Sumário
Apresentação da coleção
Introdução
Evento de relacionamentos: uma história de amor Muitos – Um Palavra-chave: os carismas Igreja em pequenas células Quem é a Igreja? Visão ampla do Povo de Deus Na Igreja e com a Igreja
Como um prólogo. Na Igreja Mãe
Sentíamos que éramos Igreja, filhos dela Gostaria que todos sentissem que têm uma mãe
1. Somente a unidade testemunhará Cristo
1.1. Membros vivos da Igreja 1.2. Jesus nos seus ministros 1.3. Consumar todos em unidade
2. “Uma só alma”, “Evangelho encarnado”
2.1. Muitos que são “um” em Cristo Jesus 2.2. Unidade com quem nos representa, a Igreja 2.3. Os carismas: “Cristo revivido nos séculos” 2.4. Uma mística eclesial: para a vida do Corpo Místico 2.5. É do Abandono que a Igreja nasce e renasce
3. No Povo de Deus
3.1. Edificar a Igreja como família de irmãos 3.2. Sob o olhar da Igreja Mãe 3.3. A Mariápolis: experiência de Igreja
4. Paixão pela Igreja
4.1. Nas pegadas do Concílio 4.2. Cidade-Igreja 4.3. Perfil do cristão de hoje 4.4. Mente e coração abertos para toda a Igreja 4.5. A serviço do povo de Deus 4.6. Pela unidade e pela fraternidade
5. Nova floração da árvore centenária
5.1. A Igreja é caridade 5.2. “Jesus no meio”: Igreja entre dois ou mais 5.3. A Palavra: semente e alimento 5.4. Jesus Eucaristia e a Igreja 5.5. Homens a serviço de todos
6. Descobrindo o perfil mariano da Igreja
6.1. Viver a santidade hoje 6.2. Dimensão carismática e hierárquica da igreja 6.3. “Sacerdotes-Maria” 6.4. O perfil mariano da Igreja e a mulher
7. Igreja para o terceiro milênio
7.1. Na aldeia global 7.2. Casa e escola da comunhão 7.3. Profecia ecumênica 7.4. Intercultura, para um anúncio respeitoso 7.5. Juntos, pela paz e pela fraternidade
Bibliografia
Obras de Chiara Lubich Aprofundamentos Atas de Congressos
Fontes
Apresentação da coleção
“Deixa a quem te segue apenas o Evangelho.” Chiara Lubich esquadrinhou esse Evangelho de muitíssimos modos, concentrados em doze eixos: Deus Amor, a Vontade de Deus, a Palavra de Deus, o Amor ao próximo, o Mandamento Novo, a Eucaristia, o dom da Unidade, Jesus Crucificado e Abandonado, Maria, a Igreja-comunhão, o Espírito Santo, Jesus presente em nosso meio. Tais pontos são um “clássico” escrito na alma e na vida de milhares de pessoas de todas as latitudes, mas faltava um texto póstumo onde fossem reunidos trechos, inclusive inéditos, que os ilustrassem por meio de: – uma dimensão de testemunho pessoal, ou seja, como Chiara Lubich os entendeu, aprofundou e viveu; – uma dimensão de penetração no mistério de Deus e do homem; – uma dimensão de encarnação nas realidades humanas, com um cunho comunitário, em sintonia com o Concílio Vaticano II (cf. Lumen gentium, n. 9). Essa coleção contém doze livros úteis para quem deseja: – ser acompanhado na vida espiritual por uma grande mestra do espírito; – aprofundar o aspecto comunial da vida cristã e seus desdobramentos na Igreja e na humanidade; – encontrar Chiara Lubich na vida de cada dia, conhecer o seu pensamento e obter pormenores autobiográficos dela.
Introdução
“O que podemos fazer para melhorar a Igreja?”. “Ah, veja, é muito simples: vamos começar por mim e por você!” – Assim é relatado o breve diálogo entre um jornalista e Madre Teresa de Calcutá. Palavras que, na verdade, dizem respeito a todos nós, nesta mudança de época na qual a Igreja Católica e as outras igrejas sentem a urgência de um novo começo, que seja contemporaneamente um retorno às origens. Na atual sociedade global, multirreligiosa e multicultural, marcada pela mobilidade e pelas migrações, pelos novos “areópagos” da economia, da política e dos meios de comunicação, percebe-se nitidamente a urgência de uma renovação. Não é por acaso que, há quase um século, o próprio movimento ecumênico nasceu da exigência de oferecer à humanidade um testemunho da mensagem de Jesus que seja comum e, com isso, mais incisivo.
Evento de relacionamentos: uma história de amor
Chiara Lubich, com o seu modo de conceber e viver a Igreja, coloca-se nessa trilha e, com o seu Carisma da Unidade, oferece chaves importantes para esta agem epocal¹. Desde o início de sua aventura espiritual, ela teve uma abordagem que pode ser tudo, menos iva; ao contrário, é participativa e geradora para a Igreja. Ela nunca a considerou como uma instituição externa ou acima dos fiéis, mas a descobriu e fez com que a descobrissem como uma realidade viva, como um evento de comunhão, uma rede de relações de grande densidade pessoal. Para enunciá-la com uma expressão feliz do papa Francisco: é como uma “história de amor”². Como mulher e como leiga fiel, Chiara deu uma contribuição notável para a história do cristianismo no mundo de hoje. As primeiras cartas da década de 1940, quando ela tinha pouco mais de 20 anos, testemunham isso. Quando lhe perguntavam sobre a Igreja, ela sempre respondia com novos matizes: somos nós, todos os batizados, requisitados em primeira pessoa, o Povo de Deus, todos na primeira fila! E contribuiu com eficácia para a realização dessa perspectiva com sua Espiritualidade de Comunhão e Unidade, dirigindo a pessoas de todas as idades, condição de vida e vocação o convite para uma experiência evangélica radical, não só enquanto indivíduos, mas também enquanto comunidade: precisamente como Igreja, como povo.
Muitos – Um
Em um período de luz especial, após os primeiros anos de vida intensa do Evangelho, Chiara vai mais em profundidade, antecipando algumas das grandes diretrizes do Concílio Vaticano II. Em particular, ela experimenta como participar, em Cristo, da vida de Deus Uno e Trino, para que muitos possam viver como uma só alma, e reconhece nisso o ser profundo da Igreja. Na verdade, com isso, ela se insere em perspectivas genuinamente bíblicas. É suficiente pensar naquela frase: “A multidão dos que haviam crido eram um só coração e uma só alma” dos Atos 4,32; ou nas oestações de Paulo para viver “unânimes” (1Cor 1,10; Fil 1,27 e 2,2), com os mesmos sentimentos uns para com os outros (Rm 12,15-16, 1Cor 12,26). Além disso, a ideia também é encontrada em alguns dos primeiros grandes teólogos, que são os Padres. Para Orígenes, por exemplo, e para Ambrósio, a maturidade cristã está em se tornar uma “alma eclesiástica”³. Também Agostinho, como a sua Regra e os seus escritos testemunham, tem por ideal viver com os outros em profunda unidade de alma. Tomás de Aquino, por sua vez, não hesita em falar da Igreja como “quase uma só pessoa mística”⁴. Pode parecer uma particularidade, no entanto é algo pleno de consequências: olhar a Igreja como “alma” significa não somente focar em seu perfil espiritual e em sua íntima unidade, mas também tomar consciência daquilo que o Povo de Deus é chamado a ser no seio da humanidade. “Em poucas palavras, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo”, escreve o autor anônimo da Carta a Diogneto⁵, no segundo século depois de Cristo. Emerge, então, o perfil de uma Igreja que não vive para si mesma, mas é fermento na sociedade, projetada em saída, em uma veste que é tudo, menos sacra, aliás é comum, leiga.
Palavra-chave: os carismas
Os escritos de Chiara Lubich reunidos neste volume nos levam a uma compreensão e a uma experiência de Igreja com um conteúdo vital, dinâmico e relacional vigoroso. É marcadamente carismática, tanto pelo papel atribuído ao Espírito em todos os fiéis como pela atenção àqueles dons particulares – os carismas – que o Senhor suscita ao longo dos séculos. Estes, respondendo às necessidades específicas de cada época, em alguns casos, incidem até mesmo na vida de todo o Povo de Deus, direcionando-o para novos objetivos e remodelando sua fisionomia segundo os sinais dos tempos. Ao mesmo tempo, a visão de Igreja que nos é proposta por Chiara não é por nada espiritualista. Não apenas pela concretude e pela cotidianidade com que concebe que todos são irmãos e irmãs, concorpóreos e consanguíneos , até à prática da comunhão de bens, mas também pela ancoragem firme no ministério apostólico; através dele, no seio do Povo de Deus, Cristo está presente como “cabeça”: não como aquele que “comanda”, mas que, como fonte insubstituível e indispensável, gera e regenera o seu “corpo”, que somos nós-Igreja. Desde os primeiros os do Movimento dos Focolares em Trento, Chiara reconhece a tarefa específica do carisma apostólico e a graça particular que age nos bispos⁷; de maneira peculiar, em Pedro, ou seja, no papa que – assim ela afirma – tem o dom de representar “a Igreja em uma só pessoa”⁸. Aqui também, o que a ilumina é uma frase do Evangelho: “Quem vos ouve a mim ouve” (Lc 10,16). Para além dos limites que os ministros ordenados possam ter – como todos! –, Chiara os vê e ensina a vê-los como instrumentos e presença de Jesus, que guia, corrige, instrui, anima, nutre e sustenta os seus. A tal ponto que, referindo-se à autoridade eclesiástica, ela fala da Igreja “Mãe”, e isso também, e de maneira especial, quando prova e purifica.
Igreja em pequenas células
O Carisma da Unidade não nos propõe uma experiência de Igreja segundo um modelo piramidal, como havia prevalecido durante muitos séculos na compreensão da Igreja Católica, mas em um estilo radicalmente fraterno e sinodal: a Igreja como vida e caminho com Cristo no meio dos seus, segundo a promessa: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). Pela presença do Ressuscitado, que se manifesta quando nos amamos sem reservas (cf. Jo 13,35 e 15,13), a vida e a missão da Igreja podem ser atualizadas até mesmo em pequenas células espalhadas por toda a sociedade, começando por aquela realidade fundamental que é a família: a eclesíola, como os Padres a chamavam. Além disso, Tertuliano estava convicto de que “Onde três [estão reunidos], mesmo que sejam leigos, ali está a Igreja” . Uma visão especialmente popular da Igreja e, ao mesmo tempo, altamente mística e social! Chiara indica um caminho particularmente interessante não apenas para a evangelização, mas também para essa instância importante que hoje é chamada de eclesiogênese, ou seja, a geração e sempre nova regeneração da Igreja em vários contextos sociais e culturais; uma instância à qual ela responde não através de alguma descoberta moderna, mas sorvendo da mais autêntica tradição eclesial. Segundo os Padres da Igreja, tanto em uma dimensão pequena como em uma dimensão mais ampla e até mesmo global, nós somos gerados e nutridos em duas mesas: na mesa da Palavra e na mesa da Eucaristia (e consecutivamente, de todos os sacramentos). Falando desses pilares sobre os quais o Povo de Deus se sustenta, Chiara não se detém simplesmente na proclamação da Palavra ou na fé com a qual ela deve ser acolhida, mas direciona para a vida da Palavra. Da mesma forma, no caso da Eucaristia, ela não pensa unicamente na celebração e na comunhão sacramental, mas também, de nossa parte, em nos tornarmos Eucaristia, hóstia que é ível e se dá como alimento até mesmo para àqueles que efetivamente não frequentam a Igreja e, assim, transforma pouco a pouco a sociedade.
Quem é a Igreja?
Com tudo isso, Chiara Lubich descerra o perfil mariano da Igreja que, segundo o teólogo H. U. von Balthasar, desde o início, sempre esteve ao lado do perfil petrino e hoje é particularmente enfatizado pelos papas, começando com João Paulo II¹ . A espiritualidade da unidade enfatiza e promove na vida eclesial tudo aquilo que diz respeito à santidade, à vida de fé, à prática da caridade, à autenticidade da vida etc. – atitudes e valores que encontramos personificados de maneira exemplar em Maria. Em seus escritos, especialmente os de 1949-50, Chiara reforça ainda mais essa perspectiva, delineando uma visão muito vasta, que – em sintonia especial com o Oriente cristão – vê Maria, a Igreja e a própria Criação intimamente interrelacionadas. Se é válido para o papa que ele é “a Igreja em uma só pessoa”, isso pode ser dito ainda mais de Maria, inclusive em uma dimensão cósmica. Daqui provém uma resposta estimulante à pergunta: o que é a Igreja? A Igreja – Chiara leva a entender – não é algo, mas alguém: é Jesus no meio dos seus, é – repetindo as palavras do apóstolo Paulo – o seu “Corpo”, que lhe dá visibilidade e incidência na realidade humana; é – segundo uma expressão acertada do grande teólogo evangélico D. Bonhoeffer – “Cristo existindo como comunidade”; e, ao mesmo tempo, é Maria, ou seja, modela-se em Maria¹¹. Para que serve a Igreja? O que ela faz? É isso o que o mundo contemporâneo nos pergunta em termos inequívocos. No mundo ecumênico, penetra cada vez mais a convicção de que ela tem a tarefa de ser fermento de unidade no meio da humanidade; e ela é e pode ser isso, pois extrai a sua vida de Deus, que é Amor, do único Deus cuja vida se desdobra em três pessoas – o Amante, o Amado e o Amor¹² – e no qual ser três – portanto, muitos e diferentes – não provoca a deterioração da unidade, ao contrário, representa seu dinamismo intrínseco. Injetar esse fermento trinitário como uma carga de amor em todas as relações pessoais e sociais – e assim renová-las, transformá-las e torná-las frutíferas – é a grande aventura
que o Espírito nos apresenta hoje e que encontra uma resposta significativa no Carisma da Unidade de Chiara Lubich e na experiência da Igreja que daí resulta.
Visão ampla do Povo de Deus
Com tudo isso, Chiara não se refere apenas à Igreja Católica. Sem dúvida, ela nasceu, cresceu e viveu na Igreja e a amou apaixonadamente. No entanto, o seu carisma, que é profundamente enraizado no Evangelho e que apresenta e vivencia a Igreja como criatura da Palavra de Deus, logo atraiu a atenção e a adesão também dos cristãos evangélicos. E a ênfase colocada na unidade, preservada com o amor recíproco, despertou o interesse do mundo anglicano, enquanto a experiência da presença de Cristo na comunidade criou uma proximidade especial com os reformados. Para os ortodoxos, um sinal importante foi a grande sintonia com a teologia dos Padres. Assim, apesar de não terem sido dissolvidos todos os nós eclesiológicos que ainda dividem as diferentes Igrejas cristãs, foram lançadas pontes vitais, a partir das quais pode crescer um entendimento mútuo cada vez mais profundo e amadurecer uma unidade cuja riqueza está na diversidade. Guiada pelo Espírito, mas também encorajada pelo Concílio Vaticano II¹³ e pela encíclica programática de Paulo VI Ecclesiam suam, Chiara desenvolveu gradualmente uma visão muito ampla do Povo de Deus, tão vasta quanto o abraço universal com o qual Cristo crucificado e abandonado vive voltado para cada pessoa e para cada situação humana, e está presente como o Senhor Ressuscitado – embora muitas vezes de maneiras que não compreendemos ou não percebemos completamente – no coração de cada realidade criada¹⁴. Com base nisso, foi possível abrir um amplo diálogo com pessoas das mais variadas esferas e nas mais variadas condições de vida, as quais puderam se identificar com essa experiência e extrair daí estímulos, ainda que não se identifiquem totalmente com ela em alguns aspectos.
Na Igreja e com a Igreja
Concluímos nossa introdução dando voz a uma convicção profundamente enraizada em Chiara. “Nós temos razão de existir apenas na Igreja, com a Igreja”, ela reiterou em 1999 em um encontro em Malta. “O ut omnes unum sint [que todos sejam um; Jo 17,21] é confiado à Igreja por Jesus [...] e este carisma serve para fortalecer esta qualidade da Igreja. Então, é preciso caminhar com a alma sendo uma coisa só com a Igreja”¹⁵. mons. Brendan Leahy e Hubertus Blaumeiser
Observações
Os textos inéditos desta coleção se distinguem dos demais porque não há nota de referência no final do texto. Quando o original do inédito é um áudio, foram necessários ajustes mínimos para a versão escrita. As referências bíblicas citadas nas agens de Chiara provêm de várias traduções e não correspondem necessariamente à tradução oficial italiana¹ . Os organizadores se referem à tradução da CEI de 2008.
1 Agradecemos sinceramente ao Centro Chiara Lubich e às outras pessoas que, com seu apoio e colaboração, tornaram possível a realização deste volume.
2 Homilia durante a missa em S. Marta, 24 de abril de 2013.
3 Cf. Orígenes, In Cant. hom. 1, 10: PG 13, 46. Cf. Ambrósio, Exp. in Ps. 118, 6, 8: CSEL 62, 112.
4 Cf. STh III, 48, 2, ad1: «Caput et membra quasi una persona mystica».
5 Carta a Diogneto, VI, 1,
6 Cirilo de Jerusalém, Cat. myst. 4, 3: PG 33, 1100, e p. 126-127 deste volume.
7 Cf. ABIGNENTE, 2017; CALLEBAUT, 2017.
8 Vide p. 55-56 deste volume.
9 De exhort. cast. 7: PL 2, 971.
10 Cf. João Paulo II, Discurso à Cúria Romana, 22 de dezembro de 1987 e Mulieris dignitatem, 27, nota 55. Bento XVI, Homilia durante a Capela papal no 40° aniversário da conclusão do Concílio Ecumênico Vaticano II, 8 de dezembro de 2005 e Homilia durante a missa com os novos cardeais, 25 de março de 2006; Francisco, Evangelii gaudium, 104 e 285-288.
11 “A Igreja – lembrou Bento XVI em seu último discurso – vive, cresce e desperta nas almas, que, como a Virgem Maria, acolhem a Palavra de Deus e a
concebem através da obra do Espírito Santo; oferecem a Deus a própria carne e, precisamente em sua pobreza e humildade, tornam-se capazes de gerar Cristo hoje no mundo” (Saudação de despedida dos cardeais presentes em Roma, 28 de fevereiro de 2013).
12 Agostinho, A Trindade 8, 10, 14.
13 Cf. Lumen gentium, 13-16.
14 Cf. Francisco, Evangelii gaudium, 275-280.
15 Encontro com pessoas do Movimento dos Focolares em Malta, 25 de fevereiro de 1999.
16 No nosso caso, na língua portuguesa, a Bíblia de Jerusalém. [N.d.T.]
Como um prólogo. Na Igreja Mãe
Abrimos este volume com dois textos de Chiara que nos dão uma visão geral de sua experiência de Igreja. No chamado “Trattatello innocuo” [“Tratado inofensivo”], confluem a vida e as descobertas explosivas dos primórdios da nova aventura espiritual; no segundo trecho, como em retrospectiva, a autora focaliza a Igreja como um dos pontos cardeais da Espiritualidade da Unidade, em meados dos anos 1990.
Sentíamos que éramos Igreja, filhos dela
Do “Trattatello innocuo”
Trento, 1950
No Evangelho, encontrávamos tudo. Em são Paulo e em todas as Cartas¹⁷, nutríamos a alma. E todas essas Palavras de Deus – como a Igreja as interpreta – vinham chancelar e inspirar o nosso modo de agir. “Não permitais que vos chamem ‘mestre’” (Mt 23,10). E Jesus entre nós era tudo: Mestre, Pai, Guia. Ele era o suficiente para caminharmos na Luz, mas não teríamos querido nem mesmo Ele se a Igreja não o tivesse chancelado. Assim, toda a luz que a Sua presença entre nós emanava era submetida ao diretor de nossas almas. “Quem vos ouve a mim ouve” (Lc 10,16), havíamos aprendido no Evangelho. E para nós não havia Cristo sem a Igreja e não havia Igreja sem Cristo. O nosso Jesus vivo era o Pastor de nossas almas e – quando o Movimento se expandiu – o Pastor da diocese. Também a luz, embora clara e límpida, era submetida à obediência, de modo que nós fomos nos formando com a ideia de que não é a Luz que importa, mas o amor pela Igreja, a humildade que nos faz reconhecer e ser filhos da Igreja, submetidos aos seus ensinamentos. Talvez por essa submissão incondicional e adamantina, sempre tivemos a sensação de que o Espírito que soprava entre nós era o mesmo Espírito da Igreja Mãe. Um confirmava o outro e vice-versa: eram Um. Mas era maravilhoso descobrir a Igreja como a sede da Verdade. A Verdade do interior de nossa alma, onde habita (como diz Santo Agostinho), emergia límpida e nova como resultado do nosso amor por Deus; no entanto, era aquela que a
Igreja havia proclamado por 20 séculos e que conservava sagrada, como um patrimônio todo seu. Tudo na Igreja adquiria vida. Os dogmas, que pareciam estáticos e imóveis à nossa mente pueril, mas que respeitávamos e em que acreditávamos com fé cega, agora, à luz de Jesus entre nós, adquiriam vida, no sentido de que, embora permanecessem misteriosos, não eram mais tão impenetráveis a ponto de não serem vistos. Nós participávamos da luz de Jesus, estávamos de alguma forma no Verbo, e o Verbo conhece o Verbo. “Por essa causa dobro os joelhos... para que sejais arraigados e fundados no amor. Assim tereis condições para compreender com todos os santos qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo conhecimento, para que sejais plenificados com toda a plenitude de Deus” (Ef 3,14-19). “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14). De modo que o conhecimento gerava o amor sempre crescente pela Verdade e, com isso, pela Igreja e por Jesus. Tudo adquiria vida na Igreja. Nós, cristãos católicos batizados e desejosos de viver ao pé da letra os ensinamentos do Evangelho, submissos à Igreja, todos unidos, sentíamos que éramos verdadeiramente Igreja, assembleia. É por isso que nos reconhecíamos como filhos dela. Com que ardor íamos a ela para nos nutrirmos de Luz. Os sermões eram iluminados pelo nosso amor. Mesmo as palavras breves e esquálidas de um pobre pregador nos pareciam belas e luminosas, porque eram ditas por Jesus no sacerdote, e a doutrina era sorvida pela nossa alma por dizer respeito às nossas coisas, às coisas do Céu! Os sacramentos eram entendidos e amados como nunca. E isso fica provado pelo fato de que nos últimos seis anos – desde que o Movimento nasceu – todas as pessoas que aderem a ele recebem a Santa Comunhão todos os dias. A unidade não é entendida sem o Sacramento da Unidade. É o Uno que faz de todos um: um só corpo (1).
Gostaria que todos sentissem que têm uma mãe
De um discurso sobre os pontos basilares da Espiritualidade da Unidade
8 de dezembro de 1996
Nos anos em que o Movimento estava iniciando, frequentemente entendia-se por Igreja apenas aquela que era feita de pedras, com Jesus no sacrário, Maria, santo Antônio no altar; para muitos, a Igreja era, de certo modo, sinônimo de catecismo, de Primeira Comunhão... Também significava outros sacramentos, as festas patronais; talvez significasse fazer parte da Ação Católica etc. Significava a paróquia, o pároco; e para quem sabia que existiam, o bispo, o papa. Pelo Carisma da Unidade e suas instâncias, houve a compreensão de que a Igreja podia ser tudo isso, mas que ela era, acima de tudo, nas profundezas de seu ser, povo de Deus; era comunhão: a Igreja-comunhão. Depois, o Concílio Vaticano II deu essa definição da Igreja, e foi uma revolução. O que significa viver a Igreja como comunhão? Significa colocar vínculos de caridade em todas as suas articulações: entre seus membros; entre suas realidades (paróquias, dioceses, movimentos, estruturas, conselhos, comissões etc.); com as outras realidades que estão de alguma forma ligadas a ela (outras Igrejas, outras Religiões que têm a ver com ela pela presença das “sementes do Verbo”; outras culturas com seus valores).
A nossa espiritualidade ensina e faz viver tudo isso. Além do mais, ensina a colocar a caridade entre responsáveis e fiéis, porque cada responsável tem que fazer com que a caridade preceda todos os seus comandos (na sua posição, ele também deve ser “presidente da caridade”). E ensina a colocar a caridade entre fiéis e responsáveis, como estas cartas documentam, as quais explicitam que o Movimento e a Igreja também foram marcados pela comunhão. Escrevi em 1969: “Não foi apenas por um princípio de obediência à Igreja ou por medo de heresia! Era precisamente a Igreja que nos atraía a si; ou melhor, era o Espírito Santo em nós que nos incitava a nos reunirmos com o Espírito Santo que está na Igreja, pois é um único Espírito Santo”¹⁸. É também dos primeiros anos do Movimento esta frase: “Os focolarinos veem a Igreja como uma família na qual, embora cada um deva estar em seu devido lugar e na própria vocação, todos devem se sentir irmãos, através do amor em Cristo Jesus”¹ . Tudo em obediência a quem tem o carisma da autoridade. De fato, é um amor obediente que devemos à Igreja, um amor que depois retorna, como sempre experimentamos. E essa nossa atitude em relação ao bispo foi constante. [...] Em 1960, eu disse: “Quisera que todos sentissem que possuem uma mãe, sentissem que essa mãe está sempre nutrindo-os, quisera que todas as almas se dirigissem a esse leite genuíno, dado pelo santo padre e pelos bispos, e se saciassem e dele se apossassem”² . De modo que, um dia, emergiu de nosso coração esta espécie de canto: “A Igreja, Mãe puríssima, inseriu-nos na sua família, abrindo-nos as portas do verdadeiro Paraíso através dos sacerdotes e dos sacramentos. Ela nos forjou soldados de Cristo.
Ela nos perdoou e cancelou nossos pecados setenta vezes sete vezes. Ela nos alimentou com o Corpo de Jesus e selou com um timbre divino o amor de nosso pai e de nossa mãe. Ela elevou a uma dignidade altíssima ‘pobres’ homens como nós e investiu-os do sacerdócio. Ela, finalmente, nos dará o último adeus: a Deus. Dar-nos-á Deus. Se nosso coração não a enaltece, é um órgão apagado. Se nossa mente não a vê nem ira, é cega e obtusa. Se nossa boca não a exprime, é melhor que nela a palavra feneça”²¹(2).
17 Aqui se faz referência a todas as cartas apostólicas.
18 LUBICH, 19952, p. 101.
19 Idem. Come l’Ordine di Maria sta in relazione con le anime che non vi appartengono (vide p. 69-72 deste volume).
20 Idem, 2004, p. 59.
21 Ibidem, p. 59.
1. Somente a unidade testemunhará Cristo
Chiara Lubich cresceu com uma experiência de Igreja rica e variada. Sua cidade natal, Trento, era particularmente fecunda de obras e de vitalidade eclesial: era impressionante a presença da Ação Católica, havia numerosos sacerdotes, vários conventos, tanto masculinos quanto femininos, muitos missionários. Chiara participava ativamente da vida da Igreja local. Graças aos contatos com a família franciscana, ela também se inspirou na experiência espiritual do Pobrezinho de Assis, que a atraía “pelo fato de ter sido um revolucionário”. Em abril de 1941, dois anos antes de o Movimento nascer, Pio XII nomeou como arcebispo de Trento dom Carlo de Ferrari, que desempenharia um papel muito importante na caminhada da nascente comunidade dos Focolares. Nesse contexto, floresce em Chiara, a partir de 1943, o Carisma da Unidade como um “novo caminho”, marcadamente comunitário. Um dado leva a pensar: a coleção de cartas e os outros escritos de Chiara até 1949, ano particularmente importante para o Movimento recém-formado, evidenciam uma referência forte e constante ao Evangelho, com um zelo missionário que tem como objetivo levar a revolução cristã ao mundo. Pode ser surpreendente o fato de que a Igreja seja mencionada explicitamente raras vezes. Mais do que falar sobre ela, vive-se uma vigorosa experiência de Igreja em saída. O relativo silêncio não significa falta de amor pela Igreja. Ao contrário!
1.1. Membros vivos da Igreja
A Igreja como família: todos trabalham para todos
Aos 15 anos, Chiara faz parte da Ação Católica. Mais tarde, confiam a ela um grupo de jovens da Juventude feminina. Na carta às “aspirantes” aqui transcrita, impressiona o quanto essa jovem de 19 anos mostra uma adesão madura à Igreja em sua veste hierárquica (com o cenário típico da época: o clero no centro e o apostolado dos leigos como ajuda para a hierarquia). É significativa, porém, a referência à Igreja como uma “família”, com uma dinâmica comunional em que “todos trabalham para todos”. Quatro anos antes de o Movimento nascer (7 de dezembro de 1943), já se percebe nela um desejo de dar à Igreja uma “alma” de amor.
De uma carta às aspirantes da Ação Católica
Trento, 18 de agosto de 1939
Queridas aspirantes, Pensem, minhas meninas, que dádiva o Senhor nos deu ao nos fazer nascer e viver não como pessoas isoladas, mas unidas na família, da qual recebemos ajuda, conforto, força nos vários momentos da vida. Assim como Deus nos deu essa graça de ordem natural, Ele também nos dá uma outra graça, mas muito maior, de ordem espiritual. Ele nos fez pertencer à grande
família dos católicos, à Igreja, da qual recebemos uma nova vida no santo Batismo. Dela recebemos, nos Santos Sacramentos, o alimento e o sustento para alcançarmos o nosso objetivo. Nessa família, o amor de Deus por nós se revela através do amor do chefe da Igreja, o sumo pontífice, do dirigente da diocese, o bispo, daquele que está mais perto de nós e que nos conhece pessoalmente, que conhece e guia a nossa alma, o pároco. Em nossa família, será que o pai trabalha apenas para um dos irmãos, ou apenas para a mãe, ou só para si? E os filhos trabalham apenas para si ou apenas para o pai? Não, é claro! Todos trabalham para todos. O mesmo acontece na Igreja. O bem concretizado pelos santos, realizado pela Virgem Santa, os imensos méritos de Nosso Senhor são derramados sobre nós e desfrutamos deles espiritualmente. Aqui também, todos trabalham para todos. E isso graças à “Comunhão dos Santos”, verdade sublime na qual nós acreditamos. [...] Estejam sempre unidas. Rezem por mim; eu sempre me lembro de vocês!
Viver e pregar Deus somente
Em uma carta de 1946 a duas religiosas, Chiara freia os prováveis elogios que recebeu delas. Destaca a necessidade de sempre se dirigir a Jesus. Ela deseja para suas companheiras aquilo que ela mesma tem: somente Deus. Esse texto nos recorda a tenção à santidade que deve permear nossa pertença à Igreja. Direciona a vida consagrada na Igreja (mesmo a batismal) ao radicalismo original.
De uma carta a irmã Josefina e irmã Fidente²²
Ave Maria, Mater Dei!
14 de outubro de 1946
Minhas irmãzinhas, Porque eu amo vocês em Jesus, deixem-me a plena liberdade da Verdade: “Maledictus homo qui confidit in homine!” “Maldito é o homem que confia no homem!” (Jr 17,5). Chiara, a irmãzinha de vocês, pode amá-las tanto que o seu amor nem possa ser abarcado por todo o mundo; ela pode ser, como vocês dizem, inspirada pelo Espírito Santo; ela também pode alcançar a mais excelsa santidade; ela pode jurar a vocês fidelidade perpétua à amizade construída... Chiara permanece sempre uma pobre jovem, uma criatura imperfeita, paralítica no bem, que arruína a obra de Deus. Quão tolo é o homem que confia no homem! Minhas irmãzinhas, sei o que vocês me respondem. Mas, porque eu as amo, deixem que, de uma vida trivial, eu as lance para o Alto, no coração do Altíssimo: “Beati omnes qui confidunt in eo” (Ps. 2,13). “Felizes todos os que confiam no Senhor!” Deus da minha alma, meu Amor, meu Tudo, fala Tu a esses dois pequenos corações. Fala com Tua Voz Divina.
Dize a elas que somente Tu és Tudo e que Tu vives nelas! Dize a elas que não te procurem fora de si mesmas, mas sempre te encontrem em seus corações! Tu sabes, Jesus, quanto eu as amo e como gostaria de estar sempre com elas. Eu, tua Esposa, gostaria de estar Contigo em cada coração em estado de graça, para fazer com que Te amem! Mas não posso. Eu sou e permaneço uma criatura. [...] Fala Tu às tuas Esposas. Dize a elas que Chiara pode morrer um dia. Que podem perder sua ajuda direta. Que a criatura, precisamente por ser tal, está sujeita a ar. Que qualquer homem que confia em qualquer homem é digno de tua maldição! Só Deus é tudo! [...] Minhas irmãzinhas, A vida de vocês, geralmente tão parecida com a de Jesus vivo, atuante, amor, na pequena casa de Nazaré, quanto bem pode fazer! Mas vocês não sabem que uma alma que ama assim, a ponto de sua vida ser uma contínua vida a dois (Jesus e a alma) faz muito, como se evangelizasse todo o universo? Agora que, despojadas de suas misérias, as quais entregarão a Deus diariamente, vocês estão livres para amar, amem! Ele quer viver com vocês. E nada mais deseja senão essa vida a dois. E só assim, com essa unidade estreita de cada uma com Jesus, vocês fortalecerão cada vez mais a unidade entre vocês duas! “Pai ... que sejam uma coisa como nós. Eu neles e Tu em mim, para que se consumam em um” (cf. Jo 17,11). (3)
Uma única ideia: Unidade
Na experiência eclesial vivida, Chiara encontra luz na comunhão dos santos.
De uma carta às jovens que Chiara acompanhava
Véspera de Ano-Novo, 1947
Tenham em mente uma única ideia. Sempre foi uma ideia única a fazer os grandes santos. E a nossa ideia é esta: Unidade. [...] Fiquem no mundo para perfumá-lo com lírios, para gritar forte com a vida que vocês confiam Nele, que venceu o mundo. Mas saibam que o mundo é frio, e nós, que queremos dar tudo Àquele que verdadeiramente nos amou pelo tempo e pela eternidade, devemos ter sempre a alma em chamas. A unidade com as irmãs lhes transmitirá força, coragem, ajuda, porque acreditamos na comunhão dos Santos. E quando o frio do mundo nos ameaçar, elevemos o olhar, lá onde tantas almas nos precederam; chamemos os Santos e os consumemos em unidade conosco, a fim de sermos fiéis até a morte, para receber a coroa da Vida lá no Céu, onde todos nós esperamos estar por toda a eternidade juntos, para ver, contemplar e amar Jesus, o único vínculo que nos une, de perto ou distantes. (4)
1.2. Jesus nos seus ministros
Um ponto central descoberto por Chiara e pelos seus, nos primórdios do Movimento dos Focolares, foi a importância do relacionamento com a hierarquia da Igreja. Da década de 1940 em diante, existe um epistolário com um rico conteúdo histórico e espiritual entre o arcebispo Carlo de Ferrari e Chiara²³. Trata-se de um relacionamento que floresceu a partir da vida do Evangelho, como é testemunhado por ela: “Foi lendo o Evangelho que compreendemos e aprofundamos também a necessidade, a beleza e a alegria da unidade com a autoridade eclesiástica: ‘Quem vos ouve a mim ouve’, e por essa convicção luminosa, desde o início, confiamo-nos ao nosso arcebispo de Trento, desejando atuar sempre não apenas as suas diretivas, mas também os seus desejos”²⁴. Mas Chiara entrevia – como demonstram alguns dos primeiros comentários da Palavra de Vida – a presença de Jesus também nos sacerdotes, sem considerar – esclarece ela – seus “possíveis defeitos”. Não se trata de uma obediência iva; a percepção da presença de Jesus em cada irmão e entre aqueles que vivem unidos pelo amor mútuo está sempre muito viva nela.
“Quem vos ouve a mim ouve” (Lc 10,16)
Do comentário da Palavra de Vida dos meses de junho e julho²⁵, 1947
Quanta necessidade tem a nossa alma, toda tomada pelas vozes do mundo, de ouvir a Sua Voz! A voz do Cristo! Mas você […] não deve pretender que Cristo desça à terra para lhe falar.
Ele, quando estava aqui, nomeou seus Ministros: aqueles que iriam fazer a sua parte. São os seus Sacerdotes. Vá até eles com Fé! [...] Proteja-se deste mundo cego e enganador. Eleve-se a uma visão mais pura das coisas: veja no Sacerdote aquele que lhe traz a voz de Jesus, seja ele quem for, independentemente de seus possíveis defeitos. A palavra dele é Palavra de Deus: que seja isso a lhe importar, e não olhe para o modo como ela lhe é apresentada. Deixe de lado as particularidades e os julgamentos que arruínam o mundo e viva a sua Fé, que vence o mundo! (5)
Quem nos compreende e nos corrige
Carta ao arcebispo de Trento, dom Carlo de Ferrari
“ut omnes unum sint”
São Francisco, 1947 [4 de outubro]
Alteza² Reverendíssima, Eu me despedi do senhor com muita alegria no coração. Para compreender minha alegria, Alteza, basta que pense apenas em um fato.
Falei com várias pessoas e também com muita profundidade sobre coisas espirituais; mas jamais encontrei ninguém que entendesse a nossa Ideia em sua limpidez. No senhor, encontramos não somente quem nos compreende, mas também quem puxa as nossas rédeas a fim de que percorramos o Caminho que o Senhor nos indicou. O senhor é realmente o “nosso” bispo. Agradecemos a Deus e a são Francisco. Hoje, em honra ao santo, prometemos novamente e com boa vontade triplicada ser “o seu desejo vivo”. Só assim somos o desejo de Jesus. Agora que estamos no começo, pode nos podar, corrigir, golpear, se for necessário, para que o Senhor não seja destituído daquela Glória que estamos destinados a lhe dar. Nós nos colocamos em suas Mãos como agora, sempre. Queira nos abençoar. (6)
Representante de Jesus para nós
De uma carta ao arcebispo de Trento, dom Carlo de Ferrari
4 de novembro de 1947
O senhor é o representante de Jesus para nós. É o nosso Jesus, aquele que nos mostra o Caminho, e, na obediência amorosa ao senhor, encontramos a Vida. Pois bem, hoje, para fazê-lo feliz, nós lhe prometemos que a Palavra de Vida deste mês²⁷ será vivida primeiramente no relacionamento com o senhor. Nos colóquios que temos a graça de ter, procuramos entender os seus pensamentos, a sua vontade e até seus desejos. Então, recolhemos todas as sugestões e fazemos com que isso se torne vida. “Eu em ti – tu em mim.” Como Jesus e o Pai. Assim somos nós com o senhor. Nós permanecemos e sempre permaneceremos na sua vontade. A sua vontade está em nós. Não desejamos mais nada. E “nós no senhor” e “o senhor em nós” daremos grandes frutos. Estes são frutos abundantes que desejamos hoje para a sua alma e para as almas de suas ovelhas. Abençoe-nos, Alteza, proteja-nos, ajude-nos, use-nos como quiser. “Omnia mea tua sunt”. (7)
1.3. Consumar todos em unidade
No coração de Chiara é forte o desejo de incendiar o maior número possível de pessoas com o fogo do amor a Deus e ao próximo. Daí nasce o compromisso de contribuir de todas as maneiras para reavivar a comunidade cristã, suscitando uma onda espiritual que alcança pessoas de todos as esferas: das comunidades de fiéis aos vários ambientes da sociedade, das comunidades religiosas aos colégios nos quais se formam os sacerdotes. O caminho é o do amor recíproco e o da unidade, a fim de que se realize a promessa de Jesus: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). Daí emerge uma ideia de Igreja que efetivamente irradia a luz do Evangelho no mundo contemporâneo.
Novos horizontes para a sociedade humana
De uma carta a um grupo de Anagni
Trento, 4 de novembro de 1948
Queridas irmãs de Anagni, [...] Já que eu estou escrevendo a vocês todas, deixem-me lhes dizer algo que está no meu coração e que certamente lhes será útil. É vontade de Deus que toda Anagni caia na fornalha do Amor do Coração de Jesus.
É por isso que colocamos em ação todas as nossas possibilidades. Atuemos perfeitamente a Divina Vontade que Deus pede a cada um de nós e, então, Jesus, vendo nossos esforços e os resultados parciais de nossa atividade de amor (somos sempre limitados!), Ele, que é o Infinito, abrirá novos horizontes, novas possibilidades, e nos lançará em todos os campos da sociedade humana como tições de fogo que incendiarão cada ambiente. [...] Não me digam que os habitantes de Anagni são duros, que vocês não têm as habilidades necessárias, que não têm tempo etc. Não é verdade: o Amor vence tudo! É o amor que falta em nossos corações! E muitas vezes acreditamos que amar a Deus signifique fazer horas de adoração, frequentar ambientes religiosos, rezar por longo tempo etc. A religião não é só isso, minhas irmãs! É ir em busca da ovelha perdida, depois de ter cuidado das outras! É fazer-se tudo para todos! É amar de forma prática, suave, forte todas as almas que estão ao nosso lado, como a própria, e desejar para elas o que desejamos para a nossa; é estar circundadas por uma miríade de corações que esperam do nosso coração aquela palavra que dá vida; é amar, amar renegando a si mesmas, os próprios pontos de vista e os próprios hábitos. Dessas almas é que o Senhor precisa urgentemente: de almas de Fogo!; sem “problemas espirituais” – eternos obstáculos ao amor! –, que queimaram tudo, e em seu fogo querem consumir os outros. De almas que sabem se amar com uma visão ampla, que vão além do próprio círculo e dos próprios interesses, interessadas totalmente nos interesses dos outros, antes dos próprios. De almas que se amam tanto a ponto de submeter tudo a Jesus entre elas, para que possam mantê-Lo cada vez mais vivo com a comunhão sempre maior de todos os bens materiais e espirituais. [...] Jesus espera que essas almas sejam luz e amor para todos os que estão em casa. Candelabros ardentes e luminosos! (8)
Ao lado das belas igrejas, espalhados como chamas, estão os verdadeiros cristãos
Nesta carta, assinada também por três de seus primeiros seguidores – Giosi, Graziella e Livio –, Chiara fala do Ano Santo anunciado para 1950.
De uma carta à comunidade dos Focolares em Roma
Fim de junho de 1949
[...] o ano que vem será o Ano Santo. Oh, como gostaríamos que todos compreendessem o que estamos lhes dizendo: Roma será o centro do mundo, e pessoas do mundo inteiro virão a ela por ser o Coração do cristianismo. Oh! Se ao lado das belas igrejas, dos monumentos gloriosos, dos palácios, dos hotéis, os peregrinos encontrassem, espalhados aqui e ali como chamas, os verdadeiros cristãos, diferentes dos outros apenas porque se amam e amam, corações abertos como o de Jesus, prontos para a ajudar todos, deixando-lhes não apenas a memória de um cristianismo ado, mas a realidade de uma religião católica viva, mais viva, mais bela e mais interessante do que os belos mausoléus que formam a riqueza de Roma. Somente a “Unidade” entre os irmãos testemunhará o Cristo como Filho de Deus. Pode parecer um sonho ou uma ilusão o que estamos lhes dizendo. É isso mesmo para aqueles que confiam no homem. Nós confiamos em Jesus entre nós unidos, e assim será. Já muitas almas, entre os leigos de todas as vocações, nos colégios internacionais, nos conventos de religiosas, sentem vibrar em si o nosso Ideal
como a única esperança: só Jesus é a Vida. Se cada um viver esse fogo, ele incendiará, por sua vez, muitos e muitos outros, e Roma estará permeada de Chamas por toda parte. (9)
22 Trata-se de duas religiosas da cidade de Rovereto, provavelmente franciscanas, às quais Chiara escreveu também em outras ocasiões.
23 Cf. ABIGNENTE, 2017.
24 LUBICH, C. Gli albori. In Città Nuova, 3 (1959), n. 17, p. 6.
25 Esse comentário da palavra “Quem vos ouve a mim ouve” é efetivamente o primeiro comentário da Palavra da Vida que chegou até nós, publicado com a aprovação eclesiástica do arcebispo de Trento, Carlo de Ferrari, em 7 de junho de 1947.
26 Era a forma de tratamento que se usava na época para o arcebispo de Trento.
27 A Palavra daquele mês era extraída da parábola da videira e dos ramos: “Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto” (Jo 15,5).
2. “Uma só alma”, “Evangelho encarnado” ²⁸
Durante aquele período de particular iluminação que leva o nome de “Paraíso de 1949” (1949-1950), Chiara toma mais consciência daquilo que é a Igreja no desígnio de Deus. Chiara a sente e a descobre primeiramente como “unidade”. Ser Igreja significa ser chamados a participar da vida una e trina de Deus, viver – como diz a autora com uma expressão inédita – “trinitizados” e trinitizar também a realidade circundante, isto é, conduzi-la, em virtude de Jesus, a uma unidade real mesmo na diversidade, a uma harmonia na doação e acolhimento recíproco. A realidade da Igreja, para Chiara, reflete-se, como em um espelho, em Maria: que é inteiramente Palavra vivida e Mãe de Jesus, Theotókos: Genitora de Deus. Ao fazer essa profunda experiência, Chiara se sente vitalmente ligada a todo o Povo de Deus, que tem sua referência sólida e sua especificidade decisiva em Pedro, ou seja, no papa (e, consequentemente, também nos bispos). Ao mesmo tempo, tem uma consciência aguçada – absolutamente incomum para aquela época – da dimensão carismática da Igreja, que se manifesta na variedade de ordens religiosas e também, como se pode compreender mais claramente nas décadas seguintes, no surgimento de vários movimentos. Nesse grande cenário, a Obra de Maria – nome com o qual o Movimento dos Focolares foi aprovado pela Igreja Católica – tem uma tarefa específica: “unir tudo o que pode ser unido”, reavivar o amor mútuo entre todos, suscitar em todos os lugares “células vivas” do Corpo Místico. Deve-se ter em mente que a experiência de Igreja que Chiara faz naquele período vai muito além e está aberta a toda a humanidade, a qual, em Jesus Crucificado e Abandonado, já está plenamente envolvida pela graça de Deus.
2.1. Muitos que são “um” em Cristo Jesus
Em julho de 1949, Igino Giordani, famoso escritor católico e parlamentar italiano, pede a Chiara – que conhecera alguns meses antes e cujo caminho espiritual ele queria seguir – se pode fazer-lhe o voto de obediência. Acredita que, assim, poderão se tornar santos juntos, como aconteceu em outros casos na história da espiritualidade. Chiara, sentindo-se chamada ao “que todos sejam um”, não quer se envolver nesse tipo de unidade a dois, mas propõe a Giordani – que ela chama familiarmente de “Foco” – deixar que seja Jesus Eucaristia a “pactuar a unidade” sobre o nada de amor deles e a estabelecer aquele vínculo que Ele quer. Por esse pacto, compartilhado nos dias seguintes também com as primeiras companheiras, Chiara e Giordani encontram-se identificados com Jesus, como uma só alma, no seio do Pai. Cada uma e cada um experimentam que são essa alma² . Desse modo Chiara, com os seus, faz a experiência daquilo que os Atos dos Apóstolos dizem, depois de Pentecostes, sobre a primeira comunidade cristã: “A multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma” (4, 32). E ela tem a oportunidade de perceber aquilo que Paulo expressa em sua Carta aos Gálatas: “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (3, 28).
Ser um e, ao mesmo tempo, “trinitizados”
O Pacto de Unidade, sobre o qual Chiara fala nesse texto de alguns meses depois, faz com que ela experimente, compreenda profundamente e viva plenamente a realidade batismal, que encontre sua sempre nova consumação na Eucaristia. A inserção em Jesus nos torna filhos de Deus no único Filho e nos
conduz ao seio do Pai. Mas também nos une entre nós, segundo o modelo da Trindade. Chiara, aqui, toca as dimensões mais profundas do ser Igreja. 8 de dezembro de 1949
Antes de entrar no Paraíso, falávamos sempre de raios de sol e sentíamos que era preciso que cada um caminhasse no raio da vontade divina, que estava diante de nós, diferente para cada um e, no entanto, uma só, como uma só é a essência do sol na multiplicidade dos raios. Cada um de nós sentia o próprio eu revestido de luz, da luz do raio, revestido daquela única vontade divina que fazia de nós outros Jesus. Éramos Chiara-Jesus; Grazia-Jesus; Giosi-Jesus etc. Mas quando dois de nós, conscientes do próprio nada, fizemos com que Jesus Eucaristia pactuasse unidade entre as nossas duas almas, percebi que eu era Jesus. Senti a impossibilidade de me comunicar com Jesus no sacrário. Experimentei o arrebatamento de estar no topo da pirâmide de toda a Criação, como numa cabeça de alfinete, no ponto para o qual os dois raios convergem, onde os dois Deus (por assim dizer) fazem o Pacto de Unidade, trinitizando-se; lá onde, tornando-se Filho no Filho, é impossível comunicar-se com alguém, a não ser com o Pai, assim como o Filho se comunica apenas com Ele. É o ponto em que a Criação morre no Incriado, onde o nada se perde no seio do Pai, onde o Espírito pronuncia em nossos lábios: Abba-Pai³ . Então, nossa alma é a alma de Jesus. Não somos mais nós a viver, é Cristo quem verdadeiramente vive em nós³¹. (10).
Três “comunhões” sobre as quais se sustenta ser uma só alma
Como atesta esta narrativa preparada pela autora em 8 de abril de 1986, o Pacto de Unidade de 1949 fez com que ela experimentasse aquele ser um – uma só alma – dos muitos em Cristo Jesus, que, como vimos, é a natureza profunda da Igreja; uma realidade que não podemos alcançar com as próprias forças, mas que nasce e renasce da comunhão com Jesus, através da vida da Palavra e da Eucaristia, bem como da comunhão com Ele presente nos outros. Enquanto isso, não paramos de viver, viver com intensidade, entre os nossos trabalhos domésticos, naquela realidade que éramos, vivendo a Palavra de Vida. Todas as manhãs, recebíamos a comunhão, deixando que Jesus agisse como Ele desejava, e, à tardinha, às seis horas, na igreja, diante de um altar de Nossa Senhora, que ficava à direita do altar principal, fazíamos a meditação de uma forma um pouco original: eu, acreditando que Jesus queria nos comunicar algo daquilo que havia realizado por meio da nova comunhão, convidava as focolarinas e a mim mesma a não pensar em nada, a aniquilar cada pensamento a fim de que Ele pudesse nos iluminar. No fogo da Trindade, nós tínhamos nos fundido em um, tanto que eu chamava esse nosso grupo de “Alma”. Nós éramos a Alma. Ora, o Senhor, se quisesse, poderia iluminar essa Alma (por meio de mim, que era como que o seu centro) sobre as suas novas realidades e, para isso, parecia que fosse necessário o máximo silêncio interior. Depois, eu comunicava para Foco e as focolarinas aquilo que havia compreendido. Portanto, nossas comunhões eram três: com Jesus Eucaristia, com a sua Palavra e entre nós. (11)
A Alma-Igreja: Esposa do Verbo
A experiência que decorreu do Pacto, que Chiara descreve em termos de “Alma” e “Esposa do Verbo”, tem um significativo paralelo nas cartas paulinas.
Se, por um lado, o apóstolo fala da Igreja como o “Corpo” que nasce de Cristo e o personifica, por outro lado, a Carta aos Efésios fala da Igreja como “Esposa”, pela qual Cristo se entregou, a fim de torná-la “gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5,25-27).
8 de dezembro de 1949
A Alma una, das duas e das muitas unidas a nós, e presente em cada um de nós – por estarmos unidos e se estamos unidos – chegando ao seio do Pai conheceu o Verbo, e assim foi. Tinha a nítida impressão de estar imersa no sol, via o sol por todos os lados: embaixo, em cima, à volta e esperava por novas iluminações para acostumar os olhos a entrever todos aqueles que viviam ali. Tomou conhecimento [a Alma] de que o Verbo era a expressão do Pai dentro de Si e entendeu que havia sido transformada em Igreja para poder amá-Lo. Assim, o Verbo desposou a Alma em místicas núpcias. A Alma se via como um pequeno grupo de almas unidas em um infinito abismo de amor.
Viver a realidade da Igreja Esposa do Verbo, na experiência de Chiara, concretiza-se não apenas na comunhão com Jesus Eucaristia, mas também de modo especial com Jesus Palavra. 19 de julho de 1949
Jesus, do tabernáculo, ensinava-me que eu tinha que atraí-lo a mim com o amor, como se o aspirasse a mim, como se Ele fosse a Palavra de Vida e que, vivendo a Palavra, eu o amaria como Esposa e Ele teria sido eu... Vivendo a Palavra a cada momento.
O Corpo Místico: cântico da Trindade
Este texto também destaca que ser “Alma” e viver o Corpo Místico estão intimamente ligados com a vida da Palavra. Disso decorre uma dinâmica que se descerra em harmonias sempre novas, tanto que Chiara a chama de “Cântico da Trindade”. 20 de julho de 1949
Nós, no Céu, seremos apenas a Palavra de Deus e, na unidade entre as nossas almas, haverá a harmonia do cântico novo que é o Evangelho formado pelo Corpo Místico de Cristo. Cada um de nós será uma Palavra, mas, como cada Palavra é todo o Verbo, cada um de nós será a Palavra, será uma harmonia = uma unidade. O cântico novo é a harmonia das harmonias! O cântico da Trindade.
2.2. Unidade com quem nos representa, a Igreja
Por mais que a experiência que Chiara vive com os seus, no verão de 1949, seja luminosa e forte, é igualmente forte nela a consciência de que essa experiência floresce no sulco da Igreja e que deve constantemente “perder-se” em quem tem a graça de representar o conjunto do Povo de Deus. O modelo a ser seguido é o relacionamento entre Jesus e Maria; uma relação na qual Jesus tem uma primazia nítida e que, todavia – como observa Chiara em uma nota –, é uma “relação trinitária” e, portanto, de reciprocidade, como está ilustrado muito bem no relato das Bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11). O mesmo se aplica à relação entre o movimento nascente (“a Alma”) e a autoridade eclesiástica, aqui identificada na figura de Pedro e, concretamente, no papa. Como Chiara explica em uma nota publicada anos depois, nesses trechos se esboça a relação de reciprocidade entre o perfil mariano da Igreja e o perfil apostólico e petrino; portanto, entre sua dimensão institucional-hierárquica e a dimensão carismática.
Em perfeita paz
24 de julho de 1949
Eu estou em perfeita paz [...] sobre o que a Igreja decidirá a respeito do andamento futuro do nosso Movimento. [...] A caridade perfeita afugenta o medo³², e eu não tenho medo porque sou Jesus, sou a esposa Dele, confiada a tal Esposo, o qual, tendo suscitado este Movimento, irá mantê-lo através de sua Igreja.
Maria e Jesus em Caná
29 de julho de 1949
A Virgem, quando dizia algo a Jesus, dizia como Ela o sentia, pelo Espírito Santo que estava Nela. Mas Jesus – sendo perfeito e não perfectível –, fazendo com que Ela renunciasse à sua vontade, ao seu Espírito Santo, alargava a sua capacidade de adquirir novo Espírito Santo. E, portanto, Ele a tratava aparentemente com dureza, porque a amava. [...] Ela, obediente, submetia-se à vontade do Filho, o que significava dilatar o coração, amar mais e, com esse seu amor (transformada em Jesus), era a Luz de Jesus, de modo que Ele fazia a vontade de Maria que se tornara sua, ou seja, do Pai. Jesus, portanto, continuamente reconduzia a Mãe à “grandeza, perfeição” de Deus Pai. [...] Com ela, nunca fazia unidade de caridade (como nós dizemos), mas de verdade, e isso era para ela a perfeita caridade, pois Ele não se adaptava a ela, mas a adaptava a si. Talvez agora se compreenda aquele “o que há entre mim e ti, mulher?”³³ (cf. Jo 2,4), como para dizer: “Lembra-te que entre mim e ti existe o infinito... portanto!
Entra em mim e faze comigo a vontade do Pai”. Depois Ele realiza o milagre solicitado. Talvez, a Igreja (que é Jesus, o santo padre) dirá a nós como Jesus disse a Maria, mas nós, obedecendo com a morte, iluminaremos o papa. (12)
Como Maria com Jesus, assim a Alma com Pedro
29 de julho de 1949
[...] o papa (o verdadeiro Pedro) está à frente de toda a Igreja; num certo sentido, também daqueles católicos que estão fora da unidade (no nosso sentido)³⁴. Portanto, ao nos apresentarmos a ele, devemos morrer, isto é, perder a nossa (pequena) ideia na sua (grande). Como Maria [...] submeteu sua ideia a Jesus, ampliando-a, assim a Alma submeterá a sua ideia ao verdadeiro Pedro, a fim de que se torne ideia de Pedro, ou seja, vontade de Deus.
O papa: a Igreja em uma só pessoa
Roma, 3 de outubro de 1950
O papa é Jesus na terra, ou melhor, é a Igreja em uma só pessoa. As suas
palavras são Vida atuada: são palavras “à Trindade”, nas quais há a Luz ideal, o Amor que gera, a atuação do Pai. Maravilhosas! Superam o nosso Ideal e o igualam ao mesmo relacionamento que existe entre Pai e Filho. Nós somos o Ideal (e a atuação em pequenas dimensões... pois também o Filho é ato) desta magnífica Vida em grandes dimensões que é a Igreja.
Eu me sinto Igreja…
Roma, 26 de setembro de 1950
Então, acompanharei a missa com o missal; e agradeço a Jesus por não me ter deixado fazer isso senão raramente, devido à saúde debilitada, porque só agora a Palavra corresponde à realidade: é a Igreja que fala assim e é a Igreja em mim que sente assim. Sinto uma alegria profunda por ter conquistado esse dom [...]. É também o prêmio de Jesus: ultimamente, eu dei a Ele o Movimento, porque o perdi na Igreja (paróquia); Ele me dá a Igreja e eu me sinto Igreja. E hoje à noite esta convicção foi tão profunda, e saborosa, e doce em minha alma, que me uniu de tal forma à Igreja a ponto de me fazer senti-la tanto, que não sabia mais se era eu ou ela.
2.3. Os carismas: “Cristo revivido nos séculos”
É significativo o fato de que, dentre os escritos do “Paraíso de 1949”, exista um de 1950 que, ao contrário de muitas outras páginas, tem um título: “A Igreja”. Pode-se perceber – também pela amplitude do texto – a importância que Chiara atribui à dimensão carismática da Igreja. Um panorama se abre. Se Jesus é “o Verbo de Deus encarnado”, a Igreja é “o Evangelho encarnado”, “Cristo revivido nos séculos”. Como o Verbo é expresso em muitas palavras, assim a Igreja, ao longo da história, tem sido expressa em carismas diferentes e em muitas famílias carismáticas, entre as quais, nos dias de hoje, além de ordens religiosas, há também os movimentos eclesiais e as novas comunidades. Entretanto, toda essa variedade multiforme é expressão de uma origem comum que subjaz a tudo: Jesus, o Verbo. Trazer à luz esse fato, bem como o elo que se estabelece entre todos, é o que Deus espera hoje e é a missão à qual Chiara se sente chamada com o Carisma da Unidade.
A Igreja [1950]
Jesus é o Verbo de Deus encarnado. A Igreja é o Evangelho encarnado. Assim, é Esposa de Cristo. Através dos séculos, vemos florescer muitas ordens religiosas com suas respectivas e inúmeras inspirações. Cada ordem ou família religiosa é a encarnação de uma “expressão” de Jesus, de uma Palavra Dele, de uma atitude
Dele, de um fato da vida Dele, de um sofrimento Dele, de uma parte Dele. Vemos são Francisco e os franciscanos como expressão da Palavra evangélica: “Felizes os pobres no espírito, porque...”³⁵. Santa Teresinha e seus seguidores como encarnação da Palavra: “Se não vos converterdes...”³ . As Irmãs de Belém, de Nazaré, de Betânia etc. como expressões concretas de uma atitude ou de um momento da vida de Jesus; os Estigmatinos como a encarnação da dor de Jesus nos seus Sagrados Estigmas etc.; santa Catarina, do Sangue de Cristo; santa Margarida M. Alacoque, do Coração de Jesus etc. Em resumo, vemos a Igreja como um Cristo revivido nos séculos. [...] Ora, todas essas ordens, essas espiritualidades que nasceram ao longo dos tempos devem reencontrar sua verdadeira essência, seu princípio: todos são Jesus, são Amor Encarnado. Todas são iguais entre si, embora diferentes como o Corpo e o Sangue de Jesus [...] A Igreja é um magnífico jardim no qual floresceram todas as Palavras de Deus: floresceu Jesus, Palavra de Deus, em todas as mais variadas manifestações. Cabe a nós unificá-las. Assim como a água se cristaliza em estrelinhas de todas as formas quando cai como neve na terra, o Amor assumiu em Jesus a Forma por excelência, a Beleza das belezas (“o mais belo dos filhos dos homens”³⁷). O Amor assumiu formas diversas na Igreja, e são as ordens e as famílias religiosas. [...] O Evangelho pregado por Jesus foi a Boa-nova, o Amor anunciado. Agora, depois de vinte séculos, esse Amor adquiriu concretude na Igreja, a qual continua a Encarnação e, portanto, tem Cristo como Cabeça, repete a Encarnação; assim, tem Cristo como Esposo. Por isso, o Evangelho pregado outrora era Amor. Aquele que é pregado agora é Unidade, ou seja, Amor consumado, Amor organizado, por assim dizer, Amor que tomou forma e beleza na Igreja: Trindade em unidade³⁸.
Nós só temos que fazer o Amor circular entre as várias ordens. Elas devem se compreender, entender, amar como as Pessoas da Trindade se amam. Entre eles, há como relação o Espírito Santo que os une, porque cada um é uma expressão de Deus, do Espírito Santo. [...] Jesus é a Palavra. Os fundadores (cabeça de seus pequenos Corpos Místicos³ ) são Palavras de vida. Todas essas Palavras formam a Igreja, outro Cristo ou um Cristo continuado, a Esposa de Cristo. É a Nova Jerusalém revestida de todas as virtudes. (13)
2.4. Uma mística eclesial: para a vida do Corpo Místico
Com a evolução da experiência de luz, que leva Chiara a compreender em profundidade a realidade da Igreja, ela também entende a missão específica do Movimento dos Focolares. Naqueles meses de 1949-1950, manifesta-se cada vez mais seu chamado a ser “Obra de Maria”: um corpo de pessoas em que, de certa maneira, Maria está presente com sua vida e sua maternidade. Como Maria deu vida a Jesus e como, sob a cruz, Ela se tornou Mãe não mais somente Dele, mas de seu Corpo que é a Igreja, assim a Obra de Maria terá que contribuir para reavivar e tornar cada vez mais visível e incisiva a realidade do Corpo Místico. O caminho é testemunhar e irradiar por toda a parte uma espiritualidade que suscite a comunhão e que dê vida a uma mística eclesial.
Uma injeção para que a Igreja viva plenamente a sua vida divina
Roma, 3 de outubro de 1950
Santa Teresa trouxe uma novidade à Igreja. Ela evidenciou o Evangelho através de uma Palavra de Vida sobre a qual o Senhor a iluminou particularmente. Essa Palavra sempre esteve na Igreja, mas Deus reservou a Santa Teresa a interpretação “divina” dela, a fim de iluminar, através dela, com toda a luz que dela emanava, a Igreja.
Nós também temos uma novidade. O nosso, embora seja antigo, é um novo caminho. De fato, iluminou-se fortemente para nós aquela Palavra do Testamento de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”⁴ , que corresponde – e se amplia – àquela do Testamento feito ao Pai: “Que todos sejam um [...]. Eu neles e tu em mim para que sejam perfeitos na unidade”⁴¹, no qual vemos toda a Igreja como Corpo Místico cuja Cabeça é Jesus e, graças a Ele, a Vida divina, trinitária, a para os membros. Nós a atuamos como a compreendemos e a vimos como uma síntese de todo o Evangelho, uma síntese tão completa que tem como efeito o que de melhor se pode esperar: a plenitude da vida da Igreja, do Corpo Místico, onde os membros vivem de tal forma a vida de Jesus que são como outros Jesus, não só pela vida da graça que está neles e os torna partícipes da vida divina, mas também porque essa vida é tão plena e transbordante (embora suscetível a nova plenitude) que verte e transvasa sobre os irmãos, a fim de fazer de todos, por Jesus no meio (que está “onde dois ou mais estão...”⁴²), um só corpo, uma só alma, um Jesus. [...] E o nosso ideal – vejo isso sempre com mais clareza – nada mais é do que uma injeção divina, para que o Corpo Místico, isto é, a Igreja, viva plenamente a sua vida divina. É por isso que nasceram os focolares que, na unidade do “onde dois ou mais...”, oferecem Jesus entre os fiéis para fazer de todos os fiéis outros Jesus, membros vivos e “sadios” do Corpo Místico.
Criar continuamente células vivas do Corpo Místico de Cristo
6 de novembro de 1949
O nosso Ideal não só resolve os problemas humanos, mas traz uma nova teologia, ou melhor, dá mais desenvolvimento, aperfeiçoa, completa a teologia e,
com ela, a ascética, a mística. A doutrina da Igreja é como uma árvore florida que se desenvolveu ao longo dos séculos. O nosso Ideal lhe dá uma nova floração, cobre a copa dessa árvore com um novo manto de flores, e parece – e assim é – que toda a árvore tenda para essa floração, esteja em função dela, por ela [...]. O ápice da vida espiritual, até agora, era a união mística da alma com a Trindade em si por meio de Jesus. Incorporados Nele, por Ele, nós éramos um com a Trindade. E a perfeição consistia nesse diálogo íntimo e perene da alma com Deus. E, para chegar a isso, o amor pelo silêncio, pelo recolhimento, pela solidão e, naturalmente, a fuga das criaturas para se retirar na cela interior. Era o máximo da perfeição do indivíduo, o qual – unido a Deus – deixava seu Espírito fluir na alma e se tornava outro Cristo. [...] As almas de outros tempos procuraram Deus em si. Elas estão como em um grande jardim florido e olham e iram apenas uma flor. Olham para ela com amor, nos detalhes e no todo, mas não observam as outras. Deus nos pede que olhemos para todas as flores, porque Ele está em todas, e, somente observando todas, amamos mais a Ele do que a cada flor. Deus que está em mim, que plasmou a minha alma, que repousa ali em Trindade (com os santos e com os anjos), também está no coração dos irmãos. Não é razoável que eu O ame somente em mim. Se o fizesse, meu amor ainda teria algo pessoal, egoísta: eu amaria a Deus em mim e não a Deus em Deus, enquanto que esta é a perfeição: Deus em Deus (que é Unidade e Trindade). Portanto, a minha cela, como diriam as almas íntimas a Deus, e nós [diríamos] o meu Céu, está em mim e, assim como em mim, está na alma dos irmãos. E como eu O amo em mim, recolhendo-me Nele – quando estou sozinha –, eu O amo no irmão quando este está perto de mim.
Então, não amarei o silêncio, mas a palavra (expressa ou tácita), isto é, a comunicação de Deus em mim com Deus no irmão. E se os dois Céus se encontram, ali há uma única Trindade, na qual os dois são como Pai e Filho, e entre eles está o Espírito Santo. É sempre necessário recolher-se, mesmo na presença do irmão, mas sem fugir da criatura, aliás, recolhendo-a no próprio Céu e recolhendo a si mesmo no Céu dela. E já que essa Trindade está em corpos humanos, ali está Jesus: o Homem-Deus. Entre os dois há unidade, onde somos um, mas não sozinhos. E aqui está o milagre da Trindade e a beleza de Deus, que não está sozinho porque é Amor. [...] Assim, desaparecem a escuridão e a infelicidade com a aridez e todas as coisas amargas, permanecendo apenas a alegria plena prometida a quem tiver vivido a Unidade. O ciclo está completo e fechado. Nós devemos criar continuamente essas células vivas do Corpo Místico de Cristo – que são os irmãos unidos em seu nome – para dar vida a todo o Corpo. (14)
Trazer de volta à Igreja o amor que é Deus vivido
8 de novembro de 1950
O Senhor me chamou para fundar uma Obra que é o odre novo no qual recolher o vinho novo⁴³, ou seja, o novo Espírito que Ele suscitou sobre a terra. Do odre, ele deve ser derramado sobre o mundo inteiro.
Deus sempre faz coisas perfeitas. Por isso, assim como preparou a humanidade de Cristo no seio puríssimo da Virgem Maria em perfeita harmonia com o Verbo que a devia iluminar, prepara também uma família religiosa, como a nossa, em harmonia com a Ideia que ela traz. É uma coisa só com a Ideia. É a Ideia que se faz vida. Nós trazemos à Igreja [...] o amor que é Deus vivido e, portanto, somos na nossa pequena Obra como uma pequena Igreja⁴⁴. É por isso que há sacerdotes e leigos. Somos um só Jesus [...], somos uma unidade, uma simplicidade, de forma que a nossa vida é muito simples. Ela se reduz a Espírito Santo. Como Jesus, que agia sob a inspiração do Espírito Santo. E quando prevalece sobre todas as inspirações a obediência à Igreja, não temos medo de falar assim, porque não temos medo do dom de Deus, mesmo se é delicadíssimo.
2.5. É do Abandono que a Igreja nasce e renasce
Particularmente importante, entre as compreensões de Chiara durante o “Paraíso de 1949”, é a tomada de consciência do nexo entre o abandono do Pai experimentado por Jesus na cruz e a Igreja. Precisamente no momento em que não sente mais o vínculo com o Pai, Ele o transmite a nós e infunde o Espírito em nós. Naquele momento, a Igreja nasce como seu Corpo. E renasce sempre dali, também hoje, a Igreja como comunhão e unidade.
Cristo é a semente O Corpo Místico é a copa
6 de novembro de 1949
Cristo é a semente. O Corpo Místico é a copa. Cristo é o Pai da árvore: nunca foi tão Pai como no abandono, no qual nos gerou como seus filhos; no abandono no qual Ele se anula permanecendo: Deus. O Pai é raiz para o Filho. O Filho é semente para os irmãos (15).
Jesus Abandonado
é mãe da Igreja
24 de julho de 1949
Jesus, que é Amor, teria querido ser também feminino, para poder ser Ele mesmo: amor materno. De fato, Ele (além de em sua Mãe) é mãe na Igreja (sempre entendendo a Igreja como várias almas unidas em nome de Jesus e, portanto, outros Jesus). Mas podemos ser Igreja ando pelo mistério do nada de nós, isto é, de Jesus Abandonado. (Nós nos tornamos “Igreja” quando sobre o nada de nós – Jesus Abandonado – os dois Jesus Eucaristia pactuam unidade). Portanto, Jesus Abandonado gerou a Igreja.
As dores do parto divino
25 de julho de 1949
Jesus Abandonado é amor materno. O seu grito representa as dores de um Parto Divino dos homens a filhos de Deus⁴⁵. Naquele momento, a Igreja começa, pois naquele momento saíram Dele os filhos de Deus. De fato, naquele momento Ele doou o Espírito Santo, que depois descerá – após a sua Ascensão – sobre os Apóstolos reunidos com a Mãe Celeste.
28 As notas dos textos deste capítulo são da própria autora. Considerar que elas datam de tempos posteriores.
29 Cf. LUBICH. L’unità. In FALMI & GILLET (Orgs.). Roma: Città Nuova, 2015, p. 54-57; AA.VV. Il Patto del ’49 nell’esperienza di Chiara Lubich. Percorsi interdisciplinari. Roma: Città Nuova, 2012, p. 16-25.
30 Cf. Rm 8,15-17; Gal 4,6.
31 Cf. Gal 2,20.
32 Cf. 1oJo 4,18.
33 Cf. Jo 2,4.
34 Isto é, daqueles católicos que não conhecem o Carisma da Unidade que o Espírito Santo nos deu.
35 Mt 5,3.
36 Mt 18,3.
37 Cf. Sal 45,3.
38 Significa variedade, multiplicidade em unidade: as várias ordens unidas no Corpo Místico, a Igreja.
39 É uma maneira de dizer usada em todos esses escritos e encontrada em outros fundadores. É lógico que há apenas um Corpo Místico. Todavia, já que o fundador é o pai de seus filhos (de certa forma ele os gerou como Jesus gerou a Igreja em seu abandono) e transmitiu a eles seu carisma (assemelhando-se um pouco a Jesus que deu o próprio Espírito Santo para a Igreja), estamos diante de um pequeno corpo com uma cabeça, corpo que faz parte do Corpo Místico de Cristo, mas com a coloração do carisma particular que Deus deu através do fundador.
40 Cf. Jo 13,34.
41 Cf. Jo 17,21.23.
42 Cf. Mt 18,20.
43 Cf. Mt 9,17.
44 Cf. o discurso de João Paulo II ao Movimento dos Focolares (Rocca di Papa, 19 de agosto de 1984). In Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VII/2. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1984, p. 223-225.
45 Entendemos por que o de Jesus Abandonado foi um grito. Como uma mãe grita ao dar à luz um filho, assim Ele grita enquanto gera os homens como filhos de Deus.
3. No Povo de Deus
Os anos 1950, para Chiara Lubich e o Movimento dos Focolares, foram anos de luzes e sombras, de abismos e cimos, de podas e frutos. São anos caracterizados pela rápida expansão e por novos desenvolvimentos, mas também pela busca de uma colocação jurídica na Igreja e pelo estudo prolongado ao qual a Santa Sé de Roma submete a fundadora, seu carisma e a Obra nascente. A atitude de Chiara é a de se colocar radicalmente a serviço da Igreja e de saber que é – ela e o Movimento – “filha” da Igreja-Mãe, mesmo quando esta parece prová-la de maneira dura. Assim, essa década cheia de desafios se caracteriza pelo impulso missionário e por uma extraordinária fecundidade apostólica. Expressão disso são, em particular, os encontros de verão nas Dolomitas, as Mariápolis, às quais chegam cada vez mais participantes de todas as extrações, compondo o esboço de uma porção viva do Povo de Deus.
3.1. Edificar a Igreja como família de irmãos
O texto que publicamos aqui reflete a experiência daqueles anos: uma grande irradiação da vida do Evangelho e da caridade recíproca nas várias expressões da vida eclesial e social: desde os ambientes da vida quotidiana ao mundo do trabalho e da família, nas diversas formas de comunidade, das paróquias às ordens religiosas. Inicialmente, na Itália, depois, em várias partes da Europa e, em seguida, para além do oceano. Iluminada pela experiência do “Paraíso de 1949”, prossegue a vida que havia florescido como uma “revolução evangélica” durante a década de 1940. No coração de tudo, estão os focolares femininos e masculinos, então chamados de Ordem de Maria. E, ao redor deles, há muitas outras pessoas que vivem e testemunham esse espírito: a Obra de Maria, que tomará forma cada vez mais. Intitulado Como a Ordem de Maria se relaciona com as almas que não pertencem a ela, este escrito faz parte de um texto mais amplo conhecido como “Regra de 1951”.
A Ordem de Maria não vive para si, mas pela Igreja
1950-1951
A Ordem de Maria não vive para si.
À semelhança de Maria Santíssima, que viveu apenas para o seu Jesus, a Ordem de Maria vive pelo Corpo Místico de Cristo, a Igreja, e, amando-a, encontra a sua santidade. A lei que a Ordem de Maria deve viver é a lei evangélica: morrer para viver. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos”. “Mas aquele que perder sua vida [...], a encontrará”. “Dai, e vos será dado”. Portanto, a Ordem de Maria encontra seu desenvolvimento buscando o desenvolvimento da Igreja. Está a serviço de Jesus nos membros do Corpo Místico de Cristo. Não procura nada para si mesmo, mas tudo para os outros. Por exemplo, não busca vocações, pois Deus pensará em enviá-las se a Ordem de Maria viver por Ele, na sua Igreja. Portanto, em todos os aspectos, deve estar esquecida de si mesma como Maria e encontra esse esquecimento se preocupando apenas com os outros. Os focolarinos vivem o Ideal da Unidade como “hóstias vivas”, para doá-lo a quem não o tem. Onde houver desunião, frio, mundo, cruz, solidão, doença, guerra, lutas etc. eles levam unidade, calor, céu, companhia, saúde, paz, concórdia. Por isso, todos os campos da Igreja estão abertos à ação da Ordem de Maria: as famílias, os escritórios, os governos, as escolas, toda sociedade humana e religiosa, os conventos de todas as espiritualidades, as associações etc. Em toda parte, como “outra Maria”, os focolarinos desejam servir Jesus e, como outras “Maria”, desejam levar Jesus a todos; devem levar Jesus, pois esta é a tarefa deles. Contribuem para reavivar o Corpo Místico. Desejam que todos se sintam como irmãos, que ninguém se sinta abandonado. Gostariam de ajudar a transformar
seus ambientes religiosos e humanos em muitos Paraísos, onde a caridade reine e, portanto, Deus esteja entre todos. Desejam que a vontade de Deus seja feita na terra como no céu. Assim, ao redor dos focolares, existe um grande número de almas que querem viver o mesmo Ideal dos focolarinos, mas que nunca serão da Ordem de Maria, porque suas diversas vocações não permitem. Entre os focolarinos e essas almas – em virtude do próprio Ideal – se estabelece um relacionamento de fraternidade; Jesus que vive entre os focolarinos unidos no Nome Dele pode viver e vive também entre estes e aqueles que estão fora da Ordem de Maria e se consumam todos em um; consumam-se todos em Deus, no Amor. Ora, em Deus, todos têm e encontram um lugar, e ninguém perde a própria espiritualidade, mas a reforça, porque por trás de cada uma está Jesus, para o Qual converge; assim, o franciscano, o carmelita, o trapista, o jesuíta, o barnabita, o servo de Maria, o estigmatino, antes de tudo são cristãos, ou seja, seguidores de Jesus, que disse: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. “Omnes vos fratres estis”. As mães, as avós, as virgens, as associadas, as esposas, os grandes, os pequenos, os deputados, os agricultores, os sacerdotes etc., em Jesus e por Jesus, sentem que são todos irmãos. Os focolarinos querem fazer sentir ao maior número possível de almas essa fraternidade, e a cultivam cuidando fraternalmente, em Jesus, de todos os próximos de qualquer vocação, sexo, idade, espiritualidade. Querem servir a todos, como Maria servia Jesus, para que todos sejam um. Portanto, não querem trazer nenhuma inovação, a não ser a do amor, no qual acreditam firmemente e que sabem que é capaz de mudar a face da terra. Nem querem trazer nenhuma organização nova além da própria Ordem de Maria, porque na Igreja tudo já está organizado; mas desejam contribuir para a vida de todas as organizações, reavivando nos membros a caridade de Cristo, de modo que tudo aquilo que já está sendo feito na Igreja seja feito na caridade mais firmemente, mais profundamente, de modo mais continuado, a fim de que adquira um novo valor. [...]
Vivem na Igreja entre os irmãos, veem a Igreja como uma família, onde, apesar de cada um ter de ficar no próprio lugar, na própria vocação, todos devem se sentir como irmãos, graças ao amor em Cristo Jesus. Portanto, tudo deve ser organizado pelo amor, pois nada é mais organizado do que aquilo que o amor organiza, aquele amor que leva à unidade, ou seja, à sociedade mais perfeita. [...] Não querem perturbar nenhuma obra, mas querem ajudar a todas elas. Amam todos os caminhos e os iram porque em todos eles encontram uma beleza particular de Jesus, que é o Caminho no qual gostariam que todos caminhassem unidos, para romper as divisões, os diafragmas, os bairrismos e tudo aquilo que não é católico, isto é, universal. Em resumo, querem servir a Igreja para servir Jesus, sabendo que o amor é serviço. O nosso Ideal e a nossa Regra não querem trazer nenhuma inovação além do amor colocado como base de todas as coisas, com o qual – como se diz do Espírito Santo – irá se renovar a face da terra. (16)
3.2. Sob o olhar da Igreja Mãe
Como já mencionado, a década de 1950 foi repleta de suspensão, até a aprovação do Movimento dos Focolares em 1962, seja pela presença de um carisma impetuoso e inovador que nem todos viam com bons olhos, seja devido a acusações levantadas. Tem início um período longo e doloroso, em que o Movimento fica sob estudo. Chiara comenta: “E a noite chegou. Terrível como só quem a experimenta sabe”⁴ . Por várias vezes, parece que o Movimento pode ser dissolvido ou que Chiara possa ser afastada dele. Em um desses momentos, ela escreve aos focolarinos e às focolarinas: “Com esta cartinha, gostaria de dar-lhes uma saudação – externamente é a última saudação como mãe de vocês – e dizer-lhes, como Jesus aos seus: ‘Oh, meus filhinhos, amai-vos uns aos outros como eu vos amei’ e permaneçam obedientes à Igreja até a morte e morte de cruz. Só assim, na unidade entre nós e com a Igreja, o Ideal invadirá a terra e será uma invasão de amor”⁴⁷. Desde 1952, houve contatos com o substituto da Secretaria de Estado, dom Montini. Chiara refere em uma carta ao arcebispo de Trento: “Senti nele [dom Montini] o amor da Igreja por nós”. Em uma carta anterior, ela havia relatado estas palavras do futuro papa: “Para vocês, o S.O. [Santo Ofício] é agora uma garantia e proteção. O S.O. é Igreja, Igreja Mãe”⁴⁸.
Para ser formados como Igreja
Do volume O Grito
Ano 2000
Mas agora, depois de tantos anos, é muitíssimo claro para nós que, se também nós, como todos aqueles que se empenham em uma vida de fé radical, devíamos ar por provações — e sentíamos até necessidade delas —, elas não deveriam ser diferentes das que sentira o nosso líder: Jesus Abandonado. Ele experimentara o abandono por parte Daquele que chamava de Pai, Abbá, que Ele tanto amava. Essas provações deviam vir para nós, de algum modo, por meio de quem nos representava o Pai na terra ou a Mãe, a Igreja, que tanto amávamos e na qual e pela qual queríamos despender a vida. Mas, como Jesus subiu ao Pai, à direita do Pai, depois daquela provação que, naquele grito, como que fez dele um outro Pai, assim também nós, finda a provação, sentimo-nos constituídos “Igreja”. E éramos Igreja. Igreja somos. [...] Naqueles tempos, porém, era necessário apenas morrer, embora essa dolorosa preocupação, tão fecunda nos planos de Deus, fosse sinal evidente para algumas pessoas de que a Obra era de Deus. Dissera o então monsenhor Giovanni Battista Montini, da Secretaria de Estado [do Vaticano], que estar sob a averiguação da Santa Igreja era para nós uma proteção e uma garantia. Portanto, um fato positivo, um bem. (17)
Aconteça o que acontecer...
De uma carta ao arcebispo de Trento
Roma, 5 de janeiro de 1951
Alteza Reverendíssima, É verdade: a cruz foi e é pesada, e nestes dias compreendi Jesus “caído” sob o peso da cruz. Porém, Alteza, estou feliz, feliz. Recebi de Jesus a graça de estar pronta para qualquer decisão que a Igreja tomar. [...] Estou feliz, Alteza, por poder doar a Deus tudo aquilo que Ele fez através de mim no campo sobrenatural. E garanto-lhe que, aconteça o que acontecer, o senhor pode estar certo de que serei sempre fiel ao meu Jesus Abandonado e obediente à Igreja. Cheguei a este ponto porque, de minha parte, nunca quis romper a unidade com a Igreja, ou melhor, com aqueles que a representavam para mim. Se eu não tivesse feito assim, talvez a Obra não existisse. Mas Deus me deu resistência até ao inverossímil. [...] O senhor, Padre, foi verdadeiramente um Pai para mim e mostrou-me (o que eu acreditava apenas pela fé) que a Igreja é Mãe. (18)
Carícia da Mãe
Da relação entre Chiara e Pio XII, bem como do estudo por parte da Santa Sé, há muito a ser contado. No início de outubro de 1958, a aprovação do Movimento dos Focolares finalmente parece estar próxima, mas Pio XII morre, e Chiara intui que se seguirão mais alguns anos difíceis. Ela fala disso nessa nota, escrita na noite anterior à morte do papa Pacelli. Quatro dias depois, escreve aos focolarinos: “Não nos importa saber o que será de nós; sabemos que estamos na Igreja. Sempre acreditamos que ela é ‘mãe’ e como mãe a conhecemos, exatamente assim”⁴ .
8 de outubro de 1958
O papa está morrendo. Ou melhor: o papa vai desta vida para a Vida. Este foi o nosso papa. Nós sabemos o quanto ele nos amou! E talvez apenas agora percebemos o quanto nós também amamos o papa. Sábado ado, ele nos enviou uma bênção especial e sentimos penetrar na alma algo incomum. Não sei: parecia que tudo no mundo adquiria valor, não apenas as coisas grandes, mas até mesmo as pequenas. Esse sorriso da Igreja tão explícito tinha o sabor do beijo de uma mãe em sua criatura. Agora ele vai, e durante todo o dia o nosso coração está partido. [...] Mas ele não morre, oh não! Ele, de lá, vai nos ver, proteger, ajudar! É claro que essa agonia que vivemos juntos nos deu a impressão de que, com a morte dele, também a nossa Obra perde um enorme apoio. Aliás, gostaria de dizer que nos pareceu isso por um momento... Oh! Não. É Deus o Autor e Ele permanece. Até a Igreja permanecerá nestes próximos dias nos quais o papa poderia não permanecer. O primeiro chefe da Igreja é Jesus [...] Jesus, recebe esta alma que está vindo a Ti. Vê como é rica de dotes, de graças, de méritos. E, de lá, lembrem-se de nós que ficamos aqui, órfãos ainda, depois de ter sentido como é doce a carícia da Mãe, a carícia da Igreja! Oh! O desejo nos levaria para lá nestes momentos em que anoitece, mas não é a hora! Ajuda-nos a sofrer, ajuda-nos a ar esta vida que nessas horas parece tão dura, tão escura, tão desprovida de estrelas! (19)
3.3. A Mariápolis: experiência de Igreja
A partir do verão de 1949, das férias de Chiara com suas primeiras companheiras e primeiros companheiros, nas Dolomitas, floresce exuberante, no prazo de poucos anos, a Mariápolis (Cidade de Maria), na qual pessoas das mais diversas origens se encontram para viver um laboratório de fraternidade, à luz dos valores universais do Evangelho. Tendo começado com poucas pessoas, essa convivência de verão reúne doze mil “cidadãos” temporários em 1959. Mais tarde, multiplica-se no mundo, mas também encontra uma expressão estável nas Mariápolis permanentes (pequenas cidadezinhas de testemunho)⁵ . Experimentada por muitos como um “Tabor” que faz resplandecer a presença de Deus entre os homens, a Mariápolis apresenta-se como cidade-Igreja, onde caem “os muros levantados entre homem e homem, entre povo e povo, abatendo também os muros levantados entre humanidade e divindade, bem como entre leigos e sacerdotes, entre sociedade e Igreja”⁵¹. Talvez não seja por acaso que essa experiência tão frutífera e inovadora nasça precisamente em tempos particularmente difíceis, que exigem uma escolha sempre nova de Jesus Abandonado e do amor recíproco.
Organismo vivo, “cidadezinha mística”
De um relato sobre as primeiras Mariápolis
Em 1951, aquela convivência recebeu o nome de “cidade”.
Havia uma única lei nesse organismo vivo: a caridade. E unicamente a caridade era também o bilhete de o. Não era permitido vir para assistir, mas para compor, com os outros, esta cidade mística, plena de alegria, na qual, como em uma competição, todos estavam a serviço uns dos outros e também enfrentavam imenso desconforto para serem seus hóspedes. Nos anos 1952 e 1953, apareceram e participaram em grande número sacerdotes e também religiosos das mais variadas ordens, cujas espiritualidades diversas se harmonizavam e resplandeciam ainda mais na fraternidade comum. [...] Em 1955, a cidade recebeu o nome de Mariápolis. Em 1956, vieram representantes dos cinco continentes, por isso sentimos a necessidade de nos manter conectados mesmo depois da partida, a fim de nos ajudarmos a continuar essa vida em todos os lugares. A revista Città Nuova nasceu com essa finalidade, como expressão da caridade recíproca: uma revista que, também pela caridade, logo teve edições nas principais línguas do mundo. Em 1957, a Mariápolis hospedou não só algumas personalidades eclesiásticas, mas também muitos bispos, que se sentiram num clima de Igreja viva. Em 1958, inspirando-se em uma exposição mundial⁵² dos melhores produtos científicos e tecnológicos, a aspiração era fazer da Mariápolis uma pequena “Expo de Deus”, no desejo de sublinhar os valores do espírito. E chegou 1959, em que a Mariápolis foi como uma flor em plena floração: um esboço daquela cidade de Maria que a Obra deveria ajudar a construir no mundo. Havia pessoas de vinte e sete países, que falavam nove línguas diferentes. Todos unidos, consagraram a Deus a própria terra, para fazer de todos o povo de Deus. [...] Muitas vezes nos perguntamos por que esse fato teve tanta repercussão. [...] Então, dissemos: como não era tanto Maria que brilhava, mas Deus que estava presente em seu coração, assim o “bom perfume” de Cristo, que também a Mariápolis estava espalhando pelo mundo, não se devia atribuir tanto à
convivência de pessoas das mais variadas raças, idades e condições sociais, mas a Deus que vivia no meio dessa fraternidade cristã, pela caridade recíproca e constante. Graças à Mariápolis, muitos acreditaram, incontáveis corações voltaram a palpitar, só o Céu enumerou as almas renascidas em sua misericórdia, porque Deus foi testemunhado por irmãos vindos de todos os países, que emprestaram seus corações a Ele, a fim de que entre eles brilhasse o Reino dos Céus. [...] Se pessoas chegavam à Mariápolis vindas de todos os caminhos – casadas, virgens, homens e mulheres de todas as categorias, leigos e sacerdotes, ricos e pobres... –, partiam da Mariápolis por todos os caminhos, pois ela despertava nos corações as mais belas e as mais variadas vocações. A Mariápolis parecia a cidade colocada sobre o monte, que muitos puderam ver. Aprenderam e disseram: “O mundo deveria ser assim”. Dali, dessa flor esplêndida da Igreja – que nasceu sobre, para e no Mandamento Novo de Jesus –, parecia que podíamos repetir o que Agostinho disse da Igreja: “Aquilo que Babel dispersou a Igreja reúne; de uma língua, surgiram muitas; não te ires: foi o que fez a soberba. Muitas línguas tornam-se uma; não te ires: é o que faz o amor”⁵³. (20)
Povo de Deus
Se a Mariápolis de 1958 foi vivida como uma “Expo de Deus”, a de 1959 se caracterizou pela experiência da unidade dos povos. Assim, abriram-se horizontes proféticos que, muito além das Mariápolis, podem iluminar a missão do povo de Deus na humanidade de hoje.
Esta é a época do Corpo Místico – disse o papa Pio XII. Então, se esta época for vivida, os reflexos sobre a sociedade logo serão evidentes. E um deles deve ser uma estima recíproca entre os Estados, entre os povos. Isso é algo inusitado. De fato, estamos acostumados a ver fronteiras fortes entre um povo e outro; a temer o poder do outro; no máximo, formamos aliança para a própria vantagem. Mas dificilmente se pensa em agir – uma vez que até aqui em cima a moral popular nunca tenha chegado – unicamente por amor de um outro povo. Porém, quando a vida do Corpo Místico for tão desenvolvida entre os indivíduos que eles amarão efetivamente os seus próximos, brancos ou negros, vermelhos ou amarelos, como a si mesmos, será fácil transplantar essa lei entre Estado e Estado. E ocorrerá um fenômeno novo, uma vez que o amor ou encontra ou faz semelhantes, e os povos aprenderão o que há de melhor no outro, e as virtudes irão circular para o enriquecimento de todos. Então, realmente haverá unidade e variedade, e florescerá no mundo um povo que, embora sendo filho da terra, será imbuído das leis celestes, poderá ser chamado de “povo de Deus”. (21)
46 LUBICH, C. O grito. São Paulo: Cidade Nova, 2000, p. 61.
47 Carta circular de 14 de fevereiro de 1952. In ABIGNENTE, 2017, p. 197.
48 Carta de 19 de fevereiro e de 29 de janeiro 1953. In ABIGNENTE, op. cit., p. 202.
49 O Grito, cit., p. 81.
50 Cf. p. 86-88 deste volume. No capítulo 4.
51 GIORDANI, I. Storia del nascente Movimento dei Focolari. In LUBICH, C. & Giordani, I. Erano i tempi di guerra…. Agli albori dell’ideale dell’unità. Roma: Città Nuova, 2007, p. 37-40.
52 Trata-se da Feira Mundial de Bruxelas.
53 Cf. Sermo 271: PL 38-39, 1245.
4. Paixão pela Igreja
Com a aprovação do Movimento por parte da Santa Sé, em 1962-1963, abre-se uma etapa nova e apaixonante para o Movimento dos Focolares. De 1962 a 1965, acontece o Concílio Vaticano II, durante o qual Chiara Lubich entra em contato com vários de seus protagonistas. Um bom número deles visita o Centro do Movimento em Roma, na Piazza Tor Sanguigna, e em Grottaferrata, na Villa Maria Assunta. Outros visitam a primeira Mariápolis permanente do Movimento dos Focolares, que está nascendo em Loppiano, nas colinas do Valdarno (Florença), e constatam: “Mas este é o Concílio atuado!” Tem início um caminho não só na Igreja e com a Igreja, mas um compromisso cada vez mais consistente de impregnar as várias expressões da vida eclesial com o espírito de unidade. “A nossa única paixão deve ser a Igreja – Chiara escreve em 1961 a um religioso –, a mais bela Igreja, a Igreja renovada, não por reformas que não somos capazes de fazer, mas pelo amor e pela adesão à vontade de Deus”.
4.1. Nas pegadas do Concílio
Chiara acompanhou os vários momentos do Concílio com viva participação. Aprofundando seus ensinamentos, ela não pôde deixar de perceber a ênfase posta na unidade e na caridade enquanto caminho para realizá-la. Constatação que se transforma em chamado: contribuir com a sua Obra para a atuação de tais perspectivas.
Um novo Pentecostes
Do diário
11 de novembro de 1965
Repito aqui, eu também, para reiterar aquilo que o santo padre disse quarta-feira ada: é preciso rezar pelo período pós-conciliar, para que os excelentíssimos bispos tenham a força para atuar aquilo que o Concílio decretou e encontrem nos seus sacerdotes e nos seus leigos o terreno para isso. Mas imaginamos o que poderia acontecer? Em todas as dioceses, uma abertura de amor para com os irmãos cristãos de outras Igrejas (ao menos – se em algumas não houver – com a oração fervorosa); em todas as dioceses, uma unidade mais sólida dos sacerdotes com os seus bispos, como reflexo da colegialidade episcopal; em todas as dioceses, o diálogo com o mundo, que, sentindo-se amado, aproxima-se da Igreja, enquanto todas as
religiões teceriam relações boas e frutíferas com a nossa; em todas as dioceses, um crescente fervor dos religiosos; em todas as dioceses, leigos assumindo suas responsabilidades, com a própria missão humano--divina, que o clero não tem e não pode ter, mesmo se deve controlar: uma “consecratio mundi” em ação em toda a Igreja Católica, portanto, e mais além; em todas as dioceses, uma chuva de graças sobre o povo de Deus através de uma liturgia mais compatível, mais condizente com as exigências da Igreja em oração, cujos membros estão unidos em nome de Cristo: seria suficiente uma missa assim para converter quem sabe quantos! E depois..., aquilo que eu não sei, mas que gostaria demais de conhecer: quero nutrir a minha alma e todas as almas do Movimento com esses santos decretos assim que forem divulgados. [...] É por isso que o “Conselho de Coordenação” está decidindo que tenha início imediatamente, para as várias categorias do Movimento, mediante nossos congressos em Rocca di Papa, um período formativo sobre os documentos conciliares [...] até serem sangue de nosso sangue, alma de nossa alma. Tudo isso, além de continuarmos a nos formar no nosso espírito e segundo a nossa Obra, porque assim será como se o Espírito Santo caísse no fogo. Então, também através do nosso Movimento, irá se realizar aquele Pentecostes que o papa implora em sua última alocução. E poderíamos ar da unidade para o fogo que Deus e o papa esperam de nós, a fim de incendiar um número infinito de almas, pois a isso temos que chegar: a um incêndio sobre a terra que nenhuma água no mundo (e há muitas!) poderá extinguir. Oh! Espírito Santo, faz com que nos tornemos, através do que tu já sugeriste no Concílio, Igreja viva: este é o nosso único anseio, tudo o mais serve para isso. (22)
4.2. Cidade-Igreja
Há mais de 20 pequenas “cidadezinhas” de testemunho, que surgiram em várias partes do mundo, como expressão do Evangelho vivido à luz do Carisma da Unidade. A primeira de todas é Loppiano, que nasce durante o Concílio e, em certo sentido, recolhe seu legado. Pouco a pouco, Chiara delineia os vários perfis dessas cidadezinhas, dentre os quais o perfil eclesial. “Foi chamada de Cidade-Igreja” – ela recorda –, “por desejar unicamente ser uma expressão da Igreja no que há de mais íntimo: a unidade, a união dos corações com Deus e entre si. Mas também por estar aberta, em diálogo com as outras Igrejas, as outras religiões, as culturas contemporâneas⁵⁴.
Uma porção viva da Igreja pós-conciliar
De uma entrevista para o folhetim “Um dia em Loppiano”
Loppiano surgiu no pleno decurso do Concílio Vaticano II. Não é uma coincidência sem significado...
Certamente. O Espírito Santo agiu de maneira arrebatadora no Concílio Vaticano II. Mas o Espírito Santo está presente também nos novos movimentos, que surgiram quase contemporaneamente a ele e foram aprovados pela Igreja, como o nosso. E se Ele está presente, é lógico que também coloque em destaque neles aquilo que sublinhou no Concílio. Entre muitas coisas, ele afirmou que todos os cristãos são chamados à santidade
e que toda a Igreja é missionária. Pois bem, se observarmos Loppiano, notaremos em todos os seus habitantes a busca sincera, alegre, tenaz da santidade, assim como se pode irar o zelo sempre ardente de levar Cristo ao mundo de hoje. O Vaticano II restaurou o papel dos leigos na Igreja. Em Loppiano, onde quase todos os componentes eclesiais estão presentes, é indubitável que a porção dos leigos seja predominante. Ali se vê que a causa de Cristo não é só dos sacerdotes, religiosos e religiosas, mas também dos leigos, das famílias, dos jovens... O Concílio enfatizou o testemunho que o leigo deve dar no mundo por meio de tudo o que ele faz: com o seu trabalho, por exemplo. E em Loppiano, o trabalho é muito considerado, e a perfeição profissional é buscada com grande comprometimento. O Concílio Vaticano II quer que os leigos se apliquem com diligência ao aprofundamento das verdades reveladas e implorem insistentemente ao Senhor o dom da sabedoria (LG, 35). Em Loppiano, há o estudo, a atualização, uma preparação para dialogar com o mundo e o esforço para possuir justamente aquela sabedoria que ilumina tudo. O Vaticano II afirma que “devem os leigos receber uma formação especial para estabelecerem o diálogo com os outros, quer crentes quer não crentes, e comunicarem a todos a mensagem de Cristo” (AA, 31). É para isso que todos os habitantes de Loppiano são qualificados. E poderíamos continuar. [...]
O que você acha que Loppiano pode ser ou se tornar para a Igreja e para o mundo?
Será cada vez mais uma parte viva da Igreja, da Igreja de hoje pós-conciliar, aberta ao mundo, em diálogo com as outras religiões e com as principais culturas contemporâneas, para a qual muitos homens poderão olhar para ver o “que todos sejam um” de Jesus em caminho. Cada vez mais vai se tornar uma cidade para a qual os homens de hoje, de todas as nações e raças, poderão olhar para sonhar e construir um mundo unido. (23)
4.3. Perfil do cristão de hoje
À luz do Concílio, a Espiritualidade da Unidade manifesta toda a sua atualidade. Capaz de unir a tenção à santidade com a dimensão comunitária, eclesial e social, ela gera um cristianismo aberto e comprometido.
Uma revolução a ser feita
Hoje, enquanto o mal penetra nas escolas, nas fábricas, nas ruas, em todo canto, não é mais issível que um cristão seja apenas “praticante”, garantindo a missa no domingo e a honestidade na própria família e no próprio trabalho. Os tempos atuais exigem, de cada um, ações apostólicas de salvaguarda, de reforço, de conquista. Diante daqueles que querem arrancar o mundo de Deus e Deus do mundo, devemos dar novamente o mundo a Deus e Deus ao mundo.
A revolução que o mundo inconscientemente espera de nós, a revolução que todo cristão deve realizar não é senão um ato de unificação interior. Infelizmente, a nossa vida, assim como é, mesmo sendo boa, é apenas uma sucessão de atos muitas vezes em um clima de tédio, uma vida sem muito compromisso, tranquila, com pouco calor e cor; existe a hora de trabalhar e a de tomar café, o momento de pegar o ônibus e o de ver televisão, o de sentar-se à mesa para as costumeiras refeições e o do encontro com os amigos. A missa do domingo não é esquecida, talvez nem as boas obras. Mas um cristianismo desse jeito já não atrai o homem de hoje, que segue com interesse os voos espaciais, que mergulha na ciência, que está presente, ao menos
com a imaginação, nas grandes assembleias internacionais, decidindo os destinos dos povos e do mundo. E interessa ainda menos ao homem do mundo, do carpe diem, da arte mais ou menos autêntica ou ao operário que vibra com pensamentos maiores do que ele e luta por justiça. É preciso, para muitos cristãos, uma nova conversão. É preciso reestruturar a vida sobre uma só coisa necessária e fazer advir daí o resto, todo o resto, como consequência fascinante. Essa única coisa necessária é o amor de Deus. Se o amarmos apaixonadamente, se Ele se fixar no coração de cada um e cada um o adorar e o servir, toda a vida do indivíduo e a vida da sociedade ficará impregnada de sua presença; então, arte e apostolado, estudo e descanso, família ou escola, ear ou ficar presos a um leito resultarão em poemas diversos de um único canto, expressões variadas de um só testemunho, aquele que devemos oferecer ao mundo, o único que nos deve interessar: o testemunho de Deus. E Ele, também por nosso intermédio, voltará a “ser moda” no mundo de hoje, que, aliás, não é tão “desconsagrado” assim, já que nele um Concílio atraiu a atenção e o interesse humano por toda parte. (24)
4.4. Mente e coração abertos para toda a Igreja
Na vida e nos escritos de Chiara, é constante o afinco em dilatar a caridade para horizontes cada vez mais amplos. Ser cristão significa santificar-se não só individualmente, em uma vida boa e perfeita, mas ter uma alma-Igreja, ser Igreja, sentir como próprias as alegrias, as tristezas e todas as várias expressões da Igreja.
Aquilo que mais amo
Do diário
9 de novembro de 1965
Se Deus me chamasse a Si em sua misericórdia, desejaria que no meu túmulo houvesse um símbolo: a cúpula de São Pedro. Para mim, diz tudo; fala daquilo que mais amo e quero amar: a Igreja. E não somente a Igreja com o papa João XXIII, ou Paulo VI, ou os pontífices que virão, mas a Igreja, a criatura de Jesus, aquela por cuja fundação Ele morreu; a sua Esposa, que existiu e que existirá para além do tempo. (25)
Santificar-se como Igreja
De um artigo publicado na revista Città Nuova
25 de setembro de 1970
Notamos, especialmente entre os leigos, que se tornar santo, como se concebia até agora, é pouco aceito, aliás é até considerado superado, às vezes. O estilo de santidade do cristão de hoje vai além do de uma perfeição que se busca individualmente, e se traduz com frequência do seguinte modo: queremos nos santificar juntos, desejamos uma santidade coletiva. […] O semblante da Igreja, aqui transparente de luz, acolá ofuscado por sombras, deve refletir-se em cada cristão, em cada grupo de cristãos. Isso significa que devemos sentir como nossas não apenas todas as alegrias da Igreja, suas esperanças, suas florações sempre novas, suas conquistas, mas sobretudo sentir como nossas todas as suas dores: a dor da comunhão não plena entre as Igrejas, a dor lancinante de situações sofridas, de contestações negativas, da ameaça de desarraigar tesouros seculares; a dor angustiante de tantos que renegam ou não aceitam a mensagem que Deus anuncia ao mundo para a sua salvação. Em todas essas agruras, sobretudo nas espirituais, a Igreja que sofre aparece como o Crucificado dos nossos tempos que grita: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Algum tempo atrás, estive no eremitério de Alverne, onde meditei sobre o dom excepcional dos estigmas que Deus concedeu a Francisco de Assis, como prova de sua imitação de Cristo e do seu ser cristão. Pensei que todos os verdadeiros cristãos deveriam ser estigmatizados, não no sentido extraordinário e exterior, mas espiritual. E tive a impressão de entender que os estigmas do cristão dos nossos dias são justamente as misteriosas, mas reais chagas da Igreja de hoje. Se a caridade de Cristo não se dilatou a ponto de sentirmos em nós a dor dessas
chagas, não estamos sendo como Deus quer que sejamos hoje. Em nossos dias, não é suficiente uma santidade apenas individual, tampouco uma santidade comunitária, mas fechada. É preciso sentir em nós os sentimentos de dor e também de alegria que Cristo sente hoje em sua Esposa. É necessário que nos santifiquemos como Igreja. (26)
Na ponta dos pés
De um artigo publicado na revista Città Nuova
25 de julho de 1970
Se ficamos felizes em anunciar o Reino de Deus entre muitos que vêm engrossar as fileiras de uma Obra da qual fazemos parte, mas não estamos igualmente felizes com outros esforços e conquistas que acontecem em qualquer lugar da Igreja, a nossa caridade não é perfeita. Devemos nos aproximar daquelas pessoas que as circunstâncias colocam ao nosso lado tentando intuir e descobrir nelas, e nos grupos dos quais fazem parte, a tarefa, a missão, o desígnio que Deus pensou para elas e amar esses nossos irmãos de modo que aquele programa se realize. Somente se agirmos assim, com um amor que pensa no bem e no incremento de outras obras católicas como a nossa, somos apóstolos dignos, filhos da Igreja, e a servimos verdadeiramente. Se, depois, nós mesmos fôssemos chamados a fazer parte de certas instituições que parecem antiquadas, antes de pensar em contestá-las ou mesmo de dispornos a uma atualização adequada, será bom e útil nos colocarmos diante de Deus e refletir sobre o respeito que é devido à Igreja e a tudo o que existe em seu seio. Não é cristão parar apenas para observar as lacunas ou reclamar de formas que parecem ter sido esvaziadas de significado.
Devemos recordar, em primeiro lugar, quanto sofrimento essas obras custaram aos fundadores; devemos pensar na fé, às vezes, provada ao máximo, no ardor e no sacrifício de seus primeiros companheiros; no amor que a Igreja teve para com essas obras ao longo do tempo, a fim de estudá-las, apoiá-las, aprová-las, encorajá-las; não podemos esquecer as glórias do ado, nem o bem, nem os frutos muitas vezes grandiosos que ainda trazem. É necessário entrar nessas obras “na ponta dos pés”, como se entrássemos na igreja, com veneração, sabendo que a nossa contribuição é a de amá-las – amando as pessoas, os objetivos, as atividades – para redescobrir a beleza e aquele algo sempre atual que elas conservam, para o consolo daqueles que fazem parte dela. Cada obra tem sua função e é, portanto, de certo modo, insubstituível. O calor do nosso amor pode ajudá-la a ouvir novamente o eco do amor de Deus que a fez nascer, e ela tomará coragem para se atualizar, crescer e se multiplicar. Como o sol não consegue deixar de aquecer, assim o amor não pode senão renovar, revigorar, rejuvenescer cada membro e grupo do Corpo Místico, a Igreja. (27)
Catarina de Siena, alma-Igreja
Catarina de Siena, proclamada doutora da Igreja por Paulo VI, em 1970, desempenhou não só um papel decisivo ao trazer o papa de volta de Avignon, na França, para Roma, mas também levou uma vida que ajuda a entender como viver com uma alma-Igreja em todas as dimensões da vida.
De um artigo publicado na revista Città Nuova
25 de outubro de 1970
Catarina é uma criatura em cujo coração a caridade flameja tão dilatada a ponto de ser semelhante à do Coração de Cristo, com um amor que se torna verdadeira, santa paixão pela Igreja. Ei-la em suas ações. Apesar de ter suscitado uma corrente religiosa, os “catarinatos”, que seguiam sua espiritualidade sintetizada em duas palavras: “fogo e sangue”, essa não é a obra principal dela, mas sim o trabalho incansável de trazer o papa de volta para Roma. É claro que aqui se trata de uma abertura total aos problemas da Igreja. Se analisarmos o seu apostolado, ficamos tocados pela mesma impressão. Catarina, em certo momento, a de um plano particular para um plano público. O motivo imediato é oferecido a ela pelo fato de que, entre seus discípulos, também existem personalidades, tanto do campo político quanto religioso. E ela vê todos eles não através da lente distorcida de interesses s, embora religiosos, mas em seu perfil completo. [...] Ela compartilha com todos os seus filhos as lutas, os anseios e tudo o que eles vivem. Se ela mantém uma correspondência intensa com homens e mulheres das mais humildes condições, bem como com personalidades eclesiásticas e civis, se ela se interessa pelas notícias de eventos públicos, é porque sua abertura tem a medida da Igreja e da humanidade. Se a vemos rezar, não podemos ter a mínima dúvida de que ela tem apenas um grande amor. Seus desejos e suas preces a Deus são pela Igreja [...]. Catarina não tem paz até que a Igreja encontre a unidade ao redor do papa. Vive e ama apaixonadamente a Igreja e, portanto, todos os seus movimentos são ditados por essa chama. O lado doutrinal não é secundário na virgem de Siena, uma vez que, por sua sabedoria, foi proclamada Doutora da Igreja. Catarina escreve livros que o próprio Jesus lhe dita. No entanto, é grata a Frei Raimondo pelo que ele faz por ela com sua doutrina. Ele lhe garante que permaneça na fidelidade do ensinamento da Igreja.
Catarina age como os verdadeiros reformadores. Submete suas iluminações ou revelações àqueles que podem expressar-lhe o pensamento da Igreja e se deixa guiar por aqueles para quem às vezes ela é, de outra maneira, guia. Catarina não se escandaliza e não se retira diante dos desvios desconcertantes da Igreja daquela época. [...] Como o fogo de Cristo arde em seu coração, ela sente forte um senso de Igreja como família. [...] A Igreja, além de ser sua família, é também sua casa, sua cidade. Sem dúvida, tudo aquilo que dilacera a rede de relações de paz, as quais deveriam fazer da Igreja a cidade-luz para o mundo, torna-se uma dilaceração interna para ela. [...] Alma-Igreja, Catarina nos ensina que a Igreja é ela mesma se é una na fé e no amor. Ainda hoje precisamos aprender de tal mestra, e nosso coração se acenderá com sua paixão ardente, e todos nós poderemos oferecer à nossa Mãe Igreja um serviço efetivo em qualquer lugar da terra em que estivermos e em qualquer lugar de responsabilidade, pequena ou grande, que ocuparmos. (28)
Paixão pela Igreja
De uma palestra à escola dos jovens que se preparam para a vida do focolare
Loppiano, 6 de dezembro de 1966
A “paixão pela Igreja” pode ser comparada a uma chama que envolve um metal de um certo feitio e o liquefaz; o metal, então, ao se solidificar, adquire uma nova forma. Assim deve ser com esta chama acesa por Deus em nossos corações. Ela deve dissolver aquilo que existe de duro, impuro e deformado nos indivíduos e no grupo, para então dar a todos e a cada um uma forma diferente. A forma antiga é o homem velho, o espírito pré-conciliar, a velha sociedade e a velha humanidade dentro e fora de nós. Ao elevado calor da caridade, conseguiremos fazer com que o nosso espírito se derreta e se solidifique de outra forma: o homem novo, a Igreja pós-conciliar, a sociedade nova, a humanidade nova. Forjada e purificada por essa chama, toda a Obra poderá contribuir para atuar a vasta reforma iniciada pelo Concílio e que renova a Igreja, como só o fogo do Espírito Santo pode fazer. (29)
4.5. A serviço do povo de Deus
A paixão pela Igreja e pelos objetivos da Igreja se concretiza em Chiara na segunda metade da década de 1960, em uma série de iniciativas e obras que tocam diversas áreas da vida humana, do mundo dos jovens às famílias, à própria sociedade. E se dirige, em especial, às diversas expressões da estrutura eclesial, após as palavras que Paulo VI dirigiu a um grupo de sacerdotes e religiosos aderentes do Movimento dos Focolares, em 13 de julho de 1966: “O Concílio foi celebrado no espírito de comunidade, quis dar um senso de maior união, fazer circular a caridade em um sentido mais vivo e também mais completo; pois bem, aplicai este espírito em relação aos quadros que a Igreja vos oferece: nas vossas dioceses e nas vossas famílias religiosas”. Assim, têm início um vasto Movimento Paroquial e sucessivamente também o Movimento Diocesano, o Movimento dos Religiosos e um análogo Movimento das Religiosas, o Movimento Sacerdotal e o Movimento Gens para os seminaristas, com a criação também de uma Escola Sacerdotal.
Amar a Igreja
Do diário
16 de outubro de 1965
“Amar a Igreja”. Esta é a palavra dominante no discurso de Paulo VI de quartafeira, na audiência pública.
“Amar a Igreja”... uma palavra que penetra profundamente em nossos corações. Por isso, Senhor, queremos oferecer-te nosso humilde trabalho dos poucos dias de nossa vida. Por este ideal, que significa amar o que Jesus amou, amar a Mãe. E é, e quer ser amor, e somente amor pela Igreja aquilo que nos impulsiona a contribuir para renovar sua fisionomia, renovando a nós mesmos todos os dias e ajudando-nos uns aos outros a nos renovar, bebendo nas fontes da beleza que a Igreja conserva e oferece. Deve ser este amor pela Igreja que nos faz experimentar novas obras para mostrar [...] o milagre de sua perene juventude. (30)
Aquela célula fundamental da Igreja, que é a paróquia
Após o convite dirigido por Paulo VI aos sacerdotes, na audiência de 13 de julho de 1966, o Movimento Paroquial começou a tomar forma, como expressão do Carisma da Unidade a serviço daquela célula fundamental da Igreja, que é a paróquia. “O fato é que, se conseguirmos fazer de uma paróquia uma comunidade viva, será como a lâmpada colocada em um candelabro e terá uma irradiação inimaginável”, diz Chiara⁵⁵. Em 1973, como mais uma expressão de serviço à Igreja local, nasce o Movimento Diocesano.
De uma mensagem aos animadores do Movimento Paroquial
Rocca di Papa, 18 de junho de 1977
Uma saudação muito especial a cada um de vocês, adultos e jovens, especialmente aos sacerdotes. São os votos de que vocês sejam, em suas paróquias, sal e luz para levedar toda a massa. Sim, sempre haverá ervas daninhas. Mas isso está previsto no Evangelho. O importante é que todo o bom trigo amadureça e seja um dia colhido por Jesus. Eu gostaria de ser uma de vocês, para colocar tempo e força e, acima de tudo, amor e dor a serviço dessa esplêndida célula da Igreja que é a paróquia! Mas existem vocês que, aqui, armazenam muito espírito eclesial de unidade, que cada um levará à própria paróquia. Desejo que nasça e se desencadeie a revolução cristã com todos os seus efeitos: a comunhão de bens ou do supérfluo, a conversão dos ateus ou dos maus, a unidade bem forte com o pároco, que nunca deve estar sozinho em levar adiante todos os seus deveres; na prática, desejo que o Reino de Deus triunfe na paróquia de vocês, como na do Cura d’Ars, que atraía tanta gente, a ponto de confessar ou talvez converter (isso é mais exato) oitenta mil pessoas. [...] Levem Jesus entre vocês por toda parte. Nutram-se Dele na Eucaristia. O divino abrirá brechas por todo lado. Tenhamos a certeza: “Eu – Ele disse – venci o mundo”. E o vence ainda hoje.
Se eu fosse pároco…
Várias vezes, ao longo dos anos, sacerdotes e seminaristas perguntaram a Chiara como ela agiria se fosse pároco. O seu conselho era sempre o de focar na vida do Evangelho e difundir a caridade entre todas as pessoas, de modo a renovar as várias dimensões da vida paroquial e, então, poder se lançar juntos
rumo à unidade de todos: o ut omnes unum sint. Apresentamos aqui, resumidamente, como Chiara respondeu à pergunta que lhe foi dirigida pelo então reitor do Seminário Maior de Roma, dom Pietro Maria Fragnelli: “Como Chiara Lubich veria um sacerdote diocesano?”.
De uma resposta durante o encontro com o Seminário Romano
22 de maio de 2001
Eu gostaria de ser pároco, porque me seria confiado um território circunscrito. Em uma paróquia, podem ser difundidas imediatamente as ideias e a espiritualidade de comunhão que o papa [João Paulo II] propõe na Novo millennio ineunte, através da pregação, da catequese, da escola. A paróquia poderia ser um exemplo de unidade para toda a Igreja. [...] Colocar como base de todos os deveres o amor. Os primeiros cristãos alcançaram o mundo inteiro com o amor, que era difundido pelos soldados, pelos mercadores, pelas mães... Hoje, o sacerdote frequentemente é levado ao ativismo – e se arruína, porque trabalha, trabalha e depois não tem a paz interior – e às vezes vem a tentação, por estar sozinho. Ao invés, se ele vive em comunhão, experimenta o clima de família sobrenatural. Lá está Jesus, está o Ressuscitado. (31)
Carismas que resplandecem com nova luz
No Movimento dos religiosos e no das consagradas, concretizam-se perspectivas que Chiara já havia intuído em 1949-1950, contemplando a Igreja em sua
dimensão carismática⁵ .
Em diálogo com os religiosos
1967
A unidade entre vocês não deveria ter nada de organizado. Deve ser organizada pelo amor e pela luz de Deus, a ponto de ser uma contemplação viva. Então, como primeira coisa essencial, o que os religiosos devem ter? A espiritualidade. [...] Deus transmitido de forma carismática. Mas com um carisma que ilumina as mentes, que aquece os corações, de tal forma que arrasta os outros para Deus, com a vida, com a fé, como perfeitos religiosos, unidos porque são Igreja. (32) 29 de setembro de 1974
O Carisma da Unidade move os filhos dos fundadores, provenientes dos carismas dos fundadores, e procura fazê-los se conhecerem entre si, uni-los entre si e, com isso, já que a caridade ilumina, cada um é iluminado sobre a própria vocação, aquela que sente dentro de si. Pois se aquele determinado religioso é filho de um santo, naturalmente tem uma graça de filiação dentro de si; tem o sangue de São Bento dentro de si, tem o sangue de São Francisco dentro de si. E a caridade faz circular novamente esse sangue; então, ele se torna cada vez mais beneditino, cada vez mais franciscano, cada vez mais dominicano... Então, poderíamos dizer que arão a se assemelhar entre si, porque têm em comum Jesus, que é a base de toda a vida cristã, antes mesmo da vida religiosa; mas também são belezas distintas, porque os carismas que Deus
derramou sobre a terra são muito diferentes uns dos outros.
Uma escola de teologia e de espiritualidade para os sacerdotes
No outono [europeu] de 1966, Chiara Lubich, com a ajuda do padre Pasquale Foresi⁵⁷ e do padre Silvano Cola⁵⁸, dá início, em Grottaferrata (Roma,) àquela que durante muitos anos será chamada de Escola Sacerdotal e que hoje leva o nome de Centro de Espiritualidade de Comunhão para Sacerdotes, Diáconos e Seminaristas Diocesanos, com sede em Figline e Incisa Valdarno (Florença), no contexto da Mariápolis permanente de Loppiano. Estamos a poucos meses da conclusão do Concílio. No discurso inaugural, do qual apenas podemos citar alguns trechos salientes, Chiara se pergunta se tal iniciativa, há muito desejada pelos sacerdotes que conheceram o Carisma da Unidade, é útil e oportuna. De forma muito sintética, ela delineia algumas características da escola recéminstituída. Nos anos seguintes, milhares de sacerdotes e seminaristas farão essa experiência, que trará grandes frutos em suas dioceses.
Do discurso de inauguração da Escola sacerdotal
Grottaferrata, 24 de outubro de 1966
Quando este Movimento nasceu, será que estava na mente de Deus que ele contivesse, implicitamente, o germe do qual devia nascer uma escola para sacerdotes, uma escola também teológica e não apenas espiritual, para sacerdotes que já conhecem a vida cristã como ela é, que já conhecem a teologia como ela é, [ou] aquilo que nós fazemos é um algo a mais?
Em resposta, Chiara cita uma série de expressões de bispos de vários países que enfatizam a sintonia entre os ensinamentos do Concílio e a Espiritualidade da Unidade e que solicitam um compromisso do Movimento dos Focolares também no campo da formação e do acompanhamento dos sacerdotes. Nesse contexto, com breves acenos, ela delineia algumas características da escola nascente, que deverá transmitir a espiritualidade da unidade juntamente com as perspectivas teológicas do Concílio.
O que acontecerá se esta escola nascer? [...] É inevitável que, se Jesus estiver presente entre alguns sacerdotes [...], fará emergir aqueles aspectos sacerdotais e eclesiásticos que são característicos do povo de Deus! [...] Enquanto o Concílio alimenta todas estas coisas e coloca fogo no fogo, deverá emergir um modo, por exemplo, de conceber a pastoral de forma nova, a liturgia de forma nova, o modo de conceber um seminário de forma nova, a atualização que os sacerdotes têm, o apostolado..., tudo de uma forma nova. [...] Estamos colocando aqui a primeira pedra de uma flor que desabrocha depois do Concílio, como fruto dele, [mas] que tem suas raízes antes mesmo do Concílio [...] e a Igreja, como é o desejo dos bispos, será impregnada por este espírito através das pessoas [...] que estudaram, aqui, não apenas a Igreja assim como derivou de um movimento particular e, portanto, da base, mas como ela despontou bela e nova do alto, do papa, dos bispos, do Concílio. Assim, também nós daremos nossa contribuição e ofereceremos ao mundo esses apóstolos novos, essas pessoas novas.
Uma nova geração sacerdotal
No pós-Concílio, a Igreja é abalada por grandes dificuldades. Se, por um lado, não é fácil atuar as novas aberturas do Vaticano II com equilíbrio e profundidade, por outro, na primavera europeia de 1968, a contestação estudantil irrompe e se espalha como um incêndio. Segue-se uma forte crise no
campo das vocações sacerdotais, a ponto de despovoar seminários inteiros. Nesse contexto, dentro do Movimento dos Focolares (Obra de Maria), nasce uma iniciativa específica para os seminaristas, que projeta a vida sacerdotal rumo a novos tempos: o Movimento Gens (Geração Nova Sacerdotal). Chiara faz esse anúncio durante um encontro em Loppiano. 27 de abril de 1968
Gostaria de lhes anunciar o nascimento de uma floração repentina, esplêndida, isto é, do Movimento Gens. [...] Agora, devo confidenciar a vocês que isso tem uma raiz muito profunda e distante, e refiro-me a muitos anos atrás, quando, ao ler em profundidade um livro sobre a vida de dom Bosco, senti o desejo de, um dia, poder oferecer à Igreja, como ele fez, em tempos de tanta escassez de sacerdotes, justamente dezenas, centenas de sacerdotes formados por sua espiritualidade, que talvez, mesmo tendo uma vocação, não teriam se tornado sacerdotes se não tivessem sido inflamados pela espiritualidade dele. Quando li isso, que foi um dos muitos serviços que Dom Bosco prestou à Igreja, nasceu em meu coração uma santa inveja desse santo, e desejei poder oferecer à Igreja uma multidão de sacerdotes; pessoas que talvez nunca teriam se tornado sacerdotes se não tivessem encontrado algo que as fizesse se tornarem tais. E são aqueles desejos que Deus coloca em nossos corações que, depois, são uma semente que produz frutos ao longo dos anos. [...] Então, o Senhor tinha que encontrar um atalho, uma estrada, para fazer com que esse desejo, provavelmente colocado por Ele mesmo no meu coração, fosse satisfeito. Assim, no dia da Páscoa, nasceu um movimento [o Movimento Gens]. Três ou quatro dias antes, conversando com o padre Silvano, confidenciei-lhe que sentia dentro de mim, já há alguns dias, um impulso – era o Senhor quem me impulsionava – a fazer com que a Obra de Maria cuidasse também dos jovens seminaristas [...]. E eu pensava, e dizia também a ele, que seria algo maravilhoso se o Senhor fizesse surgir um grande número de “gens”, os quais, com o espírito do Ideal da Unidade, não apenas salvassem a própria vocação e impedissem que muitos seminários em crise começassem com quarenta seminaristas e terminassem com quatro sacerdotes, mas que possivelmente começassem com
quarenta seminaristas e terminassem com oitenta sacerdotes, porque, durante o seminário, há uma irradiação de unidade tal que atrai outros jovens.
4.6. Pela unidade e pela fraternidade
Para o Movimento dos Focolares, a atenção às pessoas sem referencial religioso já era muito viva na década de 1950. E o diálogo ecumênico teve início na década de 1960, inicialmente com os evangélicos na Alemanha, depois com os anglicanos e, a seguir, com os ortodoxos. Os primeiros contatos com os muçulmanos foram estabelecidos em meados da década de 1960. Cada vez mais os grandes diálogos se destacam como o fim específico do Movimento, em profunda consonância com a visão da Igreja delineada por Paulo VI em sua encíclica Ecclesiam suam (6 de agosto de 1964) e expressa nos ensinamentos do Vaticano II (ver em particular Lumen gentium 13-16). Voltaremos a abordar esse tema mais adiante, neste volume, limitando-nos aqui a dois trechos de fundo ecumênico.
Paixão pela unidade da Igreja
Em 1967, Chiara vai a Constantinopla (Istambul), onde se encontra pela primeira vez com o patriarca ecumênico Atenágoras, com quem estabelece uma afinidade profunda.
De um discurso às jovens do Movimento Gen
Rocca di Papa, 2 de julho de 1967
É que gostaria de partilhar com vocês um problema que sinto ser muito profundo e que eu trouxe comigo, voltando de Constantinopla. Ele já é a paixão de minha alma. Trata-se da concretização do que nós chamamos a paixão pela Igreja. De fato, ali [...] senti a dor, não tanto da paixão de Jesus histórico, que veio há dois mil anos, mas de Jesus místico, da Sua Igreja, do Corpo Místico de Cristo, da cristandade toda dividida, toda aos pedaços… E nós cristãos devemos trabalhar com todo o coração para que essas divisões, essas feridas sejam anuladas, sanadas! Pois bem, gostaria de ar para vocês, para cada uma de vocês, por pequenas que sejam, estando perto ou longe, sendo italianas ou de outros países – somos todos cidadãos do mundo – essa paixão pela Igreja, para que se torne realidade. Porque, dos 150 milhões de ortodoxos, 50 milhões aproximadamente devem ser jovens, e a quem vamos confiá-los, senão a vocês? Vocês devem rezar por eles! Vocês devem trabalhar no mundo pela unidade com eles! A unidade da Igreja é uma questão de hoje, mas que se concluirá no futuro! Ora, vocês sabem que o amanhã está nas mãos de vocês, não nas mãos dos adultos! Quem vai concluir o processo? Quem verá a unidade da Igreja? Quem verá realizado o testamento de Jesus, “que todos sejam um”? O Movimento Gen verá! Por isso, deste encontro, vocês devem levar essa paixão e rezar por ela todos os dias. (33)
Acelerar o caminho rumo ao “que todos sejam um”
Os primeiros contatos ecumênicos do Movimento dos Focolares surgiram na Alemanha com grupos de cristãos evangélicos. Em 1968, o aprofundamento dessas relações levou à fundação do Centro Ecumênico de Vida, em Ottmaring, perto de Augsburgo. Com o tempo, desenvolveu-se uma verdadeira Mariápolis permanente, na qual cristãos evangélicos e católicos juntos testemunham a vida do Evangelho e do amor mútuo. Um caminho que teve repercussão desde os primeiros anos, também entre os anglicanos e os ortodoxos.
Do discurso de inauguração do Centro Ecumênico de Ottmaring
23 de junho de 1968
Com efeito, a unidade entre católicos e evangélicos, como era possível, foi um exemplo formidável para os anglicanos e, depois, para os ortodoxos. [...] Vimos que esse espírito, inexplicavelmente, tem alguns laços com todas essas Igrejas. Por exemplo: o que é que nos liga particularmente aos evangélicos? O amor apaixonado pelo Evangelho. E o que é que nos liga à Igreja da Inglaterra? O desejo de unidade. E o que nos liga à Igreja Ortodoxa? O amor. É uma Igreja mística: a caridade. [...] O que desejamos para este Centro de Ottmaring? Que Jesus em nosso meio, que conduziu nossos os, esteja sempre presente. Então, o que Ele fará? Certamente grandes coisas que nós não podemos imaginar. Vimos agora um pequeno Centro: é como um grão, uma semente de mostarda, mas é lógico que, se é algo divino, irá se tornar uma grande árvore, porque o seu destino é um destino evangélico, com as promessas evangélicas. Neste Centro, naturalmente nós tentaremos alimentar a presença de Deus entre nós, de Cristo entre nós. E como faremos isso? Vivendo o Evangelho. O cardeal Bea⁵ sempre diz que, quanto mais vivemos o Evangelho, mais o compreendemos; e quanto mais o compreendemos, mais aumenta o desejo de vivê-lo. Então, se nós, católicos e evangélicos, vivermos o Evangelho, o que acontecerá? Que nos tornaremos cada vez mais semelhantes uns aos outros, e já que todos amam o próprio semelhante, nós nos amaremos cada vez mais. O Evangelho, como vocês sabem, não será algo estático, mas algo dinâmico, e fará deste pequeno Centro uma cidade colocada sobre o monte. E temos certeza de que
muita gente, muitas pessoas virão ver: “Vede como se amam e estão prontos a morrer uns pelos outros”. [...] O que acontecerá, então, com esta Mariápolis, em que todos se amam com Cristo entre eles? Será o símbolo de como a cristandade deve ser hoje, atravessada por todos os lados por correntes do Espírito Santo. [...] Mas como a caridade é Deus entre nós, Deus não é apenas caridade, Deus é verdade. Assim, com o nosso pequeno Centro de Ottmaring, gostaríamos de oferecer àqueles que devem servir à causa ecumênica do ponto de vista intelectual, teológico, um ponto de encontro para estudiosos de várias denominações. Tenho certeza de que a caridade, que é luz, poderá ajudar muito o diálogo teológico. Esperamos também que o Centro de Ottmaring, sendo católico e também evangélico, evangélico e também católico, seja o ambiente mais adequado para que os nossos próprios superiores, os nossos bispos de ambos os lados, possam vir e ser acolhidos por nós, que oferecemos uma mãozinha a serviço deles. [...] É uma grande alegria para nós que esta paixão pela Igreja, que invade os nossos corações, seja realizada [aqui], oferecendo aos dirigentes e oferecendo às nossas hierarquias um lugar no qual possa ser acelerado o desejo de Jesus: “Que todos sejam um”.
54 Cf. Discurso de inauguração da Mariápolis Fiore, Trzcianka (Polônia), 24 de junho de 1996.
55 Chiara Lubich aos empenhados do Movimento Paroquial, Rocca di Papa, 16 de novembro de 1974.
56 Ver acima, na pg. …
57 Padre Pasquale Foresi (1929-2015) conhece Chiara no Natal de 1949, em Trento. É o primeiro focolarino a ser consagrado sacerdote (1954). Chiara sempre entreviu nele um papel particular no desenvolvimento do Movimento dos Focolares, o da encarnação do Carisma da Unidade, e, por essa razão, ela o considera como um dos cofundadores, com Igino Giordani.
58 Padre Silvano Cola (1928-2007) foi um dos primeiros sacerdotes diocesanos a tornar próprio o Ideal de Unidade, que ele havia conhecido em Turim, em 1954. Desempenhou um papel decisivo no nascimento do Movimento Sacerdotal no seio do Movimento dos Focolares e foi responsável por ele até 2007.
59 O cardeal Augustin Bea (1881-1968), pioneiro do ecumenismo e do diálogo judaico-cristão, foi o primeiro presidente do Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos, de 1960 a 1968.
5. Nova floração da árvore centenária
“Uma fonte de água viva jorra a partir do Evangelho”: assim o cônego anglicano Bernard Pawley (1911-1981) definiu a Espiritualidade da Unidade e o Movimento dos Focolares. Com a vivência intensa da Palavra de Deus, lida e colocada em prática sine glossa, em 1949-1950, inseriram-se intuições que abriram um novo olhar sobre a Revelação . No entanto, Chiara considerou o carisma que nasceu como nada mais do que uma floração da árvore centenária da Igreja. Na década de 1970, com essa convicção e servindo-se de estudos de especialistas, ela aprofunda alguns dos principais pontos da Espiritualidade da Unidade à luz da grande tradição eclesial, espiritual e teológica e, em particular, dos Padres da Igreja. A caridade e a presença de Cristo no meio do seu povo (cf. Mt 18,20) emergem como realidades fundamentais para a própria vida da Igreja, enquanto outros pontos da espiritualidade – como a vida da Palavra de Deus, a Eucaristia e a unidade com a hierarquia – levam a viver firmemente ancorados a esses pilares fundamentais sobre os quais a vida das comunidades cristãs se apoiava desde o início (cf. At 2,42) ¹. Vários desses temas já foram tratados em outros volumes desta coleção. Portanto, vamos nos limitar a algumas agens particularmente significativas.
5.1. A Igreja é caridade
Realidade originária da Igreja: ser caridade
Nestes dias, li um estudo sobre “A caridade no Concílio Vaticano II”. Observei com alegria que o Espírito Santo, no Concílio, a fim de restaurar a verdadeira face da Igreja, exige hoje que ela se remodele no espírito dos primeiros cristãos. Para o cristianismo primitivo, a realidade originária da Igreja é, de fato, ser comunhão, caridade. Todos os outros valores de sua estrutura são considerados e fazem sentido dentro dessa realidade essencial. Portanto, Cipriano, apesar de ter um elevado senso da dignidade episcopal, ao se dirigir ao clero, declara: “Desde o início do meu episcopado, eu me impus uma regra: não decidir nada sem o vosso conselho e o consentimento do povo” ². E além das palavras “conselho comum”, “consenso”, Cipriano usa outras palavras como “copresbíteros”, “coepíscopos”, “colegas”, termos que destacam a comunhão. O importante é “ser com”. [...] O fato é que a Igreja, com Cristo como cabeça, é o Corpo de Deus, e Deus é caridade. Tertulliano diz: “Onde estão os três, isto é, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, ali está a Igreja, que é o corpo dos três” ³. Se é assim, se a Igreja é caridade organizada, é válido para toda a Igreja aquilo que o Movimento anuncia por vocação: antes de tudo a caridade mútua e contínua. Toda a Igreja, hoje também, todos nós, cristãos, devemos ser, antes de tudo, caridade. (34)
Todas as relações eclesiais permeadas pela caridade
Há uma afirmação forte que Paulo VI fez em Sydney quando falou aos bispos da Oceania: “A Igreja é caridade, a Igreja é unidade”. Ele havia explicado anteriormente: “A primeira comunhão, a primeira unidade [na Igreja] é a da fé”. Depois, mais adiante, ele continua: “O segundo aspecto da comunhão católica é o da caridade. Vós conheceis quão soberana importância a caridade tem em todo o desígnio divino da religião católica e que referência particular a caridade tem no tecido conectivo da unidade eclesial. Nós devemos praticar uma caridade mais consciente e ativa em relação aos aspectos eclesiais, que o Concílio enfatizou: o Povo de Deus deve ser cada vez mais educado ao amor mútuo de cada um de seus membros; toda a comunidade da Igreja, mediante a caridade, deve sentir-se unida em si mesma, indivisível, solidária e, portanto, distinta; as relações hierárquicas, as relações pastorais, como se sabe, as relações colegiais, as relações das várias funções ministeriais, as sociais, as domésticas, todas devem ser percorridas por uma corrente de caridade sempre ativa, que tem como efeito imediato o serviço... e a unidade; a Igreja é caridade, a Igreja é unidade. Esta é, parece-nos, a principal virtude que é pedida à Igreja Católica nesta hora do mundo” ⁴. (35)
5.2. “Jesus no meio”: Igreja entre dois ou mais
Desde o início, Chiara estava consciente de que a Igreja não deveria ser vista como uma “instituição”, mas vivida sobretudo como uma relação de comunhão com Deus e com os outros, a ser atualizada todos os dias. Para a Escritura, o povo de Deus se caracteriza, de fato, pela experiência do “Deus próximo”, que reúne seu povo na unidade. Entre os escritos do Novo Testamento, o Evangelho de Mateus tem o seu modo característico de expressar isso. Na anunciação do anjo a Maria, Jesus é chamado de Emanuel: Deus conosco (cf. Mt 1,23). E o mesmo Evangelho termina com a promessa: “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,20). No coração da narração está a promessa de Jesus: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). Em contato com os Padres da Igreja, Chiara torna-se mais consciente da importância fundamental deste fato: a Igreja, na sua dimensão mais cotidiana e capilar, bem como na dimensão mais universal, se distingue pela presença de Deus no meio do seu povo, pela presença de Jesus entre os seus! Onde se vive o amor recíproco (cf. Jo 13,34-35; 15,12-13) isso se torna palpável, experimentável, e traz grandes frutos; é um testemunho que pode ser levado também lá onde as circunstâncias externas não são favoráveis à presença e à ação da Igreja.
Inserirmo-nos vitalmente na presença de Jesus na Igreja
Quando o Movimento nasceu, não se ouvia falar muito no mundo católico sobre Jesus entre os homens. A frase de Jesus: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles”, relatada por Mateus no capítulo 18, versículo 20 do seu Evangelho, não era particularmente enfatizada. [...] Para nós, desde o princípio, Jesus no meio era tudo, era a vida. Agora, depois que o Concílio falou tão explicitamente, tornou-se normal para muitos ⁵. Mas, para o meu e nosso conforto, eu quis ver se a Igreja primitiva dava a essa frase do Evangelho o peso que nós lhe damos, graças – eu creio – à presença de um carisma. Lendo os Padres, por exemplo, fiquei impressionada com a forma como eles pensavam; e em contato com eles, de quem sou filha, Jesus no meio adquiriu uma universalidade ainda maior do que a que eu senti em minha alma. Muitas vezes, para explicar a presença de Deus na Igreja – e isso é de extrema importância, uma vez que a Igreja sem Jesus não seria nada –, eles se baseiam em duas frases: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” e “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,20). Portanto, não é uma questão de uma prática qualquer à qual alguém, por hábito, possa ter reduzido a vida com Jesus no meio, quando entra em acordo com os outros daquela maneira, não; vivendo com Jesus no meio, nós nos inserimos mais vitalmente na presença de Jesus em sua Igreja. [...] Sempre apreciamos a frase de Tertuliano: “Onde três [estão reunidos], mesmo que sejam leigos, ali está a Igreja” . Sim, porque muitas vezes somos um pequeno grupo unido e enxertado juridicamente em toda a Igreja de Cristo. Portanto, mesmo se poucos, somos Igreja, Igreja viva, pela presença de Jesus entre nós. (36)
“Igrejas itinerantes”
De uma resposta aos habitantes da Mariápolis permanente de Loppiano
10 de novembro de 1975
Aquilo que me impressionou ao aprofundar a realidade desta sua presença, talvez mais do que qualquer outra coisa, foi isso: que para Ele são suficientes poucas coisas: dois ou três...; e que ali, onde Ele está, forma aquela Obra que Ele veio formar na Terra: a Igreja; por isso, suscitou dentro de mim uma paixão imensa de construir para Ele mil, mil, mil, milhares, milhares, milhares, milhões de igrejas, não feitas de alvenaria, mas de dois ou três unidos em seu nome, espalhados pelo mundo inteiro. [...] Quem sabe se não será Jesus no meio dessas Igrejas itinerantes, que podem ir por todo o mundo, a alma do mundo de amanhã? [...] E isso sempre através de pequenas coisas, como Jesus que nasce em Belém, em um estábulo; através de dois ou mais: dois ou mais meninos, duas ou mais meninas, duas ou mais senhoras, a mãe e um filho, a nora e uma sogra, dois ou mais... (37)
A família: pequena Igreja
Se com o amor recíproco, vivido com radicalismo evangélico, é possível disseminar no mundo células vivas, que animam e renovam interiormente o tecido social e eclesial, isso encontra uma aplicação especial no mundo da família, pequena Igreja doméstica.
Do discurso proferido no Congresso “Família-sociedade: raízes no Absoluto para o hoje do homem”
8 de abril de 1989
A família, além de se tornar a primeira célula da humanidade criada por Deus, tornou-se a célula basilar da Igreja fundada por seu Filho. Devido ao amor sobrenatural que a permeia – por meio do batismo e dos outros sacramentos, especialmente do sacramento do matrimônio – os membros da família, individualmente e juntos, são chamados à tarefa sublime e vertiginosa de edificála como uma pequena Igreja, como “eclesíola”.
De um diálogo com as famílias
Vemos no casal duas pessoas a quem Jesus dirigiu aquelas palavras que disse a todos nós: “Se alguém vem a mim, mas não me prefere a seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs, e até à sua própria vida, não pode ser meu discípulo.” (Lc 14,26). Nossos casais vivem o Evangelho – pelo menos espiritualmente – também neste ponto: eles colocam Deus em primeiro lugar. Assim, o amor deles é purificado, sublimado, é mais forte. É amor humano, mas também sobrenatural, por isso pode se estabelecer entre os cônjuges a presença de Cristo (cf. Mt 18,20), e então a família se torna uma pequena Igreja. Não é mais fechada em si mesma; ao redor de uma família assim, há sempre um raio de ação muito vasto, que influencia beneficamente muitas pessoas. (38)
“Jesus no meio” e o Concílio
Segundo vários Padres, também o papel dos concílios e sua autoridade devem ser entendidos à luz da promessa de Jesus: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles”. Aquilo que se afirma aqui, poderá iluminar também os múltiplos os dados nossos dias para que toda a vida eclesial seja cada vez mais imbuída de um estilo sinodal: um caminho com o Cristo ressuscitado no meio dos seus.
Mas há um grande evento, o maior, que ocorre de tempos em tempos na Igreja: o Concílio Ecumênico. Não é de instituição divina, “apesar de que – como diz o teólogo Congar – [no Concílio] existe uma certa estrutura à qual o Senhor, livremente, uniu sua presença com uma promessa formal: ‘... E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos’ (Mt 28,20). ‘Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles’. ...Pode-se entrever nisso uma estrutura de aliança (os homens se reúnem em nome de Jesus – Jesus se faz presente no meio deles) que é comparável, em seu plano, àquela estrutura de forma mais institucional, ou seja, jurídica, da aliança constituída pelos sacramentos ou pelos ministérios hierárquicos. Foi assim que os Padres entenderam... Segundo eles, quando existem essas condições e são respeitadas essas estruturas de aliança, isto é, o amor fraterno e a reunião fraterna de dois ou três em seu nome, o Senhor cumpre sua promessa, ligada efetivamente a essas condições” ⁷, isto é, Ele se torna presente. Os Padres, de fato, são defensores tenazes da presença de Jesus em meio aos bispos nos concílios, por isso o concílio é o grande focolare da Igreja, onde Jesus espalha sua luz abundantemente para iluminar os séculos que virão. (39)
5.3. A Palavra: semente e alimento
“A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando, sobretudo na Sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da Palavra de Deus, quer da do Corpo de Cristo”, afirma o Concílio Vaticano II (DV 21). Em 1974-1975, Chiara aprofundou essa realidade em algumas palestras sobre a vida da Palavra.
A Igreja se nutre de uma dupla mesa
Os Padres da Igreja, que refletem a mentalidade da Igreja primitiva, por vezes colocam o Corpo de Cristo e a Palavra Dele no mesmo nível. Já Clemente de Alexandria indica que devemos nos nutrir da semente da vida contida na Bíblia assim como da Eucaristia ⁸. “Meu refúgio é o Evangelho, que é para mim como a carne de Jesus” , diz Inácio mártir. E Jerônimo: “Nós comemos a sua carne e bebemos o seu sangue na divina Eucaristia, mas também na leitura das Escrituras”⁷ . [...] E este discurso é de Agostino: “Dizei-me, irmãos, o que vos parece que valha mais: a Palavra de Deus ou o Corpo de Cristo? Se quereis responder a verdade, deveis convir que a Palavra não é menos do que o Corpo de Cristo. Portanto, se quando nos é ministrado o Corpo de Cristo usamos toda atenção para que não caia de nossas mãos no chão, do mesmo modo devemos estar atentos para que a Palavra de Deus, quando nos é dada, não desvaneça em nosso coração porque falamos ou pensamos em outra coisa [...]”⁷¹. (40)
A Igreja gerada pela Palavra
São Paulo, pela palavra semeada no coração dos seus, sente fortemente que se tornou pai deles: “Ainda que tivésseis dez mil pedagogos em Cristo, não teríeis muitos pais, pois fui eu quem pelo Evangelho vos gerou em Cristo Jesus” (1Cor 4,15). Agostinho vê as Igrejas geradas pela Palavra de Deus: “Os próprios Apóstolos, sobre os quais a Igreja foi fundada, seguindo o exemplo de Cristo, ‘pregaram a palavra da verdade e geraram as Igrejas’”⁷². A Igreja, portanto, é gerada precisamente mediante o anúncio da Palavra. E, por sua vez, a Igreja é mãe e gera as almas pela Palavra que doa e pelo Batismo. (41)
5.4. Jesus Eucaristia e a Igreja
“Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão”, escreve Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (10,17). Reencontramos essa convicção também em muitos Padres da Igreja: é Jesus, no seu dom total que nos chega pela Eucaristia, que dá vida à Igreja e garante a sua unidade, tanto em nível local como no mundo inteiro. Em suas palestras de 1975-1976 sobre Jesus Eucaristia, Chiara esmiúça essa perspectiva. “Eu li um dia – conclui – que, se a Igreja não tivesse a Eucaristia, não teria a força para erguer-se até Deus, por isso a Eucaristia é considerada o coração da Igreja”⁷³
A Igreja: o Uno provocado pela Eucaristia
De uma página na qual a autora resumiu os pontos principais de seus discursos sobre a Eucaristia
A Eucaristia não produz apenas frutos bons e bonitos de santidade, de amor; tampouco tem como principal objetivo aumentar a unidade com Deus e entre nós (como normalmente se entende a unidade) e por isso serve para alimentar a presença de Jesus em nosso meio. Sim, também isso. Mas o papel da Eucaristia é outro.
A Eucaristia tem como finalidade tornar-nos Deus (por participação). Ao misturar as carnes vivificadas pelo Espírito Santo e vivificantes do Cristo com as nossas, Ela nos diviniza na alma e no corpo. Portanto, torna-nos Deus. Ora, Deus não pode estar senão em Deus. Eis por que a Eucaristia faz o homem, que Dela se alimentou dignamente, entrar no seio do Pai, coloca o homem na Trindade, em Jesus. Ao mesmo tempo, a Eucaristia não faz isso com um homem apenas, mas com muitos, os quais, sendo todos Deus, não são mais muitos, mas são um. São Deus e todos juntos em Deus. São um com Ele, perdidos Nele. Ora, esta realidade que a Eucaristia opera é a Igreja. O que é a Igreja? É o “um” provocado pelo amor mútuo dos cristãos e pela Eucaristia. A Igreja é formada por homens divinizados, feitos Deus, unidos ao Cristo, que é Deus, e entre si. Se quisermos isso tudo visto de modo humano, ou seja, expresso com termos humanos – com um exemplo usado pelas Escritura–, a Igreja é um corpo cuja cabeça é Cristo glorioso. (42)
Concorpóreos e consanguíneos
Eis o que encontramos em Cirilo de Jerusalém: “... na figura do pão te é dado o corpo e na figura do vinho te é dado o sangue, para que te tornes, tendo participado do corpo e do sangue de Cristo, concorpóreo e consanguíneo com Ele”⁷⁴. [...] Cirilo continua: “Assim, de fato, também nos tornamos portadores de Cristo, porque o seu corpo e o seu sangue distribuem-se em nossos membros; assim, segundo a expressão de são Pedro, tornamo-nos ‘participantes da natureza divina’ [2Pt 1,4]”⁷⁵. […] De fato, unindo os cristãos mediante a Eucaristia a Si mesmo e entre si em um só corpo, que é o seu, [Jesus] dá vida à Igreja na sua essência mais profunda: corpo de Cristo, fraternidade, unidade, vida, comunhão com Deus.
[...] João Damasceno escreve: “[A Eucaristia] chama-se comunhão e realmente é, porque por ela nós nos comunicamos com Cristo... e depois porque, por ela, nós nos comunicamos e nos unimos uns aos outros: ... nos tornamos membros uns dos outros, já que somos concorpóreos de Cristo”⁷ . [...] Alberto Magno enfatiza essa realidade em várias agens: “Como o pão, a matéria deste sacramento é feita de muitos grãos que comunicam todo o seu conteúdo e se compenetram uns com os outros, assim o verdadeiro corpo de Cristo é feito de muitas gotas do sangue da nossa natureza... misturadas entre si, e assim muitos fiéis..., unidos no afeto e comunicando-se com Cristo-Cabeça, constituem misticamente o único corpo de Cristo..., e, portanto, este sacramento nos leva a fazer a comunhão de todos os nossos bens temporais e espirituais”⁷⁷. (43)
5.5. Homens a serviço de todos
“Homens a serviço de todos”: com esse título, em 1978, foram publicados seis discursos nos quais Chiara aprofundou a presença de Jesus na hierarquia, concentrando-se primeiramente em Pedro e nos Doze, depois nos bispos e no papa e, finalmente, nos poderes como serviço e na colegialidade episcopal. Como antes nas palestras sobre a Palavra e sobre a Eucaristia, a autora não se limita a uma exposição doutrinária, mas focaliza como viver para que essas “fontes de Deus” possam liberar toda a sua graça. Sugerimos para uma análise mais aprofundada a leitura de Homens a serviço de todos⁷⁸ e mencionamos aqui alguns discursos dirigidos a vários destinatários.
Ramos bem unidos à videira
Em um momento em que, na opinião pública, haviam sido levantadas muitas críticas ao papa e havia reservas quanto aos bispos, Chiara convida os jovens a descobri-los como instrumentos de Deus.
De um discurso aos jovens do Movimento Gen
Rocca di Papa, 9 de julho de 1974
Outra fonte na qual podemos beber para nos saciar de Deus é a unidade à hierarquia da Igreja.
Hoje a Igreja é menosprezada. O papa muitas vezes é criticado, não se veem mais nos bispos os sucessores dos Apóstolos, ninguém se lembra mais do que Jesus disse: “Quem vos ouve, a mim ouve, quem vos despreza, a mim despreza” (Lc 10,16). […] No entanto, a unidade com os nossos bispos sempre foi um ponto fundamental do nosso Ideal, uma fonte de onde jorrou muita vida divina. Quando, diante das novas ideias que o nosso Movimento lançava, víamos algum bispo indeciso ou titubeante, sempre estávamos prontos a perder a nossa ideia, mesmo sentindo que vinha de Deus. E sempre, como resposta, o bispo, iluminado pela nossa obediência, retificava a sua opinião e nos exortava a seguir em frente segundo o que o Senhor nos fazia sentir. Fatos como esses aconteceram em quantidade. Digo isso para explicar a vocês também a que se deve a vasta explosão do nosso Movimento em todo o mundo: éramos ramos bem unidos à videira, e da videira ava aos ramos, continuamente, a vida divina que Deus depositou em sua Igreja. Os gen devem herdar essa fé na Igreja e ir contracorrente, contra o rumo do tempo que tudo corrompe, tudo destrói e apaga o divino onde ele foi posto. A figura do gen é bem definida. Como girassóis que giram sempre voltados para o Sol, os gen, diante de quem representa Deus, devem colocar-se como diante de Deus. (44)
“Jesus no meio” e a Igreja constituída hierarquicamente
Das conversações de 1975-1976 sobre a presença de Jesus entre aqueles que estão unidos no seu nome
Quem foi que nos convenceu sempre, sem a menor dúvida, de que tudo o que fazíamos tinha valor se fosse feito em unidade com a Igreja hierarquicamente
constituída? Quem foi que imprimiu no nosso coração que a Igreja sempre foi mãe, mesmo quando alguém, não perito em Obras de Deus, poderia duvidar disso e que, portanto, a nossa vida deveria ser como a de filhos desta mãe? Quem foi que deu valor a Jesus no meio, que procurávamos ter em todas as nossas reuniões, a não ser a fé e a convicção de que Ele estava presente entre nós porque o nosso pequeno grupo estava unido à grande Igreja e aos seus pastores? Pensando nisso agora, pensando na idade que tínhamos, sentimos vertigens. Poderíamos ter cometido mil erros nesse ponto, mas nunca erramos. Resta dizer que Aquele que nos guiou assim foi o Espírito Santo. Também neste ponto, os Padres da Igreja confirmam fortemente a linha que mantivemos. Cipriano diz: “E alguns não se enganem – com uma interpretação que as esvazie de significado – sobre as palavras do Senhor: ‘Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles’... [Jesus] nos ensina assim que devemos sempre estar unidos estreitamente entre nós. Pois bem, como pode estar de acordo com o outro quem não está de acordo com o corpo da própria Igreja e com toda a comunidade dos irmãos? [...] Portanto, quando entre os seus preceitos Ele diz: ‘Onde estiverem dois ou três, eu estarei com eles’, não separa os homens da Igreja, Ele que instituiu e formou a Igreja...”⁷ . (45)
A mesma boca
O tempo moderno – e, além disso, muitas outras épocas, por outros motivos e com outras nuances – embora descrente, embora ateu, diz que simpatiza com Jesus, que o estima, talvez apenas como homem, ao menos por sua figura excepcional, fora do comum, fascinante. [...] Mas o mundo de hoje – como se sabe – cai em uma contradição, pois afirma, contemporaneamente, que não quer saber da Igreja, que, como sempre, torna-se objeto das mais diversas calúnias e perseguições. No entanto,
aqueles lábios de Jesus que pronunciaram palavras de ouro, como “Observai os lírios do campo” (cf. Mt 6,28), “Amai-vos uns aos outros...” (Jo 15,17), “Felizes os puros de coração...” (Mt 5,8), aqueles mesmos lábios afirmaram um dia: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja” (Mt 16,18), “Como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20,21). Quem vê Cristo sem a Igreja, vê uma pessoa imaginária, que nunca existiu. Talvez esse ofuscamento, que é generalizado no mundo, não seja todo para um mal. iradores de Cristo, pode ser que um dia eles queiram conhecê-lo; e se, com confiança e com amor, conseguirem penetrar no seu coração, ali encontrarão sua Esposa: a Igreja, que Jesus fundou, amou, nutriu, pela qual deu sua vida. (46)
A primeira pedra
“E sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18). As palavras de Jesus são inequívocas. Pedro é a pedra sobre a qual sua Igreja está alicerçada. É verdade que outras agens do Novo Testamento dão a Jesus essa denominação. Sem dúvida, Ele é a pedra que os construtores rejeitaram, que se tornou a pedra angular da Igreja. Mas Jesus subirá à direita do Pai, e Ele precisa escolher um outro, que tenha a função de pedra para a sua Igreja. E este é Pedro. Além disso, Jesus não é apenas a pedra fundamental da Igreja, mas também é o fundador. E como Ele compara a Igreja a um edifício, eis que, com estas palavras, Ele escolhe a primeira pedra. [...] “O que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19). É paradoxal! O Céu, portanto, submete-se às decisões de Pedro na terra. Mas isso só é possível se quem vive em Pedro é Cristo. O Céu não pode sancionar senão aquilo que Ele próprio deliberaria.
Aqui, em poucas palavras, sem dúvida está expressa a presença luminosa de Cristo em Pedro, chefe do Colégio dos Apóstolos, primeira hierarquia da Igreja. [...] Pedro é um instrumento de Deus e, como tal, o próprio Deus agirá nele; mas, precisamente por isso, também se aplica a ele o que Paulo diz: “Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte... o que não é, Deus escolheu... a fim de que nenhuma criatura possa vangloriar-se diante de Deus” (1Cor 1,27-29). De fato, em Pedro, nota-se a típica fraqueza humana, a instabilidade [...]. E é diante dessa fragilidade, desse temperamento feito de altos e baixos, como ocorre um pouco com todos nós, pobres mortais, que se ergue, majestosa e comovente, a fidelidade adamantina de Jesus ao homem que escolheu. Isso está descrito no Evangelho de João: “Depois de comerem, Jesus disse a Simão Pedro: ‘Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?’. Ele lhe respondeu: ‘Sim, Senhor, tu sabes que te amo’. Jesus lhe disse: ‘Apascenta meus cordeiros’ [...]” (Jo 21,15-17). [...] “Aquele ‘mais’ [‘me amas mais’] – diz Paulo VI – ... exige e suscita ... a primazia do amor ... Ao primado da autoridade, já conferida a Simão Pedro, Jesus quer que corresponda uma primazia de caridade... Primeiro no amor a Cristo para ser o primeiro no governo da Igreja, isto é, no amor à Igreja”⁸ . (47)
Aquele que mais ama
A experiência vivida por Chiara em 31 de outubro de 1964, por ocasião da primeira audiência privada com Paulo VI, e aqui narrada, repetiu-se de maneira semelhante também nas audiências com João Paulo II.
Quando fui à audiência com o papa Paulo VI, especialmente na primeira vez, tive a nítida impressão de estar diante de uma pessoa que amava de uma maneira toda especial. O papa dizia palavras com aquela sabedoria que supera todos os obstáculos jurídicos; ele compreendia, acolhia em sua alma toda a complexa Obra que lhe apresentamos. Foi ele quem me encorajou a dizer tudo, porque, ele me assegurou, “aqui tudo é possível”. Lembro-me de que senti uma perfeita sintonia entre aquilo que o papa me dizia e o que me parecia ter vindo de Deus para a edificação dessa Obra. E a impressão foi tão forte que tive como que a sensação de que aquela sala, na qual o papa recebe, não tivesse teto, e o céu e a terra se unissem. Se me tivessem levado até aquela pessoa com os olhos vendados, e eu nunca tivesse ouvido a sua voz, acho que depois de um certo tempo eu teria afirmado: “Eu estou com o papa”. (48)
Problemas na Igreja? Contribuir para resolvê-los!
De uma resposta a um grupo de sacerdotes
Castel Gandolfo, 19 de janeiro de 1991
A Igreja em nosso país tem dificuldade com o papa. Como podemos viver essa situação?
Naturalmente, há muitas coisas na Igreja, muitos problemas, aos quais também podemos dar uma contribuição para a solução. [...]
Devemos ter sempre aquela atitude de livres filhos de Deus, inclusive diante de Jesus nos bispos, de Jesus no papa. Então, com muito amor, sobretudo com caridade, nós expomos nossas dificuldades, as dificuldades que sentimos aqui, ali, de um lado e do outro. Nós as damos, nós as oferecemos com amor, para que precisamente o julgamento feito por Roma seja mais objetivo, mais perfeito. Quando tivermos feito toda a nossa parte, mesmo se recebermos coisas indesejáveis, talvez respostas de que não gostamos, devemos ficar tranquilos, nós só temos que obedecer. [...] Devemos ser aqueles que mantêm sempre viva esta ideia da presença de Cristo na hierarquia da nossa Igreja. Eu falo aos católicos, naturalmente [...]. Aqui não se trata de ser de direita ou de esquerda, aqui se trata de ser do Evangelho.
Nós não somos papistas
De uma resposta às focolarinas e aos focolarinos do Brasil
Mariápolis Araceli, 18 de maio de 1991
Há uma certa semelhança entre o nosso Carisma da Unidade e o carisma típico do papa, que é precisamente o carisma da unidade da Igreja, por isso há uma sintonia, uma simpatia... Assim, nós o sentimos muito. Porém, nós não somos papistas, nós somos cristãos, nós seguimos Cristo. Como seguimos o papa, também amamos os irmãos, também amamos os bispos, sempre com esse sentimento de sermos filhos da Igreja.
Como a Igreja poderia ser
Algum tempo atrás, quando li os trechos de Inácio de Antioquia, meu coração vibrou. Ali encontrei palavras que somente o Espírito Santo poderia ditar. Ali encontrei como a Igreja deve ser. Escrevendo aos Efésios, ele diz: “Convém que estejais sempre concordes com o pensamento do bispo, o que já fazeis. De fato, o vosso colégio presbiteral [ou seja, o conselho ao redor do bispo], justamente famoso, digno de Deus, está harmoniosamente unido ao bispo como as cordas à cítara. Assim, na vossa união de sentimentos e na caridade concorde, vós cantais Jesus Cristo”⁸¹. [...] É isso: os fiéis e especialmente o colégio presbiteral estão unidos ao bispo como as cordas à cítara. O que isso significa? Que, naquele tempo, era mais viva do que agora a consciência de quem é o bispo, aquele que preside “no lugar de Deus”, como Inácio o define, aquele que faz as vezes de Deus. Pois bem, como os fiéis cheios desta fé se comportam com o bispo? Como eles se comportariam se tivessem que tratar com o próprio Jesus Cristo. Eles lhe abririam o coração, a mente, removeriam qualquer interesse dentro de si para sentir e acolher aquilo que Jesus diz nele. Então, o bispo, movido por Jesus, não encontrando nenhum obstáculo diante de si, mas somente o amor, iria se expressar plenamente, abriria sua boca para a sabedoria que encanta, estimula e faz realizar grandes obras. Não só, mas pela unidade dos fiéis com o bispo “como cordas à cítara”, poderia se verificar de uma maneira nova a presença de Cristo, que está ali onde dois ou mais estão unidos em seu nome. Esta presença daria às palavras do bispo mais unção, luminosidade, persuasão, força, a ponto de fazer com que todos sejam ainda mais um em Deus. E todos, graças a Cristo presente no bispo e entre si, “cantariam Jesus Cristo”, isto é, haveria a realidade Dele refletida em uma Igreja viva. (49)
60 Cf. o capítulo 2 deste volume.
61 Cf. os volumes editados por Città Nuova La carità come Ideale (1971), Parola di vita (1975), Dove due o tre… (1976), L’Eucaristia (1977) e Uomini al servizio
di tutti (1978), os quais relatam os discursos que Chiara, ano após ano, dirigiu aos membros do Movimento dos Focolares, coletados nos volumes 3 e 4 de Escritos espirituais, dos quais destacamos aqui algumas agens salientes. Indicamos os destinatários dos vários trechos apenas quando não se referem a esses discursos.
62 Epist. 14, 4.
63 De Baptismo 6: PG 1, 1206.
64 Paolo VI. Insegnamenti di Paolo VI, VIII. Cidade do Vaticano: Poliglotta Vaticana, 1971, p. 1309-1311.
65 Sobre Jesus em meio no Concílio Vaticano II cf. Scritti spirituali/3. Roma: Città Nuova, 19963, p. 188-191.
66 De exhort. cast. 7: PL 2, 971.
67 Y. Congar, Note sul Concilio come assemblea e sulla conciliarità fondamentale della Chiesa. In Orizzonti attuali della teologia, II. Roma: Edizioni Paoline, 1967, p. 172-173.
68 Cf. Strom. 1, 1: PG 9, 10-30.
69 Ai Filadelfiesi, 5. In I Padri Apostolici. Roma, 1966, p. 128.
70 In Ecl. 3,13.
71 Sermo 300, 2-3: PL 39, 2319.
72 Enarr. In Ps. 44, 23: PL 36, 508.
73 LUBICH, C. Jesus Eucaristia. São Paulo: Cidade Nova, 2014, p. 50.
74 Cat. myst. 4, 3: PG 33, 1100.
75 Op. cit.
76 De fide orth. IV, 13: PG 94, 1154.
77 In Jo. 6,64: B 24, 288.
78 In LUBICH, C. Scritti spirituali/4. Roma: Città Nuova, 1977, p. 59-141.
79 De Eccl. unit. 12: PL 4, 524-525 (trad. ital. in DONATO, A. L’unità della Chiesa. La preghiera del Signore. Roma: Città Nuova, 1967, p. 92-94).
80 Insegnamenti di Paolo VI, III. Città del Vaticano: Poliglotta Vaticana, 1965, p. 1110-1111.
81 Ephes. 4,1: PG 5, 648.
6. Descobrindo o perfil mariano da Igreja
Desde o verão de 1949, Chiara havia compreendido a estreita ligação entre Maria e a Igreja. Assim, na conclusão da terceira sessão do Concílio Vaticano II, aquele momento em que Paulo VI declara Maria Mãe da Igreja tem uma ressonância toda particular nela. Um o adiante acontece com João Paulo II. Chiara tem uma primeira percepção disso quando o papa Wojtyla, em um encontro privado, no dia 23 de setembro de 1985, referindo-se a H. U. von Balthasar, fala-lhe sobre o papel central do perfil mariano da Igreja ao lado do perfil petrino. João Paulo II desenvolve esse tema no discurso de Natal à Cúria Romana, em 22 de dezembro de 1987 e, em seguida, na carta apostólica Mulieris dignitatem (1988), na qual, entre outras coisas, diz: a Igreja é “conjuntamente ‘mariana’ e ‘apostólico-petrina’”; e ainda: o perfil mariano é “tão – se não mais – fundamental e caracterizante para a Igreja quanto o perfil apostólico e petrino, ao qual está profundamente unido” (n. 27 e nota 55); convicção que também foi incorporada no Catecismo da Igreja Católica (n. 773) e que se repete ainda no magistério de Bento XVI e do papa Francisco⁸². A partir da década de 1980, no pensamento e nos escritos de Chiara, o perfil mariano não só está presente⁸³, como também encontra um desenvolvimento característico, que o conecta à dimensão carismática da Igreja. Para Chiara, ele se expressa, entre outras coisas, na vitalidade do Evangelho posto em prática, no dinamismo carismático da santidade, no empenho de amor recíproco e no espírito de família que deve impregnar cada realidade da Igreja. A seguir, vamos nos concentrar apenas em alguns aspectos: Maria e a santidade; Maria e o papel dos carismas; o sacerdócio vivido à luz do perfil mariano; o perfil mariano e a mulher.
6.1. Viver a santidade hoje
“Na vida” – escreveu Léon Bloy – “só há uma tristeza, [...] a de não ser santo”. Não é coincidência que o papa Francisco quis referir essas palavras na carta apostólica Gaudete et exsultate (n. 34). Animada por uma espiritualidade comunitária, Chiara sempre propôs a santidade não como uma meta a ser alcançada unicamente para a salvação da própria alma, mas como um compromisso evangélico, fruto da ação do Espírito Santo, para o bem da Igreja e da humanidade. E indicou Maria como modelo de uma santidade de povo, vivida no cotidiano, no amor de Deus e do próximo.
Minas inesgotáveis
Colocar-se na escola de Maria e buscar a santidade no meio do mundo e a serviço dos outros encontra força e estímulo no exemplo dos santos.
De um escrito
Antes de 1963
Hoje, nós devemos viver a nossa vida, e isso poderia ser dito com mais simplicidade: hoje, nós devemos viver a nossa santidade, tendo em conta que ela tem de florescer no canteiro da Igreja, onde já exalam mil perfumes. Devemos harmonizar o nosso [perfume] com estes, ou melhor, encontrar a
verdadeira natureza e plenitude do nosso em harmonia com todos os outros. Minas inesgotáveis de santidade chegam até nossos dias por meio das Escrituras, da Tradição e da história sagrada da humanidade. Então, se quisermos saber bem como fazer meditação, devemos recorrer aos santos contemplativos, a quem Deus deu carismas inestimáveis. E se quisermos fazer os exercícios espirituais, não podemos prescindir de santo Inácio, que é mestre nisso, como são Francisco sempre ensinará a todos o que é a verdadeira pobreza, e santa Teresinha dará um conselho àqueles que quiserem alcançar em pouco tempo a santidade. Valorizar os santos é glorificar neles o Senhor. (50)
Experiência única
Do diário
17 de julho de 1970
Fui a Subiaco para me confessar. Não pude visitar a abadia. Não havia tempo. Assim que entrei, fiquei profundamente tocada pela caridade do porteiro: um religioso idoso que mancava e que fez questão de me acompanhar até a igreja. Na confissão, porém, fiz uma experiência única: fiquei tocada desde as primeiras palavras daquele santo monge. É difícil explicar o que aconteceu, e também fica claro imediatamente: encontrei Deus. Da alma daquele sacerdote parecia irromper um jorro que tinha suas origens dezesseis séculos atrás em são Bento, e remetia à ferida do lado de Cristo Salvador. Eu não teria saído mais daquela igreja, tomada por uma profunda
comoção. Invejei aquela vida austera que abertamente, decididamente rompeu com o mundo. Agora compreendo por que as abadias sobrevivem através dos séculos e são eternamente modernas: ali vivem homens que já moram no Céu. E comunicam essa atmosfera suavemente, que penetra em nós totalmente. Vi a nossa vida cristã, se comparada a esta, muito difícil: sempre em contato com o mundo desprovido de Deus, sempre na ocasião de fazer concessões, porque, às vezes, temos medo do ódio que deve vir. Somente uma vida interior fortemente comprometida, toda projetada na vontade de Deus do momento presente, pode nos fazer esperar que também nós sejamos portadores de Deus e não de palavras. Vale mais um monge do que uma comunidade de mil pessoas boas não em perfeita unidade, não em pleno fogo de amor a Deus e aos homens. São Bento pode ficar contente. Agora que encontrei o ouro vivo nos beneditinos de Subiaco, se Deus quiser, um dia visitarei as paredes do mosteiro, testemunhas de tanta santidade. (51)
6.2. Dimensão carismática e hierárquica da igreja
“Creio que posso dizer que os carismas têm a ver com Nossa Senhora, porque ela é cheia de carismas”, afirmou Chiara em fevereiro de 1979 em um encontro para religiosos. E ela falou de Maria como “o carisma personificado”. Todos os carismas nascidos na Igreja – ela observou – estão contidos em Maria. Ao mesmo tempo, Chiara sempre demonstrou muita atenção também na relação de reciprocidade entre as dimensões carismática e hierárquica da Igreja. Daí podemos entender a intensa alegria que ela experimentou em Pentecostes de 1998, quando o papa João Paulo II falou sobre a “coessencialidade” dessas duas dimensões. A recente carta Iuvenescit Ecclesia (2016), da Congregação para a Doutrina da Fé, aprofundou ainda mais essa relação entre dons hierárquicos e carismáticos. Inspirando-se na linguagem de Hans Urs von Balthasar e à luz da experiência iluminativa de 1949, Chiara, em seus discursos, inclina-se a falar, em chave mais personalista, da interação entre o perfil mariano e o perfil petrino na Igreja.
Hierarquia e carismas complementares
De um artigo sobre “O Espírito Santo e os carismas”
Março-abril de 1984
Acredita-se, às vezes, e geralmente acreditou-se ao longo dos séculos, que existe contraposição entre uma Igreja hierárquica, governada pelo papa e pelos bispos, e uma Igreja carismática, animada por dons especiais do Espírito Santo. Na realidade, não é assim. A Igreja vista na sua hierarquia e aquela que é irada por certos carismas são aspectos complementares da única Igreja. De fato, Cristo fundou a sua Igreja sobre os apóstolos e sobre os profetas (cf. Ef 2,20), e uma Igreja somente hierárquica não é como Ele pensou, assim como não é a chamada Igreja carismática. A hierarquia e os carismas, aliás, são obra do mesmo Espírito, do único Espírito, do Espírito Santo, posto para vivificar a única Igreja. Enumerando os vários carismas, Paulo começa assim: “E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas...” (1Cor 12,28); o que seria como dizer, para os séculos seguintes: alguns são colocados por Deus no primeiro grau, como os papas e os bispos, e no segundo, como determinadas pessoas carismáticas. Com uma comparação muito aproximada, podemos dizer que conceber a Igreja sem o carisma dos Apóstolos seria como conceber uma árvore quase que exclusivamente com apenas folhas, flores e frutos, sem tronco e ramos. Conceber a Igreja somente com os apóstolos seria como cogitar uma árvore quase que exclusivamente com tronco e ramos. Tanto a hierarquia quanto os profetas servem à Igreja, mas, embora expressem esse seu serviço de maneira diferente, ambos são suscitados pelo Espírito Santo e dotados de carismas para edificá-la. Os carismas da hierarquia, que o Espírito Santo doa metodicamente através da sucessão apostólica, servem mais para guiar, instruir e santificar a Igreja. Os carismas dos profetas, que o Espírito Santo – que sopra onde quer – concede, quando lhe parece útil, com divina fantasia amorosa, servem sobretudo para renová-la, embelezá-la, fortalecê-la como Esposa de Cristo. De fato, a Igreja resplandece ainda mais como Esposa de Cristo graças a esses carismas dos profetas. Como Jesus, que por obra do Espírito Santo é o Verbo de Deus feito carne, assim
a Igreja, por obra do Espírito Santo nestes dons extraordinários, mostra-se de forma mais evidente como um Evangelho encarnado. (52)
Perfil mariano da Igreja e movimentos eclesiais
De um discurso no St. Mary’s College, de Londres
16 de junho de 2004
Na Igreja Católica, esses novos movimentos eclesiais vieram em grande relevo na véspera de Pentecostes de 1998. Em Roma, a Praça de São Pedro, com ruas e praças ao redor, estava repleta de gente: entre 300 e 400 mil pessoas. E todos ao redor de João Paulo II, que iria entregar aos presentes, àqueles que estavam coligados via radiofrequência e para a história, um anúncio absolutamente inesperado: a sua visão da Igreja hoje. Ele afirmou que, se existe na Igreja o aspecto institucional, hierárquico, muito importante e essencial, também é essencial o aspecto carismático, em profunda comunhão com o primeiro. Este último aspecto, que é efeito dos vários carismas doados ao longo dos séculos pelo Espírito Santo à sua Esposa – a Igreja –, está presente, agora, também nos novos movimentos e nas novas comunidades eclesiais. Com isso, João Paulo II designou aos participantes de mais de 60 movimentos eclesiais, ali presentes, o nosso lugar na Igreja. Nós éramos – como ele disse – “uma expressão significativa” do aspecto carismático da Igreja, embora não a única⁸⁴. E a alegria que invadiu os nossos corações, naquele dia, foi imensa. Diante desse acontecimento, podemos nos perguntar: quem poderia ter impelido João Paulo II a falar assim? Certamente o Espírito Santo. Todavia, conhecendo também sua extrema dedicação à Mãe de Deus e o vínculo que Ela, plena de carismas, tem com tudo aquilo que concerne esses dons, podemos pensar: foi
também impelido por Maria. [...] Hans Urs von Balthasar, o conhecido e ilustre teólogo suíço, escreveu sobre o perfil mariano de forma aprofundada. Ele afirmou que, na Esposa de Cristo, há dois perfis ou princípios distintos, em comunhão entre si: o perfil petrino, expresso pelos papas, que continuam Pedro, e pela hierarquia; e o perfil mariano, que é a presença de Maria, através dos séculos, nos inúmeros antigos e novos carismas, que enriquecem e embelezam a Igreja com famílias religiosas, com movimentos eclesiais e novas comunidades. Esse perfil mariano nos lembra que a Igreja é edificada não apenas sobre os apóstolos, mas também sobre os profetas. Ela se manifesta no aspecto carismático, no aspecto profético, espiritual, de santidade, que sempre foi encontrado nela e também é encontrado agora. Para von Balthasar, o perfil petrino, enquanto princípio hierárquico, está ligado às estruturas externas da Igreja, à santidade objetiva das Escrituras, dos sacramentos, dos ministérios, e abrange outros elementos, como, por exemplo, o direito canônico. O perfil mariano é aquele espírito subjetivo presente em Maria e vivido de forma dinâmica na Igreja em tudo aquilo que a conduz à santidade. A estrutura institucional está a serviço deste perfil, o qual, diferentemente dela, da hierarquia, perdurará por toda a eternidade⁸⁵. (53)
6.3. “Sacerdotes-Maria”
O perfil mariano e o perfil petrino não são apenas coessenciais, mas se entrelaçam. “Maria, leiga como nós leigos” – Chiara havia afirmado já na década de 1960 – “sublinha que a essência do cristianismo é o amor e que, também sacerdotes e bispos, antes de serem tais, devem ser verdadeiros cristãos, crucifixos vivos, como foi Jesus que, na cruz, fundou a sua Igreja”⁸ . Milhares de presbíteros de todo o mundo extraíram dessa intuição o estímulo para colocar a vida do sacerdócio batismal na base do sacerdócio ministerial; e, portanto, o dom de si com a medida de Jesus Crucificado. O resultado é uma integridade e uma autenticidade que dão muito fruto.
“Sacerdotes-mãe”
No texto aqui transcrito estão as linhas básicas do discurso O sacerdote hoje, o religioso hoje, que a autora havia dirigido a sete mil sacerdotes, religiosos e seminaristas reunidos, em 30 de abril de 1982, na Sala Paulo VI, no Vaticano⁸⁷.
Do capítulo introdutório do regulamento dos presbíteros e diáconos permanentes focolarinos
[1990]
Este caminho espiritual, também chamado de Via Mariae, ajudará os presbíteros focolarinos a viverem com plenitude, como um apoio necessário e frutífero para o sacerdócio ministerial, também seu sacerdócio régio, do qual Maria é modelo. Com efeito, Jesus quer viver nos seus sacerdotes não só pelo carisma que a ordenação lhes confere, mas também pelo amor que os torna perfeitos (“Eu neles”, Jo 17,23). Como a Espiritualidade da Unidade fortalece o sacerdócio régio, além do sacerdócio ministerial, o presbítero focolarino será, por assim dizer, um sacerdote-Maria, um sacerdote-mãe, não só porque alimenta a vida divina nos fiéis como ministro de Deus, mas também porque os gera, ao permanecer sempre ancorado à cruz. (54)
“Padres-Cristo”
De um artigo para a revista Città Nuova
10 de fevereiro de 1970
Entre as palavras divinas que [Jesus] disse, há uma que dá vertigens, se pensarmos que foi pronunciada por Deus, e nos faz compreender a excelência de ser eleito. É uma comparação paradoxal, mas verdadeira e rica de mistério. E Cristo a dirige àqueles que iriam ser seus sacerdotes ao longo dos séculos: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21). Então, quem é o padre? É aquele que Cristo escolheu para continuá-lo no tempo. Infelizmente, às vezes o padre não é assim. Por outro lado, se o sacerdote não é Cristo, pouco vale. Seus sermões são vazios e as igrejas, desertas.
Porque a palavra que Cristo dava era Ele mesmo. Se o sacerdote, primeiramente, viver aquilo que prega e depois falar, a sua palavra será Cristo e ele também será outro Cristo. Seus discursos arrastarão multidões e as igrejas ficarão superlotadas. Pois não é tanto a ciência que faz o padre, mas o carisma vivificado pelo amor. Assim, suas obras em benefício daqueles que lhe foram confiados devem ser obras de Cristo nele. Então, Cristo realizará milagres, obterá o impossível na oração, iluminará toda a atividade pastoral com sabedoria, a qual sugere recursos inesgotáveis para levar hoje, com os meios de hoje, a eterna palavra de Deus para a humanidade de hoje. E hoje, mais do que nunca, os tempos exigem autenticidade; simplesmente homens ordenados sacerdotes já não são suficientes, precisamos de padresCristo, de padres-vítimas para a humanidade. Cristos autênticos, sempre prontos a morrer por todos. Se esta for a medida do amor na vida do padre, então não há por que se preocupar em ter tempo ocioso, não há por que se preocupar em ter que mudar de atividade. Ele verá a porção da Igreja que lhe foi confiada tornar-se um jardim: com o joio, é claro, com o ódio, mas também com o amor fecundo que não detém sua irradiação aos limites de seu campo, mas vai além. Como Ars, sim, como Ars: onde o padre era tudo para o seu povo depois de Deus, e as pessoas vinham de longe para respirar o perfume de Cristo, para se nutrir Dele, para viver. Podemos dizer isso mesmo, podemos dizer com força: para viver! Porque sem Cristo, sem sacerdotes-Cristo, também o mundo de hoje, com suas magníficas descobertas extraordinárias, não vive. Agoniza, morre. Somente Cristo é a Vida.
Um padre assim entenderá, então, por que Deus o quis celibatário na sua Igreja, quis que ele fosse pai de muitas, muitas almas, as quais recebem dele e somente dele a vida verdadeira e eterna. (55)
Sacerdotes como a Igreja deseja hoje
Aprofundando a realidade da liturgia no contexto de seus temas sobre Jesus Eucaristia, a autora, à luz de uma experiência já comprovada, pergunta-se o que caracteriza os sacerdotes que vivem profundamente a espiritualidade da unidade. E conclui: “São sacerdotes como a Igreja os deseja hoje”, uma coisa só com o Povo de Deus. 1976
O amor os levou a romper todo diafragma com os outros irmãos, e quando eles celebram a missa, na pequena família do focolare ou em grandes encontros com milhares de pessoas (Mariápolis, congressos, jornadas), já estão unidos com elas em nome de Jesus, como se exige. De fato, a introdução do novo Missal do domingo diz: “Desde o primeiro momento de seu encontro, os cristãos provenientes de lugares e ambientes diferentes devem se reconhecer como irmãos. Cristo presente no meio deles cria a unidade. De fato, Ele disse: ‘onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles’”. O ritual é simples e familiar. A missa não é apenas uma tarefa do padre, mas de todos. Aqueles que irão ler as várias leituras se preparam, as canções são escolhidas, entre as quais a do início, que expressa a alegria da comunidade reunida; o povo faz as ofertas espontâneas, os pedidos, os agradecimentos. E o sacerdote está ali, no centro, para renovar o sacrifício da cruz em nome de Cristo. E a presença de Jesus se torna “aríete” nos corações, que muitas vezes são tocados profundamente ou expressam os propósitos mais difíceis, como se estivessem sozinhos com Jesus no altar. [...] Então, a comunhão é feita em profundo silêncio. [...]
No final, a assembleia é invadida por uma onda de alegria, testemunhando a unidade com o Ressuscitado. Terminada a missa, como numa continuação dela, padre e fieis partem para levar a caridade, durante todo o dia, para as casas, escritórios, reuniões, onde a Comunhão continua e conduz à libertação; e onde a promoção humana, nas mil circunstâncias diversas do mundo inteiro, é um compromisso, é um dever, para continuar a amar como Ele amou. É o povo de Deus que se tornou mais de Deus, e ali a comunhão de bens é silenciosa, mas constante e crescente, e serve a mil necessidades; ali a comunhão com Cristo aumenta ao viver a sua Palavra; ali o anseio pela evangelização inflama os corações. Estes são os nossos sacerdotes: uma coisa só com o povo de Deus, representantes do povo no altar, vigários de Cristo cabeça do seu Corpo, o próprio Cristo no memorial sagrado. Os nossos sacerdotes são apenas sacerdotes. Mas que aventura extraordinária! (56)
6.4. O perfil mariano da Igreja e a mulher
“Quando a mulher é outra Maria, o que significa virgem, mãe, esposa, pranto, paraíso, mas acima de tudo ‘portadora de Deus’, ela pode fazer muito por todos, porque a mulher, se é mulher, é o coração da humanidade”, lemos isso em um trecho de Chiara publicado no livro Meditações (1959). Uma intuição que a autora desenvolveu sobretudo através de sua vida e de sua Obra. Mas várias vezes, ao longo dos anos, ela retornou explicitamente a esse tema. Em uma anotação do tempo do Concílio, ela escreve: “O Movimento tem uma tarefa: além de lançar a unidade e difundi-la, deve contribuir, entre outras coisas, para dar à mulher um lugar melhor na Igreja”. Apresentamos aqui trechos salientes de um discurso de Chiara sobre a carta apostólica Mulieris dignitatem. Os títulos em itálico são redacionais.
Identidade e vocação da mulher
Da introdução pronunciada na Conferência sobre a Mulieris dignitatem, organizada pela Universidade Católica e pela diocese de Spoleto
Roccaporena, 1o de junho de 1989
Na hierarquia da santidade, justamente a “mulher”, Maria, é “figura” da Igreja
O Santo Padre faz emergir a identidade original e a vocação da mulher das profundezas da Palavra de Deus. [...] Em primeiro lugar, o papa evoca a figura de Maria, a Mãe de Deus, a Theotókos (cf. n. 4-5), e nos mostra a extraordinária dignidade a que Deus eleva a mulher Nela. [...] De fato, quando se trata de realizar a maior obra da história – a reconciliação e a reunificação de todos os homens com Deus e entre si –, Deus se dirige a Maria e lhe pede seu consentimento livre para que a encarnação do Filho, o Redentor, possa se realizar Nela. Portanto, o papa ressalta que a Nova Aliança “começa com uma mulher, ‘a mulher’, na Anunciação em Nazaré. Esta – ele afirma – é a absoluta novidade do Evangelho” (n. 11). É um “sinal” indicativo de que em Cristo “não há homem nem mulher” (Gl 3,28), ou seja, que a contraposição recíproca entre homem e mulher é essencialmente superada, porque Nele somos “todos um” (cf. n. 11). [...] Assim, vem em luz na Igreja a realidade do amor, a santidade, à qual todos somos chamados primariamente, o sacerdócio régio, que todos devemos viver. E “na hierarquia da santidade justamente a ‘mulher’, Maria, é ‘figura’ da Igreja”: Ela “precede” todos nós; Nela, “a Igreja já alcançou a perfeição” (n. 7).
A mulher pode manifestar o perfil mariano
A mulher, por sua relação singular com Maria, é chamada de maneira particular a refletir na terra o amor, o amor intratrinitário, a testemunhá-lo e a comunicá-lo no mundo [...]. Por viver o amor e o amor recíproco, por “gerar” Cristo espiritualmente entre os homens, as mulheres se sentem particularmente próximas de Maria, que deu Jesus fisicamente ao mundo. Mas elas se moldam Nela em tudo, por ser o modelo da virgem, da noiva, da esposa, da mãe, da viúva e, ao mesmo tempo, aberta e interessada pelos vastos
problemas da humanidade, como revela no Magnificat. Ou melhor, talvez seja Maria mesma que, sentindo-se ela também, hoje, envolvida por Deus em restituir à mulher a sua dignidade, como os tempos exigem, modela estas mulheres a si mesma. E antes de tudo lhes ensina qual é o primeiro segredo do verdadeiro amor cristão: a cruz, o sacrifício, com o qual, de um modo todo particular, Jesus mostrou seu amor ao mundo; com o qual, Maria, participando da Paixão do Filho, tornou-se a mãe de todos os homens. Essas mulheres, seguindo-a, devem percorrer o mesmo caminho para se tornarem, de alguma forma elas também, mães de muitos. [...] Assim, vivendo sua vocação em plenitude, com a fé, a nobreza, o amor de Maria, a mulher pode ser a revelação para a Igreja da “dimensão mariana da vida dos discípulos de Cristo”⁸⁸, pode contribuir para manter vivo e para manifestar aquele perfil mariano da Igreja do qual, de tempos em tempos, o papa fala, e que ele declara ser “tão – senão mais – fundamental e caracterizante [...] quanto o perfil apostólico e petrino”⁸ . Portanto, existem mulheres que são uma esperança real e um exemplo para muitas, porque o Espírito Santo está trabalhando a seu favor. E quem sabe quantas surpresas Ele ainda está preparando... (57)
82 Cf. nota 10 da Introdução deste volume.
83 Cf. LUBICH, C. Maria. São Paulo: Cidade Nova, 2017, p. 126-131.
84 João Paulo II, Mensagem ao Congresso mundial dos Movimentos eclesiais, 27 de maio de 1998.
85 Cf. LEAHY, B. O princípio mariano da Igreja. São Paulo: Cidade Nova, 2005.
86 Scritti spirituali/2. Roma: Città Nuova, 1997², p. 12-13.
87 Referido in CODA, P.; LEAHY, B. (Orgs.). Preti in un mondo che cambia. Roma: Città Nuova, 2010, p. 19-30. Parte conclusiva sobre Maria e os sacerdotes, reiterado in LUBICH, 2017, op. cit., p. 153-156.
88 João Paulo II, Redemptoris Mater, n. 45 (25 de março de 1987).
89 João Paulo II, Allocuzione ai cardinali e ai prelati della Curia romana, 22 de dezembro de 1987.
7. Igreja para o terceiro milênio
“São muitos os motivos para dar graças ao Senhor pelo dom feito à Igreja nesta mulher de intrépida fé, dócil mensageira de esperança e de paz”, escreveu Bento XVI no momento em que Chiara Lubich encerrou sua jornada terrena; e a definiu como uma “testemunha generosa de Cristo, que se entregou sem reservas para a difusão da mensagem evangélica em todas as áreas da sociedade contemporânea, sempre atenta aos ‘sinais dos tempos’”. De muitas maneiras, efetivamente, Chiara abriu novas vias para o caminho do povo de Deus em uma fase marcada por grandes desafios, mas também por novas oportunidades.
7.1. Na aldeia global
Nós estamos vivendo – observa o papa Francisco – não uma época de mudanças, mas uma mudança de época. A leitura do mundo atual que Chiara faz, com particular referência à Europa, em um de seus últimos discursos, pode oferecer – ainda que em circunstâncias e condições diferentes – uma chave de interpretação também para a experiência de outros continentes.
Entre luzes e sombras, o nascimento de um mundo novo
Do discurso “Qual é o futuro para uma sociedade multicultural, multiétnica e multirreligiosa?”
Westminster Central Hall,
Londres, 9 de junho de 2004
Nos últimos anos, nossas sociedades europeias são atravessadas por importantes fluxos migratórios, de leste a oeste, de norte a sul; esse fenômeno está afetando profundamente a fisionomia do nosso continente, tornando suas cidades cada vez mais diversificadas. Isso pode ser visto caminhando pelas ruas, por exemplo, no
florescimento de mesquitas, mas também de templos, muitos templos em países que até recentemente ainda eram quase que exclusivamente de religião cristã. Contemporaneamente, os meios de comunicação modernos tornam presentes, uns aos outros, pessoas e povos materialmente muito distantes; tanto é assim que, por exemplo, nas escolhas pessoais de um jovem ocidental, o que acontece na Ásia ou na África agora pode ter um peso decisivo. Ninguém mais é estranho para nós, porque o “vemos”, porque sabemos dele. Além disso, a globalização econômica e financeira interligou todos os nossos interesses, que não são mais separados entre si; muitos problemas atuais dizem respeito à humanidade como um todo, e ninguém pode lidar com eles separadamente dos outros. Portanto, vivemos em um mundo que realmente se tornou, como se diz, uma “aldeia global”: uma aldeia complexa e nova. Essa situação nos apresenta possibilidades de conhecimento e desenvolvimento impensáveis, mesmo que certamente não faltem os medos, as suspeitas e os fechamentos, principalmente por causa do perigo iminente do terrorismo. Em uma situação de certa forma semelhante à nossa, encontramos um grande santo e doutor da Igreja, Agostinho de Hipona, que, diante do colapso do Império Romano, sob a pressão das migrações dos povos do Norte e do Leste, teve a graça e o olhar visionário de ajudar a consciência cristã a entender que a reviravolta das civilizações, que estava ocorrendo aos olhos de todos os seus contemporâneos, não era o fim do (seu) mundo, mas o nascimento de um mundo novo . A visão dele vinha da fé e da convicção de que Deus não está ausente na história. Com efeito, o amor de Deus é tal que é capaz de direcionar tudo para o bem, como o próprio são Paulo diz: “Deus coopera em tudo para o bem daqueles que o amam” (Rm 8,28). Agora, eu acredito, é essa mesma fé que deve também nos sustentar e nos guiar na situação atual. (58)
7.2. Casa e escola da comunhão
Com visão profética, Chiara teve essa intuição desde a década de 1940: “Os cristãos hoje no mundo descristianizado e materialista, onde quer que estejam, deveriam construir entre si um claustro espiritual; se eles próprios fossem as colunas, do meio deles jorraria para muitos a água viva” ¹. Na medida em que o terceiro milênio vai se aproximando, ela focaliza cada vez mais as características de uma “espiritualidade de comunhão”, que tem seu fulcro justamente na presença viva de Jesus entre as pessoas e faz com que a Igreja dê visibilidade a essa presença. Nesse mesmo período, João Paulo II aprimora esta convicção: “Fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no milênio que começa, se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo”. Para alcançar esse objetivo – ele reitera – “antes de programar iniciativas concretas, é preciso promover uma espiritualidade de comunhão” (Novo millennio ineunte 43).
Além do “castelo interior”, também o “castelo exterior”
Do discurso proferido por ocasião da atribuição do Prêmio UELCI (União de Editores e Livreiros Italianos) “Autor do Ano”
Milão, 9 de março de 1995
Sabemos que, nestes dois mil anos desde a vinda de Jesus, a Igreja viu florescer em seu seio, uma após a outra, e às vezes concomitantemente, as mais belas, as mais ricas espiritualidades, de modo que a Esposa de Cristo se viu adornada com as pérolas mais preciosas, com os brilhantes mais raros que formaram e haverão de formar ainda muitos santos. Em todo esse esplendor, sempre houve uma característica constante: é a pessoa sozinha, principalmente, que se encaminha a Deus. Essa é ainda consequência daquele período longínquo da história em que, arrefecido o fervor inicial que vira a comunidade de Jerusalém estreitar-se em um só coração e uma só alma, e, adas as perseguições, os cristãos pensaram em salvar a própria fé retirando-se para o deserto a fim de pôr em prática sobretudo o primeiro mandamento, amar a Deus. Foi a época dos anacoretas. Se, de um lado, isso salvou tantos princípios cristãos e produziu santos, de outro, não foi dada muita ênfase ao valor do irmão na vida espiritual e, às vezes, o homem foi até visto como um obstáculo para ir a Deus. [...] Mas hoje os tempos mudaram. Na época atual, o Espírito Santo chama com força os homens a caminhar ao lado de outros homens, aliás, a ser, com todos os que assim quiserem, um só coração e uma só alma. [...] Ao mesmo tempo, teólogos contemporâneos previram uma espiritualidade comunitária para os nossos tempos, que foi evocada pelo Concílio Vaticano II. [...] Portanto, é uma era, a nossa, em que a realidade da comunhão vem em plena luz, em que se procura, além do Reino de Deus nos indivíduos, também o Reino de Deus em meio às pessoas. [...] Nesse caminho da unidade, se existir com os irmãos a presença de Jesus no meio, que é a norma das normas desta vida, tudo adquire sentido e valor no trabalho, no estudo, inclusive na oração e na aspiração à santidade, bem como na irradiação da vida cristã. Nessa espiritualidade, alcançamos a santidade se fizermos uma marcha em unidade rumo a Deus. […]
Santa Teresa de Ávila, Doutora da Igreja, fala de um “castelo interior”, a realidade da alma, em cujo interior mora Sua Majestade, a ser descoberto e todo iluminado durante a vida, superando as diversas provações. É esse um ápice de santidade num caminho prevalentemente pessoal, embora, nessa experiência, ela tenha arrastado consigo todas as suas filhas. Mas chegou o momento, ao menos nos parece, de descobrir, iluminar, construir, além do “castelo interior”, também o “castelo exterior”. Vemos todo o Movimento como um castelo exterior, onde Cristo está presente e ilumina cada ângulo, do centro à periferia. Mas se pensarmos que essa nova espiritualidade que Deus dá hoje à Igreja alcança também responsáveis pela sociedade e pela Igreja, logo entendemos que esse carisma não faz apenas da nossa Obra um castelo exterior, mas tende a fazêlo do corpo social e eclesial. (59)
Uno em Cristo: a primeira forma de evangelização!
Em 16 de fevereiro de 1995, João Paulo II recebe em audiência um numeroso grupo de bispos amigos do Movimento dos Focolares. As palavras que lhes dirige sublinham a necessidade de colocar nos alicerces da vida e da missão da Igreja uma robusta espiritualidade de comunhão. Chiara menciona esse assunto em uma conferência telefônica com as comunidades do Movimento no mundo. 23 de março de 1995
Um grupo de setenta bispos, amigos do nosso Movimento, foi recebido recentemente em audiência pelo Santo Padre, que lhes dirigiu um breve discurso, muito interessante. [...] Depois de expressar a alegria do encontro com esse grupo de bispos [...], o Santo
Padre afirma que uma espiritualidade comunitária ou coletiva é “um aspecto constitutivo da vocação cristã” (ou seja, é da mesma natureza da vocação cristã), porque “O Senhor Jesus não chamou os discípulos para uma sequela individual, mas inseparavelmente pessoal e comunitária”. [...] Mais adiante, referindo-se ao Concílio, ele define a Igreja como “ícone da Santíssima Trindade”, “mistério de comunhão e sacramento de unidade”, por isso “a comunhão entre os membros da Igreja é o sinal principal e primeiro que ela oferece para que o mundo possa acreditar em Cristo”. [...] Porque “ser um em Cristo é a forma primeira e permanente de evangelização atuada pela comunidade cristã”. [...] João Paulo II prossegue dizendo que “o nosso tempo exige uma nova evangelização”, que para ele é sinônimo de “responder a esta originária vocação pessoal e eclesial [ou seja, comunitária]: formar em Cristo ‘um só coração e uma só alma’ (At 4,32)”. [...] Portanto – continua ele –, “um anúncio renovado do Evangelho não pode ser coerente e eficaz se não for acompanhado por uma robusta espiritualidade de comunhão...”. (60)
7.3. Profecia ecumênica
“Nada é mais urgente no mundo do que uma poderosa corrente de amor, se quisermos ter esperança na civilização do amor, que o terceiro milênio parece esperar de nós” — disse Chiara em seu discurso durante a oração ecumênica realizada na Igreja Evangélica de Santa Ana, em Augsburgo, por ocasião de um encontro ecumênico de bispos, na presença de 800 fiéis. Na época, não se podia imaginar que luteranos e católicos, um ano depois, naquele mesmo local, iam a histórica Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (31 de outubro de 1999).
Formar, desde já, um único povo cristão
Apesar de ainda não existir a plena comunhão entre as igrejas cristãs, o compromisso de viver o amor recíproco com radicalismo nos leva a formar, desde já, uma porção da cristandade viva, que faz a experiência de ser um só coração e uma só alma.
Do discurso por ocasião da oração ecumênica do Advento
Igreja de Santa Ana Augsburgo, 29 de novembro de 1998
Se nós, cristãos, examinarmos a nossa história de 2000 anos e, em particular, a
do segundo milênio, não podemos deixar de ficar tristes ao constatar que ela tem sido frequentemente uma sucessão de desentendimentos, disputas, lutas. Certamente, é culpa das circunstâncias históricas, culturais, políticas, geográficas, sociais...; mas também do arrefecimento, entre os cristãos, daquele elemento unificador típico deles: o amor. Então, a fim de tentar remediar esse mal tão grave, precisamos ter em mente o princípio da nossa fé comum: Deus. Ele, por ser amor, também nos chama a amar. [...]
À luz de Deus, que é Amor
Nestes tempos, parece-me que é precisamente Ele, Deus Amor, que de certa forma deve voltar a se revelar não apenas a nós enquanto indivíduos cristãos, mas também às Igrejas que compomos. E Ele ama as Igrejas pelo modo como se comportaram ao longo da história, segundo o desígnio que Deus tinha para elas; mas também – e aqui está a maravilha da misericórdia de Deus – Ele as ama mesmo que não tenham correspondido, permitindo a divisão; porém, somente no caso de que agora elas busquem a plena comunhão com as outras Igrejas. E essa convicção muito consoladora emerge de um texto de João Paulo II, que tem fé Naquele que extrai o bem do mal. À pergunta: “Por que o Espírito Santo permitiu todas essas divisões?”, embora ita que possa ter sido devido aos nossos pecados, ele acrescenta: “Não poderia ser [...] que as divisões tenham sido [...] um caminho que conduziu e conduz a Igreja a descobrir as multíplices riquezas contidas no Evangelho de Cristo [...]? Talvez – continua o papa – essas riquezas não teriam vindo à luz de outra maneira...” ². Devemos, portanto, acreditar que Deus é Amor também para com as Igrejas.
Amor recíproco entre as Igrejas
Mas se Deus nos ama, certamente não podemos permanecer inertes diante de tanta benevolência divina; como verdadeiros filhos e filhas, devemos retribuir ao seu amor também como Igreja. Cada Igreja, através dos séculos, de certa forma se petrificou em si mesma devido às ondas de indiferença, de incompreensões, se não de ódio mútuo. Portanto, para cada uma delas, é necessário um suplemento de amor. Amor, portanto, para com as outras Igrejas e amor recíproco entre as Igrejas, aquele amor que leva cada uma a ser um dom para as outras, pois pode-se prever que na Igreja do futuro a verdade será uma e única, mas manifestada de maneiras diferentes, observada de vários ângulos, embelezada com muitas interpretações.
Jesus Abandonado, estrela do caminho ecumênico
O amor recíproco é verdadeiramente evangélico e, portanto, válido, se for praticado na medida desejada por Jesus: amai-vos uns aos outros – disse Ele – como eu vos amei. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (cf. Jo 15,13). E ele deu a vida por nós na sua paixão e morte, sofrendo a agonia no Horto, a flagelação, a coroação dos espinhos, a crucificação; mas também com aquele cume de sua dor, que expressou no grito: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). [...] Mas, sendo assim, não será difícil ver Nele, precisamente Nele, Jesus Abandonado, a estrela mais brilhante, que deve iluminar nosso caminho ecumênico. Parece que um trabalho ecumênico será realmente frutífero na proporção em que aqueles que se dedicam a isso virem em Cristo crucificado e abandonado, que se abandona novamente ao Pai, a chave para entender toda desunião e para reconstruir a unidade. Aqueles que fazem assim, encontram Nele a luz e a força para não se deter no trauma, na fenda da divisão, mas para ir além sempre e encontrar o remédio, todo remédio possível.
Jesus entre cristãos de várias Igrejas
O amor recíproco com essa medida leva a atuar a unidade. E a unidade vivida tem um efeito, que, por assim dizer, é uma peça forte para o ecumenismo vivo. Trata-se da presença de Jesus entre as pessoas, na comunidade. “Onde dois ou três – disse Jesus – estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). Jesus entre um católico e um evangélico que se amam, entre anglicanos e ortodoxos, entre uma armênia e uma reformada que se amam. Quanta paz desde já, quanta luz para um reto caminho ecumênico! Além do mais, Jesus entre nós é um dom, que torna menos penosa a espera pelo tempo no qual Ele será compartilhado por todos nós sob as espécies eucarísticas. E, ainda, é preciso um grande amor pelo Espírito Santo, Amor feito Pessoa. Ele liga as Pessoas da Santíssima Trindade em unidade e é um vínculo entre os membros do Corpo Místico. Eu sei, também por experiência, que se todos vivermos assim, haverá frutos excepcionais e principalmente um efeito particular: vivendo juntos esses vários aspectos do nosso cristianismo, perceberemos, de certa forma, que formamos um só povo cristão, que pode ser fermento para a plena comunhão entre as Igrejas.
7.4. Intercultura, para um anúncio respeitoso
De certo modo – observou Chiara durante uma viagem à Índia –, a Igreja está “também além de si mesma”. E para confirmar isso, citou santo Tomás, segundo o qual a Igreja deve ser medida levando em conta todos aqueles por quem Jesus morreu, quer dizer, toda a humanidade. Com o diálogo – explicou a autora – a Igreja se abre, portanto, “para si mesma que está além de si e está presente nas sementes do Verbo”. Daqui começa o caminho para um “anúncio respeitoso”, que sabe unir a evangelização com um diálogo sincero.
Diálogo: palavra de grande atualidade
Do discurso Qual é o futuro para uma sociedade multicultural, multiétnica e multirreligiosa?
Londres, 19 de junho de 2004
Em atitude de aprender de todos
Trata-se de chorar com aqueles que choram e de se alegrar com aqueles que se alegram. Fazer-se um. É a atitude que guiou o apóstolo Paulo, o qual escreve que
se fez judeu com os judeus, grego com os gregos, tudo para todos (1Cor 9,1922). E é muito importante seguirmos o seu exemplo, para que possamos estabelecer um verdadeiro diálogo fraterno com todos. Sim, diálogo, uma palavra de grande atualidade hoje. Diálogo que significa estar entre pessoas de ideias diferentes e falar com tranquilidade e amor sincero com o próprio interlocutor, para encontrar algum acordo que esclareça as incompreensões, que elimine as altercações, as lutas, que anule o ódio. Esse diálogo, especialmente entre os fiéis de religiões diferentes, é hoje mais do que nunca necessário e imprescindível, se quisermos prevenir os graves males que ameaçam nossas sociedades. Foi escrito: “Conhecer a religião do outro implica em entrar na pele do outro, ver o mundo como ele o vê, penetrar no significado que é para ele ser budista, muçulmano, hindu...” ³. Não é algo simples, exige o vazio total de nós, requer tirar da nossa mente as ideias, do coração os afetos, da vontade tudo, para se identificar com o outro. É uma questão de remover momentaneamente até aquilo que possuímos de mais belo e de mais grandioso: nossa própria fé, nossas próprias convicções, para ser, diante do outro, nada, um “nada por amor”. Assim, nós nos colocamos na posição de aprender, e realmente sempre temos o que aprender com todos. Se somos impulsionados por esse amor, então o outro pode se manifestar, porque encontra em nós quem o acolhe; pode se doar, porque encontra em nós quem o escuta. Assim, amos a conhecer sua fé, sua cultura, sua língua; entramos em seu mundo, aculturamo-nos de alguma forma e ficamos enriquecidos. Com essa atitude, contribuímos a fazer com que nossas sociedades multiculturais se tornem interculturais, isto é, compostas por culturas abertas umas para com as outras e em profundo diálogo de amor entre si.
Irmanados pela verdade
A nossa completa abertura e acolhida predispõe o outro a nos ouvir também. De fato, percebemos que, quando alguém morre para si mesmo, justamente para fazer-se um com os outros, eles ficam impressionados e geralmente pedem explicações. Assim, podemos ar para aquilo que o papa chama de “anúncio
respeitoso”. “Respeitoso”: é a palavra-chave de cada diálogo. Por lealdade diante de Deus, por lealdade a nós mesmos e também por sinceridade perante o próximo, dizemos aquilo que a nossa fé afirma sobre o assunto do qual estamos falando, sem impor nada a ninguém, sem sombra de proselitismo, mas somente por amor. Mas, pelo Espírito Santo, que está sempre presente quando amamos, os irmãos sentem despertar em seus corações, enquanto falamos, algo “vivo” no sentido sobrenatural: são as “sementes do Verbo”, das quais o Concílio fala, que o amor de Deus depositou em todas as religiões. E, enquanto nós falamos, os irmãos sabem captar alguma expressão daqueles valores simplesmente humanos naqueles que não têm fé e que o Senhor, ao nos criar, disseminou em todas as almas e em todas as culturas. É com base nessas sementes e nesses valores que nós podemos – sempre servindo – oferecer com delicadeza e discrição ilimitada aqueles aspectos da verdade que carregamos em nós e que podem dar maior plenitude e integralidade àquilo em que aquele próximo já acredita. Assim, antes ele nos deu algo, e agora nós fazemos o mesmo. E no clima de comunhão que essa troca de dons cria, a verdade se revela pouco a pouco, e nos sentimos irmanados por ela. (61)
7.5. Juntos, pela paz e pela fraternidade
Se a meta final da Igreja é a pátria celeste, o povo de Deus é chamado a ser, ao mesmo tempo, no seio da humanidade, fermento de justiça e de partilha, de fraternidade e de paz, a caminho dos “Céus novos e nova terra”.
Aquilo que é impossível a milhões de homens isolados
Do discurso Qual é o futuro para uma sociedade multicultural, multiétnica e multirreligiosa?
Londres, 19 de junho de 2004
A fraternidade verdadeira, real, sentida é o fruto daquele amor que é capaz de se tornar diálogo, relacionamento, daquele amor que, longe de se fechar orgulhosamente no próprio recinto, sabe se abrir para os outros e colaborar com todas as pessoas de boa vontade, para construir juntos a unidade e a paz no mundo. [...] Nós sabemos que são muitas as causas do terrorismo, mas uma delas, a mais profunda, é o sofrimento inável diante de um mundo rico para um quinto e pobre para quatro quintos, o que gerou e gera ressentimento incubado no coração há muito tempo, violência e vingança. Exige-se mais igualdade, mais solidariedade, acima de tudo uma partilha mais justa de bens. Mas, como sabemos, os bens não se movem sozinhos, eles não caminham por si; são os
corações que devem ser movidos, são os corações que devem ser colocados em comunhão! Para isso, é necessário difundir a ideia e a prática da fraternidade entre muitas e muitas pessoas; e, diante da vastidão do problema, de uma fraternidade universal. Os irmãos sabem cuidar de seus irmãos, sabem como ajudá-los, sabem compartilhar o que têm.
Contribuição decisiva das religiões
E para responder a esse desafio sem precedentes, a contribuição das religiões é decisiva. De quem, se não das grandes tradições religiosas, poderia emergir aquela estratégia da fraternidade capaz de dar uma guinada até mesmo nas relações internacionais? Os enormes recursos espirituais e morais, a contribuição da idealidade, de aspirações por justiça, o compromisso com os mais necessitados, juntamente com todo o peso político de milhões de pessoas de fé, que brotam do sentimento religioso, se forem canalizados para o campo das relações humanas, certamente podem ser traduzidos em ações que terão uma influência positiva na ordem internacional. [...] A nossa experiência nos diz que, para aqueles que tentam remover as montanhas do ódio e da violência hoje, a tarefa é colossal. Mas aquilo que é impossível para milhões de homens isolados e divididos, parece se tornar possível para pessoas que fizeram do amor mútuo, da compreensão recíproca, da unidade a motivação essencial de suas vidas. [...] Então, não está distante o dia em que o amor recíproco florescerá também entre os povos. Utopia? Não. É o desejo mais precioso de Deus, é o testamento de Jesus que se tornará realidade. Se Ele, o Filho de Deus, pediu ao Pai a unidade de todos, essa oração não pode deixar de ser atendida. (62)
90 Cf. sobretudo La città di Dio, mas também os discursos nos quais Santo Agostinho fala da queda de Roma (81, 105, 296, 397).
91 LUBICH, C. Scritti spirituali/1. Roma: Città Nuova, 1991³, p. 219.
92 João Paulo II. Varcare la soglia della speranza. Milão: Mondadori, 1994, p.167.
93 WHALING, F. Christian Theology and World Religions. A Global Approach. Londres: Marshall Pickering, 1986, p. 130-131.
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(2) LUBICH, C. Um novo caminho. São Paulo: Cidade Nova, 2017, p. 59.
(3) LUBICH, C. Lettere dei primi tempi (1943-1949). Alle origini di una nuova spiritualità. Roma: Città Nuova, 2010, p. 115-119.
(4) Ibid., p. 127-128.
(5) LUBICH, C. Parole di Vita, de F. Ciardi. Roma: Città Nuova, 2017, p. 56-57.
(6) Carta publicada em ABIGNENTE, L. “Qui c’è il dito di Dio”. Carlo de Ferrari e Chiara Lubich: il discernimento di un carisma. Roma: Città Nuova, 2017, p. 97-98.
(7) Ibid, p. 249.
(8) LUBICH, 2010, p. 202-204.
(9) Ibid, p. 221.
(10) Il Patto del ’49 nell’esperienza di Chiara Lubich. Percorsi interdisciplinari, Studi della Scuola Abbà 1. Roma: Città Nuova, 2012, p. 21-23.
(11) Ibid.., p. 20-21.
(12) Cf. LUBICH, C. Maria. São Paulo: Cidade Nova, 2017, p. 49.
(13) Cf. LUBICH, 2003, p. 158-160.
(14) Versão integral deste trecho em AA.VV. Guardare tutti i fiori. Da una pagina del ’49 di Chiara Lubich. Roma: Città Nuova, 2014, p. 9-13.
(15) Ibid., p. 12-13.
(16) Commenti di Chiara Lubich agli Statuti dell’Opera di Maria, de E. M. Fondi, para uso exclusivo do Movimento dos Focolares. Rocca di Papa, 2007, p. 39-41.
(17) LUBICH, C. O Grito. São Paulo: Cidade Nova, 2000, p. 67-68.
(18) Carta publicada em ABIGNENTE, 2017, p. 176-177.
(19) Anotação publicada id., p. 242-243.
(20) LUBICH, C. Scritti spirituali/3. Roma: Città Nuova, 1996³, p. 42-45.
(21) LUBICH, C. Scritti spirituali/1. Roma: Città Nuova, 1991³, p. 158.
(22) LUBICH, C. Diario 1964/65. Roma: Città Nuova, 1985, p. 153-154.
(23) Zanzucchi, M (Org.). Una giornata a Loppiano. Roma: Città Nuova, 2004, p. 113-114.
(24) LUBICH, C. Fragmentos. São Paulo: Cidade Nova, 2005, p. 68-50.
(25) Diario 1964/65, op. cit., p. 152.
(26) LUBICH, 2003, p. 162-163.
(27) In Scritti spirituali/2, op. cit., p. 207-208.
(28) In Scritti spirituali/2, op. cit., p. 121-125.
(29) Commenti di Chiara Lubich agli Statuti dell’Opera di Maria, op. cit., p. 103.
(30) Diario 1964/65, op. cit., p. 133-134.
(31) Cf. FONDI, E. M.; ZANZUCCHI, M. Un popolo nato dal Vangelo. Chiara Lubich e i Focolari. Cinisello Balsamo: San Paolo, 2003, p. 287.
(32) Como mencionado ibid., p. 287.
(33) LUBICH, C. Chiara aos gen – 1966-1969. São Paulo: Cidade Nova, 2016, p. 25-26.
(34) Scritti spirituali/3, op. cit., p. 107.
(35) Ibid., p. 111.
(36) Ibid., p. 155-156, 159.
(37) LUBICH, C. Gesù in mezzo. In FRATTA, D.; KASUJJA, D. Para uso interno do Movimento dos Focolares. Roma: Città Nuova, 2008, p. 27-28.
(38) LUBICH, C. Dove la vita si accende. Dialoghi sulla famiglia, Roma: Città Nuova, 1998, p. 32.
(39) Scritti spirituali/3, op. cit., p. 186-187.
(40) Ibid., p. 132-133.
(41) Ibid., p. 150.
(42) LUBICH, C. Jesus Eucaristia. São Paulo: Cidade Nova, 2014, p. 25.
(43) Scritti spirituali/4. Roma, Città Nuova, 1995², p. 36 e 42-44.
(44) LUBICH, C. Chiara aos gen – 1970-1974. São Paulo: Cidade Nova, 2016, p. 149-150.
(45) Scritti spirituali/3, op. cit., p. 162-163.
(46) Scritti spirituali/4, op. cit, p. 61-62.
(47) Ibid., p. 65-66, 68-70.
(48) Ibid., p. 104.
(49) Ibid., p. 116-117.
(50) Scritti spirituali/1, op. cit, p. 218-219.
(51) Aqui como publicado em Scritti spirituali/2, op. cit, p. 203-204.
(52) Nuova Umanità, 6 (1984), n. 32, p. 3-4.
(53) Nuova Umanità, 28 (2006), n. 164, p. 141-143.
(54) Regolamento della branca dei presbiteri e dei diaconi permanenti focolarini. Para uso interno do Movimento dos Focolares, art. 1.
(55) Il celibato sacerdotale. In Città Nuova, 14 (1970), n. 3, p. 8-9.
(56) Aqui como publicado em Scritti spirituali/4, op. cit, p. 30-32.
(57) Città Nuova, 33 (1989), n. 11, p. 34-40.
(58) Nuova Umanità, 27 (2005), n. 161, p. 654-655.
(59) LUBICH, 2003, p. 71-76
(60) Cf. LUBICH, C. Santità di popolo. Roma: Città Nuova, 2001, p. 45-47.
(61) Nuova Umanità, 27 (2005), n. 161, p. 658-659.
(62) Ibid., p. 660-663.