribunal) responsável pela fixação da tese jurídica, enquanto que no caso dos Recursos Repetitivos a issibilidade será realizada pelo Relator no Tribunal Superior, enquanto o julgamento será realizado pelo órgão colegiado.
No Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), a simples issibilidade acarreta a suspensão, conforme a literalidade do art. 982, inciso I do C, enquanto no procedimento dos recursos repetitivos, mera afetação acarretará tal consequência (art. 1037, § 1º do C). Os processos ficarão suspensos por, no máximo, um ano, podendo ser prorrogável por decisão expressa, nos casos do IRDR (arts. 980, parágrafo único e 1037, § 4º do C). Existe a possibilidade de suspensão nacional de todos os processos que versam sobre a mesma questão de direito. No caso do IRDR, será requerido na forma do art. 982, § 3º do C, enquanto no caso de recurso repetitivo, será determinado pelo relator, conforme art. 1037, caput e inciso II do C.
No que tange à legitimidade ativa para gerar a aplicação deste modelo de tutela coletiva, vale diferenciar o IRDR do recurso repetitivo. No primeiro caso, os legitimados serão o juiz, o relator, as partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública (art. 977 do C). No segundo caso, o presidente ou vicepresidente do tribunal de origem (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal).
Caso ocorra desistência ou abandono do processo instaurado por meio deste modelo, não haverá óbice para a análise do mérito, oportunidade na qual será aplicada a causa-modelo (arts. 976, § 1º, 998, parágrafo único e 1040, §§ 1º e 2º do C). Nos casos do IRDR, o Ministério Público poderá assumir a condução do incidente (art. 976, § 2º do C).
Haverá intervenção obrigatória como custus iuris quando já não for parte, conforme arts. 983 e 1038, III do C.
No caso do IRDR haverá limitação territorial para a aplicação da eficácia vinculante do precedente criado, conforme o âmbito de abrangência da competência do órgão prolator, podendo ser o Estado (no caso de Tribunal de Justiça) ou uma Região (no caso do Tribunal Regional Federal). No caso dos recursos repetitivos, a abrangência será nacional, pois os Tribunais Superiores exercem as suas funções jurisdicionais em âmbito nacional.
Haverá eficácia vinculante aos casos concretos pendentes (suspensos) e futuros, salvo quando houver revisão da tese. A tese (proposição) jurídica fixada, portanto, será aplicável de forma obrigatória aos demais casos que ostentam a possibilidade fática e jurídica de extensão da ratio decidendi, conforme arts. 927, inciso III; 985 e 1040, inciso III do C.
A fixação de uma tese jurídica com eficácia vinculante, como já apresentado, não se confunde com coisa julgada material. A tese jurídica não gera coisa julgada material, mas sim a aplicabilidade obrigatória aos casos concretos pendentes e futuros que sejam semelhantes. Nada obstante, a estabilização da tese jurídica decorre de um processo natural, mas não incide sobre ela o viés da imutabilidade, pois, desde que presentes os seus requisitos, poderá ocorrer a revisão da tese. A coisa julgada material será verificada no âmbito do processo suspenso (individual ou coletivo) no qual foi aplicada a tese jurídica, mas não guarda relação direta e exata com a criação da tese.
1.14 Funções exercidas pelos Tribunais Superiores por intermédio do julgamento dos recursos na formação dos precedentes vinculantes
Para a melhor compreensão do sistema brasileiro, ora em testilha, é imprescindível analisar as funções exercidas pelos Tribunais Superiores enquanto Cortes formadoras de precedentes.
Conforme apresentado por Claudia Aparecida Cimardi, em brilhante obra sobre o tema, o julgamento de mérito dos recursos excepcionais fixa uma tese aplicável ao caso subjacente de determinado processo, atribuindo a adequada interpretação à questão de direito contida na decisão recorrida, com eficácia restrita, exclusivamente, à específica causa em que foi interposto o recurso julgado, exceto em casos de julgamento de recursos repetitivos.
Nesta toada, afirma que existem quatro funções exercidas pelos Tribunais Superiores: a) função corretiva; b) função nomofilática; c) função paradigmática e d) função uniformizadora.
A função corretiva decorre da possibilidade de os Tribunais Superiores, diante da verificação da ocorrência de violação das normas constitucionais e/ou infraconstitucionais, corrigir o vício,
bem como decidir novamente a causa, mediante a aplicação do Direito à espécie, conforme preconiza a súmula 456 do Supremo Tribunal Federal e o art. 257 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Impende salientar, por pertinência, que os Tribunais Superiores não poderão conhecer das matérias fáticas ou meramente probatórias, mas somente matérias de direito. Os Tribunais Superiores brasileiros são, por determinação imposta na Constituição Federal, conhecidos como os guardiões da higidez do Direito positivo. Na realização de tal mister, realizam a correção das decisões recorridas em desconformidade com o entendimento prevalente, conformam o conjunto de suas decisões como indicativo da direção que causas semelhantes devem trilhar e, por conseguinte, condensam a interpretação do texto normativo que deve ser observada em decisões futuras, pelos demais integrantes do Poder Judiciário. ⁵⁷
A função nomofilática nada mais é do que a proteção da letra da lei. É a teoria da preponderância da uniformização⁵ ⁸ que, segundo prestigiosa doutrina, sofre uma subdivisão. A nomofilaquia dialética ou tendencial e a nomofilaquia tradicional.
A função nomofilática dialética ou tendencial é a persecução da unidade do direito mediante a utilização de processos hermenêuticos na identificação da solução mais racional e afinada com preceitos constitucionais, vale dizer, por intermédio de processo dialético que possibilite ao juiz aferir, dentre as múltiplas interpretações possíveis, aquela que melhor equacione a lide. ⁵
A função nomofilática tradicional nada mais é do que assegurar a uniformidade da interpretação das normas jurídicas. Neste sentido, as decisões dos Tribunais Superiores deverão ser observadas, posto dever jurídico institucional. Caso o magistrado situado em posição hierárquica inferior deseje não seguir o entendimento fixado, deverá, observando-se o art. 489, § 1.º, inciso VI do C, fundamentar sua decisão de forma mais adequada e efetiva. A função nomofilática também pode ser entendida como a exigência de que o Tribunal exerça a correta interpretação da lei bem como do caso concreto posto em análise. ⁵¹
A função paradigmática, como o próprio nome faz supor, é aquela que informa que a decisão, ainda que não seja tecnicamente considerada como precedente, servirá como paradigma interpretativo para a solução do caso concreto posto em análise. ⁵¹¹
A função uniformizadora, que decorre da função nomofilática, é aquela que visa à homogeneidade na interpretação e na aplicação das normas positivas em todo o território nacional. Esta função possui dois valores claros: coerência interna das decisões das Cortes Superiores e eficiência da atividade jurisdicional. A conjugação destes valores informa que a função uniformizadora, assim como a nomofilática, tem como desiderato promover a igualdade e a previsibilidade das decisões judiciais. A prática da função uniformizadora tem por propósito retirar do sistema as
interpretações erradas ou inadequadas, conduzindo a solução do caso concreto ao julgamento que se funde em entendimento correto e adequado. ⁵¹²
184 Os precedentes ostentam duas dimensões: i) institucional e ii) estrutural. A dimensão institucional diz respeito à organização judiciária e ao modo como ocorre a relação de autoridade do precedente no âmbito do sistema das cortes. A dimensão estrutural refere-se ao que efetivamente constitui um precedente a fim de ser utilizado como ponto de referência para uma decisão posterior.
185 Como, aliás, já havia sustentado em: F. BASTOS. Sistema brasileiro de precedentes. Revista da Advocacia Pública Federal. Brasília, v. 1, n. 1, p. 286, 2017.
186 “Note-se, aliás, que as decisões judiciais, mesmo no sistema de commom law, não podem “criar” a partir do nada: ao examinar um precedente, deve o juiz identificar a norma que o embasa.” J. MEDINA. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 1242.
187 E. MEURER JUNIOR. Súmula Vinculante no C/2015. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 200. (Coleção Novo Código de Processo Civil 4); G. NOGUEIRA. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiro. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 12.
188 “A verdade é que as disposições do C/2015 vão ao encontro da busca por
uma decisão mais justa. Aliás, a “formação de uma decisão justa para as partes reclama a conjugação de critérios ligados à individualização, interpretação e argumentação referente às normas jurídicas que devem reger o caso levado a juízo.” E. MEURER JUNIOR. Súmula Vinculante no C/2015. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 201. (Coleção Novo Código de Processo Civil 4).
189 Conforme consta na Exposição de motivos e anteprojeto do Novo Código de Processo Civil: “Proporcionar legislativamente melhores condições para operacionalizar formas de uniformização do entendimento dos tribunais brasileiros acerca de teses jurídicas e concretizar, na vida da sociedade brasileira, o princípio constitucional da isonomia. Criaram-se figuras, no novo C, para evitar a dispersão excessiva da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional.
190 G. AMARAL. Comentários às alterações do novo C. São Paulo: RT, 2015. p. 947.
191 “A sistematicidade do Direito se relaciona com a unidade, coerência e completude do ordenamento jurídico, as quais só podem ser possíveis com a atuação jurisdicional do Estado. Ora, as decisões judiciais possuem, como bem se sabe, papel de suprir as lacunas e antinomias normativas por meio da interpretação sistemática dos dispositivos legais, da extração de normas implícitas e explícitas e do raciocínio analógico, o que permite a unidade, a coerência e a completude do ordenamento. Assim, os precedentes, por serem dotados de universalidade e por serem, portanto, aplicáveis aos casos análogos, suprem eventuais falhas legislativas e garantem, de forma mais eficiente, a previsibilidade do Direito. A homogeneidade, por sua vez, é corolária do princípio da igualdade, sendo necessária, para a igualdade da aplicação do Direito, a consistência na interpretação das normas jurídicas. Ora, se cada juiz optar por interpretar as normas vigentes da forma como achar mais pertinente, sem limites e standards, ficaria impossível a previsão da norma jurídica aplicável ao caso concreto. Assim, os precedentes atuam, nesse sentido, como uma
necessária linha diretiva. Finalmente, a ibilidade é fundamental para a previsibilidade do Direito, uma vez que a alegação de não conhecimento da lei não configura escusa para o seu não cumprimento. Dessa maneira, frente um ordenamento jurídico extremamente extenso, os precedentes atuam em favor da ibilidade dos entendimentos judiciais.” B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Editora Juspodivm: Salvador, 2017. p. 900.
192 F. BASTOS. Sistema brasileiro de precedentes. Revista da Advocacia Pública Federal.Brasília, v. 1, n. 1, p. 290, 2017.
193 “Todavia, a positivação da jurisprudência como fonte imediata do direito não é uma revolução. Trata-se de fenômeno que remonta ao início da segunda metade do século ado e que vem a se consolidar com mais intensidade nas últimas três décadas. O marco histórico desse movimento ocorreu em 1963, quando o Supremo Tribunal Federal, por iniciativa do Ministro Victor Nunes Leal, instituiu as súmulas da jurisprudência dominante do Tribunal. Essas súmulas, redigidas em enunciados sucintos e genéricos, a toda evidência, em muito diferem dos precedentes utilizados nos sistemas jurídicos do common law.” A. MATIAS. Precedentes – fundamentos, elementos e aplicação. São Paulo: JH Mizuno, 2019. p. 191.
194 A. CÂMARA. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016. p. 453.
195 A. FLEXA; D. MACEDO; F. BASTOS. Novo Código de Processo Civil – Temas inéditos, mudanças e supressões. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 631.
196 M. GALIO. Overruling – a superação do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 150. (Coleção Novo Código de
Processo Civil 3).
197 A. FLEXA; D. MACEDO; F. BASTOS. Novo Código de Processo Civil – Temas inéditos, mudanças e supressões. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 635.
198 As manifestações do Ministério Público deverão ser aqui entendidas como qualquer manifestação proferida no bojo de uma relação jurídica processual ou de um procedimento istrativo, sob a sua presidência. No âmbito do Processo Civil, por evidente, este ônus argumentativo deverá ser levado em consideração tanto nos casos de atuação como órgão agente, como nos casos de órgão interveniente.
199 “DIREITO PROCESSUAL PENAL. LIMITES À FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. É nulo o acórdão que se limita a ratificar a sentença e a adotar o parecer ministerial, sem sequer transcrevê-los, deixando de afastar as teses defensivas ou de apresentar fundamento próprio. Isso porque, nessa hipótese, está caracterizada a nulidade absoluta do acórdão por falta de fundamentação. De fato, a jurisprudência tem itido a chamada fundamentação per relationem, mas desde que o julgado faça referência concreta às peças que pretende encampar, transcrevendo delas partes que julgar interessantes para legitimar o raciocínio lógico que embasa a conclusão a que se quer chegar. Precedentes citados: HC 220.562-SP, Sexta Turma, DJe 25/2/2013; e HC 189.229-SP, Quinta Turma, DJe 17/12/2012. HC 214.049-SP, Rel. originário Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/2/2015, DJe 10/3/2015.”
200 “É que uma decisão só poderá ser reconhecida como precedente vinculante se for o resultado de um processo no qual se tenha observado, de forma plena, o plexo de garantias constitucionais do processo que se convencionou chamar de modelo constitucional de processo, especialmente no que diz respeito ao princípio do contraditório e, como seu corolário, o modelo comparticipativo de
processo.” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2018. p. 10. Seguindo a mesma toada: “se concede respeito ao precedente somente se ele for resultado de uma fundamentada e cuidadosa análise judicial baseada em um intenso contraditório exercido pelas partes.” T. FINE. O uso do precedente e o papel do princípio do stare decisis no sistema legal norteamericano. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, 2000. p. 92. v. 782. Vale citar, também: “[o] stare decisis, pela importância que concede ao precedente, garante que a aplicação deste só pode ocorrer se ele foi fruto de um intenso contraditório e se estiver fundamentado.” L. STRECK; G. ABBOUD. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 73.
201 G. NOGUEIRA. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiro. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 89-119. L. MARINONI. Precedentes obrigatórios. 3. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 188-210.
202 A. FLEXA; D. MACEDO; F. BASTOS. Novo Código de Processo Civil – Temas inéditos, mudanças e supressões. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 638.
203 “Naturalmente ciò non implica che il precedente debba critallizzarsi in una regola di giudizio fissa ed immutabile per ogni caso sucessivo.” (...) “Anche quando si tratta di precedenti di corti che stanno al vértice dell’ordinamento, non è mai esclusa la possibilità che um giudice sucessivo orienti diversamente la própria decisione. In questo caso, il problema principale non è che il precedente non venga seguito, ma la necessità che l’abbandono del precedente o il suo rovesciamento si fondino su ragioni sufficienti a giustificare l’abbandono della regola di decisione seguita fino a quel momento e la ‘incongruenza’ che così viene introdotta nel sistema.” M. TARUFFO. Legalità e giustificazione della creazione giudiziaria del diritto. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile. Torino, v. 55. n. 1. p. 11-31, mar. 2001.
204 “Destarte, ter poder para revogar seus precedentes não significa que a corte possa revogá-los a todo momento, como se lhe fosse permitido rever a tese jurídica em qualquer circunstância. Afinal, não há sentido em adotar uma teoria de precedentes se as decisões não forem respeitadas.” M. GALIO. Overruling – a superação do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 175. (Coleção Novo Código de Processo Civil 3).
205 “Portanto, a tarefa principal dos operadores do Direito é harmonizar essas duas premissas, tornando operativo o sistema que propugne pelo respeito aos precedentes dos tribunais superiores, mas também estabeleça mecanismos que possibilitem sua revisão. Certamente que tal possibilidade de revisão não pode ser ilimitada e nem desprovida de um rigoroso ônus argumentativo, para que não se reduza a zero a vinculação dos julgados.” (...) “Não é razoável e nem recomendável, sob a óptica da segurança jurídica, que seja desconsiderada toda a confiança que os precedentes proporcionam àqueles cidadãos que orientaram suas condutas e relações com base neles. Ora, o Estado, por meio do Judiciário, informa o cidadão sobre o conteúdo do Direito vigente e, tempos após, quando já estabelecidas diversas relações em observância a tais normas, o mesmo Estado altera o seu entendimento e aplica retroativamente a nova concepção que a a adotar.” P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: RT, 2015. p. 190. (Coleção o Novo Processo Civil).
206 “É preciso, pois, reconhecer que o sistema de vinculação a precedentes no common law, não obstante assegure estabilidade, não é rígido a ponto de tornar o Direito inflexível (...) Os ordenamentos jurídicos que se filiam à tradição jurídica do common law, portanto, adotam a técnica de vinculação aos precedentes (stare decisis), por meio da qual obtêm estabilidade e previsibilidade, mas não constituem sistemas jurídicos rígidos, inflexíveis ou infensos a modificações quando tal se faz necessário. É que o fato de a técnica do stare decisis não ser absoluta, conferindo “alguma certeza” no Direito, é a sua virtude primária.” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2017. p. 21-23. No mesmo sentido, vale mencionar: “As normas criadas pelo Judiciário, longe de restarem petrificadas ou eternizadas, estarão em constante adaptação aos novos
tempos e à evolução da dogmática e da teoria jurídicas. Ora, se o precedente serve para definir o horizonte da juridicidade, sem o qual o exercício da jurisdição não teria como ser coerente, não há como deixar de ver que o desenvolvimento da doutrina pode interferir sobre a linha do horizonte, podendo fazê-la recuar. Em outras palavras: a ausência de precedente com força obrigatória torna impossível a coerência das decisões judiciais – e, assim, do direito – mas a evolução da doutrina pode demonstrar que o precedente, cuja força dava coerência ao sistema e ao direito, deve ser revogado para permitir a constituição de uma coerência capaz de espelhar o novo ou, em outros termos, um horizonte redefinido. De modo que respeitar precedentes não significa absolutizar a estabilidade e a certeza da jurisprudência.” L. MARINONI. Precedentes obrigatórios. 3. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 192-193.
207 “O desenvolvimento dessa fundamentação não deve se ater ao precedente, tornando o juiz uma espécie de despachante jurídico; ao contrário, acredita-se, não se sabe se efetivar-se-á na prática forense, que o que a legislação quer alcançar é que a fundamentação seja completa, contextualizada jurídica – com a lei e com os precedentes – e faticamente, descrevendo e enfrentando os argumentos relevantes das partes do processo, até para o fim de não “reduzir o discurso do direito jurisprudencial a uma pauta de isonomia forçada a qualquer custo para geração de uma eficiência quantitativa”, e tendo-se em conta que os precedentes são o princípio e não fechamento do sistema, com o que “não podem ser formados com superficialidade e aplicados mecanicamente.” W. OLIVEIRA. Precedentes judiciais na istração pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 37.
208 “O advogado de common law tem possibilidade de aconselhar o jurisdicionado porque pode se valer dos precedentes, ao contrário daquele que atua no civil law, que é obrigado a advertir o seu cliente de determinada lei pode – conforme o juiz sorteado para analisar o caso – ser interpretado em seu favor ou não.” L. MARINONI. O precedente na dimensão da segurança jurídica. A força dos precedentes. Estudos dos cursos de mestrado e doutorado em direito processual civil da UFPR. Salvador: Juspodivm, 2010. p. 214.
209 Decisão: Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com pedido de medida liminar, tendo por objeto a Lei 11.277/2006, que acrescentou o art. 285-A ao Código de Processo Civil: “Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso”. Sustenta o requerente que a norma impugnada viola os incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal. Afirma que o dispositivo atacado restringe o direito de ação, pois “institui entre nós uma sentença vinculante impeditiva do curso do processo em primeiro grau” (fl. 5), além de violar os princípios da isonomia e da segurança jurídica, por permitir que ações que debatem o mesmo tema, se distribuídas a diferentes magistrados, sejam processadas de forma normal ou abreviada, de acordo com a existência, ou não, de sentença proferida sobre o tema, “cuja publicidade para os jurisdicionados que não forem partes naquele feito não existe” (fl. 6). Alega que a norma atenta contra o princípio do contraditório e do devido processo legal, uma vez que o juiz dá fim ao processo sem examinar as alegações do autor e do réu, e sem avaliar suas razões. Requer concessão da medida liminar, com dispensa da audiência prévia do Congresso Nacional e do Presidente da República, para determinar a suspensão da norma, cuja eficácia ensejaria a declaração de nulidade de milhares de atos e sentenças. A instrução do caso seguiu o rito previsto no art. 12 da Lei Federal 9.868, de 10 de novembro de 1999 (fl. 30). A Presidência da República prestou informações às fls. 37-72, aduzindo que o texto impugnado não viola os postulados constitucionais referidos na inicial. Entendeu que, não sendo o réu chamado à lide, não há sequer processo, apenas ação proposta e, por não ser estabelecida relação processual, não há falar em tratamento desigual das partes. Defende que “é como se a ação fosse indeferida de plano, situação de resto semelhante à prevista nos arts. 295 e 557 do C” (fl. 39) e que o direito de ação se encontra assegurado na prolação da sentença. Arguiu que a oportunidade de inovação argumentativa é limitada às questões jurídicas dirimidas pelo juízo e, portanto, que não há violação ao princípio do contraditório, até porque este se caracteriza por reação aos atos desfavoráveis à parte, e que, na situação prevista na norma, “não há motivos para se onerar o réu com os trâmites do processo quando, de plano, o juiz está convencido da improcedência do pleito” (fl. 65), encontrandose preservado o direito a recurso no caso de inconformidade do autor. Sustentou
que não há efeito vinculante atribuído à sentença, uma vez que o “o dispositivo apenas permite que o magistrado lance mão de entendimento já pacificado em juízo e prolatado em outras decisões, o que constitui prática comum no meio forense, principalmente no que concerne às decisões em controvérsias envolvendo apenas matéria de direito, caso em que os magistrados procuram sempre seguir a interpretação do ordenamento pacificada em juízo ou no tribunal, como ocorre geralmente nas decisões fundadas na jurisprudência ou em súmulas” (fl. 69). Argumentou, ainda, que a norma é destinada a racionalizar e otimizar a atividade judicial, trazendo-lhe celeridade e eficiência, em atenção ao art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República. O Ministério da Justiça manifestou-se às fls. 73-82, expondo que o objetivo da criação do dispositivo seria o de “simplificar o procedimento para o julgamento de demandas sem qualquer singularidade e cuja improcedência seja expressa e pacificada no juízo”, buscando-se “antecipar o resultado que seria obtido somente após o processamento da demanda, a citação do réu, dentre outros atos, para evitar o uso desnecessário da estrutura do Judiciário” (fl. 75). Desse modo, entendeu não haver violação aos princípios constitucionais, ressaltando, ainda, que o dispositivo não obriga o magistrado a proferir sentença conforme à prolatada em outro processo sobre a mesma matéria, tampouco a julgar a demanda de pronto, sendo descabida a afirmação de que fora atribuído efeito vinculante à sentença. O Instituto Brasileiro de Direito Processual requereu ingresso no feito na condição de amicus curiae (fls. 99-120). O Senado Federal apresentou informações às fls. 162-168, sustentando que “não há dúvida quando à constitucionalidade desses dispositivos, pois a aludida norma tem o condão de racionalizar a atividade jurisdicional, sendo que confere aos magistrados poderes necessários para decidir de forma rápida e definitiva os conflitos repetitivos, desde que os mesmos envolvam matéria exclusivamente de direito, sobre a qual já exista entendimento consolidado no mesmo juízo. Dessa forma, desonerando as partes injustamente demandadas e também a estrutura do próprio Poder Judiciário” (fl. 165). A Advocacia-Geral da União emitiu parecer às fls. 170-185, no qual ressaltou a atual necessidade de relativização de certos dogmas processuais excessivamente formalistas e arraigados em rígidas tradições garantísticas, em prol da celeridade, economia e instrumentalidade do processo, julgamento em prazo razoável, sem dilação injustificada, de forma a harmonizar os princípios constitucionais envolvidos, à luz do princípio da proporcionalidade. Alegou não haver lesão ao direito de defesa, uma vez que a sentença liminar apenas será aplicada, se totalmente favorável ao réu. Sustentou a inexistência de sentença vinculante, pois a regra tem incidência limitada “àqueles processos (i) repetitivos, (ii) com tese jurídica idêntica, (iii) que não
careçam de dilação probatória, (iv) nos quais já se conheça, de antemão, a posição do juízo e da jurisprudência a respeito” (fl. 179). Afirmou não haver afronta ao princípio da isonomia, nem ao da segurança jurídica, porque o dispositivo garante maior previsibilidade e estabilidade das decisões judiciais. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se às fls. 187-193 pela improcedência, por não vislumbrar ofensa aos princípios da Carta da República. Mencionou que o dispositivo confere diferente tratamento a situações diferentes, o que se coaduna com o postulado da isonomia e fortalece a segurança jurídica ao fornecer maior previsibilidade das sentenças. Ressaltou não haver prejuízo ao réu, ante a sentença de improcedência do pedido, sendo prevista a possibilidade de retratação do juiz no caso de apelação do autor. Entendeu que a norma atendeu devidamente ao princípio da razoável duração do processo, introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004. Em 9/4/2014, oficiando na relatoria do caso, o saudoso Min. Teori Zavascki decidiu a respeito de pedidos de habilitação formulados nos autos, indeferindo aquele formulado por José Augusto de Castro, e deferindo aquele de autoria do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Em 22/3/2017, foi operada a substituição da relatoria, vindo os autos conclusos a mim. É o relatório. A ação está destituída das condições necessárias ao seu prosseguimento. Com a promulgação da Lei 13.105, de 16 de março de 2015, que concebeu o novo Código de Processo Civil, os atos normativos impugnados nesta causa foram expressamente revogados (art. 1.046, caput, do C/2015). A jurisdição constitucional abstrata brasileira não ite o ajuizamento ou a continuidade de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha se exaurido, independentemente do fato de terem produzido efeitos concretos residuais (ADI 709, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 20/6/1994, ADI 3885, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe de 28/6/2013; ADI 2971 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 13/2/2015; ADI 5159, Relª. Minª. Cármem Lúcia, DJe de 16/2/2016; e ADI 3408 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 15/2/2017), sob pena de transformação da jurisdição constitucional em instrumento processual de proteção de situações jurídicas pessoais e concretas (ADI 649-5/RN, Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 23/9/1994; ADI 870/DF – QO, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 20/8/1993). Nas hipóteses de revogação do ato impugnado, antes do julgamento final da ação, ocorrerá a prejudicialidade desta, por perda do objeto, (ADI QO 748-3/RS, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15/10/2006). Verificada a revogação, caberia ao requerente o ônus de apresentar eventual pedido de aditamento, na hipótese de entender subsistentes, no ato normativo revogador, as inconstitucionalidades alegadas originalmente. Ocorre, porém, que, mesmo com a notoriedade conferida à promulgação do C/2015 e do considerável lapso de
tempo transcorrido desde sua entrada em vigor, não houve registro de qualquer providência nesse sentido. Ante o exposto, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, com base nos arts. 21, IX, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e 485, VI, do Código de Processo Civil de 2015. Publique-se. Intime-se. Brasília, 12 de maio de 2017. Ministro Alexandre de Moraes Relator (ADI 3695, Relator(a): Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/05/2017, publicado em DJe-103 divulgado 17/05/2017 publicado 18/05/2017).
210 “Somente a falta de compreensão da função normativa da decisão judicial, o preconceito de que o direito apenas consta de normas gerais, a ignorância da norma jurídica individual, obscureceu o fato de que a decisão judicial é tão só a continuação do processo de criação jurídica e conduziu ao erro de ver nela apenas a função declarativa.” H. KELSEN. Teoria pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 260263.
211 “Trata-se da superação da teoria declaratória da jurisdição pela teoria reconstrutiva da jurisdição, em que se reconhece que hoje a função jurisdicional colabora com a função legislativa para o desenvolvimento do Direito.” W. OLIVEIRA. Precedentes judiciais na istração Pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 132.
212 F. DIDIER JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 153. v. 1.
213 “a tensão entre facticidade e validade manifesta-se na jurisdição como tensão entre segurança jurídica e correção da decisão judicial (pretensão de tomar decisões certas). Estes dois critérios – segurança e correção – essenciais para preencher a função socialmente integradora da ordem jurídica e da pretensão de legitimidade do direito, são buscados, na aplicação do direito, por três teorias sobre a racionalidade da jurisdição, a saber: (a) hermenêutica da
jurisdição; (b) realismo; (c) positivismo jurídico.” J. HABERMAS. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Tradução de Flávio Beno Siebeneicher. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 246. v. II.
214 “é a jurisdição que controla a tensão entre a legitimidade e a positividade do direito e, para tanto, deve existir no exercício jurisdicional (na aplicação do direito), isto é, na solução do problema da decisão correta e consistente, a harmonização dos elementos de uma teoria da argumentação jurídica com as restrições impostas pela realidade.” (...) “a jurisdição, ao levar em conta aspectos da aplicação, torna a desatar o feixe dos diferentes tipos de argumentos introduzidos no processo de normatização, fornecendo uma base racional para as pretensões do direito vigente.” J. HABERMAS. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Tradução de Flávio Beno Siebeneicher. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 352. v. II.
215 “Em qualquer sistema jurídico um precedente judicial somente poderá constituir um padrão para desenvolver casos futuros caso seja possível dele extrair uma regra universal à qual os fatos futuros possam e devem ser subsumidos sempre que se repetirem as condições presentes na hipótese de incidência (fattispecie) de tal regra jurídica.” (...) “A reconstrução da ratio decidendi – isto é, das regras adscritas que têm força de precedente – deve ser, portanto, uma elucidação das premissas normativas tomadas como etapas de justificação de uma decisão judicial.” T. BUSTAMANTE. Teoria do precedente judicial. A justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. p. 113 e 277.
216 “É preciso deixar-se de lado a cínica concepção de que o juiz do civil law não cria direito. Cria, e isso é inevitável. E o faz ao interpretar conceito vago, ao reconhecer situações que se encaixam em cláusula geral ou ao decidir com base em princípios, na ausência de previsão legal expressa. Mas esta liberdade é do Judiciário e não do juiz. Fixada a regra, não pode ser desrespeitada, devendo ser aplicada a todos os casos iguais, sob pena de afrontar o princípio da isonomia.” T. WAMBIER. A uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o estado de
direito – Civil Law e common law. Revista Jurídica. Porto Alegre, n. 384, p. 5362, out. 2009.
217 “As disposições, os enunciados, os textos, nada dizem. am a dizer algo apenas quando efetivamente convertidos em normas (isto é, quando – através e mediante a interpretação – sejam transformados em normas). Por isso, as normas resultam da interpretação, e podemos dizer que elas, enquanto disposições, nada dizem: elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem.” E. GRAU. O direito posto e o direito pressuposto. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 39.
218 “demonstração bastante evidente do que aqui se afirma está no fato de que, não raras vezes, o Poder Legislativo se utiliza de densificações normativas já realizadas pelo Poder Judiciário, no intuito de outorgar uma legislação mais completa possível. Ou seja, os tribunais interpretam a lei e, por meio do precedente judicial, avança-se no processo de concretização do Direito, utilizando-se o Legislativo de tais parâmetros exegéticos para completar os estatutos legais.” P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: RT, 2015. p. 161. (Coleção o Novo Processo Civil).
219 “Agora, se a tese adotada for a concretista, a coisa julgada irá se revestir de certa transitoriedade, pois o Poder Judiciário, conforme aqui explicitado, não vai apenas declarar a mora, mas também poderá suprí-la preenchendo a omissão legislativa. Obviamente, essa colmatação (integração) será limitada temporalmente até a atuação do legislador, que irá regular a norma constitucional carente de complementação”. B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: GEN, 2017. p. 527-528.
220 MI 2.859-ED, rel. Min. Rosa Weber, j. 19.6.2013, Plenário, DJe de 13.8.2013.
221 “A lei prevê ainda a chamada coisa julgada secundum eventum probationis, pois o indeferimento do pedido por insuficiência de prova não impede a renovação da impetração fundada em outros elementos probatórios”. P. LENZA. Direito Constitucional esquematizado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1271.
222 Adotada pelo STF nos seguintes julgados: MI 712, rel. Min. Eros Grau; MI 708, rel. Min. Gilmar Mendes e MI 670, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 25.10.2007
223 “(…) nesta, a sentença do mandado de injunção produz a norma para o caso concreto com natureza constitutiva inter partes, viabilizando o direito de forma imediata à luz da própria exegese do art. 5º, LXXI, da CR/88, que preleciona a concessão da injunção justamente para viabilizar direitos inviabilizados por falta de norma regulamentadora de norma constitucional, ocorrendo, portanto, uma “atividade integradora do Poder Judiciário”. B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 518.
224 Adotada pelo STF nos seguintes julgados: MI 758, rel. Min. Marco Aurélio, j. 1.07.2008, Dje 26.09.2008; MI 1616, rel. Min. Celso de Mello, j. 04.11.2009, Dje 11.11.2009.
225 Adotada durante certo período pelo STF: MI 232-1/RJ.
226 M. FILHO. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 456.
227 Adotada durante certo período pelo STF MI 107/DF. Foi encampada no art. 12-H da Lei 12.063/2009, que regulamenta o processo e julgamento da ADI por
omissão.
228 “Sempre haverá margem de interpretação judicial e, quando esta for realizada, estar-se-á simplesmente dando mais um o na concretização do ordenamento jurídico, criando o Direito vigente e, sobretudo, informando os jurisdicionados sobre a ordem normativa que rege as relações sociais.” J. BRUTAU. A jurisprudência como fonte do Direito. Tradução de Lenine Nequete. Porto Alegre: Ajuris, 1977. p. 36.
229 “note-se que, nesses casos, diante da inexistência de univocidade do enunciado prescritivo, é possível, dentro da moldura legislativa, alcançar mais de um resultado, consistindo papel do Judiciário dizer qual é a melhor interpretação, qual o resultado que mais se afina com a teleologia legal e com os direitos e garantias constitucionais.” P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuadvinicio. São Paulo: RT, 2015. p. 160. (Coleção o Novo Processo Civil).
230 R. CROSS; J. HARRIS. Precedent in English Law, 4. Ed. Oxford: Clarendon Press, 1991. p. 72; H. ZANETI JÚNIOR. O valor vinculante dos precedents: Teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 309-310.
231 “As decisões judiciais são comandos que resolvem conflitos de interesses. É possível afirmar que todo precedente judicial decorre de uma decisão judicial pretérita, mas não é qualquer decisão que constitui precedente. Somente será considerada como precedente a decisão judicial que tiver o potencial de servir como paradigma para os casos futuros.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 43.
232 “À luz do C/2015, a expressão ganha sentido distinto, embora não exista
definição precisa do que seria precedente, à luz dos dispositivos que usam a expressão, “no C/2015. No 489, § 1.º, incisos V e VI, o precedente é colocado ao lado de súmula e de jurisprudência, o que revela não haver identidade entre essas figuras. No § 2.º do art. 926 do C/2015, dispõe o C/2015 que os precedentes poderão ensejar a edição de súmula, o que revela que, por precedente, está-se diante de algo que pode surgir com uma decisão. No art. 927, o C/2015 refere-se a súmula, jurisprudência (pacificada ou dominante) e a tese adotada, que, segundo pensamos, deve identificar-se com aquilo que se convencionou chamar de ratio decidendi. O § 5.º do art. 927 transmite a impressão de que precedente estaria sendo empregado em sentido latíssimo, para abranger julgados e súmulas (preferimos, no entanto, afastar esse modo de interpretar o dispositivo, pois em nada contribui para deixar mais claro o tema) . O art. 988, IV, do C/2015 indica que o precedente é proferido no julgamento de caso repetitivo, algo que, segundo pensamos, deve ser empregado ao se ler o art. 1042,§1.º, II do C/2015. Deve-se, à luz dos dispositivos referidos, buscar definição que ajuste-se funcionalmente aos objetivos traçados pelo art. 926, caput, do C/2015, no sentido de propiciar a consecução de uma jurisprudência íntegra, isso é, estável e coerente.” J. MEDINA. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT. 2015. p. 1247.
233 C. CIMARDI. A Jurisprudência uniforme e os precedentes no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. São Paulo RT. 2015. p. 131-147. (Coleção Liebman). “O precedente não é um conceito de uso exclusivo ou mesmo criação da common Law. Decisões judiciais e jurisprudências sempre foram utilizadas como argumento de autoridade para fundamentar e convencer os destinatários do discurso judicial também na civil Law. (...) O precedente judicial, de maneira simplificada, pode ser conceituado como uma decisão pretérita utilizada como forma de subsidiar a decisão presente. Também se entende precedente como um discurso de fundamentação e de justificação.” W. OLIVEIRA. Precedentes judiciais na istração pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: Juspodivm, 2016. p.46.
234 “Seria possível pensar que toda decisão judicial é um precedente. Contudo, ambos não se confundem, só havendo sentido falar de precedente quando se tem uma decisão dotada de determinadas características, basicamente a
potencialidade de se firmar como paradigma para orientação dos jurisdicionados e dos magistrados. (...) Portanto, uma decisão pode não ter os caracteres necessários à configuração de precedente, por não tratar de questão de direito ou se limitar a afirmar a letra da lei, como pode estar apenar reafirmando o precedente. Outrossim, um precedente requer a análise dos principais argumentos pertinentes à questão de direito, além de poder necessitar de inúmeras decisões para ser definitivamente delineado. (...) Em suma, é possível dizer que o precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delinea, deixando-a cristalina.” L. MARINONI. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 309-310.
235 L. MARINONI; S. ARENHART; D. MITIDIERO. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 976.
236 G. AMARAL. Comentários às alterações do novo C. São Paulo: RT, 2015. p. 947. Este autor ressalta, contudo, [...] que nem sempre uma decisão de tribunal superior ou de tribunal local nos incidentes referidos acima constituirá, no entanto, precedente, pois nem sempre será possível extrair-se uma razão generalizável de aplicação a outros casos concretos.”
237 A. CÂMARA. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016. p. 425. Este autor afirma, ainda, “Dito de outro modo, sempre que um órgão jurisdicional, ao proferir uma decisão, parte de outra decisão, proferida em outro processo, empregando-a como base, a decisão anteriormente prolatada terá sido um precedente.” [...] “Deve-se destacar, aqui, que nem toda decisão judicial é precedente (mesmo que não vinculante) . Só são assim consideradas aquelas decisões em que é possível estabelecer um fundamento determinante que será observado, posteriormente, com caráter vinculante ou meramente persuasivo, na formação da decisão a ser proferida em um caso subsequente.” F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 441. v. 2. K. LARENZ. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução de José, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 611: “Os “precedentes”são resoluções em que a mesma questão jurídica, sobre
a qual há que decidir novamente, foi já resolvida uma vez por tribunal noutro caso. Vale como precedente, não a resolução do caso concreto que adquiriu força jurídica, mas só a resposta dada pelo tribunal, no quadro da fundamentação da sentença, a uma questão jurídica que se põe da mesma maneira no caso a resolver agora.” J. MEDINA. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 1247. “[...] Tomando de empréstimo essa explicação, podemos concluir que, se um precedente judicial é uma decisão judicial, o que o torna precedente é o seu potencial para servir de regra para decisões judiciais de casos futuros envolvendo fatos ou questões jurídicas idênticas ou similares.” [...] “Se é certo que o precedente é uma decisão, não menos correto é dizer que nem toda decisão judicial é um precedente.”[...] “Um precedente judicial, portanto, é uma decisão estabelecida em um caso jurídico anterior que seja vinculante ou persuasiva para o mesmo órgão judicial ou para outro ao decidir casos subsequentes com questões jurídicas ou fatos similares.”
238 “Aliás, quando a decisão judicial se limita a aplicar o texto legal na solução do caso concreto, sem qualquer consideração relevante interpretativa, a força vinculante decorre da própria lei, e não da decisão judicial.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 44.
239 “Os precedentes são as decisões judiciais que enunciam regras ou princípios jurídicos que devem ser respeitados em casos futuros. Não configura precedente judicial vinculante a decisão judicial que simplesmente aplica precedente ou o texto literal da lei, por meio de subsunção, para solução do caso concreto, sem qualquer acréscimo relevante interpretativo ao texto legal.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 43.
240 Assim entendido como um vetor para a solução de casos futuros.
241 F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 441. v. 2.
242 L. MACÊDO. Precedentes Judiciais e o Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 140.
243 B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Editora Juspodivm: Salvador, 2017. p. 620.
244 “O precedente, assim, terá dois níveis de análise: em um primeiro momento, o precedente á uma decisão de um Tribunal com aptidão a ser reproduzidaseguida pelos tribunais inferiores, entretanto, sua condição de precedente dependerá de ele ser efetivamente seguido na resolução de casos análogossimilares. Ou seja, não há uma distinção estrutural entre uma decisão isolada e as demais decisões que lhe devem obediência hermenêutica.” L. STRECK; G. ABBOUD. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015. p. 90.
245 Enunciado n. 315 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
246 Enunciado n. 327 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Os precedentes vinculantes podem ter por objeto questão de direito material ou processual.”
247 M.TARUFFO. Dimensioni del precedente guidiziario. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giufrè, n. 2, a. XLVIII, p. 411-430, 1994. M.TARUFFO. Precedente e giurisprudenza. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè, n. 3, a. 61, set. 2007.
248 M.TARUFFO. Dimensioni del precedente guidiziario. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giufrè, n. 2, a. XLVIII, p. 411-430, 1994. M.TARUFFO. Precedente e giurisprudenza. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè, n. 3, a. 61, set. 2007.
249 M. TARUFFO. Dimensioni del precedente guidiziario. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giufrè, n. 2, a. XLVIII, p. 411-430, 1994. M.TARUFFO. Precedente e giurisprudenza. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè, n. 3, a. 61, set. 2007.
250 R. LOPES. Uniformização da jurisprudência. Revista Forense. p. 390 e 572573.
251 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 45.
252 L. STRECK. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 83.
253 “O precedente pode ser constituído apenas a partir de uma decisão que lhe seja subjacente (e.g., Marbury vs. Madison). Outrossim, o precedente fornece regra jurídica universalizável que a a ser utilizada como critério de decisão. A jurisprudência, por sua vez, necessita de série reiterada de decisões para ser caracterizada, e a análise da questão fática dos casos que ela solucionará é menos rigorosa e precisa que a aplicação do precedente.” L. STRECK; G. ABBOUD. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015, p. 107.
254 “Para definirmos, inclusive, o que é jurisprudência não nos basta o critério quantitativo, pois é necessário que esse conjunto de decisões seja harmônico e que verse sobre determinado tema. Conquanto harmônico, para que um conjunto de decisões seja considerado jurisprudência é necessário o transcurso do tempo.” J. MEDINA. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 1247. No mesmo sentido, B. MENDES. Precedentes judiciais vinculantes: a eficácia dos motivos determinantes da decisão na cultura jurídica. Curitiba: Juruá, 2014. p.57; E. MEIRELES. A jurisprudência e as decisões judiciais; critérios de escolha da jurisprudência. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JUNIOR, Nelson. Aspectos Polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 901. E. MEURER JUNIOR. Súmula Vinculante no C/2015. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 75 (Coleção Novo Código de Processo Civil 4), in verbis: “Da mesma forma, não se deve confundir jurisprudência (reiteradas decisões) com precedente judicial, apesar de terem a mesma fonte (decisão judicial), a relevante distinção se funda, em especial, no qualificativo dado ao precedente enquanto a decisão paradigmática é o que deve influenciar outros casos. Essa é a razão porque o precedente, para constituir jurisprudência, deve ser uniforme e constante, tendo em vista que uma decisão isolada, logicamente, não constitui jurisprudência.
255 M. TARUFFO. Precedente e giurisprudenza. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano: Giuffrè, n. 3, a. 61, p. 797 e ss., 2007.
256 “Costuma-se apontar, também, uma diferença qualitativa: enquanto o precedente fornece uma regra universalizável que pode ser aplicada como um critério para a decisão em casos futuros, em razão da identidade ou da analogia entre os fatos do primeiro caso e dos casos posteriores, a utilização da jurisprudência, em regra, não envolve análise comparativa, ao menos detalhada, dos fatos, limitando-se à formulação de proposições objetivas que têm como objeto regras jurídicas, semelhantes às leis.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 45.
257 “Tem prevalecido, na teoria e na prática brasileira, a ideia de que jurisprudência, em sentido , reflete o conjunto de decisões judiciais que decidem, de forma reiterada e uniforme, casos semelhantes no mesmo sentido.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 45.
258 “[...] Já falar de jurisprudência é falar de um grande número de decisões judiciais, que estabelecem uma linha constante de decisões a respeito de certa matéria, permitindo que se compreenda o modo como os tribunais interpretam determinada norma jurídica”[...] “ Evidentemente, porém, há ligação entre o conceito de precedente e o de jurisprudência. Afinal, a identificação de uma linha de jurisprud6encia constante se faz a partir do exame de um conjunto de decisões judiciais, e cada uma destas decisões poderá ser considerada, quando analisada individualmente, um precedente. Impõe-se, porém, ter claro que falar de precedente é falar de uma decisão determinada, a qual serve de base para a formação de outra decisão, proferida em processo posteriormente julgado. De outro lado, falar de jurisprudência é falar de conjunto de decisões formadoras de uma linha constante de entendimento acerca de determinado tema.” A. CÂMARA. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 426.
259 “Por fim, muito embora se possa genericamente falar de jurisprudência dos tribunais superiores ou dos tribunais locais, a jurisprudência vinculante (vide art.927) é aquela que emana da atividade dos tribunais locais (Cortes de Justiça) , e identifica-se sempre que, de acórdão prolatado em incidente de resolução de demandas repetitivas se puder extrair, tal qual nos precedentes, ratio decidendi generalizável e, assim, ível de aplicação a outros casos concretos. Contudo, e conforme referimos anteriormente, chamaremos doravante de precedente também a jurisprudência vinculante oriunda dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência.” G. AMARAL. Comentários às alterações do novo C. São Paulo: RT, 2015. p. 947.
260 “Pois tal enunciado é um extrato do quanto foi decidido em casos nos quais esta questão foi expressamente enfrentada e resolvida por aquele Tribunal
Superior. Perceba-se que na súmula da jurisprudência dominante do tribunal não se deve indicar apenas o enunciado, mas também as decisões em que tal matéria foi enfrentada e decidida, o que permite o conhecimento das circunstâncias que levaram à formação daquele entendimento e os fundamentos que lhe servem de base.” A. CÂMARA. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 426.
261 “Assim, a súmula é o enunciado normativo (texto) da ratio decidendi (norma geral) de uma jurisprudência dominante, que é a reiteração de um precedente.”[...] “Vê-se, então, que o enunciado da súmula é, por assim dizer, o texto que cristaliza a norma geral extraída, à luz de casos concretos, de outros texto (o texto legal, em sentido amplo)”. F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLI- VEIRA. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: Juspodivm, 2009. p. 487. v. 2.
262 J. MEDINA. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 1244.
263 “Sobre a jurisprudência, Rodolfo de Camargo Mancuso (2014, p. 135-136) constrói uma pirâmide escalonada em que, da base para o topo, se encontram: (i) certos acórdãos, mesmo isolados ou até minoritários, que am a ser invocados em abono de teses jurídicas e se tornam “verdadeiros marcos regulatórios em certas questões”; (ii) acórdãos de julgamentos de recurso extraordinário e especial repetitivos, decisões plenárias do STF de grande influência social, política, econômica e jurídica, acórdãos proferidos em questões de ordem pelo pleno ou órgão especial dos tribunais, os acórdãos oriundos do incidentes de assunção de competência e a posição adotada pelo STJ no pedido de uniformização da interpretação do direito federal, relativas às Turmas de Uniformização dos Juizados Especiais; (iii) acórdãos expedidos em um razoável tempo e de modo uniforme, “ assim configurando o sentido básico da jurisprudência”; (iv) jurisprudência dominante, assim entendida os acórdãos do terceiro degrau, qualificados pela preservação firme e constante em número importante de casos (inclui o autor também a jurisprudência pacífica); (v)
súmulas, simples ou persuasiva; (vi) súmulas vinculantes.” W. OLIVEIRA. Precedentes judiciais na istração pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 135.
264 F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 487. v. 2.
265 “Os precedentes judiciais brasileiros também podem ser vistos, especialmente, como uma técnica de julgamento, tanto pelos juízes, quanto pelos tribunais, na busca de uniformização do entendimento jurisprudencial.” (...) “Nesses termos, se entende o conceito brasileiro de precedentes como técnica de julgamento, porque há fixação do modo de agir da magistratura. O art. 927 do Código de Processo Civil de 2015 assim dispõe, ao descrever a obrigatoriedade de observância dos precedentes elencados, o que, de fato, nada mais é do que exigir nos julgamentos que a técnica – o respeito aos precedentes – seja seguida.” W. OLIVEIRA. Precedentes judiciais na istração pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 140.
266 “Por se entender os precedentes judiciais também como uma técnica de julgamento e, por se estar inserido juridicamente na tradição do civil Law, o procedimento, para sua aplicação, percorre um caminho, assim disposto: primeiro, legislativo, de implementação no sistema jurídico nacional de quais decisões judiciais podem ser vinculantes; segundo, de disciplinamento operacional, com delimitação nas leis processuais da influência e modos de aplicabilidade, inaplicabilidade, supressão e formas de controle em caso de descumprimento; terceiro, de adoção na jurisdição por seus participantes, sejam os juízes e tribunais – quando acatam, ou não, os precedentes em suas fundamentações -, sejam os procuradores (advogados, promotores e defensores públicos), ao manejarem suas peças processuais, norteando-se pelos precedentes para subsidiar a tese que entendem adequada para a procedência do pedido.” OLIVEIRA, Weber Luiz de. Precedentes judiciais na istração pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: Juspodivm, 2016, p.74. No mesmo sentido do texto, vale mencionar: “são dois os de conjuntos técnicas
processuais cada vez mais presentes no dia a dia dos tribunais, em função desta crescente valorização dos precedentes: as técnicas de uniformização da jurisprudência, isto é, procedimentos voltados à discussão e formalização do entendimento dominante em determinado tribunal, e as técnicas de aceleração procedimental legitimadas a partir desta prévia uniformização da jurisprudência.” F. MONNERAT. A jurisprudência uniformizada como estratégia de aceleração do procedimento, In: Direito Jurisprudencial. Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2012. p. 343-344.
267 “Voltando aos tribunais superiores, deve-se consignar que não é qualquer decisão de tais Cortes que já pode ser considerada precedente, mas apenas aquela que realmente reflita o entendimento dos seus membros, seja porque proferida pelo órgão responsável em uniformizar o tema dentro do tribunal, seja porque todos os órgãos que decidem sobre o tema perfilham o mesmo entendimento.” P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: RT, 2015. p. 176. (Coleção o Novo Processo Civil)
268 No mesmo sentido: A. SAMPAIO. Do respeito aos precedentes judiciais. Coleção Jornada de Estudos ESMAF. Brasília, v. 2, p. 23-27, abr. 2010.
269 “Esse nível de definição será alcançado quando o tribunal de cúpula proferir a sua decisão, por três razões principais: i. porque será o último a decidir; ii. porque todas as causas podem buscar esta interpretação; iii. e fundamentalmente porque a Constituição Federal conferiu-lhe a função de órgão vocacionado a conferir unidade ao Direito. Desta forma, só se tem um precedente quando o STJ se pronunciar sobre a interpretação da legislação federal e o STF sobre a Constituição. Apenas nesse momento, tem-se uma precisa definição e orientação ao Poder Judiciário e à sociedade sobre o conteúdo do Direito vigente que deve ser observado e deve reger as relações sociais.” R. CRAMER. Precedentes Judiciais: Teoria e Dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 176.
270 “Por outro lado, nos países que adotam o sistema de unidade de jurisdição, com a consagração do princípio da inafastabilidade de controle jurisdicional, tal como ocorre no Brasil (art. 5º, XXXV, da CRFB), as diferenças entre os processos istrativos e os judiciais são marcantes, mas esse fator não impede a adoção da teoria dos precedentes istrativos com as necessárias adaptações.”(...) “Em razão disso, não se pode itir a aplicação automática da teoria anglo-saxônica dos precedentes judiciais ou da teoria dos precedentes istrativos, elaborada em países que adotam o sistema do contencioso istrativo, ao ordenamento jurídico brasileiro.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 99.
271 “A margem de liberdade conferida pela lei ao público para fazer escolhas dentro dos limites fixados pela moldura legal seria limitada pelas decisões istrativas proferidas em casos semelhantes, garantindo-se, destarte, a efetividade dos princípios da igualdade, da segurança jurídica, da boafé, da proteção da confiança legítima, entre outros princípios.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 112.
272 J. ORTIZ DÍAZ. El precedente istrativo. Revista de istración Pública (RAP). Madrid, n. 24, p. 85-94, sep./dic. 1957.
273 “Com efeito, o exercício de competências istrativas, em maior ou menor medida, sempre envolverá alguma margem de liberdade para interpretações por parte dos agentes públicos. A impossibilidade de previsão no texto normativo de todos os aspectos envolvidos na atuação concreta da istração Pública acarreta, necessariamente, espaços de liberdade, que variam de intensidade, para os agentes públicos que são responsáveis pela interpretação e aplicação do Direito istrativo.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 113. No mesmo sentido, pode ser citado: L.DIÉZ-PICAZO. La doctrina del precedente istrativo. Revista de istración Pública (RAP). Madrid, n. 98, p. 28-30, may./ago. 1982.
274 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 95.
275 “El precedente istrativo es, por tanto, aquella actuación ada de la istración que, de algún modo, condiciona sus actuaciones presentes exigiéndoles un contenido similar para casos similares.” L.DÍEZ- PICAZO. La doctrine del precedente istrativo. Revista de istración Pública (RAP). Madrid, n. 98, p. 7, may./ago. 1982.
276 “la norma de derecho objetivo inducida de dos decisiones al menos de la istración activa, em el ejercicio de sus facultades discrecionales, vinculante para el ante supuestos idênticos, excepto lo casos en que razones de oportunidade y conveniência derivadas de la valoración de interés público exigen trato de desiguldad de los istrados ante la istración.” J. ORTIZ DÍAZ. El precedente istrativo. Revista de istración Pública (RAP). Madrid, n. 24, p. 102, sep./dic. 1957.
277 R. OLIVEIRA. Dever de coerência na istração Pública: precedentes istrativos, praxe istrativa, costumes, teoria dos próprios e analogia. In: WALD, Arnoldo; JUSTEN FILHO, Marçal; PEREIRA, Cesar (org.). O Direito istrativo na atualidade – estudos em homenagem a Hely Lopes Meirelles. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 955-973.
278 J.ORTIZ DÍAZ. El precedente istrativo. Revista de istración Pública (RAP). Madrid, n. 24, p. 103, sep./dic. 1957. “Nesse contexto, as ponderações e as interpretações empreendidas pela istração Pública em casos semelhantes não podem ser contraditórias entre si, sob pena de violação aos primados do Estado Democrático de Direito.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 96 e 99. P. LOPES. Princípio da boa-fé e decisão istrativa. Coimbra: Almedina, 2011. p. 328.
J. SANTOFIMIO GAMBOA. La fuerza de los precedentes istrativos em el sistema jurídico del derecho positivo colombiano. Revista de Derecho de la Universidad de Montevideo, v. 10, n. 20, p. 152, 2011.
279 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 99; J. ORTIZ DÍAZ. La doctrina del precedente istrativo. Revista de istración Pública (RAP). Madrid, n. 98, p. 43, may./ago. 1982.
280 “No contexto do Estado Democrático de Direito, a istração Pública está subordinada não apenas às leis, mas também aos princípios jurídicos, naquilo que se convencionou denominar de princípio da juridicidade.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 101.
281 R.OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 96.
282 “Do outro lado, conforme já mencionado, há autores que sustentam que a própria istração Pública tem a prerrogativa de produzir decisões que vincularão não apenas os particulares (heterovinculação), mas a própria istração (autovinculação), inserindo-se, nesta última hipótese, a prática (ou praxe) e os precedentes istrativos como fontes do Direito istrativo.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 109. Vide: P. OTERO. Legalidade e istração Pública: o sentido da vinculação istrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003. p. 397-398; J. CASSAGNE. Derecho istrativo. 8. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2006. p. 208. t.1; L. PAREJO ALFONSO. Derecho istrativo. Barcelona: Ariel, 2003. p. 351-352; J. CRETELLA JUNIOR. Curso de Direito istrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 52; D. MOREIRA NETO. Curso de Direito istrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 72-73; A. ARAGÃO. Curso de Direito istrativo. Rio de
Janeiro: Forense, 2012. p. 46.
283 “De um lado, parcela da doutrina, a partir da interpretação tradicional do princípio da legalidade, entende que os precedentes istrativos não devem ser enquadrados como fontes, uma vez que a istração, ao editar seus atos istrativos, nada mais faz do que cumprir a lei, sem inovar na ordem jurídica. Por essa razão, a lei, mas não os precedentes, seria fonte do direito istrativo.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 109. Vide: L. DIÉZ- PICAZO. La doctrina del precedente istrativo. Revista de istración Pública (RAP). Madrid, n. 98, p. 44-45, may./ago. 1982; D. GASPARINI. Direito istrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 27-32.
284 R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 87.
285 A doutrina sustenta a existência, em nosso sistema jurídico processual, de um verdadeiro microssistema da resolução das questões repetitivas. Trata-se de tema de extrema relevância, pois é uma hipótese de microssistema inserido em uma codificação. Normalmente os microssistemas são encontrados em leis esparsas. Há outros microssistemas dentro do C, tais como: dos precedentes e da resolução antecipada.
286 “Podemos sintetizar, esclarecendo que, no processo-modelo (também chamado de causa-modelo), há somente uma tese, não nenhum caso a ser julgado; já, no processo-piloto (causa-piloto), temos, além da tese, o julgamento simultâneo de um caso concreto. O Brasil adotou posição mista no julgamento dos casos repetitivos, utilizando para isto o julgamento de um processo-piloto como regra, conforme afere-se no art. 98, par. Único, somado ao art. 1040, III, e o julgamento de um processo-modelo, no caso de desistência do recurso afetado (art. 976, § 1º). Nesta hipótese de desistência o tribunal poderá, ainda, afetar novos recursos para julgamento.” G. ARGENTA; M. ROSADO. Do processo
coletivo das ações coletivas ao processo coletivo dos casos repetitivos: modelos de tutela coletiva no ordenamento brasileiro. Revista eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro. Ano 11. Volume 18. Número 1. Janeiro a abril de 2017. No mesmo sentido, podemos citar: “A causa-piloto caracteriza-se por uma unidade de processo e julgamento, pelo qual o órgão decisor conhece e julga não apenas a questão comum, mas também todas as demais questões, resolvendo o caso por completo.” A. CABRAL. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. In: CABRAL, Antonio do o; CRAMER, Ronaldo (coord.). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016 e “Entendo que o IRDR é um sistema inovador, já que não adotou plenamente nenhum dos sistemas conhecidos no direito estrangeiro. Julgará o recurso ou ação e fixará a tese jurídica. Parece ser o sistema de causas-piloto, mas não é, porque exige a formação de um incidente processual, não sendo, portanto, a tese fixada na “causa-piloto”. E não é um procedimento-modelo porque o processo ou recurso do qual foi instaurado o IRDR é julgado pelo próprio órgão competente para o julgamento do incidente. Um sistema, portanto, brasileiríssimo.” D. NEVES. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1117.
287 S. TEMER. Incidente de Resolução de Demanda Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 69. Esta posição refere-se expressamente ao IRDR.
288 “Esse órgão colegiado, competente para fixar o padrão decisório através do IRDR, não se limitará a estabelecer a tese. A ele competirá, também, julgar o caso concreto (recurso, remessa necessária ou processo de competência originária do tribunal), nos termos do art. 978, parágrafo único. Daí a razão pela qual se tem, aqui, falado que o processo em que se instaura o incidente funciona como verdadeira causa-piloto.” A. CÂMARA. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p.416. No mesmo sentido, vale mencionar: “Quanto ao IRDR, cumpre observar o disposto no parágrafo único do art. 978, segundo o qual ‘o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente’. Já se percebe que o tribunal, no IRDR, julga a causa e fixa o entendimento a ser aplicável aos demais casos repetitivos. Trata-se, então, também, de uma causa-piloto, e não de uma causa-
modelo.” F. DIDIER JÚNIOR; L. CUNHA. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 594.
289 “O segundo pressuposto é ser um julgado que, a partir da interpretação da lei (sempre com base na lei), criou uma norma jurídica inédita, que não havia sido concebida antes, que servirá de parâmetro decisório, persuasivo ou vinculante, para casos futuros. Repare-se que a constituição de uma nova norma jurídica não decorre, necessariamente, de uma nova lei, mas pode ser uma nova interpretação, feita por um julgado, de uma lei já existente.” R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
290 “Vale salientar, como sustenta Lenio Streck, que a ratio decidendi de uma decisão que dá lugar ao precedente é determinada pelos tribunais inferiores e pelos juízes (e não pelo tribunal que decidiu a questão), isto é, ao julgarem um caso, os Tribunais Superiores não delimitam um precedente pois apenas decidem o caso, ficando a cargo dos Tribunais Inferiores e dos juízes definirem qual é o precedente oriundo do caso. Assim, há que se considerar que o fato da ratio decidendi poder ser extraída de tal forma que faça configurar norma geral universalizável para outros casos concretos (gerar precedente, portanto) faz com que magistrados, para além da observância à norma constitucional que preleciona a necessidade de motivação de suas decisões, precisem elaborar as fundamentações de seus julgados de forma cuidadosa, a teor do art. 489, §§1º e 2º, C/2015.” B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Editora Juspodivm: Salvador, 2017.
291 R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 120.
292 F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 320. v. 2.
293 L. MACÊDO. Precedentes Judiciais e o Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 140.
294 “A diferença é que a generalização das normas jurídicas é prévia e decorre do texto legal; nos precedentes, a generalização não é realizada no corpo do próprio precedente, mas a partir da interpretação levada a efeito quando do julgamento do caso semelhante no futuro.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 28.
295 “Além da norma individual, o julgado, quando precedente, também cria outra norma, de caráter geral, que servirá de baliza decisória para os casos idênticos. Essa norma é extraída da fundamentação, e é a norma do precedente. (...) No Civil Law, a norma é produto da interpretação que o julgador faz do texto normativo. No sistema de precedentes, o precedente, quando cria a norma, o faz com base na interpretação do texto normativo. No entanto, o precedente também precisa ser interpretado, para se saber qual a norma que ele concebeu. (...) Explicando melhor: o texto normativo é interpretado pelo precedente para criar a norma jurídica que servirá de modelo decisório para casos idênticos, e o texto do precedente também deve ser interpretado para se identificar a norma jurídica produzida por ele. (...) Acrescente-e, ainda, que essa interpretação poderá levar em conta não apenas o precedente, mas a cadeia de julgados que já empregaram a sua norma”. R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 120.
296 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Editora Juspodivm: Salvador, 2017. p. 1.117.
297 “Isso porque, muito embora incomum, o precedente pode fixar um princípio que antes se encontrava implicitamente previsto no sistema processual ou extrair um princípio de outro já existente. Note-se que o precedente não pode criar um princípio sem qualquer amparo no ordenamento jurídico. (...) Em resumo, a respeito da norma do precedente, pode-se dizer: a) a norma do precedente é a
norma jurídica geral, criada pelo julgado em sua fundamentação como a tese jurídica para solução do caso concreto; b) a norma do precedente deve ser interpretada a partir do texto do precedente e, ainda, do texto dos julgados que a aplicaram posteriormente; c) a norma do precedente pode ser princípio ou regra.” R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 127. T. BUSTAMANTE. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Moeses, 2012. p. 20. L.MACÊDO. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 35.
298 F. DIDIER JUNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. v.2. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 475.
299 F. DIDIER JUNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 477. v. 2.
300 “Perceba-se que na súmula da jurisprudência dominante do tribunal não se deve indicar apenas o enunciado, mas também as decisões em que tal matéria foi enfrentada e decidida, o que permite o conhecimento das circunstâncias que levaram à formação daquele entendimento e os fundamentos que lhe servem de base.” A. CÂMARA. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 426.
301 “É inevitável que haja certo efeito surpresa nessas inovações, o que não se consegue evitar mesmo na Inglaterra: a mudança de orientação dos tribunais tem retrospective effect. Isso não ocorre nos Estados Unidos, pois lá o juiz, ao criar o novo precedente, pode determinar se os seus efeitos devem ser retroativos ou devem produzir-se dali para frente.” T. WAMBIER. A uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o estado de direito – Civil Law e Common Law. Revista Jurídica. Porto Alegre, n. 384, p. 53-62, p. 59, out. 2009.
302 “Cria-se, com isso, a possibilidade de transposição do conceito de pessoa deliberativa para o cenário procedimental dos discursos-jurídicos de aplicação das normas. Particularmente na figura dos sujeitos processuais ou das partes, atuantes em dinâmica comparticipativa, policêntrica e interdependente. Assegura-lhes, por conseguinte, o direito de posicionarem-se e distanciarem-se criticamente frente aos conteúdos normativos objeto do discurso em contraditório no iter procedimental construtor de seus atos decisórios (finais ou interlocutórios), conferindo legitimidade à sua aplicação, tornando-a, assim, racionalmente aceitável. Não é diferente quando o objeto do diálogo processual é uma súmula (vinculante ou não), ou acórdão de uma decisão vinculante, ou qualquer precedente judicial que se apresente como aplicável. É preciso que as partes sejam, não só destinatárias da decisão jurisdicional, mas também coatoras, afim de conferir validade e legitimidade ao ato decisório. Entretanto, o que se vê no atual cenário da prática jurídico-decisionista, em particular no âmbito do uso do “precedente judicial” e de suas variáveis técnicas de vinculação decisória, é a imposição vertical (anti-hermenêutico-argumentativa) pela prática de se fundamentarem decisões basicamente (exclusivamente) em outras decisões pretéritas, sobretudo quando se trata de matéria sobre as quais se formou jurisprudência dominante.” G. PINHEIRO. A vinculação decisória no Estado Democrático de Direito – por uma compreensão constitucionalmente adequada da aplicação de precedentes, súmulas e decisões vinculantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 128.
303 “Daí falar-se em um princípio da inércia argumentativa, como a norma que: a) estabelece a necessidade de uma forte carga argumentativa para aquele que pretende afastar (por distinção ou superação) o precedente diante de caso que se assemelhe àquele que ensejou sua formação, exigindo-se não apenar a fundamentação ordinária nos termos do art. 489, caput e § 1.º, C, como também uma fundamentação qualificada que justifique o overruling ou distinguishing nos moldes do art. 489, § 1.º, VI, C; e b) facilita a elaboração da fundamentação (carga argumentativa mais fraca) para aquele que pretende aplicar o precedente à resolução de caso semelhante, mas sem que se abra mão de, ao menos, identificar seus fundamentos determinantes e demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos (art. 489, § 1.º, V, C) . A inércia argumentativa vem em prol da preservação do status quo, cuja modificação pressupõe razões extras até então não cogitadas ou enfrentadas. Mais do que norma infraconstitucional (art. 489, § 1.º, V e VI, C) , a inércia
argumentativa encontra-se implicitamente consagrada na Constituição como exigência de uniformidade jurisprudencial que garanta: i) igualdade de tratamento para casos afins (art. 5.º, caput, CF) ; ii) de motivação adequada tanto para a decisão que aplica como para aquela que afasta o precedente (art. 93, IX, CF) ; e iii) de contraditório, que pressupõe o direito de conhecer essa motivação para questioná-la por meios de impugnação cabíveis (art. 5.º, LV, CF)” F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 300. v. 2.
304 “Stare decisis não é um fim em si mesmo, e sim um meio para servir a importantes valores no sistema jurídica, que são: segurança jurídica (“ao concordar em seguir as regras estabelecidas, os Tribunais permitem aos indivíduos preverem as consequências jurídicas dos seus atos”) , igualdade (“quando os Tribunais decidem os casos de hoje de acordo com os casos de ontem, eles asseguram que as regras jurídicas sejam aplicadas de forma coerente e justa”) , eficiência (“ao basear suas decisões em precedente, os Tribunais evitam a necessidade de reexaminar os princípios jurídicos desde o início”) e restrição judicial (“quando os juízes são obrigados a basear suas decisões em precedentes, eles têm menor margem de discrição”) . G. NOGUEIRA. Stare Decisis et non quieta movere: a vinculação aos precedentes no direito comparado e brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 100.
305 Enunciado n. 316 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
306 “(...) os precedentes judiciais efetivam os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, garantindo integridade ao sistema judicial. Isto porque os precedentes acarretam maior previsibilidade, uniformidade, estabilidade e coerência às decisões judiciais. O princípio constitucional da segurança jurídica, peça fundamental do Estado Democrático de Direito, deve ser observado pelo Estado, independentemente do Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). Cabe a cada Poder atuar coerentemente, respeitando a confiança legítima e a boa-fé dos indivíduos.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 39. No mesmo sentido: “As a result, judges within
the system would, in varying degrees, decide the same case differently, and the decisional law might in some areas even become a wilderness of single instances.” R. SUMMERS; S.ENG. Departures from precedentes. In: MacCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (ed.). Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot: Dartmouth Publishing, 1997. p. 519.
307 J. MEDINA. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 1244 “Deve haver a preocupação em se criar decisões das quais se poderá extrair um precedente (no sentido de orientação, e não de ‘uma decisão judicial’ qualquer) que deverá ser seguido pelo próprio tribunal ou pelos demais tribunais do País.”
308 C.COLE. Stare Decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos. O sistema de precedente vinculante do common Law, In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 752, p. 11-18, jun. 1998.
309 “A aplicação da doutrina do stare decisis tem como premissas e objetivos a uniformidade da aplicação do direito (igualdade), a previsibilidade da conduta jurisdicional e o respeito a decisões e entendimentos jurídicos ados, desde que não descontextualizados da realidade (estabilidade e segurança jurídica). Os propósitos e benefícios do stare decisis seriam: justiça da decisão, previsibilidade, processo decisório fortalecido – decorrente da eficiência do processo decisório e do fortalecimento do processo decisório enquanto instituto jurídico – e estabilidade” C. TARANTO. Precedente judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 20.
310 “Há doutrina que simplesmente os mistura; há quem, embora os distinga, quando trata de concretizá-los, refere a um e a outro indistintamente; e ainda há quem prefira referir-se a eles utilizando o termo ‘consistência’” F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 477. v. 2. Embora preferindo usar o termo “coerência”, A.PECZENIK. “Certainty or coherence”. The reasonable as
rational? On legal argumentation and justification. Festschrift for Aulis Aarnio. Berlin: Duncker & Humblot, 2000. p.169; L.STRECK. Novo C terá mecanismos para combater decisionismos e arbitrariedades? Disponível em:
. o em: 04 jan. 2019.
311 No final das contas, o relevante será a soma dos deveres atribuídos ao tribunal a partir dos postulados da coerência e da integridade. A essa soma, a esse amálgama pode-se dar o nome de consistência. [...] De fato, “consistência”parece ser um termo mais adequado para designar o conjunto formado por coerência e integridade; talvez a melhor opção fosse simplesmente dizer que os tribunais deverão zelar pela “consistência de sua jurisprudência”. Qualificar uma jurisprudência como “consistente”é, claramente, considerá-la “íntegra e coerente”. F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 303. v. 2.
312 “Entende-se por jurisprudência íntegra aquela que é construída levando-se em consideração a história institucional das decisões acerca de determinada matéria. Significa isto dizer que um tribunal, ao proferir decisão sobre determinado tema, deve levar em conta toda a evolução histórica das decisões proferidas, anteriormente, sobre o mesmo tema. [...] Resulta, pois, do dever de integridade a exigência de que os juízes e tribunais, ao decidir, levem em consideração tudo quanto já se decidiu anteriormente sobre a mesma matéria. Consequência disso é que, por força do dever de integridade, ficam os órgãos jurisdicionais obrigados a utilizar as técnicas de distinção e superação dos precedentes sempre que isto se faça necessário para adequar seu entendimento às características do caso concreto ou à interpretação contemporânea do ordenamento jurídico.” A. CÂMARA. O novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 432.
313 Enunciado n. 457 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
314 F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 303. v. 2.
315 Enunciado n. 305 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “No julgamento de casos repetitivos, o tribunal deverá enfrentar todos os argumentos contrários e favoráveis à tese jurídica discutida.”
316 F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 479-484. v. 2.
317 É o que a doutrina denomina de “conexão positiva de sentido”. H. ÁVILA. Teoria dos princípios. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 140.
318 Enunciados 454 e 455 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “uma das dimensões da coerência a que se refere o caput do art. 926 consiste em os tribunais não ignorarem seus próprios precedentes [dever de autorreferência]”; “Uma das dimensões do dever de coerência [é] o dever de não-contradição, ou seja, o dever de os tribunais não decidirem casos análogos contrariamente às decisões anteriores, salvo distinção ou superação.”
319 “A coerência impõe o dever de autorreferência, portanto: o dever de dialogar com os precedentes anteriores, até mesmo para superá-los e demonstrar o distinguishing. O respeito aos precedentes envolve o ato de segui-los, distinguilos ou revogá-los, jamais ignorá-los.” F. DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 487. v. 2.
320 Enunciado n. 166 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
321 “A coerência e a integridade são, assim, os vetores principiológicos pelos quais todo o sistema jurídico deve ser lido. Em outras palavras, em qualquer decisão judicial a fundamentação – incluindo as medidas cautelares e as tutelas antecipadas – deve ser respeitada a coerência e a integridade do Direito produzido democraticamente sob a égide da Constituição.” (...) “Assim, haverá coerência se os mesmos preceitos e princípios que foram aplicados nas decisões o forem para os casos idênticos; mais do que isso, estará assegurada a integridade do direito a partir da força normativa da Constituição. A coerência assegura a igualdade, isto é, que os diversos casos terão a igual consideração por parte do Poder Judiciário. Isso somente pode ser alcançado através de um holismo interpretativo, constituído a partir de uma circularidade hermenêutica. Coerência significa igualdade de apreciação do caso e igualdade de tratamento. Coerência também quer dizer “jogo limpo”, como demonstrarei na sequência. Já a integridade é duplamente composta, conforme Dworkin: um princípio legislativo, que pede aos legisladores que tentem tornar o conjunto de leis moralmente coerente, e um princípio jurisdicional, que demanda que a lei, tanto quanto possível, seja vista como coerente nesse sentido.” L. STRECK. O que é isto – a exigência de coerência e integridade no novo código de processo civil? In: Hermenêutica e Jurisprudência no Novo Código de Processo Civil – coerência e integridade. Lenio Luiz Streck, Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite (coord.). São Paulo: Saraiva, 2016. p. 27.
322 “São expressões sinônimas, mas utilizadas em sistemas diversos. No sistema norte americano é usada a expressão holding, enquanto que no sistema inglês é utilizada a expressão ratio decidendi.” C. SILVA. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 182.
323 “A ratio decidendi constitui uma generalização das razões adotadas como os necessários e suficientes para decidir um caso pelo juiz.” D. MITIDIERO. Fundamentação e precedente – Dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo. São Paulo, vol. 37, n. 206, p. 61-78, abr. 2012.
324 “Na opinião de Simon Whitaker, a ratio decidendi, ou o fundamento da decisão, é a proposição ou são as proposições de direito necessárias para o julgamento do caso sobre determinados fatos, de modo que os ponto crucial, em sua opinião, é que a ratio de um caso está relacionada com as proposições de direito discutidas no julgamento para os fatos da causa e as alegações das partes.” G. NOGUEIRA. Stare Decisis et non quieta movere: a vinculação aos precedentes no direito comparado e brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 57
325 “Vale salientar, como sustenta Lenio Streck, que a ratio decidendi de uma decisão que dá lugar ao precedente é determinada pelos tribunais inferiores e pelos juízes (e não pelo tribunal que decidiu a questão), isto é, ao julgarem um caso, os Tribunais Superiores não delimitam um precedente pois apenas decidem o caso, ficando a cargo dos Tribunais Inferiores e dos juízes definirem qual é o precedente oriundo do caso. Assim, há que se considerar que o fato da ratio decidendi poder ser extraída de tal forma que faça configurar norma geral universalizável para outros casos concretos (gerar precedente, portanto) faz com que magistrados, para além da observância à norma constitucional que preleciona a necessidade de motivação de suas decisões, precisem elaborar as fundamentações de seus julgados de forma cuidadosa, a teor do art. 489, §§1º e 2º, C/2015.” B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Editora Juspodivm: Salvador, 2017. p. 975.
326 STJ, 2ª Turma, Resp. 1.441.457/RS.
327 “A partir dessas diversas concepções de ratio decidendi, é possível dizer que, tradicionalmente, ela configura o enunciado jurídico a partir da qual é decidido o caso concreto. Em suma, ela é a regra jurídica utilizada pelo Judiciário para justificar a decisão do caso.” L. STRECK; G. ABBOUD. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 37.
328 B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Editora Juspodivm: Salvador, 2017.
329 M.SOUZA. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006. p. 200.
330 Enunciado n. 173 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
331 “No que concerne à definição das formulações jurídicas necessárias à decisão (que corresponderão ao enunciado vinculante para as demais cortes) , ela dependerá de um exame: a) dos fatos relevantes do caso concreto; b) da questão posta em juízo; c) da fundamentação e d) do que restou decidido. Estes são os elementos que auxiliam na delimitação do holding.” P. MELLO. Precedentes. O desenvolvimento judicial do Direito no Constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.100.
332 L.MARINONI. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 90; F. DIDIER JUNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 315. v. 2.
333 “Yet by experiment even the beginner can determine whether it is possible for a given proposition of law to be involved in a given case. In order to make the test, let him first frame carefully the supposed proposition of law. Let him then insert in the proposition a word reversing its meaning. Let him the enquire whether, if the court had conceived this new proposition to be good, and had it in mind, the decision could have been the same. If the answer be affirmative, then, however excellent the original proposition may be, the case is not a precedent for that proposition, but if the answer be negative the case is a precedent for the original proposition and possibly for other proposition also.” E. WAMBAUGH. The Study of Cases: a course of instruction in reading, stating reported cases,
composing head-notes and briefs, criticizing and comparing authorities, and compiling digests. 2. ed. Boston: Little, Brown and Company, 1894. p. 17.
334 “The principle of the case is found by taking (a) of the facts treated by the judge as material, and (b) his decision as based on them.” A. GOODHART. Determining the Ratio Decidendi of a Case. Yale Law Journal, v. XL, n. 2, p. 161-183, dec. 1930.
335 F.DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 303. v. 2.
336 F.DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 305. v. 2; L.MARINONI. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 200.
337 “The ratio decidendi of a case in any rule of law expressly or impliedly treated by the judge as a necessary step in reaching his conclusion, having regard to the line of reasoning adopted by him, or a necessary part of his discretion to the jury.” R. CROSS; J.HARRIS. Precedent in English Law. 4. ed. Oxford: Clarendon Press, 1991. p. 72.
338 M.ZANDER. The law-making process. 7. ed. Oxford: Hart Publishing, 2015. p. 255.
339 “Of course English judges have devised various ways and means which enable them to ‘distinguish a precedent’, that is, to avoid following a previous decision which is unsatisfactory. A previous decision is binding only where the basic reason underlying the decision, the so called ‘ratio decidendi’, covers the
instant dispute. But in many cases it is extremely doubtful what the ‘ratio decidendi’ of the previous decision is, and what is merely ‘obiter dictum’. Take the case where a mother suffers a nervous shock as a result of witnessing a traffic accident in wich her child is killed, and a court grants her claim for damages against the careless driver. The ratio decidendi of this decision will certainly cover a subsequent case in which, all the other facts being the same, a father witnesses the death of his child, but it is not clear that the ratio decidendi of the first decision would require the driver to be held liable in a later case where the child was only injured or merely endangered instead of being killed, or where the plaintiff was not a relative of the child. Before the judge can resolve these questions he must scrutinize the precedent keenly, he must examine the arguments presented by the advocates before him, but above all he must carefully sift any related decisions handed down before or after the precedent in question: this intellectual process follows certain rules of the judicial art but it is open at every step to the influence of conscious ou unconscious valuejudgments.” O.CHASE; H.HERSHKOFF; L.SILBERMAN; Y.TANIGUCHI; V.VARANO; A.ZUCKERMAN. Civil Litigation in comparative context. Thomson West. Oscar G. Chase and Helen Hershkoff General Editors, 200. p. 156.
340 N.MACCORMICK. Rethoric and the rule of Law: a theory of legal reasoning. New York: Oxford University Press, 2005. p. 145.
341 T. BUSTAMANTE. Teoria do precedente judicial: a justificação e aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. p. 261-263.
342 P. CHIASSONI. Teorie del precedente giudiziale. Milano: Facoltà di Giurisprudenza, Università di Milano-Bicocca, 2004. p. 81.
343 “The concrete decision is binding between the parties to it, but it is the abstract ratio decidendi which alone has the force of law as regards the world at large.” J. SALMOND. The theory of judicial precedents. The Law Quartely
Review. Indiana, v. 16, n. LXIV, p. 387, oct. 1900. No mesmo sentido: “Realmente, há transcendência da ratio em relação à fundamentação. A norma do precedente é moldada e esclarecida nos casos posteriores, que delimitam melhor sua abrangência e seu consequente através de distinções, enquanto a fundamentação do precedente permanece intacta. A força da norma do precedente não está só na decisão, ela é construída como um comando geral que vai além da fundamentação da decisão.” L.MACÊDO. Contributo para a definição de ratio decidendi na teoria brasileira dos precedentes judiciais. Revista de Processo. São Paulo, v. 39, n. 234, p. 306, ago. 2014.
344 P. MELLO. Precedentes. O desenvolvimento judicial do Direito no Constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.100.
345 “nota-se que o exercício da atividade jurisdicional não mais se atrela aos comandos legislativos, sejam constitucionais, sejam infraconstitucionais, mas também, doravante, se impõe deferências aos comandos, igualmente normativos, contudo, jurisdicionais, atrelados à transcendência das decisões judiciais.” W. OLIVEIRA. Precedentes judiciais na istração Pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 120.
346 “Destarte, atribuir-se efeito vinculante à motivação das decisões dos tribunais superiores, traz o risco de engessamento do sistema jurídico, tanto assim é que ela tem perdido cada vez mais espaço no próprio cenário tedesco que a originou.” L.STRECK; G. ABBOUD. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 25.
347 “O obiter dictum (obiter dicta, no plural) , ou simplesmente dictum, é o argumento jurídico, consideração, comentário exposto apenas de agem na motivação da decisão, que se convola em juízo normativo ório, provisório, secundário, impressão ou qualquer outro elemento jurídico-hermenêutico que não tenha influência relevante e substancial para a decisão (“prescindível para o
deslinde da controvérsia”)”. F.DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 303. v. 2. “Afora isso, os argumentos órios elaborados para o deslinde da lide (obter dictum) não podem ser usados com força vinculativa por não terem sido determinantes para a decisão, tão pouco as razões do voto vencido e os fundamentos que não foram adotados ou referendados pela maioria do órgão colegiado. Na praxe forense brasileira, o uso de voto vencido para fundamentação de um pedido ou mesmo de trechos de ementas sem qualquer vinculação à tese jurídica que solucionou a controvérsia originária não pode servir de subsídio ao magistrado no julgamento de casos supostamente semelhantes.” G.LEITE. O poder dos precedentes no C. Disponível em:
. o em: 27 mai. 2019.
348 F. ROSITO. Teoria dos precedentes judiciais. Racionalidade da Tutela Jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012. p. 112; P.MELLO. Precedentes. O desenvolvimento judicial do Direito no Constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 98.
349 “O obiter dictum terá, em regra, eficácia persuasiva, na medida da força de seus fundamentos. Seu peso possuirá, todavia, um aspecto argumentativo. Em um caso que suscite, simultaneamente, diversar questões de direito, uma determinada afirmação da corte, percebida como obiter dictum, pode se consolidar, posteriormente, como um holding alternativo.” P. MELLO. Precedentes. O desenvolvimento judicial do Direito no Constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.100.
350 F. ROSITO. Teoria dos precedentes judiciais. Racionalidade da Tutela Jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012. p. 57.
351 F.DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 350. v. 2.
352 “Essa classificação não nos agrada, porque, segundo pensamos, o juiz não “cria”o direito. Mesmo quando decide a partir de princípios, ou resolve questões à luz de textos legais que contenham expressões vagas, não está autorizado o juiz a julgar “a partir do nada”, como se legislador fosse. Deve o juiz encontrar a solução no sistema jurídico, proferindo decisão harmônica com o que se produziu na história e com o que se tem produzido na comunidade jurídica. Dito de outro modo, não se ite que o juiz insira algo “estranho”ao ambiente jurídico.”J. MEDINA. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p.250.
353 F. DIDIER JUNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 300. v. 2.
354 “[...] o precedente pode conter: 1. Vinculação formal: um julgamento que não respeite a força vinculante do precedente é contrário ao direito e sujeito à revisão em grau de recurso. Distingue-se: a) vinculação formal não sujeita a superação: (i) estritamente vinculante – deve ser aplicado em todos os casos; (ii) superavelmente vinculante – deve ser aplicado em todos os casos a menos que se apliquem exceções (definidas ou não) ; b) vinculação formal (com ou sem exceções) que é sujeita a superação ou modificação. 2. Não formalmente vinculante mas contendo força: um julgamento que não respeite a força do precedente, embora não seja contrário ao direito, é sujeito a críticas e pode ser sujeito a reversão. Distingue-se: a) força superável – deve ser aplicado a menos que surjam exceções (que podem ou não ser bem definidas) ; b) força prevalecente: deve ser aplicado a menos que haja razões contrárias para não aplicar; 3. Não formalmente vinculante e não tendo força, mas provendo razões: um julgamento que não o considere não é contrário ao direito e pode ainda ser justificado, mas não tão bem justificado quanto seria se o precedente tivesse sido invocado, por exemplo, para mostrar que a decisão a que se chega harmoniza-se com o precedente; 4. Força meramente ilustrativa ou outro valor.” O. MOTTA. Justificação da decisão judicial. A elaboração da motivação e a formação do precedente. São Paulo: RT, 2015. p. 200. (Coleção o Novo Processo Civil)
355 “O enunciado de súmula do STF e do STJ, por exemplo, tem, concomitantemente, eficácia obrigatória (art. 927, IV) , obstativa (art. 496, § 4.º, I) , denegatória (art. 923, IV, “a”, e 332, I, C) e autorizante (art. 932, V, “a”) . Já o enunciado de súmula do tribunal de justiça sobre direito local é precedente com efeito denegatório (art. 332, IV, C) – o que não o priva de outros efeitos (art. 955, parágrafo único, I, C) . Há, ainda, casos de precedentes que permitem um julgamento monocrático e de plano de incidente processual, sem necessariamente determinar um juízo de denegação ou acolhimento. O legislador consagra hipótese deste viés ao tratar da possibilidade de julgamento de plano por decisão singular do relator de conflito de competência, quando sua decisão tiver por fundamento enunciado de súmula do STF, do STJ e do próprio tribunal, ou o precedente oriundo de julgamento de casos repetitivos e assunção de competência (art. 955, parágrafo único, C).” F. DIDIER JUNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 375. v. 2.
356 “Ao falar em efeito vinculante do precedente, deve-se ter em mente que, em certas situações, a norma jurídica geral (tese jurídica, ratio decidendi) estabelecida na fundamentação de determinadas decisões judiciais tem o condão de vincular decisões posteriores, obrigando que os órgãos jurisdicionais adotem aquela mesma tese jurídica na sua própria fundamentação.” (...) “Já os precedentes vinculantes são os que obrigatoriamente devem ser seguidos quando do julgamento de posteriores casos análogos, independentemente do convencimento do juiz quanto à sua correção. Neste caso, “a norma jurídica geral (tese jurídica, ratio decidendi) estabelecida na fundamentação de determinadas decisões judiciais tem o condão de vincular decisões posteriores, obrigando que os órgãos jurisdicionados adotem aquela mesma tese jurídica na sua própria fundamentação”. (...) “Os precedentes obrigatórios são, conforme dito, a regra na teoria do stare decisis, e sua força vinculante está ligada, dentre outros fatores, à posição hierárquica do órgão jurisdicional que cria o precedente. São obrigatórios os precedentes proferidos pelo próprio órgão e os que emanam dos tribunais a ele superior (denominado de precedente vertical) . Por outro lado o precedente horizontal são os que emanam de órgãos de mesma hierarquia, e que funcionam como mero precedente persuasivo.” F.DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador:
Juspodivm, 2015. p. 370 e 389. v. 2.
357 M.TARUFFO. Precedente e Jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo, n. 199, a. 36, p. 139-155 e 148, set. 2011. D. MITIDIERO. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: RT, 2013. p. 75.
358 No mesmo sentido, Enunciado n. 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Em sentido contrário, vale mencionar o seguinte entendimento: “Assim é que têm eficácia vinculante as decisões e enunciados sumulares indicados nos incisos I a III do art. 927; e são meramente argumentativas as decisões e verbetes sumulares de que tratam os incisos IV e V do mesmo .” A. CÂMARA. O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p.250.
359 Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial, PET no AResp 957.821/MS.
360 Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, HC 370.687/SP.
361 “Percebe-se, portanto, que se podem conceber graus de vinculatividade. Se a súmula é a essência da jurisprudência dominante de um Tribunal, é natural que deva ser respeitada/obedecida/observada, ainda que não haja um instituto específico de que possa valer-se o prejudicado para “obrigar”o Tribunal a respeitar as próprias súmulas ou um juiz a decidir em conformidade com estas. A obrigatoriedade de se respeitarem as súmulas dos Tribunais de 2.º grau – bem como dos Tribunais Superiores, que não sejam propriamente vinculantes – decorre do sentido do sistema, e princípios constitucionais relevantíssimos – como, v.g., o da isonomia – e da própria função e razão de ser dos Tribunais, notadamente dos Tribunais Superiores, cuja função é zelar pela integridade do ordenamento.” T. WAMBIER. Primeiros Comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p.380
362 Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Resp. 1.655.722/SC.
363 Concordamos, contudo, com a doutrina que sustenta a impossibilidade da celebração de foro de eleição em processo coletivo. Podemos mencionar: “Os limites à possibilidade da formulação, pelas partes, de negócios jurídicos processuais atípicos não foram fixados claramente pelo legislador – o que abre espaço, seguramente, para interpretação, debates e dissensões. (...) Como visto acima, a lei processual ou a prever, ao lado do negócio processual típico, a figura do negócio processual atípico. Isso permite que as partes estabeleçam convenções processuais em relação a deveres, poderes, ônus e faculdades antes do processo ou durante ele. Ocorre que a eleição de foro é prevista como negócio processual típico. E ela só foi autorizada nos casos de competência relativa (art. 63 do C/2015). Dessa forma, interpretar a regra do art. 190 do C/2015 como se ela autorizasse a eleição nos casos de competência absoluta seria equivalente a negar vigência ao art. 63 do mesmo Código.” R. LEONEL. Manual do Processo Coletivo. 4. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com o C/2015. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 234.
364 “Ademais, não há obstáculo algum à aplicação da regra geral do Código de Processo Civil/2015 aos processos relacionados ao direito do consumidor ou, mais diretamente àquilo que interessa ao presente estudo, ao processo coletivo. Está claramente assentado na compreensão dos parâmetros normativos aplicáveis ao processo coletivo que, nada obstante a existência de regras próprias, que configuram verdadeiro sistema próprio de tutela, o Código de Processo Civil se aplica subsidiariamente às ações coletivas. Mostra-se razoável concluir que nas ações coletivas se aplica, em princípio, a disciplina do art. 6º, VIII, do CDC, pelos motivos anteriormente expostos. Quando não for cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, poderá, em caráter subsidiário, ser aplicado o disposto no art. 373, §1º, do C/2015.” R. LEONEL. Manual do Processo Coletivo. 4. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com o C/2015. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 240.
365 No mesmo sentido, podemos mencionar: “No entanto, apesar de sua natureza processual, o art. 927 do NC não pode ser objeto de negócio processual. Essa norma, ao impor a observância de determinados precedentes, traz uma regra de julgamento que não pode ser afastada pela vontade das partes”(…) “Se a pudessem afastar essa norma – inclusive parcialmente, especificando quais precedentes vinculantes não precisariam ser observados pelo juiz -, as partes poderiam escolher a ordem jurídica a ser considerada nas decisões de seu processo.” R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 130.
366 J. CRUZ e TUCCI. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2011. p. 200.
367 “Assim como pode ser obstativo e denegatório, o precedente pode ser autorizante, quando é determinante para a issão ou acolhimento de ato postulatório (como recurso, demanda ou incidente processual.” F.DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p.375. v. 2.
368 EMENTA: Embargos de declaração em recurso extraordinário. Conversão em agravo regimental, conforme pacífica orientação da Corte. Lei distrital que criou cargos em comissão para funções rotineiras da istração Pública. Impossibilidade. 1. A decisão ora atacada reflete a pacífica jurisprudência da Corte a respeito do tema, a qual reconhece a inconstitucionalidade da criação de cargos em comissão para funções que não exigem o requisito da confiança para seu preenchimento. 2. Esses cargos, ademais, deveriam ser preenchidos por pessoas determinadas, conforme descrição constante da aludida lei. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual é negado provimento. (RE 376440 ED, Relator(a) : Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 18/09/2014, acórdão eletrônico DJe-224 divulgado em 13-11-2014 publicado em 14-11-2014) . O Supremo Tribunal Federal, neste precedente, entendeu ser
possível o proferimento de decisão monocrática em torno da constitucionalidade de ato normativo, mitigando-se a observância do princípio da reserva de plenário ( 97 da Constituição da República) , toda vez que a questão constitucional já houver sido definida pelo próprio Supremo Tribunal Federal.
369 No sentido do texto, podemos citar: F.DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. P. 385. v. 2; T.ZAVASCKI. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 2. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 150. Em sentido oposto, podemos citar E.TALAMINI. A coisa julgada e a sua revisão. ed. São Paulo: RT, 2005. p.100.
370 Nos processos coletivos, aplicar-se-ão as eficácias subjetivas erga omnes (interesses difusos), ultra partes (interesses coletivos em sentido estrito) e erga victmae (interesses individuais homogêneos), conforme arts. 18 da Lei 4.717/65, 16 da Lei 7347/85 e 103, incisos I ao III da Lei 8078/90.
371 “A norma geral, constante da fundamentação, é a norma identificada a partir de um caso concreto, isto é, um problema concreto e, diante disso, busca a solução geral prevista pelo legislador. A norma geral, que está na fundamentação da decisão e que foi construída pelo juiz a partir de um caso concreto, chamase precedente, como mencionado no art. 479 do C.Ao se afirmar que há um precedente, se está afirmando que há uma norma geral que já identificada por outro magistrado como aplicável ao caso concreto. O precedente não é formado pela norma jurídica individualizada, mas pela norma geral, construída por outro juiz ou Tribunal diante de um caso concreto. Esse é o ponto principal. Justamente por ser uma norma geral que se mostra interessante aplicá-lo para a hipótese em discussão. Nesse sentido, o precedente somente pode ser utilizado na fundamentação de outra decisão, pois o Judiciário soluciona conflitos concretos, diferentemente do legislador que busca solucionar problemas abstratos. Vejamos o entendimento do STF[33] que afirma que todo parlamentar que trocar de partido perderá o mandato (norma geral) , tendo João trocado de partido, perderá o mandato (norma individualizada).” H. LOURENÇO.
Precedente Judicial como
372
Não há aqui uma ode ao ativismo judicial desenfreado, mas somente uma mera constatação fática da nossa realidade com o Poder Judiciário criando diuturnamente institutos e instrumentos em determinados casos concretos.
373 S. ARENHART. O recurso de terceiro prejudicado e as decisões vinculantes. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 11, p. 436-437.
374 “a participação dos membros do grupo no julgamento de casos repetitivos não se assemelha a outras clássicas formas de intervenção de terceiros, sendo uma intervenção singular, que se fundamenta no interesse jurídico que estes indivíduos possuem na certificação da questão de direito, a partir da fixação de uma tese jurídica que irá afetar suas respectivas esferas jurídicas, imediatamente, pela aplicação da tese aos processos que estão tramitando, ou, mediatamente, mediante um precedente judicial que poderá afetá-los no futuro.” F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI. Curso de Direito Processual Civil, vol. 4, Salvador: JusPdivm, 13ª ed., 2019, p. 277.
375 F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI. Curso de Direito Processual Civil, vol. 4, Salvador: JusPdivm, 13ª ed., 2019, p. 274. A. GIDI. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 22-23.
376 DIDIER JR., Fredie; ZANETI, Hermes. Curso de Direito Processual Civil,
vol. 4, Salvador: JusPdivm, 13ª ed., 2019, p. 275.
377 RE 550.769/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 28.02.2008, Informativo 496.
378 Resp. 821.586/PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., j. 07.10.2008. AgRg nos EREsp 1.146.066/PR. Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, j. 04.05.2011. Resp 1.182.123/PE, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., j. 11.05.2010.
379 F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI. Curso de Direito Processual Civil, vol. 4, Salvador: JusPdivm, 13ª ed., 2019, p. 278.
380 F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI. Curso de Direito Processual Civil, vol. 4, Salvador: JusPdivm, 13ª ed., 2019, p. 279.
381 L. MARINONI. Comentários aos arts. 926 a 928 do C. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2317.
382 “Há que ser garantido direito de participação a, ao menos, um representante de cada um dos subgrupos identificados, o que deverá ser realizado por meio do filtro da contribuição argumentativa.” F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI. Curso de Direito Processual Civil, vol. 4, Salvador: JusPdivm, 13ª ed., 2019, p. 280.
383 G. ALVES. Ações coletivas e casos repetitivos: a vinculação das decisões no processo coletivo. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 250-256.
384 “As partes dos processos sobrestados serão afetadas diretamente pelo julgamento, sujeitando-se pro et contra à tese jurídica que, a depender da natureza da questão de direito certificada, poderá, inclusive, levar ao julgamento de procedência ou improcedência da demanda em que o membro é parte.” F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI. Curso de Direito Processual Civil, vol. 4, Salvador: JusPdivm, 13ª ed., 2019, p. 282.
385 Impende salientar, entretanto, que o STJ fixou entendimento no sentido do não cabimento da Reclamação. RECLAMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL AO QUAL O TRIBUNAL DE ORIGEM NEGOU SEGUIMENTO, COM FUNDAMENTO NA CONFORMIDADE ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (RESP 1.301.989/RS - TEMA 658). INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO NO TRIBUNAL LOCAL. DESPROVIMENTO. RECLAMAÇÃO QUE SUSTENTA A INDEVIDA APLICAÇÃO DA TESE, POR SE TRATAR DE HIPÓTESE FÁTICA DISTINTA. DESCABIMENTO. PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.1. Cuida-se de reclamação ajuizada contra acórdão do TJ/SP que, em sede de agravo interno, manteve a decisão que negou seguimento ao recurso especial interposto pelos reclamantes, em razão da conformidade do acórdão recorrido com o entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.301.989/RS, julgado sob o regime dos recursos especiais repetitivos (Tema 658). 2. Em sua redação original, o art. 988, IV, do C/2015 previa o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de “casos repetitivos”, os quais, conforme o disposto no art. 928 do Código, abrangem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os recursos especial e extraordinário repetitivos. 3. Todavia, ainda no período de vacatio legis do C/15, o art. 988, IV, foi modificado pela Lei 13.256/2016: a anterior previsão de reclamação para garantir a observância de precedente oriundo de “casos repetitivos” foi excluída, ando a constar, nas hipóteses de cabimento, apenas o precedente oriundo de IRDR, que é espécie daquele. 4. Houve, portanto, a supressão do cabimento da reclamação para a observância de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, em que pese a mesma Lei 13.256/2016, paradoxalmente, tenha acrescentado um pressuposto de issibilidade -
consistente no esgotamento das instâncias ordinárias - à hipótese que acabara de excluir. 5. Sob um aspecto topológico, à luz do disposto no art. 11 da LC 95/98, não há coerência e lógica em se afirmar que o parágrafo 5º, II, do art. 988 do C, com a redação dada pela Lei 13.256/2016, veicularia uma nova hipótese de cabimento da reclamação. Estas hipóteses foram elencadas pelos incisos do caput, sendo que, por outro lado, o parágrafo se inicia, ele próprio, anunciando que trataria de situações de inissibilidade da reclamação. 6. De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que editada a Lei 13.256/2016 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição. 7. Outrossim, a issão da reclamação na hipótese em comento atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios. 8. Nesse regime, o STJ se desincumbe de seu múnus constitucional definindo, por uma vez, mediante julgamento por amostragem, a interpretação da Lei federal que deve ser obrigatoriamente observada pelas instâncias ordinárias. Uma vez uniformizado o direito, é dos juízes e Tribunais locais a incumbência de aplicação individualizada da tese jurídica em cada caso concreto. 9. Em tal sistemática, a aplicação em concreto do precedente não está imune à revisão, que se dá na via recursal ordinária, até eventualmente culminar no julgamento, no âmbito do Tribunal local, do agravo interno de que trata o art. 1.030, § 2º, do C/15. 10. Petição inicial da reclamação indeferida, com a extinção do processo sem resolução do mérito. (Rcl 36.476/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, CE, j. 05/02/2020, DJe 06/03/2020)
386 O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que não há previsão legislativa para o ajuizamento de ação rescisória sob o argumento de violação de súmula (STJ, 3ª Seção, AR 4.112-SC, Min. Rel. Marco Aurélio Bellizze, julgada em 28/11/2012). Por outro lado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui precedentes reconhecendo o cabimento de ação rescisória por conta de violação a princípios. Vale lembrar que a doutrina atual considera que o princípio é uma espécie de norma jurídica. Nesse sentido: STJ. 1ª Turma. REsp 1458607/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2014.
387 “A rigor, não cabe falar em ação rescisória com base em precedente vinculante, mas, sim, com fundamento na norma jurídica forjada pelo precedente vinculante.” (…) “Portanto, caso uma sentença transitada em julgado deixe de aplicar um precedente vinculante, cabe ação rescisória com apoio no inciso V do art. 966, do NC, uma vez que, nessa hipótese, tal sentença infringiu a norma jurídica criada pelo precedente vinculante.” R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 120.
388 “Esse agravo interno não tem o propósito, obviamente, de fazer a superação do precedente reconhecido pelo vice-presidente, mas apenas de verificar se o emprego do precedente foi feito de forma correta, isto é, se não era hipótese de distinção entre o caso do recurso excepcional e o caso do precedente, ou se o precedente aplicado não foi superado.” (…) “Há, na nova redação do art. 1030 do NC, clara tentativa de se criar um mecanismo de fechamento argumentativo sobre o precedente de tribunal superior, impedindo a sua superação por meio do recurso excepcional.” (…) “No meu modo de ver, o inciso I do art. 1030 do NC somente se aplica aos recursos excepcionais que não cogitarem fazer a superação do precedente do tribunal superior.”(…) “Se, porventura, o vice-presidente initir o recurso excepcional que tenta fazer a superação, com base no art. 1030, inciso I, do NC, a parte deve apresentar mera petição ao tribunal superior competente, a fim de determinar a subida do recurso.” R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 125.
389 R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 130.
390 “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
391 Existem vários precedentes do Supremo Tribunal Federal afirmando que não
se aplica a Súmula 343 do STF quando o pedido de rescisão invoca ofensa a preceito constitucional. Nesse sentido: 1ª Turma. RE 567765 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 16/04/2013. O Supremo Tribunal Federal, em recente julgado, decidiu aplicar a Súmula 343 em um caso que envolvia ação rescisória tratando sobre matéria constitucional. O Min. Relator Marco Aurélio afirmou que, mesmo estando em jogo matéria constitucional, deve prevalecer, em tese, a regra da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal. (Plenário, RE 590809/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/10/2014).
392 T. WAMBIER. Recurso Especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 90; F. MIRANDA. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 300. No mesmo sentido: “Ademais, a mudança de precedente, apesar do déficit de segurança jurídica, deve ser encarada como um aprimoramento do sistema. Ao mudarem de posição quanto à interpretação da norma, os tribunais sinalizam que o atual entendimento é correto e deve ser aplicado a todos os casos.”(...) “Portanto, se o ordenamento processual prevê o controle da aplicação da norma por meio da ação rescisória, a parte tem o direito de buscar o emprego da nova interpretação do dispositivo legal, conforme o precedente vigente, pouco importando se a sentença rescindenda foi proferida à época em que a interpretação era em sentido diverso de acordo com o precedente anterior.” R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 120.
393 Esta crítica é muito bem apresentada pela doutrina: “Uma vez mais o que se vê é o emprego, na ementa, do termo “precedentes” para, no voto, fazer-se alusão à “pacífica jurisprudência” do Tribunal, igualando-se os conceitos de jurisprudência e precedentes, o que é inadequado. Além disso, há a transcrição de algumas ementas, sem a descrição dos fundamentos determinantes de cada um dos acórdãos precedentemente proferidos e sem a demonstração de que tais fundamentos determinantes se ajustavam ao caso em julgamento para, em seguida, negar-se provimento ao recurso.” (...) “Uma vez mais o que se encontra é a mera transcrição de ementa (no caso em exame, apenas uma), além da indicação dos números de dois outros processos, sem qualquer indicação de quais teriam sido os fundamentos determinantes de tais decisões ou a
demonstração de que tais seriam de adequada aplicação no caso concreto que estava a ser decidido.” A. CÂMARA. Levando padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmulas. São Paulo: Atlas, 2018. p. 151-152.
394 “Acrescente-se que, caso o juiz rejeite a alegação do precedente sem motivar a sua decisão de forma específica, a parte não poderá pedir a invalidação da decisão, por força da aplicação do tu quoque, um dos corolários do princípio da boa-fé objetiva.” R.b CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 130. No mesmo sentido, M. MACHADO. “Novo C: precedentes e contraditório.” Dísponível em:
. o em: 12 mai. 2019.
395 B. REDONDO. Precedente judicial no direito processual civil brasileiro. A. MENDES; L. MARINONI e T. WAMBIER (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2014; R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 135. v. II.
396 “Para se itir o interesse recursal contra o capítulo da norma do precedente, este deverá ser necessariamente, vinculante. Com efeito, apenas no precedente vinculante a norma forjada tem importância e deve merecer atenção da parte, uma vez que pode condicionar os julgamentos de seus eventuais casos futuros. Se o precedente é persuasivo, a norma fixada constitui mero reforço de argumentação, não havendo nenhuma vantagem concreta para a sua modificação.” R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 137.
397 “A utilidade do novo julgamento pode, portanto, existir ainda que inexista pretensão de alteração do dispositivo, mas exista a possibilidade de alteração da fundamentação da decisão, se tal mudança for mais benéfica para o recorrente, seja por evitar a formação de um novo precedente ou por ensejar a superação do precedente existente.” J. LIPIANI. Reconstrução do interesse recursal no sistema
de força normativa do precedente. Civil Procedure Review. n. 2, v. 5, p. 60, mai./ago. 2014. No mesmo sentido, F. DIDIER JÚNIOR; L. CUNHA. Curso de Direito Processual Civil. 13. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 330. v. 3.
398 “Em cada sistema jurídico, os fatores institucionais influenciarão na concepção dos precedentes. A organização judiciária influencia na natureza e na utilização dos precedentes. A definição, a forma de criação, a origem e a utilização dos precedentes nos diversos países variam de acordo com a respectiva organização judiciária.” R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 36.
399 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 50.
400 “The rule of stare decisis causes the judges to reason by analogy because the principle that like cases must be decided alike involves the analogical extension of the decision in an earlier case. Allowance must also be made for the converse principle that dissimilar cases should be decided differently.” R. CROSS; J. HARRIS. Precedent in English Law. 4. ed. Oxford: Clarendon Press, 1991. p. 26.
401 “The basic pattern of legal reasoning is reasoning by example. It is reasoning from case to case (…) The finding of similarity or difference is the key step in the legal process.” E. LEVI. An introducing to legal reasoning. Chicago: University of Chicago Press, 2013. p. 1-18.
402 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 36.
403 Enunciado n. 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
404 F. SCHAUER. Precedent. Stanford Law Review. Stanford, v. 39, Tema 3, p. 577-578, fev. 1987.
405 J. CRUZ e TUCCI. Precedente Judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2011. p.100.
406 “Pela ampliação (widening) ou pela redução (narrowing) do alcance do precedente se torna possível aos juízes dar novos sentidos ao texto, até mesmo para ampliar ou reduzir o alcance do precedente, a depender das circunstâncias e dos padrões de identificação que forem estabelecidos entre os casos.” H. THEODORO JÚNIOR; D. NUNES; A. BAHIA; F. PEDRON. Novo C: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 230.
407 Esta técnica pode gerar overstatement (“To state in exaggerated .”) , ou seja, um exagero/extensão de uma realidade.
408 W. OLIVEIRA. Precedentes judiciais na istração pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 98.
409 R. DWORKIN. Levando os direitos à sério, trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 27.
410 M.GALIO. Overruling – a superção do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 75. (Coleção Novo Código de
Processo Civil 3). L.MACÊDO. A disciplina dos precedentes judiciais no direito brasileiro: do anteprojeto ao Código de Processo Civil. In: DIDIER JR., Fredie et al. (coord.). Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 200. No mesmo sentido, podemos mencionar: “o overruling é uma espécie do gênero das denominadas judicial departures, ou seja, dos casos de afastamento de uma regra jurisprudencial. Uma das hipóteses de afastamento se dá quando o tribunal resolve um problema jurídico solucionável por um precedente judicial, mas de forma diferente. O juiz apela, nesses casos, para uma nova regra jurídica que conduz a um resultado diverso do previsto pelo precedente.” T. BUSTAMANTE. A dificuldade de se criar uma cultura argumentativa do precedente judicial e o desafio do Novo C. In: DIDIER JR., Fredie et al. (coord.). Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 38.
411 M.GALIO. Overruling – a superação do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 80. (Coleção Novo Código de Processo Civil 3).
412 “Diante desse contexto, reafirmamos a necessidade de itir o controle difuso de constitucionalidade das súmulas vinculantes (que a partir do NC arão a ser quase todos os enunciados dos Tribunais Superiores STF/STJ) sob pena de infringirmos os princípios constitucionais do direito de ação e da independência decisória, e do Judiciário se transformar numa estrutura autoritária, hierarquizada e burocrática, no qual não há lugar para a independência apenas para a obediência e dependência, em total confronto com o Estado Democrático de Direito presente na CF de 1988, diante do qual os juízes são independentes, mesmo que existam diversos graus de jurisdição.” L.STRECK; G. ABBOUD. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 25.
413 T. WAMBIER. O recurso especial na Constituição Federal de 1988 e suas origens. In: _________. (coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: RT, 1997. p. 33.
414 D.MITIDIERO. Por uma reforma da Justiça Civil no Brasil. Um diálogo entre Mauro Cappelletti, Vittorio Denti, Ovídio Baptista e Luiz Guilherme Marinoni. Revista de Processo. São Paulo. v. 36, n. 199, p. 83, set. 2011.
415 M.TARUFFO. Il vertice ambíguo. Saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 35.
416 “Se até aqui olhou-se para o ado, partindo da ideia de que a alteração jurisprudencial modifica o Direito vigente e, por consequência, devem ser respeitadas as relações jurídicas formadas sob a sua égide, necessário também olhar para o futuro, porquanto novas relações jurídicas arão a ser regidas pelo Direito novo, inaugurado com a superação do precedente. As circunstâncias jurídicas antes existentes já não são mais as mesmas, havendo nova disciplina apta a reger os fatos que ocorrerem após tal virada jurisprudencial. Há, portanto, uma dupla dimensão (ado e futuro) da superação dos precedentes.” P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: RT, 2015. p. 192. (Coleção o Novo Processo Civil).
417 M.GALIO. Overruling – a superção do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 126 (Coleção Novo Código de Processo Civil 3).
418 M.GALIO. Overruling – a superção do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 128 (Coleção Novo Código de Processo Civil 3).
419 J. MEDINA. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3 ed. São Paulo:
RT, 2015. p. 1.242.
420 C.SILVA. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 150; F.DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 375. v. 2.
421 Enunciados ns. 322 e 324 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Parte da doutrina, contudo, neste ponto, afirma não ser suficiente a modificação legal: “Há de se perceber, porém, que, quando há modificação legal, não se tem propriamente uma revogação de precedente nos termos que faz referência o C. Nesta hipótese, a não aplicação do precedente pode ser feita por qualquer juiz, não irá necessitar do ônus argumentativo existente para a decisão de superação típica e nem será necessária a ponderação da revogação com o princípio da segurança jurídica.” F.DIDIER JUNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 380. v. 2.
422 M.GALIO. Overruling – a superação do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 131 (Coleção Novo Código de Processo Civil 3).
423 Há, na doutrina, contudo, quem entenda que havendo mudança de base normativa para a decisão no julgamento, não há que se falar em mudança de precedente, porque não terá sido através de intervenção direta do órgão jurisdicional. H. ÁVILA. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 474.
424 M.GALIO. Overruling – a superação do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 135 (Coleção Novo Código de Processo Civil 3).
425 R. OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 60.
426 R. SUMMERS; S.ENG. Departures from precedents. In: MacCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (ed). Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot: Dartmouth Publishing, 1997. p. 526-527.
427 “Não é visto com bons olhos, por alguns, a possibilidade do Tribunal alterar seus precedentes apenas porque a composição de seus membros se alterou, posto que os precedentes não são das pessoas que estão eventualmente ocupando aquele cargo, e sim da Instituição. Em outras palavras, um precedente da Suprema Corte norte-americana é da Suprema Corte, e não do juiz ou dos juízes que participaram daquela votação que originou o precedente.” G. NOGUEIRA. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiro. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 55.
428 F. BASTOS. Sistema brasileiro de precedentes. Revista da Advocacia Pública Federal. Brasília, v. 1, n. 1, p. 295, 2017.
429 “Dessa forma, é preferível que a revogação ou superação do precedente ocorra sempre de forma expressa, para facilitar sua interpretação e aplicação pelos demais juízes e tribunais. A revogação implícita, apesar de ser prática comum, não é salutar para o sistema de precedentes, pois acentua a divergência e a desigualdade na interpretação e na aplicação da norma jurídica a casos concretos posteriores.” M. GALIO. Overruling – a superação do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 43 (Coleção Novo Código de Processo Civil 3).
430 F. BASTOS. Sistema brasileiro de precedentes. Revista da Advocacia Pública Federal. Brasília, v. 1, n. 1, p. 298, 2017.
431 Enunciado n. 321 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A modificação do entendimento sedimentado poderá ser realizada nos termos da Lei n.º 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando se tratar de enunciado de súmula vinculante; do regimento interno dos tribunais, quando se tratar de enunciado de súmula ou jurisprudência dominante; e, incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou causa de competência originária do tribunal.”
432 M.GALIO. Overruling – a superção do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 115 (Coleção Novo Código de Processo Civil 3).
433 F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 390.
434 Enunciado n. 55 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
435 HC 28.598/MG, Quinta Turma. Relatora: Ministra Laurita Vaz, Brasília, DF, 14 de junho de 2005, DJ 01/08/2005, p. 480. O Superior Tribunal de Justiça, somente à guisa de esclarecimento, fixou, em sede de recurso repetitivo, a mesma tese anterior, conforme se denota no Resp 1.349.935/SE (Tema 959 no sistema de repetitivos).
436 “Em situações excepcionais, quando presente interesse público em se protegerem situações jurídicas consolidadas, deve ser possível a modulação dos
efeitos de alteração jurisprudencial, para se aplicar a nova orientação firmada apenas a casos futuros (prospective overruling).” G. AMARAL. Comentários às alterações do Novo C. São Paulo: RT, 2015. p. 400.
437 F. DIDIER JÚNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 400; L.MARINONI. Precedentes Obrigatórios. 3 ed. São Paulo: RT, 2015. p. 250; J.CRUZ e TUCCI. Precedente judicial como fonte de direito. São Paulo: RT, 2011. p. 300; R.PEIXOTO; J.ATAÍDE JUNIOR. Flexibilidade, stare decisis e o desenvolvimento do antecipatory overruling no direito brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 236, p. 289, 2014.
438 M.KNIFFEN. Overruling Supreme Court precedents: anticipatory action by United States courts of appeals. Fordham Law Review, v. 51, 1982. p. 61-69.
439 Idem.
440 M.KNIFFEN. Overruling Supreme Court precedents: anticipatory action by United States courts of appeals. Fordham Law Review. v. 51, p. 74-85, 1982. C.BRADFORD. Following Dead Precedent: The Supreme Court’s – Advised Rejection of Antecipatory Overruling. Fordham Law Review. v. 59, p. 71, 1990.
441 “in the end, a non-absolute approach to precedent seems the appropriate one, striking a balance between the values secured by precedent and the countervalues that oppose undue deference to it.” Z.BANKOSKI; D.MacCORMICK; L.MORAWSKI; A.RUIZ MIGUEL. Rationales for precedent. In: MacCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (ed). Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot: Dartmouth Publishing, 1997. p. 494. No mesmo sentido: “Existe um razoável consenso de que a força vinculante dos precedentes não possui caráter absoluto e não pode ser compreendida de forma
fundamentalista, itindo-se a ponderação entre os valores envolvidos na vinculação ao precedente e na sua eventual superação.” R.OLIVEIRA. Precedentes no Direito istrativo. São Paulo: Gen/Forense, 2018. p. 51.
442 M.KNIFFEN. Overruling Supreme Court precedents: anticipatory action by United States courts of appeals. Fordham Law Review, v. 51, 1982, p. 73-87. C.BRADFORD. Following Dead Precedent: The Supreme Court’s – Advised Rejection of Antecipatory Overruling. Fordham Law Review. v. 59, p. 71-88, 1990.
443 “Deve-se harmonizar o princípio da segurança jurídica e seus elementos conformadores (cognoscibilidade, confiança e calculabilidade) com a presença de uma ‘construção jurisprudencial permanente’, porquanto ‘não existe oposição entre ‘democracia’ e ‘segurança jurídica’ donde não existe oposição entre certeza do direito e sociedade pluralista.” P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: RT, 2015. p. 191. (Coleção o Novo Processo Civil).
444 EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – questões preliminares rejeitadas – o mandado de segurança como processo documental e a noção de direito líquido e certo – necessidade de prova pré-constituída – a compreensão do conceito de autoridade coatora, para fins mandamentais – reserva estatutária, direito ao processo e exercício da jurisdição – inoponibilidade, ao poder judiciário, da reserva de estatuto, quando instaurado litígio constitucional em torno de atos partidários “interna corporis” – competência normativa do tribunal superior eleitoral – o instituto da “consulta” no âmbito da justiça eleitoral: natureza e efeitos jurídicos – possibilidade de o tribunal superior eleitoral, em resposta à consulta, nela examinar tese jurídica em face da constituição da república – consulta/tse n° 1.398/df – fidelidade partidária – a essencialidade dos partidos políticos no processo de poder – mandato eletivo – vínculo partidário e vínculo popular – infidelidade partidária – causa geradora do direito de a agremiação partidária prejudicada preservar a vaga obtida pelo sistema proporcional – hipóteses excepcionais que legitimam o ato de desligamento
partidário – possibilidade, em tais situações, desde que configurada a sua ocorrência, de o parlamentar, no âmbito de procedimento de justificação instaurado perante a justiça eleitoral, manter a integridade do mandato legislativo – necessária observância, no procedimento de justificação, do princípio do “due process of law” (cf, art. 5.º, incisos liv e lv) – aplicação analógica dos arts. 3.º a 7.º da lei complementar n.º 64/90 ao referido procedimento de justificação – issibilidade de edição, pelo tribunal superior eleitoral, de resolução que regulamente o procedimento de justificação – marco inicial da eficácia do pronunciamento desta suprema corte na matéria: data em que o tribunal superior eleitoral apreciou a consulta n° 1.398/df – obediência ao postulado da segurança jurídica – a subsistência dos atos istrativos e legislativos praticados pelos parlamentares infiéis: consequência da aplicação da teoria da investidura aparente – o papel do supremo tribunal federal no exercício da jurisdição constitucional e a responsabilidade político-jurídica que lhe incumbe no processo de valorização da força normativa da constituição – o monopólio da “última palavra”, pela suprema corte, em matéria de interpretação CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. PARTIDOS POLÍTICOS E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. – A Constituição da República, ao delinear os mecanismos de atuação do regime democrático e ao proclamar os postulados básicos concernentes às instituições partidárias, consagrou, em seu texto, o próprio estatuto jurídico dos partidos políticos, definindo princípios, que, revestidos de estatura jurídica incontrastável, fixam diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da organização e funcionamento das agremiações partidárias. Precedentes. – A normação constitucional dos partidos políticos – que concorrem para a formação da vontade política do povo – tem por objetivo regular e disciplinar, em seus aspectos gerais, não só o processo de institucionalização desses corpos intermediários, como também assegurar o o dos cidadãos ao exercício do poder estatal, na medida em que pertence às agremiações partidárias – e somente a estas – o monopólio das candidaturas aos cargos eletivos. – A essencialidade dos partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua quando se tem em consideração que representam eles um instrumento decisivo na concretização do princípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto histórico que conduziu à sua formação e institucionalização, um dos meios fundamentais no processo de legitimação do poder estatal, na exata medida em que o Povo – fonte de que emana a soberania nacional – tem, nessas agremiações, o veículo necessário ao desempenho das funções de regência política do Estado. As agremiações partidárias, como corpos intermediários que são, posicionando-se entre a sociedade civil e a sociedade política, atuam como canais
institucionalizados de expressão dos anseios políticos e das reivindicações sociais dos diversos estratos e correntes de pensamento que se manifestam no seio da comunhão nacional. A NATUREZA PARTIDÁRIA DO MANDATO REPRESENTATIVO TRADUZ EMANAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O “SISTEMA PROPORCIONAL”. – O mandato representativo não constitui projeção de um direito pessoal titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao contrário, expressão que deriva da indispensável vinculação do candidato ao partido político, cuja titularidade sobre as vagas conquistadas no processo eleitoral resulta de “fundamento constitucional autônomo”, identificável tanto no art. 14, § 3.º, inciso V (que define a filiação partidária como condição de elegibilidade) quanto no art. 45, “caput” (que consagra o “sistema proporcional”) , da Constituição da República. – O sistema eleitoral proporcional: um modelo mais adequado ao exercício democrático do poder, especialmente porque assegura, às minorias, o direito de representação e viabiliza, às correntes políticas, o exercício do direito de oposição parlamentar. Doutrina. – A ruptura dos vínculos de caráter partidário e de índole popular, provocada por atos de infidelidade do representante eleito (infidelidade ao partido e infidelidade ao povo) , subverte o sentido das instituições, ofende o senso de responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo de representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a vontade soberana dos cidadãos eleitores, introduzindo fatores de desestabilização na prática do poder e gerando, como imediato efeito perverso, a deformação da ética de governo, com projeção vulneradora sobre a própria razão de ser e os fins visados pelo sistema eleitoral proporcional, tal como previsto e consagrado pela Constituição da República. A INFIDELIDADE PARTIDÁRIA COMO GESTO DE DESRESPEITO AO POSTULADO DEMOCRÁTICO. – A exigência de fidelidade partidária traduz e reflete valor constitucional impregnado de elevada significação político- -jurídica, cuja observância, pelos detentores de mandato legislativo, representa expressão de respeito tanto aos cidadãos que os elegeram (vínculo popular) quanto aos partidos políticos que lhes propiciaram a candidatura (vínculo partidário) . – O ato de infidelidade, seja ao partido político, seja, com maior razão, ao próprio cidadão-eleitor, constitui grave desvio ético-político, além de representar inissível ultraje ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas, nem sempre motivadas por justas razões, não só surpreendem o próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem – desfalcando-as da representatividade por elas conquistada nas urnas -, mas culminam por gerar um arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, até, em clara fraude
à vontade popular e em frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política. A prática da infidelidade partidária, cometida por detentores de mandato parlamentar, por implicar violação ao sistema proporcional, mutila o direito das minorias que atuam no âmbito social, privando-as de representatividade nos corpos legislativos, e ofende direitos essenciais – notadamente o direito de oposição – que derivam dos fundamentos que dão e legitimador ao próprio Estado Democrático de Direito, tais como a soberania popular, a cidadania e o pluralismo político (CF, art. 1.º, I, II e V) . – A repulsa jurisdicional à infidelidade partidária, além de prestigiar um valor eminentemente constitucional (CF, art. 17, § 1.º, “in fine”) , (a) preserva a legitimidade do processo eleitoral, (b) faz respeitar a vontade soberana do cidadão, (c) impede a deformação do modelo de representação popular, (d) assegura a finalidade do sistema eleitoral proporcional, (e) valoriza e fortalece as organizações partidárias e (f) confere primazia à fidelidade que o Deputado eleito deve observar em relação ao corpo eleitoral e ao próprio partido sob cuja legenda disputou as eleições. HIPÓTESES EM QUE SE LEGITIMA, EXCEPCIONALMENTE, O VOLUNTÁRIO DESLIGAMENTO PARTIDÁRIO. – O parlamentar, não obstante faça cessar, por sua própria iniciativa, os vínculos que o uniam ao partido sob cuja legenda foi eleito, tem o direito de preservar o mandato que lhe foi conferido, se e quando ocorrerem situações excepcionais que justifiquem esse voluntário desligamento partidário, como, p. ex., nos casos em que se demonstre “a existência de mudança significativa de orientação programática do partido” ou “em caso de comprovada perseguição política dentro do partido que abandonou” (Min. Cezar Peluso) . A INSTAURAÇÃO, PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO. – O Tribunal Superior Eleitoral, no exercício da competência normativa que lhe é atribuída pelo ordenamento positivo, pode, validamente, editar resolução destinada a disciplinar o procedimento de justificação, instaurável perante órgão competente da Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se, para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a lacuna normativa existente, da “analogia legis”, mediante aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3.º a 7.º da Lei Complementar n.º 64/90. – Com esse procedimento de justificação, assegura-se, ao partido político e ao parlamentar que dele se desliga voluntariamente, a possibilidade de demonstrar, com ampla dilação probatória, perante a própria Justiça Eleitoral – e com pleno respeito ao direito de defesa (CF, art. 5.º, inciso LV) -, a ocorrência, ou não, de situações excepcionais legitimadoras do desligamento partidário do parlamentar eleito (Consulta TSE n.º 1.398/DF) ,
para que se possa, se e quando for o caso, submeter, ao Presidente da Casa legislativa, o requerimento de preservação da vaga obtida nas eleições proporcionais. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA E LEGITIMIDADE DOS ATOS LEGISLATIVOS PRATICADOS PELO PARLAMENTAR INFIEL. A desfiliação partidária do candidato eleito e a sua filiação a partido diverso daquele sob cuja legenda se elegeu, ocorridas sem justo motivo, assim reconhecido por órgão competente da Justiça Eleitoral, embora configurando atos de transgressão à fidelidade partidária – o que permite, ao partido político prejudicado, preservar a vaga até então ocupada pelo parlamentar infiel -, não geram nem provocam a invalidação dos atos legislativos e istrativos, para cuja formação concorreu, com a integração de sua vontade, esse mesmo parlamentar. Aplicação, ao caso, da teoria da investidura funcional aparente. Doutrina. Precedentes. REVISÃO JURISPRUDENCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA: A INDICAÇÃO DE MARCO TEMPORAL DEFINIDOR DO MOMENTO INICIAL DE EFICÁCIA DA NOVA ORIENTAÇÃO PRETORIANA. – Os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal desempenham múltiplas e relevantes funções no sistema jurídico, pois lhes cabe conferir previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por eles abrangidas, atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide e em decorrência deles, gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com esses mesmos precedentes e preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos nas ações do Estado. – Os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, inclusive as de direito público, sempre que se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas, impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e, desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no ado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio Tribunal. Doutrina. Precedentes. – A ruptura de paradigma resultante de substancial revisão de padrões jurisprudenciais, com o reconhecimento do caráter partidário do mandato eletivo proporcional, impõe, em respeito à exigência de segurança jurídica e ao princípio da proteção da confiança dos cidadãos, que se defina o momento a partir do qual terá aplicabilidade a nova diretriz hermenêutica. – Marco temporal que o Supremo Tribunal Federal definiu na matéria ora em julgamento: data em que o Tribunal Superior Eleitoral apreciou a Consulta n.º 1.398/DF (27/03/2007) e, nela, respondeu, em tese, à indagação que lhe foi submetida. A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E O MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA, PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. – O exercício da jurisdição constitucional, que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição, põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. – No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re) formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que “A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la”. Doutrina. Precedentes. – A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal – a quem se atribuiu a função eminente de “guarda da Constituição” (CF, art. 102, “caput”) – assume papel de fundamental importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso País conferiu, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental. (MS 26603, Relator(a) : Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241 DIVULG 1812-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318) No mesmo sentido, vale mencionar a QO no RE 586.453 (Min. Toffoli, Plenário. Maioria, j. 20.02.2013).
445 RE 377.457/PR; RE 381.964/MG; RE 592.148 (Min. Celso de Mello, 2ª T., j. 25.08.2009) e AI 633563 (Min. Celso de Mello, 2ª T., j. 19.04.2011).
446 PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MODULAÇÃODOS EFEITOS PELO STJ. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER PROTELATÓRIO. IMPOSIÇÃO DE MULTA.1. Trata-se de Embargos de Declaração em que se postula modulação dos efeitos diante de suposta alteração na jurisprudência do STJ, relativamente à incidência de ISS sobre serviços de praticagem.2. Ocorre que os Embargos de Divergência foram liminarmente rejeitados,porque não demonstrada a similitude fático-jurídica entre o acórdão hostilizado e os arestos paradigmas.3. Sem prejuízo, o pedido de modulação dos efeitos foi deduzido mediante invocação de precedente que não havia sido
apontado como emblemático do suposto dissídio entre as Turmas que compõem a Seção de Direito Público do STJ. 4. A decisão que não enfrenta o mérito do recurso não comporta modulação dos efeitos. Ademais, a Primeira Seção do STJ, nos ERESP 738.689/PR (Rel.Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 22.10.2007) , firmou a orientação de que,”salvo nas hipóteses excepcionais previstas no art. 27 da Lei 9.868/99, é incabível ao Judiciário, sob pena de usurpação da atividade legislativa,promover a ‘modulação temporal’ de suas decisões, para o efeito de dar eficácia prospectiva a preceitos normativos reconhecidamente revogados”’. 5. Diante do caráter protelatório do presente recurso, impõe-se a fixação da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do C. 6. Embargos de Declaração rejeitados, com imposição de multa de 1% do valor da causa, devidamente atualizado. EDcl no AgRg nos Embargos de Divergência em RESP N.º 724.111 – RJ (2010/0040920-6) Relator: Min. Herman Benjamin. No mesmo sentido: Eresp 738.689/PR, rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª S., j. 27.06.2007. Em sentido oposto, reconhecendo a necessidade da aplicação da modulação: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOS REGIMENTAIS. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. LEGITIMIDADE RECURSAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. RECESSO FORENSE. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL (ARESP 137.141/SE) . CONVERSÃO EM RECURSO ESPECIAL.1. É sabido que esta Corte Superior de Justiça até aqui ampara a tese de que o Ministério Público Estadual não é parte legítima para atuar perante os Tribunais Superiores, uma vez que tal atividade estaria restrita ao Ministério Público Federal.2. O Ministério Público dos Estados não está vinculado nem subordinado, no plano processual, istrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante esta Corte Superior de Justiça.3. Não permitir que o Ministério Público Estadual atue perante esta Corte Superior de Justiça significa: (a) vedar ao MP Estadual o o ao STF e ao STJ; (b) criar espécie de subordinação hierárquica entre o MP Estadual e o MP Federal, onde ela é absolutamente inexistente; (c) cercear a autonomia do MP Estadual; e (d) violar o princípio federativo.4. A atuação do Ministério Público Estadual perante o Superior Tribunal de Justiça não afasta a atuação do Ministério Público Federal, um agindo como parte e o outro como custos legis.5. Recentemente, durante o julgamento da questão de ordem no Recurso Extraordinário n.º 593.727/MG, em que discutia a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público, decidiu-se pela legitimidade do Ministério Público Estadual atuar perante a Suprema Corte.6. Legitimidade do Ministério Público Estadual para atuar perante esta Corte Superior de Justiça, na qualidade de autor da ação, atribuindo
efeitos prospectivos à decisão.7. A jurisprudência do STJ estabelecia que, para fins de demonstração da tempestividade do recurso, incumbia à parte, no momento da interposição, comprovar a ocorrência de suspensão dos prazos processuais em decorrência de feriado local, ausência de expediente forense, recesso forense, dentre outros motivos, não se itindo a juntada posterior do documento comprobatório.8. A Corte Especial, no julgamento do AREsp 137.141/SE, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, ocorrido no dia 19.9.2012, acompanhando o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no AgRg no RE n.º 626.358/MG, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ 23.8.2012, modificou sua jurisprudência, ando a permitir a comprovação de feriado local ou suspensão dos prazos processuais não certificada nos autos em momento posterior à interposição do recurso na origem.9. Nos presentes autos, constata-se que houve a comprovação, no agravo regimental do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual, acerca da suspensão dos prazos processuais em decorrência do recesso forense no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.10. Agravos regimentais providos para afastar a intempestividade e determinar a conversão dos autos em recurso especial, nos termos do art. 34, XVI, do RISTJ.(AgRg no AgRg no AREsp 194.892/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 24/10/2012, DJe 26/10/2012).
447 R. CARRAZZA. Segurança jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais. Irretroatividade e jurisprudência judicial. In: ____; T. FERRAZ JUNIOR; N. NERY JUNIOR. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. 2. ed. São Paulo: Manole, 2009. p. 69; T. BUSTAMANTE. A dificuldade de se criar uma cultura argumentativa do precedente judicial e o desafio do Novo C. In: DIDIER JR., Fredie et al. (coord.). Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 65: “deve ser introduzida uma limitação formal ou processual para racionalizar a aplicação do prospective overruling, sob penal de surgimento de uma incoerência. Com efeito, o art. 27 da lei 9868/99 exige maioria de dois terços (dos membros do Tribunal) para modulação dos efeitos da inconstitucionalidade da lei. Não faz sentido que esse requisito não se aplique também às hipóteses de modificação da jurisprudência do tribunal.”
448 R. PEIXOTO. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 75; L. MACÊDO. A disciplina dos precedentes judiciais no
direito brasileiro: do anteprojeto ao Código de Processo Civil. In: DIDIER JR., Fredie et al. (coord.). Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 120: “a regulação temporal do precedente judicial não deixa de ser uma espécie de ‘decisão’sobre o precedente, que, todavia, não integra dispositivo. Julgar a regulação temporal é decidir acerca do direito difuso à segurança jurídica dos jurisdicionados, seja em matéria constitucional ou em qualquer outra. Ora, é evidente que não se afigura correta a extensão analógica de um requisito mais severo, aplicável a outra questão, para dificultar a tutela de um direito fundamental, como é o direito à proteção da confiança. Assim, repita-se, tanto em matéria constitucional como qualquer outra, exigir um quorum qualificado de 2/3 é manifesto erro.”
449 M.GALIO. Overruling – a superção do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 36. (Coleção Novo Código de Processo Civil 3). C.COLE. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos. O sistema de precedente vinculante do common law. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 752, p. 11-21, jun. 1998; T.FINE. O uso do precedente e o papel do princípio do stare decisis no sistema legal norte-americano. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 782, p. 90-98, dez. 2000.
450 L.MARINONI. Precedentes Obrigatórios. 3 ed. São Paulo: RT, 2015. p.275.
451 “Por meio dela, o tribunal, percebendo a desatualização de um precedente, anuncia que poderá modificá-lo, fazendo com que ele se torne incapaz de servir como base para a confiança dos jurisdicionados. De acordo com a doutrina, uma das utilidades desta técnica é a de servir à moldagem da eficácia temporal quando o precedente for efetivamente revogado, atuando como parâmetro inicial da revogação prospectiva.” FDIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 378.
452 Um exemplo de signaling pode ser encontrado no bojo do julgamento do Resp 736.650/MT, Corte Especial. Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira.
Brasília, DF, 20 de agosto de 2014, Dje 01/09/2014.
453 A. CABRAL. A técnica do julgamento-alerta na mudança de jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 221, p. 39, 2013.
454 “Assim, enquanto na relação continuativa a eficácia prospectiva da coisa julgada sempre se justificou pelo desdobramento futuro inerente ao fato jurídico objeto da demanda, nas relações sucessivas tal eficácia decorre da necessidade de se conferir racionalidade e coerência ao sistema jurídico, possibilitando que a coisa julgada se aplique a relações jurídicas que jamais foram submetidas à apreciação judicial.” P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: RT, 2015. p. 128-129. (Coleção o Novo Processo Civil).
455 “Note-se que não se trata de “Direito novo”, pois os Tribunais, como vimos, não criam o Direito. Contudo a consolidação definitiva sobre a exegese de determinada lei é fator que interfere na sua aplicação, de modo que, se a sentença não se pautou nessa exegese, deve-se entender que ela está em desarmonia com o novo paradigma jurídico, situação fática que se subsume ao comando do art. 471, I, do Código de Processo Civil.” R. MOJICA. Coisa julgada em matéria tributária e seus mecanismos de revisão. São Paulo: Verbatim, 2011. p. 179.
456 “A aplicação desse dispositivo [art. 471, I, do C] pressupõe o enquadramento da decisão do Supremo Tribunal Federal como uma espécie de modificação do ‘estado de direito’. H. ÁVILA. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 191. A referência ao art. 471, I, do Código de Processo Civil pertence àquele de 1973, que foi substituído, com a mesma redação, pelo art. 505, I do Código de Processo Civil de 2015.
457 “Com efeito, é possível afirmar que o sistema jurídico brasileiro não alberga a eficácia prospectiva (ex nunc) da coisa julgada em relação a fatos jurídicos ocorridos após a consolidação jurisprudencial (marco temporal) em sentido contrário ao julgado. Trata-se de hipótese de inaplicabilidade (ineficácia, portanto) da decisão anteriormente transitada em julgada em relação a tais fatos, bem como de inexistência do óbice da coisa julgada. A essa conclusão se chega a partir da constatação de que a consolidação jurisprudencial dos tribunais superiores em sentido contrário àquele consignado na decisão transitada em julgado constitui nítida alteração das circunstâncias jurídicas existentes quando da formação da coisa julgada, apta a obstar os seus efeitos.” P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: RT, 2015. p. 193. (Coleção o Novo Processo Civil).
458 P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado, São Paulo: RT, 2015. p. 195. (Coleção o Novo Processo Civil).
459 “Para nós, que entendemos que a jurisprudência constitui, sim, fonte de direito, esse dispositivo contém a solução do problema. Se o contribuinte (ou o fisco) obtém declaração, com base em determinada interpretação, mas a jurisprudência vem a se fixar em sentido oposto, há de caber a revisão do julgado, porque houve modificação do direito.” J. TESHEINER. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: RT, 2001. p. 191.
460 H. MACHADO; H. MACHADO SEGUNDO. Coisa julgada. Decisão do superveniente do STF. Relação continuativa tributária. Questões de procedimento istrativo. Multa desproporcional e irrazoável. (Parecer). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 123, dez. 2005. p. 102.
461 L.GRECO. Eficácia da declaração erga omnes de constitucionalidade ou inconstitucionalidade em relação à coisa julgada anterior. In: DIDIER Jr., Fredie (coord.). Relativização da coisa julgada. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p.
230. “No caso de o contribuinte estar abarcado pela coisa julgada, deverá ser considerado em mora somente após a publicação do acórdão proferido nas referidas ações, tendo em vista que a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade em ADC e ADIN efetivamente modifica o estado de direito, influenciando diretamente no ordenamento jurídico. Assim, com a cessação dos efeitos da coisa julgada, tal decisão aplicar-se-á a fatos futuros, jamais aos pretéritos, os quais poderiam ser alcançados somente com a rescisão da sentença.” D. SOUTO. Coisa julgada, constitucionalidade, legalidade em matéria tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Coisa julgada, constitucionalidade, legalidade em matéria tributária. São Paulo: Dialética, 2006. p. 33.
462 L.MARINONI. Coisa julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in)constitucionalidade do STF sobre a coisa julgada; a questão da relativização da coisa julgada. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 158.
463 “Modificação no estado de fato implica o reconhecimento de que não mais ocorre, por algum motivo, o fenômeno da subsunção à norma objeto de apreciação judicial. Neste caso, aliás, não haveria talvez sequer necessidade de revisão, posto que outras normas seriam aplicáveis à situação fática, agora diversa. A modificação no estado de direito, por seu turno, significa o comprometimento da interpretação levada a cabo na situação jurídica objeto de apreciação judicial, por força de entendimento posterior do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário quanto à questão constitucional.” D. DALLAZEM. A coisa julgada e a posterior apreciação da constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. (coord.) Coisa Julgada Tributária. São Paulo: MP, 2005. p. 93-94. No mesmo sentido: R. PANDOLFO. Jurisdição constitucional tributária. Reflexos nos processos istrativo e judicial. São Paulo: Noeses, 2012. p. 275; T. ZAVASCKI. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 2. ed. São Paulo: RT, 2012. p. 110; H. MACHADO SEGUNDO, et al. Coisa julgada, constitucionalidade, legalidade em matéria tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito. (coord.). Coisa julgada, constitucionalidade, legalidade em matéria tributária. São Paulo: Dialética, 2006. p. 184.
464 P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: RT, 2015. p. 201. (Coleção o Novo Processo Civil).
465 “Segue-se que o Tribunal pode alargar a aplicação de uma regra deduzida de um prior case atingindo um caso atual, mesmo que este não seja rigorosamente similar ao anterior. Semelhantemente, se constatar que a aplicação da regra imposta pelo precedente ao caso atual implicar a produção de um resultado indesejável, ao tribunal é possível estreitar ou restringir o alcance do princípio. Esses os motivos pelos quais Edward Re sustenta que o stare decisis não é uma doutrina que se ocupa apenas da estabilidade e da uniformidade. Para ele, suas restrições e limitações distensionam o enrijecimento peculiar ao common law, e permitem a inaplicabilidade de precedentes eventualmente obsoletos, providência necessária para a mudança e o progresso.” A. MATIAS. Precedentes: Fundamentos, Elementos e Aplicação. São Paulo: JH Mizuno, 2019. p. 106.
466 Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, Julgado em 01/09/2015,DJE 08/09/2015.
467 “Art. 7o XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;.XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos;§ 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV.§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade
competente poderá delimitar o o do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências. § 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o o do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer o aos autos ao juiz competente.” (NR) .
468 F.DIDIER JÚNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 300. v. 2.
469 “Há instrumentos processuais de que o jurisdicionado se pode valer para controlar a decisão judicial que, invocando um precedente (jurisprudência ou súmula) , lhe cause gravame.” F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015, p. 300. v. 2.
470 L.MARINONI. Precedentes Obrigatórios. 3 ed. São Paulo: RT, 2015. p.175; F.DIDIER JÚNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 315. v. 2; R. PEIXOTO. A modulação da eficácia temporal na revogação de precedentes: uma análise a partir da segurança jurídica e da confiança legítima. Dissertação de mestrado. RECIFE: UFPE, 2015. p. 132.
471 M.GALIO. Overruling – a superção do precedente no direito brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 100 (Coleção Novo Código de Processo Civil 3).
472 T. WAMBIER; M. CONCEIÇÃO; L. RIBEIRO; R. MELLO. Primeiros Comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015. p. 927.
473 A. CÂMARA. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 175.
474 J. CRUZ e TUCCI. O regime do precedente judicial no novo C. Fredie Didier Jr. et al. (coord.). Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 200; N. NERY JÚNIOR. e R. NERY. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1123; C. BUENO. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 976.
475 S. ARENHART; D. MITIDIERO. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 989.
476 R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 90; R. HARTMANN. Novo Código de Processo Civil: comparado e anotado. Niterói: Impetus, 2016. p. 632; B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Editora Juspodivm: Salvador, 2017. 987; F. DIDIER JÚNIOR; P. BRAGA; R. OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015, p. 375. v. 2; H. ZANETI JÚNIOR. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Antonio do o Cabral e Ronaldo Cramer (coord.). 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 990; H. THEODORO JUNIOR; D. NUNES; A. BAHIA; F. PEDRON. Novo C: fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 300; B. LOPES; C. DINAMARCO. Teoria Geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 321; A. ASSIS. Processo Civil brasileiro. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015. p. 320. v. 2, t. 2; A. ALVIM. Novo contencioso cível no C/2015. São Paulo: RT, 2016. p. 456; E. COSTA. Comentários ao Código de Processo Civil. Helder Câmara (coord.). Lisboa: Almedina, 2016. p. 989. No mesmo sentido, Enunciado 170 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis: “as decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgõs jurisdicionais a eles submetidos.
477 B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Editora Juspodivm: Salvador, 2017. p. 879.
478 Em sentido contrário, vale mencionar o seguinte entendimento: “Assim é que têm eficácia vinculante as decisões e enunciados sumulares indicados nos incisos I a III do art. 927; e são meramente argumentativas as decisões e verbetes sumulares de que tratam os incisos IV e V do mesmo .”A. CÂMARA. O Novo Processo Civil Brasileiro. Editora Atlas, 2017. p. 320.
479 “Esquecem-se os defensores dessa corrente que a previsão constitucional da força vinculante da decisão de controle concentrado de constitucionalidade e da súmula vinculante deu-se pelo fato de que esses precedentes não vinculam apenas o Poder Judiciário, mas também a istração Pública direta e indireta, o que inclui o Poder Executivo.”(…) “Ademais, com exceção dos incisos I e II, respectivamente, a decisão de controle concentrado e a súmula vinculante, os demais precedentes do art. 927 do NC vinculam apenas o próprio Judiciário. A vinculação do Judiciário por um precedente emitido por ele próprio constitui hipótese de autorregramento e comporta apenas previsão infraconstitucional. Afinal, um Poder pode autorregrar-se por lei federal.” R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 123.
480 A. MENDES; L. MARINONI; T. WAMBIER (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2014. p. 300. v. II.
481 E. COSTA. Comentários ao Código de Processo Civil. Helder Câmara
(coord.). Lisboa: Almedina, 2016. p. 200.
482 “Antes mesmo de produzir e seguir a sua própria súmula, os tribunais devem seguir seus próprios precedentes, para que haja sólida jurisprudência a ser sumulada. Esse dever é um dos conteúdos dos deveres gerais de integridade e coerência.” F.DIDIER JÚNIOR; P.BRAGA; R.OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil. 10. ed. Bahia: Juspodivm, 2015. p. 300. v. 2.
483 Vale mencionar, à guisa de remissão, o art. 19, § § 1.º ao 5.º da Lei 10.522/2002, com as alterações decorrentes da Lei 12.844/2013.
484 A. PECZENIK. The binding force of precedent. In: D. MacCORMICK; R.SUMMERS. (ed). Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot: Dartmouth Publishing, 1997. p. 477-478. No mesmo sentido: M. ZANDER. The law-making process. 7. ed. Oxford: Hart Publishing, 2015. p. 265.
485 Súmula istrativa da AGU nº 31; Arts. 4º, XII e 43 da LC 73/93; Art. 1º do Decreto Federal nº 2346/97; Art. 19 da lei 10522/2002.
486 “O objetivo principal do procedimento de sumular istrativamente determinados temas tem o mesmo foco das súmulas judiciais, qual seja, racionalizar a prestação do serviço, no caso, advocatício. Há ainda razões de simplificação dos procedimentos internos, ganho de eficiência, diminuição de gastos, redução da burocracia estatal na prestação advocatícia, publicidade dos entendimentos da Procuradoria, uniformização do entendimento istrativo, economicidade processual, entre outros.” R. FERNANDES. Regime jurídico da advocacia pública. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2010, p. 50.
487 R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 124.
488 B. FERNANDES. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Editora Juspodivm: Salvador, 2017. p. 956.
489 “Tendo em vista estas características, somente pode ser superprecedente o julgado do STF qye cria ou amplia direito fundamental e possui eficácia vinculante. Por óbvio, para criar ou incrementar direito fundamental, o precedente somente pode decorrer do STF.” R. CRAMER. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 45.
490 G.AMARAL. Comentários às alterações do novo C. São Paulo: RT, 2015. p. 1.240.
491 J.MEDINA. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3 ed. São Paulo: RT. 2015. p. 1.300: “Assim, pode-se estar diante de tema que não ensejaria o ajuizamento de uma ação específica, mas que deva ser resolvido, incidentalmente, em um grande número de ações judiciais. É inegável, de todo modo, que, nos casos de conflitos sobre direitos coletivos, muito provavelmente poderá haver justificativa para a issão de recurso ou incidente de casos repetitivos, e, embora possa parecer paradoxal, medidas dessa natureza terão ainda maior serventia naqueles casos em que, por restrições legais ou da própria natureza do procedimento, uma ação coletiva não for issível ou, se issível, não solver satisfatoriamente as questões repetitivas.
492 Adotamos a nomenclatura apresentada por estar prevista literalmente no CDC, mas sustentamos que a nomenclatura correta seria erga victmae, pois a eficácia subjetiva não atinge a todos de forma indistinta, mas sim às vítimas do evento.
493 “Os titulares dos direitos repetidos não formam uma coletividade além daquela que só pode ser constatada no caso concreto, analisando-se quem tem um direito semelhante a outro.”[...] “se considerou como repetitivas as demandas provenientes de situações de fato ou relações jurídicas idênticas, baseadas exatamente nos mesmos fundamentos legais. Com isso, ‘a identidade de fundamento legal que gerou a demanda e a base de incidência fática comum conferem ao litígio grau máximo de semelhança. O que muda é apenas e exclusivamente o nome das partes.” B.WURMBAUER JUNIOR. Novo Código de Processo Civil e os direitos repetitivos. Paraná: Juruá. 2015. p. 175.
494 “São demandas-tipo, decorrentes de uma relação modelo, que ensejam soluções-padrão. Os processos que versam sobre os conflitos massificados lidam com conflitos cujos elementos objetivos (causa de pedir e pedido) se assemelham, mas não chegam a se identificar” A.BASTOS. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 186, ago. 2010, p. 90.
495 A.CINTRA. Interesses individuais homogêneos: natureza e oportunidade da coletivização dos interesses individuais. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v. 72, p. 13, out./dez. 2009; VIAFORE, Daniele. As ações repetitivas no Direito Brasileiro. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2014. p. 75.
496 Como sustentei em minha obra F.BASTOS. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Foco, 2018. p. 230.
497 “Trata-se aqui de estimular os legitimados às ações coletivas a ajuizarem a ação (que só poderá ser em defesa de direitos individuais homogêneos) . Não se especifica, porém, que as ações individuais ficarão suspensas – ressalvados os casos em que a suspensão ocasionaria prejuízos ao demandante individual – nem
se os autores de demandas individuais poderão ingressar no processo coletivo como litisconsortes.” A.GRINOVER. A Coletivização de ações individuais após o veto. Novo Código de Processo Civil. Impactos na legislação extravagante e interdisciplinar. São Paulo: Saraiva. 2015. p. 500.
498 A.MELLO FERRAZ; N.NERY JÚNIOR; E.MILARÉ, ET alli, A ação civil pública e a tutela dos interesses difusos. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 42.
499 “Não vamos chegar ao extremo de dizer que a atividade do Ministério Público, aí, seja ilimitadamente discricionária, ficando a critério do órgão a propositura ou não da ação. No entanto, verificando que não há e legal para o ajuizamento da ação, ou, ainda, que não é oportuna ou conveniente essa propositura, poderá deixar de exercê-la.” É.MILARÉ. Ação Civil Pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 11.
500 STJ. 3ª Turma. Resp 1099634. 08/05/2012. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE PÚBLICO. SISTEMA DE BILHETAGEM ELETRÔNICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RELAÇÃO DE CONSUMO. VIOLAÇÃO DO DIREITO BÁSICO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO ADEQUADA. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 211/STJ. 2. Os embargos declaratórios têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Inexiste ofensa ao art. 535 do C quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, como ocorrido na espécie. 3. O Ministério Público tem legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública que visa à tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme inteligência dos arts. 129, III da Constituição Federal, arts. 81 e 82 do CDC e arts. 1.º e 5.º da Lei 7.347/85. 4. A responsabilidade de todos os integrantes da cadeia de fornecimento é objetiva e solidária. Arts. 7.º, parágrafo único, 20 e 25 do CDC. 5. A falta de o à informação suficiente e adequada sobre os créditos existentes no bilhete
eletrônico utilizado pelo consumidor para o transporte público, notadamente quando essa informação foi garantida pelo fornecedor em propaganda por ele veiculada, viola o disposto nos arts. 6.º, III e 30 do CDC. 6. Na hipótese de algum consumidor ter sofrido concretamente algum dano moral ou material em decorrência da falta de informação, deverá propor ação individual para pleitear a devida reparação. 6. Recurso especial parcialmente provido.
501 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 5.º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2.º DA LEI N. 11.448/2007) . TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. O À JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5.º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (ADI 3943, Relator(a) : Min. Carmen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 07/05/2015, Acórdão eletrônico DJe-154 divulgado 05-08-2015 publicado 06-08-2015).
502 “Trata-se, pois, de mecanismo a ser usado fora do estrito âmbito dos casos repetitivos (tanto assim que, por força do disposto no art. 928, o julgamento do incidente de assunção de competência não integra a categoria dos julgamentos de casos repetitivos.” [...] “Deve-se, então, considerar que o incidente de assunção de competência é um dos integrantes de um microssistema de formação de precedentes vinculantes (composto, também, pelos julgamentos de casos repetitivos) que se insere no corpo do C.” A.CÂMARA. O Novo Processo Civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 200.
503 Enunciado n. 334 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
504 W. OLIVEIRA. Precedentes Judiciais na istração Pública: Limites e possibilidades de aplicação. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 220.
505 “Sob esse aspecto, é paradigmático o precedente Marbury vs. Madison, cuja holding serviu, no decorrer da história, para autorizar o Judiciário a realizar o judicial review (controle difuso de constitucionalidade) das leis. Para a utilização deste precedente não se faz necessário identificar nenhuma similitude fática entre o caso a ser aplicado o precedente (judicial review) e o case que originou Marbury vs. Madison. Tanto assim é, que o controle difuso de constitucionalidade, enquanto precedente, constitui regra jurídica a ser aplicada em diversas questões fáticas distintas, e.g., direito penal, tributário, civil e istrativo.” L. STRECK; G. ABBOUD. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 120.
506 Usei como roteiro o quadro sinótico existente no brilhante artigo de G. ARGENTA; M. ROSADO. Do processo coletivo das ações coletivas ao processo coletivo dos casos repetitivos: modelos de tutela coletiva no ordenamento brasileiro. Revista eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro, n. 1, a. 11, v. 18, jan./abr. 2017.
507 C.CIMARDI. A Jurisprudência uniforme e os precedentes no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Coleção Liebman. São Paulo: RT, 2015, p. 131147.
508 D.KNIJNIK. O recurso especial e a revisão da questão de fato pelo STJ. Rio
de Janeiro: Forense, 2005. p. 91.
509 B.DANTAS. Repercussão geral. 3. ed. São Paulo: RT, 2012. p. 75.
510 “Si è già detto della funzione nomofilattica della Corte Suprema, cioè del suo compito istituzionale di assicurare “l’esatta osservanza e l’uniforme interpretazione della legge” (art. 65, T.U. Ord. Giud.) Alcuni istituti particolari nella disciplina del ricorso per cassazione confermano questa particolare funzione, evidenziando l’esigenza che la Corte curi la correta interpretazione della legge anche al di là del caso deciso.” B. SASSANI. Lineamenti del Processo Civile Italiano – Tutela giurisdizionale, procedimenti di cognizione, cautele, esecuzione. 6. ed. Milano: Giuffrè, 2017. p. 35.
511 “Essa mudança repercutiu na percepção do mister essencial da atuação dos tribunais de cúpula, visto que as decisões proferidas, quanto ao julgamento de recursos de sua competência, não somente apresentam a solução para um específico litígio, mas se consubstanciam em parâmetro de interpretação de determinado texto normativo, a ser reproduzido pelos demais órgãos do Poder Judiciário, tendo-se sempre em vista a Constituição como norma maior.” [..] “Constata-se, assim, que as decisões proferidas pelos tribunais de cúpula contribuem para a necessária coerência e consistência do sistema jurídico e, nessa medida, desempenham o papel de padrão interpretativo, o que confere às Cortes uma função eminentemente prospectiva, voltada à orientação dos demais órgãos do Poder Judiciário quando da efetivação da incidência das normas aos caso concreto. No exercício da atividade de “dizer o direito”em concreto, as Cortes Superiores geram pronunciamentos de relevante caráter paradigmático, pois é da essência de sua atividade interpretativa, tal qual prevista constitucionalmente, desenvolver a concretização das normas. C.CIMARDI. A Jurisprudência uniforme e os precedentes no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. São Paulo: RT, 2015, p. 131-147. (Coleção Liebman).
512 B.DANTAS. Repercussão geral. 3. ed. São Paulo: RT, 2012. p.100.
CAPÍTULO IV – Precedentes do Ministério Público
1. Precedentes decorrentes da atuação funcional direta do Ministério Público
1.1 Considerações gerais e apresentação do tema
O tema será desenvolvido a partir da visão pragmática da resolutividade necessária nos conflitos transindividuais. A partir desta visão, demonstrarei a necessidade da criação de uma sistemática institucional que consiga, sem relegar a oblívio, compatibilizar a independência funcional dos membros do Ministério Público com a segurança jurídica derivada da atuação dos órgãos de execução.
O que se enfrenta hoje, na prática, é a adoção, pelos membros do Ministério Público, por meio dos seus órgãos de execução, de medidas sem qualquer apreço à estabilidade, coerência e integridade com atuações anteriores em casos semelhantes, conforme determina o art. 926 do C. Portanto, foi conferida ênfase na apresentação da teoria dos precedentes no sistema jurídico e seus efeitos.
O principal objeto, por conseguinte, é encontrar substrato para a criação de uma sistemática funcional que privilegie a unidade institucional na utilização e aplicação dos instrumentos de redução da litigiosidade extrajudiciais e extraprocessuais, em detrimento da independência funcional.
A principal questão a ser enfrentada, nesta temática, é a seguinte: a solução extrajudicial e extraprocessual adotada pelo Ministério Público para evitar ou reparar um dano à coletividade pode servir de precedente para orientar casos análogos, sob a responsabilidade de outro membro?
Considerando que a segurança jurídica é uma das principais garantias processuais em nosso ordenamento, e nos sistemas jurídicos de uma forma geral,
todos os sujeitos processuais, com lastro na boa-fé objetiva (art. 5º do C) e no princípio da cooperação (art. 6º do C), deverão atuar em prol da melhor solução para o caso concreto, usando, quando existente, algum precedente como fonte.
O Ministério Público, enquanto um dos sujeitos do processo, não pode fugir à tal responsabilidade, até porque uma das suas precípuas funções é a defesa da ordem jurídica, conforme preconiza o art. 127 da Constituição da República. Com espeque nestas premissas básicas, é factível sustentar que os membros do Ministério Público, na forma do art. 926 do C, devem respeito às características dos precedentes, tais como coerência, integridade e estabilidade, inclusive quando forem criados por decorrência direta das suas atuações funcionais, como nos casos das soluções extraprocessuais e extrajudiciais.
O objetivo geral é sedimentar um sistema no qual aplicam-se os institutos dos precedentes, até então adstritos ao plano judicial, ao plano ministerial (extrajudicial e extraprocessual).
O objetivo específico será a proposição da criação de um sistema no qual a aplicação destes institutos, em prol da segurança jurídica e da unidade institucional, seja suficiente para revisitar e, quem sabe, mitigar os princípios da obrigatoriedade e da independência funcional dos membros do Ministério Público.
O principal desafio, que reputo ainda mais complexo, é o da possibilidade de vinculação do Ministério Público aos seus próprios instrumentos celebrados (eficácia vinculante no plano horizontal), ou seja, a possibilidade de determinado causador da lesão aos interesses transindividuais perquirir a aplicabilidade de determinado instrumento ao seu caso concreto.
O referencial teórico, por decorrência lógica, é o sistema de precedentes jurisdicionais. Buscarei apresentar, com esta base, uma estrutura segundo a qual os precedentes istrativos, decorrentes das soluções extrajudiciais propostas pelo Ministério Público, devem gerar, no mínimo, uma eficácia persuasiva para casos concretos análogos futuros.
Tais proposições guardam extrema relevância institucional, pois há a necessidade de se buscar maior efetividade e resolutividade no manejo dos institutos e instrumentos da tutela coletiva, como forma de gerenciamento dos órgãos de execução e, principalmente, para lograr obter mais resultados concretos em prol da coletividade.
Ademais, haverá a imperiosa necessidade de abordar, analisar e revisitar temas institucionais de grande envergadura, tais como unidade, independência funcional (previstos no art. 127, parágrafo único da Constituição da República) e princípio da obrigatoriedade da ação coletiva.
É possível afirmar que o princípio institucional da unidade⁵¹³ referida no texto constitucional pode projetar-se sobre três referenciais de análise: a) a Instituição; b) a atuação funcional dos membros; e c) a influência exógena.⁵¹⁴
No Brasil, a evolução do Ministério Público terminou por cunhar um modelo híbrido, no qual, apesar de consagrado o princípio da unidade, resguardou-se a independência funcional dos seus membros (art. 127, § 1º da Constituição da República). É justamente a correta percepção deste tipo de modelo institucional que se faz relevante para que se entenda a importância da criação e aplicação de precedentes ministeriais.⁵¹⁵ Não pode ser confundida a necessidade de aplicação de precedentes ministeriais com alguma forma de intromissão na atividade-fim, mormente quando exógena. O que procuro apresentar nesta dissertação é a imprescindibilidade de buscar a segurança jurídica na resolução dos conflitos e a perniciosidade da dispersão de decisões, principalmente em casos semelhantes que exigiriam a mesma solução.⁵¹
A Constituição da República, com a fixação dos princípios institucionais do Ministério Público, nitidamente possuía propósito garantidor e protetivo para um efetivo atuar independente e imune às influências externas, possibilitando uma proteção adequada contra as retaliações que seus membros certamente sofreriam sempre que contrariassem os detentores do poder político ou econômico.⁵¹⁷
De acordo com o princípio da independência funcional, conforme assinala doutrina autorizada⁵¹⁸, aos membros do Ministério Público são direcionadas duas garantias vitais ao pleno exercício de suas funções: a) podem atuar livremente, somente rendendo obediência à sua consciência e à ordem jurídica, não estando vinculados às recomendações expedidas pelos órgãos superiores da Instituição em matérias relacionadas ao exercício de suas atribuições institucionais; b) não podem ser responsabilizados pelos atos que praticarem no estrito exercício de suas funções, gozando de total independência para exercê-las em busca da consecução dos fins inerentes à atuação ministerial.
Incontestável a afirmação de que a independência funcional não pode ser considerada como absoluta, mormente nos casos em que o membro do Ministério Público pretende fazer valer o seu entendimento, apesar de entendimentos consolidados em sentido diverso, inclusive no plano institucional. Com isso, por certo, não se defende a ocorrência nefasta de censuras ideológicas, mas, repita-se à exaustão, uma forma de se buscar uma unidade institucional com fins de obter segurança e estabilidade jurídicas.⁵¹
O princípio da unidade institucional será abordado para fins de estabelecer uma maior coerência, integridade e estabilidade na busca das soluções dos conflitos transindividuais. Tais características são comumente apontadas como bases para o estudo da teoria dos precedentes.
Pretendo demonstrar, ao longo da exposição do tema, a necessidade de uma
sistemática na qual a atuação na tutela coletiva seja tratada como uma questão mais institucional do que do órgão de execução. Ao realizar tais abordagens, por decorrência lógica, imprescindível encarar a possibilidade de a independência funcional ser reavaliada ou ratificada como forma de busca individual, e não institucional, para a solução dos conflitos coletivos.
O princípio da obrigatoriedade deverá ser analisado e revisitado sob a ótica da necessidade de mantê-lo dentro do sistema da tutela coletiva, partindo da premissa que ele efetivamente existe ou se devemos substituí-lo pelo princípio da oportunidade (poder de agenda), com o fomento dos métodos extraprocessuais e extrajudiciais. Com estas abordagens, procurarei sistematizar a possibilidade da adoção das soluções extraprocessuais na tutela coletiva e de vinculação, ainda que meramente persuasiva do Ministério Público, e não somente do membro ou do órgão de execução, aos casos futuros.
1.2 Precedentes Ministeriais
Apresentado todo o sistema brasileiro de precedentes jurisdicionais, o a abordar a formação dos precedentes ministeriais.
Precedente ministerial, para fins de apresentação do tema, deve ser considerado toda a atuação funcional do Ministério Público na defesa da ordem jurídica (art. 127 da Constituição da República), no plano extrajudicial e extraprocessual. O precedente, a rigor, será a norma jurídica extraída de uma decisão ou promoção ministerial anterior, com fundamentação adequada e específica (art. 489, §1º do C), que demonstra o convencimento do Ministério Público sobre determinado tema. Revela, assim, a solução de determinado caso concreto que deve ser observada pelos demais membros em casos futuros e semelhantes.
Não devem ser consideradas, para fins conceituais, as decisões istrativas proferidas no seio de procedimentos istrativos internos ou disciplinares, pois, nestas hipóteses, serão considerados precedentes meramente istrativos.
A participação do Ministério Público durante a criação e formação dos precedentes vinculantes é evidente e obrigatória, ainda que não seja parte formal da relação jurídica processual, conforme se denota das normas dos arts. 947, §1º, 948, 976, § 2º, 983 e 1038, inciso III do C, art. 103, §1º da Constituição da República, arts. 8º, 12-E, §3º e 19 da Lei 9.886/99, art. 7º, parágrafo único da Lei 9.882/99 e art. 2º, §2º da Lei 11.417/06. Considerando a existência de um microssistema de precedentes (arts. 926 ao 928 do C), tais normas deverão ser aplicadas aos demais instrumentos que geram a formação de precedentes vinculantes.⁵²
Tais hipóteses, por óbvio, não podem ser incluídas no conceito apresentado de precedente istrativo, nem ministerial, mas naquele de precedente jurisdicional, pois decorrente da resolução de caso concreto ou da fixação de determinada tese jurídica (art. 985 do C).
Além de todas as teorias que nos apresentam o conceito de precedente, resta saber como qualitativamente será conceituado o precedente ministerial. Em outros termos, a atuação ministerial extraprocessual e extrajudicial pode ser considerado como um verdadeiro precedente a ser empregado pelos membros do Ministério Público como orientação para casos futuros?
Para fins de verificação do tema, impende apresentar quais seriam os instrumentos que poderiam ser considerados como precedentes ministeriais. Com efeito, os precedentes ministeriais são os seguintes: i) promoção de arquivamento de inquérito civil; ii) expedição de recomendação; iii) celebração de termo de ajustamento de conduta; iv) celebração de acordo de leniência e v) acordo de não persecução cível.
Apesar de reconhecer que outros atos ministeriais, tais como as promoções ínsitas nos procedimentos istrativos criminais (inquéritos policiais ou procedimento investigatório criminal), acordo de não persecução penal, transação penal ou colaboração premiada, podem ser considerados como precedentes ministeriais, ficarei adstrito somente aos instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais no âmbito da tutela coletiva.
Entendo que para a ocorrência de vinculação obrigatória aos demais membros do Ministério Público, é imprescindível que o precedente ministerial seja criado e confirmado pelo órgão institucional colegiado superior imbuído de tal atribuição.⁵²¹ Explico. Os membros do Ministério Público ostentam independência funcional (art. 127, parágrafo único da Constituição da
República) e, neste contexto, não precisam observar o mesmo entendimento de seus colegas, mormente quando atuam em órgãos de execução com a mesma hierarquia istrativa, mas, em prol da unidade institucional deveriam observar as decisões proferidas pelos órgãos istrativos superiores, ainda que não sejam, por concepção, órgãos criadores de precedentes.
Nesta senda, por certo, devem ser empregadas as diferenças, como adiante o farei, entre as eficácias vinculantes horizontal e vertical dos precedentes.
No âmbito do Poder Judiciário, aqui referido somente como um paradigma para apresentar o presente tema, somente as decisões dos órgãos colegiados que ostentam a competência da preponderância da uniformização podem ter este condão (órgão especial ou o pleno, conforme o caso) de gerar precedentes com eficácia vinculante, ou seja, as decisões unipessoais ou monocráticas não podem ser consideradas, qualitativamente, como precedentes.
No âmbito do Ministério Público, somente o Conselho Superior, de atribuição dos Ministérios Públicos estaduais (arts. 14, 15, inciso X e 30 da Lei 8625/93), uma das Câmaras de Coordenação e Revisão, esta de atribuição do Ministério Público da União (arts. 58 e 62, incisos I, III e IV da Lei Complementar 75/93) e o Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A, §2º, incisos I, II, III e IV da Constituição da República), podem ser considerados como fontes qualitativas para a formação de precedentes ministeriais, apesar da inexistência de regulamentação específica.⁵²²
Sobreleva notar que tais órgãos expedem recomendações dirigidas aos membros do Ministério Público, bem como enunciados que contém teses e proposições jurídicas diretamente relacionadas às atividades ministeriais. Assim, como os enunciados da jurisprudência dominante dos tribunais superiores (chamados comumente de súmulas), tais enunciados ministeriais poderão ser considerados como orientações para a solução dos casos concretos futuros.⁵²³
Esse nível de definição (criação de precedente) será alcançado quando o órgão jurisdicional colegiado superior proferir a sua decisão, que pode ser estendido ao Ministério Público por três razões principais: i) porque será o último a decidir; ii) porque todas as causas podem buscar esta interpretação; iii) e, fundamentalmente, porque a Constituição Federal ou a norma jurídica organizadora da instituição conferiu-lhe a função de órgão vocacionado a conferir unidade ao Direito ou a interpretação e orientação na atuação funcional.⁵²⁴
Assim, apenas por ora, forçoso concluir que é possível considerar a criação de precedentes ministeriais como fonte de orientação para a solução de casos concretos futuros, desde que a fonte seja o órgão colegiado superior. Esta conclusão, por certo, refere-se somente à vinculação vertical, mas que não decorra exclusivamente da aplicação direta de precedentes jurisdicionais obrigatoriamente vinculantes, pois, neste caso, seriam somente considerados atos istrativos por determinação judicial.
No prisma da vinculação horizontal, como será apresentado oportunamente, entendo que os órgãos de execução deverão sempre aplicar os seus próprios precedentes, desde que presentes as razões plausíveis, ou assumir o ônus argumentativo para afastá-los. Perceba-se que me refiro aos precedentes do órgão e não do membro.
1.3 Considerações sobre a atuação do Ministério Público e a possibilidade de formação de precedentes ministeriais
A ausência de vínculos diretos é tida por muitos como condição para uma atuação técnica e que almeja neutralidade.⁵²⁵ Para os críticos é uma quimera, pois a política sempre encontra uma forma de se reinstalar, e nenhuma instituição com poder de fogo, que tenha por função agir em nome de outros, estaria imune à politização. A questão da ability do Ministério Público se torna ainda mais importante na mesma medida em que a sua presença na vida política do país se torna mais intensa.⁵²
Nesta senda, há a clara necessidade de ser reforçada e defendida a ideia que a atuação funcional dos membros do Ministério Público deve ser considerada como precedente para que o “controle externo” seja efetivo. Com efeito, seguindo as atuações predecessoras quando os casos forem semelhantes ou nas hipóteses de modificação dos seus entendimentos, com a utilização de fundamentação adequada e específica (art. 489, §1º do C), deixará evidente uma atuação diretamente pautada pela técnica jurídica e pouco infensa aos ditames políticos.⁵²⁷
A tensão inevitável entre a independência como órgão da istração da Justiça e a atividade ligada à afirmação de direitos, com necessárias iniciativas investigatórias e persecutórias, seja na esfera civil ou criminal, escolhas estratégicas e poder de agência. Observe-se, contudo, que tal afirmação deve ser enquadrada no espectro mais amplo de uma democracia de direitos fundamentais⁵²⁸, em que os próprios direitos fundamentais exercem um controle como limites e vínculos.⁵² O princípio da acionabilidade⁵³ é inerente ao modelo garantista. A doutrina sustenta ser imprescindível este princípio da acionalidade para que se possa ter, de maneira efetiva, um modelo garantista de direitos.⁵³¹
Evidentemente isso não elimina a ação política, mas significa uma mudança de tônica, postura, especialmente considerada dentro de um deontológico self restrain do Ministério Público. O ativismo que deve ser estimulado é o da lei e o da Constituição, e não o voluntarismo dos órgãos jurisdicionais e ministeriais.⁵³²
Há, portanto, a necessidade imperiosa do incremento do ability e a formação dos precedentes é um dos seus principais pilares.⁵³³
Considerando a extrema relevância da atuação funcional do Ministério Público, mormente na defesa da ordem jurídica, muitas vezes de viés contramajoritário e contrário aos interesses, alguns inconfessáveis, dos detentores do poder, deve ser defendida a ideia de que a formação do convencimento dos seus membros, exteriorizada por meio dos órgãos de execução, é um precedente que deve ser aplicado aos demais casos futuros.⁵³⁴
O Ministério Público, por definição constitucional, é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, independente, autônoma e especializada na garantia dos direitos fundamentais, da ordem jurídica e do regime democrático (art. 127 da Constituição da República).⁵³⁵ Não é demais lembrar que a referida instituição atua zelando pelo direito fundamental à organização e ao procedimento com o fito precípuo de promover e garantir um processo justo e adequado ao jurisdicionado. É, portanto, um órgão autônomo de tutela do interesse público e de o à justiça.⁵³
Ademais, exige-se do membro do Ministério Público, conforme arts. 5º e 6º do Código de Processo Civil, uma atuação pautada pelos princípios da cooperação e da boa-fé objetiva que, a rigor, são alicerces da legítima (confiança) expectativa. Ora, exigir tal comportamento do Ministério Público sem considerar a necessária observância de seus próprios precedentes institucionais seria um deveras contrasenso. Impende salientar, por oportuno, que um dos vetores da atuação ministerial é a de fiscal da correta aplicação do ordenamento jurídico (art. 178 do C) com o fim de promover a sua unidade (arts. 8º e 140 do C).⁵³⁷
Não há mais espaço para o uso da independência funcional pelo membro do Ministério Público para atuar de forma completamente discricionária e desvinculada da necessária unidade institucional.⁵³⁸ A aplicação dos precedentes ministeriais tende a reduzir a discricionariedade da atuação funcional, por vezes influenciada por ideologias que não podem ter lugar dentro de um ordenamento jurídico que busca uma unidade. Deve ser buscado o princípio da equiprimordialidade entre independência funcional e unidade do Ministério Público.⁵³
Soa estranho pautar a atuação ministerial como forma de fiscalizar o ordenamento jurídico e, por via de consequência, da aplicação dos precedentes jurisdicionais (arts. 927 e 966, inciso V e §5º do C)⁵⁴ , sem que se possa exigir a sua vinculação aos próprios precedentes institucionais.
Diante de tudo isso, inevitável enfrentar a principal indagação: a independência funcional é óbice para a criação de precedentes ministeriais vinculantes?
A independência funcional, um dos princípios institucionais do Ministério Público (art. 127, parágrafo único da Constituição da República), tem como finalidade conferir proteção aos seus membros no exercício das funções em decorrência de eventuais interferências externas.
A independência funcional, em ultima ratio, é prerrogativa do Ministério Público, destinando-se a assegurar o livre exercício da função, não a prestigiar os agentes que simplesmente não desejem exercê-la.
Em razão da independência funcional que orna o seu cargo, poderá o membro do Ministério Público analisar livremente os fatos submetidos à sua apreciação,
zelando pela prevalência da solução que se afigure consentânea com o ordenamento jurídico e mais justa ao caso.⁵⁴¹
Esta independência denota que os membros do Ministério Público podem atuar sem a necessidade de se preocupar com pressões externas que direcionem o posicionamento, mas não pode ser usado como escudo para tornar completamente discricionária e quiçá seletiva a atuação. Ora, a independência funcional não pode servir de fundamento para que o membro possa manifestar-se da forma que quiser. A uma porque todas as manifestações devem ser fundamentadas, posto aplicáveis as normas dos arts. 11 e 489, §1º do C e 93, inciso IX da Constituição da República, bem como a do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) que determina a necessidade da consideração das consequências práticas das manifestações e decisões.⁵⁴² A duas, porque, como já assinalado, o Ministério Público deve zelar pela segurança jurídica e unidade do Direito. Ora, como permitir que os órgãos de execução seja verdadeiras “ilhas isoladas” com pensamentos e atuações díspares e contraditórias e, ao mesmo tempo, exigir que os precedentes jurisdicionais sejam obrigatoriamente observados?
Sustentar que a independência funcional deve preponderar sobre a segurança jurídica e a legítima expectativa não parece ser o melhor caminho para uma adequada prestação da tutela jurisdicional e ministerial.⁵⁴³
Basta imaginar a seguinte situação: determinado proprietário de uma fazenda causa um dano ambiental de pequena monta e resolve celebrar um termo de ajustamento de conduta com o órgão de execução da sua comarca. O termo é celebrado e executado integralmente com a consequente promoção de arquivamento e com um pactum de non petendo. Caso surja um caso semelhante na mesma Comarca e perante o mesmo órgão de execução, seria plausível e adequado que o membro, que lá atue, se recuse a celebrar um termo de ajustamento de conduta porque ostenta independência funcional e entende que a solução extrajudicial não é correta? Perceba que não me refiro à reprodução exata de todas as cláusulas, salvo em casos absolutamente idênticos, mas ao uso
da mesma solução jurídica.
Não pode o membro vilipendiar a unidade institucional de tal maneira somente porque possui independência funcional, mormente se inexistir alguma peculiaridade no caso concreto que efetivamente configure óbice, como no caso do poluidor ser reincidente em descumprir termos anteriores.⁵⁴⁴ Seria o caso, óbvio, da utilização do distinguishing para negar a celebração do termo, mas mediante a adequada fundamentação (art. 489, §1º do C), sob pena de transformar as mudanças humanas (troca de membros, remoções, férias etc.) como fatores primordiais para a obtenção de soluções jurídicas.
A independência deverá ser equacionada com a unidade na atuação da instituição, solucionando-se positivamente a tensão independência versus unidade.⁵⁴⁵ Esta é exatamente a mesma tensão que se verifica entre a aplicação dos precedentes jurisdicionais e a liberdade dos órgãos jurisdicionais para a formação do convencimento.⁵⁴
No âmbito do Ministério Público, a garantia da independência funcional, usada por muitos como um escudo para um atuar completamente divorciado da segurança jurídica, deve ser sopesada com a unidade institucional, justamente por também ser uma garantia institucional constitucional.⁵⁴⁷ A doutrina já ventilava esta necessidade da mudança da forma de atuação com a eleição de prioridades institucionais sem, contudo, retirar do Ministério Público a atuação como custos iuris.⁵⁴⁸
Nesta senda, vale mencionar as Recomendações nº 34 (arts. 1º, inciso I e 5º, parágrafo único) e nº 42 (art. 7º) do Conselho Nacional do Ministério Público que definem a necessidade de um planejamento institucional e estabelecem critérios objetivos para a priorização de casos mais relevantes.⁵⁴ Tais Recomendações, apesar de não serem propriamente um precedente, devem ser consideradas como vetores a serem observados pelos órgãos de execução.⁵⁵
Assim, a afirmação de que a existência de precedentes ministeriais vinculantes vulnera a independência funcional do membro do Ministério Público não merece prosperar.⁵⁵¹ A rigor, trata-se de percepção equivocada do que aqui se defende. A independência funcional não será vulnerada, na medida em que não deverá decidir, considerando influências externas ao caso decorrentes de hierarquia istrativa ou funcional. O membro do Ministério Público, na formação de seu convencimento, terá que levar em consideração a existência de precedentes, ainda que meramente persuasivos, para fundamentar de maneira adequada todas as suas decisões. Ora, não será um mero aplicador e replicador de precedentes vinculantes, pois terá sempre, sob pena de nulidade da sua decisão (art. 489, §1º do C), que abordar os principais fatos do caso concreto para verificar a possibilidade da sua aplicação ou inaplicação, com uma fundamentação devidamente adequada e abordagem suficiente, pois os precedentes não são o fechamento do sistema, não podendo, portanto, serem aplicados de forma mecânica.⁵⁵²
Sobreleva notar que a racionalização da atuação do Ministério Público, mormente com o reconhecimento da disponibilidade motivada, é uma forma de mitigação do rigor da independência funcional. A possibilidade do membro poder escolher entre a judicialização da questão ou da busca de uma solução extrajudicial ou extraprocessual reforça a mitigação referida.
Inegável que a adoção do sistema multiportas pelo Código de Processo Civil reforça a ideia de desjudicialização da solução das contendas. Tal movimento facilita e simplifica o o à justiça e confirma a necessidade de priorização das causas mais relevantes para a sociedade e até mesmo para o próprio Ministério Público.
Os chamados planejamentos estratégicos nacional (art. 5º, parágrafo único da Resolução nº 34 do Conselho Nacional do Ministério Público) e de cada Ministério Público denotam a necessidade da mitigação do princípio da independência funcional com o fim de obtenção do melhor resultado possível
com a prioridade na unidade institucional.⁵⁵³ Novamente, destaca-se a necessidade da formação de precedentes ministeriais, pois, com isso, a unidade institucional prepondera e confere maior previsibilidade e segurança jurídica na atuação funcional do Ministério Público.
Uma das consequências será a necessidade de tratar do chamado “poder de agenda”⁵⁵⁴, conforme preconiza o art. 7º da Recomendação nº 42 do Conselho Nacional do Ministério Público, ou seja, da possibilidade de o Ministério Público escolher, mediante a noção de disponibilidade motivada⁵⁵⁵ (art. 2º da Recomendação nº 34 do Conselho Nacional do Ministério Público), quais as causas prioritárias na sua atuação como agente e como interveniente.⁵⁵
Este poder de agenda, em meu sentir, foi reforçado com a positivação expressa do acordo de não persecução cível no art. 17, §1º da Lei 8.429/92.
1.4 Pressupostos para que a atuação funcional do membro do Ministério Público seja considerada juridicamente como um precedente
Fixada a premissa de que a atuação funcional do Ministério Público pode ser considerada como um precedente (ministerial), imprescindível indicar quais são os pressupostos que ensejam o reconhecimento da sua existência. Ademais, há a necessidade de sistematizar a sua formação.
Considerando a diferença conceitual e sistemática para os precedentes jurisdicionais, devem ser considerados os seguintes pressupostos: a) decisão oriunda do órgão colegiado superior, com ratio decidendi clara e definida; b) decorrer da interpretação de uma norma jurídica positivada; c) fixação de uma tese (proposição) jurídica mediante a resolução de um caso concreto ou com o fim de gerar a unidade institucional ou fixação da estratégia institucional; d) reconhecimento desta natureza em outra decisão que o aplique.
Com efeito, o primeiro pressuposto a ser considerado deve ser a origem da decisão. Ora, para que uma determinada decisão possa ser efetivamente considerada como um precedente ministerial, será imprescindível a existência de uma causa pendente perante um órgão colegiado superior ou a fixação de alguma tese institucional. Assim, fácil notar que as decisões oriundas dos relatores (decisões unipessoais e monocráticas) e dos membros que atuam nos órgãos de execução de primeiro grau (promotores de justiça ou procuradores da república) e de segundo grau (procuradores de justiça ou procuradores regionais da república) não poderão ser consideradas, conforme o apuro técnico necessário, como precedentes e não serão standards para a solução de casos futuros, apesar de indicarem quais são os posicionamentos dos seus membros.
Para que reste claro o pensamento aqui externado, o pressuposto, por óbvio, refere-se aos precedentes que podem gerar eficácia vinculante vertical para os demais órgãos de execução inferiores. Por evidente, os precedentes ministeriais com eficácia vinculante meramente horizontal podem ser oriundos da atuação funcional em qualquer senda, mas somente vinculará o membro que se manifestou.
Os órgãos ministeriais superiores que podem gerar precedentes são os seguintes: a) Conselho Nacional do Ministério Público; b) Câmaras de Coordenação e Revisão; c) Conselhos Superiores do Ministério Público e d) Órgãos Especiais do Ministério Público. Tais órgãos poderão formar precedentes ministeriais decorrentes da resolução de casos concretos atrelados ao exercício da função institucional, mormente quanto atuam como órgãos revisores (reexame necessário) das promoções de arquivamento e até mesmo quando analisam a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta. Nada obstante, poderão também ser fonte da formação de precedentes quando expedem atos que orientam a atuação funcional dos membros do Ministério Público com o fito precípuo de conferir maior unidade institucional que, em última análise, deve ser o principal foco da sistemática que ora apresento.
Posso mencionar, por exemplo, como precedentes ministeriais que nem sempre estarão atrelados à resolução de casos concretos, mas que fixam orientações funcionais que devem ser observadas pelos demais órgãos de execução: a) recomendação; b) enunciados e c) súmulas. Tais exemplos, repito, somente poderão ser considerados como precedentes caso sejam criados para a fixação de alguma tese institucional com a indicação precisa de orientação. Não basta, para tanto, uma simples frase desconectada de um caso concreto e sem uma ratio decidendi. Alguns destes exemplos derivam da participação dos Centros de Apoio especializados em determinadas materiais, mas, claro, que tais órgãos, a despeito da extrema relevância, não podem ser considerados como fontes de formação de precedentes ministeriais.
A aplicação de precedentes ministeriais já é uma realidade na praxe, pois os
membros dos órgãos colegiados superiores possuem a autorização para proferimento de decisões monocráticas (unipessoais) com base nos precedentes do próprio órgão. Nem sempre, é fato, a aplicação ocorre com o devido apuro técnico, mas a ausência de cultura dos seus membros, no que tange ao sistema de precedentes, não pode ser argumento para refutar, sem a devida reflexão, a utilização do sistema.
Apesar da possibilidade de formação de precedentes ministeriais sem a correlata resolução de casos concretos, reputo ser imprescindível a participação dos membros para que seja conferida maior legitimidade democrática aos precedentes, pois não podem ser formados ao sabor de orientações meramente ideológicas, principalmente porque os membros destes colegiados não são vitalícios, mas detentores de mandatos eletivos mediante o voto dos membros da instituição, exceto quanto aos conselheiros do Conselho Nacional do Ministério Público, cuja investidura ocorre por indicação política.
Merece destaque, por oportuno, que a simples modificação dos seus membros não pode acarretar, de per si, uma mudança dos entendimentos consolidados.
Não há norma jurídica positiva que acarrete óbice para que estes referidos órgãos possam formar precedentes ministeriais, entretanto, reputo que seria ainda mais efetiva a criação de um órgão ministerial, seja no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público seja nos Ministérios Públicos, em seus diversos ramos de atuação, com a atribuição para criar tais precedentes.
Por fim, sobreleva notar que os precedentes ministeriais formados em tais órgãos colegiados superiores devem ter como norte a fixação de uma tese (proposição) jurídica diretamente atrelada à formação de unidade institucional, ou seja, teses institucionais que possam ser usadas como orientação para a solução de casos futuros, desde que ostentem identidade objetiva (situação jurídica) e subjetiva (mesmo órgão de execução).
1.5 Tipos de precedentes ministeriais
O Ministério Público, por intermédio dos seus órgãos de execução, encontra-se sempre vinculado aos precedentes, sejam jurisdicionais (heterovinculação) ou ministeriais (autovinculação), tal como ocorre com os demais órgãos da istração Pública. Esta vinculação é salutar para que princípios básicos sejam efetivamente respeitados, tais como segurança jurídica, igualdade, boa-fé, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade e proteção da legítima expectativa.
Nesta senda, portanto, devem ser apresentados os tipos de precedentes ministeriais.
Quanto à origem, os precedentes ministeriais podem ser: a) precedentes ministeriais superiores: assim entendidos como aqueles formados por decisões oriundas dos órgãos colegiados superiores; b) precedentes ministeriais inferiores: assim entendidos como aqueles formados por atuação direta dos órgãos de execução inferiores.
Quanto à capacidade de vinculação aos demais órgãos de execução, podem ser: a) precedentes ministeriais com eficácia vinculante vertical e horizontal: são aqueles formados por atuação dos órgãos colegiados superiores que vinculam os seus próprios membros (eficácia horizontal) e os demais órgãos de execução inferiores (eficácia vertical); b) precedentes ministeriais com eficácia vinculante horizontal: são aqueles formados por atuação dos membros que atuam perante determinado órgão de execução e que ficam vinculados aos seus próprios precedentes, desde que permaneçam atuando no mesmo órgão; c) precedentes ministeriais com eficácia meramente persuasiva: são os precedentes formados por atuação direta dos membros que atuam perante determinado órgão de execução e que podem seguir a ratio decidendi, mesmo que atuem em órgãos
diversos ou até no mesmo órgão após a saída do membro que foi o responsável por sua formação.
Quanto à eficácia vinculante e persuasiva dos precedentes ministeriais, impende destacar a diferença existente entre o órgão de execução e o membro do Ministério Público que atua. O órgão de execução é aquele que, por suas atribuições legais e constitucionais originárias, pratica atos de ofício correlacionados à atividade-fim do Ministério Público, com o fito precípuo de presentá-lo.⁵⁵⁷ Assim, não pode o órgão ser confundido com o membro, pois este pode ser designado somente para atuar em determinados períodos ou procedimentos e, portanto, como regra, os precedentes devem estar vinculados ao próprio órgão de execução e não ao membro em si. Excepcionalmente, nos casos em que o membro do Ministério Público mantém a sua vinculação ao órgão de execução, pode o precedente ser atrelado também ao membro.
Para facilitar a visualização do que sustento, forneço um exemplo deveras corriqueiro na prática ministerial. Imaginemos uma Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva com atribuição para atuar na proteção da probidade istrativa (órgão de execução) titularizada por um membro chamado Tício que tem o entendimento segundo o qual é possível a celebração de acordo de não persecução cível (art. 17, §1º da Lei 8.429/92) para os casos de enriquecimento ilícito (art. 9º da Lei 8.429/92) e promove o arquivamento sistemático dos inquéritos civis com base nos termos celebrados. Trata-se de precedente ministerial que deve ser obrigatoriamente observado por este membro, pois foi o formador do precedente, atrelado ao seu órgão de execução. Entretanto, se for substituído por Mévio, em virtude de licença médica, por determinado período, os precedentes ministeriais que foram criados no órgão somente ostentarão eficácia persuasiva para o novo membro e, portanto, não poderá ser oponível a ele.
Quanto ao tipo de autovinculação, podem ostentar: a) autovinculação relacional: decorre da atuação nos procedimentos istrativos e exige tratamento idêntico aos casos idênticos; b) autovinculação não relacional: necessidade de
aplicação dos precedentes em procedimentos diversos com o fim de conferir segurança jurídica.
Todas as demais classificações dos precedentes jurisdicionais, indicados na presente obra, com as devidas adaptações, bem como os sistemas de aplicação, revisão e superação, devem ser aplicados aos precedentes ministeriais.
A principal dificuldade, a rigor, será a indicação do instrumento jurídico para o controle interno da aplicação do precedente ministerial com eficácia vinculante. Não há um instrumento específico previsto nas legislações que regem as atuações funcionais do Ministério Público. Não pode ser utilizada a reclamação (art. 988 do C), pois somente será cabível para o controle da aplicabilidade dos precedentes jurisdicionais. Considerando a existência do direito constitucional de petição (art. 5º, XXXIV da Constituição da República) que não exige formalidade específica, pode ser sustentada a possibilidade do manejo de pedido de reconsideração, com viés de recurso istrativo, da decisão que expressamente deixa de aplicar um precedente ministerial. Tal peça deverá ser dirigida diretamente ao órgão de execução responsável pela negativa ou aplicação equivocada que terá a oportunidade de manifestar-se pela manutenção da sua decisão ou revogá-la. Em caso de revogação, verdadeiro juízo de retratação, o pedido perderá obviamente o seu objeto, restando prejudicado. Em caso de manutenção da postura, deverá o membro remeter o procedimento junto com o recurso interposto para a realização do reexame necessário.
Considerando que os instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais que ora uso como forma de criação de precedentes referem-se à tutela coletiva, penso que o órgão responsável por tal reexame deva ser o Conselho Superior do Ministério Público ou Câmara de Coordenação e Revisão, conforme preconiza o art. 9º da Lei de Ação Civil Pública.
Não merece prosperar qualquer resistência à solução aqui proposta, de lege ferenda, pois é uma decorrência lógica da aplicação das regras do microssistema
da tutela coletiva que encontra previsão normativa expressa aplicável por analogia no caso. Esta é a solução que reputo adequada quando se tratar de precedentes criados pelos órgãos superiores. A mesma solução pode ser usada perante o Conselho Nacional do Ministério Público, nos casos de sua atribuição, apesar da existência de certa resistência na revisão de atuação dos membros em suas atividades-fim. Apesar do que sustento, forçoso reconhecer que o Conselho Nacional do Ministério Público editou o enunciado nº 06/2009 que veda a possibilidade de controle dos atos funcionais atrelados à atividade-fim.⁵⁵⁸ Tal entendimento já foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal.⁵⁵ A rigor, não seria um controle da atividade-fim, mas da coerência, integridade e estabilidade (art. 926 do C).
Por fim, considerando que a legitimidade para o exercício e utilização dos instrumentos da tutela coletiva é extraordinária, concorrente e disjuntiva (art. 129, §1º da Constituição da República)⁵ , os precedentes ministeriais que possam gerar a eficácia vinculante não atingem os demais legitimados, mas somente os membros do Ministério Público, conforme sustentado no presente trabalho.
2. Princípio da obrigatoriedade da ação (tutela) coletiva
Antes da apresentação dos instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais da tutela coletiva como potenciais formadores de precedentes ministeriais, deve ser encarada a questão referente à obrigatoriedade da propositura das ações coletivas e o poder de agenda como já referido.
O processo coletivo, tendo em vista as suas peculiaridades, está impregnado com o entendimento acerca da obrigatoriedade da demanda coletiva, muito em virtude da ideia de indisponibilidade do interesse público e do direito material subjacente à demanda. Para análise da incidência do princípio supracitado, impende destacar as seguintes premissas: a) os interesses transindividuais têm natureza social e relevância pública, sendo peculiarizados pela indisponibilidade; b) os legitimados para agir em juízo na defesa destes interesses não são os seus titulares, mas sim “representantes” da própria coletividade; c) os legitimados de forma autônoma não atuam em defesa de posições jurídicas próprias, mas de terceiros que não têm a faculdade legal de estarem presentes em juízo ou extrajudicialmente para manifestarem-se quanto aos interesses transindividuais envolvidos; d) a eventual existência do princípio da obrigatoriedade só deve ser verificada quando o legitimado coletivo for o Ministério Público, por ser o único que ostenta um certo dever funcional, bem como por ser o foco da presente dissertação.
O princípio da obrigatoriedade, que somente deve ser analisado com a atuação do Ministério Público,⁵ ¹ significa que, se identificados no caso concreto os pressupostos da situação material que tornem necessária a propositura de demanda coletiva, não poderá o Parquet furtar-se ao ajuizamento da ação. Tanto isso é verdade, que alguns autores sustentam tratar-se de uma obrigatoriedade temperada com a conveniência e a oportunidade.⁵ ²
O tema, a rigor, é objeto de certa divergência na doutrina. Incide no processo civil coletivo o princípio da obrigatoriedade tal como no processo penal? É possível encontrar, com o fim de obter uma adequada resposta para a indagação, as seguintes posições: 1ª tese: Existe o princípio da obrigatoriedade da ação coletiva e, quando o legitimado ativo for o Ministério Público, será um verdadeiro dever funcional,⁵ ³ com base nos seguintes argumentos: a) existência de regime jurídico rígido da promoção de arquivamento que exige uma manifestação expressa com fundamentação adequada e específica, bem como a imprescindível realização do reexame necessário pelo órgão colegiado superior; b) indisponibilidade do direito material que acarreta, por via de consequência, a obrigatoriedade da tutela jurisdicional; c) possibilidade da realização da sucessão processual, com assunção do processo ou da legitimidade, quando houver abandono, desistência ou a extinção sem resolução de mérito da demanda coletiva; 2ª tese: Existe a obrigatoriedade da tutela coletiva e não da ação coletiva, com base nos seguintes fundamentos: a) para fins de proteção da coletividade não é imprescindível a propositura de uma ação (visão meramente demandista da tutela coletiva), pois existem outros instrumentos tão ou mais eficazes que a demanda (visão resolutiva da tutela coletiva), que podem, inclusive, substituir a tutela jurisdicional, tais como: recomendação, termo de ajustamento de conduta ou acordo de leniência; b) não há que se falar em indisponibilidade do direito de ação coletiva, pois tal ponto não encontra diferenciação nos processos individuais e coletivos; c) no que tange ao Ministério Público, por oportuno, não guarda relação com a indisponibilidade do direito de ação, mas com suas finalidades institucionais;⁵ ⁴ d) não existe uma obrigatoriedade mitigada, pois se o legitimado deverá fazer uma análise acerca da presença dos requisitos ensejadores, não será possível afirmar a existência do princípio da obrigatoriedade;⁵ ⁵ 3ª tese: Aplicação do princípio da obrigatoriedade da demanda coletiva, desde que presentes todos os pressupostos e requisitos ensejadores do exercício judicial da pretensão, ou seja, obrigatoriedade mitigada ou temperada não da demanda coletiva, mas da tutela coletiva.⁵ Não pode ser confundida tal afirmação com a defesa de uma discricionariedade, assim compreendida como uma mera análise de conveniência e oportunidade isoladamente, pois o legitimado coletivo, mormente o Ministério Público, deverá avaliar a existência de e fático ensejador da demanda, a conveniência (no sentido procedimental e probatório), a efetividade e a indispensabilidade da propositura da ação coletiva.⁵ ⁷ Afirmar, por certo, daí a nossa adesão à tese, a existência de uma obrigatoriedade mitigada implica dizer
que a propositura da demanda coletiva pressupõe uma análise cuidadosa dos seus pressupostos, adequação e efetividade. O legitimado coletivo deverá avaliar, com as peculiaridades do caso concreto, qual é a melhor solução. Ora, neste momento da avaliação que, normalmente, ocorre previamente à propositura da demanda, deverá o legitimado coletivo levar em consideração, também, a possibilidade do manejo dos instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais da tutela coletiva (recomendação, termo de ajustamento de conduta, acordo de leniência e acordo de não persecução cível). Ao realizar tal análise, por óbvio, o legitimado irá ponderar acerca da necessidade e efetividade dos instrumentos, portanto, a obrigatoriedade não é absoluta, mas temperada ou mitigada. Assim, conclui-se pela aplicação do princípio da obrigatoriedade da demanda coletiva, desde que presentes todos os pressupostos e requisitos ensejadores do exercício judicial da pretensão.
Por fim, há algumas considerações que permeiam o princípio da obrigatoriedade da tutela coletiva, que confirmam a disponibilidade e obrigatoriedade temperadas/mitigadas, e são imprescindíveis: a) inexistência do controle judicial da promoção de arquivamento do inquérito civil (diferença relevante para o processo penal) e, portanto, inexistência de um controle judicial da obrigatoriedade da tutela coletiva; b) inexistência de norma jurídica expressa permitindo ação individual subsidiária da coletiva; c) o debate sobre a obrigatoriedade somente refere-se à fase de conhecimento, pois na fase de cumprimento de sentença é inequívoca a aplicabilidade do princípio da obrigatoriedade, uma vez que já existe um título executivo judicial em favor da coletividade que deve ser executado.⁵ ⁸ Neste sentido, vale mencionar os arts. 15 da Lei de Ação Civil Pública e 16 e 17 da Lei de Ação Popular.
Assim, para os fins da presente obra, o princípio da obrigatoriedade deve assentar na tutela coletiva e não necessariamente na demanda judicial. Fixada esta aplicabilidade da obrigatoriedade, não há qualquer empecilho, mormente teórico, para a aplicação dos instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais que serão apresentados no próximo tópico.
3. Instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais da tutela coletiva. Instrumentos jurídicos da Tutela Coletiva como formadores de precedentes
A Tutela Coletiva, mormente jurisdicional no sistema jurídico brasileiro, possui papel de destaque na resolução de questões múltiplas e repetitivas e, com isso, tem o condão de conferir maior segurança jurídica nas relações sociais.⁵
Não há a menor dúvida de que as ações coletivas ostentam um relevante papel na teoria dos precedentes, na medida em que molecularizam os litígios e, com isso, evitam litígios repetitivos.⁵⁷ Assim, devem ser estimuladas em detrimentos às individuais, pois a eficácia subjetiva (erga omnes e ultra partes, conforme art. 103, incisos I ao III do Código de Defesa do Consumidor) inerente permitindo o transporte in utilibus da sentença de procedência torna despicienda a existência de um outro litígio jurisdicional (art. 103, §3º do Código de Defesa do Consumidor). Apesar desta relevância, não pode ser entendida como sua única função ou como função precípua.⁵⁷¹
A tutela coletiva, porém, não se esgota somente com a atuação no plano jurisdicional, pois pode ser exteriorizada de duas formas: a) instrumentos jurisdicionais da tutela coletiva; b) instrumentos extrajudiciais e extraprocessuais da tutela coletiva.
Os instrumentos jurisdicionais, que são as ações coletivas, iniciam os processos coletivos e formam os precedentes jurisdicionais, como em quaisquer processos judiciais. Entretanto, apesar de qualquer processo judicial, em tese, ter o condão de gerar a formação de um precedente, seguindo, claro, as premissas fixadas nos capítulos anteriores, impende destacar que nos processos coletivos a segurança
jurídica ganha novos contornos, pois, como dito, há a molecularização dos litígios, suspensão das ações individuais (arts. 104 do Código de Defesa do Consumidor, 13, parágrafo único da Lei do Mandado de Injunção e 22, §1º da Lei do Mandado de Segurança) e a possibilidade do indivíduo valer-se do resultado do processo coletivo em sua esfera jurídica individual (arts. 97 ao 99 e 103, §3º do Código de Defesa do Consumidor), por intermédio do transporte in utilibus da sentença de procedência.
Por outro lado, e este é o foco da presente dissertação, resta evidenciada a possibilidade de tais efeitos e consequências supracitadas ocorrerem, também, quando do manejo dos instrumentos extraprocessuais e extrajudiciais da tutela coletiva, como se verá adiante. Tais instrumentos são os seguintes: termo (compromisso) de ajustamento de conduta, acordo de leniência, recomendação, acordo de colaboração (delação) premiada e acordo de não persecução. No presente capítulo, ater-me-ei somente aos instrumentos que geram efeitos no âmbito cível.
Os instrumentos extraprocessuais, por sua vez, são aqueles que podem ser utilizados e aplicados sem a necessidade da existência formal de uma relação jurídica de direito processual, enquanto os instrumentos extrajudiciais são aqueles que não precisam de judicialização para surtirem os seus regulares efeitos. Os instrumentos previstos para a tutela coletiva são: inquérito civil, procedimento preparatório, termo de ajustamento de conduta, acordo de leniência, recomendação e acordo de não persecução cível.
Considerando o propósito desta dissertação, ficarei adstrito somente aos instrumentos de solução de controvérsia que podem gerar a formação de precedentes por meio de atuação do Ministério Público, seja diretamente do órgão de execução com atribuição, seja pelos órgãos colegiados superiores.
Nos próximos itens serão apresentados, em breves tópicos, os referidos instrumentos e as suas principais características.
4. Inquérito Civil
O inquérito civil encontra regulamentação tanto no plano constitucional, consoante se infere da dicção do art. 129, inciso III, Constituição da República, quanto no plano infraconstitucional nas seguintes normas: art. 8º, § 1º, Lei de Ação Civil Pública; art. 6º, Lei 7.853/1989; arts. 201, V e 223 do Estatuto da Criança e do Adolescente; art. 26, inciso I da Lei 8.625/93 (LONMP) e art. 6º da Lei Complementar 75/93 (LONMPU).
No plano infralegal, há a Resolução nº 23 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que preconiza as principais regras procedimentais sobre o tema. Os Ministérios Públicos estaduais e o federal podem regulamentar normas específicas em resoluções próprias, desde que não conflitam com a resolução do CNMP.
Interessante mencionar que as regras que regulamentam o inquérito civil são meramente procedimentais e não processuais, portanto, a União e os Estados ostentam competência concorrente para legislar sobre o tema, conforme art. 24, inciso XI (tirei a vírgula) da Constituição da República. O Supremo Tribunal Federal, no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1285/SP, reconheceu esta possibilidade.⁵⁷² Assim, entendo que o âmbito de regulamentação infralegal (por meio das resoluções locais) tem como limite a regulamentação infraconstitucional, mormente quando tiver como objetivo a restrição da atividade funcional dos membros do Ministério Público.⁵⁷³ A doutrina mais autorizada sobre o tema segue o mesmo entendimento afirmando que as normas assim editadas devem se manter adstritas ao espaço de conformação alcançado pela autonomia istrativa do Ministério Público, sem poder exorbitá-la.⁵⁷⁴
4.1 Conceito e natureza jurídica
O inquérito civil é um instrumento extraprocessual e extrajudicial de atribuição exclusiva do Ministério Público,⁵⁷⁵ cuja finalidade é reunir os substratos mínimos para a formação do seu convencimento e possibilitar a adoção da solução mais adequada e efetiva para a tutela da coletividade, seja com a judicialização da questão (visão demandista da tutela coletiva), seja com a adoção dos demais meios de solução dos conflitos (visão resolutista da tutela coletiva). É um instrumento que não tem por fim, portanto, somente reunir um conjunto probatório para fins de judicialização, posto inserido no sistema multiportas. Há quem o considere, também, como uma cautelar preparatória probatória sui generis.⁵⁷ É um procedimento istrativo, sendo instrumento exclusivo da tutela coletiva. Não há a possibilidade de instauração de inquérito civil nos casos de lesão aos direitos meramente individuais, ainda que sejam indisponíveis. Nada obstante, o inquérito civil pode servir de fundamento para ação penal pública. O Supremo Tribunal Federal⁵⁷⁷ e o Superior Tribunal de Justiça⁵⁷⁸ item tal uso com certa tranquilidade. Se houver dúvida do membro do Ministério Público acerca do tema ser afeto à tutela coletiva, não deve ser instaurado inquérito civil, mas procedimento preparatório. O procedimento preparatório será analisado em tópico específico.
4.2 Características
As características principais estão descritas na Resolução nº 23, CNMP (art. 1º). Nada obstante, aborda-las-ei neste tópico, para fins de contextualizar, tecendo as considerações relevantes.
a) oficialidade: o inquérito civil, por ser um procedimento istrativo, deve ser instaurado formalmente, por meio de um despacho (promoção) fundamentado do membro do MP devidamente exteriorizado por uma portaria. Este formalismo indica a oficialidade (art. 2º, Res. nº 23, CNMP).
b) publicidade: como regra, o inquérito civil é público, bem como seus atos. Por meio de promoção do Ministério Público, devidamente fundamentada, em casos excepcionais, será decretado o sigilo parcial ou total (arts. 7º e 8º, Res. nº 23, CNMP c/c Lei 12.527/2011; art. 4º, Res. nº 2 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) CNJ/CNMP e art. 7º, XIII, XIV e XV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil).
A doutrina, de uma forma geral, seguindo a linha do que aqui foi sustentado, apresenta hipóteses nas quais a publicidade merece mitigação: a) quando puder causar dano significativo à imagem do investigado; b) quando o Ministério Público teve o à informação sigilosa colacionada aos autos; c) quando a publicidade puder causar danos à coletividade e à efetividade procedimental.⁵⁷
c) inquisitivo: não há contraditório e ampla defesa. Nada obstante, é plenamente possível que o membro do Ministério Público possibilite o exercício do contraditório e da ampla defesa. O Ministério Público pode notificar o
investigado para que preste esclarecimento. Pode permitir que ele indique testemunhas para serem ouvidas. O exercício do contraditório gera duas consequências importantes: i) confere mais viés democrático ao procedimento; ii) confere maior valor ao substrato probatório reunido ao longo do procedimento.
d) dispensabilidade (art. 1º, parágrafo único, Res. nº 23, CNMP): o inquérito civil é dispensável para o manejo de qualquer instrumento típico de tutela coletiva. Para celebrar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), acordo de leniência ou expedir recomendação será imprescindível pelo menos a existência de procedimento istrativo ou um instrumento formalizado, salvo nos casos de urgência.
e) ausência de controle judicial da promoção de arquivamento: o inquérito civil, no que pertine ao arquivamento, sofre controle interna corporis. A homologação ou não da promoção de arquivamento é da atribuição do próprio Ministério Público, sem participação judicial. O membro do Ministério Público promove o arquivamento e essa promoção sujeitar-se-á ao reexame necessário do órgão colegiado superior. No caso do Ministério Público da União é a Câmara de Coordenação e Revisão (art. 62, IV, c/c art. 171 da Lei Complementar nº 75/1993). No Ministério Público Estadual é o Conselho Superior (art. 9º, § 1º da Lei de Ação Civil Pública).
Perceba-se que, justamente nesta senda, ressoa de extrema relevância a análise da possibilidade da formação de precedentes ministeriais, conforme se verá adiante.
f) incomunicabilidade do separável: o fato de existir alguma invalidade em um determinado ato processual ou procedimental não significa necessariamente que todos os demais atos posteriores serão igualmente invalidados. Isso é a incomunicabilidade do separável. Só haverá a anulação de determinado ato processual/procedimental se for dependente do ato anterior que foi invalidado.
g) prazo para conclusão: o inquérito civil tem prazo para conclusão de 1 ano prorrogável por igual período, desde que por meio de promoção fundamentada, sem limite (art. 9º, Resolução nº 23 (tirei a vírgula) do Conselho Nacional do Ministério Público). No que tange ao procedimento, há, no entanto, um limite material que é o prazo prescricional, para quem defende a existência do regime da prescritibilidade na tutela coletiva. A doutrina defende, contudo, que a duração do procedimento deve observar uma duração razoável (art. 5º, LXXVIII da Constituição da República), mormente quanto puder causar prejuízos para os investigados.⁵⁸ A prorrogação do prazo para o encerramento do procedimento deve ser sempre informada ao órgão colegiado superior.
4.3 Procedimento preparatório
É, como o próprio nome faz supor, um procedimento istrativo preparatório do inquérito civil. A finalidade precípua é verificar se o caso é afeto à tutela coletiva (art. 2º, §§ 4º e 5º, Resolução nº 23 (tirei a vírgula) do Conselho Nacional do Ministério Público). Somente deverá ser instaurado quando houver dúvidas acerca da existência de ameaça ou lesão ao direito transindividual. Caso exista a certeza da presença de um direito transindividual, deverá ser instaurado o inquérito civil. As mesmas características do inquérito civil serão aplicáveis ao procedimento istrativo. Existe uma diferença importante que é o prazo para conclusão (art. 2º, § 6º, Resolução nº 23 do Conselho Nacional do Ministério Público). O prazo para a conclusão do procedimento preparatório é de 90 dias prorrogável uma única vez por igual período, sendo de 180 dias o prazo máximo. Findo esse prazo, deverá ser aberta vista para o Ministério Público que preside o procedimento que poderá (art. 2º, § 7º, Resolução nº 23 do Conselho Nacional do Ministério Público): (i) convolar o procedimento preparatório em inquérito civil, com a redação de uma outra portaria com numeração diversa; (ii) arquivar com a necessária submissão ao reexame necessário pelo órgão colegiado superior; (iii) propor ação coletiva; (iv) adotar os instrumentos extraprocessuais.
Ora, considerando que este procedimento também pode ser objeto de uma promoção de arquivamento, pode ser considerado como uma fonte de formação de precedentes ministeriais.
4.4 Fases procedimentais do inquérito civil
As fases do procedimento do inquérito civil poderão ser divididas da seguinte forma: a) fase inicial ou de instauração; b) fase de instrução ou probatória; c) fase final ou de conclusão
a) fase de instauração ou inicial: a instauração tem que ser sempre por meio de portaria. Existem as seguintes formas de instauração: i) ex officio; ii) mediante representação; iii) por determinação do órgão colegiado superior. Não há a possibilidade de instauração mediante requisição como ocorre na seara penal, pois, além de não existir previsão legal ou constitucional, a independência funcional impede a efetividade de eventual requisição.
b) fase instrutória: exterioriza a finalidade do inquérito civil que é reunir os substratos necessários para a atuação mediante o manejo dos instrumentos. É nessa etapa que será reunido todo o supedâneo que fundamentará à medida que for adotada, seja extraprocessual, seja judicial. Essa fase instrutória está delineada na Resolução nº 23 do Conselho Nacional do Ministério Público.
c) fase de encerramento ou conclusão: nessa fase, o Ministério Público, com a formação do seu convencimento definitivo, que acarretará a formação de precedente ministerial, irá praticar, com a devida fundamentação adequada e efetiva (art. 489, §1º do Código de Processo Civil), um dos seguintes atos: a) solução judicial: propositura da demanda coletiva; b) solução extraprocessual ou extrajudicial de resolução do conflito; c) promoção de arquivamento.
Considerando a importância do tema para a formação de precedentes
ministeriais, o foco será somente a promoção de arquivamento, abordada em tópico específico.
4.5 Promoção de Arquivamento
Conceitualmente, é a promoção que exterioriza o convencimento definitivo do órgão de execução, com atribuição para tal, que presidiu o inquérito e que verificou a inexistência do fato, do dano ou da autoria, ou a prescrição e a decadência. A promoção de arquivamento tem que ser expressa e fundamentada (art. 489, § 1º do C). O controle da promoção de arquivamento é interna corporis, portanto, não há controle judicial, tal como ocorre com o inquérito policial (art. 28 do Código de Processo Penal). Haverá, portanto, o reexame necessário do órgão colegiado superior, sob pena de falta grave, conforme preconiza o art. 9º da Lei de Ação Civil Pública.
Esta é a senda na qual haverá a criação de precedentes ministeriais de observância obrigatória aos demais órgãos de execução (eficácia vinculante vertical) e, claro, internamente aos próprios órgãos de execução (eficácia vinculante horizontal).
4.6 Arquivamento istrativo x arquivamento institucional
Considerando os fundamentos fáticos e jurídicos da promoção de arquivamento, podem ser encontrados dois tipos: a) arquivamento istrativo; b) arquivamento institucional.⁵⁸¹ Esta diferença conceitual é de extrema relevância para a aplicação dos precedentes ministeriais nos dois planos propostos: vertical e horizontal.
O arquivamento istrativo é o que decorre de promoção ministerial que não encerra o procedimento, mas encerra as diligências investigatórias. Ocorre quando não há ainda convencimento definitivo do órgão ministerial e não há reexame necessário do órgão colegiado superior. Acontece nos casos de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta que abrange a integralidade do objeto investigado, pois quando parcial, por óbvio, o procedimento prosseguirá quanto ao resíduo. O arquivamento istrativo equivale à suspensão da tramitação do Inquérito Civil. Há, entretanto, entendimento, com o qual discordamos, no sentido de que a celebração do Termo de Ajustamento de Conduta gera um arquivamento implícito que deve ser submetido ao reexame necessário do órgão colegiado superior.⁵⁸² Nem toda celebração do instrumento gera de forma imediata arquivamento do inquérito civil. Existem duas situações fáticas que decorrem da celebração do Termo de Ajustamento de Conduta: a) a celebração retira o interesse procedimental no prosseguimento do feito, portanto haverá a promoção de arquivamento: nos casos de celebração de obrigação de não fazer. Ora, se o destinatário do instrumento concorda em assumir a obrigação de não fazer, não há mais objeto a ser investigado no procedimento, pois a eventual prática do ato consubstanciará o descumprimento (inadimplemento) a ensejar o ajuizamento da execução; b) a celebração do instrumento não retira o interesse procedimental no prosseguimento do feito, portanto, será providenciado o arquivamento istrativo: nos casos de celebração de instrumento com reconhecimento de obrigações positivas vindouras (de pagar quantia certa, obrigação de entrega de coisa e de fazer).
Nestes casos, a tramitação é suspensa até o integral cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta,⁵⁸³ pois a simples celebração não gera a adequação do comportamento aos ditames normativos. Isso recebe o nome de “arquivamento istrativo”. A suspensão da tramitação implica dizer que as diligências serão integralmente direcionadas para a fiscalização do cumprimento do instrumento (art. 6º, Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público). A resolução nº 174 do Conselho Nacional do Ministério Público, contudo, preconiza a necessidade de instauração de um procedimento istrativo com a finalidade precípua de acompanhamento e fiscalização do cumprimento do instrumento (art. 8º, inciso I), que terá a duração de 1 ano, prorrogável por igual período, mediante promoção expressa e fundamentada (art. 11). Sobreleva notar que este procedimento istrativo será objeto de arquivamento istrativo (“arquivado no próprio órgão de execução”), ou seja, sem a necessidade do reexame necessário, mas deverá ser cientificado o órgão colegiado superior (art. 12). O arquivamento institucional decorrerá, portanto, do cumprimento integral do Termo de Ajustamento de Conduta.
Arquivamento institucional decorre de promoção ministerial que encerra o procedimento e as diligências investigatórias, ou seja, há o encerramento completo do inquérito civil. Há convencimento definitivo do órgão ministerial de que não há dano, fato lesivo, autoria ou ocorrência de prescrição e decadência. Haverá reexame necessário do órgão colegiado superior. Esta é a promoção de arquivamento regulamentada no art. 9º da Lei de Ação Civil Pública.
Assim, forçoso concluir que o arquivamento istrativo acarreta a formação de precedente ministerial com eficácia horizontal, enquanto o arquivamento institucional gera um precedente com eficácia vertical e horizontal, pois deve vincular os membros do órgão colegiado superior. Entretanto, entendo que deve vincular, também, o órgão de execução responsável pela elaboração da promoção de arquivamento, pois, do contrário, seria uma forma de manter uma incoerência sistêmica. Como sustentar a vinculação vertical sem a óbvia vinculação horizontal? Ora, a vinculação vertical tem sempre que pressupor a horizontal, mas a recíproca não é verdadeira.
Basta imaginar um exemplo bem simples. Em determinado Inquérito Civil que visa apurar ato de improbidade istrativa consistente na acumulação irregular de cargos públicos em determinada comarca abrangida territorialmente pelo órgão de execução com atribuição para a tutela coletiva da probidade istrativa, resta demonstrada que, apesar da acumulação irregular, não houve lesão ao erário, pois as funções eram efetivamente exercidas, o que afasta, por óbvio, o enriquecimento ilícito do agente público. Diante da informação oficial de que o investigado requereu a sua exoneração de uma das funções, o membro do Ministério Público que presidiu o procedimento promove o arquivamento e o remete ao órgão colegiado superior para a devida homologação que vem a ocorrer, com a posterior preclusão istrativa.
Surgindo uma situação fática e jurídica idêntica na mesma comarca, não estaria o membro do Ministério Público jungido a promover o respectivo arquivamento? Se a resposta for negativa, haverá nítida violação do postulado da segurança jurídica, quiçá da impessoalidade. O ônus argumentativo para o membro manter o procedimento em curso seria demasiado, quase intransponível. Se a resposta for positiva, como sustento no presente trabalho, manter-se-ia a legítima expectativa com o reconhecimento da eficácia vinculante horizontal que permitiria ao investigado, no plano istrativo, instar o membro a promover o arquivamento ou a apresentar uma fundamentação adequada e específica para fins de distinguishing (art. 489, §1º, inciso VI do C)
4.7 Promoção de arquivamento: ato istrativo complexo ou composto?
A promoção de arquivamento é um ato istrativo, mas é ato istrativo composto ou complexo? Mais uma vez o aspecto conceitual ganha relevância para a afirmação do tipo de eficácia que o precedente ministerial deverá ostentar.
Conforme nos informa a doutrina de direito istrativo,⁵⁸⁴ o ato istrativo complexo é o que se dá pela conjugação de duas ou mais vontades decorrentes de órgãos diversos, ou seja, somente existe após a manifestação dessas vontades, enquanto que ato istrativo composto é formado pela vontade de um único órgão, mas só surte efeitos (exequibilidade) com a manifestação de outro órgão. É formado, portanto, pela manifestação de vontade de um único órgão, sendo apenas ratificado por outra autoridade, ou seja, é único, pois a a existir com a realização do ato principal, adquirindo exequibilidade, todavia, com a realização do ato ório, cujo conteúdo é somente a aprovação do primeiro ato. Assim, no ato composto, um órgão define o conteúdo, enquanto o outro verifica a sua legitimidade.
A promoção de arquivamento é um ato istrativo composto, pois, apesar de ser um ato istrativo único, surte os seus regulares efeitos após a homologação do órgão colegiado superior. Os efeitos que podem ser indicados são os seguintes: a) retomada do curso do prazo decadencial interrompido com a instauração do inquérito civil (art. 26, § 2º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor); b) configuração do convencimento definitivo do MP sobre o tema; c) termo a quo para o prazo de 06 meses para o requerimento do desarquivamento.
Assim, surge a indagação: a promoção de arquivamento gera a formação de precedente ministerial somente após a homologação?
Trata-se de tema interessante, principalmente no aspecto prático, pois é factível sustentar que a promoção de arquivamento devidamente homologada gera a eficácia vinculante vertical (aos demais órgãos de execução inferiores), bem como a horizontal (aos membros do órgão colegiado superior e ao prolator da promoção de arquivamento).
Para fins de precedente ministerial com eficácia vinculante vertical, somente após a homologação pelo órgão colegiado superior, jamais quando for por decisão monocrática, ressalvada a hipótese de esta estar lastreada em precedentes do próprio órgão.
Por outro lado, para fins de precedente com eficácia vinculante horizontal, não há a necessidade da homologação, pois o próprio órgão de execução estará vinculado aos termos da sua promoção de arquivamento.
4.8 Arquivamento e recurso voluntário
A promoção de arquivamento pode ser objeto de recurso voluntário interposto (oferecimento de razões escritas, a rigor) por outro legitimado coletivo ou por qualquer cidadão que tenha o à informação sobre o arquivamento (art. 10, § 3º da Resolução nº 23 do Conselho Nacional do Ministério Público). Esse recurso voluntário, quando oferecido perante a Promotoria de Justiça oficiante, possibilita juízo de retratação direta do membro que promoveu o arquivamento. Ao receber este recurso voluntário, que não exige forma específica, o membro, mediante promoção fundamentada e expressa (art. 489, §1º do C), deverá: a) manifestar-se sobre a manutenção da promoção de arquivamento, caso em que remeterá os autos para o órgão colegiado superior; ou b) exercer a retratação revogando a promoção de arquivamento, com base no que foi alegado pelo recorrente. Entendo que se existir um investigado definido no Inquérito Civil, este deverá ser devidamente notificado para se manifestar sobre o recurso voluntário interposto e somente após a sua manifestação, ou a certificação da sua inércia, deverá o recurso ser remetido para o órgão colegiado superior. Da mesma forma, nos casos de grande repercussão, deve ser realizada uma audiência pública com os interessados. Este recurso poderá, também, ser apresentado diretamente ao órgão colegiado superior e deverá seguir a mesma lógica procedimental indicada. A atribuição para julgar o mérito do recurso, contudo, é do órgão colegiado superior. O recurso voluntário, ou razões, nos termos usados na resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, deverá ser oferecido até a realização da sessão do órgão colegiado superior que irá analisar a promoção de arquivamento. Caso seja apresentado após o encerramento da sessão, poderá ser levado em consideração, conforme o seu teor, para fins de desarquivamento.
Nas razões recursais, por certo, o recorrente poderá valer-se dos precedentes ministeriais para sustentar ou não a promoção de arquivamento. Explico. A regulamentação do recurso voluntário geralmente encontra-se atrelada aos casos nos quais o recorrente não concorda com a promoção de arquivamento. Ao meu
ver, este recurso não pode ter um viés secundum eventus litis, pois, conforme a hipótese, pode e deve ser usado para demonstrar a necessidade da aplicação de determinado precedente ministerial, mormente quando este é inclinado para o arquivamento institucional e o membro do Ministério Público demonstra que não o promoverá. Entendo, portanto, que o recurso pode ser direcionado ao órgão colegiado superior para que este avalie se o caso é ou não de arquivamento, com base nos precedentes ministeriais, sob pena de ser completamente inútil a teoria dos precedentes ministeriais.
itir a sua existência e incidência sem que possam ser objeto de controle das partes envolvidas seria de um reducionismo inissível.
4.9 Atitudes que o órgão colegiado superior pode tomar no exercício do reexame necessário
O órgão colegiado superior, ao receber a promoção de arquivamento do membro do Ministério Público, poderá adotar uma das seguintes atitudes: a) homologação da promoção de arquivamento; b) não homologação da promoção de arquivamento; c) rejeição da homologação da promoção de arquivamento.⁵⁸⁵
A homologação da promoção de arquivamento decorre do convencimento definitivo do órgão colegiado superior que confirma a promoção do membro. A partir desta homologação, como já indicado, o arquivamento a a surtir os seus efeitos fáticos e jurídicos.
A não homologação da promoção de arquivamento decorre do convencimento ainda não definitivo, ou seja, o órgão colegiado superior entende ser indispensável a realização de diligências (art. 10, § 4º, inciso I da Resolução nº 23 do Conselho Nacional do Ministério Público). É imprescindível a indicação precisa e fundamentada das diligências que devem ser realizadas, sob pena de oportunizar a legítima recusa do membro destinatário da determinação, pois a resolução é clara neste sentido. Entende-se que a promoção de arquivamento é prematura, pois há necessidade de novas diligências (não houve o seu esgotamento). O membro está jungido a observar essa determinação? Ou tem que recair sobre outro membro?
O art. 10, § 4º, inciso I da Resolução nº 23 preconiza que será o mesmo membro que promoveu o arquivamento, porém permite a realização de recusa fundamentada, caso em que a designação recairá sobre outro membro desimpedido. Assim, factível sustentar que a regra da resolução é que a
determinação deverá ser dirigida ao membro que promoveu o arquivamento e que este está jungido a aceitá-la, ou seja, vai atuar como longa manus do órgão colegiado superior. Esta regra, a meu sentir, não merece prosperar, com base nos seguintes argumentos: a) o órgão colegiado superior não atua aqui como órgão de execução, logo, esse membro não seria longa manus, até porque o membro do conselho superior não ajuíza ação civil pública; b) esta obrigatoriedade viola a independência funcional, posto que o membro já demonstrou o seu convencimento de que não há mais diligências a serem realizadas; c) a determinação pode até ser dirigida para o mesmo órgão de execução que promoveu o arquivamento, desde que exista outro membro designado para atuar. Neste último caso, explico, não haverá violação ao princípio da independência funcional, na medida em que o impedimento tem viés subjetivo (relativo ao membro do Ministério Público) e não objetivo (órgão de execução). Basta imaginar a hipótese de um membro do Ministério Público que oficia perante o órgão de execução X. Este membro promove o arquivamento do Inquérito Civil e depois sai de férias ou se remove do órgão. Ora, neste caso, o impedimento é do membro. Quando outro membro for designado para atuar perante este órgão de execução X, não haverá empecilho para a designação recair sobre si. No mesmo sentido, este entendimento deverá ser aplicado quando o procedimento for remetido para o seu substituto legal. Nada obstante, mediante recusa fundamentada do membro do Ministério Público, a designação recairá sobre outro membro desimpedido. O mérito desta recusa tem que ser objeto de deliberação pelo órgão colegiado superior? Entendo que não, sob pena de vulneração do princípio da independência funcional, entretanto, o órgão deverá verificar somente a existência de promoção expressa e fundamentada.
Rejeição da promoção de arquivamento decorre de convencimento definitivo. O órgão colegiado superior entende que não é caso de arquivamento. Não discute se necessita de novas diligências. É caso de propositura da ação coletiva ou adoção dos demais instrumentos da tutela coletiva (art. 10, § 4º, inciso II da Resolução nº 23 do Conselho Nacional do Ministério Público).
Mas quem deve propor a ação ou adotar os demais instrumentos? É o membro que promoveu o arquivamento? Aqui prevalece que tem que ser outro membro, sob pena de violação da independência funcional. Quem designa esse outro
membro? Pela redação do art. 9º, § 4º da Lei de Ação Civil Pública e art. 92, § 4º da Lei 10.741/2003, a designação será realizada pelo órgão colegiado superior. Essa redação é original, logo, anterior à lei orgânica nacional do Ministério Público (arts. 10, inciso IX, d e 15, inciso II da Lei 8.625/93), que preconiza que essa designação é da atribuição exclusiva da chefia superior. No mesmo sentido, há outras normas do microssistema da tutela coletiva, tais como art. 223, § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente e art. 6º, § 2º da Lei 7.853/89. Assim, o órgão colegiado superior informa à chefia o resultado da sessão, que expedirá o ato de designação.
Qualquer que seja o pronunciamento do órgão colegiado superior, para os fins do que aqui se sustenta, será considerado como um precedente ministerial vinculante.
5. Instrumentos de redução da litigiosidade
5.1 Introdução
Os instrumentos de redução da litigiosidade são aqueles utilizados como vias alternativas à jurisdição estatal, mas que podem, assim como na via judicial, resolver os litígios coletivos. Estes instrumentos decorrem da grande tendência da desjudicialização resolutiva das contendas, mormente diante da clara adoção do sistema multiportas (multydoor system) em nosso ordenamento jurídico. Eles poderão ser utilizados como formas extrajudiciais (sem a judicialização das questões) ou extraprocessuais (sem a necessária existência da relação jurídica processual).⁵⁸
No âmbito da tutela coletiva, os instrumentos de redução da litigiosidade são: a) recomendação; b) termo de ajustamento de conduta; c) acordo de leniência e d) acordo de não persecução cível. Todos os instrumentos serão devidamente analisados em tópicos específicos.
5.2 Recomendação
A recomendação é instrumento de atuação extrajudicial exclusiva do Ministério Público por intermédio do qual expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar (atuação preventiva ou repressiva) determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição, atuando, assim, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas. Este conceito é extraído do art. 1º da Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público.
A recomendação encontra regulamentação na referida Resolução, bem como nos arts. 6º, inciso XX da Lei Complementar nº 75/93 e art. 26, VII c/c art. 27, parágrafo único, inciso IV da Lei 8.625/93.
Esta função de expedir recomendações, atribuída ao Ministério Público em sua conformação constitucional e institucional (art. 129, inciso II da Constituição da República), se assemelha ao que no direito comparado se denomina função ombudsman ou de defensor del pueblo, na medida em que possui independência institucional e funcional, e conta com este instrumento que tem pouco custo, rapidez e eficácia para tal desiderato.⁵⁸⁷
Conforme lição doutrinária,⁵⁸⁸ dentre as principais funções do ombusdman encontram-se: i) presidir procedimentos investigatórios; ii) expedir recomendações; iii) tutelar os direitos fundamentais de forma preventiva ou repressiva; iv) atuar na esfera legislativa apresentando projetos para melhoria na tutela da coletividade, bem como emitindo notas técnicas.
A recomendação ostenta acentuada utilidade para a autocomposição dos conflitos e controvérsias, sendo importante instrumento de redução da litigiosidade (art. 3º, §§ 2º e 3º do C) e de ampliação do o à justiça (art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República) em sua visão contemporânea. Há interesse institucional em estimular a atuação resolutiva, pouco demandista (art. 6º da Resolução nº 164 do CNMP), e proativa do Ministério Público para conferir a máxima efetividade da tutela coletiva.
Neste sentido, o art. 2º da Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público indica os princípios atinentes ao manejo da recomendação: i) motivação; ii) formalidade e solenidade; iii) celeridade e implementação tempestiva das medidas recomendadas; iv) publicidade, moralidade, eficiência, impessoalidade e legalidade; v) máxima amplitude do objeto e das medidas recomendadas; vi) garantia de o à justiça; vii) máxima utilidade e efetividade; viii) caráter não vinculativo das medidas recomendadas; ix) caráter preventivo ou corretivo; x) resolutividade; xi) segurança jurídica; x) ponderação e proporcionalidade nos casos de tensão entre direitos fundamentais.
5.2.1 Características
A recomendação, ato istrativo enunciativo⁵⁸ , possui as seguintes características: a) unilateralidade; b) exclusividade: c) ausência de coerção (eficácia onitória); d) fixação do dolo do destinatário.
É ato unilateral porque expedido pelo Ministério Público sem a necessidade de prévia negociabilidade com o destinatário, ou seja, não precisa existir prévio acerto para a sua expedição. Ademais, por conter uma determinação para a prática de determinado ato ou para que deixe de ser praticado, não assume o Ministério Público qualquer tipo de obrigação, exceto quanto à sua vinculação aos termos fixados para a solução de casos futuros, pois também é uma das fontes de precedentes ministeriais. Não pode ser, portanto, considerado um título executivo (art. 784 do C), pois somente o Estado, por meio da certidão da dívida ativa, poderá criar unilateralmente um título executivo.
Apesar de não existir uma prévia negociabilidade, deve o Ministério Público, quando a situação fática não for urgente, solicitar informações ao destinatário para fins de formação do seu convencimento (art. 3º, §§ 1º e 2º da Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público).
Trata-se de ato istrativo enunciativo exclusivo do Ministério Público, sempre acompanhado de fundamentação expressa, adequada e específica (art. 489, § 1º do C c/c arts. 2º, incisos I e X e 7º da Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público), com a indicação precisa dos atos que devem ser praticados pelo destinatário. A recomendação pode ter objetivo preventivo (evitar a ocorrência da lesão ao direito transindividual) ou repressivo (reparar uma lesão ao direito transindividual com a necessária adequação da conduta praticada) no âmbito da tutela coletiva (arts. 2º, inciso IX e 4º da Resolução nº
164 do Conselho Nacional do Ministério Público). Na doutrina, contudo, há quem afaste a possibilidade do manejo da recomendação com o viés repressivo, por entender que, na hipótese, a solução mais adequada é a judicialização da questão ou a tentativa de celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta.⁵
Como referido e o próprio nome faz supor, é instrumento persuasivo, sem caráter vinculativo (art. 2º, inciso VIII da Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público). É ato istrativo enunciativo de caráter onitório.⁵ ¹ O destinatário não é obrigado a cumprir os termos da recomendação, mas sujeitar-se-á às consequências descritas em seu bojo. Por ser instrumento persuasivo, tem que conter advertências, sob pena de perder o sentido do instrumento. O Ministério Público deve explicitar todas as condutas a serem adotadas com indicação precisa das consequências jurídicas decorrentes do não atendimento, porque o manejo deste instrumento denota o convencimento definitivo do órgão de execução acerca do tema.
A expedição da recomendação enseja o afastamento peremptório, após a devida ciência formal do destinatário, da boa-fé. Com efeito, a efetiva ciência dos termos da recomendação tem o condão de fixar o dolo.⁵ ² Basta imaginar a expedição de recomendação para o chefe do executivo municipal cientificando-o que o ato istrativo que pretende praticar configura ato de improbidade istrativa e que causa enriquecimento ilícito de um terceiro (art. 9º da Lei 8.429/92), bem como lesão ao erário (art. 10 da Lei 8.429/92) e, mesmo assim, decide manter a prática do referido ato. Caso a questão seja judicializada, não poderá alegar boa-fé. Ora, a ciência formal da recomendação torna inequívoca a consciência da ilicitude do fato, pois foi oportunizado o exercício da autotutela, sem sucesso.⁵ ³
5.2.2 Destinatários
Os destinatários da recomendação podem ser agentes públicos, pessoas físicas, jurídicas, pessoas de direito público ou privado (art. 4º da Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público). Não há qualquer restrição quanto aos destinatários, entretanto, há algumas regras importantes que devem ser observadas e que, dependendo da forma de visualizá-las, podem ser consideradas como restrições.
Com efeito a regra mais importante, que é uma decorrência lógica do princípio da máxima utilidade e efetividade, é a que exige que o destinatário da recomendação tenha poder, atribuição ou competência para a adoção das medidas recomendadas, ou responsabilidade pela reparação ou prevenção do dano, ou seja, que tenha condições de fazer ou deixar de fazer alguma coisa para salvaguardar interesses, direitos e bens objeto do instrumento (art. 4º, caput e § 1º da Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público). Trata-se de regra básica para a utilização de qualquer instrumento resolutivo da tutela coletiva, sob pena de total inefetividade. Caso seja verificada a ausência de tal característica, poderá o destinatário deixar de atender aos termos da recomendação sem que sofra qualquer consequência jurídica.
Uma outra regra, que encontra similitude no poder de requisição ministerial, é a observância do princípio do promotor natural (órgão de execução com atribuição) e das regras referentes ao foro por prerrogativa de função, aqui entendido como a correlação entre as atribuições dos membros do Ministério Público e as atividades funcionais dos destinatários da medida. A Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público fixa a regra segundo a qual o membro, dependendo da autoridade destinatária da recomendação, deverá expedir o instrumento, via Procurador-Geral da República ou Procurador-Geral de Justiça, mas a chefia institucional não pode valorar o mérito, somente as
regras de atribuição (art. 5º, § 2º).
Regra restritiva bem interessante consta no art. 5º da Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público. Nesta norma há uma restrição à expedição da recomendação quando o destinatário for parte de um processo judicial que contenha os mesmos elementos objetivos. Em outros termos, há uma espécie de “litispendência” entre os instrumentos judiciais e a recomendação. Assim, se houver exata identidade entre os elementos subjetivos e objetivos da recomendação e da demanda judicial, não poderá ser utilizado o instrumento em testilha. A própria resolução afasta a regra restritiva quando houver uma situação excepcional com fundamentação adequada e específica. De qualquer forma, o principal foco da regra, ao meu sentir, como o faz a parte final do dispositivo indicado, é evitar um conflito entre uma decisão judicial e o teor da recomendação. Assim, o Ministério Público não pode expedir recomendação com o fim de obter um descumprimento de decisão judicial. Apesar de não constar expressamente na resolução, entendo que somente quando houver uma decisão judicial proferida deve ser impedida a recomendação, pois a simples pendência de uma relação jurídica processual não pode ser empecilho para o manejo de um instrumento extraprocessual, mormente quando busca uma solução mediante autocomposição. Nada obstante, sob pena de configurar ato contraditório, o Ministério Público somente poderá expedir recomendação, neste caso, quando não for o autor da demanda coletiva.
Uma restrição importante é a inexistência de precedente ministerial vinculante, pois não poderá um determinado órgão de execução expedir a recomendação em sentido diverso daquele que a própria instituição entendeu ser o mais correto, exceto, é claro, se demonstrar, por meio de fundamentação adequada e específica, a existência de peculiaridade no caso concreto que tenha o condão de afastar a norma jurídica do precedente, como determina o art. 489, §1º, VI do Código de Processo Civil.
5.2.3 Procedimento
A recomendação pode ser expedida de ofício ou mediante representação/requerimento (art. 3º da Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público).
Uma questão importante de ordem prática é a seguinte: há necessidade de processo istrativo instaurado para a expedição da recomendação? Pela redação dos arts. 3º, caput, c/c 8º, parágrafo único, Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público, sim, pois faz expressa referência ao inquérito civil, procedimento istrativo e procedimento preparatório, tanto para fins de expedição, quanto para o devido acompanhamento do seu cumprimento. Entretanto, o § 2º deste mesmo art. 3º preconiza a possibilidade de dispensa de instauração prévia do procedimento istrativo em casos de urgência. Após a expedição da recomendação, portanto, deve ser instaurado o respectivo procedimento istrativo.
Existe uma regra procedimental importante que exige a requisição de informações para fins de esclarecimentos antes da expedição da recomendação, salvo se as peculiaridades do caso concreto indicarem a necessidade da sua expedição sem tal oportunização. Trata-se de regra importante e interessante que deve ser utilizada sempre que o destinatário for o Poder Público e seus agentes, pois a situação fática ensejadora pode ter sofrido alterações (art. 3º, § 1º, Resolução nº 164 do CNMP).
Qual é o prazo para o atendimento ou informação de que foi cumprida a recomendação? A resolução fala em prazo razoável, sem a fixação de um prazo específico (arts. 8º e 10), sempre por decisão fundamentada. O Ministério Público, atento às peculiaridades do caso concreto (estrutura istrativa,
estrutura de pessoal, urgência etc.), deverá indicar o prazo específico para o cumprimento da recomendação (art. 8º), bem como para informar o cumprimento ou seu descumprimento (art. 10).
Em qualquer caso, o Ministério Público apreciará o descumprimento informado, bem como as suas razões e adotará as medidas correspondentes. Impende salientar, respeitando os princípios da boa-fé objetiva (art. 5º do C), da cooperação (art. 6º do C) e da segurança jurídica, que o Ministério Público deverá indicar precisamente quais as medidas que deverão ser adotadas pelo destinatário da recomendação, bem como as consequências jurídicas que advirão do seu não cumprimento (art. 11, Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público). O Ministério Público somente poderá, como regra, adotar as medidas após o decurso do prazo fixado na recomendação, salvo se for verificado um fato novo que enseja uma intervenção imediata (art. 11, § 2º, Resolução nº 164 do Conselho Nacional do Ministério Público).
5.2.4 Efeitos e consequências da recomendação
A doutrina⁵ ⁴ costuma indicar um rol exemplificativo, claro, das consequências que decorrem diretamente da expedição da recomendação, quais sejam: a) solução extrajudicial e extraprocessual rápida, pouco custosa e efetiva do caso concreto; b) caracterização do dolo, má-fé e ciência da irregularidade do agente após a devida ciência formal do destinatário, caso descumpra os termos, podendo ser usado inclusive para fins de configuração do ato de improbidade istrativa; c) caracterização da consciência da ilicitude da conduta, que impede a alegação de erro de direito; d) permissão para o exercício da autotutela da istração Pública; e) possibilidade de efetiva implementação das políticas públicas; f) configuração da recomendação devidamente acompanhada da ciência formal e da comprovação do descumprimento como elemento probatório importante para a esfera judicial; g) viabilidade do controle judicial dos motivos determinantes apresentados para justificar o não atendimento aos termos da recomendação; h) extirpação da aplicabilidade da regra do art. 2º da Lei 8.437/1992 quando houver a ciência formal do destinatário sem o cumprimento dos termos da recomendação ou sem apresentação de justificativas plausíveis; i) criação de precedente ministerial com eficácia vinculante horizontal oponível ao órgão de execução responsável por sua expedição.
5.3 Termo de Ajustamento de Conduta
O Termo de Ajustamento de Conduta está previsto de maneira esparsa no direito positivo brasileiro (arts. 5º, § 6º da Lei de Ação Civil Pública, 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente, 90 do Código de Defesa do Consumidor, 74, inciso X e 93 do Estatuto do Idoso), tendo especial lugar o art. 5º, § 6º da Lei de Ação Civil Pública e as Resoluções nº 118 e 179, ambas do Conselho Nacional do Ministério Público, 125 do Conselho Nacional de Justiça e Resolução Conjunta nº 02 do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça, que traçam, de certa forma, os aspectos mais importantes do instituto.
Com o advento da Lei nº 13.655/18, o instituto ou a ter normas gerais delineadas na legislação infraconstitucional, conforme se verifica da leitura do art. 26, §1º da referida lei. O legislador positivou expressamente a possibilidade da celebração do compromisso de ajustamento de conduta no âmbito do direito público que, para ser considerado válido, deve seguir os seguintes requisitos: a) prévia oitiva do “órgão jurídico” que nada mais é do que o órgão da Procuradoria respectiva (Advocacia Pública); b) solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; c) não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; d) previsão clara das obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.⁵ ⁵
Não há qualquer dúvida acerca da natureza de título executivo extrajudicial (art. 784 do C), ressalvada a hipótese de sua submissão, facultativa, diga-se, à homologação judicial (art. 515 do C) quando, então, será um título executivo judicial. No presente tópico abordarei a natureza jurídica material.
Da simples leitura legislativa depreende-se que o Termo de Ajustamento de
Conduta é um equivalente jurisdicional (substitutivo à jurisdição estatal) cujo objetivo é solucionar um conflito de interesses e direitos transindividuais, sem o exercício jurisdicional de uma pretensão, por meio de um compromisso tomado do infrator da ordem jurídica coletiva, pelo órgão público legalmente legitimado.
5.3.1 Natureza jurídica do Termo de Ajustamento de Conduta
A natureza jurídica desse ajuste, ou seja, em qual categoria lógica da Ciência do Direito enquadra-se o instituto, é matéria polêmica, ao menos no plano doutrinário.
Para tanto, é preciso expor e analisar, criticamente, as principais correntes doutrinárias existentes no Brasil acerca do tema. É de suma relevância definir em que consiste o Termo de Ajustamento de Conduta para restar delimitado o que é ível de concessões recíprocas por parte de compromitente e compromissário e aquilo que não pode ser alvo de negociação pelos órgãos públicos legitimados à propositura do termo, o que acaba por desaguar na análise da própria validade do compromisso.
Em nosso ordenamento jurídico existem as seguintes teses que abordam o tema:
1ª Tese: não é transação (majoritária). O termo de ajustamento é o reconhecimento, ainda que tácito, por parte do violador ou ameaçador dos direitos transindividuais, da ilicitude de sua postura e a promessa de, sob pena de sofrer cominações, adequar seu comportamento à lei, tal como ocorreria se essa lei jamais tivesse sido agredida.⁵ O art. 5º, § 6º da Lei 7.347/85, ao se referir ao termo, utiliza o verbo “tomar” e não “celebrar” o compromisso. Isso significa, portanto, segundo esta linha de pensamento, que o órgão público legitimado tem o dever de possibilitar o termo, o que o afastaria da noção de um negócio. A manifestação de vontade é unilateral e o (suposto) causador do dano (ou de sua ameaça) aos direitos transindividuais manifestar-se-á somente no sentido de aquiescer ou não às cláusulas do termo, tendo a ciência de que ao negar a
proposta formulada, sujeitar-se-á aos termos de uma demanda judicial coletiva. Neste sentido, o legitimado coletivo, que figura como tomador do termo, não assume qualquer compromisso, mas o toma.⁵ ⁷ O Termo de Ajustamento de Conduta, portanto, é um ato jurídico unilateral de mero reconhecimento de uma conduta lesiva ou potencialmente lesiva a um direito transindividual que necessita de adequação aos ditames normativos.⁵ ⁸ O termo somente pode versar sobre os aspectos periféricos e secundários do direito material transindividual (condições de tempo, modo e local), jamais o seu cerne. Assim, o termo não pode ensejar renúncia ao direito material, uma vez que, considerando a sua natureza de equivalente jurisdicional, deve ter uma certa congruência com o resultado da tutela jurisdicional, ou seja, deve buscar o mesmo objetivo existente na demanda coletiva.⁵ A premissa dos que sustentam esta tese é de que o termo de ajustamento de conduta não pode ser considerado como transação e assim o fazem com base nos seguintes argumentos: a) não é celebrado pelo titular do direito material, mas pelos legitimados coletivos que atuam como substitutos processuais; b) os direitos transindividuais são, na essência, indisponíveis; c) não é possível a realização de concessões recíprocas. ¹ O objetivo do compromisso de ajustamento de conduta é readequar e conformar a conduta do degradador ou potencial degradador ao ordenamento jurídico em vigor, afastando o risco de dano ou recompondo os danos já causados. A expressão “ajustamento de conduta”, tal como empregada pelo legislador ao se referir ao termo, é emblemática, eis que o instituto se propõe unicamente a fazer com que as pessoas físicas e jurídicas possam se adequar ao que determina a legislação. Daí a impossibilidade de se confundir o compromisso de ajustamento de conduta com a transação, este instituto típico do Direito Civil relacionado aos interesses disponíveis.
Paralelamente a esse entendimento dominante, há teses intermediárias que, embora sejam comuns no que diz respeito à impossibilidade de renunciar-se total ou parcialmente ao direito metaindividual e à possibilidade de serem negociadas as obrigações órias do termo, variam no que concerne à natureza que atribuem ao compromisso de ajustamento, ora apontando que se cuida de negócio jurídico, ora que a parte conciliável do ajuste constitui uma verdadeira transação.
2ª Tese: é uma forma de transação. O termo de ajustamento é um ato istrativo negocial. Não se trata de um verdadeiro contrato, mas há uma nítida feição consensual. É uma forma de transação, mas não pode ser confundido com a transação existente no Direito Civil com base nos seguintes argumentos: a) não há concessões recíprocas na celebração do termo; b) o tomador não assume qualquer tipo de obrigação, exceto no tocante à não judicialização da questão, enquanto as condições são cumpridas; c) somente o destinatário do termo assume algum tipo de obrigação em sentido material; d) apesar de não ser o titular do direito material transindividual, o legitimado coletivo ostenta uma “capacidade postulatória em nome coletivo” ²; e) o objeto do termo não pode versar sobre o cerne do direito material, mas somente os aspectos secundários, periféricos ou órios, tais como condições de tempo, modo e lugar, portanto, o tomador do compromisso de ajustamento, em troca da obrigação assumida por parte do causador do dano, não pode dispensar, renunciar ou mitigar outras obrigações legais do compromitente.
3ª Tese: O TAC não é uma transação, mas um negócio jurídico bilateral, vez que as manifestações de vontade do obrigado e do órgão público são essenciais à celebração do ajuste. Embora os efeitos mais relevantes do termo estejam previstos na lei, o que o aproxima de um ato jurídico, os pactuantes contam com uma margem de liberalidade para declarar a vontade na celebração e para definir a forma do ajustamento da conduta à lei. A doutrina que defende esta tese preocupa-se em diferenciar o gênero conciliação de uma de suas espécies, a transação, para deixar claro que o termo é uma forma de conciliação diversa da transação, já que esta é destinada a pôr fim a conflitos envolvendo interesses patrimoniais e privados. A transação tem as seguintes características fundamentais: a) a existência de concessões recíprocas, o que pressupõe a possibilidade de alienação do direito e de disponibilidade do mesmo; ³ b) segundo o art. 841 do Código Civil, que reproduz os mesmos termos do revogado art. 1.035, a transação tem por objeto direitos patrimoniais de caráter privado; c) tem como função evitar o surgimento de um litígio ou lhe pôr fim. Teremos a oportunidade de revisitar essa questão quando discutirmos a natureza jurídica do ajustamento de conduta, mas pode-se, desde já, deixar evidenciada a impossibilidade da transação para a solução negociada dos direitos transindividuais. Mesmo que se utilize o rótulo “transação”, transação não há. A conciliação é um instituto mais abrangente do que a transação. Na verdade, a transação é um dos seus resultados possíveis, assim como a renúncia de quem
tem a pretensão do direito e o reconhecimento do direito por quem poderia oferecer resistência. Podemos considerar a conciliação como uma forma de solução de conflitos com uma lógica própria que privilegia a participação ativa das partes litigantes. Esse modo de proceder no qual as partes contribuem para a definição da controvérsia é o seu traço característico e que distingue a conciliação das formas adjudicatórias de resolução de conflitos. O caminho para se chegar ao resultado conciliatório a necessariamente pela negociação, sendo esta entendida como entabulação de um diálogo; é uma comunicação bidirecional sobre os pontos de vista de cada parte e a melhor forma de compor os interesses em jogo. ⁴ Esta doutrina fica adstrita às peculiaridades dos acordos envolvendo direitos transindividuais. ⁵ A possibilidade efetiva de transação na seara da tutela coletiva foi devidamente abordada no capítulo referente aos reflexos do NC nos processos coletivos, para o qual remeto o leitor.
4ª Tese: possui uma natureza jurídica híbrida. O termo de ajustamento é, simultaneamente, um ato de reconhecimento da ilicitude da conduta sem possibilidades de transação (cerne do direito material) e uma transação na parcela que concerne às obrigações órias, periféricas ou secundárias (condições de tempo, modo e local), não vislumbrando, nesse entendimento, qualquer esforço exegético descabido. Ora, quanto às condições de modo, tempo e local, o instrumento é uma verdadeira transação, mas quanto ao cerne do direito material, há um mero ato de reconhecimento da obrigação de prevenir ou recompor o dano do direito transindividual.
5ª Tese: não é uma transação, mas, tão somente, uma forma de regular o modo como se deverá proceder à sua reparação. Os defensores desta tese não afastam, contudo, a natureza de negócio jurídico extrajudicial. ⁷ Seria uma forma de autocomposição obtida através de uma negociação direta (collaborative law) entre o órgão público e o possível réu da demanda coletiva. ⁸
6ª Tese: é um acordo equivalente a um negócio jurídico bilateral e constitutivo, ou seja, que não somente declara direitos, como também cria, altera ou extingue relações jurídicas. Assim como sustentado pelas demais teses, esta doutrina
também sublinha a possibilidade de negociação das obrigações periféricas. Não se concebe qualquer transação sobre o direito difuso ou o coletivo em si, mas é possível a formulação de dispositivos acerca da cessação da atividade danosa ou da reparação do prejuízo, no que diz respeito ao tempo, modo e lugar da obrigação assumida pelo agente do evento no termo de ajustamento (a maneira de implantação do interesse tutelado). ¹
7ª Tese (minoritária): é uma verdadeira transação. O legitimado coletivo, ao celebrar o termo de ajustamento de conduta, se compromete a não mais investigar a conduta do agente, ao o que este se compromete a cessar ou adequar a prática suspeita de abusividade. Esta doutrina sustenta tal tese quando analisa os termos previstos na lei de defesa da concorrência, mas também estende esta análise para os demais direitos transindividuais que não estão abrangidos pela ordem econômica. ¹¹ A análise do caso concreto ensejador da opção pela celebração do instrumento pode ensejar a renúncia, ainda que parcial, do cerne do direito transindividual, como no caso, por exemplo, de a reparação integral de um dano ambiental poder levar a pessoa jurídica infratora à falência, situação em que a reparação parcial do dano por meio de um TAC seria válida, mantendo-se, dessa forma, a função social da empresa. ¹²
5.3.2 Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) extrajudicial e judicial
Não existe qualquer empecilho para a celebração do instrumento antes, durante e depois da relação jurídica processual. Entendo ser possível, inclusive, a celebração do instrumento entre as partes após o encerramento da relação jurídica processual com o fim de fixar a forma de cumprimento da decisão judicial proferida. A doutrina costuma apontar distinções entre estas duas formas de celebração, assim dispostas: a) TAC judicial: i) ostenta legitimidade mais ampla ¹³, pois todos os legitimados coletivos que propem a demanda coletiva poderão celebrar o instrumento; ii) suspensão do feito até o cumprimento integral do instrumento; iii) caso o TAC seja total (contemplando todos os sujeitos e objetos) e se esgote o objeto da demanda com a sua mera celebração (exemplo: obrigação de não fazer), haverá o proferimento de sentença com a resolução do mérito (art. 487, inciso III, b do C); iv) formação da coisa julgada material sobre o tema; b) TAC extrajudicial: i) a legitimidade para a sua celebração fica adstrita aos órgãos públicos legitimados (art. 5º, § 6º da Lei de Ação Civil Pública); ii) suspensão (arquivamento istrativo) da tramitação do inquérito civil até o cumprimento integral do ajuste; iii) caso o TAC seja total (contemplando todos os sujeitos e objetos) e se esgote o objeto da investigação com a sua mera celebração (exemplo: obrigação de não fazer), haverá o arquivamento institucional do inquérito civil (art. 9º da Lei de Ação Civil Pública); iv) a celebração do TAC não acarreta a formação da coisa julgada material e não impedirá a atuação dos demais legitimados coletivos.
Apesar destas características, há a necessidade de fixar determinados pontos: a) O TAC extrajudicial pode ser submetido à homologação judicial, caso tenha sido celebrado enquanto pendia uma relação jurídica processual (art. 515, inciso III do C); b) O TAC extrajudicial homologado judicialmente gera eficácia subjetiva da coisa julgada material próprias das demandas coletivas e gera óbice para a propositura de nova demanda coletiva por um dos legitimados coletivos; ¹⁴ c) o TAC judicial ou extrajudicial demanda a intervenção
obrigatória do MP, como visto no capítulo da legitimidade, para o qual remeto o leitor; d) a possibilidade de celebração de TAC na esfera judicial denota a juridicidade da realização de acordos nas demandas coletivas. ¹⁵
5.3.3 Legitimidade para figurar como tomador do TAC
A legitimidade para celebrar o TAC deve ser dividida conforme o plano da sua celebração: a) TAC judicial: como visto no item anterior, a legitimação para figurar como tomador é ampla e reproduz a mesma legitimidade, com os mesmos requisitos, dos processos coletivos de modo geral; b) TAC extrajudicial: o âmbito é somente aos órgãos públicos legitimados (art. 5º, § 6º da Lei de Ação Civil Pública), ou, como preconiza o art. 26, §1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a autoridade istrativa.
Assim, ostentam legitimidade para a celebração do TAC: Ministério Público, Defensoria Pública e a Fazenda Pública; bem como não ostentam a legitimidade: associações civis, sindicatos, entidades associativas e congêneres.
A legitimidade para executar o TAC é concorrente e disjuntiva, e mitiga, por conseguinte, o princípio do vínculo subjetivo ao título (art. 12, Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público). Assim, qualquer colegitimado, considerando o entendimento dominante, poderá promover a execução do instrumento, mormente diante da omissão daquele que o celebrou (arts. 15 da Lei de Ação Civil Pública e 16 e 17 da Lei de Ação Popular). ¹ O Superior Tribunal de Justiça reconhece esta possibilidade, desde que o legitimado coletivo ostente legitimidade para a celebração do TAC. ¹⁷
Esta mesma legitimidade concorrente disjuntiva permite a celebração em conjunto entre os legitimados coletivos, bem como entre membros de Ministérios Públicos diversos (art. 5, § 5º da Lei da Ação Civil Pública). Poderá, portanto, o TAC ser firmado em conjunto por órgãos de ramos diversos do Ministério Público ou por este e outros órgãos públicos legitimados, bem como contar com a participação de associação civil, entes ou grupos representativos ou
terceiros interessados (art. 3º, § 6º, Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público). Vale lembrar que na hipótese de celebração de TAC judicial, a legitimidade será mais ampla.
No que pertine à legitimação “iva” do TAC, não há qualquer limitação, desde que a parte ostente capacidade de fato ou de exercício. Assim, podem figurar no TAC pessoas físicas ou jurídicas (de direito privado ou público). Impende destacar, como já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça ¹⁸, que o TAC não é direito subjetivo do infrator/investigado, ou seja, não pode ser exigida a oportunização da celebração do instrumento antes da propositura da demanda coletiva, ainda que demonstre interesse na pactuação.
5.3.4 Objeto do TAC
O TAC, em essência, é um instrumento extraprocessual e extrajudicial, consubstanciado num equivalente jurisdicional. Desse modo, deve buscar o mesmo objetivo que seria possível pela via jurisdicional. Ademais, o TAC é uma aplicação negociada da norma jurídica e, portanto, deve ostentar uma certa congruência com o resultado da esfera jurisdicional.
Nada obstante, entendo que o objeto do TAC suplanta as cláusulas legais que limitam a esfera jurídica jurisdicional coletiva. Com efeito, mesmo quando existir uma norma jurídica que veda a propositura de uma demanda coletiva, como o art. 1º, parágrafo único da Lei de Ação Civil Pública, será possível, desde que exista o ajustamento, a celebração do TAC.
O TAC pode ter por objeto qualquer tipo de obrigação (pecuniária ou não pecuniária), desde que certa, líquida e exigível, com ou sem respaldo expresso na lei (art. 3º, Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público). Conforme sustenta doutrina autorizada, através do TAC pode ocorrer uma aplicação não jurisdicional de princípios, através dos modelos abertos de aplicação do Direito, desde que respeitados os detalhes próprios do caso concreto, dos precedentes vinculantes à espécie e os padrões dogmáticos (arts. 1º, 8º, 140, 141 e 178 do C; 5º da LINDB e art. 1º da Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público). ¹
O que não pode ocorrer através da celebração do TAC é a disponibilidade do cerne do direito material, pois o legitimado coletivo, não sendo o titular dos direitos concretizados no TAC, não pode fazer concessões que impliquem renúncia aos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, cingindo-se a negociação à interpretação do direito para o caso concreto, à
especificação das obrigações adequadas e necessárias, em especial o modo, tempo e lugar de cumprimento, bem como à mitigação, à compensação e à indenização dos danos que não possam ser recuperados (art. 1º, § 1º da Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público).
O TAC, conforme as exigências do caso concreto, pode ser parcial ou total. Será parcial quando abranger somente parcela subjetiva (sujeitos investigados) ou objetiva (fatos investigados) do procedimento (inquérito civil ou procedimento preparatório) ou do processo judicial (demanda coletiva).
O TAC deverá trazer, ainda, um conteúdo mínimo obrigatório (arts. 4º e 5º da Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público): a) multa periódica para o caso de descumprimento das obrigações assumidas; b) indenizações referentes aos danos transindividuais ou, conforme o caso, destinação ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
O TAC deverá prever multa diária ou outras espécies de cominação para o caso de descumprimento das obrigações nos prazos assumidos, itindo-se, em casos excepcionais e devidamente fundamentados, a previsão de que esta cominação seja fixada judicialmente, se necessária à execução do compromisso.
As indenizações pecuniárias referentes a danos a direitos ou interesses difusos e coletivos, quando não for possível a reconstituição específica do bem lesado, bem como as liquidações de multas, deverão ser destinadas a fundos federais, estaduais e municipais que tenham o mesmo escopo do fundo previsto no art. 13 da Lei da Ação Civil Pública. Nestas hipóteses, também é issível a destinação dos referidos recursos a projetos de prevenção ou reparação de danos de bens jurídicos da mesma natureza, ao apoio a entidades cuja finalidade institucional inclua a proteção aos direitos ou interesses difusos, a depósito em contas judiciais ou, ainda, poderão receber destinação específica que tenha a mesma finalidade dos fundos previstos em lei ou esteja em conformidade com a natureza e a dimensão do dano. Os valores referentes às medidas compensatórias
decorrentes de danos irreversíveis aos direitos ou interesses difusos deverão ser, preferencialmente, revertidos em proveito da região ou pessoas impactadas.
5.3.5 Procedimento do TAC
A abordagem do presente tópico tem relevância, pois somente poderá ser considerado como um precedente ministerial o termo de ajustamento de conduta que observar todas as regras procedimentais inerentes. O procedimento aplicável ao TAC é bem simples e se divide em três etapas: a) negociação; b) fiscalização e c) execução
Na primeira etapa, que pode envolver diversas rodadas (reuniões), somente ocorre após a demonstração das partes acerca do interesse no uso do instrumento. Serão debatidas as condições de modo, tempo e lugar e, após obtido o consenso, será elaborada uma minuta que deverá ser assinada por todos os envolvidos.
Na segunda etapa, após a do TAC, será instaurado um procedimento istrativo específico para o fim de fiscalizar o seu cumprimento. Entendo, contudo, ser possível a realização desta fiscalização no bojo do próprio procedimento ensejador, o qual terá sua tramitação investigatória suspensa.
A Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público não fixa quais são os mecanismos de fiscalização, mas deixa a cargo de cada ramo do Ministério Público a sua disciplina (art. 6º). Entretanto, convêm destacar que os mecanismos de fiscalização não se aplicam ao TAC homologado judicialmente, exatamente porque a atuação ocorrerá no plano jurisdicional.
Nada obstante, o órgão de execução do Ministério Público que tomou o TAC deverá, com base em seus poderes investigatórios, diligenciar para fiscalizar o
seu efetivo cumprimento, valendo-se, sempre que necessário e possível, de técnicos especializados (art. 9º da Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público). É sempre recomendável, neste sentido, a previsão no próprio TAC de obrigações consubstanciadas na periódica prestação de informações sobre a execução do acordo pelo compromissário.
As diligências de fiscalização serão formalizadas nos próprios autos em que celebrado o TAC, quando realizadas antes do respectivo arquivamento, ou em procedimento istrativo de acompanhamento especificamente instaurado para tal fim (art. 10 da Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público). De qualquer modo, sempre que possível e recomendável, deverá ser cientificado o compromissário.
Deve o membro do Ministério Público, contudo, cientificar formalmente o órgão colegiado superior do conteúdo integral do TAC, em prazo não superior a três dias da promoção de arquivamento do inquérito civil ou procedimento correlato em que foi celebrado. Em outros termos, não há controle acerca do mérito e do conteúdo pelo órgão colegiado superior, mas somente a sua efetiva ciência.
Vale mencionar que a executividade do TAC não estará condicionada à aquiescência e posterior homologação do órgão colegiado superior, pois, além de não existir dispositivo legal expresso neste sentido, haverá violação ao princípio da independência funcional do membro do Ministério Público, segundo a doutrina dominante. ² O Superior Tribunal de Justiça já decidiu no mesmo sentido. ²¹
Neste ponto, vale mencionar, mais uma vez, a necessária diferença entre as eficácias horizontal e vertical dos precedentes ministeriais. Ora, se o instrumento for celebrado diretamente pelo órgão de execução ministerial, sem a participação do órgão colegiado superior, será somente um precedente com eficácia horizontal e vinculante somente para o mesmo membro do órgão de execução responsável pela celebração. Por outro lado, nos casos nos quais houver a
participação do órgão colegiado superior, no exercício da função homologatória, será formado um precedente ministerial com eficácia vinculante vertical. Posso apresentar duas hipóteses nas quais esta participação ocorrerá: i) a celebração do termo de ajustamento de conduta usado como fundamentação para a promoção de arquivamento submetida ao reexame necessário; ii) o termo de ajustamento de conduta submetido ao crivo do órgão colegiado superior.
O membro do Ministério Público, bem como o órgão colegiado superior deverão, com fulcro no art. 94 do Código de Defesa do Consumidor, conferir publicidade ao termo, na forma prevista no art. 7º da Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público, no prazo máximo de quinze dias, a qual deverá conter: i) a indicação do inquérito civil ou procedimento em que tomado o compromisso; ii) a indicação do órgão de execução; iii) a área de tutela dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos em que foi firmado o TAC e sua abrangência territorial, quando for o caso; iv) a indicação das partes compromissárias com as suas respectivas individualizações; v) o objeto específico do compromisso de ajustamento de conduta; vi) a indicação do endereço eletrônico em que se possa ar o inteiro teor do TAC ou local em que seja possível obter cópia impressa integral.
Deve ser encaminhado o TAC, também, ao Conselho Nacional do Ministério Público, para fins de respeito aos termos da Resolução Conjunta nº 2 do Conselho Nacional de Justiça/Conselho Nacional do Ministério Público (art. 8º da Resolução nº 179 do Conselho Nacional do Ministério Público).
5.3.6 Efeitos da celebração do TAC
Após a apresentação dos principais pontos do TAC, impende destacar quais são os efeitos decorrentes da sua celebração, para fins de formação de precedentes ministeriais. Para melhor visualizar, vou dividir em dois planos: a) plano procedimental; b) plano judicial.
No plano procedimental, deve ser indicada qual é a consequência jurídica decorrente da celebração do TAC no curso de um procedimento istrativo (inquérito civil ou procedimento preparatório). Como já visto, dependerá, para a tese que defendo, do conteúdo do TAC. No caso de TAC parcial, haverá o prosseguimento do procedimento somente quanto ao objeto residual; enquanto o procedimento, quanto ao objeto pactuado, será arquivado istrativamente (suspensão da tramitação). No caso do TAC total, haverá a necessidade de verificar se a obrigação pactuada se encerra diretamente com a sua celebração. Em caso positivo, o TAC ensejará o arquivamento institucional; em caso negativo, ensejará o arquivamento istrativo (suspensão da tramitação) com a instauração de um procedimento istrativo próprio somente para fiscalizar o seu regular cumprimento.
No plano judicial, a celebração do TAC ensejará o proferimento de sentença de mérito homologatória (art. 487, inciso III, b, do C) total ou parcial, conforme o teor do instrumento. Caso seja celebrado o TAC extraprocessualmente, apesar da pendência de relação jurídica processual, sem a submissão à homologação judicial, haverá a extinção do processo (parcial ou total, conforme o teor do instrumento) sem resolução de mérito por perda superveniente do interesse processual, na medida em que a coletividade já terá em seu favor um título executivo (arts. 17 e 485, inciso VI do C).
Questão processual interessante é a seguinte: a celebração de um TAC por um legitimado gera um pressuposto processual negativo para que os demais legitimados coletivos promovam a demanda coletiva sobre os mesmos fatos? Trata-se de tema polêmico na doutrina, mas posso apontar a existência das seguintes teses: 1ª tese: ²² a celebração do TAC gera um pressuposto processual negativo, pois retira do legitimado coletivo o interesse processual ou de agir com base no seguinte argumento: a coletividade já possui em seu favor um título executivo extrajudicial e a propositura da demanda coletiva ensejará a formação de mais um título executivo, portanto, despiciendo; 2ª tese (majoritária): ²³ a celebração do TAC gera um pressuposto processual negativo quando versar sobre os mesmos fatos previstos no TAC, mas será possível a demanda coletiva para fins de desconstituir o instrumento. Esta tese parte da mesma premissa anterior, sustentando, porém, a possibilidade do ajuizamento da demanda coletiva, desde que: i) seja, no caso de irregularidade ou ilegalidade, previamente desconstituído o TAC por meio de demanda própria proposta em face dos sujeitos integrantes do instrumento ou que, ao menos, seja formulado tal pedido de forma cumulada com a demanda coletiva proposta; ii) seja proposta a demanda com o propósito de complementar a tutela da coletiva, nos casos de inefetividade e incompletude do instrumento; iii) tenha como causa de pedir a inefetividade, incompletude ou ilegalidade do termo; 3ª tese: ²⁴ a celebração do TAC não gera um pressuposto processual negativo ²⁵ com base nos seguintes argumentos: i) não existe tal previsão na lei; ii) a legitimidade ativa coletiva é extraordinária concorrente e disjuntiva, portanto, a atuação processual de um dos legitimados não impede e nem condiciona a atuação processual dos demais; iii) a celebração do TAC, quando celebrado no plano extraprocessual e extrajudicial, não gera coisa julgada material; iv) na medida em que é reconhecida a legitimidade concorrente para a celebração do termo e para a propositura da ação, bem como que a ratio dessa atuação é preservar o interesse social, não nos parece adequado permitir que termos circundados de atecnia ou mesmo de má-fé ou ilegalidade possam transmudar em disponível aquilo que, em essência, é indisponível; v) sustentar tese diversa gera, em última análise, violação ao princípio do o à justiça (art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República), pois retira do crivo jurisdicional lesões de monta a direitos de indiscutível importância para a coletividade. Este é o meu entendimento.
Por fim, impende salientar, forte no princípio da independência das instâncias (art. 935 do Código Civil), que o TAC não gera efeitos para a seara penal, ou
seja, não impede o ajuizamento de ação penal sobre os mesmos fatos, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, ² e, tampouco, impede a realização da atividade funcional decorrente do poder de polícia dos órgãos públicos fiscalizadores. Por tal razão, é sempre recomendável a ciência dos órgãos públicos para que possam manifestar-se sobre o TAC.
5.3.7 Instrumentos extrajudiciais afins ao Termo de Ajustamento de Conduta
O TAC possui alguns instrumentos extrajudiciais semelhantes e que demandam análise específica. Assim como os instrumentos já analisados, poderão também gerar a formação de precedentes ministeriais. São eles: a) compromisso de ajustamento de conduta ambiental; c) acordo de leniência.
5.3.7.1 Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental (art. 79-A da Lei 9.605/1998):
O art. 79-A da Lei 9.605/1998 preconiza a possibilidade jurídica de celebração de compromisso de ajustamento de conduta em matéria ambiental pelos órgãos ambientais do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) ²⁷. Tal celebração tem como objetivo evitar e, conforme o caso, cessar conduta de pessoas físicas ou jurídicas lesivas ou potencialmente lesivas ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Este compromisso previsto na Lei 9.605/1998 possui abrangência mais restrita que o TAC previsto na Lei de Ação Civil Pública. Enquanto o primeiro tem como objetivo adequar condutas lesivas na esfera da responsabilidade istrativa, o segundo tem como objetivo adequar condutas lesivas na esfera da responsabilidade civil de uma forma geral.
Por tal razão, o compromisso previsto na Lei de Ação Civil Pública é considerado como compromisso de ajustamento genérico ou geral, enquanto o compromisso de ajustamento previsto na Lei 9.605/1998 é denominado ambiental.
Esta diferença de objetos gera divergência doutrinária quanto à pertinência temática e legitimidade para celebração do ajuste.
Alguns órgãos do SISNAMA podem celebrar o CAC ambiental e, ainda, TAC dos infratores ambientais, porquanto se configuram colegitimados à propositura da ação civil pública.
Outros órgãos ambientais, contudo, por não possuírem a legitimidade conferida pela Lei 7.347/85, não podem tomar compromisso de ajustamento versando sobre responsabilidade civil, mas somente termo de compromisso ambiental visando a correção de ilícitos istrativos ensejadores, por conseguinte, de responsabilidade istrativa.
A divergência cinge-se, a rigor, sobre a necessidade de vinculação institucional entre o órgão que figurará como tomador do compromisso e o objeto deste, ou seja, a necessidade de existir convergência entre o objetivo institucional do órgão que tomará o compromisso e a finalidade do instrumento.
Para uma 1ª tese, os órgãos públicos somente detêm legitimidade material para tomar compromisso de ajustamento se houver pertinência temática entre o conteúdo do ajuste e as atribuições do ente público. ²⁸
O TAC, em todas suas espécies e vertentes, é instrumento de tutela coletiva que funciona como equivalente jurisdicional, ou seja, figura como substitutivo da tutela jurisdicional estatal. Assim, a legitimidade para figurar como seu tomador deverá seguir a mesma diretriz aplicável à legitimidade ativa ad causam para o ajuizamento das demandas coletivas. Em outros termos, o que for exigido para fins de legitimação ativa coletiva, deverá ser exigido para a utilização dos demais instrumentos extrajudiciais e extraprocessuais, sob pena do legitimado obter, por via indireta, o que não seria lícito obter pela via direta.
Assim sendo, aplicando-se o requisito específico da pertinência temática para o exercício judicial da pretensão coletiva, dever-se-á aplicar o mesmo requisito para a celebração do CAC. Do contrário, como solucionar a legitimação ativa para a fase executiva quando verificado o descumprimento do compromisso?
Ora, exige-se a pertinência temática para o exercício judicial da pretensão na fase de conhecimento, mas deverá ser dispensado para o exercício judicial na fase de execução? Para fins de congruência para o sistema da tutela coletiva, aplica-se, sim, com as devidas vênias àqueles que entendem de forma diversa, o requisito da pertinência temática para a celebração do compromisso.
Para uma 2ª Tese, o requisito da pertinência temática não deve ser exigido para a celebração do termo de ajustamento de conduta. Entretanto, os defensores desta tese não afastam por completo a aplicação da pertinência temática.
O que se deve considerar, contudo, é que o ajustamento celebrado por órgão público cuida de assunto que esteja minimamente relacionado com a atuação institucional do referido órgão, não exclusivamente relacionado. Em outros termos, a atuação do órgão público pode abranger outros direitos e temas relacionados à sua atividade principal, desde que haja algum tipo de relação com a sua atividade fim.
O ponto fulcral para a celebração do ajustamento é a busca do interesse público pelo órgão legitimado, que deverá fazê-lo valendo-se dos instrumentos que lhe são veiculados pela lei.
Ao adotar a aplicação direta da pertinência temática, entendem os defensores da segunda tese, haverá uma indevida restrição não prevista em lei. A LA não restringe a legitimação para o órgão público celebrar compromisso de ajustamento de conduta, portanto, não é lícito ao intérprete fazê-lo. Interpretação restritiva somente seria issível com base em norma jurídica positivada.
Ademais, os assuntos abarcados pelo ajustamento de conduta poderão ter diversas naturezas e, ainda assim, ser negociados por órgãos públicos com competência restrita, por tratarem, ainda que mediatamente, sobre a matéria que
lhes seja invocada.
A LDC, por exemplo, conferiu somente ao CADE a legitimidade e autonomia para cuidar dos assuntos atinentes à defesa da ordem econômica, mas tal autorização legal não significa que o órgão público deverá centrar suas atribuições apenas e tão somente nos assuntos a ele relacionados diretamente.
Da mesma forma, a Lei de Ação Civil Pública atribuiu legitimidade e autonomia a todos os órgãos públicos para tratar da defesa dos direitos metaindividuais, de modo que não é adequado limitar sua atuação, para a celebração do ajustamento, apenas e tão somente aos temas sobre os quais versam sua competência institucional. ²
5.3.7.2 Acordo de Leniência
O acordo de leniência, enquanto instrumento extraprocessual e extrajudicial da tutela coletiva, com o fim de reduzir a litigiosidade, tem regulamentação prevista nas leis de defesa da concorrência (Lei 12.529/2011) e anticorrupção (Lei 12.846/2013), além de natureza de título executivo extrajudicial, como determina o art. 33 da Portaria da Controladoria Geral da União nº 910/2015. ³ As regras aplicáveis ostentam certas peculiaridades que merecem o devido destaque.
As principais características do acordo de leniência na Lei de Defesa da Concorrência (art. 86) são: a) somente pode ser celebrado pelo Conselho istrativo de Defesa Econômica, por meio da sua Superintendência-Geral (art. 86, caput); b) pode gerar a redução da penalidade ou a sua extinção (art. 86, caput); c) pode ser celebrado com pessoa física ³¹ ou jurídica (art. 86, caput); d) a proposta é sigilosa, mas pode ser publicizada quando houver interesse para a investigação e para o processo istrativo (art. 86, §9º); e) no caso de rejeição, não haverá qualquer reconhecimento da ilicitude ou acarretará confissão (art. 86, §10); f) o descumprimento do acordo acarretará óbice para a celebração de novo acordo pelo prazo de três anos (art. 86, §12); g) gera repercussão penal, pois a simples celebração suspende a prescrição e impede o oferecimento da ação penal, enquanto que o seu integral cumprimento gera a extinção da punibilidade (art. 87); h) a celebração suspende o curso do prazo prescricional (art. 46, § 2º).
As principais características do acordo de leniência na Lei Anticorrupção (art. 16) são: a) pode ser celebrado pelo Ministério Público e pela autoridade máxima de cada órgão (arts. 16, caput e §10 e 17); b) gera o abrandamento das sanções com a sua redução, mas sem extinção, porém pode isentar de sanções sem afastar a responsabilidade civil (art. 16, §§ 2º e 3º); c) pode ser celebrado
somente com pessoa jurídica (art. 16); c) a celebração gera a interrupção do prazo prescricional (art. 16, §9º); d) a proposta é sigilosa até a efetivação (celebração) do acordo, mas este sigilo pode ser afastado no caso de interesse para a investigação e o processo istrativo (art. 16, § 6º) e) no caso de rejeição da proposta não haverá reconhecimento da prática do ato ilícito (art. 16, §7º); f) em caso de descumprimento haverá empecilho para a celebração de novo acordo pelo prazo de 03 anos (art. 16, §8º); g) a celebração não impede o ajuizamento da demanda coletiva, mesmo que seja de improbidade istrativa, bem como as demais ações com o objetivo de responsabilizar civilmente a pessoa jurídica (art. 30); apesar da omissão da lei, entendo que esta norma também se aplica à seara penal, pois não haverá bis in idem.
Como visto, o acordo de leniência nestas leis ostenta mais semelhanças que distinções. As principais distinções são encontradas nos seguintes pontos: i) legitimidade para figurar como tomador; ii) legitimidade para figurar como destinatário; iii) regime jurídico prescricional; iv) geração de pressuposto processual negativo para o ajuizamento de demanda sobre o mesmo tema.
As semelhanças cingem-se, além das características já citadas, aos seguintes pontos: i) têm por objetivo auxiliar na investigação do fato com resultados específicos previstos nos arts. 86, Lei de Defesa da Concorrência (LDC) e 16, Lei Anticorrupção (LAC), mediante o cumprimento de requisitos próprios (art. 86, § 1º, LDC e 16, § 1º, LAC); ii) fazem parte do microssistema da tutela coletiva; iii) estipulam as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.
As diferenças entre os acordos de leniência para o TAC são os seguintes: a) regulamentação em lei; b) impossibilidade de nova celebração do acordo em caso de descumprimento; c) legitimidade restrita para a celebração, bem como para figurar como tomador; d) previsão expressa da suspensão da prescrição; d) confidencialidade da proposta; e) previsão expressa de abrandamento das sanções, bem como da isenção ou extinção da punibilidade; f) previsão de repercussão judicial, com a criação ou não de pressuposto processual negativo.
O acordo de leniência, mormente quando usado na defesa da concorrência, se assemelha com a colaboração premiada prevista na Lei 12.850/2013 ³², pois, neste caso, ostenta natureza mista, com repercussões diretas na seara istrativa, cível, processual cível, penal e processual penal, podendo acarretar a extinção da punibilidade ou o seu abrandamento.
Este instrumento, quando celebrado por órgãos públicos da istração Pública será um precedente istrativo, mas quando o for pelo Ministério Público deverá ser considerado como um precedente ministerial, contudo, dotado somente de eficácia vinculante horizontal, exceto quando for homologado pelo órgão colegiado superior.
5.4 Acordo de não persecução cível
Com a edição da Lei 13.964/19 a discussão a respeito da possibilidade de realização de acordos na seara da improbidade istrativa, mormente quando o instrumento for um negócio processual, perde um pouco do sentido, pois houve modificação na redação do art. 17, §1º, da LIA. ³³
A nova redação a a permitir ³⁴, de forma expressa, o chamado acordo de não persecução cível, apesar de não indicar qual deve ser o tipo de procedimento aplicável. Causa estranheza, contudo, a parte final que menciona “nos termos desta Lei.” Sendo a referência à LIA, nada mais equivocado, pois não há nada na referida lei que verse, ainda que remotamente, sobre o novel instituto do acordo de não persecução cível ³⁵. Considerando que não há como aplicar tal instituto, sem ao menos termos a segurança sobre quais os requisitos, legitimados e procedimentos, devo presumir que a referência feita no art. 17, §1º, parte final é a Lei 13.964/19, porém esta versa expressamente sobre matéria penal que, como já assentado na doutrina e na jurisprudência, é absolutamente inconfundível com a seara da improbidade istrativa. ³
Assim, surge uma primeira indagação: o acordo de não persecução cível deverá seguir as mesmas premissas do acordo de não persecução penal? As premissas são realmente as mesmas, pois ambos refletem um pacto de non petendo, mas o procedimento e a legitimidade poderiam ser? Entendo que o procedimento poderá até ser aplicado, mas será tema abordado com mais cuidado mais adiante.
5.4.1 Legitimidade para a celebração do acordo de não persecução cível
A legitimidade para a celebração do acordo de não persecução penal, por certo, não pode ser replicada sem alguns temperamentos.
Ora, a titularidade da Ação Penal Pública é exclusiva do Ministério Público (art. 129, I, CR/88), enquanto a legitimidade ativa para a propositura da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade istrativa é concorrente entre o MP e a pessoa jurídica interessada.
A legitimidade ativa, portanto, para a celebração do acordo de não persecução cível deve seguir, sob pena de gerar uma incoerência sistêmica, a mesma regra para a propositura da demanda de improbidade istrativa prevista no art. 17, da LIA, que fixa a legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre a pessoa jurídica interessada e o Ministério Público.
Ora, somente faz sentido celebrar o acordo de não persecução cível caso ostente legitimidade para realizar a persecução respectiva, portanto somente a pessoa jurídica interessada e o Ministério Público podem celebrar a avença.
Importante citar que a redação original fixava a legitimidade exclusiva do MP, mas houve o veto presidencial.
Caso o Ministério Público celebre o acordo de não persecução cível, deverá
cientificar formalmente a pessoa jurídica interessada, pois, com isso, poderá evitar a judicialização da questão versando sobre os mesmos fatos, ou seja, a quebra indireta do acordo. Após a efetiva ciência, devidamente formalizada, com a fixação de prazo razoável para eventuais considerações, deverá ser finalizada a avença.
Caso a pessoa jurídica interessada celebre a avença, deverá igualmente cientificar o Ministério Público, ainda no início das tratativas, para evitar superposição de atribuições e para cumprir a regra que determina a participação obrigatória do Parquet nas demandas coletivas. ³⁷ Da mesma forma, se o MP, devidamente e formalmente cientificado, não formular considerações ou objeções não poderá promover a demanda de improbidade istrativa, salvo para pretensão judicial diversa ou para questionar a sua validade.
Apesar da legitimidade ativa, tanto para a propositura da demanda de improbidade istrativa quanto para a celebração do acordo de não persecução, ser concorrente e disjuntiva, haverá a referida vinculação, desde que haja a formalização da cientificação. Tal vinculação, por certo, será extensível aos demais legitimados coletivos.
A legitimidade iva para a celebração do acordo de não persecução cível deverá abranger todos aqueles que de alguma forma participaram ou se beneficiaram da prática do ato de improbidade istrativa, quer seja pessoa física ou jurídica. Basta aplicar as regras dos arts. 2º, 3º e 8º da LIA.
O acordo de não persecução cível poderá, considerando as especificidades do caso concreto, ser celebrado de forma subjetivamente parcial, ou seja, abranger somente parcela dos investigados/responsáveis pela prática do ato de improbidade istrativa. Neste caso, a demanda poderá ser proposta em face daqueles que não aquiesceram à proposta e os valores a serem perseguidos deverão sofrer abatimento proporcional.
5.4.2 Natureza jurídica do acordo de não persecução cível
Diante da omissão regulamentar, vale indagar: qual é a natureza jurídica do acordo de não persecução cível?
O acordo de não persecução cível é, primordialmente, uma convenção processual de exclusão do exercício da pretensão judicial (tutela judicial) decorrente de um direito material ³⁸, que pode abranger um processo atual (acordo incidental) ³ ou um processo futuro (acordo pré-processual). É uma medida extraprocessual e extrajudicial de afastamento da necessidade do exercício judicial da pretensão. Assim, a a ser um pressuposto processual negativo ou obstativo para o ajuizamento da demanda de improbidade istrativa. Este acordo poderá, inclusive, ser total ou parcial. Será total quando o objeto abranger todas as pretensões juridicamente possíveis, bem como as sanções decorrentes da prática do ato (art. 12, da LIA). A despeito da previsão expressa no art. 17, §1º, da LIA, não é de aplicação exclusiva às demandas de improbidade istrativa. Em meu sentir, por força das regras do microssistema, pode ser utilizado em todos os casos de processo coletivo comum.
Seguindo esta premissa conceitual, será plenamente factível sustentar ser mais uma hipótese de criação de precedente ministerial.
Será parcial quando o objeto abranger somente parcela das espécies de pretensões ou determinadas sanções. ⁴
Este acordo poderá, também, abranger parcela material e processual. ⁴¹ Caso verse sobre os tipos de sanções, condições de modo, tempo e lugar destas, terá o aspecto material, mas se versar sobre os tipos de pretensões deduzíveis, terá o aspecto processual.
Não há como negar que o acordo de não persecução cível seja uma espécie de pacto de non petendo e, portanto, ostenta clara natureza processual, com base nos seguintes fundamentos: i) não interfere no direito material subjacente, pois não gera a sua disponibilidade; ii) pode abranger aspectos secundários ou periféricos do direito material, tais como condições de modo, tempo e lugar, mas não sobre o seu cerne ⁴²; iii) não gera remissão da responsabilidade; iv) relaciona-se com a exigibilidade do direito material; v) relaciona-se com a pretensão processual. ⁴³
5.4.3 Questões processuais decorrentes da celebração do acordo de não persecução cível
Com a possibilidade da celebração do acordo de não persecução cível, surgem algumas questões processuais de extrema relevância: a) pode o magistrado conhecer de ofício da sua existência? b) existe prazo para a sua eficácia? c) há a necessidade de homologação judicial? d) qual deve ser a consequência processual da inobservância do acordo para o legitimado ativo? e) qual é a sua natureza jurídica processual? f) a celebração do acordo pelo Ministério Público deve ser submetida ao reexame necessário do órgão colegiado superior?
O magistrado, apesar de ser um claro impeditivo processual, não poderá, ao menos de ofício, conhecer do pacto de non petendo, pois se trata de matéria afeta ao direito obrigacional. ⁴⁴ Tal assertiva se estende ao acordo de não persecução cível? Considerando o seu nítido caráter impeditivo (art. 485, V do C) ao exercício da tutela judicial, em princípio, poderia ser conhecido de ofício (art. 485, §3º do C), mas como tal matéria estará na esfera de conhecimento do magistrado antes do oferecimento da defesa pelo réu? Para a resposta à indagação, deverá ser enfrentada a necessidade ou não da homologação judicial, como se verá adiante. Porém, por uma aplicação sistêmica, nota-se que em outras hipóteses previstas na legislação processual (arts. 65 e 337, §6º do C), há a expressa necessidade da alegação da parte para que o juiz conheça da matéria avençada. O enunciado 252 do Fórum Permanente de Processualistas Civis segue esta toada. ⁴⁵
Quanto ao aspecto temporal da eficácia do acordo, penso, apesar da inexistência de qualquer regramento específico, que pode corresponder, conforme defende parte da doutrina ⁴ , exatamente ao prazo prescricional das pretensões da improbidade istrativa (art. 23, da LIA) com a ressalva referente às condutas dolosas de lesão ao erário (art. 10, da LIA c/c art. 37, §5º, CR/88).
Entretanto, tal entendimento não pode ser replicado na seara da tutela coletiva, pois há uma regra em seu microssistema que pode, em primeira análise, ser aplicável subsidiariamente, qual seja o art. 16, §9º, da LAC, que determina a interrupção da prescrição nos casos de celebração do acordo de leniência. Ora, o acordo de não persecução pode gerar esta interrupção? Não se trata, por óbvio, de criação convencional de acordo com viés perpétuo, mas é factível sustentar uma obrigação de viés negativo com prazo fixo? Entendo que sim, mas a peculiaridade diante do acordo de não persecução cível é a seguinte: qual é a utilidade da sua celebração sem prazo definido? Qual seria a vantagem do convenente em celebrar o acordo?
Bom, em última análise, tendo a concordar com a doutrina que sustenta a possibilidade da vigência do acordo durante o curso do prazo prescricional, ou seja, replicar o prazo da prescrição para fixar o período de vigência do acordo. Entretanto, como coadunar esta afirmação com a aplicação da causa interruptiva? Este, em meu sentir, é um desafio a ser enfrentado. Ao celebrar o acordo de não persecução cível com a determinação das suas condicionantes, os celebrantes fixarão o prazo para o fiel cumprimento da avença, durante o qual não correrá o prazo prescricional, conforme aplicação do art. 16, §9º, da LAC, pois, do contrário, poder-se-ia chegar ao absurdo do controle da prescrição ficar a cargo do convenente. Basta imaginar toda a sorte de subterfúgios para não cumprir o acordado até ultimar o prazo prescricional previsto no sistema jurídico.
Não é demais lembrar que a consequência jurídica mais relevante do não cumprimento é justamente a propositura da respectiva demanda de improbidade que restaria inviabilizada, caso ainda estivesse em curso o prazo prescricional. O convenente deverá fazer uma singela escolha: realiza o pacto ou sujeitar-se-á ao processo judicial.
Assim, entendo, por fim, que o acordo de não persecução cível deva ter um prazo para o seu cumprimento que seguirá, à guisa de orientação, o prazo prescricional, mas a sua celebração o interromperá.
Para que o acordo de não persecução cível surte os seus regulares efeitos, será imprescindível a homologação judicial?
Considerando a ideia do microssistema da tutela coletiva de combate à corrupção, penso ser despicienda a homologação judicial para que o acordo de não persecução cível surta os seus regulares efeitos, sob pena de subverter completamente o sentido da mútua complementariedade das regras do microssistema da tutela coletiva, pois não há tal exigência para a celebração do acordo de leniência e, tampouco para o TAC, exceto, claro, quando celebrados no curso da demanda judicial. A exigência da homologação judicial verifica-se somente quanto ao acordo de colaboração premiada, bem como com o acordo de não persecução penal.
Não custa lembrar que este acordo é uma convenção processual e, assim, não há a necessidade da homologação judicial para que surta os seus regulares efeitos (art. 200, C), mas haverá o controle judicial acerca da validade da avença, conforme preconiza o art. 190, C. Assim, apesar da natureza de impeditivo processual, não haverá a possibilidade de conhecimento ex ofício da avença. ⁴⁷ Vale ressaltar que a ocorrência da homologação, conforme o órgão jurisdicional e o caso concreto, pode ser considerado como um precedente judicial.
Questão interessante é verificar a necessidade de ser submetido o acordo ao reexame necessário pelo órgão colegiado superior do Ministério Público (Conselho Superior ou Câmara de Coordenação e Revisão). Apesar da intenção de tais órgãos em manterem o controle, reputo, assim como sustento para os casos de TAC, completamente despicienda tal análise, pois não se trata de caso de arquivamento.
Na redação original da alteração, vetada pela Presidência da República, havia referência expressa à necessidade da homologação pelo órgão colegiado superior
e posterior homologação judicial.
Para que reste evidente a minha posição que, claro, pode ainda ser melhor desenvolvida, não existe qualquer determinação legal neste sentido e, menos ainda, a necessidade para que o instrumento surte os seus regulares efeitos. Entretanto, se houver a criação de algum precedente ministerial fixador de orientação institucional pelo órgão colegiado superior, será hipótese óbvia e aceitável de controle da atividade funcional.
Por outro lado, o controle previsto em lei exercido pelo órgão colegiado superior cinge-se à promoção de arquivamento. Ora, se o caso for de arquivamento, sujeito ao reexame necessário, não há que se falar em acordo de não persecução cível, pois se a pretensão não será exercida por ausência de justa causa (fundamento do arquivamento), qual seria o sentido da avença?
Entretanto, para que a disponibilidade motivada da demanda de improbidade istrativa seja efetivamente acompanhada pelos órgãos istrativos superiores, penso ser extremamente recomendável a efetiva ciência/comunicação formal de que houve a celebração do acordo.
O acordo de não persecução cível deve ser reconhecido como um pressuposto processual negativo (art. 485, V, C), pois nada mais é do que um impedimento processual temporário gerando, por conseguinte a extinção do processo sem resolução de mérito, mediante o indeferimento da petição inicial. ⁴⁸
Caso os termos do acordo sejam descumpridos pelo convenente, abrir-se-á, conforme os termos avençados, a imediata possibilidade da propositura da respectiva demanda, com a aplicação da multa e consectários previstos no instrumento. Além disso, haverá um óbice para a celebração de novo acordo de não persecução cível, conforme preconizam os arts. 86, §12, da LDC e 16, §8º,
da LAC, aplicável em virtude do microssistema.
Interessante analisar o descumprimento sob a ótica daquele que poderia figurar no polo ivo. Além da existência do acordo ser uma óbvia matéria defensiva (por meio de exceção), poder-se-ia sustentar a possibilidade da propositura de demanda com o fim de obrigar o legitimado coletivo ativo a cumprir a avença, inclusive com o deferimento de tutela provisória, desde que efetivamente comprovada a evidente possibilidade da quebra da boa-fé objetiva, sem justificativa adequada, o que, em meu sentir, impediria a tutela provisória inaudita altera pars. O convenente teria ao seu dispor uma demanda inibitória para “forçar” o cumprimento da avença que exterioriza, a rigor, uma obrigação de não fazer. ⁴
5.4.4 Institutos afins e potencial interseção
Considerando que o acordo de não persecução cível é um instituto substancialmente, importante realizar a sua análise com os institutos afins e potencial interseção.
O acordo de não persecução cível, espécie de pactum de non petendo, é um dos instrumentos de redução da litigiosidade que integra o microssistema da tutela coletiva e, claro, também o de combate à corrupção. Após delinear os pontos mais relevantes do novel acordo, é imprescindível não confundi-lo com os institutos afins, referentes à tutela coletiva, que geram efeitos parecidos, tais como o acordo de leniência, termo de ajustamento de conduta e recomendação.
O acordo de leniência previsto no art. 16 da LAC não pode ser confundido com o acordo de não persecução cível, pois i) somente pode ser celebrado com pessoa jurídica, enquanto que o este pode abranger pessoa física; ii) a proposta deve ser sigilosa, algo que não é necessário observar no instituto em testilha; iii) conforme previsto no art. 30 da LAC, não há um pacto de non petendo, pois não impede a propositura da demanda de improbidade istrativa, objetivo primordial de acordo de não persecução cível; iv) o acordo de leniência tem natureza de título executivo extrajudicial.
O termo de ajustamento de conduta previsto no art. 5º, §6º, da LA, 26, §1º, da LINDB e na Resolução 179 do CNMP, também não se confunde com o acordo de não persecução cível somente em virtude da sua natureza de título executivo extrajudicial. Há mais semelhanças do que diferenças, senão vejamos: i) ambos possuem o objeto de realizar uma composição relativa aos direitos transindividuais; ii) em certa medida, a celebração do TAC enseja, ainda que de forma implícita, um acordo de não persecução, pois os celebrantes acordavam o
ajuste para justamente evitar a demanda judicial ou a sua eventual continuação; iii) o MP não pode abrir mão do cerne do direito material transindividual.
A recomendação, por seu turno, prevista na Resolução 164 do CNMP, não pode ser confundida com o acordo de não persecução cível, pois i) tem caráter eminentemente unilateral; ii) não tem caráter vinculante; iii) não enseja o impedimento da persecução judicial, exceto se atendida integralmente.
5.4.5 Procedimento para a celebração do acordo de não persecução cível
A celebração da avença deve ocorrer sempre no bojo de um inquérito civil, ressalvados os casos de urgência, ou naqueles já judicializados. O convenente deverá sempre estar devidamente acompanhado da defesa técnica (privada ou pública). Como sobredito, apesar de não ser direito subjetivo do investigado, nada impede que a proposta parta dele e o membro deverá, em prazo razoável, conforme as circunstâncias do caso concreto, em promoção fundamentada (art. 489, §1º do C), expor o convencimento ministerial sobre a conveniência e oportunidade da celebração do acordo.
Justamente a promoção que fundamenta a necessidade ou não da celebração do acordo conterá a ratio decidendi para o controle eventual da inobservância do precedente ministerial existente.
A depender do tema, da relevância e da repercussão social, será recomendável a realização de Audiência Pública, como forma de legitimar ainda mais o instrumento, assim como sustento para os casos de TAC.
No mais, os requisitos formais, diante da inexistência de regras formais, entendo ser factível sustentar, mediante a utilização do microssistema, a aplicação das regras do acordo de leniência (art. 16, da LAC) e do TAC (art. 26, §1º, LINDB e Resolução 179 do CNMP).
5.4.6 Requisitos para a celebração
Os requisitos para a celebração do acordo de não persecução foram objeto de veto presidencial e, portanto, não há parâmetros objetivos expressamente previstos para aplicação. Diante disso, é absolutamente imprescindível fixar as seguintes premissas: i) aplicação das regras do microssistema da tutela coletiva de combate à corrupção como forma de suprir as omissões; ii) somente pode ser celebrado o acordo de não persecução cível nos casos diversos do arquivamento; iii) está efetivamente positivada em nosso ordenamento a discricionariedade motivada em favor do Ministério Público no âmbito da tutela coletiva; iv) assim como ocorre nos casos da celebração do TAC, não direito subjetivo à celebração.
O Ministério Público, como legitimado exclusivo, poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, mediante promoção fundamentada, na forma do art. 489, §1º, do C, celebrar acordo de não persecução cível, desde que, ao menos, advenham os seguintes resultados: i) o integral ressarcimento do dano; ii) a reversão, à pessoa jurídica lesada, da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados; iii) o pagamento de multa.
Em qualquer caso, a celebração do acordo levará em conta a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem
como as vantagens, para o interesse público, na rápida solução do caso. Portanto, será imprescindível que o membro do Ministério Público elabore uma promoção bem fundamentada com as justificativas para a adoção da medida, o seu alcance e as suas condições.
Entendo que o teor do acordo, como as condições de tempo, modo e lugar, devem ser estabelecidos obrigatoriamente no termo da avença e que as disposições que regulam o acordo de leniência (art. 16 da LIA) e o termo de ajustamento de conduta (arts. 3º, 4º, 5º e 7º da Resolução 179 do CNMP) devem ser aplicadas para fins suprir a omissão regulamentar, em virtude da finalidade primordial das regras do microssistema da tutela coletiva.
513 “[...] entende-se que o Ministério Público se constitui de um só organismo, uma única instituição. Quando um membro do Parquet atua, quem na realidade está atuando é o próprio Ministério Público.” P. CARNEIRO. O Ministério Público no processo civil e penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 43. “[...]a rigor, bem compreendidos esses princípios, um só ofício, sob uma só chefia, só existe em cada um dos diversos Ministérios Públicos nacionais.” H. MAZZILLI. Regime Jurídico do Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 394.
514 “Principiando pelo ambiente institucional, observa-se que a Constituição de 1988, em seu art. 128, considerou que o Ministério Público abrange o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados, divisão que acompanha a forma de Estado adotada em terra brasilis. Nesse particular, as estruturas territoriais de poder têm sido divididas em unitárias e compostas, conforme haja, ou não, uma unicidade da vontade política. O Estado brasileiro adotou a forma
unitária sob o Império e a federativa sob a República. A Constituição de 1988, no caput de seu art. 1o, indica a forma de Estado adotada e os entes que integram a República Federativa do Brasil: a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Como única característica, enuncia a indissolubilidade, ao que se soma a autonomia dos entes federados, esta prevista no caput do art. 18. Ínsita na autonomia, tem-se a igualdade formal dos entes federados, todos legítimos integrantes da federação brasileira. No plano material, a igualdade termina por ser subjugada, verificando-se um nítido escalonamento, em termos de competência legislativa e capacidade financeira, entre os entes maiores e aqueles que os integram (v. g.: a União em relação aos Estados, o Distrito Federal e os Municípios; os Estados em relação aos Municípios). A exemplo dos entes federados, o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados são autônomos entre si, isso nos planos istrativo, financeiro e funcional, o que nos conduz ao primeiro complicador: como compatibilizar essa autonomia com a unidade institucional? A resposta a esse questionamento exige seja aferido se as noções de unidade e variedade são necessariamente antinômicas ou se podem ser argumentativamente compatibilizadas. A estrutura do Ministério Público brasileiro apresenta uma nítida distinção em relação à forma federativa do Estado. Nessa última, como se disse, a União personifica a República Federativa do Brasil, resultando da “união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal” (CR/1988, art. 1o). Já o Ministério Público “abrange” o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados. Nesse caso, os congêneres da União e dos Estados, em seu conjunto, integram o que se denomina “Ministério Público”. A peculiaridade é que enquanto a União possui real existência, o denominado “Ministério Público”, concebido de modo dissociado de seus ramos, é uma instituição empírica, que nem sequer alcança a realidade. Se o Ministério Público “não existe”, qual é a ratio essendi da sistemática constitucional? A resposta é simples: o objetivo é estabelecer uma identidade comum entre os distintos ramos que materializam o “Ministério Público”, todos imbuídos da mesma teleologia, a de “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (CR/1988, art. 127, caput). (...) Ao dispor sobre a existência de um único Ministério Público, que abrangeria uma diversidade de instituições autônomas entre si, a Constituição de 1988 encampou “a unidade com inclusão da variedade”. A partir dessa conclusão, pode-se afirmar que o princípio da unidade, contemplado no § 1o do art. 127 da Constituição de 1988, atua como evidente reforço argumentativo, indicando que tanto o Ministério Público da União como os Ministérios Públicos dos Estados, cada qual em sua esfera de atribuições, atuam como partes indissociáveis de um único e mesmo corpo.” E.
GARCIA. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 55.
515 “Apesar de a definição de atribuições, realizada em harmonia com a lei, indicar as situações em que o membro do Ministério Público exercerá suas funções, ela não pode chegar ao extremo de estabelecer os posicionamentos a serem assumidos no seu exercício, seara em que prevalece a independência funcional.” Idem.
516 “A única forma de compatibilizar tais princípios é entender que a unidade indica a existência de uma Instituição incindível, sujeita a uma única chefia, enquanto a independência funcional afasta qualquer possibilidade de ingerência na atividade desenvolvida pelos membros do Ministério Público, apesar de estarem todos eles istrativamente subordinados ao Procurador-Geral. Nessa linha, o princípio da hierarquia foi cindido em duas vertentes: uma prestigiada pelo princípio da unidade e outra renegada pelo princípio da independência funcional. Como consequência, conclui-se que, quanto maior for a independência funcional dos membros do Ministério Público, menor será a unidade da Instituição, já que contra legem qualquer ato que busque uma uniformização de atuação – ressalvadas as recomendações destituídas de imperatividade.” Idem.
517 “[...] é o princípio maior da Instituição, que se traduz no direito de o Promotor ou Procurador de Justiça oficiar livre e fundamentadamente de acordo com sua consciência e a lei, não estando adstrito, em qualquer hipótese, à orientação de quem quer que seja. Esta independência funcional é ilimitada, não estando o membro do Parquet sujeito sequer às recomendações do Conselho Superior do Ministério Público para o desempenho de suas funções, ainda naqueles casos em que se mostre conveniente a atuação uniforme (artigos 10, XII, 15, X, 17, IV, e 20, todos da Lei Complementar Federal nº 8.625/93) [...]. É preciso esclarecer que apesar de haver um chefe da Instituição – ProcuradorGeral – tal situação não implica, por força do princípio da independência, existir qualquer tipo de subordinação do ponto de vista do exercício da função, e ainda
que este chefe possa, arbitrariamente, fixar as atribuições dos demais membros do Parquet.” P. CARNEIRO. O Ministério Público no processo civil e penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 43.
518 E. GARCIA. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 55.
519 “O tema proposto, independência funcional dos membros do Ministério Público, em que pese ser uma garantia indispensável ao exercício das funções ministeriais, é fonte de inevitável preocupação: essa independência é absoluta ou está sujeita a algum balizamento? A primeira proposição deve ser de logo afastada, pois, ressalvadas situações excepcionalíssimas (v. g.: a proibição de tortura), é inconcebível a existência de direitos absolutos em um Estado Democrático de Direito, isto porque frequentes são os pontos de tensão entre dois ou mais direitos, o que, ipso factum, torna imperativo o estabelecimento de critérios para a solução das colisões. Acresça-se, ainda, que os membros do Ministério Público são agentes públicos, e estes, como todos sabem, somente podem atuar em harmonia com o ordenamento jurídico, nele auferindo o fundamento de validade de sua atuação. O princípio da independência funcional está diretamente relacionado ao exercício da atividade finalística dos agentes ministeriais, evitando que fatores exógenos, estranhos ou não à Instituição, influam no desempenho de seu munus. Evita-se, assim, que autoridades integrantes de qualquer dos denominados “Poderes do Estado”, ou mesmo os órgãos da istração Superior do próprio Ministério Público, realizem qualquer tipo de censura ideológica em relação aos atos praticados.” E. GARCIA. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 55.
520 “O Ministério Público tem papel especial na formação e superação dos precedentes normativos formalmente vinculantes, bem como na aplicação das técnicas dos casos repetitivos. A intervenção do Ministério Público, quando não for o autor ou requerente, será sempre obrigatória, em razão da relevância social e do impacto desses procedimentos na vida das pessoas (art. 947, incidente de
assunção de competência, art. 948, incidente de arguição de inconstitucionalidade, art. 983, incidente de resolução de demandas repetitivas, art. 1038, III, recurso especial ou extraordinário repetitivo, todos do C). Além disso, quando houver desistência pelo requerente do incidente, caberá ao Ministério Público assumir, por sucessão processual, o polo ativo (art. 976, §2º, C). H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 38.
521 “Voltando aos tribunais superiores, deve-se consignar que não é qualquer decisão de tais Cortes que já pode ser considerada precedente, mas apenas aquela que realmente reflita o entendimento dos seus membros, seja porque proferida pelo órgão responsável em uniformizar o tema dentro do tribunal, seja porque todos os órgãos que decidem sobre o tema perfilham o mesmo entendimento.” P. OLIVEIRA. Coisa Julgada e Precedente – limites temporais e as relações jurídicas de trato continuado. São Paulo: RT, 2015. p. 176 (Coleção o Novo Processo Civil).
522 No mesmo sentido: A. SAMPAIO. Do respeito aos precedentes judiciais. Coleção Jornada de Estudos ESMAF. Brasília, v. 2, abr. 2010. p. 26.
523 “Afigura-se legítima, ainda, a iniciativa do Procurador-Geral em editar atos que visem a orientar os membros do Ministério Público quanto à posição a ser seguida em determinadas situações em que é ordinariamente divisada a presença do interesse público justificador da atuação ministerial (art. 10, XII, da Lei n. 8.625/1993). Acaso não seja seguida a recomendação e sendo o ProcuradorGeral instado a se pronunciar a respeito, tornar-se-á cogente a atuação do agente caso assim seja deliberado. É importante repetir que fixar a atribuição não guarda similitude com a conduta de interferir no exercício das atribuições. Aquela é issível, esta não. Fixada a atribuição do agente, somente poderá ele se escusar a atuar nas hipóteses previstas em lei, que são o impedimento e a suspeição, as quais em nada se confundem com a negativa de exercer suas atribuições ante a ausência de interesse público que o justifique. Esta encontra-se relacionada ao cargo e à própria Instituição, enquanto o impedimento e a
suspeição estão vinculados à pessoa do agente.” E. GARCIA. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 55.
524 “Esse nível de definição será alcançado quando o tribunal de cúpula proferir a sua decisão, por três razões principais: i. porque será o último a decidir; ii. porque todas as causas podem buscar esta interpretação; iii. e fundamentalmente porque a Constituição Federal conferiu-lhe a função de órgão vocacionado a conferir unidade ao Direito. Desta forma, só se tem um precedente quando o STJ se pronunciar sobre a interpretação da legislação federal e o STF sobre a Constituição. Apenas nesse momento, tem-se uma precisa definição e orientação ao Poder Judiciário e à sociedade sobre o conteúdo do Direito vigente que deve ser observado e deve reger as relações sociais.” R. CRAMER. Precedentes Judiciais: Teoria e Dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 176.
525 “(...) o problema de fundo, se bem compreendido, ajuda-nos a entender por que o MP brasileiro é singular no quadro das democracias contemporâneas: trata-se de uma instituição capaz de representar a sociedade sem se deixar vincular diretamente a ela.” R. ARANTES. Ministério Público à brasileira. 1º jun. 2012. Disponível em:
. o em: 04 mai. 2019.
526 H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 25.
527 “A função dos precedentes, portanto, é garantir a estabilidade, integridade e coerência do ordenamento jurídico sem engessamento, sendo atribuição do Ministério Público a garantia da ordem jurídica constitucional e a efetividade dos direitos fundamentais. Por essa razão, a atuação do Ministério Público nas Cortes Supremas torna-se extremamente relevante nos três tempos das normas precedentes: na formação, na aplicação e na superação dos precedentes. Assumir uma postura ativa em relação à seleção de casos, à orientação para aplicação dos
precedentes já formados e à superação daqueles que eventualmente estiverem em contradição com os direitos fundamentais tutelados pelo Ministério Público é fundamental para o êxito da atividade ministerial no quadro do direito brasileiro atual.” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 135.
528 R. ALEXY. Teoría de la argumentación jurídica. Tradução de Manuel Atienza e Isabel espejo. 2. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Costitucionales, 2007. p. 206 e 212.
529 “O Poder Judiciário e o Ministério Público são instituições de garantia de segundo grau, entrando em campo justamente quando as demais garantias dos direitos fundamentais falham em sua função. As garantias e as instituições de garantia que efetivam as garantias são técnicas normativas de tutela dos direitos subjetivos, individuais e coletivos. Há, no processo, uma pretensão de correção do ponto de vista material e processual. O processo é um ambiente de debates regrado e temporalmente limitado apto a resolver questões concretas para a efetivação da tutela dos direitos com respeito às garantias processuais fundamentais das partes. Isso qualifica o processo como uma espécie de discurso prático do caso especial, na expressão consagrada na doutrina. Pode-se dizer que isso permite que o debate jurídico no processo seja qualificado pelo contraditório e pelo conteúdo jurídico das afirmações, tornando-o deontologicizado, tendencialmente cognitivo.” (...) “Devemos observar que o Ministério Público, em sua função constitucional, demandista e resolutiva, acionando, intervindo ou autocompondo, é sempre órgão de garantia secundária, ligado à efetivação dos direitos fundamentais não adimplidos espontaneamente, promovendo o seu aperfeiçoamento.” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 44-45 e 54.
530 “Este ulterior princípio foi introduzido na Constituição brasileira, cujo art. 129 alargou enormemente as atribuições do Ministério Público, chegando a incluir, além das tradicionais funções acusatórias, a possibilidade de manejar ações para a tutela dos direitos fundamentais e, em particular, dos direitos
sociais, bem como dos interesses públicos e dos bens constitucionais violados pelos poderes públicos.” L.FERRAJOLI. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza; Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, André Karam Trindade, Hermes Zanetti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: RT, 2015. p. 246-247.
531 “Para completar o modelo garantista de direitos, ao lado do direito de ação do indivíduo, portanto, é necessário um órgão público que atue como instituição de garantia para ativar a jurisdição (princípio da acionabilidade).” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 55.
532 H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 25
533 F. KERCHE. O Ministério Público no Brasil: relevância, características e uma agenda para o futuro. Revista USP. São Paulo, v.1, p. 113, 2014.
534 “As críticas à falta de representatividade do Ministério Público são muitas, mas, como iremos tratar neste texto, a solução para o problema não é diminuir o papel do Ministério Público, mas reforçar sua ability e seu papel de instituição de garantia dos direitos fundamentais, instituição muitas vezes por natureza contramajoritária, mas que atua de forma tendencialmente cognitiva para implementar a Constituição.” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 25.
535 “Por sua específica matriz constitucional, o Ministério Público brasileiro é uma instituição independente, autônoma e especializada de garantia dos direitos fundamentais, com a função de controlar os poderes do mercado (privado) e do
Estado (públicos), sempre e quando estes ultraarem a barreira dos limites (direitos de liberdade, proibição de excesso, margem do não decidível que) e vínculos (direitos sociais, proibição da proteção deficiente ou insuficiente, margem do não decidível que não).” Idem.
536 F. LIMA. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro como custos legis. São Paulo: Método, 2007. p. 94-96; C. LEITE. Ministério Público do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 41; G. ALMEIDA. As corregedorias, a nacional e as internas, no contexto do Ministério Público como instituição de o à justiça. Revista da Corregedoria Nacional do Ministério Público. Brasília, CNMP, p. 49-109, 2016.
537 H. ZANETI JÚNIOR. Precedente. Tra rule of law e stato costituzionale nel Diritto processuale brasiliano. In: A. BRIGUGLIO; R. MARTINO; A. PANZAROLA; B. SASSANI. Scritti in onore di Nicola Picardi. Pisa: Pacini, 2016, p. 2.643-2.655; H. ZANETI JÚNIOR. Il valore vincolante dei precedenti. Tesi di Dottorato. Roma: Università di Roma Ter, 2014; H. ZANETI JÚNIOR. O valor vinculante dos precedentes. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 47.
538 “As normas fundamentais da fundamentação hermenêutica e analítica adequada, da estabilidade, coerência e integridade dos precedentes normativos formalmente vinculantes e da vedação da decisão surpresa, não por acaso expressamente ligadas entre si por expressa menção normativa (art. 927, §1º, C), tratam de reduzir essa discricionariedade das partes e do juiz, equilibrando funções liberais e sociais do processo.” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 51.
539 “O ofício ministerial deve ser livremente exercido, somente rendendo obediência ao ordenamento jurídico e à consciência do membro do Ministério Público. A importância dessa garantia é indiscutível. As regras de experiência, no entanto, são pródigas em nos ensinar que qualquer força, natural ou não,
tende a avançar até que um óbice lhe seja oposto: o evolver de um rio somente é contido por obstáculos que impeçam o avanço de suas águas ou até que chegue ao extremo de suas forças, o encontro com o mar; à míngua de mecanismos de contenção, o agente que exerce um poder é inconscientemente levado a dele abusar; até mesmo o exercício de determinados direitos, muitos deles fundamentais, deve ser cercado de cautelas, isto porque o abuso certamente se manifestará. Também aqui, como não poderia deixar de ser, são frequentes os excessos, o que torna imperativo o estabelecimento de diretrizes básicas – e certamente não exaurientes – para a densificação do princípio da independência funcional, com o consequente afastamento da indesejável semente do arbítrio”. E. GARCIA. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 55.
540 “c) os precedentes normativos formalmente vinculantes, espalhados por todo o Código, mas que têm seu núcleo na definição de um rol formal de manifestações do tribunal, e que devem também atender a uma série de requisitos materiais, ligados ao stare decisis horizontal e vertical, a vinculação com as circunstâncias fáticas, a comparação com a ratio decidendi do caso precedente com o caso atual, bem como as hipóteses de sua não aplicação, com a eventual possibilidade de distinção ou superação (arts. 927, 926, 489, §1º, incisos V e VI, C). O Ministério Público deixa de ser mero parecerista em segundo grau e em tribunais superiores para tornar-se um agente promotor dos direitos fundamentais por meio dos precedentes.” (...) “Pode-se dizer que a finalidade do C/2015 visa a assegurar o direito ao processo justo, com a obtenção de uma decisão justa, não na concepção filosófica de justiça, mas entendendo como decisão justa (art. 6º, C) aquela capaz de tutelar os direitos de forma adequada ao direito material e às partes, que irá versar, tempestiva, que venha num tempo razoável, e efetiva, que deve ser realizada no mundo real, bem como será considerada justa a decisão que observe a unidade do direito (arts. 489, §1º, V e VI, 926 e 927, C, precedentes judiciais normativos formalmente vinculantes). H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p.37.
541 “Os membros do Ministério Público (promotores e procuradores) e os órgãos do Ministério Público (tanto os órgãos individuais quanto os órgãos
colegiados, como o Conselho Superior ou o Colégio de Procuradores), no exercício da atividade-fim, só estão adstritos ao cumprimento da Constituição e das leis; não estão obrigados a observar portarias, instruções, ordens de serviço ou quaisquer comandos nem mesmo dos órgãos superiores da própria instituição, no que diga respeito ao que devam ou não fazer. Estamos a referir-nos aqui à plena liberdade no exercício da atividade-fim (se, p. ex., é caso de dar ou não denúncia, se é caso de pedir condenação ou absolvição, ou de recorrer ou não): nesse ponto, é irrestrita a liberdade funcional.” H. MAZZILLI. Regime Jurídico do Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 202.
542 “As regras e princípios ali previstos valem para a fundamentação das decisões e para os atos postulatórios. No caso do Ministério Público, é irrelevante se ele atua como órgão agente ou interveniente, já que todas as manifestações, especialmente por ser órgão público, instituição de garantia dos direitos fundamentais, devem ser adequadamente fundamentadas e os argumentos jurídicos devem projetar a futura decisão judicial a ser tomada. Aqui também é de se referir que o art. 489, §1º, C, deve afetar as decisões tomadas em instâncias istrativas pelo Ministério Público. Como se trata de um desdobramento do formalismo valorativo, há necessidade de primar pela fundamentação adequada pelo Ministério Público nos procedimentos istrativos em que oficia, por exemplo, ao determinar um arquivamento, formular um termo de ajustamento de conduta ou despachar no procedimento. As decisões do Ministério Público devem estar adequadamente fundamentadas e levar em consideração (contraditório como direito de influência e dever de debates) os argumentos trazidos pelos eventuais interessados que tiverem voz nos procedimentos.” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p.119.
543 “O Ministério Público deve defender os direitos fundamentais, estruturandose adequadamente para tanto. A Constituição definiu o Ministério Público como instituição essencial à implementação do projeto de democracia substantiva, vinculando-o a esse projeto. Em razão dessa vinculação, os princípios e objetivos fundamentais da República orientam a sua atuação. Importa dizer que o Ministério Público se apresenta como uma das instituições construtoras da sociedade livre, justa e solidária. O objetivo institucional confunde-se, portanto,
com o objetivo da República.” M.GOULART. Elementos para uma teoria geral do Ministério Público. Belo Horizonte: Arraes, 2013. p. 108.
544 “O Ministério Público mantém assim a independência, mas não a exerce sem fundamentação constitucionalmente adequada; trata de efetivar uma “seletividade razoável e constitucionalmente adequada” em busca da “equipriomordialidade” e da “conjugação equilibrada” entre os princípios da unidade e da independência, sem receita prévia ou a priori, de forma a garantir que “as metas fixadas institucionalmente, a princípio, são obrigatórias. No entanto, a forma de concretização não será necessariamente uniforme.” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 65.
545 A. COURA; B. FONSECA. Ministério Público brasileiro: entre unidade e independência. São Paulo: LTr, 2015. p. 120.
546 “A questão, na verdade, é institucional. Se o Ministério Público é combativo, talvez esse seu caráter fosse intensificado com a utilização de instrumentos para a criação de uma política institucional unificada.” F. KERCHE. Virtude e limites: autonomia e atribuições do Ministério Público no Brasil. São Paulo: Edusp, 2009. p. 110-111.
547 “(...) motivar a inobservância desses atos normativos com fulcro no sistema jurídico constitucional, o que alinhará o princípio institucional da unidade ao constitucionalismo (...) o membro do Ministério Público não poderá fazer tudo o que desejar sob o pretexto de exercitar a sua independência funcional.” A. COURA; B. FONSECA. Ministério Público brasileiro: entre unidade e independência. São Paulo: LTr, 2015. p. 137.
548 “importa frisar que o ajuste institucional do MP, visando adaptá-lo ao novo
perfil constitucional não implica, necessariamente, na eliminação da atuação processual como custos legis; importa, isto sim, na mudança da forma de atuação e eleição de prioridades institucionais.” R. PORTO MACEDO JÚNIOR. A evolução institucional do ministério público brasileiro. SADEK, MT., org. In Uma introdução ao estudo da justiça [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p 46. Exemplo de aparente incompreensão da atividade do Ministério Público como custos legis é a seguinte agem da lavra de José Maria Rosa Tesheiner: “De um ponto de vista estatístico, é desprezível a intervenção do Ministério Público na instrução do processo, pela simples razão de que desconhece os fatos vividos pelas partes. O que realmente prepondera, em sua atuação como fiscal da lei, é o parecer que oferece ao juiz como projeto de sentença. Considerando apenas o valor celeridade do processo, apresenta-se o parecer do Ministério Público apenas como um ato a mais, eventualmente inútil, a retardar a entrega da prestação jurisdicional. Considerado o valor qualidade dos julgamentos, o parecer do Ministério Público, acolhido ou não pelo juiz, aumenta o percentual de acertos, isto é, de decisões socialmente desejáveis. Inestimável a ajuda que pode prestar ao juiz o parecer de um órgão independente, sem interesse pessoal no resultado do processo. Um mau parecer não impede uma boa sentença mas um bom parecer pode impedir uma sentença ruim” (Pressupostos Processuais e Nulidades no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 157). Além de ar a impressão de que o Ministério Público é apenas um detalhe - por vezes incômodo - no processo, o autor peca por não indicar a fonte de suas afirmações, já que trabalha sob um «ponto de vista estatístico», mas não indica nenhuma estatística ou pesquisa como fonte, nem mesmo uma singela consulta a arquivo pessoal. Também com incisivas críticas à atuação do Ministério Público no processo civil, com peculiar acidez, J. CASTRO FILHO. Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 14-18. v. X
549 “Não nos impressiona o argumento de que a independência funcional, por ser uma garantia ao livre pensamento jurídico do membro do Ministério Público, tornaria imunes de controle as manifestações razoavelmente fundamentadas. Com a devida vênia, em matéria de fixação de atribuições e de definição da própria atuação do Ministério Público, a questão não se superpõe ao aspecto funcional, mas tão somente o tangencia. Considerando que a garantia de livre pensamento jurídico cinge-se ao aspecto funcional, não ao istrativo, incidirá na espécie o princípio da unidade, o qual legitima a unicidade de
comando no âmbito institucional e direciona a própria autonomia istrativa do Ministério Público. Situando-se a definição da atribuição no plano istrativo, não se poderá falar em violação ao princípio da independência funcional mesmo na hipótese de o membro do Ministério Público ter se pronunciado pela inexistência de uma situação que justificasse a sua intervenção.” E. GARCIA. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 55.
550 “A delimitação de estratégias de atuação do Ministério Público com a seleção de prioridades deve partir também da necessidade de implementar precedentes positivos firmados pelas Cortes Supremas. Nesse sentido, o Ministério Público deve garantir a unidade do direito, aplicando os precedentes firmados na sua área de atuação.” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 125.
551 “Em que pese inexistir, sob o aspecto funcional, hierarquia entre o Chefe da Instituição e os demais membros, afigura-se evidente que o atual estágio da ciência jurídica não se coaduna com concepções que se afastem da satisfação do interesse público e que em muito se aproximem da semente indesejada do arbítrio. (...) Os membros da Magistratura, que encontram na independência funcional um instrumento imprescindível ao próprio exercício de sua atividade finalística, estão indiscutivelmente sujeitos a múltiplos meios de controle, dentre os quais se incluem aqueles destinados a tornar cogente o próprio exercício da atividade jurisdicional (v. g.: a correição parcial e o conflito de competência). Nestes casos, não se determinará ao agente que exerça as suas atividades desta ou daquela forma, mas tão somente que as exerça, o que afasta qualquer argumento de que sua independência restou maculada”. E. GARCIA. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 55.
552 “O desenvolvimento dessa fundamentação não deve se ater ao precedente, tornando o juiz uma espécie de despachante jurídico; ao contrário, acredita-se, não se sabe se efetivar-se-á na prática forense, que o que a legislação quer
alcançar é que a fundamentação seja completa, contextualizada jurídica – com a lei e com os precedentes – e faticamente, descrevendo e enfrentando os argumentos relevantes das partes do processo, até para o fim de não “reduzir o discurso do direito jurisprudencial a uma pauta de isonomia forçada a qualquer custo para geração de uma eficiência quantitativa”, e tendo-se em conta que os precedentes são o princípio e não fechamento do sistema, com o que “não podem ser formados com superficialidade e aplicados mecanicamente.” W. OLIVEIRA. Precedentes judiciais na istração pública: limites e possibilidades de aplicação. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 230.
553 “Em um primeiro plano, cumpre observar que o princípio da independência funcional não é um fim em si mesmo. Não é, igualmente, uma prerrogativa que se incorpora à pessoa dos membros do Ministério Público no momento em que tomam posse em seus cargos. Trata-se de mero instrumento disponibilizado aos agentes ministeriais com vistas à consecução de um fim: a satisfação do interesse público, sendo esta a razão de ser do Ministério Público, a exemplo do que se verifica em relação a qualquer órgão estatal. A partir dessa singela constatação, torna-se possível afirmar que o principal prisma de análise desse importante princípio deve ser a sua associação à atividade finalística da Instituição, pressuposto de concretização do interesse público. Com isto, o plano de aferição deve ser afastado da pessoa do agente, sendo irrelevantes os sentimentos e aspirações, legítimos ou não, a ele inerentes, não devendo ser confundidas a vaidade da pessoa do agente com a prerrogativa do cargo por ele ocupado. Esta é indispensável, aquela não. A independência funcional orna o cargo, que se destina ao exercício da atividade ministerial, elemento concretizador do interesse público.” E. GARCIA. Ministério Público – organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 55.
554 “A identificação de um poder de agenda difere a atuação do Ministério Público da atuação do Poder Judiciário. O Ministério Público pode definir o que vai fazer, quando vai fazer e como vai fazer. Pode definir suas prioridades institucionais. Mas essa tarefa, que está no âmbito das potencialidades da instituição, precisa ser colocada em prática. Estão a favor do poder de agenda do Ministério Público a independência institucional e o rol amplo de atribuições conferidos pela Constituição.” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o
novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 162. No mesmo sentido, vale mencionar: “Em relação aos estímulos, saliente-se, em primeiro lugar, o rol de atribuições. O fato de esse rol ser amplo funciona como um poderoso incentivo para a construção de uma identidade institucional, assentada em grande margem de escolha, de abordagens e de prioridades. Como disse anteriormente, é o poder de agenda. Acrescente-se também como mais um significativo estímulo, como um incentivo para a construção da identidade institucional, a independência institucional. É fácil imaginar como diminuiriam os graus de liberdade ou as possibilidades de atuação da instituição caso esta fosse atrelada ao Poder executivo, ao Judiciário ou ao Legislativo. Haveria, em tese, menor probabilidade de defesa em relação à imposição de limitações externas.” M.SADEK. A construção de um Novo Ministério Público resolutivo. Disponível em:
. o em: 07 mai. 2019.
555 G. ALMEIDA. Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 573; R. GODINHO. As corregedorias e a atuação repressiva do Ministério Público. Revista Jurídica da Corregedoria Nacional: o papel constitucional das corregedorias do Ministério Público. Brasília, CNMP, v. 1, p. 143, 2016.
556 “Isso gera a revisão da obrigatoriedade absoluta da intervenção. A atuação tem de estar em consonância com o ordenamento jurídico e os objetivos normativos da própria instituição, veiculado através dos planejamentos estratégicos nacionais, e, no nível mais detalhado, com o planejamento estratégico de cada ramo do Ministério Público da União (Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e Ministério Público Militar) e dos Estados-membros, por área de atuação, através dos Centros de Apoio e Câmaras de Coordenação e Revisão, órgãos especializados com servidores técnicos nas áreas afins, bem como dos próprios membros do Ministério Público, como revela a expressiva redação da Resolução nº 34 do CNMP: “Os assuntos considerados relevantes pelo planejamento institucional (...) são equiparados aos de relevância social” (art.5º, parágrafo único).” H. ZANETI JÚNIOR. O Ministério Público e o novo Código
de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 37.
557 “[...] o único órgão colegiado a quem a LONMP expressamente cometeu funções de execução foi o Conselho Superior do Ministério Público. Esqueceuse o legislador, porém, por mera falha técnica, de mencionar o Colégio de Procuradores de Justiça como órgão de execução, pois é dessa natureza a função que exerce quando revê o arquivamento de inquérito policial oi peças de investigação criminal, determinado originariamente pelo Procurador-Geral. A Lei nº 8.625/93 não se apercebeu disso.” H. MAZZILLI. Regime Jurídico do Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 397.
558 “Os atos relativos à atividade-fim do Ministério Público são insuscetíveis de revisão ou desconstituição pelo Conselho Nacional do Ministério Público.”
559 MS 28.028/ES, Min. Rel. Carmen Lúcia, 30.10.2012, publicado no Informativo 686/2012.
560 “A legitimação concorrente disjuntiva significa que os legitimados coletivos podem ir a juízo separadamente ou em conjunto, tornando o litisconsórcio facultativo. Assim, é disjuntiva porque qualquer dos legitimados do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) ou do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor poderá propô-la, independente da presença dos outros legitimados ativos. Em outros termos, a atuação processual de um dos legitimados não condiciona e nem impede a atuação dos demais.” F. BASTOS. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Foco, 2018. p. 354.
561 “Claro que essa obrigatoriedade está predominantemente voltada para o Ministério Público, já que ele tem o dever funcional de, presentes os pressupostos e verificada a lesão ou ameaça ao direito coletivo, propor a demanda; mesmo assim, poderá o Ministério Público fazer um juízo de
oportunidade e conveniência, que equivale a um certo grau de discricionariedade controlada do agente.” F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. Vol. 4. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 116.
562 A. MELLO FERRAZ. et al. A ação civil pública e a tutela dos interesses difusos. São Paulo: Saraiva. 1984. p. 42. No mesmo sentido: “Não vamos chegar ao extremo de dizer que a atividade do Ministério Público, aí, seja ilimitadamente discricionária, ficando a critério do órgão a propositura ou não da ação. No entanto, verificando que não há e legal para o ajuizamento da ação, ou, ainda, que não é oportuna ou conveniente essa propositura, poderá deixar de exercê-la.” É. MILARÉ. Ação Civil Pública na nova ordem constitucional. São Paulo. Saraiva, 1990. p. 11.
563 A. ANDRADE; C. MASSON; L. ANDRADE. Interesses difusos e coletivos esquematizado. São Paulo: Método, 2011. p. 65.
564 “Haveria, portanto, uma obrigatoriedade institucional de tutelar os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos indisponíveis ou com repercussão social, mas sem necessariamente ter de se valer de ação judicial para tanto.” D. NEVES. Manual do Processo Coletivo. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 142.
565 E. FERRARESI. Ação Popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo – instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 281.
566 N. NERY JÚNIOR.; R. NERY. Código de Processo Civil comentado. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1443; H. MAZZILLI. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva. 30 ed. 2017. p. 92; P.
DINAMARCO. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 210; F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo, vol. 4. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 116; ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: um novo ramo do direito processual (princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 573.
567 “Não vamos chegar ao extremo de dizer que a atividade do Ministério Público, aí, seja ilimitadamente discricionária, ficando a critério do órgão a propositura ou não da ação. No entanto, verificando que não há e legal para o ajuizamento da ação, ou, ainda, que não é oportuna ou conveniente essa propositura, poderá deixar de exercê-la.” É. MILARÉ. Ação Civil Pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 11.
568 “Se por um lado o interesse público presente nas ações coletivas orienta para uma obrigatoriedade temperada na propositura da ação e para determinação de sua continuidade nos casos de desistência infundada ou abandono, o princípio da indisponibilidade da demanda executiva não comporta exceções.” F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 117. v. 4.
569 Conforme sustentei na minha obra: F.BASTOS. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Foco, 2018. p. 554.
570 “b) que as ações representam, de fato, economia judicial e processual, diminuindo, assim, o número de demandas ajuizadas, originárias de fatos comuns e que acabam provocando acúmulo de processos, demora da tramitação e perda na qualidade da prestação jurisdicional: ao invés de milhões ou milhares de ações, sonhamos com o tempo em que conflitos multitudinários ... possam ser resolvidos mediante uma única demanda e um único processo; c) com isso, as ações coletivas poderão oferecer, também, maior segurança para a sociedade, na medida em que estaremos evitando a prolação de decisões contraditórias em
processos individuais, em benefício da preservação do próprio princípio da igualdade: o processo, sendo coletivo, servirá como instrumento de garantia da isonomia e não como fonte de desigualdades;...” A. MENDES. O direito processual coletivo brasileiro em perspectiva. Bases científicas para um renovado direito processual. Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmon (org.). Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 641.
571 “A tutela coletiva não é, entretanto, a solução para todos os problemas, posto que é difícil imaginar como poderia a tutela coletiva pacificar uma questão de direito processual, por exemplo, mas se ela fosse efetiva ela poderia, sim, contribuir para a redução do número de processos e recursos. Mas isso depende de uma mudança de mentalidade dos aplicadores do direito, que quase sempre ignoram ou anulam os benefícios que a tutela jurisdicional coletiva proporciona, e, consequentemente, de uma mudança de mentalidade do cidadão comum. Não podemos responsabilizar o cidadão comum que opta por ajuizar uma ação individual, mesmo sabendo que existe uma ação coletiva para tutelar o seu direito, posto que as ações coletivas não são eficientes no Brasil por diversos fatores, inclusive políticos. A partir do momento em que se valoriza e prestigia a tutela coletiva, pode-se esperar outra mentalidade do cidadão comum, que confia na ação coletiva para a salvaguarda do seu direito.” G. NOGUEIRA. Stare Decisis et Non Quieta Movere: A Vinculação aos Precedentes no Direito Comparado e Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 241-242.
572 ADI 1285/SP, Pleno, rel. Min. Moreira Alves, DJe 23.03.2001 (informativo 221).
573 F. BASTOS. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Foco, 2018. p. 519.
574 E. GARCIA. Ministério Público: Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 291.
575 P. MACHADO. Direito Ambiental Brasileiro. Malheiros, 2010. p. 385
576 D.NEVES. O inquérito civil como uma cautelar preparatória probatória sui generis. R. MAZZEI; R. NOLASCO. Processo Civil Coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 219.
577 RE 597.727/MG, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 14.05.2016.
578 AgRg no REsp 1.319.736/MG, rel. Min. Felix Fischer, DJe 17.03.2015; AgRg no AREsp 625.101/DF, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 18.02.2016, DJe 23.02.2016.
579 D.NEVES. O inquérito civil como uma cautelar preparatória probatória sui generis. R. MAZZEI; R. NOLASCO. Processo Civil Coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 224. H. MAZZILLI. A defesa dos interesses difusos em juízo. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 339.
580 F. DIDIER JÚNIOR.; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo, 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 274. v. 4.
581 J. CARVALHO FILHO. Ação Civil Pública. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 315.
582 F. DIDIER JÚNIOR.; H.ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 278. v. 4; PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito Civil. São Paulo: RT, 2001. p. 138.
583 G. RODRIGUES. Ação Civil Pública e termo de ajustamento de conduta. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 220.
584 H. MEIRELLES. Direito istrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 173; R. OLIVEIRA. Curso de Direito istrativo. 3. ed. São Paulo: GEN/Forense, 2015. p. 292.
585 J. CARVALHO FILHO. Ação Civil Pública. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 333.
586 F.BASTOS. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Foco, 2018, p. 548.
587 Idem, p. 549.
588 “O ombudsman representa, portanto, um instrumento a serviço da cidadania para aumentar a prestação de contas (ability), a transparência (transparency), a eficiência (effiency) e a democracia (democracy) imprescindível ao Império do Direito (rule of law) e ao Estado de Direito nos modernos Estados Constitucionais.” F. DIDIER JÚNIOR.; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 289.
589 G. RODRIGUES. Ação Civil Pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 90.
590 F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 290. v. 4.
591 F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 288. v. 4; G. RODRIGUES. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 90; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. A Recomendação ministerial como instrumento extrajudicial de solução de conflitos ambientais. In: C. CHAVES; L. ALVES; N. ROSENVALD. Temas atuais do Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 382.
592 M. MIRANDA. A Recomendação ministerial como instrumento extrajudicial de solução de conflitos ambientais. In: CHAVES, Cristiano; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; ROSENVALD, Nelson. Temas atuais do Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 382; F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 290. v. 4.
593 “No que diz respeito aos efeitos, em múltiplas situações as recomendações ultraam o campo da mera exortação moral, contribuindo para a exata identificação do elemento anímico que direcionou o destinatário em suas ações ou omissões. Exemplo sugestivo pode ser divisado no caso de existir dúvida em relação ao dolo do agente na violação aos princípios regentes da atividade estatal, situação ível de configurar o ato de improbidade istrativa previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/1992: demonstrada a ilicitude do comportamento, mas persistindo o agente em adotá-lo, o dolo restará inequivocamente demonstrado.” E. GARCIA. Ministério Público: Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 383.
594 G. RODRIGUES. A Ação Civil Pública e o Termo de Ajustamento de Conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 90; M. MIRANDA. A Recomendação ministerial como instrumento extrajudicial de solução de
conflitos ambientais. In: CHAVES, Cristiano; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; ROSENVALD, Nelson. Temas atuais do Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 390; E. GARCIA. Ministério Público: Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 383; F. DIDIER JÚNIOR; H.ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 291. v. 4.
595 F. BASTOS. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Foco, 2018. p. 555.
596 “reconhecimento implícito da ilegalidade da conduta e promessa de que esta se adequará à lei.” J. CARVALHO FILHO. Ação civil pública: comentários por artigo (Lei nº 7.347, de 24/7/85). 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 221.
597 Vale mencionar que o art. 14 da Resolução nº 23 do CNMP emprega o termo firmar, o que pode denotar que o legitimado coletivo também assume algum tipo de compromisso.
598 J. CARVALHO FILHO. Ação civil pública: comentários por artigo (Lei nº 7.347, de 24/7/85). 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 222.
599 “O que se quer por intermédio do CACEL é justamente obter um comportamento que seja em tudo igual e coincidente com o comportamento espontâneo que teria dada pessoa caso não tivesse desajustado a sua conduta às regras de direito que foram por ela violadas. Há, pois, insitamente, um reconhecimento do desajuste de conduta, porque a contrario sensu se compromete a um ajuste e adequação do comportamento. Por intermédio do compromisso, obviamente, não se dispõe do direito material, e alguns motivos lógicos permitem que se che- gue a esta conclusão. Inicialmente, porque os
adequados representantes não possuem legitimidade para tanto. O direito é supra-individual, em muitos casos (nos difusos sempre) indisponível e indivisível, o que impede que seja feita a sua alienação ou disposição por qualquer de suas partes. O CACEL tem por objetivo muito claro adequar a conduta às exigências legais, não realizando nada mais e nada menos do que deveria ser feito: o ajuste de conduta.” M.RODRIGUES. Ação civil pública e meio ambiente. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 95. “CACEL” é o termo que o autor usa para substituir TAC.
600 C. JATAHY. Curso de princípios institucionais do Ministério Público. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 395.
601 P. CARNEIRO. o à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 119.
602 H. MAZZILLI. O Inquérito Civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 310.
603 G. RODRIGUES. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 149.
604 Idem, p. 52-53.
605 Idem, p. 59.
606 E. GARCIA. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 292.
607 F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 4. ed. Salvador: JusPodium, 2009. p. 313. v. 4.
608 A. CABRAL; L. CUNHA. Negociação direta ou resolução colaborativa de disputas (collaborative law): “mediação sem mediador.” In: H. ZANETI JR.; T. CABRAL. Justiça Multiportas. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 709-726.
609 R. LISBOA. Contratos Difusos e Coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, autor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 221-222.
610 Idem, p. 225.
611 “A criação legal do “compromisso de cessação” deixa no âmbito da incerteza a infringência contra a ordem econômica. Este compromisso se insere no instituto jurídico da transação, previsto nos artigos 1025 a 1036 do Código Civil. As características da transação se evidenciam como um acordo, que se manifesta com o propósito de extinguir um litígio, em que existe uma reciprocidade de concessões e em que permanece inequívoca a incerteza quanto ao direito das partes. Na verdade, diferentemente do acordo no âmbito civil, aqui ocorre um acordo entre a autoridade encarregada de investigar e o representado cuja atividade econômica se analisa. Com esse acordo se extingue ou paralisa a investigação, havendo reciprocidade de concessões: a autoridade não investiga mais e o representado paralisa a prática de atos que geraram suspeitas de infração contra a ordem econômica. O elemento da incerteza, de dúvida, está presente porque nem a autoridade nem o representado têm segurança sobre o desfecho da investigação, que poderia confirmar a existência de infração, mas
poderia também afastar essa hipótese.” J. FONSECA. Lei de Proteção da Concorrência: comentários à legislação antitruste. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 250-251.
612 P. PIZZOL. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998. p. 153.
613 Em sentido contrário: J. VIGLIAR. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 90.
614 “A discordância dos demais colegitimados deve ser feita através da utilização dos mecanismos de revisão da decisão judicial, ou seja: recursos cabíveis ou ações autônomas de impugnação, dependendo do caso concreto. A decisão homologando o ajuste formulado em juízo é uma decisão de mérito e, portanto, poderá ser acobertada pela intangibilidade panprocessual da coisa julgada material.” G. RODRIGUES. Ação Civil Pública e termo de ajustamento de conduta. Rio de Janeiro: Forense, 2002, 3 ed., p. 237. No mesmo sentido, J. VIGLIAR. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 90; F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 328. vol. 4.
615 STJ: REsp 299.400/RJ, 2ª T., rel. Min. Peçanha Martins, rel. p/ acórdão Min. Eliana Calmon, j. 01.06.2006, DJe 02.08.2006. Na doutrina, posso mencionar: R. MANCUSO. Ação Civil Pública. 15. ed. São Paulo: RT, 2019. p. 225; M. PEREIRA. A transação no curso da ação civil pública.”Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 16, p. 116-128, 1995.
616 D.NEVES. Manual do Processo Coletivo. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 474; G. RODRIGUES. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 208; S. COSTA. O processo coletivo na tutela do patrimônio público e da moralidade
istrativa: ação de improbidade istrativa, ação civil pública e ação popular. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 428; A. ANDRADE; C. MASSON; L. ANDRADE. Interesses difusos e coletivos esquematizado. São Paulo: Método, 2011. p. 126; C. BUENO. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 233. v. 2.
617 REsp 1.020.009/RN, 1ª T., rel Min. Benedito Gonçalves, j. 06.03.2012, DJe 09.03.2012. No mesmo sentido, J. CARVALHO FILHO. Ação Civil Pública. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 233.
618 REsp 1. 497.289/PB, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 12.12.2014.
619 F. DIDIER JÚNIOR; H. ZANETI JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil - Processo Coletivo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 331. v. 4.
620 H. MAZZILLI. A defesa dos interesses difusos em juízo. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 441; F. GAJARDONI. Direitos Difusos. Coleção Saberes do Direito. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 88. v. 34; M. SOUZA. Ação civil pública e inquérito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 117.
621 AgRg no REsp 1.175.494/PR, 1ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 22.03.2011, DJe 07.04.2011.
622 F. GAJARDONI. Direitos Difusos. Coleção Saberes do Direito. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 34. p. 87; M. SOUZA. Ação Civil Pública e inquérito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 116.
623 D.NEVES. Manual do Processo Coletivo. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 475; J. CARVALHO FILHO. Ação Civil Pública. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 236; G. RODRIGUES. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 203; M. SOUZA. Ação Civil Pública e inquérito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 117.
624 E. GARCIA. Ministério Público: Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 292.
625 REsp 1.150.530/SC, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, j. 18.02.2010, DJe 03.10.2011.
626 RHC 24. 499/SP, 6ª T., Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 20.09.2011, Dje 03.10.2011; HC 187. 043/RS, 6ª T., Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22.03.2011, DJe 11.04.2011.
627 “Conforme bem lembrado pela melhor doutrina, apesar de serem utilizados com frequência como expressões sinônimas, há diferença entre compromisso de ajustamento de conduta (CAC) e termo de ajustamento de conduta (TAC). Enquanto o primeiro é o conteúdo do compromisso, o segundo é o documento por meio do qual se materializa o acordo.” D.NEVES. Manual do Processo Coletivo. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 471.
628 S. CAPPELLI. Compromisso de ajustamento ambiental: análise e sugestões para aprimoramento. Elaborado pelo Instituto O direito por um planeta verde. p. 22. Disponível em:
. o em: 29 maio 2019.
629 G. RODRIGUES. Ação Civil Pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 145; A. NERY. Compromisso de Ajustamento de Conduta – Teoria e Análise de casos práticos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 129.
630 F. MARINELA; F. PAIVA; T. RAMALHO. Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 197.
631 Contra entendendo que o acordo de leniência não produz efeitos contra as pessoas físicas: F. MARINELA; F.PAIVA; T.RAMALHO. Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 198.
632 “No ponto de vista político-criminal, o Acordo de Leniência torna-se uma medida de excepcionalidade, sua aplicação restringe-se ao crime de cartel no qual o participante colabore efetivamente com as investigações possibilitando o desbaratamento da trama.” G. OLIVEIRA JÚNIOR. Ordem econômica e Direito penal antitruste. Biblioteca de estudos avançados em Direito penal e Direito processual penal. Luiz Regis Prado e Adel El Tasse (coord.). 5. ed. Curitiba: 2015. p. 262; F. MARINELA; F. PAIVA; T. RAMALHO. Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 193.
633 Importante ressaltar que há dois projetos de lei em curso no Congresso Nacional com o objetivo de alterar a Lei de Improbidade istrativa, quais sejam Projeto de Lei 10887/18 (Câmara dos Deputados) e Projeto de Lei n° 3359/19 (Senado Federal) e em ambos há a previsão da celebração do acordo de não persecução cível.
634 Estranha a menção do legislador às “ações de que trata este artigo” na medida em que somente versa sobre a Ação Civil Pública por Ato de Improbidade istrativa, como a ação que deverá seguir o procedimento
previsto no art. 17, da LIA. Poder-se-ia afirmar que a Ação Civil Pública de Ressarcimento ao Erário também faz parte da referência, mas a ela não se aplica o procedimento previsto no art. 17 da LIA.
635 Os parágrafos referentes ao procedimento foram vetados pela Presidência da República, mas esta redação foi mantida, portanto, ficou sem sentido a referência.
636 F. BASTOS. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Foco, 2020, 2ª ed., p. 169.
637 F. BASTOS. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Foco, 2020, 2ª ed., p. 349/350.
638 “Diferentemente se am as coisas perante um contrato de exclusão da tutela jurisdicional de um direito. Aqui, o credor preserva a titularidade do seu direito, ficando apenas privado da faculdade de exigir judicialmente o respectivo cumprimento. A partir de uma perspectiva processual, uma acção de simples apreciação positiva da titularidade do direito será issível, mas já não uma acção de condenação no respectivo cumprimento.” SILVA, Paula Costa e. Pactum de non petendo: Exclusão convencional do direito de acção e exclusão convencional da pretensão material. In CABRAL, Antonio do o; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios Processuais, Salvador: JusPodivm, 1ª ed., 2015, p. 306.
639 Apesar do veto presidencial ao art. 17, §2º da LIA que o previa expressamente.
640 TRIGO, Alberto Lucas Albuquerque da Costa. Pactum de non petendo parcial. Revista de Processo, ano 43, vol. 280, jun. 2018, p. 19 e ss.
641 “Trata-se de um negócio jurídico que pode, em um mesmo instrumento, reunir disposições sobre o direito material (as sanções do art. 12) ou sobre o processo judicial atual ou futuro. E um convenção processual em ações de improbidade que tem sido muito praticada já hoje, e tende a ser cada vez mais comum pela provisão do acordo de não persecução cível, é justamente o pactum de non petendo, possibilitando ao autor prometer não ajuizar a ação de improbidade, ou não ajuizar pretensões de específica natureza, como p. ex., excluir a pretensão à condenação do convenente nas sanções do art. 12, reservando-se outros tipos de pretensão, como a declaratória ou inibitória.” (CABRAL, Antonio do o. Pactum de non petendo: a promessa de não processar no direito brasileiro. Texto publicado no Grupo de Pesquisa: Transformações nas Estruturas Fundamentais do Processo. ProcNet: Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo Contemporâneo, 2020, p. 21)
642 “Trata-se da vitória da concepção atualmente disseminada que reconhece uma disponibilidade parcial dos interesses públicos, desfazendo a equivocada compreensão de que o interesse, por ser público, seria indisponível. Ao contrário, há graus de (in)disponibilidade e, em alguma medida, mesmo as regras estabelecidas no interesse público podem ser flexibilizadas.” (CABRAL, Antonio do o. Pactum de non petendo: a promessa de não processar no direito brasileiro. Texto publicado no Grupo de Pesquisa: Transformações nas Estruturas Fundamentais do Processo. ProcNet: Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo Contemporâneo, 2020, p. 18)
643 “No meu modo de enxergar o fenômeno, deve-se afirmar a natureza processual do pactum de non petendo. Trata-se de um acordo cujo objeto relaciona-se com a exigibilidade do direito, portanto com a pretensão. Porém, se a acionabilidade é o ajuizamento de pretensões perante o Judiciário, a promessa de não processar limita-se à pretensão processual. Por meio do pactum de non
petendo, os acordantes comprometem-se a não exigir judicialmente o cumprimento do contrato. A promessa de não processar não interfere em nada no direito material, não tem efeitos de remissão de dívida, não impacta a pretensão material (art. 189 do CC), portanto tampouco pode ser assemelhada à obrigação natural. As partes continuam podendo exercer seus direitos (e exigi-los) fora do processo, utilizando-se de outras formas de cobrança e pressão para o pagamento.” (CABRAL, Antonio do o. Pactum de non petendo: a promessa de não processar no direito brasileiro. Texto publicado no Grupo de Pesquisa: Transformações nas Estruturas Fundamentais do Processo. ProcNet: Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo Contemporâneo, 2020, p. 7 e 8)
644 “Uma observação digna de nota é que, por ser uma convenção processual do grupo daquelas denominadas “obrigacionais”, não há conhecimento de ofício pelo juiz. A violação à vedação convencional da acionabilidade gera uma exceção processual, e só pode ser conhecida por provocação do interessado (exceptio acti conventi) (CABRAL, Antonio do o. Pactum de non petendo: a promessa de não processar no direito brasileiro. Texto publicado no Grupo de Pesquisa: Transformações nas Estruturas Fundamentais do Processo. ProcNet: Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo Contemporâneo, 2020, p. 12)
645 “O descumprimento de uma convenção processual válida é matéria cujo conhecimento depende de requerimento.”
646 “Entendo ainda que, justamente por seu caráter processual, a promessa de não processar não pode escamotear uma renúncia ao direito material. Por isso, o pactum de non petendo tem que ser limitado temporalmente (é um acordo ad tempus), não podendo ser convencionado por período que extrapole o prazo prescricional ou decadencial, o que equivaleria a produzir uma obrigação natural. Tampouco é issível a promessa de não processar eterna (pactum in perpetuum).” (CABRAL, Antonio do o. Pactum de non petendo: a promessa de não processar no direito brasileiro. Texto publicado no Grupo de Pesquisa:
Transformações nas Estruturas Fundamentais do Processo. ProcNet: Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo Contemporâneo, 2020, p. 9 e 10)
647 “O inadimplemento da prestação de um negócio processual celebrado pelas partes é fato que tem que ser alegado pela parte adversária; caso não o faça no primeiro momento que lhe couber falar, considera-se que houve resilição bilateral tácita e, assim, preclusão do direito de alegar o inadimplemento. Não pode o juiz, de ofício, conhecer do inadimplemento do negócio processual, salvo se houver expressa autorização negocial (no próprio negócio as partes aceitam o conhecimento de ofício do inadimplemento) ou legislativa nesse sentido.” DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. Salvador: JusPodivm, 19ª ed., 2017, p. 442.
648 “Na óptica do juiz, ao controlar a issibilidade da demanda ajuizada contrariamente à disposição do pactum de non petendo, deve o magistrado proferir uma decisão sem julgamento do mérito, e indeferir a inicial porque violadora da convenção, já que o acordo cria negocialmente um pressuposto processual negativo.” (CABRAL, Antonio do o. Pactum de non petendo: a promessa de não processar no direito brasileiro. Texto publicado no Grupo de Pesquisa: Transformações nas Estruturas Fundamentais do Processo. ProcNet: Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo Contemporâneo, 2020, pág. 11)
649 “Por isso, não é de se excluir a possibilidade de que o interessado se valha de ações de natureza inibitória (art. 497, parágrafo único, do C) para evitar preventivamente o ajuizamento da pretensão, algo similar às anti-suit injunctions (conhecidas na arbitragem) para evitar a propositura da demanda perante o juízo estatal). (CABRAL, Antonio do o. Pactum de non petendo: a promessa de não processar no direito brasileiro. Texto publicado no Grupo de Pesquisa: Transformações nas Estruturas Fundamentais do Processo. ProcNet: Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo Contemporâneo, 2020, pág. 14)
CAPÍTULO V – Conclusão
Na presente dissertação foi apresentada a sistemática da teoria dos precedentes no direito brasileiro, com a proposição da criação de sistemática semelhante para a atuação do Ministério Público, principalmente quando busca soluções extrajudiciais e extraprocessuais no âmbito da tutela coletiva.
Inicialmente, o foco do trabalho, como se verifica na leitura do Capítulo I, foi a abordagem da evolução histórica, ainda que breve, do Direito Romano e o seu respectivo sistema jurídico. Esta abordagem teve o propósito de demonstrar duas premissas que se transformam, a rigor, em conclusões inequívocas.
A primeira conclusão é a irrefutável influência do Direito Romano e, claro, de toda a sistematização correlata na construção dos demais sistemas jurídicos contemporâneos, ainda que não sigam, como base fundamental fincada na tradição jurídica romano-germânica. Fácil notar tais influências, como, por exemplo, a busca pelo ideal de justiça e uniformidade do ordenamento jurídico que veio a culminar com a era das codificações.
A segunda conclusão, um pouco mais complexa e densa, diga-se, é o reconhecimento que o atual sistema de precedentes, ainda quem siga a tradição jurídica do common law, tem a sua origem remota no Direito Romano. Apesar da nítida diferença de premissas e aplicabilidade, como visto, a essência é exatamente a mesma, seja para obter o mesmo resultado jurídico em casos semelhantes futuros, de forma vinculante ou persuasiva, seja na busca da uniformidade das soluções jurídicas.
No Capítulo II, após as premissas fixadas com base no Direito Romano, apresentei os sistemas jurídicos com a devida divisão nas tradições jurídicas conhecidas. A abordagem teve a finalidade de conjecturar as diferenças, características e semelhanças, sempre tendo como pano de fundo o sistema de precedentes.
A intenção foi primordialmente demonstrar as diferenças essenciais entre os sistemas de precedentes vigentes nos países de tradição romano-germânica (civil law) e nos de tradição anglo-saxã (common law). Neste contexto, destaquei os sistemas dos países que de alguma maneira influenciaram a formação do sistema jurídico brasileiro, tais como Itália, Portugal, França e Alemanha.
Demonstrei a tendência da influência intercambiante entre os sistemas da civil law e do common law, bem como o equívoco de se afirmar que o conceito de precedente, bem como a sua sistemática, deve estar atrelado com o common law.
Não há mais que se falar, portanto, nos sistemas jurídicos como blocos estanques e completamente isolados, pois os países que seguem tradições jurídicas distintas podem absorver institutos e modalidades processuais característicos dos demais. Posso citar, como exemplo, a absorção do sistema de precedentes pelo Brasil, apesar da tradição jurídica da civil law e, por outro lado, a Inglaterra, um dos expoentes da tradição jurídica do common law, que recentemente ou a contar com um Código de Processo Civil e uma Carta Constitucional.
Concluo, com base no que foi exposto no referido capítulo, que há uma aproximação entre os sistemas jurídicos de tradições jurídicas diversas e que a tendência é uma aproximação ainda maior.
No Capítulo III, após a introdução realizada com a abordagem dos sistemas jurídicos, trago à discussão toda a sistemática dos precedentes judiciais no
direito brasileiro. Demonstro que o sistema brasileiro de precedentes não surgiu diretamente com o advento do Código de Processo Civil de 2015, mas decorreu de uma evolução legislativa, em virtude de sucessivas reformas que culminaram com a adoção efetiva de uma teoria dos precedentes.
Neste capítulo apresento o conceito de precedente, que não é uníssono na doutrina, e o questionamento acerca da aproximação do direito brasileiro com a tradição jurídica do common law. Impossível abordar o sistema de precedentes sem a realização de tal questionamento, bem como apresentar os argumentos que buscam refutar a necessidade e, quiçá, a possibilidade de adoção de precedentes, mormente quando vinculantes.
Sistematizei toda a teoria dos precedentes com a apresentação dos elementos, pressupostos, formas de aplicação e superação, além de sua natureza jurídica. Neste tópico, abordei, ainda, um dos temas mais controversos acerca do instituto que é saber se o precedente pode ser efetivamente considerado como fonte do direito. Concluo, conforme doutrina dominante no Brasil, pela possibilidade de seu reconhecimento.
Ainda que o precedente não ostente formalmente uma eficácia vinculante, deve ser considerado como uma fonte do direito relevante para o momento do proferimento das decisões judiciais, principalmente na realização e apresentação da fundamentação, sob pena de invalidade da decisão judicial.
Assim, não há mais como negar que o Brasil adota, principalmente após a vigência do Código de Processo Civil de 2015, um sistema precedencialista com todos os seus consectários, sendo verdadeiras fontes do direito que, sem dúvida, devem ser levados em consideração no momento da formação do convencimento do magistrado.
No Capítulo IV, apresentei o tema central da minha dissertação, qual seja, a necessidade de reconhecimento e de uma sistematização da teoria dos precedentes ministeriais, assim compreendidos como aqueles derivados da atuação direta do Ministério Público.
Fiquei adstrito tão somente aos instrumentos extrajudiciais e extraprocessuais que servem para a resolução dos conflitos inerentes à tutela coletiva, pois pressuponho que seja a senda mais adequada para a sistematização da teoria dos precedentes ministeriais.
Apesar de ser, como dito, a senda mais adequada para que seja ventilada a sistematização, é a que causa maior resistência em virtude de dois pontos fundamentais, quais sejam: independência funcional e legitimação concorrente e disjuntiva.
No que tange à independência funcional, sustento a necessidade da sua mitigação ante à necessidade de se obter maior segurança jurídica, estabilidade das relações jurídicas e respeito à legitima expectativa. Assim, principalmente nos temas mais relevantes para a instituição, deve a unidade institucional preponderar sobre a independência funcional, assim compreendida como uma proteção à formação do convencimento ministerial ante às influências externas e não como um escudo para que os membros do Ministério Público possam atuar de forma completamente contrária aos interesses institucionais como se fossem ilhas isoladas em seus paraísos ideológicos.
Assim, para que seja possível a sistematização dos precedentes ministeriais, há a necessidade de o tema, além de ser de relevante interesse institucional, consubstanciar-se numa prévia manifestação do Ministério Público. Expliquei, neste ponto, a diferença entre a vinculação vertical e a horizontal. A vinculação de toda sorte deve sempre estar atrelada ao órgão e não ao membro, exceto quando este for o titular do órgão de execução e o responsável pela formação do precedente.
Nada obstante, para seguir a coerência apresentada nos precedentes jurisdicionais, sustento que os órgãos colegiados superiores do Ministério Públicos podem criar precedentes vinculantes, desde que decorrentes da resolução de casos concretos, assim como ocorre nos jurisdicionais. Reconheço a existência de enunciados criados por tais órgãos, contudo, defendo que somente podem servir como precedentes vinculantes se originados de um caso concreto.
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ÍNDICE DAS FONTES
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GAI INSTITUTIONES
1.1
1.2
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a. Digesta
D. 1, 1, 1, 2.
D. 1, 1, 7
D. 1, 1, 7, 1
D. 1, 1, 10 pr.-2
D. 1,3,37
D. 1,3,38
b. Codex
A. 1, 14, 12
C. 7, 45, 13
C. OUTRAS FONTES
Lei da Boa Razão/1769 de Portugal
Código de Processo Civil de Portugal /1939
Art. 61
Código de Processo Penal do Brasil/1941
Art. 28
Decreto-Lei 4657/1942 do Brasil
Art. 20
Art. 26
Constituição da República sa/1958
Art. 61
Art. 62
Código de Processo Civil de Portugal/1961
Lei 4717/1965 do Brasil
Art. 16
Art. 17
Art. 18
Código Tributário Brasileiro/1966
Art. 146
Código de Processo Civil do Brasil/1973
Art. 475, §3º
Art. 475-L, II e §1º
Art. 481, parágrafo único
Art. 543-A, B e C
Art. 544, §4º, II, a) e b)
Art. 557, §1º-A
Art. 741, II e parágrafo único
Constituição Portuguesa/1976
Art. 281, nº 5
Lei 7347/1985
Art. 5º
Art. 8º
Art. 9º
Art. 13
Art. 15
Art. 16
Art. 21
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 2º
Art. 5º
Art. 24
Art. 37
Art. 93
Art. 102
Art. 103
Art. 105
Art. 127
Art. 129
Art. 130-A
Art. 134
Lei 7853/1989 do Brasil
Art. 6º
Lei 8069/1990 do Brasil
Art. 201
Art. 211
Art. 223
Lei 8078/1990 do Brasil
Art. 26
Art. 81
Art. 82
Art. 90
Art. 95
Art. 97
Art. 98
Art. 99
Art. 100
Art. 103
Art. 104
Lei 8437/1992 do Brasil
Art. 2º
Lei Complementar 75/1993 do Brasil
Art. 6º
Art. 58
Art. 62
Art. 171
Lei 8625/1993 do Brasil
Art. 10
Art. 14
Art. 15
Art. 26
Art. 27
Art. 30
Lei Complementar 80/1994 do Brasil
Art. 4º
Lei 8906/1994 do Brasil
Art. 7º
Lei 9605/1998 do Brasil
Art. 79-A
Lei 9784/1999 do Brasil
Art. 2º
Art. 50
Lei 9868/1999 do Brasil
Art. 8º
Art. 12-E
Art. 19
Lei 9882/1999 do Brasil
Art. 7º
Código Civil Brasileiro/2002
Art. 187
Lei 10741/2003 do Brasil
Art. 74
Art. 92
Art. 93
Lei 11417/2006 do Brasil
Art. 3º
Lei 12016/2009 do Brasil
Art. 22
Lei 12529/2011 do Brasil
Art. 86
Lei 12846/2013 do Brasil
Art. 16
Lei 13300/2016 do Brasil
Art. 9º
Art. 13
Código de Processo Civil do Brasil/2015
Art. 1º
Art. 3º
Art. 5º
Art. 6º
Art. 8º
Art. 9º
Art. 10
Art. 12
Art. 15
Art. 63
Art. 111
Art. 112
Art. 138
Art. 139
Art. 189
Art. 190
Art. 191
Art. 203
Art. 265
Art. 311
Art. 313
Art. 332
Art. 333
Art. 373
Art. 489
Art. 496
Art. 502
Art. 506
Art. 521
Art. 525
Art. 535
Art. 926
Art. 927
Art. 928
Art. 932
Art. 941
Art. 947
Art. 949
Art. 955
Art. 966
Art. 976
Art. 984
Art. 988
Art. 998
Art. 1013
Art. 1022
Art. 1035
Art. 1037
Art. 1038
Art. 1040
Enunciados do Forum Permanente dos Processualistas Civis do Brasil
170
173
305
454
455
457
Súmulas do Superior Tribunal de Justiça do Brasil
115
202
210
216
292
306
315
320
372
417
418
453
472
489
528
Súmulas Vinculantes do Supremo Tribunal Federal do Brasil
14
Súmulas do Supremo Tribunal Federal do Brasil
288
343
353
636
639
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça do Brasil
Art. 125
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal do Brasil
Art. 102
Art. 103
Resolução 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público do Brasil
Art. 1º
Art. 2º
Art. 7º
Art. 8º
Art. 9º
Art. 10
Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça do Brasil
Art. 1º
Resolução 2/2011 do Conselho Nacional de Justiça e Nacional do Ministério Público do Brasil
Art. 2º
Resolução 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público do Brasil
Art. 1º
Recomendação 34/2016 do Conselho Nacional do Ministério Público do Brasil
Art. 1º
Art. 5º
Recomendação 42/2016 do Conselho Nacional do Ministério Público do Brasil
Art. 7º
Resolução 164/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público do Brasil
Art. 1º
Art. 2º
Art. 3º
Art. 6º
Resolução 174/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público do Brasil
Art. 8º
Art. 11
Art. 12
Resolução 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público do Brasil
Art. 6º
2. Fontes Literárias
CICERO
de inventione
2,22,67
de officiis
3,17,69